A Iminência Da Morte e o Desfrutar Da Vida Na Poesia e No Ethos Greco-romano

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Morte, Vida

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  • Notandum 19 jan-abr 2009 CEMOrOC-Feusp / IJI-Universidade do Porto

    A IMINNCIA DA MORTE E O DESFRUTAR DA VIDA NA POESIA E NO

    ETHOS GRECO-ROMANO

    THE IMMINENCE OF DEATH AND THE ENJOYING OF LIFE IN THE GREEK-

    ROMAN POETRY AND ETHOS

    Prof. Dr. Aldo Dinucci Depto. de Filosofia Univ. Fed. de Sergipe

    RESUMO: Neste artigo comentarei e apresentarei uma seleo de poemas gregos e romanos, traduzidos por mim a partir de seus idiomas originais, que tm como tema principal o ethos antigo que se caracterizava pela valorizao da vida e pela urgncia de viv-la plenamente atravs do prazer, dada a iminncia da morte que, segundo essa cosmoviso, nada nos reserva seno uma subsistncia espectral e sombria.

    PALAVRAS-CHAVE: literatura clssica, tica, vida, morte

    ABSTRACT: In this paper I will comment and present a selection of greek and roman poems, translated by me from their original idioms, which have as main theme the ancient ethos that is marked by the valorization of life and the urgency of living it in full through pleasure, in reason of the imminence of death which, according to this cosmovision, nothing is set aside for us but a shady and obscure existence.

    KEY-WORDS: classical literature, ethics, life, death.

    Introduo:

    Numa cosmoviso como a greco-romana, na qual a vida sobre a terra era vista como

    o momento oportuno para a realizao do homem em suas mltiplas dimenses, nada sendo

    a existncia aps a morte seno uma subsistncia sombria e fantasmagrica, a vida sensvel

    e sensual era valorizada ao mximo. Assim, os poetas cantaram ao longo dos sculos da

    Antigidade o dever do homem de desfrutar o momento. Esse desfrutar no era visto como

    algo acessrio ou contrrio aos costumes, mas como algo urgente, cujo adiamento era

    sinnimo de tolice e insensatez. Para os antigos, era preciso colher o momento, a

    oportunidade, sem se deixar levar por preocupaes quanto ao futuro ou ao passado que

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    fizessem perder o fruto da hora, tendo sempre em vista a iminncia do aniquilamento que a

    morte traz a todos os mortais.

    Anacreonte e a fruio do momento presente:

    Segundo a tradio, o primeiro poeta a proclamar essa urgncia de viver plenamente

    o que h de prazeroso na vida foi Anacreonte. Natural da cidade jnica de Teos, na sia

    Menor, Anacreonte teve de abandonar sua cidade quando ela foi invadida pelos persas. A

    partir da tirania de Hpias (527-510 a.C.), o poeta passou a viver em Atenas e parece ter

    visitado a Tesslia. Segundo Pausnias1, os atenienses lhe ergueram uma esttua na

    Acrpole. Sua poesia quase por completo dedicada ao tema dos banquetes e dos amores.

    Como se sabe, os banquetes eram uma instituio fundamental para os atenienses, o

    momento mximo de sociabilidade, onde os homens desfrutavam as boas conversas, os

    bons vinhos, as boas comidas, sem esquecer da companhia das hetaras2 e dos belos

    rapazes. Os Banquetes de Plato e Xenofonte so um testemunho contundente disso.

    O poema que apresento a seguir, na minha traduo a partir do grego clssico, trata

    justamente desse abandonar-se em meio ao banquete com o auxlio do vinho, esquecendo

    as questes superficiais do dia-a-dia. O poeta proclama: No me importa quem detenha o

    poder, no me importam as riquezas: cuido agora de desfrutar o presente, perfumando a

    barba, coroando com flores a cabea. Que o amanh venha por si mesmo e no faa

    esquecer de viver o presente: tolice temer ou se preocupar com o futuro, pois ele

    desconhecido, e assim permanecer at se transformar em presente tambm. Preocupar-se

    com o futuro jogar a vida (o presente) fora. preciso, portanto, deix-lo de lado e

    concentrar-se no agora:

    A mim no importa a riqueza de Giges,

    Senhor de Sardi,

    Nem me cativa o ouro,

    Nem louvo os tiranos.

    A mim importa em blsamos

    Embeber a barba,

    A mim importa com rosas

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    Coroar a fronte.

    O dia de hoje me importa,

    Pois quem conhece o amanh?

    (Anacreonte (sc. 6 a.C.), Antologia Palatina, xi, 473)

    Tal temtica anacrentica foi retomada sem cessar pelos poetas gregos atravs da

    Antigidade em razo da onipresena dessa ethos na cultura antiga. Os epigramas

    seguintes, traduzidos por mim a partir do texto grego, so alguns entre inmeros textos

    clssicos que retratam essa cosmoviso. Selecionei-os a partir da Antologia Palatina,

    gigantesca compilao de epigramas realizada pelo bizantino Constantino Cefalas (sc. 10

    d.C.), compreendendo poemas (3700 ao todo, escritos em grego clssico) compostos entre 7

    a.C. e 6 d.C. tanto por poetas gregos quanto por poetas romanos. No sculo 12 d.C., o

    tambm bizantino Mximo Planudes revisou o trabalho de Cefalas, produzindo a

    compilao que chegou at ns, recebendo o nome de Antologia Palatina porque o nico

    manuscrito remanescente se encontra na Biblioteca Palatina, localizada na cidade de

    Heidelberg na Alemanha.

    Os epigramas por mim selecionados tratam da mesma temtica: a morte iminente

    e nada h de desejvel aps ela; o prazer que se desfruta no presente o supra-sumo da

    vida; loucura abrir mo do agora em nome de inteis preocupaes e vs esperanas;

    deve-se pr de lado tudo isso para se abrir para o agora e viver plenamente. Vislumbram-se

    a trs asseres que se concatenam para perfazer tal iderio: (a) a afirmao da iminncia

    da morte e do carter mortal de tudo o que humano, (b) a partir disso, a afirmao de que

    preciso aproveitar ao mximo o presente e (c) a afirmao de que, para assim desfrutar o

    agora, preciso deixar para trs as preocupaes e expectativas em relao ao presente e ao

    futuro.

    A afirmao da iminncia da morte e do carter mortal das coisas humanas:

    Os dois primeiros epigramas que apresento a seguir tratam da afirmao da iminncia da

    morte e do carter mortal de tudo o que humano. O primeiro, de Luciano, tem um carter

    aforismtico e se refere condio efmera tanto das coisas humanas quanto dos prprios

    homens. A primeira parte do primeiro verso uma frmula mnemnica que se perde na

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    traduo, mas que pode ser percebida, na transcrio, mesmo pelos que desconhecem o

    grego clssico: Thnet t tn thnetn (traduzindo literalmente: Mortais as dos mortais):

    Mortais so as coisas dos mortais, e todas as coisas passam/ E, se no passam, ns

    passamos. (Luciano (sc. 2 d.C.), Antologia Palatina, x, 31)

    O prximo, de Amiano, fala da morte que, por diferentes meios, conduz todos os

    homens ao mesmo fim. A morte dita purprea, pois, no Imprio Romano, sob o qual o

    epigrama foi escrito, tal cor era associada ao vesturio dos poderosos. Havia ento a toga

    praetexta, que tinha uma faixa prpura e que era usada tanto por jovens que no tinham

    tomado a toga uirillis ou que no eram casados quanto por magistrados e sacerdotes; usava-

    se tambm a toga picta ou purpurea, primeiro pelos triunfadores e mais tarde pelos

    imperadores, e a toga trabea que, vestida por sacerdotes em cerimnias religiosas e por

    deuses nas representaes artsticas, era algumas vezes toda em prpura e outras vezes

    ornamentada com listras horizontais dessa mesma cor. A morte dita purprea, portanto,

    em razo de seu carter dominador ela impera inexoravelmente sobre todos os mortais,

    remetendo-os todos ao mesmo fim, embora por diferentes vias:

    Aurora aps aurora se sucede, e ento, estando ns descuidados,

    Subitamente nos chega a Sombria e Purprea Morte,

    Que, fazendo derreter-se um, grelhando outro, e inflando outro ainda, a todos conduz a

    [um s abismo. (Amiano (2 d.C.), Antologia Palatina, xi, 13)

    A afirmao de que preciso aproveitar ao mximo o presente:

    Os epigramas seguintes afirmam a necessidade de aproveitar o momento em virtude

    da iminncia da morte e do carter efmero de tudo o que humano. O primeiro, de Zona,

    tem em plenitude o carter sinttico prprio da epigramtica4: sabedor de que logo se estar

    sob a terra, terra da qual nasceu, o poeta pede pela taa igualmente feita de terra (argila)

    para beber o vinho e desfrutar o presente: D-me a doce taa forjada da terra / Terra da

    qual nasci, e sob a qual, quando morto, estarei inerte. (Zona (sc. 1 a.C.), Antologia

    Palatina, xi, 43)

    O prximo epigrama descreve um mosaico no qual se vem representados uma

    jarra, um po, uma guirlanda de flores e um crnio. A mensagem clara: ciente da

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    iminncia da morte, indicada pelo crnio, deve-se tomar o que o presente oferece,

    simbolizado pela jarra, representando o vinho que sorvido nos banquetes, o po,

    representando a refeio dos banquetes, e a guirlanda, o prprio banquete (os gregos

    usavam guirlandas de flores tais durante tais ocasies):

    Essa a prazerosa armadura dos pobres: o po, a jarra

    E a guirlanda de frgeis flores,

    E este o sagrado osso, subrbios de um crebro que

    Se extinguiu, a mais extrema cidadela da alma.

    Bebe, diz a inscrio, e come e cerca-te de flores

    tua volta, pois subitamente nos tornamos isso.

    (Polemon Rei do Ponto (sc. 2 d.C.), Antologia Palatina, xi, 38)

    No epigrama abaixo, o poeta conclama seu amigo a aproveitar ao mximo sua

    participao em um banquete junto aos jovens. Que as guirlandas cubram agora suas

    cabeas, pois logo elas cobriro seus tmulos. Que bebam e desfrutem agora, e que

    Deucalio cubra seus ossos quando morrerem. Esse Deucalio , segundo a mitologia

    greco-romana, filho de Prometeu e Climene. Deucalio e sua mulher, Pirra, seriam os

    nicos sobreviventes da estirpe humana aps o dilvio promovido por Zeus que,

    consternado com a maldade dos homens, decidira destruir a humanidade. O casal, entrando

    em um templo aps a inundao, recebera o seguinte orculo: Sa do templo com a cabea

    descoberta e atirai para trs os ossos de tua me. Deucalio interpretou o dito

    considerando a me como sendo a terra, e seus ossos, as pedras. O casal, ento, ps-se a

    atirar por sobre os ombros pedras que logo teriam tomado a forma humana, repovoando a

    terra5. No poema, a referncia a Deucalio significa desconsiderar por completo o que quer

    que venha aps a morte e concentrar-se firmemente no presente: que os outros se

    encarreguem deles quando estiverem mortos, a j no tero mais problemas ou obrigaes.

    A morte deve ser-lhes indiferente para que possam viver plenamente o presente:

    Bebe e ama agora, Damocrates, pois no para sempre

    Beberemos, e nem sempre estaremos junto aos jovens.

    Que cubramos as cabeas com guirlandas de flores e que nos perfumemos

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    Antes que outros levem tais coisas aos nossos tmulos.

    Agora, que eu pressione em mim o vinho fermentado at encher ossos.

    Que Deoclion os cubra quando estiverem mortos.

    (Strato (viveu sob Adriano), Antologia Palatina, xi, 19)

    A afirmao de que preciso pr de lado preocupaes e expectativas:

    Destacamos a seguir alguns epigramas que tratam da necessidade de suprimir as

    preocupaes e expectativas para se viver de modo pleno. No primeiro deles, o poeta

    Argentrio adverte que o desejo de ser imortal associa-se a um afastamento da vida sensvel

    e sensual; esse afastamento, argumenta o poeta, no faz sentido, pois mesmo os mais

    virtuosos entre os homens (representados aqui por Zeno de Ctium e Cleanto,

    respectivamente o fundador do estoicismo e seu discpulo dileto) morreram e, como os

    demais homens, desapareceram:

    Morto e enterrado, cinco ps de terra te cobriro, e no vers nem as alegrias

    Da vida nem os raios do Sol:

    De modo que, tomando o vinho sem mistura, puxa para ti a taa tendo motivo

    [para alegrar-te,

    envolvendo em teus braos tua belssima mulher.

    Mas se o desejo de ser imortal te engana, sabe que

    [Tambm] Cleanto e Zeno se foram para o profundo Hades.

    (Argentrio (2 d.C.), Antologia Palatina, xi, 28)

    No epigrama seguinte, o poeta Apolnidos adverte seu amigo quanto ao sono, para

    que ele no se contente em sonhar tendo diante de si a realidade: que ele desperte e se lance

    ao banquete e vida:

    Dormes, amigo, mas a taa te chama,

    Acorda, no te satisfaas com a fatal inquietao,

    No desperdices o tempo, Deodoro, mas, deslizando vido para Baco,

    Bebe o vinho forte at cair ao cho de joelhos.

    Haver tempo, muito muito tempo, em que no beberemos mais.

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    Mas vai, apressa-te:

    A prudncia ilumina nossas tmporas.

    (Apolnidos (sc. 1 d.C.), Antologia Palatina, xi, 25)

    No prximo epigrama, de Paladas, um ancio no se importa por no ser mais

    atraente para as mulheres ou por ter os cabelos brancos, mas permite a si mesmo usufruir o

    banquete, esquecendo-se das dificuldades de sua condio e aproveitando o melhor que a

    vida tem a lhe oferecer:

    As mulheres debocham de mim, velho, dizendo

    Ver no espelho meu tempo restante de vida.

    Mas, caminhando ao fim de minha pobre existncia, no me importo

    Se tenho cabelos brancos ou negros.

    Suprimo as graves preocupaes com blsamos odorficos

    E com guirlandas de flores.

    (Paladas de Alexandria (sc 5 d.C.), Antologia Palatina, xi, 54)

    No poema seguinte, o poeta consola o amigo quanto s dores do amor: preciso que

    compreenda, em primeiro lugar, que esse tipo de sofrimento prprio da condio humana.

    Que ele esquea essas dores e se aproprie de seu momento antes da aniquilao final da

    morte:

    Bebe, Asclepades, por que as lgrimas? Por que sofres?

    No somente a ti a malvola Cpris tomou como cativo,

    Nem por ti somente o cruel Eros afiou o arco

    E as flechas. Por que, em vida, te colocas entre as cinzas?

    Que bebamos a pura bebida de Baco: um dedo a durao do dia;

    Ou, em vez disto, esperaremos ver a lamparina que nos pe para dormir?

    Que bebamos, amante insano: seguramente,

    desafortunado, em breve dormiremos a longa noite.

    (Asclepades de Samos (sc. 3 a.C.), Antologia Palatina, xii, 50)

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    A seguir, Paladas toca em outra questo: mesmo o tempo no qual lamentamos a brevidade

    da vida tempo perdido. A cincia de nosso carter efmero deve nos direcionar

    diretamente para a vida e para a ao e no para a melancolia:

    brevidade do prazer da vida.

    Deploramos a rapidez do tempo

    Sofrendo ou experimentando volpias: mas o tempo corre,

    Corre sobre ns, infelizes mortais,

    Trazendo o fim para a vida de cada um.

    (Paladas de Alexandria (sc 5 d.C.), Antologia Palatina, x, 81)

    Os dois ltimos epigramas que selecionei da Antologia Palatina tm como tema a

    sabedoria de Sardanapalo, rei mtico da Assria. Este Sardanapalo, que o poeta annimo

    personifica e d voz, nada teria levado da vida seno o quanto desfrutou dela, enquanto

    seus bens e suas riquezas foram deixados para trs, nada mais significando para ele. Faz-se

    assim uma advertncia para aqueles que valorizam em demasia a conquista de bens, pois a

    busca por eles tambm um modo de ocupar-se negativamente, deixando escapar o tempo

    precioso de vida que poderia ser usufrudo na vida social e no usufruto dos prazeres:

    Bem sabendo que mortal nasceste, engrandece a tua vida

    Deleitando-te em abundncia: quando estiveres morto, nenhum contentamento [haver.

    Com efeito, hoje sou cinzas, tendo sido rei da grande Ninos.

    Sou o quanto comi e insultei e o quanto conheci da seduo,

    Atravs de Eros: mas as muitas posses e riquezas, estas foram deixadas para [trs.

    Tal sabedoria de vida um conselho para os homens.

    (Annimo (data incerta), Antologia Palatina, xvi, 27)

    Possuo o tanto quanto comi e bebi e os prazeres que conheci

    Com os amores. Quanto aos muitos e afortunados bens, todos foram deixados [para

    trs. (Annimo (data incerta), Antologia Palatina, vii, 325)

    A sntese desse modo de pensar na poesia de Horcio:

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    Cumpre ainda apresentar aqui a clebre ode de Horcio (em minha traduo do

    latim), poeta que sintetizou o ethos em questo em duas palavras: Carpe diem! Colhe o

    momento ou a hora, aproveita a ocasio que escapa. O poema, que resume todo o iderio

    que analisamos at aqui, se inicia com o poeta urgindo Leocono a no consultar a

    astrologia (literalmente os nmero babilnicos) nem tampouco se preocupar com o

    destino que os deuses reservam a ela e aos demais mortais. Melhor que ela sofra com o que

    vier quando vier que padecer por antecipao e preocupao, desperdiando a ocasio. O

    futuro no deve ser objeto de preocupao; sensato ou sbio aquele que desfruta o

    presente e toma partido daquilo que ele tem a oferecer. Mesmo quando se fala sobre isso o

    tempo veloz escapa. preciso aproveitar o momento fugaz (Carpe diem) sem esperar

    absolutamente nada do futuro:

    Que tu no indagues saber ilcitoque fim para mim que fim

    Para ti os deuses tenham dado, Leucono, nem os nmeros babilnicos

    Consultes. Quo melhor sofrer o que quer que venha a acontecer,

    Quer Jpiter nos tenha concedido muitos invernos, quer o ltimo,

    O qual agora enfraquece, nos rochedos expostos, o mar

    Dos Tirrenos6. Que sejas sensata, que filtres o vinho e, com o breve momento,

    Suprimas a distante esperana. Enquanto falamos, o cruel tempo de vida

    escapa: Aproveita o dia de hoje, confiando o mnimo possvel no futuro.

    (Horcio, Odes, I, XI)

    Concluso:

    Uma ltima palavra quanto ao ethos clssico em questo: em sua poca ele no era

    um modo de transgredir os ditames morais da sociedade de ento ou sua religiosidade.

    Muito pelo contrrio, a doutrina do usufruto da ocasio se funda na prpria viso que os

    antigos tinham do mundo. Nessa cosmoviso, a principal diferena que h entre o humano e

    o divino o carter mortal. No sendo os homens imortais, pois a imortalidade exclusiva

    dos deuses, cabe-lhes o dever de desfrutar a vida enquanto ela se d. No o fazer como

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    deixar de ir a uma magnfica festa para a qual se foi convidado, desdenhar as ddivas dos

    deuses, que deram aos homens a vida e tudo o mais de belo e agradvel que h sobre a

    terra. Constitui-se assim, portanto, para a mentalidade clssica e helenstica, por mais

    estranho que nos possa parecer, o usufruto da vida no que ela tem de prazeroso e belo tanto

    um dever quanto um exerccio de piedade.

    Referncias Bibliogrficas:

    ANACREONTE. Anacreontea. Traduo de David Campbell. Harvard: Loeb, 2001.

    HORCIO. Odes and Epodes. Traduo de C. E. Bennett. Harvard: Loeb, 1999.

    OVDIO. Metamorfoses. Traduo de David Jardim Jnior. So Paulo: Tecnoprint, 1983.

    PATON W.R. The Greek Anthology, vol. II. Harvard: Loeb, 2000.

    PATON W.R. The Greek Anthology, vol. V. Harvard: Loeb, 1995.

    PATON W.R. The Greek Anthology, vol. VI. Harvard: Loeb, 1991.

    PAUSANIAS. Guide to Greece (I.25). Volume 1: Central Greece. Traduo de Peter Levi.

    Londres: Penguin, 1979.

    NOTAS:

  • 1 Pausnias, Guide to Greece (I.25), p. 702 As hetaras eram sofisticadas cortess. Geralmente de origem no grega, eram exmias na dana e na msica e, ao contrrio das demais mulheres, recebiam educao em literatura e histria e participavam dos banquetes com os homens.3 Apresento aqui o poema tal como ocorre na Antologia Palatina. Na Anacreontea (8, p. 170) h uma verso desse poema com mais versos. 4 A palavra grega epigramma composta por epi (sobre) e gramma (letra, texto escrito, inscrio). Significa literalmente texto escrito sobre. Quando, por exemplo, escrevemos num pacote a ser entregue um recado ao destinatrio estamos escrevendo, mesmo sem pretenses literrias, um epigrama, pois grafamos um texto sobre o pacote. Logicamente, temos a de ser sucintos e objetivos. Na arte grega e romana da epigramtica esta uma das regras primeiras, qual seja: dizer o que tem de ser dito de modo sinttico. 5 Cf. Ovdio, Metamorfoses, p. 18-21.6 Designiao antiga para as costas do litoral da Toscnia

    A IMINNCIA DA MORTE E O DESFRUTAR DA VIDA NA POESIA E NO ETHOS GRECO-ROMANO(Anacreonte (sc. 6 a.C.), Antologia Palatina, xi, 473)(Polemon Rei do Ponto (sc. 2 d.C.), Antologia Palatina, xi, 38)Bebe e ama agora, Damocrates, pois no para sempre(Argentrio (2 d.C.), Antologia Palatina, xi, 28)(Apolnidos (sc. 1 d.C.), Antologia Palatina, xi, 25)(Paladas de Alexandria (sc 5 d.C.), Antologia Palatina, xi, 54)Bebe, Asclepades, por que as lgrimas? Por que sofres?A seguir, Paladas toca em outra questo: mesmo o tempo no qual lamentamos a brevidade da vida tempo perdido. A cincia de nosso carter efmero deve nos direcionar diretamente para a vida e para a ao e no para a melancolia: (Paladas de Alexandria (sc 5 d.C.), Antologia Palatina, x, 81)(Annimo (data incerta), Antologia Palatina, xvi, 27)Possuo o tanto quanto comi e bebi e os prazeres que conheciCom os amores. Quanto aos muitos e afortunados bens, todos foram deixados [para trs. (Annimo (data incerta), Antologia Palatina, vii, 325)