A importância da gestão do desempenho organizacional

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54 TOC 177 COLABORAÇÃO ISCAP A importância da gestão do desempenho organizacional Como não se pode gerir o que não se consegue medir, a implementação e utilização de sistemas de medição e gestão do desempenho organizacional, ainda que em versões simplificadas, são fundamentais para a tomada de decisões. Por Paulino Silva* | Artigo recebido em outubro de 2014 «N ão se pode gerir o que não se pode medir.» Frase normalmente atribuída a Peter Drucker, o “pai” da Gestão, apesar de haver autores que a atribuem a Bill Hewlett, cofundador da HP, tornou-se intemporal e generica- mente aceite, especialmente no con- texto dos negócios. O desempenho organizacional é um tema cada vez mais debatido quer nos meios académicos quer nos meios pro- fissionais. O aparecimento de ferra- mentas de gestão, tais como o ABC/M (activity-based costing/management), o SMART pyramid, o balanced scorecard e o performance prism são disso exemplo. Aliás, este movimento contribuiu para que a contabilidade de gestão ganhasse novamente a relevância que havia per- dido durante grande parte do século XX (Johnson & Kaplan, 1987). Muito recentemente, no editorial de uma das mais prestigiadas revistas científicas de contabilidade de ges- tão - Management Accounting Resear- ch - Mike Bourne, Steven A. Melnyk, Umit Bititci, Ken Platts e Bjorn An- dersen relevam o papel dos KPI (key performance indicators) que têm vindo a substituir os indicadores tradicionais de contabilidade. A conjugação de in- dicadores financeiros com indicadores não financeiros, assim como a multidi- mensionalidade dos mesmos, tem sido cada vez mais evidente nos sistemas de medição e gestão do desempenho or- ganizacional (Bourne, Melnyk, Bititci, Platts, & Andersen, 2013). Estes autores referem ainda que alguns estudos académicos são inconsistentes nos resultados que apresentam sobre o impacto da medição do desempenho no próprio desempenho organizacio- nal, o que sugere um conhecimento ainda muito pobre acerca desta área da contabilidade de gestão. Para além disso, do ponto de vista prático, temos ainda que considerar o desenvolvi- mento acelerado dos negócios. A glo- balização tem alcançado níveis nunca antes vistos, aumentando-se a depen- dência nas cadeias de abastecimento internacionais. Os mercados emergen- tes e a velocidade elevada de acesso à internet são outros fatores importan- tes que condicionam as estruturas das organizações de hoje (Bourne et al ., 2013). ABC/M O ABC, que surge oficialmente durante a década de 1980 pelo contributo dos investigadores Robert Kaplan e David Cooper da Universidade de Harvard dos EUA (Cooper & Kaplan, 1988), é uma das primeiras ferramentas diferencia- doras neste processo de relevância rea- dquirida pela contabilidade de gestão, aliás retratada por H. omas Hohnson no seu livro “Relevance Regained” (Jo- hnson, 1992). O ABC surge, essencial-

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Publicado na revista TOC - dezembro 2014.

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A importância da gestão do desempenho organizacionalComo não se pode gerir o que não se consegue medir, a implementação e utilização

de sistemas de medição e gestão do desempenho organizacional, ainda que em versões

simplificadas, são fundamentais para a tomada de decisões.

Por Paulino Silva* | Artigo recebido em outubro de 2014

«Não se pode gerir o que não se pode medir.» Frase normalmente

atribuída a Peter Drucker, o “pai” da Gestão, apesar de haver autores que a atribuem a Bill Hewlett, cofundador da HP, tornou-se intemporal e generica-mente aceite, especialmente no con-texto dos negócios.O desempenho organizacional é um tema cada vez mais debatido quer nos meios académicos quer nos meios pro-fissionais. O aparecimento de ferra-mentas de gestão, tais como o ABC/M (activity-based costing/management), o SMART pyramid, o balanced scorecard e o performance prism são disso exemplo. Aliás, este movimento contribuiu para que a contabilidade de gestão ganhasse novamente a relevância que havia per-dido durante grande parte do século XX (Johnson & Kaplan, 1987).Muito recentemente, no editorial de uma das mais prestigiadas revistas

científicas de contabilidade de ges-tão - Management Accounting Resear-ch - Mike Bourne, Steven A. Melnyk, Umit Bititci, Ken Platts e Bjorn An-dersen relevam o papel dos KPI (key performance indicators) que têm vindo a substituir os indicadores tradicionais de contabilidade. A conjugação de in-dicadores financeiros com indicadores não financeiros, assim como a multidi-mensionalidade dos mesmos, tem sido cada vez mais evidente nos sistemas de medição e gestão do desempenho or-ganizacional (Bourne, Melnyk, Bititci, Platts, & Andersen, 2013).Estes autores referem ainda que alguns estudos académicos são inconsistentes nos resultados que apresentam sobre o impacto da medição do desempenho no próprio desempenho organizacio-nal, o que sugere um conhecimento ainda muito pobre acerca desta área da contabilidade de gestão. Para além disso, do ponto de vista prático, temos

ainda que considerar o desenvolvi-mento acelerado dos negócios. A glo-balização tem alcançado níveis nunca antes vistos, aumentando-se a depen-dência nas cadeias de abastecimento internacionais. Os mercados emergen-tes e a velocidade elevada de acesso à internet são outros fatores importan-tes que condicionam as estruturas das organizações de hoje (Bourne et al., 2013).

ABC/M

O ABC, que surge oficialmente durante a década de 1980 pelo contributo dos investigadores Robert Kaplan e David Cooper da Universidade de Harvard dos EUA (Cooper & Kaplan, 1988), é uma das primeiras ferramentas diferencia-doras neste processo de relevância rea-dquirida pela contabilidade de gestão, aliás retratada por H. ¥omas Hohnson no seu livro “Relevance Regained” (Jo-hnson, 1992). O ABC surge, essencial-

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mente, para dar solução a um proble-ma existente no custeio dos produtos. A percentagem de custos indiretos na composição do custo total dos produtos é cada vez maior e a atribuição desses custos é efetuada através de critérios pouco rigorosos, essencialmente basea-dos em volume. Este contexto originou a procura de um sistema alternativo, o ABC, que permitisse uma mais rigorosa alocação dos custos indiretos.No entanto, a evolução para ABC/M acabou por acontecer naturalmente,

dada a necessidade de gestão do de-sempenho através não só do custeio das atividades, mas principalmente através da gestão das atividades. O ABC/M é uma ferramenta que permite uma melhor gestão da organização. Na prática, o ABM apresenta-se como o conjunto de ações que podem ser reali-zadas a partir da informação produzida pelo ABC (Kaplan & Cooper, 1998).

Balanced scorecard

O balanced scorecard surge no início

Figura 1: Traduzindo a visão e a estratégia: quatro perspetivas

Fonte: Adaptado de Kaplan, R. S., & Norton, D. P. (1996). Using the Balanced Scorecard as a Strategic Management System. Harvard Business

Review, Jan-Feb, 75 - 85.

da década de 1990, mais precisamente através de um artigo publicado na Har-vard Business Review por Robert Ka-plan e David Norton, em fevereiro de 1992 (Kaplan & Norton, 1992). Desde esse momento que muitas publicações sobre o balanced scorecard têm surgido, quer na literatura académica quer na li-teratura profissional. Na literatura aca-démica uma das vozes mais críticas ao modelo tem sido a de Hanne Norreklit que, num dos seus artigos académicos mais conceituados, coloca em causa as

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relações de causa e efeito, defendidas pelos autores como relações funda-mentais do modelo (Norreklit, 2000). Apesar disso, muitos são os autores que o recomendam e disseminam por todo o mundo. O facto do balanced score-card apresentar medidas financeiras e não financeiras, assim como medidas históricas e prospetivas equilibrando a análise do desempenho organiza-cional, pode ter sido também muito importante para esta propagação. Por exemplo, Paul Niven destacou-se pelo facto de ter apresentado uma versão do balanced scorecard para organizações públicas e para organizações sem fins lucrativos (Niven, 2003).Na sua versão inicial, o modelo do ba-lanced scorecard apresenta quatro pers-petivas:- Perspetiva de aprendizagem e cresci-mento, que se situa na base do modelo e na qual todas as restantes perspetivas

estão suportadas. É nesta perspeti-va que se aferem as competências dos trabalhadores para a boa execução das suas funções dentro da organização.- Perspetiva dos processos internos de negócio, na qual se questiona a organi-zação sobre quais os processos de ne-gócios em que tem de ser excelente de forma a satisfazer clientes e detentores do capital da organização.- Perspetiva do cliente, na qual a or-ganização é questionada sobre como deve aparecer perante os clientes para alcançar a visão definida.- Perspetiva financeira, na qual se questiona como a organização deverá aparecer perante os seus detentores de capital para ter sucesso financeiro.Em cada uma destas quatro perspe-tivas são definidos objetivos, indica-dores, metas e iniciativas. No centro do modelo e interligadas com todas as perspetivas estão a visão e a estraté-

gia da organização. Embora o balan-ced scorecard tenha evoluído de um simples sistema de medição para um verdadeiro sistema de gestão do de-sempenho organizacional, o modelo inicial ainda se mantém praticamente inalterado. (ver figura 1)

Performance prism

No seguimento da difusão do balanced scorecard, surge um modelo que, se-gundo os seus autores, apresenta uma maior abrangência na medição e ges-tão do desempenho organizacional. Designa-se por performance prism e surge no Reino Unido no Centre for Bu-siness Performance da Cranfield School of Management – Cranfield University através de Andy Neely, Chris Adams e Mike Kennerly.Os autores argumentam que a melhor forma das organizações, sejam elas com fins lucrativos ou sem fins lucra-tivos, sobreviverem e prosperarem no longo prazo será pensar nos desejos e necessidades de todos os seus stakehol-ders e esforçar-se em entregar o valor apropriado a cada um deles. Para tal, os autores apresentam um modelo com cinco perspetivas interrelacio-nadas, traduzidas nas seguintes cinco questões (Neely, Adams, & Kennerley, 2002):- Satisfação dos stakeholders: quem são os nossos stakeholders e o que querem e precisam?- Contribuição dos stakeholders: o que queremos e precisamos dos nossos stakeholders? - Estratégias: que estratégias precisa-mos por em prática para satisfazer o conjunto das nossas vontades de ne-cessidades? - Processos: que processos precisamos por em prática para satisfazer o con-junto das nossas vontades e necessi-dades? - Capacidades: que recursos – pessoas, práticas, tecnologia, e infraestrutura

Figura 2: Performance prism

Fonte: Adaptado de Neely, A. D., Adams, C., & Kennerley, M. (2002). The Performance Prism:

The Scorecard for Measuring and Managing Stakeholder Relationships. London: Financial Times/

Prentice Hall.

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– precisamos por em prática que nos permita operacionalizar os nossos pro-cessos de forma mais eficaz e eficiente?O performance prism, apesar de apa-rentemente se apresentar como uma evolução do balanced scorecard, a rea-lidade é que ainda não atingiu um grau de disseminação comparável ao últi-mo, quer nos meios académicos quer nos meios profissionais. (ver figura2)

SMART pyramid

Apesar de menos recente que os mo-delos apresentados anteriormente, o SMART pyramid foi também um mo-delo divulgado e utilizado no âmbito da medição e gestão do desempenho organizacional (Lynch & Cross, 1991).O modelo, tal como o próprio nome indicia, forma uma pirâmide, basea-da nas necessidades dos clientes e na qual são identificados quatro níveis de objetivos estratégicos na forma top--down, alimentados pelas medidas de forma bottom-up. A palavra SMART é o acrónimo que resulta das palavras Strategic Measurements Analysis Repor-ting Technique.Este é um modelo que integra e susten-ta o foco da organização na estratégia do negócio, gere as expectativas do cliente, assim como o próprio desem-penho organizacional de forma a satis-fazer essas mesmas expetativas.Para além disso o SMART pyramid per-mite transpor a visão corporativa para os departamentos e centros de tra-balho. Uma das principais vantagens deste modelo é a de interligar a visão hierárquica da medição do desempe-nho do negócio com a visão do pro-cesso de negócio. Também permite explicitar as diferenças entre as me-didas que têm influência externa, no-meadamente a satisfação dos clientes, e as medidas que têm principalmente influência interna, como é o caso da produtividade, do ciclo de exploração e dos desperdícios. (ver figura 3)

Notas finais

A implementação e utilização de sistemas de medição e gestão do desempenho organizacional nas empresas e outras organizações sem fins lucrativos depende, na maior parte dos casos, de uma análise custo-benefício que deve ser efetuada previamente. A esco-lha de um modelo ou de outro, ou até da combinação de vários adap-tados às características da própria organização, deve ser ponderada em relação ao potencial valor que pode ser acrescentado. Se é bem verdade que em muitos casos a im-plementação de sistemas de me-dição e gestão do desempenho or-ganizacional se deve a fatores não economicamente racionais, como por exemplo devido a isomorfismo institucional, a decisão dos gesto-

res não deixa de ser baseada numa análise custo-benefício. Os gesto-res esperam que a implementação e utilização deste tipo de sistemas, ainda que não traga benefícios económicos à organização, possam trazer outros benefícios, nomeada-mente de índole social.O que é certo é que, como diz Dru-cker (ou Hewllet), não se pode gerir o que não se consegue medir, pelo que a implementação e utilização de sistemas de medição e gestão do desempenho organizacional, ainda que em versões simplificadas, são fundamentais para a tomada de de-cisões nos dias de hoje. z

Bibliografia disponível em («A Ordem – Pu-

blicações – Revista TOC – Bibliografia»)

*Docente do ISCAP-IPP

Figura 3: SMART pyramid

Fonte: Adaptado de Lynch, R. L., & Cross, K. F. (1991). Measure Up! The Essential Guide to Mea-

suring Business Performance. London: Mandarin.