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Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a Permanência dos Jovens no Meio Rural
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A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a
Permanência dos Jovens no Meio Rural
GOMES, Ezio José49
SCHMIDT, Carmen Elizabeth Finkler 50
RESUMO
Este estudo foi realizado no intuito de verificar a importância das redes cooperativas de agroindústrias familiares para a permanência dos jovens no meio rural. Diante do esvaziamento populacional do campo causado pela modernização da agricultura, existe a necessidade de se encontrar alternativas que estimulem a permanência dos jovens no campo. Nesse contexto, as agroindústrias familiares, além de aumentarem a renda das famílias, oportunizam a inserção dos jovens em atividades produtivas, em especial as jovens. A organização em rede cooperativa fortalece as unidades agroindustriais através de serviços que melhoram a qualidade da produção, possibilitando a viabilidade econômica desses empreendimentos e mantendo seus integrantes na condição de agricultores familiares. O estudo foi realizado junto a jovens de duas redes de cooperativas de agroindústrias familiares: a Unidade Central das Agroindústrias Familiares do Oeste de Santa Catarina (UCAF) e a Cooperativa das Agroindústrias Familiares de Constantina e Região (COOPERAC). Neste estudo, percebeu-se que a existência de agroindústrias familiares organizadas em redes cooperativas foi importante ou fundamental para a permanência dos jovens no meio rural.
Palavras-chave: Juventude rural. Agroindústria familiar. Redes cooperativas de
agroindústria familiares.
ABSTRACT
This study was conducted in order to verify the importance of cooperative networks of family agribusinesses to the permanence of the rural youth. Before the depopulation of the countryside caused by the modernization of agriculture, there is the need to find alternatives that encourage young people to remain in the countryside. In this context, the family agribusinesses, in addition to increasing household income, nurture the inclusion of youth in productive activities. The network organization strengthens the cooperative agro-industrial units through services that enhance the quality of production, enabling the economic viability of these projects and keeping its members on the condition of farmers. The study was conducted with
49 Eng. Agrônomo, acadêmico do Curso de Gestão em Cooperativismo pela Faculdade de Tecnologia
do Cooperativismo (ESCOOP) - Escola Superior do Cooperativismo. 50 Professora Orientadora, Especialista em Educação e Ciências Sociais pela Unisinos —
Universidade do Vale do Rio dos Sinos - RS.
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young people from two cooperative networks of family agribusinesses: Unidade Central das Agroindústrias Familiares do Oeste de Santa Catarina (UCAF) and Cooperativa das Agroindústrias Familiares de Constantina e Região (COOPERAC). In this study, it was found out that the existence of organized family agribusiness cooperative networks was important or critical to the persistence of rural youth.
Keywords: Rural youth. Agribusiness family. Cooperative networks of agro family.
1 INTRODUÇÃO
Diante do intenso processo de esvaziamento populacional do meio rural
ocorrido nas últimas décadas, existe a necessidade de se buscar alternativas de
renda, que estimulem a permanência das pessoas no campo, em especial os jovens,
que são os primeiros a irem para os centros urbanos em busca de melhores
condições de vida. Para isso, se faz necessária a ampliação do leque de
possibilidades de renda no meio rural, indo além da produção de matéria-prima para
as indústrias ou produtos in-natura para o mercado.
Nesse contexto, a agregação de valor à produção, através da industrialização
familiar, surge como uma alternativa interessante de melhoria de renda e geração de
novos postos de trabalho no campo. Além disso, cabe salientar que, organizadas em
redes, as agroindústrias resolvem problemas difíceis de serem resolvidos
individualmente, tais como: a legalização do empreendimento, o acesso a novos
mercados, o marketing dos produtos, dentre outros.
Nesse sentido, este artigo tem como objetivo verificar a importância das redes
cooperativas de agroindústrias familiares para a permanência dos jovens no meio
rural. O estudo foi realizado junto a jovens de duas redes de cooperativas de
agroindústrias familiares: a Unidade Central das Agroindústrias Familiares do Oeste
de Santa Catarina (UCAF) e a Cooperativa das Agroindústrias Familiares de
Constantina e Região (COOPERAC).
O trabalho está dividido em nove capítulos. No primeiro é feita uma reflexão
sobre o modelo de desenvolvimento rural em curso no Brasil, suas vantagens e
consequências, pois esse conteúdo é de fundamental importância para
compreensão do tema em debate. Posteriormente, discorre-se sobre o êxodo rural
dos jovens rurais, levando-se em consideração os principais fatores que
desestimulam a permanência destes no campo. Logo a seguir, é desenvolvido o
tema das agroindústrias familiares como alternativas de renda no meio rural e,
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também, a importância da organização de agroindústrias em redes cooperativas
para o fortalecimento desses empreendimentos frente ao mercado. Na sequência, é
feito um resgate de algumas referências bibliográficas bastante esclarecedoras a
cerca do tema abordado. Posteriormente, é descrita a metodologia do estudo, as
conclusões e as considerações finais sobre o trabalho realizado.
2 O DESENVOLVIMENTO RURAL, AVANÇOS E CONSEQUÊNCIAS
O meio rural brasileiro vem passando por um intenso processo de
modernização. Os maquinários e equipamentos são cada vez mais sofisticados; as
sementes melhoradas e transgênicas; o uso intensivo de fertilizantes e o controle
químico de pragas, doenças e ervas são cada vez mais utilizados. Essas inovações
tecnológicas vêm promovendo consideráveis aumentos na produtividade
agropecuária e uma inegável redução na penosidade do trabalho, por outro lado,
vem promovendo sérios problemas ambientais e sociais.
O aumento da produtividade agrícola pode ser comprovado através de dados
divulgados pela Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), nos quais se
observa que nas últimas 30 safras brasileiras de grãos, a produção passou de 47,6
milhões de toneladas para 184,2 milhões de toneladas, apresentando um aumento
de 387%, enquanto a área cultivada aumentou apenas 23,6% neste período. A
produtividade no mesmo período passou de 1.280 kg/ha para 3.477 kg/ha, conforme
é demonstrado no gráfico nº 1, abaixo.
Gráfico 18 - Produção brasileira de grãos
Fonte: Elaborado pelo autor
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Esse modelo de desenvolvimento promove graves agressões ambientais,
como a erosão do solo, a contaminação do meio ambiente, a intoxicação de
agricultores, peixes, animais e pássaros devido ao uso excessivo de agrotóxicos,
além de resultar em grandes quantidades de alimentos contaminados. Isso é
confirmado nos dados da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), que
demostram que um terço dos alimentos consumidos cotidianamente pelos brasileiros
está contaminado por agrotóxicos e, também, que a quantidade de agrotóxicos
jogada nas lavouras equivale a, cerca de, 5,2 litros por habitante ao ano. Além disso,
o Brasil é atualmente o maior consumidor mundial de agrotóxicos, utilizando 19% do
total produzido no planeta.
Esse processo de transformação da agricultura brasileira teve início após a
Segunda Guerra Mundial, intensificando-se nos anos 60, quando o Governo Federal
assumiu o pacote tecnológico da “Revolução Verde” como política pública,
direcionando o ensino agrícola, a assistência técnica, a pesquisa agropecuária e o
crédito bancário para a difusão dessas tecnologias aos agricultores. Nas décadas
posteriores, os agricultores foram ficando cada vez mais dependentes dessas
tecnologias e integrados aos complexos agroindustriais, tornando-se consumidores
de maquinários e insumos e fornecedores de matéria-prima à indústria, reduzindo a
autonomia de produção e a renda familiar.
Outro grande problema, que vem ocorrendo devido a esse modelo de
desenvolvimento, é o esvaziamento populacional do meio rural causado pela
substituição da força de trabalho por máquinas, equipamentos e modernas
tecnologias de produção. Um trabalhador com um trator ou uma colheitadeira
substitui muitos trabalhadores rurais. Com isso, ocorreu a exclusão de milhares de
trabalhadores, que migraram para os centros urbanos em busca de trabalho para o
sustento de suas famílias.
Isso é demonstrado através dos dados do Censo Populacional do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), onde consta que até o início da década
de 60 a população rural era maior que a urbana. A partir da metade dessa década,
as populações (urbana e rural) se igualaram e, daí em diante, a população urbana
passou a crescer aceleradamente, enquanto a população rural foi diminuindo,
chegando em 2010 com uma população urbana de 84,4% do total, restando no meio
rural apenas 15,6% da população brasileira, conforme gráfico nº 2, abaixo.
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Gráfico 19 - Evolução percentual da população (urbana e rural) brasileira
Fonte: Elaborado pelo autor
3 O ÊXODO DE JOVENS RURAIS
No processo de esvaziamento populacional do meio rural, percebe-se que os
jovens são os primeiros a irem para a cidade, em busca de estudo, emprego e
melhores condições de vida, comprometendo o processo de sucessão hereditária
nas propriedades rurais. O Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, tem
aproximadamente 10,7 milhões de habitantes. Desses, 2,6 milhões são jovens de 15
a 29 anos de idade, sendo que 87,3% vivem nas cidades e apenas 12,7% estão no
meio rural. Levando-se em consideração que existem 378 mil estabelecimentos de
agricultores familiares e somente 336 mil jovens no meio rural gaúcho, chega-se à
conclusão de que estão faltando 42 mil jovens para que cada estabelecimento da
agricultura familiar tenha, pelo menos, um jovem. (IBGE, 2006; IBGE, 2010).
A maioria dos jovens que resta no meio rural não quer permanecer nas
atividades agropecuárias, principalmente as jovens, que são incentivadas pelos pais
a irem para a cidade em busca de estudo, emprego e melhores condições de vida.
Essa realidade é identificada na pesquisa realizada pelas professoras Anita Brumer
e Rosani Spanevello na Região Sul do Brasil no ano de 2007, que constatou que
54% dos rapazes e 74% das moças entrevistadas declararam que não pretendem
continuar na atividade agrícola.
As filhas mulheres ocupam a posição mais baixa na hierarquia familiar, visto que não exercem nenhuma atividade sob sua responsabilidade exclusiva. A força de trabalho das jovens é absorvida nas tarefas domésticas sob orientação das mães. Considerando a divisão do trabalho como indicador das posições ocupadas na hierarquia familiar, percebe-se que jovens
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mulheres se encontram duplamente subordinadas. Estas questões estão na raiz do viés de gênero dos projetos de ruptura com o trabalho agrícola. (WEISHEIMER, 2007, p. 244-245).
Analisando-se os motivos pelos quais os jovens deixam o campo, percebe-se
que a falta de oportunidade de trabalho, as dificuldades de acesso à posse da terra
e falta de renda digna são fatores muito importantes. Porém, existe, também, uma
complexa e diversificada gama de outros motivos a serem considerados. Iniciando
pelo trabalho cansativo, principalmente nas pequenas propriedades familiares onde
o emprego da força de trabalho braçal é predominante e as jornadas de trabalho são
extensas, desgastantes e mal remuneradas. Além disso, o trabalho aos finais de
semana é muito comum, principalmente no trato dos animais. Esses trabalhos,
quando efetuados pelos jovens, dificultam o lazer e o convívio social com outros
jovens.
O ensino é outro aspecto importante a ser considerado no processo de
abandono do campo. Com o fechamento da maioria das escolas rurais, as crianças
são obrigadas a se deslocar até as cidades para estudar, enfrentando jornadas
bastante desgastantes, devido aos longos períodos que passam no transporte
escolar. Além disso, o ensino, na maioria das escolas, é voltado para valorizar as
coisas do mundo urbano. Os currículos escolares, via de regra, não preparam o
jovem para valorizar a agricultura e a permanência no meio rural. As filhas mulheres,
ainda muito jovens, incentivadas pelos pais, vão para a cidade estudar, hospedando-
se em casas de parentes, amigos ou em casas de família, e trabalhando como
babás ou empregadas domésticas. Estas, normalmente, não retornam para o meio
rural, por mais precárias que sejam as condições de vida encontradas nas cidades.
O incentivo dos pais à escolarização das filhas tem a função de direcioná-las para outra atividade, privilegiando os filhos homens como sucessores dos pais na agricultura. Conforme Wanderley, ‘uma unidade familiar de produção tende, pela sua própria natureza, a propiciar a saída de um certo número de filhos que não podem ser mantidos no interior do estabelecimento familiar’. (WANDERLEY, 2003, p. 10). Neste caso, percebe-se que os filhos que ficarão na agricultura são construídos socialmente, assim como os que devem sair. O que chama a atenção é que estes últimos são, via de regra, as filhas mulheres. (WEISHEIMER, 2007, p. 247).
A infraestrutura deficitária e o isolamento social também são fatores que
devem ser levados em consideração nessa análise. As estradas são de difícil
trafegabilidade e a energia elétrica é insuficiente até mesmo para manter as
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atividades rurais, o que desestimula a permanência dos jovens no meio rural. Além
disso, grande parte dos estabelecimentos rurais está fora da área de cobertura das
operadoras de telefonia celular e para que os jovens possam acessar as redes
sociais através da internet, em muitos casos, é necessário se deslocar até um centro
urbano.
O sistema patriarcal, no qual os pais controlam com austeridade a gestão
financeira do estabelecimento agrícola, é muito citado pelos jovens como um fator
de desestímulo para a permanência no meio rural. Em muitos casos, os pais não
dão oportunidade aos jovens de auxiliarem na gestão da propriedade e nem de
desenvolver seus próprios projetos produtivos. Os jovens querem ter autonomia
financeira e não ter de pedir dinheiro aos pais até mesmo para ir a uma festa, um
baile ou a um jogo de futebol, por exemplo.
Os jovens da área rural são submetidos a uma estrutura de hierarquia que limita profundamente o acesso e o controle sobre recursos financeiros. Embora haja maior democratização dos espaços de participação nas relações familiares, os jovens têm pouco poder de decisão e pouca autonomia na gestão do dinheiro. Assim como na pesquisa sobre a sucessão hereditária, coordenada por Abramovay (2003), a grande maioria dos jovens, independente da idade que tenham e do trabalho que exerçam na propriedade, precisa pedir dinheiro aos pais para todas as suas necessidades. (MAGALHÃES, 2009, p. 5).
A baixa autoestema dos agricultores, também, influencia na ida dos jovens
para a cidade. Não é raro encontrar agricultores reclamando de suas condições de
vida. Isso influencia os filhos, que passam a não querer para si o mesmo destino de
seus pais. Também é importante considerar que o meio rural, normalmente, é
considerado um lugar atrasado, ligado ao desconforto e à falta de perspectivas;
enquanto o meio urbano é tido como lugar de muitas oportunidades de emprego,
renda e vida digna (mesmo que, para muitos brasileiros, isso não se confirme).
Logo, por uma série de motivos, os jovens estão indo para as cidades e a
grande maioria não retorna ao campo, principalmente as jovens mulheres que não
conseguem visualizar um bom futuro no meio rural. Desse modo, o campo fica, cada
vez mais, envelhecido e masculinizado, comprometendo o processo de sucessão
hereditária dos estabelecimentos rurais.
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4 AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE FORTALECIMENTO DA AGRICULTURA
FAMILIAR
A necessidade de políticas públicas voltadas para a permanência dos jovens
no campo torna-se uma importante questão colocada no centro do debate sobre o
desenvolvimento rural. É necessário possibilitar a renovação dos contingentes
populacionais no campo para garantir a produção de alimentos saudáveis. O
esvaziamento populacional do meio rural promove a concentração fundiária, os
monocultivos e a utilização de processos produtivos agressivos ao meio ambiente.
Por isso, as políticas públicas precisam tratar o meio rural para além dos negócios,
como sendo um ambiente onde as pessoas possam viver em boas condições e
sintam vontade de permanecer, produzir e criar seus filhos.
Nos últimos anos, os governos vêm despertando para esse problema. Em
meados dos anos 1990, foi criado o Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (PRONAF), que foi sendo ampliado a cada ano, até os dias de
hoje. Esse programa possui um conjunto de linhas de crédito subsidiados, voltados
para o custeio e investimento de uma gama de atividades rurais voltadas para a
agricultura familiar. Dentre essas linhas de crédito, existe o PRONAF Jovem que é
voltado para oportunizar a permanência dos jovens no meio rural, porém, ainda é um
recurso de difícil acesso devido às exigências bancárias.
As políticas de compras governamentais, também, podem ser citadas como
estimuladoras à permanência das famílias de agricultores no meio rural. Em 2003, o
Governo Federal criou o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), por meio do
qual são adquiridos produtos diretamente dos agricultores. Esses produtos são
repassados às famílias cadastradas no programa Bolsa Família ou são utilizados
para formação de estoques.
Em 2009, o Governo Federal alterou a lei do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE), determinando que, no mínimo 30% da
alimentação escolar, seja oriunda da agricultura familiar e do empreendedor familiar
rural ou de suas organizações, priorizando os assentamentos de reforma agrária, as
comunidades tradicionais indígenas e as comunidades quilombolas.
O Governo do Estado do Rio Grande do Sul, a partir de 2011, iniciou uma
série de políticas voltadas para a revitalização do meio rural gaúcho. Tendo criado a
Secretaria de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo (SDR), passou a
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investir no fortalecimento das cadeias produtivas de leite, frutas e verduras, além da
pesca e aquicultura, com políticas de incentivo à produção, industrialização,
comercialização e ao abastecimento. Para isso, ampliou a assistência técnica, os
cursos de formação e o crédito subsidiado aos agricultores e pecuaristas familiares,
pescadores artesanais, comunidades quilombolas e indígenas. O apoio ao
cooperativismo; a agricultura de base ecológica; a estruturação básica e produtiva
das comunidades rurais e dos assentamentos da reforma agrária; e o combate à
pobreza no meio rural também podem ser citados como importantes políticas de
incentivo à permanência das famílias no meio rural.
Como política voltada especificamente aos jovens, pode ser citada a Bolsa
Juventude, lançada no Plano Safra RS 2012/13, com objetivo de fornecer bolsas de
manutenção a jovens urbanos e rurais. Aos jovens rurais, a bolsa está vinculada a
um projeto produtivo, que deve ser desenvolvido nos estabelecimentos familiares
desses jovens.
5 AS AGROINDÚSTRIAS FAMILIARES COMO ALTERNATIVAS DE GERAÇÃO
DE RENDA
A implantação de pequenas agroindústrias familiares no meio rural vem
caracterizando-se, cada vez mais, como uma importante alternativa de geração de
renda no campo, abrindo novos postos de trabalho e motivando os jovens a
permanecerem em suas propriedades, reduzindo parcialmente o quadro de êxodo
rural e, em alguns casos, oportunizando o retorno de jovens ao meio rural.
O processamento de produtos agropecuários faz parte da trajetória histórica
dos agricultores familiares que, por muitas gerações, vem industrializando parte de
sua produção, seja para consumo próprio, seja para comercialização, utilizando
tecnologias artesanais passadas de pai para filho. Porém, a grande maioria desses
empreendimentos encontra-se na informalidade. São muitos os motivos para isso,
mas podem ser citados os seguintes: instalações e equipamentos inadequados e
problemas de legalização ambiental, sanitária e fiscal.
As agroindústrias familiares são unidades de pequeno porte destinadas à
industrialização da produção agropecuária e extrativista dos agricultores familiares,
utilizando mão-de-obra familiar e produzindo produtos com maior valor agregado.
Nesse tipo de empreendimento, os agricultores são os protagonistas do processo de
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produção, pois atuam em todas as fases da cadeia produtiva até a colocação dos
produtos no mercado.
Os produtos das agroindústrias familiares encontram enorme aceitação no
mercado, por serem mais puros e saudáveis, sem a sobrecarga de aditivos
químicos. Além disso, por utilizarem matéria-prima própria e mão-de-obra familiar, as
agroindústrias familiares reduzem os custos de produção, necessitando de menos
capital de giro para tocarem o negócio e podendo, assim, resistir por mais tempo às
oscilações de mercado.
6 ORGANIZAÇÃO DAS AGROINDÚSTRIAS FAMILIARES EM REDES
COOPERATIVAS
No Brasil, as cooperativas de produtores rurais historicamente assumiram
características empresariais, encontrando-se fortemente integradas ao complexo
agroindustrial. Nas últimas décadas, os agricultores familiares passaram a criar
cooperativas pautadas em novos conceitos de gestão econômica, incluindo a
solidariedade, a ética e a justiça social como elementos condicionantes. As
pequenas cooperativas locais ou regionais articuladas em redes constituem-se em
novas formas de cooperação, resgatando os princípios do cooperativismo,
produzindo, industrializando e comercializando seus produtos e, consequentemente,
melhorando as condições de vida das famílias de agricultores.
A organização em rede cooperativa de agroindústrias de pequeno porte
representa um diferencial importante na viabilização econômica das agroindústrias
familiares, pois aumenta seu poder de intervenção e permanência no mercado. Além
disso, a legalização das agroindústrias no formato de cooperativas se torna
recomendável, em vez da organização empresarial. Desse modo, além de produzir a
matéria-prima, as cooperativas passam a controlar outros elos da cadeia produtiva,
como a industrialização dos produtos e sua comercialização, sem, com isso, se
descaracterizarem como agricultores familiares, podendo ter acesso aos subsídios
oferecidos em programas governamentais, e sem correr o risco de perder a
condição de segurados especiais da previdência social.
Uma rede de agroindústrias familiares pode ser organizada de diversas
formas. Pode ser com uma ou várias cooperativas, com uma ou várias cadeias
produtivas, em âmbito municipal ou regional. O mais importante é a democratização
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e a transparência nas tomadas de decisão, a partir da criação de espaços
descentralizados de gestão. Essa gestão deve incluir os jovens em idade de
trabalho, sem prejuízo de seus estudos, e a participação efetiva das mulheres nas
tomadas de decisão, em igualdade de condições, em relação aos homens.
As redes cooperativas de agroindústrias familiares podem atuar em diversas
frentes, dentre elas, podem ser citadas as seguintes: realizar compra conjunta de
embalagens, equipamentos e insumos; fazer o marketing dos produtos, apoiar na
confecção de rótulos, tabela nutricional e código de barras; fornecer marca coletiva
aos produtos das agroindústrias que participam da rede; coordenar a participação
das agroindústrias em feiras e eventos; realizar o transporte conjunto dos produtos
para comercialização em mercados mais distantes; apoiar as novas agroindústrias
fornecendo projetos técnicos e arquitetônicos; auxiliar na legalização ambiental,
sanitária e tributária; apoiar a gestão das agroindústrias; auxiliar as agroindústrias na
aquisição de financiamento; e realizar negociações com órgãos públicos para
melhoria de infraestrutura das agroindústrias: estradas, energia elétrica, água,
telefone etc.
7 REFERENCIAL TEÓRICO
A industrialização da produção em pequenas agroindústrias familiares
promove a descentralização regional da produção ao aproximar as agroindústrias da
produção da matéria-prima, reduzir os custos com transporte, aumentar a
remuneração da mão-de-obra e promover o aproveitamento adequado de dejetos e
resíduos, além da diminuir as migrações desordenadas. Ocorre uma valorização do
meio rural, com melhor utilização do espaço territorial e busca de recuperação e
preservação dos recursos ambientais. (PREZOTTO, 2005, p. 34).
A agroindústria familiar rural é uma forma de organização na qual a família
rural produz, processa e/ou transforma parte de sua produção agrícola e/ou
pecuária, objetivando a produção de valor de troca ocorrente na comercialização.
Alguns aspectos caracterizam a agroindústrias familiares, como a localização no
meio rural, a disponibilidade de máquinas e equipamentos em escalas menores, a
matéria-prima geralmente própria ou de vizinhos, além disso, os produtores dispõem
de processos artesanais próprios, bem como de mão-de-obra familiar. A
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organização do empreendimento poderá ser associativa, interligando uma ou várias
famílias, aparentadas ou não. (MIOR, 2003, p. 315).
Os agricultores passam a atuar na agroindústria como donos da unidade e da
matéria-prima, podendo decidir o que e quanto produzir para a industrialização. O
processo de gestão pode ser individual ou, em geral, de um pequeno grupo de
agricultores, o que favorece a otimização da estrutura disponível nas propriedades e
a racionalização dos recursos investidos na implantação da unidade industrial. Mas
para ocorrer uma boa gestão é necessário contar com a assessoria de técnicos, que
façam uma programação bem articulada e racional de capacitação. (PREZOTTO,
2005, p. 36).
A esfera da produção da agroindústria familiar também reserva um lugar
extremamente importante para as mulheres agricultoras. A estratégia de agregação
de valor frequentemente vem associada à transformação de atividades
anteriormente confinadas à cozinha da família rural. Desse território, demarcado
pela presença das mulheres agricultoras, emergem fontes de renda que passam a
ser fundamentais para a agricultura familiar. Essa redivisão interna de trabalho da
família rural se transforma em um dos principais trunfos para o sucesso da
agroindústria familiar. (MIOR, 2007, p. 8).
Para Pettan (2004, p. 105), a organização de redes de agroindústrias
familiares aumenta as capacidades de gerar valor agregado; alcançar economias de
escala e de escopo; e aumentar a diferenciação de produtos e serviços. Além disso,
é possível garantir a produção de produtos padronizados; possibilitar o alcance de
objetivos que não seriam alcançados através da iniciativa individual; e aumentar as
possibilidades de negociação e a competitividade, trazendo vantagens para as
relações com outros constituintes do sistema, como compradores, fornecedores,
instituições governamentais e financeiras. As cooperativas também auxiliam na
implantação de treinamentos conjuntos, no financiamento de pesquisas, no
marketing e propaganda, na distribuição etc., além de obter maior representação
política ou mesmo outras formas de poder que possam beneficiar o grupo.
Por outro lado, Wilkinson (2002, p. 147) pondera que as organizações
cooperativas da agricultura familiar encontram dificuldades de se distinguir das
tradicionais, pois se veem diante da necessidade de produzir e comercializar com
base nos preços médios definidos pelo mercado. Necessitam também acumular e,
por isso, nem sempre o preço pago aos agricultores associados é melhor do que as
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grandes empresas multinacionais pagam. Embora possibilitem maiores ganhos a
uma parcela dos agricultores, podem também, algumas vezes, contribuir com a
acumulação das grandes indústrias, atacadistas e varejistas, como é o caso dos
produtos com certificados de origem (orgânicos, ecológicos, de agricultura familiar,
produtos regionais), pois podem garantir uma taxa de lucro maior do que os
produtos de consumo em massa e padronizados.
8 METODOLOGIA
Este estudo foi realizado com base em fontes de dados secundários (em
livros, artigos, materiais disponibilizados na internet) e, também, em fontes de dados
primários, com a aplicação de entrevistas a jovens rurais de duas redes de
agroindústrias familiares: a Central das Agroindústrias Familiares do Oeste de Santa
Catarina (UCAF), que possui a marca coletiva “Sabor Colonial” e a Cooperativa das
Agroindústrias Familiares de Constantina e Região (Cooperac), com a marca
coletiva “Vita Colônia”.
A rede UCAF reúne aproximadamente 117 agroindústrias familiares com
aproximadamente 500 famílias de agricultores, que comercializam mais de 700 itens
de produtos e estão organizadas em rede com 12 cooperativas na região do oeste
de Santa Catarina. A rede foi criada em novembro de 1999, sendo uma entidade civil
sem fins lucrativos, com prazo de duração indeterminado. Presta serviços às
agroindústrias nas áreas de contabilidade, produção, gestão, controle de qualidade,
marketing e comercialização. Desse modo, contribui para a oferta de produtos de
qualidade e procedência. A marca coletiva “Sabor Colonial” é disponibilizada às
agroindústrias associadas, mediante um rol de critérios a serem atendidos.
Figura 2 - Rótulo de um dos produtos “Sabor Colonial”
Fonte: Registrada pelo autor
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A rede COOPERAC atua na região do Médio-Alto Uruguai, no Rio Grande do
Sul, abrangendo 13 agroindústrias e apresentando uma diversificada gama de
produtos à população, como salame, copa, queijo, farinha de milho, melado, pães,
bolachas, biscoitos, vinho, rapadura, frango caipira, polvilho, açúcar mascavo,
verdura minimamente processada, massa, mandioca embalada a vácuo, farinha de
milho, suco de uva dentre outros. Essa rede é organizada com apenas uma
cooperativa, sendo que cada agroindústria se constitui em uma filial, e os
componentes das agroindústrias são sócios da cooperativa. Esta rede possui a
marca coletiva “Vita Colônia”.
Figura 3 - Rótulo de um dos produtos “Vita Colônia”
Fonte: Registrada pelo autor
Foram aplicadas dezoito entrevistas. Treze foram aplicadas a jovens de
quinze a trinta anos de idade e cinco a pessoas com idade superior a trinta anos.
Dentre os jovens foram entrevistados sete do sexo feminino e seis do sexo
masculino. Quanto ao tipo de agroindústria das famílias dos entrevistados: são três
de derivados de cana de açúcar, três de derivados de mandioca, uma de derivados
do leite, seis de embutidos de suínos, uma de mel, uma de ovos e três de
panificados.
Com um roteiro de dez perguntas, os entrevistados foram questionados sobre
os motivos que levam os jovens a abandonarem o campo; o que precisa melhorar
para os jovens permanecerem no meio rural; as principais atividades exercidas na
propriedade; a importância da renda da agroindústria na renda da propriedade; o
percentual de tempo destinado às diversas atividades; a importância da
agroindústria familiar na decisão de permanecer no campo; se teria permanecido na
propriedade rural, caso não houvesse agroindústria; se pretende permanecer e
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substituir os pais na propriedade; se as jovens permanecem no meio rural quando
tem uma agroindústria familiar; e se a organização das agroindústrias em redes
cooperativas têm sido importante para permanência dos jovens no meio rural.
9 RESULTADOS
9.1 MOTIVOS QUE LEVAM OS JOVENS A ABANDONAR O MEIO RURAL
Quando questionados sobre os motivos pelos quais os jovens abandonam o
meio rural, indo para as cidades em busca de melhores condições de vida, as
respostas foram diversas, destacando-se as seguintes:
a) falta de incentivo dos pais;
b) falta de oportunidade de renda no campo;
c) falta de incentivos governamentais direcionados aos jovens;
d) falta de formação profissional (cursos, palestra, etc.);
e) falta de tecnologia de produção que diminua o esforço físico nas atividades
rurais;
f) falta de técnicos capacitados em áreas diversas para incentivar a
diversificação produtiva nas propriedades rurais;
g) desvalorização das atividades agrícolas pela população;
h) falta de valorização das raízes e tradições do meio rural;
i) falta de renda fixa nas atividades da propriedade rural;
j) falta de autonomia financeira dos jovens no meio rural;
k) busca por melhor educação e melhores empregos;
l) influência dos meios de comunicação;
m) busca por maior integração com a sociedade;
n) falta de valorização do potencial das propriedades rurais pelos jovens, que
preferem trabalhar como empregados na cidade a ficar no campo.
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a Permanência dos Jovens no Meio Rural
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9.2 O QUE PRECISA MELHORAR PARA OS JOVENS PERMANECEREM NO
MEIO RURAL?
Os jovens também deram sugestões sobre as melhorias que precisam ser
implementadas para motivar a permanência no meio rural. Dentre as respostas,
destacam-se as seguintes:
a) educação voltada para valorização das atividades rurais;
b) mais cursos de formação profissional;
c) assistência técnica qualificada para diversificação e produção de alimentos
saudáveis;
d) permissão, por parte os pais, para que os filhos influenciem nas decisões
sobre os investimentos na propriedade;
e) ampliação das opções de trabalho e renda no campo;
f) orientação e apoio à criação de agroindústrias para aumentar a renda e
melhorar as perspectivas dos jovens;
g) mais incentivos governamentais direcionados aos jovens;
h) monitoramento, por parte das famílias, da permanência dos jovens no
campo;
i) mais ofertas de crédito e dinheiro a fundo perdido para os jovens iniciarem
atividades e permanecerem no campo;
j) oferta de projetos de diversificação na propriedade para serem
desenvolvidos pelos jovens;
k) valorização, por parte da sociedade e dos meios de comunicação, do meio
rural, na mesma proporção do meio urbano.
9.3 DISTRIBUIÇÃO DO TEMPO NAS ATIVIDADES RURAIS
A média de tempo que os entrevistados dedicam aos diversos tipos de
trabalho rural está distribuída da seguinte forma: 27% do tempo é utilizado para o
trabalho agropecuário (incluindo a produção de matéria-prima para a agroindústria);
39% do tempo é dedicado para a industrialização da produção; 14% é utilizado para
gestão da agroindústria; e 20% para a comercialização dos produtos, conforme
gráfico abaixo.
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a Permanência dos Jovens no Meio Rural
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Gráfico 20 - Distribuição média do tempo dedicado ao trabalho rural
Fonte: Elaborado pelo autor
Verificando mais detalhadamente as entrevistas, observa-se uma participação
maior do pai e dos filhos homens na produção agropecuária. A mãe e as filhas
dedicam mais tempo aos afazeres domésticos e às atividades da agroindústria,
principalmente nas de panificados, massas, doces e conservas.
Embora haja um predomínio dos pais na gestão e na comercialização da
produção, observa-se um aumento da participação dos jovens. Isso é muito
importante para a emancipação e autonomia dos jovens rurais. Na gestão da
agroindústria, os jovens adquirem conhecimentos administrativos importantes para
assumirem, futuramente, o negócio. Percebem o que gera lucro ou prejuízo e
passam a se sentir mais seguros para propor melhorias necessárias ao sucesso
dessa atividade econômica.
Na comercialização dos produtos, passam a perceber as demandas do
público consumidor, podendo propor melhorias na qualidade e na apresentação dos
produtos, na formação do preço, nos tipos de mercados mais receptivos, na forma
de abordar o cliente, dentre outros aspectos. E no exercício da negociação com os
clientes, o jovem exercita o raciocínio, melhora a oratória, as relações sociais e a
autoestima.
Enfim, com a prática da gestão e da comercialização, os jovens passam a
participar do controle financeiro do estabelecimento familiar, o que nos
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a Permanência dos Jovens no Meio Rural
348
estabelecimentos tradicionais da agricultura familiar, normalmente, é exercido pelo
chefe de família.
9.4 A IMPORTÂNCIA DA RENDA DA AGROINDÚSTRIA NO ESTABELECIMENTO
RURAL
Em relação à importância da renda da agroindústria na renda do
estabelecimento rural, percebe-se que, na média, a renda da agroindústria significa
46% do total das receitas da família, enquanto 54% é proveniente de outras
atividades, conforme gráfico abaixo.
Gráfico 21 - Importância da renda da agroindústria na renda do estabelecimento rural
Fonte: Elaborado pelo autor
Isso demonstra a importância econômica da agregação de valor à produção
agropecuária nos estabelecimentos familiares. Ao implantar uma agroindústria, o
agricultor deixa de ser um fornecedor de matéria-prima para o setor industrial. Ao
produzir a própria matéria-prima, industrializar e comercializar seus produtos passa a
dominar três importantes elos da cadeia produtiva e abre novos postos de trabalho
aos filhos. A atividade econômica mais desenvolvida, além da agroindústria, é a
produção de leite, que, mesmo não sendo industrializada no estabelecimento rural, é
considerada uma atividade que gera renda razoável e regular.
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a Permanência dos Jovens no Meio Rural
349
9.5 A IMPORTÂNCIA DA AGROINDÚSTRIA FAMILIAR PARA A PERMANÊNCIA
DOS JOVENS NO MEIO RURAL
Quando questionados sobre a importância da agroindústria familiar para a
permanência no campo, 61% dos jovens responderam que foi fundamental e 39%
dos entrevistados considerou importante para sua permanência no campo. Nenhum
dos entrevistados considerou a agroindústria como indiferente para sua
permanência, conforme gráfico abaixo.
Gráfico 22 - Importância da agroindústria familiar na decisão de permanecer no campo
Fonte: Elaborado pelo autor
Isso ocorre devido a uma gama de fatores já discutidos neste artigo.
Considerando que a industrialização familiar agrega valor à produção, melhora a
renda das famílias e abre postos de trabalho no campo, ocorre uma motivação para
permanência dos jovens no meio rural. Além disso, nos estabelecimentos que
possuem agroindústria, ocorre uma alteração na divisão familiar do trabalho e os
jovens participam com maior intensidade de atividades econômicas, como
industrialização, gestão da agroindústria e comercialização dos produtos.
A importância da agroindústria familiar para a permanência dos jovens no
campo também foi comprovada em outra pergunta, na qual os entrevistados foram
questionados sobre sua permanência no campo caso não houvesse uma
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a Permanência dos Jovens no Meio Rural
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agroindústria familiar no estabelecimento rural. Assim como na questão anterior,
61% dos entrevistados responderam que não permaneceriam no campo e apenas
39% ficariam mesmo não havendo a agroindústria, conforme gráfico abaixo.
Gráfico 23 - Teria permanecido no campo se não tivesse uma agroindústria no estabelecimento rural?
Fonte: Elaborado pelo autor
9.6 A PERMANÊNCIA NO CAMPO E A SUCESSÃO FAMILIAR
Quando questionados sobre se pretendem permanecer no campo e substituir
seus pais na propriedade, todos os entrevistados responderam que sim, querem
ficar e fazer a sucessão na propriedade rural. Nem todos responderam
afirmativamente devido à agroindústria, mas pelo menos 69% deles não teriam
permanecido se não fosse a existência da agroindústria. Deve ser considerado,
também, que cinco entrevistados têm mais de trinta anos de idade, são chefes de
família e, portanto, já são os sucessores nos estabelecimentos rurais onde vivem.
Com a implantação de uma agroindústria familiar os jovens passam a ter uma
perspectiva real de obter melhoria de renda no estabelecimento rural. As jovens
mulheres, também, passam a visualizar a possibilidade de ficar e substituir seus
pais, desenvolvendo um projeto econômico vinculado a um projeto de vida, no qual a
agregação de valor à produção passa a ter um papel fundamental para a viabilidade
do estabelecimento rural e para sua permanência.
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a Permanência dos Jovens no Meio Rural
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Em alguns casos, com a implantação da agroindústria, vem ocorrendo o
retorno de jovens ou adultos ao campo, pois abre novos postos de trabalho
remunerados, possibilitando a inclusão de outros membros da família nas atividades
da agroindústria. Podendo, dessa forma, deixar a condição de empregado na cidade
e passar à condição de proprietário, com maior autonomia na obtenção da renda
para seu sustento.
9.7 A PERMANÊNCIA DAS JOVENS NO MEIO RURAL QUANDO A FAMÍLIA
POSSUI UMA AGROINDÚSTRIA
Quando perguntados sobre se as jovens permanecem no meio rural, quando
a família possui uma agroindústria, apenas um participante respondeu que não. Os
dezessete restantes disseram que sim, as jovens permanecem no campo quando a
família possui uma agroindústria.
Observa-se que, com a implantação de uma agroindústria no estabelecimento
rural, ocorre uma reorganização na divisão sócia do trabalho familiar. As jovens, que
tradicionalmente se ocupam dos afazeres domésticos, passam a ter outras opções,
diversificando suas atividades e sua importância na unidade familiar.
9.8 A IMPORTÂNCIA DA REDE COOPERATIVA DE AGROINDÚSTRIAS
FAMILIARES PARA PERMANÊNCIA DOS JOVENS NO MEIO RURAL
Quando questionados sobre a importância das redes cooperativas de
agroindústria para permanência dos jovens no meio rural, todos afirmaram que as
cooperativas têm uma grande importância. Isso porque as redes de agroindústria
auxiliam na implantação e consolidação das agroindústrias familiares no mercado
formal, auxiliando na resolução de problemas que individualmente seriam muito
difíceis de solucionar, como a legalização da agroindústria; a aquisição de
embalagens e insumos; o acesso a mercados (principalmente o mercado
institucional, feiras regionais estaduais e nacionais); o controle de qualidade; e o
marketing (rótulo, código de barras, tabela nutricional).
Além disso, quando os agricultores têm as suas agroindústrias organizadas
em redes cooperativas não se transformam em empresários, permanecendo na
Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a Permanência dos Jovens no Meio Rural
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condição de agricultores familiares e, também, não perdem a possibilidade de se
aposentarem como segurados especiais.
10 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No processo de esvaziamento do meio rural, os jovens são os primeiros a
irem para a cidade em busca de estudos, emprego e melhores condições de vida,
principalmente as meninas, que, ainda, muito jovens, são incentivadas pelos pais a
irem para a cidade e dificilmente retornam para viver no meio rural. Por isso, o meio
rural está cada vez mais masculinizado e envelhecido.
Para a permanência dos jovens no campo, faz-se necessário que ele
vislumbre perspectivas de melhores condições de vida. Os jovens precisam ser
incentivados pelos pais e pelo governo (municipal, estadual, federal) a
permanecerem no campo. Para isso, precisam, com maior intensidade, de projetos
produtivos autônomos, assistência técnica, cursos de qualificação, crédito
subsidiado e mercado com preços compensadores aos seus produtos.
Nesse contexto, a implantação de agroindústrias familiares abre perspectivas
aos jovens para desenvolver atividades produtivas e melhorar a renda familiar, tanto
na industrialização dos alimentos, quanto na gestão da agroindústria e
comercialização dos produtos. Mas não basta a existência de agroindústrias
familiares nos estabelecimentos rurais para que os jovens permaneçam no campo, é
necessário que haja mudança na postura patriarcal existente em muitas unidades
familiares rurais, permitindo que os jovens tenham autonomia financeira e participem
das decisões sobre os destinos do estabelecimento familiar.
As jovens, que normalmente são condicionadas aos afazeres domésticos,
precisam vislumbrar perspectivas de permanência no campo, com boas condições
de vida e, também, terem oportunidades de desenvolver atividades produtivas. Elas
precisam sentir que seus pais querem sua permanência no meio rural e que podem
fazer a sucessão na propriedade, do mesmo modo que seus irmãos.
REFERÊNCIAS
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Capítulo XVI - A Importância das Redes Cooperativas de Agroindústrias Familiares para a Permanência dos Jovens no Meio Rural
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