A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte...

80
A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO TRIBOLÓGICO DO CORTE POR ARRANQUE DE APARA João Amaro da Silva Fernandes Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Engenharia Mecânica Orientadores: Prof. Pedro Alexandre Rodrigues Carvalho Rosa Prof. João Paulo Davim Tavares da Silva Júri Presidente: Prof. Rui Manuel dos Santos Oliveira Baptista Orientador: Prof. Pedro Alexandre Rodrigues Carvalho Rosa Vogais: Prof. Jorge Manuel da Conceição Rodrigues Prof. Gabriela Belinato Junho 2017

Transcript of A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte...

Page 1: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO

TRIBOLÓGICO DO CORTE POR ARRANQUE DE APARA

João Amaro da Silva Fernandes

Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em

Engenharia Mecânica

Orientadores: Prof. Pedro Alexandre Rodrigues Carvalho Rosa

Prof. João Paulo Davim Tavares da Silva

Júri

Presidente: Prof. Rui Manuel dos Santos Oliveira Baptista

Orientador: Prof. Pedro Alexandre Rodrigues Carvalho Rosa

Vogais: Prof. Jorge Manuel da Conceição Rodrigues

Prof. Gabriela Belinato

Junho 2017

Page 2: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera
Page 3: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

i

“Life is measured in achievements not years alone” Bruce McLaren

Page 4: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

ii

Agradecimentos

Gostaria de aproveitar esta oportunidade para agradecer aos meus pais por me terem sempre guiado

e apoiado no meu percurso académico, gostaria também de agradecer a todos os colegas com quem

me cruzei ao longo do mesmo e que de alguma forma contribuíram para as circunstâncias em que

hoje me encontro.

No caso particular deste trabalho gostaria de agradecer ao Professor Pedro Rosa pela sua tremenda

disponibilidade e paciência e por me ter dado a oportunidade de trabalhar sob a sua orientação.

Gostaria ainda de agradecer aos colegas Diogo Silva e Pedro Sousa e funcionários, como o técnico

de laboratório Farinha, que diariamente me acompanharam e se cruzaram comigo nos laboratórios de

tecnologia mecânica sempre com uma palavra de incentivo e conselhos técnicos valiosos bem como

toda a equipa do Núcleo de Oficinas do Instituto Superior Técnico (NOF).

Page 5: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

iii

Resumo

Os processos de corte por arranque de apara são utilizados no fabrico de muitos componentes e

sistemas do nosso quotidiano por permitirem combinar uma elevada flexibilidade na maquinagem de

geometrias complexas com um bom rigor geométrico e dimensional das peças maquinadas. Porém, o

mecanismo através do qual ocorre a remoção de material ainda não está perfeitamente

compreendido, nomeadamente no que respeita aos fenómenos base que influenciam a condição

tribológica na interface de contacto entre a apara e a ferramenta.

A presente dissertação aborda o efeito que a presença de Oxigénio tem no mecanismo de formação

de apara. Foi desenvolvida uma bancada de ensaios para permitir a realização de ensaios de corte

ortogonal em condições laboratoriais controladas. Esta montagem experimental permitiu controlar

vários parâmetros, nomeadamente a atmosfera envolvente à ferramenta de corte. Os ensaios foram

realizados utilizando uma atmosfera inerte de Árgon e uma atmosfera ativa de Oxigénio. Os provetes

de corte foram fabricados em AA1050 e chumbo tecnicamente-puro. A influência do Oxigénio no

mecanismo de formação de apara foi avaliada através da observação morfológica da apara e da

monitorização das forças envolvidas no processo de corte. Os resultados mostram que a atmosfera

inertes tende a reduzir a pressão específica de corte e a aumentar o enrolamento da apara. Porém, o

AA1050 mostrou menor sensibilidade ao Oxigénio relativamente à liga de chumbo.

Palavras-Chave: Corte ortogonal, experimental, atmosfera ativa e inerte, forças de corte.

Page 6: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

iv

Abstract

Metal cutting is one of the most used industrial processes to give every day parts and materials their

final form. Despite its technical and economical relevance, the efforts made in the studying of this

process still show a lack of knowledge even on basic phenomena related with mechanical strain near

the tool cutting edge and with the tribological conditions at tool-chip interface.

The present work presents a study of experimental nature on orthogonal metal cutting in order to

estimate the influence of the atmosphere on the oxidation of freshly formed surfaces and its influence

on the global process.

Experimental development consisted on the construction of a test bench that allowed orthogonal metal

cutting to take place under standard laboratory conditions with special concern on the surrounding

medium. The development of this apparatus allowed direct confrontation with practical issues related

to the process, allowing to fairly increase the state of knowledge on this matter.

Inspection of chip morphology and force monitoring allowed to confirm the influence of the atmosphere

on the process. Pure oxygen and argon were used in order to promote active and inert atmospheres

respectively on the cutting of technically pure lead and 1050A aluminium. The surrounding of the

cutting zone with an inert gas while performing the cut of lead showed a reduction on the cutting forces

and friction coefficient also altering the chip morphology. These results are consistent with the

literature on this matter. Aluminium cutting, despite giving inconsistent results, showed a tendency to

give lower friction coefficients values, when cut under an inert atmosphere. Debate over these results

was presented on chapters 4 and 5 of this dissertation.

Keywords: Orthogonal metal cutting, experimental, active and inert atmospheres, cutting forces.

Page 7: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

v

Índice

Agradecimentos ........................................................................................................................................ ii

Resumo ................................................................................................................................................... iii

Abstract.................................................................................................................................................... iv

Índice ........................................................................................................................................................ v

Lista de figuras ....................................................................................................................................... vii

Lista de tabelas ........................................................................................................................................ x

Nomenclatura .......................................................................................................................................... xi

Abreviaturas .......................................................................................................................................... xiii

1. Introdução ........................................................................................................................................... 14

2. Fundamentação teórica ...................................................................................................................... 17

2.1 Corte por arranque de apara ........................................................................................................ 17

2.1.1 Corte ortogonal ...................................................................................................................... 17

2.1.2 Modelos analíticos ................................................................................................................. 19

2.1.3 Formação da apara ............................................................................................................... 22

2.2 Tribologia ...................................................................................................................................... 25

2.2.1 Atrito ...................................................................................................................................... 26

2.2.2 Quantificação do atrito ........................................................................................................... 30

2.2.3 Natureza das superfícies ....................................................................................................... 33

2.2.4 Lubrificação ........................................................................................................................... 36

2.3 Modelação numérica do corte ortogonal. ..................................................................................... 37

3. Desenvolvimento experimental .......................................................................................................... 40

3.1 Bancada de ensaios ..................................................................................................................... 40

3.2 Instrumentação e aquisição de dados .......................................................................................... 41

3.2.1 Força...................................................................................................................................... 41

3.2.2 Deslocamento ........................................................................................................................ 43

3.2.3 Captura de imagem ............................................................................................................... 46

3.2.4 Aquisição e processamento de sinais ................................................................................... 47

3.3 Ferramenta de corte ..................................................................................................................... 48

3.3.1 Fixação e posicionamento ..................................................................................................... 49

3.3.2 Anel difusor ............................................................................................................................ 49

Page 8: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

vi

3.3.3 Polimento e recondicionamento ............................................................................................ 50

3.4 Integração do aparato experimental ............................................................................................. 51

3.5 Levantamento da espessura das aparas ..................................................................................... 53

3.6 Materiais utilizados ....................................................................................................................... 54

3.6.1 Chumbo ................................................................................................................................. 54

3.6.2 Alumínio ................................................................................................................................. 54

3.6.3 Propriedades mecânicas dos materiais ................................................................................ 55

3.7 Procedimento experimental e plano de ensaios .......................................................................... 55

4. Análise e discussão de resultados ..................................................................................................... 57

4.1 Validação do procedimento experimental .................................................................................... 57

4.2 Influência da atmosfera no chumbo ............................................................................................. 59

4.3 Influência da atmosfera no alumínio ............................................................................................ 61

4.4 Influência da atmosfera no processo ........................................................................................... 63

4.5 Correlação entre estimativas teóricas e experimentação ............................................................ 66

5. Conclusões e perspetiva de trabalho futuro ....................................................................................... 69

5.1 Conclusões ................................................................................................................................... 69

5.2 Perspetiva de trabalho futuro ....................................................................................................... 69

Referências ............................................................................................................................................ 72

Anexos .................................................................................................................................................... 75

Page 9: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

vii

Lista de figuras

Figura 1 - Termos usados no corte ortogonal; a) representação tridimensional do processo, onde

podem ser identificadas as velocidades de corte Vc e de saída, Vs ; b) representação bidimensional,

geralmente conhecida como geometria de corte, mostrando as variáveis que influenciam o processo.

(Cristino, 2007) ....................................................................................................................................... 17

Figura 2 - Hodógrafo do corte ortogonal. (Cristino, 2007) ..................................................................... 18

Figura 3 - Representação dos mecânicos de formação da apara, em que a ferramenta se move da

direita para a esquerda; a) observação do equilíbrio da apara na ação das forças transmitidas através

da interface apara ferramenta e através do plano de corte; b) modelo de Ernst-Merchant que descreve

o comportamento da apara como um corpo rígido. ............................................................................... 20

Figura 4 - Campo de linhas de escorregamento; a) proposto por Lee-Shaffer para o corte ortogonal, b)

círculo de Mohr. ...................................................................................................................................... 21

Figura 5 - Zonas de corte existentes no processo de corte por arranque de apara. ............................. 23

Figura 6 - Modos básicos de formação da apara; a) apara contínua; b) apara lamelar; c) apara

descontínua; d) apara com aresta postiça formada; e) apara com formação de fissura. ...................... 24

Figura 7 - Influência das condições de atrito no comprimento de contacto e na curvatura da apara. .. 25

Figura 8 - Distribuição de tensões na face de ataque da ferramenta; a) normais; b) de corte; c) zonas

de colagem e deslizamento na face de ataque da ferramenta. ............................................................. 26

Figura 9 - Representação esquemática das principais leis de atrito usadas em engenharia, mostrando

a tensão de atrito numa interface sólido – sólido, como uma função da pressão normal. São

apresentadas duas curvas (A e B) geradas a partir da lei do atrito de Bay. .......................................... 30

Figura 10 - Ensaios típicos de quantificação de atrito; a) representação esquemática do ensaio de

pino-no-disco. b) Geometria típica de um provete de ensaio em anel. (Candungo, 2009) ................... 33

Figura 11 - Aspeto real de uma superfície acabada: a) Esquema representativo das impurezas que

afetam a superfície dos metais; b) Forma geométrica de uma superfície vista ao nível microscópico. 35

Figura 12 - Decomposição do perfil de uma superfície mostrando os elementos que constituem a sua

textura (Rodrigues, 2006). ...................................................................................................................... 36

Figura 13 - Técnicas de simulação numérica; a) FEM; b) SPH ............................................................. 38

Figura 14 - Fase de projeto máquina ferramenta de corte ortogonal; a) câmara de controlo da

atmosfera; b) pormenor nos componentes móveis; c) pormenor da ferramenta de corte com anel

difusor. .................................................................................................................................................... 40

Figura 15 - Máquina ferramenta corte ortogonal. ................................................................................... 41

Figura 16 - Curva de calibração da célula de carga piezoeléctrica. ...................................................... 42

Figura 17 - Bobine de indução magnética; a) fase de projeto; b) peça final. ......................................... 44

Figura 18 - Sensores de deslocamento montados na sua posição final. .............................................. 44

Figura 19 - Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de sinal à entrada e à

saída. ...................................................................................................................................................... 45

Figura 20 - Curva de calibração para os sensores de deslocamento. ................................................... 46

Figura 21 - Interface gráfica programada em LabView. ......................................................................... 48

Page 10: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

viii

Figura 22 - Acessórios do dispositivo de fixação da ferramenta de corte; a) desenho técnico da placa

metálica; b) desenho técnico cubo metálico; c) desenho técnico suporte micrómetro; d) acessórios

integrados no dispositivo de fixação. ..................................................................................................... 49

Figura 23 - Anel difusor; a) desenho técnico; b) peça final. ................................................................... 50

Figura 24 - Esquema de polimento da face de ataque da ferramenta; a) ferramenta sem acessório,

com danos na aresta de corte; b) ferramenta com acessório. ............................................................... 51

Figura 25 - Representação esquemática do aparato experimental implementado. .............................. 52

Figura 26 - Aparato experimental a) extremidade do canhão eletromagnético, existente (esquerda),

fabricada (direita) b) aparato experimental funcional. ............................................................................ 52

Figura 27 - Exemplo de apara cotada através do software Autocad. .................................................... 53

Figura 28 - Fases de fabrico do provete de chumbo; a) lingote fundido; b) peça final. ......................... 54

Figura 29 - Provete de alumínio; a) desenho técnico; b) provete final. ................................................. 55

Figura 30 - Comparação qualitativa de forças de corte e penetração em função do tempo; a)

resultados Cristino (2011); b) resultados deste trabalho. ...................................................................... 57

Figura 31 - Forças de corte e de penetração, resultantes de um ensaio a um provete de chumbo, para

uma espessura de corte de 0.150mm, em função do deslocamento para condições quasi-estáticas e

de alta velocidade ................................................................................................................................... 58

Figura 32 - Comparação de valores da pressão específica de corte para chumbo tecnicamente puro

em função da espessura de corte para diferentes condições de velocidade de corte e lubrificação. ... 58

Figura 33 - Condição da superfície maquinada do provete de alumínio após um ensaio em condições

quasi-estáticas. ....................................................................................................................................... 59

Figura 34 - Forças de corte para chumbo tecnicamente puro em função da espessura de corte para

diferentes condições de atmosfera e velocidade de corte. .................................................................... 59

Figura 35 - Forças de penetração para chumbo tecnicamente puro em função da espessura de corte

para diferentes condições de atmosfera e de velocidade de corte. ....................................................... 60

Figura 36 - Pressão específica de corte para chumbo tecnicamente puro em função espessura de

corte para diferentes condições de atmosfera e velocidade de corte. ................................................... 61

Figura 37 - Forças de corte para alumínio AA1050 em função da espessura de corte para diferentes

condições de atmosfera. ........................................................................................................................ 61

Figura 38 - Forças de penetração para alumínio AA1050 em função da espessura de corte para

diferentes condições de atmosfera. ....................................................................................................... 62

Figura 39 - Pressão específica de corte para alumínio AA1050 em função da espessura de corte para

diferentes condições de atmosfera. ....................................................................................................... 62

Figura 40 - Coeficiente de atrito em função da espessura de corte para a gama de ensaios planeada à

exceção do corte de alumínio em condições quasi-estáticas. ............................................................... 63

Figura 41 - Aparas resultantes do corte ortogonal; a) 0.020mm alumínio oxigénio AV; b) 0.020mm

alumínio árgon AV; c) 0.040mm chumbo oxigénio AV; d) 0.040mm chumbo árgon AV; e) 0.15mm

Chumbo oxigénio QS; f) 0.15mm Chumbo árgon QS. ........................................................................... 64

Figura 42 - Logaritmo do raio de enrolamento da apara em função da espessura de corte para a gama

de ensaios planeada com a exceção dos ensaios de alumínio em condições quasi-estáticas. ........... 65

Page 11: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

ix

Figura 43 - Ângulo do plano de corte em graus em função da espessura da seção de corte. ............. 66

Figura 44 - Forças de corte e de penetração para alumínio AA1050 em função do deslocamento do

provete respeitantes ao corte real e simulado no software DEFORM, com e=0.15mm e Vc=204m/min.

................................................................................................................................................................ 66

Figura 45 - Forças de corte e de penetração reais e resultantes de simulação numérica para alumínio

AA1050 em função do coeficiente de atrito, e=0.150mm e Vc=204m/min. ............................................ 67

Figura 46 - Corte ortogonal de alumínio AA1050 para e=0.150mm, Vc=204m/min a) simulação

numérica com µ =0,7 b) experimental. ................................................................................................... 68

Figura 47 - Quantificação da folga do conjunto guia + carro móvel; a) deslocamento do carro em

função da carga aplicada; b) aparato experimental utilizado. ................................................................ 71

Page 12: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

x

Lista de tabelas

Tabela 1- Valores das constantes do modelo proposto para a caracterização mecânica do chumbo

tecnicamente puro e do alumínio AA1050. ............................................................................................ 55

Tabela 2 - Plano de ensaios. .................................................................................................................. 56

Page 13: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

xi

Nomenclatura

Apresentam-se de seguida os principais símbolos utilizados nesta dissertação e o seu significado

Ao - Área transversal de corte

b - Largura de corte

Fc - Força de corte

Fp - Força de penetração

Fa - Força de atrito

FN - Força normal

k - Tensão de corte máxima

Ks - Pressão específica de corte

Lc - Comprimento de contacto

m - Fator de atrito

P - Pressão normal de contacto

R - Força resultante

Ra - Rugosidade média

Rc - Grau de encalque

Vc - Velocidade de corte

Vs - Velocidade de saída da apara

VAB - Velocidade no plano corte

Wc - Potência de corte

Z- Taxa de remoção do material

AB - plano de corte AB

Símbolos gregos

α - Ângulo de ataque

β - Ângulo de atrito

Page 14: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

xii

σ - Ângulo de saída

𝑒 - Espessura de corte

𝑒’- Espessura da apara

ϕ - Ângulo do plano de corte

𝜏𝐴𝐵- Tensão de corte no plano AB

𝜏𝑖 - Tensão média de corte na superfície de contacto

µ - Coeficiente de atrito

Page 15: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

xiii

Abreviaturas

AV - Alta velocidade

QS – Quasi-estático

ASTM - American Society for Testing and Materials

FEM - Finite Element Method

SPH - Smoothed Particle Hydrodynamics

ALE - Arbitrária Lagrangeana

PCB - Printed Circuit Board

AC - Corrente alternada

CC - Corrente contínua

LDT - Linha de descontinuidade de tensão

Page 16: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

14

1. Introdução

O corte por arranque de apara envolve diversos fenómenos físico-químicos complexos que tendem a

dificultar a compreensão e a modelação dos processos de maquinagem. Isto tem promovido a

investigação teórica através da utilização de técnicas de simulação numérica para resolver as não-

linearidades e a interdependência entre os fenómenos físicos considerados nos modelos teóricos do

corte por arranque de apara. Porém, nem os programas de simulação numérica mais recentes

parecem conseguir encontrar uma solução completa para uma gama alargada de condições

operativas. Esta divergência parece indiciar a ausência da contabilização de algumas contribuições

fenomenológicas nos modelos conceptuais do corte por arranque de apara.

A investigação teórica do mecanismo de formação da apara teve inicio no século passado pelo

desenvolvimento de modelos teóricos que permitissem modelar o comportamento mecânico do

material desde o instante em que a ferramenta toca no material até à formação e escoamento da

apara sobre a face de ataque da ferramenta. Durante a formação da apara ocorre uma deformação

plástica severa do material, em condições de alta taxa de deformação e elevada temperatura. Isto

motivou o desenvolvimento de novos modelos constitutivos e técnicas experimentais de calibração

para permitir modelar o escoamento plástico do material de uma forma mais realista. Porém, mesmo

com a utilização de modelos constitutivos sofisticados e ensaios mecânicos dedicados parece

continuar a existir diferenças entre as estimativas teóricas e experimentação.

As condições severas de formação e escoamento da apara promovem a iniciação e o coalescimento

de fissuras no material. Este mecanismo de fratura é essencial para permitir que a ferramenta de

corte avance através do material. Para que este mecanismo de fratura dúctil ocorra é necessário o

fornecimento de energia adicional para formar as novas superfícies da apara e a superfície

maquinada da peça. Por esta razão, a tendência atual tem sido à da contabilização da contribuição

da tenacidade à fratura nos modelos teóricos. Porém, continuam a existir dúvidas se a contabilização

deste fenómeno será suficiente para encontrar uma solução geral para o problema do corte ortogonal.

Muitos investigadores têm referido que a energia dissipada por atrito tem uma contribuição muito

significativo no valor da energia total para a formação da apara. Esta afirmação é inquestionável e

observável na prática pela importância que é atribuída aos óleos industriais. Porém, alguns destes

investigadores reforçam que o valor da energia dissipada durante a formação de apara é muito

superior aos valores previstos pela teórica matemática da tribologia. Estes investigadores defendem

que não é suficiente a utilização da teoria da plasticidade e da teórica da mecânica da fratura dúctil

para uma modelação correta do mecanismo de formação da apara sem a correta contribuição dos

mecanismos tribológicos. Deste modo, parece fundamental o desenvolvimento de estudos

compreensivos da condição tribológica na interface de contacto entre a apara e a ferramenta em

condições semelhantes às condições operativas dos processos de maquinagem.

Page 17: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

15

A análise tradicional do atrito no corte por arranque de apara, bem descrita em Childs (2006), não

considera as reações das superfícies recém-geradas com elementos químicos existentes no meio

envolvente, seja este meio líquido (p.ex. emulsão de corte) ou gasoso (p.ex. sopro de ar-comprimido).

Esta abordagem desconsidera os fenómenos químicos e a sua influência no enrolamento da apara,

mesmo tendo em conta a elevada sensibilidade dos metais à oxidação. Do mesmo modo, desvaloriza

os efeitos químicos dos aditivos existentes nos fluidos de corte, distorcendo a real contribuição do

coeficiente de atrito ao longo da face de ataque da ferramenta.

Durante o corte de metais são geradas novas superfícies virgens e quimicamente ativas devido à

propagação de fissuras, em condições de alta temperatura pelo calor gerado pela deformação

plástica e na presença de meio envolventes ativos. Estas circunstâncias potenciam o aparecimento

de pontos de soldadura entre a face recém gerada da apara e a face de ataque da ferramenta,

especialmente na presença de fortes tensões compressivas (Bowden e Rowe 1956). No entanto,

mesmo em condições de maquinagem a seco, este fenómeno nem sempre se verifica. Isto implica

que alguns gases ou vapores presentes na atmosfera são capazes de inibir a formação de pontos de

soldadura. De facto, existem estudos que sugerem que os filmes de óxido podiam influenciar o

escorregamento da apara, principalmente porque a sua presença evitava o contacto metal-metal

(Bowden e Tabor 1954). Rowe e Smart (1963) testaram provetes de aço macio num torno

convencional, controlando a atmosfera envolvente, fazendo incidir um jato de gás diretamente na

interface apara-ferramenta, e concluíram que a ausência de oxigénio no corte resulta em forças de

corte mais elevadas e na deterioração da qualidade de acabamento da superfície maquinada, quando

comparadas com condições de atmosfera ambiente. Mais tarde, Williams e Stobbs (1979)

demonstraram experimentalmente que, tanto o alumínio como o cobre, apresentavam valores das

forças mais baixas para velocidades de corte de 2mm/s em câmara de vácuo. Por outro lado, o corte

do aço macio nestas mesmas condições apresentava forças de corte mais elevadas quando

comparados com o corte à pressão atmosférica. Mais recentemente foram ainda levadas a cabo

experiências utilizando vapor de tetraclorometano como lubrificante numa câmara inicialmente em

vácuo, onde se verificou a redução do coeficiente de atrito na interface apara-ferramenta em

condições de corte ortogonal de uma liga envelhecida de alumínio 2014 (Wakabayashi, Williams e

Hutchings 1993). Cristino (2011) encontrou a mesma tendência no corte de chumbo, verificando uma

redução das forças de corte e maior enrolamento apara com a redução da percentagem de oxigénio

no meio envolvente. Estes estudos mostram a importância dos lubrificantes gasosos no corte de

metais (Wakabayashi 1993). Porém, uma análise mais detalhada mostra a incerteza que existe sobre

o real efeito da oxidação ou não oxidação, das superfícies recém geradas, no coeficiente de atrito e

consequentemente nas forças envolvidas nos processos de corte. Os estudos anteriores foram

realizados em condições operativas muito distintas o que invalida a comparação dos resultados.

Deste modo, importa a realização de ensaios com diferentes atmosferas em condições operativas

comparáveis.

A presente dissertação é motivada pelo trabalho desenvolvido por Cristino (2011), procurando

contribuir para a compreensão da influência do oxigénio existente na interface de contacto apara-

Page 18: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

16

ferramenta para a condição tribológica do corte ortogonal. O documento está estruturado em cinco

capítulos, incluindo a presente introdução. O segundo capítulo faz uma breve introdução aos

fundamentos considerados relevantes para a compreensão do trabalho desenvolvido na presente

dissertação e está dividido em três subcapítulos. No primeiro subcapítulo, são apresentadas as

definições básicas do que se considera corte ortogonal, caso particular do corte por arranque de

apara e é feita uma breve referência aos fenómenos associados à formação da apara. O segundo

ponto aborda a tribologia introduzindo o tema do atrito, os seus mecanismos e técnicas de

quantificação. O terceiro ponto passa por uma breve apresentação sobe a modelação numérica do

corte ortogonal, para mais tarde auxiliar no projeto da bancada de ensaios.

O terceiro capítulo faz referência ao desenvolvimento experimental do presente trabalho, onde é

apresentado o aparato que foi construído com a finalidade de controlar o maior número de variáveis

operativas possível e possibilitar a avaliação da influência do oxigénio no mecanismo de formação da

apara. São mencionados os principais desafios à sua construção e as soluções adotadas para a

resolução dos mesmos. Ainda no terceiro capítulo apresentam-se os materiais estudados e é definido

o procedimento experimental a executar.

O quarto capítulo refere-se à discussão dos resultados obtidos, começando por uma análise da

morfologia da apara, da espessura e do raio de enrolamento da apara para diferentes condições

operativas. Na segunda parte deste capítulo são analisados os resultados obtidos para as forças de

corte, comparando com o trabalho desenvolvido por Cristino (2011) em chumbo tecnicamente-puro

analisando as diferenças entres tipos de materiais entre condições de corte quasi-estáticas e

dinâmicas o que permitiu uma melhor interpretação dos resultados obtidos para a liga de alumínio

1050A. Por último são apresentadas no quinto capítulo as conclusões e perspetivas de trabalho futuro

resultantes deste trabalho.

Page 19: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

17

2. Fundamentação teórica

Devido ao facto da modelação do corte por arranque de apara ser caracterizada por um elevado

número de parâmetros, é importante a introdução e compreensão de definições básicas do processo

de corte. Neste capítulo são introduzidos os conceitos teóricos que servem de suporte aos

desenvolvimentos teóricos e experimentais apresentados na presente dissertação.

2.1 Corte por arranque de apara

Esta secção apresenta uma descrição dos mecanismos de formação da apara com base no

pressuposto de que os processos de corte por arranque de apara podem ser analisados usando

modelos baseados simplesmente na teoria da plasticidade e da tribologia clássica. Esta aproximação

é considerada na generalidade das análises teóricas e na maioria das principais contribuições para a

compreensão do corte ortogonal.

2.1.1 Corte ortogonal

Os processos de corte por arranque de apara envolvem geralmente um escoamento plástico

tridimensional cuja complexidade tende a dificultar o estudo e a compreensão do mecanismo de

remoção de material. Como alternativa é possível considerar o escoamento da apara em condições

de deformação plana, permitindo representar as componentes vetoriais da força de corte e o campo

de deformações da apara num plano bidimensional (Merchant, 1944). Esta forma simplificada de

analisar o processo tem sido muito utilizada, nomeadamente nos trabalhos que envolvem a

comparação entre estimativas teóricos e medidas experimentais.

Figura 1 - Termos usados no corte ortogonal; a) representação tridimensional do processo, onde podem ser

identificadas as velocidades de corte Vc e de saída, Vs ; b) representação bidimensional, geralmente conhecida como geometria de corte, mostrando as variáveis que influenciam o processo. (Cristino, 2007)

A representação esquemática da Figura 1.a) permite correlacionar o escoamento real da apara com a

versão simplificada e compreensiva do corte ortogonal, através do estudo de um plano paralelo ao

escoamento da apara e perpendicular à aresta de corte da ferramenta. A face de ataque da

ferramenta sobre a qual ocorre o escorregamento da apara é considerada plana sem utilização de

quebra apara. A outra superfície da ferramenta é denominada de face de saída da superfície

maquinada do componente (Figura 1.b). O ângulo diedro reto entre a face de ataque e o plano da

Page 20: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

18

secção de corte é designado por ângulo de ataque, α, enquanto o ângulo diedro reto entre a face de

saída e à superfície recém-formada da peça é denominado de ângulo de saída, σ. A espessura da

secção de corte do material a remover é denominada espessura de corte, 𝑒, que por simplicidade é

considera constante apesar de na realidade esta poder variar no decorrer do processo de corte. A

Figura 1.b) apresenta também a espessura da apara, 𝑒’, como resultado da transição do material

cortado através de um plano de corte AB onde ocorre um máximo das tensões de corte e contêm a

aresta de corte da ferramenta. A posição deste plano é feita relativamente ao plano da velocidade de

corte e é denominado por ângulo de corte, ϕ.

A razão entre a espessura de corte e a espessura da apara denomina-se por grau de encalque, Rc e

permite obter experimentalmente o valor do ângulo de corte medindo a espessura da apara, através

das seguintes relações:

𝑅𝑐 =

𝑒′

𝑒=

𝐴𝐵 ∙ cos (ϕ − α)

𝐴𝐵 ∙ sin (ϕ)= 𝑐𝑜𝑡ϕcosα + sinα (1)

ϕ = cot−1 [

𝑅𝑐 − 𝑠𝑖𝑛𝛼

𝑐𝑜𝑠𝛼] (2)

Através da condição de incompressibilidade é possível obter a velocidade da apara, Vs :

𝑉𝑠 =

𝑉𝑐

𝑅𝑐

(3)

onde Vc é a velocidade de corte e pode ser observada na Figura 1. a)

A velocidade através do plano de corte, VAB pode ser obtida com base no hodógrafo da figura

seguinte, através da seguinte equação:

𝑉𝐴𝐵 = 𝑉𝑐

cos 𝛼

cos( ϕ − α) (4)

Figura 2 - Hodógrafo do corte ortogonal. (Cristino, 2007)

Page 21: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

19

No corte ortogonal a reação da peça sobre a ferramenta é simplificada a uma única força aplicada na

aresta de corte e denominada por força resultante, R. A determinação desta força é normalmente

realizada experimentalmente através da medição de duas componentes ortogonais de força: uma na

direção do corte onde se mede a força de corte Fc e outra na direção ortogonal onde se mede a força

de penetração Fp.

Na maioria dos casos a energia consumida pela força de corte é superior à energia consumida na

direção ortogonal, sendo esta última negligenciada no cálculo da potência de corte, Wc, que é então

dada pela seguinte equação:

𝑊𝑐 = 𝐹𝑐 ∙ 𝑉𝑐 (5)

A pressão ou potência específica de corte, KS, pode ser interpretada como um parâmetro que avalia

a eficiência do processo de corte. Este coeficiente tem pois as dimensões de uma potência por

unidade de volume de material cortado por unidade de tempo e também de uma força por unidade de

superfície.

𝑊𝑐

𝑍=

𝐹𝑐 . 𝑉𝑐

𝐴0. 𝑉𝑐

=𝐹𝑐

𝐴0

= 𝐾𝑠 (6)

onde A0 é a área transversal da espessura da apara antes do corte, definida como o produto da

espessura de corte pela largura (Figura. 1).

2.1.2 Modelos analíticos

Ao longo dos anos, diversos esforços foram feitos para descrever o processo de formação da apara.

Este esforço foi já sumarizado por diferentes autores como Zorev (1966) e Armarego (1969) entre

outros. De uma forma geral estes modelos baseiam-se na teoria da plasticidade e utilizam o grau de

encalque para descrever a geometria do processo. Na presente seção são apresentados em primeiro

lugar pressupostos habitualmente assumidos no estudo do corte ortogonal e em seguida diferentes

modelos analíticos para este processo. Discussões sobre a sua validade podem ser encontradas nas

referências (Zorev, 1966) e (Armarego, 1969).

Postulados

A aplicação da teoria da plasticidade ao estudo do corte por arranque de apara pode ser simplificada

pela utilização do modelo de corte ortogonal, que conduz a uma condição de deformação plana. Esta

condição particular de deformação plástica pode ser assumida quando a largura da apara é muito

superior à espessura de corte (rácio superior a 20). Para garantir condições de corte livres a aresta

de corte da ferramenta deve ter uma largura superior à peça a cortar, a aresta de corte deve ainda

ser afiada para que as forças de atrito na face de saída possam ser desprezadas, não se

considerando por isso o raio de afiamento da ferramenta e a contribuição do contacto na face de

Page 22: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

20

saída. O processo de formação da apara é ainda considerado como sendo estacionário desprezando-

se fenómenos dinâmicos, tais como vibrações, propagação frágil de fissuras ou fenómenos de apara

aderente. O material da peça também é considerado rígido perfeitamente plástico, não sendo

considerado o comportamento elástico e o encruamento implícito nos materiais reais de engenharia.

A existência de elevadas extensões plásticas permite que as extensões elásticas sejam desprezadas.

O comportamento do material é considerado independente da taxa de deformação, da temperatura e

dos efeitos de inércia.

De todas as resistências a vencer, as únicas consideradas são as de deformação plástica da apara,

concentrada no plano de corte (modelo idealizado do plano de corte sem espessura) e a de atrito

entre a apara e a face de ataque da ferramenta. Existem ainda outros modelos onde se considera a

mecânica da fratura dúctil, no entanto estes por serem mais complexos não são descritos neste

trabalho.

Ernst-Merchant

Ernst-Merchant (1941) apresentaram a primeira análise completa, denominada solução do ângulo de

corte. A análise foi elaborada assumindo que a apara se comporta como um corpo rígido e que esta

se mantem em equilíbrio pela ação das forças transmitidas na interface apara ferramenta e através

do plano de corte, Figura 3. a). Este modelo é baseado numa representação simplificada das

tensões existentes no processo de corte ortogonal, apresentando algumas limitações.

Figura 3 - Representação dos mecânicos de formação da apara, em que a ferramenta se move da direita para a

esquerda; a) observação do equilíbrio da apara na ação das forças transmitidas através da interface apara ferramenta e através do plano de corte; b) modelo de Ernst-Merchant que descreve o comportamento da apara

como um corpo rígido.

Da interpretação do diagrama de forças da Figura 3. b) temos que:

𝐹𝐶 =

𝐴0 ∙ 𝜏𝐴𝐵

sin (ϕ)∙

cos (𝛽 − 𝛼)

𝑐𝑜𝑠(ϕ + β − α) (7)

Page 23: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

21

Expressão na qual ϕ é desconhecido. No processo de corte a geometria global não é conhecida a

priori. Toma-se então o postulado de que ϕ assume o valor que conduz à condição da força de corte,

Fc mínima para as condições de corte, minimizando assim o trabalho realizado durante o processo de

corte. A aplicação de este princípio à equação anterior possibilita a obtenção de ϕ minimizando Fc em

relação a este.

𝜕𝜏

𝜕ϕ=

𝑅

𝑡0

[cos(𝛽 + ϕ − α) cos(ϕ) − sin (𝛽 + ϕ − α)sin (ϕ)] =𝑅

𝑡0

cos(𝛽 + 2ϕ − α) = 0 (8)

de onde resulta para ϕ :

2ϕ + β − α =𝜋

2 (9)

e o valor mínimo de Fc

𝐹𝑐 =

𝐴0𝜏𝐴𝐵cos (𝛽 − 𝛼)

[1 − sin (𝛽 − 𝛼)] (10)

As equações (9) e (10) mostram ainda a relação entre o ângulo de atrito, β, o ângulo de ataque, α e a

força de corte Fc.

Lee-Shaffer

Lee-Shaffer (1951) aplicaram a teoria da plasticidade ao corte ortogonal, analisando a distribuição de

tensões e de deformações numa zona plástica triangular “ABC”. O método das linhas de

escorregamento foi empregue para propor uma solução que satisfizesse as condições de tensão e

velocidade para o mecanismo de formação da apara contínua. O modelo idealizado do plano de corte

foi aplicado, onde toda a deformação ocorre num plano que se estende desde a aresta de corte da

ferramenta até ao ponto de intersecção da superfície livre de trabalho com a apara. A tensão de corte

máxima em toda esta zona é 𝜏𝐴𝐵 = 𝑘 (a tensão de corte no plano) e os dois sentidos desta são

indicados pelos dois pares de linhas de escorregamento.

Figura 4 - Campo de linhas de escorregamento; a) proposto por Lee-Shaffer para o corte ortogonal, b) círculo de

Mohr.

Page 24: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

22

Considerações semelhantes podem ser aplicadas ao estado de deformação num ponto. Nesse caso,

existe uma relação simples entre as deformações principais. A partir daí, segue-se que as

deformações normais εα e εβ sobre as direções de tensão de corte máxima são zero. Por outras

palavras, não há variação no comprimento ao longo das linhas de escorregamento. Deve haver uma

solução de linhas de escorregamento consistente com a solução de linhas de escorregamento

descrita anteriormente. Ao considerar o movimento relativo da ferramenta e o trabalho do material,

pode ser demonstrado que a velocidade das partículas ao longo das linhas de escorregamento é

constante e ABC move-se como um corpo rígido. Através de AB há uma descontinuidade na

componente tangencial da velocidade que produz a deformação plástica necessária para se formar a

apara. Assim, na solução de Lee-Shaffer, o corte tem lugar apenas no plano de corte.

Pela geometria calculada com recurso ao plano de Mohr pode demonstrar-se que a solução de Lee-

Shaffer resulta na seguinte expressão para o ângulo do plano de corte ϕ:

ϕ + 𝛽 − 𝛼 =𝜋

4 (11)

A força de corte, Fc, pode ser obtida, considerando o equilíbrio da região ABC. Dado que a superfície

BC está livre de tensões, a força sobre a ferramenta é igual à força sobre a superfície AC. Pode-se,

portanto, demonstrar que:

𝐹𝑐 = 𝑘 ∙ 𝐴𝐵̅̅ ̅̅ (1 + 𝑐𝑜𝑡ϕ) (12)

Lee-Shaffer perceberam que a equação (11) poderia não se aplicar quando 𝛽 =𝜋

4 e 𝛼 = 0 uma vez

que com esses valores ϕ seria zero e a espessura da apara, e‘, seria infinita. Considerou-se, no

entanto, que essas condições de baixa inclinação e de atrito elevado levam à formação de uma

aresta postiça (apara aderente junto à aresta de corte da ferramenta), como foi observado por Herbert

(1926) e Boston (1930). Para contemplar este ponto, uma segunda solução foi apresentada por

(Lee,1954) para uma nova geometria onde se considera a formação de uma aresta postiça na face da

ferramenta.

2.1.3 Formação da apara

Uma característica particular do corte por arranque de apara é o facto de que o objeto das

observações, a zona onde a deformação ocorre, não fazer parte do produto final, mas sim, pertencer

ao material removido a este sob a forma de apara. O limite da zona afetada não é determinado de

antemão pela geometria da ferramenta de corte, desde que somente uma superfície da apara esteja

em contacto com a ferramenta. O facto de a superfície exterior da apara ser livre conduz à

formação de diferentes tipos de apara e à obtenção de diferentes curvaturas, dependendo do

material de trabalho e das circunstâncias de corte.

Page 25: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

23

Zonas de corte

Na figura seguinte são esquematizadas as três zonas típicas de deformação plástica no processo de

corte, onde Lc é o comprimento de contacto:

Figura 5 - Zonas de corte existentes no processo de corte por arranque de apara.

A primeira zona estende-se desde a aresta de corte da ferramenta, através de um plano, conhecido

como plano de corte, até à superfície do material, limitando as zonas de material antes e após

deformação plástica, conhecida como a zona de corte primária. A segunda região ocorre ao longo da

face de ataque da ferramenta, denominada zona de corte secundária, resultando do atrito na

interface apara-ferramenta. Um fenómeno similar ocorre na zona de corte terciária, uma vez que a

nova superfície maquinada ainda está momentaneamente em contacto com a face de saída da

ferramenta.

Tipo e forma das aparas

A apara removida por uma ferramenta de corte pode ser classificada como contínua ou descontínua.

Na formação descontínua da apara, a forte deformação plástica tende a dividir a apara em

segmentos, ou pode ocorrer rotura. Geralmente, materiais frágeis tendem a formar aparas

descontínuas. A alteração dos parâmetros de corte, tais como, o aumento da velocidade de corte, o

aumento do ângulo de ataque (positivo) ou a lubrificação da área de corte, tendem a promover a

formação de uma apara continua. Já, por exemplo, o aumento da espessura de corte tende a

produzir uma apara descontínua, facto verificado por (Rosenhain, 1925). Os fatores que influenciam

a formação de aparas descontínuas foram estudados teoricamente e experimentalmente por alguns

investigadores como (Cook, 1954) e (Lee, 1954).

Em determinadas circunstâncias é ainda possível observar a formação de uma aresta postiça de

corte, também conhecido como o fenómeno de apara aderente que ocorre na face de ataque da

ferramenta. Este é um fenómeno intermitente e dos principais fatores a influenciar a rugosidade da

superfície maquinada. Quando uma apara aderente cresce o suficiente, esta é arrancada da face de

ataque e escoa ao longo da mesma, mas também ao longo da face de saída, podendo

inclusivamente provocar danos na peça final.

Page 26: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

24

Em suma, um grande número de fatores determina o tipo de apara que se obtém em determinadas

circunstâncias de corte. Estes fatores estão intimamente relacionados com as propriedades

mecânicas e químicas do material de trabalho, a afinidade metálica entre o par apara-ferramenta e os

parâmetros de corte. A revisão da literatura demonstra que este não é um assunto consensual

no entanto segundo Cristino (2007) é usual distinguir entre cinco modalidades básicas de

formação da apara, as quais se encontram esquematicamente representadas na figura seguinte.

Figura 6 - Modos básicos de formação da apara; a) apara contínua; b) apara lamelar; c) apara descontínua; d)

apara com aresta postiça formada; e) apara com formação de fissura.(Cristino, 2007)

Na Figura 6. a) esta representada uma apara continua com uma espessura constante e um grau de

deformação uniforme, este tipo de apara é comum à maioria dos materiais dúcteis. As aparas

contínuas estão geralmente associadas a um bom acabamento superficial e forças de corte estáveis,

no entanto estas podem-se tornar indesejadas na medida a sua dimensão pode interferir com o

operador ou interferir na zona de corte provocando danos na peça final, nestas condições é

geralmente utilizado uma ferramenta com quebra aparas como solução para estes problemas.

Existem casos onde a eliminação da apara pode ser difícil, nestes casos ou em casos de produção

automatizada, são muitas vezes preferíveis aparas descontínuas. A apara serrilhada, Figura 6. b), é

uma apara contínua com espessura e grau de deformação não homogéneos. A apara descontinua

presente na Figura 6. c), ocorre geralmente em condições de elevadas deformações ou quando o

material de trabalho é frágil. Sob estas condições, a apara é segmentada, dando origem a uma

apara descontínua. Na mesma figura são ainda possíveis de observar dois fenómenos de formação

da apara normalmente indesejados, a formação de aresta postiça de corte, Figura 6. d), e a

formação de uma fenda que se propaga no material à frente da ferramenta, Figura 6. e). Este

último pode ocorrer no corte de materiais frágeis, de materiais que com uma estrutura heterogénea

ou que contenham inclusões, tornando a direção de propagação da fenda aleatória.

Page 27: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

25

Influência do atrito na formação da apara

Devido aos limites geométricos, o processo é muito sensível às condições de atrito na face de ataque

da ferramenta. Reduzindo o coeficiente de atrito, o ângulo do plano de corte, ϕ, aumenta e a

espessura da apara reduz-se. Deste modo, a área do plano de corte reduz-se, o que leva a uma

redução da força exigida para o processo. As condições livres da geometria e do contacto no corte

estão ilustradas na Figura 7.:

Figura 7 - Influência das condições de atrito no comprimento de contacto e na curvatura da apara.

As condições de operação na interface apara-ferramenta podem ser caracterizadas como adversas

para o acesso do lubrificante. A formação da apara é igualmente acompanhada pela exposição de

superfícies recém-formadas à atmosfera envolvente, suscetível de oxidação das mesmas. Estas

superfícies são quimicamente muito ativas e causam circunstâncias tribológicas particulares no que

diz respeito à adesão, difusão, etc.

As condições físicas na interface ainda não estão totalmente clarificadas. No entanto, é consensual

que no corte de uma apara de largura finita, b, existe uma zona de adesão, zona 1 da Figura 8. c),

que está rodeada por uma zona de escorregamento, zona 2 da Figura 8. c), em que a apara e a

ferramenta estão separadas fisicamente antes do afastamento da apara em relação à ferramenta de

corte. Se a transição da zona de adesão para a de escorregamento ocorre instantaneamente, como

sugerido por (Schey, 1983), ou gradualmente, como concluído por (Cook, 1954), depende talvez da

combinação de materiais presentes. É nesta zona que a atmosfera e o lubrificante podem ter grande

influência.

2.2 Tribologia

As condições em que se encontram as superfícies de contacto desempenham um papel importante

no corte ortogonal. Desde influenciarem o acabamento até à proteção do material da peça contra a

corrosão e a abrasão. O escorregamento da apara sobre a superfície de ataque da ferramenta

promove fenómenos de adesão e abrasão, promovendo a deformação e por vezes a fratura do

material da peça. A ciência que estuda a mecânica do contacto entre superfícies é denominada

tribologia e é comum quantificar a dificuldade do escorregamento entre materiais através da utilização

Page 28: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

26

do coeficiente de atrito. Porém, as propriedades das superfícies exteriores diferem daquelas do

material base e obriga a uma revisão do conceito tradicional de atrito utilizado no corte ortogonal.

Figura 8 - Distribuição de tensões na face de ataque da ferramenta; a) normais; b) de corte; c) zonas de colagem

e deslizamento na face de ataque da ferramenta.

2.2.1 Atrito

Atrito refere-se à força que se opõe ao movimento relativo, ou tendência para tal, entre duas

superfícies em contacto. Atrito e desgaste não são propriedades características dos materiais,

representam sim uma característica indicativa de como um par de materiais reage, em contacto, num

certo ambiente quando sujeito a determinadas forças que tendem a promover o movimento relativo

entre os materiais. O conceito de atrito divide-se ainda entre atrito estático e atrito dinâmico.

A Força de atrito não é, no entanto, uma força fundamental. Não existe consenso sobre o que

realmente causa o atrito. É, no entanto, compreendido que o atrito se deve a um conjunto de

mecanismo que atuam simultaneamente, mas que se manifestam de forma diferente em diferentes

circunstâncias. Tudo isto torna o estudo do atrito extremamente complexo envolvendo diferentes

mecanismos ativos como; lubrificação, mecânica dos fluidos, mecânica dos sólidos deformáveis,

ciências dos materiais, física e química de superfícies, termodinâmica, etc. Por estas razões, tabelas

de coeficientes de atrito devem ser aplicadas com cautela, tanto mais quanto a diferença entre as

condições simulativas e as que foram usadas nos ensaios tribológicos.

Nos processos de maquinagem a consideração adequada da área de contacto, da força normal

aplicada e da direção do escoamento de material requer a utilização dos modelos de atrito que

representem o melhor possível a realidade. Existem fundamentalmente três leis de atrito, com

interesse nos processos de corte e de deformação plástica. Estas leis podem ser generalizadas

como:

Lei de Amonton-Coulomb (Teoria das Asperezas)

Lei de Prandtl (Teoria da Adesão)

Lei de Wanheim-Bay (Modelo Misto)

Page 29: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

27

Lei de Amonton-Coulomb

A lei do atrito de Coulomb, também conhecida como a lei clássica do atrito, é baseada em trabalhos

desenvolvidos anteriormente por Leonardo da Vinci e Amonton (1663-1705), e é definida

matematicamente por:

μ =

𝐹𝑎

𝐹𝑁

=𝜏𝑖

𝑃 (13)

Onde, µ representa o coeficiente de atrito adimensional, FN a força normal à superfície de contacto,

Fa a força de atrito resultante do efeito da aplicação da força normal, τi é a tensão média de corte na

superfície de contacto e P a pressão normal de contacto. A equação (13) mostra que para um

coeficiente de atrito constante a tensão de corte cresce na mesma razão que a pressão de contacto.

Esta equação é apenas válida quando satisfaz este critério. A teoria de plasticidade indica que a

equação (13) só é aplicável para baixas pressões tendo em conta que para pressões elevadas esta

relação deixa de existir (Ali, 2001). Devido aos valores elevados de pressão hidrostática a que são

sujeitos os diversos processos de deformação plástica e corte de metais, os valores da pressão

normal podem atingir valores superiores ao da tensão de corte do material fazendo com que o valor

do coeficiente de atrito baixe consideravelmente atingindo valores pouco realista.

Lei de Prandlt

Para solucionar as limitações verificadas na lei do atrito de Coulomb, a lei de atrito constante ou

simplesmente a lei de Prandtl, assume que a tensão de corte é proporcional à força necessária para

que ocorra deformação plástica do material, resultando a seguinte expressão:

τ𝑓 = m. τ𝑚á𝑥 = m. k (14)

Nesta formulação (14), m representa o fator de atrito ou fator de proporcionalidade e varia de

0 (condições de atrito nulo) a 1 (condições de atrito máximo geralmente com ocorrência do

fenómeno de adesão), k corresponde a tensão de corte máxima do material.

Tal como o coeficiente de atrito, o fator de atrito é dependente de parâmetros como a temperatura, a

pressão, a velocidade, o meio envolvente e a solubilidade dos materiais envolvidos (Brown e co-

autores, 1969). Atendendo que estes parâmetros podem variar ao longo do processo, é de esperar

que o coeficiente de atrito varie ao longo da interface de contacto. O uso do valor médio do

coeficiente de atrito é razoável para o cálculo de forças mas pode levar a erros consideráveis quando

aplicado para determinar a distribuição de tensão na interface de contacto, conforme descrito por

Schey (1983). Igualmente, como no caso da distribuição de tensão, não é correto usar o valor médio

do coeficiente de atrito para prever a microestrutura dos materiais envolvidos no processo.

Page 30: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

28

Conforme discutido por Dieter (1976), a análise acima foi realizada para o caso de atrito de

deslizamento na interface, facto este frequentemente descrito na física elementar. No caso extremo,

verifica-se uma situação onde a tensão de corte que atua na superfície de interface é máxima (igual

ao valor da tensão de corte puro) e constante, nesta situação deixa de existir o movimento relativo na

interface entre a apara e a ferramenta de corte.

Usando o critério de plasticidade de Von Mises, o coeficiente de atrito máximo é:

μ =𝑘

𝜎𝑒

=

𝜎𝑒

√3⁄

𝜎𝑒

(15)

Portanto, o valor do coeficiente de atrito definido pela equação (15) pode ser considerado como o

valor limite, isto é se μ ≥ 0.577, não pode existir movimento relativo na interface. A equação (15)

mostra ainda que se o coeficiente de atrito na interface entre a apara e a ferramenta de corte é

constante, então a razão entre a tensão de corte e a tensão normal é constante ao longo de todo o

comprimento de contacto.

Contudo, apesar deste constrangimento teórico para a existência de movimento relativo na interface

entre dois corpos, na prática este aspeto nem sempre é verificado. Estudos anteriores realizados por

vários investigadores encontraram valores muito superiores ao limite teórico, Zorev (1966) obteve μ =

0.6-1.8, Kronenberg (1966) 0.77-1.46, Armarego e Brawn (1969) 0.8-2, Finnie e Shaw (1956) 0.88-

1.85, Usui e Takeyama (1960) 0.4-2, etc. Como pode ser observado, os valores de coeficiente de

atrito obtido nos processos de corte de metais estão muito acima do valor limite teórico μ=0.577. Por

outro lado, os valores do coeficiente de atrito utilizados na previsão e modelação numérica para

caracterizar as condições de deslizamento na interface, são sempre inferiores ao valor limite. Na

simulação de processos de corte, Stenkowsky e Mon (1990) usaram μ=0.2, Komvopoulos e

Erpenbeck (1991) 0-0.5, Lin, Pan e Lo (1995) 0.074. Os resultados da simulação numérica parecem

estar em boa concordância com os resultados obtidos experimentalmente (Astkhov, 2006).

Lei de Wanheim-Bay

A teoria de adesão considera que as superfícies são rugosas e possuem vales e picos, assunto

abordado em pormenor mais à frente nesta dissertação. O contacto entre dois corpos ocorre apenas

em pontos específicos, resultando numa área real de contacto, sendo esta uma fração da área

aparente de contacto. Devido a valores reduzidos da área de contacto, a pressão aplicada é

frequentemente elevada. Bowden e Tabor (1964) afirmaram que o fenómeno de adesão ocorre nas

zonas em contacto e a força necessária para romper esta ligação é a medida de atrito. Analisando a

deformação plástica de asperezas de forma isolada, Bowden e Tabor (1964) apresentaram uma

explicação teórica para o coeficiente de atrito, na lei de Amonton.

Nas suas primeiras análises, nas quais o efeito da pressão normal foi considerado independente da

tensão de corte, o valor máximo obtido para o coeficiente de atrito foi de 0.2. Para alguns metais em

Page 31: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

29

condições de atmosfera controlada (p. ex. no vácuo ou aquando da utilização de uma atmosfera

inerte) este valor pode aumentar significativamente. Para incorporar este fator, esta teoria foi

posteriormente modificada de modo a incluir o efeito combinado entre as tensões de corte e normais

bem como o aumento das áreas de contacto, chegando-se à seguinte formulação:

μ =

𝑓

√3(1 − 𝑓2) (16)

Onde 𝑓 é uma constante que representa a tensão de corte na interface de contacto, sendo que para

ligações fortes o seu limite é 1 e reduz-se à medida que a força na ligação diminui. Bay (1976)

modificou a equação anterior tendo substituído o valor 3 por β, que representa a percentagem da

área da superfície realmente capaz de entrar em contacto com a outra representando-se como:

μ =

𝑓

√𝛽(1 − 𝑓2) (17)

A equação (17) indica a condição para o início de um deslizamento mais grosseiro. O deslizamento

começa quando as condições máximas de atrito estático são atingidas e as ligações separam-se.

Neste instante a resistência de atrito é nula, mas seguidamente novas ligações são formadas

repetindo-se o processo. A resistência estática de atrito permanece ao longo de uma distância da

ordem de 10-4

cm quando o movimento começa. (Rabinowicz, 1951)

Nas teorias de Bowden e Tabor é considerada de forma isolada a deformação de cada impureza.

Porém, maioritariamente nos processos de corte e deformação plástica, a pressão na interface entre

a peça e a ferramenta é elevada fazendo com que as asperezas se deformem aumentando a área

efetiva de contacto. A necessidade de se considerar a interação entre asperezas vizinhas fez com

que este problema fosse estudado por Wanheim, Bay e co-autores (1985). Estes estudos foram

resumidos por Bay (1985). Considerando a área real de contacto e a deformação plástica das

asperezas, o estudo propôs um modelo de atrito que assume que o atrito e a pressão são

proporcionais simplesmente até o limite da proporcionalidade.

𝜏

𝑘= 𝑚. 𝛼 (18)

Onde α (que não deve ser confundido com o ângulo de ataque de uma ferramenta de corte)

corresponde à relação entre a área real de contacto e a área aparente.

A lei do atrito de Amonton e a teoria de adesão de Bowden e Tabor têm uma aplicabilidade limitada.

Para além do limite de proporcionalidade, a deformação das asperezas favorece a ocorrência de

interações entre si nas superfícies dos materiais. Nestas condições a variação do atrito com a

pressão deixa de ser proporcional, sendo que para pressões elevadas aproxima-se do valor máximo.

Page 32: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

30

Quando a área real de contacto iguala a área aparente, o modelo de atrito constante (lei de Prandtl)

apresenta-se como o mais adequado. Este modelo assume que a inclinação das asperezas é baixa,

sendo que estas condições são verificadas ao longo de todo o intervalo de interesse. Os estudos

realizados por Bay (1985) tiveram em conta a inclinação das asperezas, obtendo-se como resultado

um novo modelo de atrito e novas curvas de atrito mais compreensivo, evoluindo-se para uma nova

lei.

O modelo geral de Wanheim-Bay, diz que o atrito numa interface em contacto é proporcional à tensão

normal nos casos em que este assume valores baixos, 𝑝

𝜎𝑒⁄ < 1.5, mas tende para um valor

constante a altas pressões normais na interface de contacto 𝑝

𝜎𝑒⁄ > 3. Esta formulação é

apresentada como se segue:

𝜏 = 𝑓. 𝛼. 𝑘 (19)

Na qual o 𝜏 é a tensão de atrito, 𝑓 é fator de atrito, α a razão entre a área real de contacto e a

aparente, k é a tensão de corte máxima do material.

A Figura 9. mostra uma representação esquemática das leis de atrito discutidas anteriormente,

apresentando a evolução da tensão de corte em função da pressão normal de contacto para

diferentes leis. Verifica-se, no entanto, que para pressões baixas as leis de atrito de Coulomb e Bay

confundem-se entre si.

Figura 9 - Representação esquemática das principais leis de atrito usadas em engenharia, mostrando a tensão

de atrito numa interface sólido – sólido, como uma função da pressão normal. São apresentadas duas curvas (A e B) geradas a partir da lei do atrito de Bay.

2.2.2 Quantificação do atrito

A quantificação do atrito torna-se progressivamente mais complexa à medida que se procurar

reproduzir com mais rigor as condições operativas dos processos. Esta quantificação tem na maior

parte das vezes um caráter qualitativo para permitir comparar trabalhos realizados por diferentes

investigadores. A medida do coeficiente de atrito é geralmente feita com base em metodologias

Page 33: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

31

simples para que possam ser replicadas noutros laboratórios. A primeira metodologia foi

implementada por Leonardo da Vinci, através da observação do escorregamento de um objeto num

plano inclinado. Progressivamente foram sendo introduzidos outros métodos para quantificar não só o

atrito do par tribológico, mas também a influência de outros parâmetros tais como a lubrificação,

pressão de contacto, temperatura, etc.

O cálculo do atrito, geralmente com base na medição da força de atrito, requer o uso de equipamento

experimental oneroso e por vezes de utilização complexa em condições laboratoriais controladas

(Stachowiak, 2004). A qualidade e precisão destas medidas permite melhorar significativamente a

compreensão dos mecanismos tribológicos e auxiliar em questões energéticas e de fiabilidade da

indústria.

Existem diferentes métodos para a quantificação de atrito, sendo que uma boa parte deles, encontra-

se descrita nas normas ASTM por parte do comité D-2, entre outras publicações (Cristino, 2007), tais

como os métodos bloco no anel (ASTM D2714) e o pino no disco (ASTM G 99-95a). De entre os

métodos descritos na norma ASTM os indicados para recriar as condições nos processos de corte

por arranque de apara e de deformação plástica são os métodos de pino-no-disco e o de ensaio de

anel (Carilho, 2007)

As máquinas de ensaios tribológicos são aparatos que servem para medir atrito ou desgaste em

condições controladas, e são frequentemente utilizados nas mais diversas investigações realizadas

na área da Tribologia. Este aparato deve ser selecionado cuidadosamente permitindo recriar as

características críticas de atrito ou desgaste sem a complexidade associada aos processos reais de

fabrico.

A máquina de pino-no-disco é talvez a máquina de ensaios tribológicos mais utilizada para avaliar o

coeficiente de atrito em zonas com deformação plástica local e deformação elástica. Neste

equipamento o pino é pressionado contra um disco em movimento rotativo (Figura 10. a) na página

seguinte), sendo, portanto, o coeficiente de atrito obtido através da medição da força normal aplicada

e a força tangencial através de um dinamómetro. O ensaio de pino-no-disco permite obter um bom

controlo experimental das variáveis envolvidas no processo, sendo que é fundamentalmente esta a

razão do crescente interesse pelo seu uso relativamente a outros tipos de ensaios (Stachowiak,

2004).

A geometria básica de um sistema de pino-no-disco consiste na utilização de um pino com secção

circular ou ponta hemisférica que desliza sobre uma superfície plana de um disco em rotação. O

diâmetro do pino e a espessura do disco dependem do caso em estudo, mas devem ser selecionados

de forma a promover a rigidez de todo o sistema.

O acabamento superficial de ambos os componentes (pino e disco) deve coincidir com as condições

experimentais que se pretendem reproduzir, sendo que um dos principais parâmetros é a rugosidade

superficial, Ra. Para evitar o efeito de forças indesejadas ao sistema, as faces dos discos e pinos

devem ser paralelas e o disco deve rodar concentricamente. Nos aparatos frequentemente

Page 34: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

32

encontrados no mercado, a carga é aplicada no pino através do uso de um sistema de alavanca de

pesos calibrado, e o paralelismo do sistema garantido através do uso de contrapesos. É de salientar

ainda que as máquinas de ensaios de pino-no-disco trabalham frequentemente em condições

extremas de pressão de contacto e velocidades relativas na interface de contacto de forma a

deliberadamente se acelerar o processo de desgaste, diminuindo assim o tempo efetivo dos ensaios.

Estas condições extremas não são, portanto, necessárias para a avaliação do coeficiente de atrito, já

que o atrito pode ser avaliado em apenas uma volta do disco em contacto com o pino.

Recentemente, vários autores argumentaram que o ensaio de pino-no-disco é inadequado sendo

incapaz de reproduzir o valor das pressões de contacto envolvidas no processo, a temperatura do

processo e o fluxo de material frequentemente encontrado nas aplicações industriais (Grzesik, 2002).

No caso do fluxo de material é dito que a apara desliza sobre a face de ataque apenas uma vez,

sendo que nos ensaios de pino-no-disco o pino desliza na mesma zona várias vezes durante o

ensaio. Em resultado disso, várias propostas alternativas ao pino-no-disco foram sugeridas por vários

autores, como por exemplo Olsson e co-autores (1989), Hedenquist e Olsson (1991) e Zemzemi e co-

autores (2007).

Um outro tipo de ensaio frequentemente utilizado para calibração do atrito, principalmente nos

processos de forjamento, é o ensaio de anel. Neste ensaio, um provete anelar com dimensões

específicas é comprimido e deformado entre pratos. A partir do controlo da variação da altura e do

diâmetro interno do provete em cada fase do ensaio, é possível sem instrumentos especiais de

medida obter o fator de atrito, m, através da interpolação com as curvas teóricas de calibração.

Contrariamente à maioria dos métodos, este método não necessita de medição da força, sendo

suficiente o controlo dimensional do provete durante cada fase do ensaio.

Na Figura 10. b), encontra-se representado o comportamento típico de dois provetes anelares

idênticos, obtidos após a realização do ensaio de anel com uma mesma redução de altura (Δh). Um

dos provetes comprimido encontra-se em condições de atrito reduzido (Figura 10. b3), enquanto o

outro em condições de atrito elevado (Figura 10. b2). Verifica-se, portanto, que nos dois casos o

comportamento do anel durante o ensaio é expressivamente diferente. Na condição de baixo atrito, o

diâmetro interior do anel aumenta, enquanto no caso oposto verifica-se uma diminuição do mesmo.

Note-se que em ambos os casos há um aumento do diâmetro exterior.

Page 35: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

33

Figura 10 - Ensaios típicos de quantificação de atrito; a) representação esquemática do ensaio de pino-no-disco.

b) Geometria típica de um provete de ensaio em anel. (Candungo, 2009)

A utilização deste método prevê a aplicação de uma série de pressupostos simplificativos, o que pode

conduzir a erros e incertezas (Loveday e Books, 2000). Além disto, uma vez que os valores obtidos

por este método variam com vários parâmetros entre os quais a velocidade relativa, e a pressão de

contacto, faz com que qualquer estimativa do atrito seja apenas um valor indicativo (as condições de

lubrificação podem variar em cada fase do ensaio).

Apesar de este tipo de ensaio ser amplamente utilizado, ele só é adequado para classificar

qualitativamente a qualidade dos lubrificantes ou o acabamento das superfícies das ferramentas, pois

não é ideal para a obtenção de valores quantitativos fiáveis para fins de modelação. Os valores

obtidos são altamente dependentes dos pressupostos assumidos para o cálculo das curvas de

calibração, sendo que para reduções de altura inferiores a 20%, o método não é muito sensível

estando muito dependente do grau de qualidade da caracterização mecânica do material (Loveday e

Books, 2000), (Petersen e co-autores, 1997).

2.2.3 Natureza das superfícies

Geometria e acabamento

Quando se tenta compreender o fenómeno de atrito entre duas superfícies, é necessário conhecer

detalhes específicos acerca das superfícies envolvidas (Myers, 1999). Conforme visto anteriormente a

força de atrito entre superfícies depende das forças de interação entre elas (i.e., da sua natureza

química) e da dureza e tensões de cedência de cada material (da sua natureza física).

Todas as superfícies obtidas por processos de fabrico (como p. ex. maquinagem, forjamento) não são

totalmente planas ou lisas, quando observadas numa escala microscópica, facilmente se constata

que possuem irregularidades, apesar de muitas vezes parecerem perfeitamente polidas à vista

desarmada (Jamari e Schipper, 2006). Estas irregularidades encontradas na superfície são

geralmente denominadas de asperezas, sendo que a sua origem pode ser atribuída a diversos

fenómenos tais como: à fratura dos materiais, à formação de óxidos, a alterações metalúrgicas, à

Page 36: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

34

deposição de material na superfície e à solidificação de líquidos. Quando dois corpos entram em

contacto entre si este dá-se inicialmente ao nível das asperezas.

O tipo de deformação que ocorre (elástica, elasto-plástica, plástica) durante o contacto de superfícies

depende do valor da carga normal aplicada, da micro-geometria e das propriedades dos materiais em

contacto. Vários investigadores (Thomas,1999 e Burakowski e co-autor,1999) concluíram que a força

de atrito depende das propriedades específicas dos materiais envolvidos e da área de contacto

estabelecida entre ambas as superfícies. É importante referir que em muitos casos as propriedades

dos materiais podem ser diferentes em relação ao que era de se esperar, ou por diferenças entre a

área real e a aparente ou por as asperezas apresentarem gradientes de dureza (p.ex. devido ao

fenómeno de encruamento da deformação plástica de materiais). A diferença entre a área real e a

aparente pode ainda ser promovida pela existência de partículas estranhas aos materiais em

interação como camadas de óxidos, existência de bolsas de gás ou líquido, condensação de

vapores, impurezas sólidas, etc. De facto, estudar o atrito na interação de metais corresponde

também ao estudo dos seus óxidos, pois excetuando-se casos muito específicos é impossível

encontrar uma superfície completamente isenta de contaminantes. Na melhor hipótese, a superfície

normal de um metal estará coberta de camadas absolvidas de moléculas de gases e/ou outros

contaminantes.

A orientação macroscópica das asperezas (textura superficial) está diretamente dependente do

processo utilizado para a sua obtenção podendo variar desde grandezas atómicas a macroscópicas.

Existem casos em que a geometria da superfície é causada pelos efeitos localizados, como por

exemplo, a presença de elementos microestruturais mais duros, a fratura local ou o efeito da

corrosão que pode atacar a superfície de forma aleatória. Mesmo após um cuidadoso polimento é

impossível fazer com que a superfície a nível atómico esteja totalmente lisa (Carilho, 2007) pelo que,

torna-se importante distinguir entre derivações macroscópicas (desvios), flutuações, rugosidades e

micro-rugosidades (Figura 11.) relativamente à superfície teórica ideal.

No caso do processo de corte por arranque de apara, por exemplo, as ferramentas de corte deixam

nas superfícies saliências e depressões que, embora tendo uma altura pequena em relação às

dimensões globais da peça, podem influenciar a resistência da peça a esforços mecânicos ou à

corrosão. Assim, quando se analisa detalhadamente uma superfície cilíndrica obtida por torneamento

a sua geometria não coincide exatamente com a de uma superfície cilíndrica circular reta, pois as

suas geratrizes apresentam rugosidades e ondulações, o mesmo se passando com as diretrizes. Uma

vez que as superfícies resultantes do fabrico não coincidem com as superfícies geométricas

pretendidas; diferindo estas tanto na dimensão, como na forma, será necessário em cada caso definir

as variações consideradas admissíveis. No que respeita às dimensões (e também à forma), isto

é conseguido definindo-se tolerâncias, enquanto no caso do grau de acabamento da superfície é feito

através da definição da rugosidade.

Page 37: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

35

Figura 11 - Aspeto real de uma superfície acabada: a) Esquema representativo das impurezas que afetam a

superfície dos metais; b) Forma geométrica de uma superfície vista ao nível microscópico.

Após breve introdução das características superficiais obtidas nos processos de fabrico, interessa

estabelecer algumas medidas que são usadas para medir a rugosidade, designadamente, as

rugosidades Ra, Ry e Rz. Essas grandezas de medição de rugosidade serão definidas com base na

linha média, a qual se define como sendo a linha paralela à direção geral do perfil, traçada de modo

a que, no comprimento da amostragem, a soma das áreas superiores, compreendida entre ela e o

perfil efetivo, seja igual à soma das áreas inferiores.

A rugosidade média aritmética, Ra, é definida como a média aritmética dos valores absolutos das

ordenadas de afastamento (yi) dos pontos do perfil de rugosidade em relação à linha média,

dentro do comprimento de medida (Figura 12.a) e é obtida pela equação (20):

𝑅𝑎 =

1

𝐿𝑚

∫ |𝑦𝑖|𝐿𝑚

0

𝑑𝑙 ≈1

𝑛∑|𝑦𝑖|

𝑛

1

(20)

A rugosidade Ry define-se como à distância vertical entre o pico mais alto e o vale mais profundo,

dentro do comprimento de medida (Figura 12. b), e por último a rugosidade Rz, corresponde a média

aritmética dos cincos valores de rugosidade superficial parcial existente no comprimento de medida

(equação 21). A rugosidade parcial Zi é a soma dos valores absolutos das ordenadas dos pontos de

maior afastamento, acima e abaixo da linha média no comprimento de amostragem (Figura 12.c).

𝑅𝑍 = 1

5∑|𝑍𝑖|

5

1

(21)

Page 38: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

36

Figura 12 - Decomposição do perfil de uma superfície mostrando os elementos que constituem a sua textura

(Rodrigues, 2006).

Contribuição dos óxidos superficiais no coeficiente de atrito

Do ponto de vista prático, o par metal-metal é provavelmente o parâmetro tribológico mais estudado.

Nos casos em que a interação de dois corpos é realizada na presença de camadas de óxidos,

diferentes tipos de comportamento podem ser observados, dependendo principalmente das

características do óxido e da pressão superficial a que está sujeita a superfície do metal. Na prática,

o atrito entre superfícies pode provavelmente ser considerado como interação entre superfícies

compostas por óxido-óxido, óxido-metal ou metal-metal. Nos dois primeiros casos as características

destes óxidos representam uma contribuição na variação do coeficiente de atrito face ao par metal-

metal uma vez que as características mecânicas destes óxidos são diferentes das do metal base.

Neste caso particular a lubrificação pode representar um papel importante na inibição da oxidação

das superfícies recém geradas, podendo conduzir em certos materiais a um menor consumo

energético nos processos industriais por redução do atrito.

2.2.4 Lubrificação

Em termos funcionais, a lubrificação pode ser definida como a redução do atrito entre duas

superfícies através da redução do nível de interação existente entre as asperezas (Myers, 1999). Um

lubrificante pode ser uma substância sólida, líquida ou gasosa existente entre as superfícies em

movimento relativo entre si. Pode-se considerar, pelo menos localmente, que as superfícies estão

completamente separadas e a resistência ao movimento relativo é causada pela necessidade de

vencer a força de atrito causada pelo terceiro corpo (constituído geralmente por camadas de óleos,

óxidos ou outros corpos estranhos).

Os mecanismos de redução do atrito, entre duas superfícies em movimento relativo podem ser

convenientemente repartidos em quatro regimes (Myers, 1999); (i) regime hidrodinâmico, onde um

interveniente com uma camada relativamente espessa, evita o contacto direto entre as superfícies

em movimento relativo, e consequentemente reduz o atrito entre eles; (ii) regime elasto-hidrodinâmico

em que, para uma camada muito fina de lubrificante sobre altas pressões localizadas faz com que o

lubrificante demonstre as suas características especiais (viscosidade) evitando o contacto direto

entre as asperezas; (iii) camada limite, onde a ação do lubrificante é o resultado da existência de

uma película mono molecular absolvida em um ou ambos os sólidos e que reduzem as forças de

Page 39: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

37

adesão que atuam nos pontos de contactos; e (iv) aquele que pode ser chamado de “lubrificação

química”, em que o lubrificante enfraquece ou destrói as ligações soldadas nas asperezas por meio

de ataque químico.

Em todos os casos, o atrito é dependente das propriedades combinadas do fluido lubrificante e a das

superfícies em contacto. Se as superfícies estão completamente separadas, o coeficiente de atrito

dependerá essencialmente das propriedades do lubrificante.

2.3 Simulação numérica

O corte por arranque de apara envolve uma combinação de fenómenos físicos e químicos que

dificulta o estudo e a compreensão do mecanismo de formação da apara. Isto tem motivado o

desenvolvimento de modelos analíticos e computacionais para estabelecer estimativas teóricas para

os parâmetros do processo e avaliar a influência dos principais parâmetros operativos. Porém, as

estimativas teóricas de base computacional têm-se mostrado mais precisas relativamente às dos

modelos analíticos por conseguirem lidar com as não-linearidades e a interdependência entre os

fenómenos envolvidos no mecanismo de formação de apara.

A utilização da simulação numérica tem trazido benéficos significativos para a compreensão do

mecanismo de formação de apara, ainda que existam diferenças entre as suas estimativas teóricas e

a realidade do processo. O interesse da sua aplicação não se restringe a estudos académicos, tendo-

se observado um interesse crescente por parte da indústria para aplicações associadas ao

desenvolvimento de ferramentas de corte e otimização do processo em aplicações de elevada

responsabilidade. No entanto, a seleção de um programa para a simulação numérica dos processos

de corte é uma tarefa difícil uma vez que nem sempre é evidente quais as funcionalidades numéricas

necessárias para permiti modelar os diversos os fenómenos físicos e químicos existentes no

processo. Muitas vezes a seleção é baseada na facilidade de utilização do programa e no tempo de

simulação para alcançar uma solução, desconsiderando a qualidade global da estimativa numérica.

A maioria dos modelos numéricos de maquinagem são desenvolvidos com base no método de

elementos finitos (FEM). Na análise de corte por arranque de apara, as técnicas de Lagrange e Euler

são abordagens típicas, bem como a combinação de ambas, designando-se Arbitrária Lagrangeana

Euler (ALE). Strenkowski e Carroll (1988) utilizam o método de Lagrange com um modelo onde uma

superfície de rutura é pré-definida (Figura 13. b). No entanto, a área de fratura na ponta da

ferramenta não é perfeitamente modelada. O método de Euler assume que o material flutua através

de um volume da malha. No método ALE a malha não precisa de um acoplamento ao material,

podendo mover-se arbitrariamente. A malha é movida durante o cálculo para otimizar o elemento

independente da deformação do material.

Recentemente tem-se observado a aplicação de novas técnicas numéricas na simulação do corte por

arranque de apara, tais como o método SPH (Smoothed Particle Hydrodynamics). O SPH, na Figura

13. a), é chamado de método sem malha (meshfree) e foi criado em 1977 para aplicações de

astrofísica, tendo sido melhorado ao longo dos anos, mostrando-se estável do ponto de vista

Page 40: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

38

matemático (Lacome J.L., 1998) para permitir a análise de tensões e deformações, que podem agora

ser calculadas através de leis que vão desde o comportamento de fluidos até à fratura de materiais.

A escolha do software de elementos finitos é um fator importante na qualidade dos resultados e nas

diferentes análises que se podem realizar. Os softwares DEFORM e AdvantEdge são exemplo de

dois produtos comerciais para a simulação de processos de fabrico que incluem módulos de

maquinagem. Estes têm a vantagem de possuírem uma interface gráfica amigável e configurações

predefinidas que tornam o processo de preparação do modelo numérico fácil e rápido, porém, seguir

este tipo configuração impõe algumas restrições na definição do modelo. Existem ainda outros

programas comerciais como o Abaqus menos restritivos, mas com uma maior complexidade para

estabelecer os modelos numéricos. Já o método sem malha pode ser encontrado no programa Ls-

Dyna (Lacome JL, 2001 e Anon, 2006). No âmbito desta dissertação foi utilizado o programa

DEFORM devido à facilidade de utilização e estabilidade de cálculo devido às técnicas de

regeneração de malha (Adaptive Mesh) permitindo resolver as questões relacionadas com as

elevadas deformações típicas dos processos de maquinagem junto ao plano e aresta de corte.

Figura 13 - Técnicas de simulação numérica; a) SPH, b) FEM.

2.3.1 Modelo do numérico do corte ortogonal

Esta subsecção apresenta o modelo numérico do corte ortogonal utilizado na presente tese para a

simulação do corte ortogonal. A simulações serão realizadas com um propósito duplo de (i) estimar o

comprimento mínimo do provete para garantir que o regime estacionário do corte é alcançado, e (ii)

definir a secção de corte para garantir que a máquina de ensaios tem potência suficiente para a

realização do corte. Estes resultados foram também utilizados para avaliar a qualidade destas

estimativas em comparação com as medidas experimentais realizadas durante a tese.

O Deform é um programa desenvolvido pela STFC (Scientific Forming Technologies Corporation) e

está vocacionado para a simulação dos processos de deformação plástica, de corte por arranque de

apara e de tratamento térmico de materiais. Uma das principais vantagens na utilização deste

programa é a capacidade de gerar malhas adaptativas em geometrias complexas, permitindo

Page 41: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

39

ultrapassar questões numéricas associadas à existência e propagação de fissuras junto à aresta de

corte da ferramenta. A utilização deste programa permite obter um largo espectro de resultados, dos

quais se destacam pela sua importância a geometria da peça após e durante o processo de

enformação, e a evolução da carga com o deslocamento das ferramentas.

O modelo de elementos finitos consistiu na representação bidimensional do corte ortogonal

considerando condições de deformação plana e isotérmicas. O provete de corte foi modelado a partir

de uma malha estruturada com elementos quadriláteros de quatro nós. O provete de corte foi

constrangido na sua base de assentamento. O modelo do material utilizado foi o rígido-viscoplástico

da equação de Silva (2009) que se encontra descrito na secção 3.4 e foi introduzido através de uma

sub-rotina programada em fortran. A simulação foi efetuada em condições de deformação plana,

considerando estado inicial (transiente) e posteriormente estado estacionário de fluxo do material. Foi

realizada uma análise de sensibilidade à malha entre 2000 a 12000 elementos, tendo sido

considerado um valor de 10000 elementos. Porém, importa referir a importância da distribuição

destes elementos, a qual deverá garantir a existência de pelo menos 12 elementos na espessura da

apara o que conduziu à necessidade de implementar uma janela de refinamento da malha que

acompanha o deslocamento da ferramenta e se desenvolve em torno da aresta de corte da mesma

para garantir estas condições. A ferramenta foi definida por um contorno rígido e não deformável. O

contorno do punção e da matriz foi modelado por meio de elementos de contacto-atrito com base no

modelo de atrito de Coulomb, tendo-se variado o seu valor. A geometria da ferramenta permaneceu

contante durante a simulação com um ângulo de ataque nulo e um ângulo de saída de 7º. A

velocidade da ferramenta foi imposta com velocidade constante, e fazendo variar em dois valores de

baixa e alta velocidade de corte. Foi realizada uma análise de sensibilidade da geometria do provete,

tem-se obtido bons resultados com uma forma paralelepipédica de 30mm de comprimento, 20mm de

altura. As condições geométricas e dimensionais foram posteriormente utilizadas nos ensaios

experimentais de corte. O sistema de unidades utilizado foi o milímetro, segundo e Newton.

Page 42: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

40

3. Desenvolvimento experimental

Este capítulo apresenta o aparato experimental, enumerando os principais desafios de conceção e as

soluções adotadas para os mesmos. É ainda feita a caracterização dos materiais utilizados e

definidos o procedimento experimental e o plano de ensaios.

3.1 Bancada de ensaios

De forma a estudar a influência dos gases no corte de metais construiu-se uma máquina para ensaios

de corte ortogonal em condições laboratoriais controladas de forma a permitir controlar o tipo de

atmosfera e observar a sua influência no coeficiente de atrito. Para isso foi projetada uma câmara de

controlo da atmosfera, designada por simplicidade a partir deste ponto por câmara, uma cadeia

cinemática e a instrumentação da montagem experimental. A dimensão da câmara teve em

consideração o espaço necessário para acomodação de todos os componentes, a compatibilidade

com um motor de movimento linear e a necessidade de realização de ensaios em condições similares

à prática industrial dos processos de corte por arranque de apara.

A forma da câmara consiste num prisma retangular por apresentar uma estrutura fechada, adequada

para aumentar a rigidez e controlar a propagação das vibrações provocadas pelos fortes impactos.

Esta estrutura foi planeada para permitir a montagem numa mesa de trabalho metálica de elevada

massa e rigidez. Os trabalhos de corte e soldadura foram realizados no Laboratório de Tecnologia

Mecânica. Com base no modelo de corte ortogonal e nas variáveis a analisar foi escolhida a

instrumentação necessária e considerado o movimento relativo que as peças iriam ter entre si. Na

Figura 14. pode ver-se a fase de projeto da máquina ferramenta.

Figura 14 - Fase de projeto máquina ferramenta de corte ortogonal; a) câmara de controlo da atmosfera; b)

pormenor nos componentes móveis; c) pormenor da ferramenta de corte com anel difusor.

A célula de carga, que realiza a medição das forças de corte e penetração aplicadas na ferramenta, é

fixa ao interior da câmara por 4 parafusos M10. O sistema de fixação da ferramenta tem um

micrómetro encastrado de forma a permitir a definição da espessura de corte. O movimento do

provete, perpendicular à aresta de corte da ferramenta, é assegurado por um carro móvel, onde este

Page 43: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

41

é fixo através de 4 parafusos. Neste mesmo carro, que corre dentro de duas guias de esferas está

montado um sensor de indução que mede o deslocamento. As guias de esferas são o mecanismo de

guiamento base das máquinas-ferramenta utilizadas no corte por arranque de apara. A câmara é

fechada com duas placas de acrílico, à frente e atrás, para permitir a visualização do processo, que

são aparafusadas a esta, esmagando um vedante de borracha de 10mm de espessura. A escolha

deste vedante visou permitir que os cabos necessários à instrumentação pudessem ser também

esmagados entre o acrílico e a borracha de forma a garantir um bom isolamento do conjunto. Para

facilitar o acesso ao interior sem que fosse necessário desapertar e apertar todos os parafusos, entre

a realização de cada ensaio, o painel de acrílico frontal tem uma janela, fixa simplesmente com

ímanes, novamente isolada com um vedante de borracha. A estrutura da câmara contém ainda mais

3 furos para alimentação do gás proveniente das botijas e aplicação do movimento ao carro móvel,

isolados, tanto quanto possível. Na figura seguinte é possível visualizar os componentes integrantes

da máquina ferramenta, no interior da câmara.

Figura 15 - Máquina ferramenta corte ortogonal.

3.2 Instrumentação e aquisição de dados

3.2.1 Força

Para a aquisição das forças de corte e penetração envolvidas no processo de corte utilizou-se uma

célula de carga (piezoelétrica) Kistler® 9257A, aconselhado pelo fabricante para a medição de forças

de corte. No caso particular desta dissertação a escolha deste sensor justifica-se pela sua adequação

à gama de forças espectáveis +/- 5000N nas direções x e y e +/-10000N na direção z, resolução de

0.1N, sensibilidade de 5mV/N e pelo facto de a sua área efetiva de trabalho permitir que a zona útil da

ferramenta se encontre fora da área real da mesma, até 25mm, sem adulteração dos valores

medidos. (Kistler, 2016)

Page 44: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

42

Amplificação

A baixa voltagem de saída da célula de carga levanta a necessidade de amplificação da mesma

antes da aquisição do seu valor através do computador, para tal, foram utilizados três amplificadores

Kistler® Type 5011B, um para cada canal, apropriados à medição de grandezas mecânicas em

utilização conjunta com a célula de carga 9257A (Kistler, 2016).

Seguidamente é feita uma descrição sumária dos parâmetros utilizados:

Sensibilidade do transdutor, T, para a direção x, y e z respetivamente: Tx= 7.81ρC/N,

Ty=7.89ρC/N e Tz=3.77ρC/N (valores que são propriedades do sensor de força 9257A)

Amplificação, S= 1000

Lowpass filter=OFF

TC=LONG

Os valores fornecidos para a sensibilidade do transdutor permitiram a obtenção de bons resultados

durante o processo de calibração da célula de carga pelo que não existiu necessidade de alteração

dos mesmos. A amplificação utilizada foi escolhida por forma a afastar os valores medidos da gama

de ruído e ainda assim manter o sinal compatível com a gama de aquisição permitida pela placa de

aquisição de dados de +/- 5V.

A calibração da célula de carga foi realizada através de colocação sucessiva de pesos de massa

conhecida, 4,5kg, até uma carga máxima de 13,5Kg. O comportamento linear da célula de carga

nesta gama e a indicação por parte do fabricante da linearidade da mesma, em toda a sua gama de

trabalho foi considerado suficiente para aferir o bom funcionamento da mesma. Na figura seguinte

apresenta-se a curva de calibração onde se representa ainda a equação da reta obtida.

Figura 16 - Curva de calibração da célula de carga piezoelétrica.

y = 0,0096x R² = 1

0,00

0,02

0,04

0,06

0,08

0,10

0,12

0,14

0,16

0 5 10 15 20

Car

ga [

Vo

lts]

Carga [Kg]

Carregamento

Descarga

Page 45: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

43

3.2.2 Deslocamento

A medição do deslocamento é indispensável no estudo das forças envolvidas no corte ortogonal, uma

vez que permite a obtenção do trabalho realizado pela força e a criação de gráficos força-

deslocamento para uma melhor interpretação dos dados. Por questões de custo associado, de

geometria e do processo em si, destacam-se como mais adequados os sensores resistivos, como um

potenciómetro linear, para os quais existem varias opções comerciais disponíveis, ou os sensores

indutivos que apesar de não estarem amplamente disponíveis apresentam a vantagem de não

necessitarem de contacto físico e por isso não estarem sujeitos a desgaste e menos sujeitos à

captação de ruído proveniente da vibração da estrutura. Por estas razoes, pela sua facilidade de

execução e baixo custo optou-se pelo fabrico de um sensor indutivo cujo funcionamento se baseia no

princípio de indução magnética.

Um indutor consiste num enrolamento condutor (bobine), com ou sem núcleo, no qual a passagem de

corrente elétrica variável no tempo produz um campo magnético também ele variável. Neste tipo de

sensor utiliza-se uma bobine indutora e uma bobine recetora. Dependendo da distância entre as duas

bobines, apenas uma fração do fluxo magnético gerado pela bobine indutora é captado pela bobine

recetora. Quanto maior o fluxo que chega à bobine recetora maior a acoplação entre bobines, o nível

de acoplamento é expresso pelo fator de acoplamento, k. O fator de acoplamento varia entre 0 e 1,

sendo 1 o acoplamento perfeito, este fator é influenciado pela distância entre bobines, a sua forma e

o ângulo entre si. A variação deste acoplamento traduz-se, de uma forma prática e simplificada, numa

variação do valor de tensão que é possível medir na bobine recetora, tornando possível estabelecer

uma relação entre a posição das bobines e o valor de tensão na bobine recetora, se se mantiverem

constantes a tensão e frequência de excitação da bobine indutora.

Para esta aplicação e com base no trabalho já desenvolvido por Marques (2016), optou-se pela

utilização de bobines planas realizadas a partir de placas de circuito impresso. Para a obtenção dos

sensores foi impresso um desenho das bobines numa folha de acetato, estes desenhos foram

colocados sobre uma placa de circuito impresso pré-sensibilizada com uma camada fotossensível e o

conjunto exposto a radiação ultravioleta durante 10 minutos. Em seguida a placa é imersa em ácido

fosfórico, para remover a camada fotossensível atacada pelos raios UV e depois mergulhada numa

solução de percloreto de ferro para remoção do cobre em excesso. Apenas a zona inicialmente

protegida pelo desenho fica na placa, obtendo-se assim uma PCB com uma bobine em cobre. Este

conceito é distinto do apresentado por Marques (2016) relativamente à geometria e à direção do

movimento; Os sensores permanecem paralelos com uma folga constante e o movimento promove o

desalinhamento dos centros geométricos.

O comprimento da bobine tem em conta a necessidade da medida do deslocamento equivalente ao

deslocamento da guia. O resultado final foram duas bobines retangulares com 90x20mm com 4

espiras de 1mm e 1,5mm de espaçamento entre estas. Uma vez que o movimento do provete é

solidário com a guia, a bobine indutora é colocada na guia (movendo-se com esta) e a bobine

recetora é colocada num suporte especificamente projetado e construído para o efeito, mantendo-se

Page 46: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

44

estática ao longo do ensaio. As placas devem ser montadas tao próximas quanto possível. Devido à

soldadura dos cabos na placa, verificou-se que as placas teriam de ser montadas a 2mm uma da

outra.

Figura 17 - Bobine de indução magnética; a) fase de projeto; b) peça final.

Figura 18 - Sensores de deslocamento montados na sua posição final.

Gerador de sinal

A corrente elétrica de excitação da bobine indutora tem de ser corrente alternada, AC, e precisa de

ser controlada em termos de valor e frequência. O valor não deve exceder uma tensão de 10V na

placa recetora (tensão máxima suportada pela placa de aquisição de dados) pelo que não é possível

a ligação direta da bobine indutora à rede pública de 230V. Como tal utilizou-se um gerador de sinais

TTi ® TG120 capaz de gerar sinais de diferentes formas, com tensões entre os 0 e o 20V e uma

frequência entre 1 Hz e 10MHz. Experimentalmente verificou-se que se podia utilizar o valor máximo

da tensão gerada sem exceder o valor máximo admissível para a tensão na placa de aquisição de

dados e que a forma da onda que fornecia melhores resultados era uma onda sinusoidal.

Relativamente à frequência, existe uma frequência de excitação que maximiza o acoplamento entre

as bobines, que se verificou também experimentalmente (fazendo-se variar o valor da frequência e

medindo o valor da tensão na bobine recetora) ser de 8.7MHz, no entanto este valor não foi utilizado

uma vez que gerava interferência com os diferentes dispositivos eletrónicos utilizados neste aparato.

A frequência utilizada fixou-se no valor de 7.1MHz, resultante do melhor acoplamento possível sem

que se verificasse interferência nos restantes dispositivos.

Page 47: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

45

Retificador de onda

A placa de aquisição de dados apenas lê sinais de corrente continua, CC, por este motivo foi

necessário retificar o sinal na placa recetora de AC para CC. Para tal foi também fabricada uma ponte

retificadora cujo circuito elétrico e funcionamento se apresentam esquematicamente representados

na figura seguinte.

Figura 19 - Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de sinal à entrada e à saída.

Os componentes eletrónicos foram montados numa breadboard e testada a sua adequação a este

projeto. Os díodos utilizados, D1 a D4, na figura anterior, foram escolhidos com base no trabalho

desenvolvido por Marques (2016) uma vez que os valores de tensão e corrente utilizados são da

mesma ordem de grandeza, optando-se por quatro díodos 1N3819 com uma perda de 0.7V em cada

díodo. A escolha do condensador, C na imagem anterior, foi conseguida através da experimentação

de diferentes componentes até se obter um resultado satisfatório em relação à oscilação do valor da

tensão de saída, reduzindo-se esta oscilação até à centésima de Volt deixando esta de influenciar o

resultado obtido para a posição relativa dos sensores, recaindo a escolha sobre um condensador

cerâmico de 100nF. A resistência representada no circuito serve essencialmente para proteger o

mesmo de eventuais sobrecargas. Após a seleção dos componentes adequados, estes foram

soldados numa placa de circuito impresso, para assegurar maior robustez e minimizar eventuais

falhas no funcionamento. O conjunto foi então montado entre a bobine recetora e a placa de

aquisição, tendo sido testado novamente com resultados satisfatórios.

Calibração

O processo de calibração passou, primeiramente, pela confirmação de que a direção do movimento

escolhido para estes sensores bem como a geometria das bobines eram funcionais. A necessidade

de uma zona linear de funcionamento nestas condições era essencial para a precisão do sensor e

simplicidade de utilização. Para tal foi realizado um teste onde as duas placas foram montadas nas

condições previstas para o seu funcionamento. Realizaram-se marcações de um deslocamento

conhecido, 5mm, ao longo do comprimento das placas, verificando-se que o valor da tensão na

bobine recetora variava linearmente com a posição, excluindo-se apenas a situação em que os

Page 48: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

46

extremos das placas se sobrepunham, aproximadamente 10mm em cada extremidade, fixando o

comprimento útil de funcionamento das placas nos 70mm.

Com os resultados anteriores passou-se para a calibração dos sensores já montados no aparato

experimental. Realizaram-se novamente marcações de uma distância conhecida, 5mm, entre a

posição assumida como inicial, onde a guia esta alinhada com o carro e a posição final a 57mm de

distância, posição que representa o fim de curso da guia. Os valores registados permitiram traçar

uma curva de calibração dos sensores permitindo assim relacionar os valores de tensão com o

deslocamento. O processo foi repetido 5 vezes obtendo-se valores iguais até à terceira casa decimal

para todas as posições.

Figura 20 - Curva de calibração para os sensores de deslocamento.

3.2.3 Captura de imagem

Uma vez que o processo de corte acontece muito rapidamente surgiu a necessidade de

utilização de uma câmara de alta velocidade (CAV) Basler® acA2000-340km com uma capacidade de

captura de até 340 frames por segundo com uma resolução de 2 MP para que fosse possível a

observação do processo de modo a avaliar a existência ou não de interferência da apara com o

material a ser maquinado e o levantamento da espessura de contacto da apara com a ferramenta

com recurso a uma dimensão de referência na imagem capturada para posterior comparação com a

dimensão de contacto. A incorporação desta CAV no aparato experimental levou à utilização de um

suporte que colmatasse a necessidade de arrefecimento da mesma e que ao mesmo tempo servisse

de suporte para a iluminação extra, necessária ao funcionamento deste tipo de câmaras.

Page 49: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

47

Instalação e configuração.

A utilização deste tipo de equipamento exige um computador com capacidades gráficas, de

processamento e velocidade de gravação de dados elevadas pelo que a esta CAV está dedicada em

exclusivo um computador. Aquando da incorporação da mesma no aparato experimental, esta

encontrava-se desativada há cerca de seis meses tendo sido necessária a reinstalação dos softwares

Matrox Imaging Library® (MIL), Pylon® Viewer e Streams7®, atualização de licenças dos mesmos e

reconfiguração das configurações de imagem.

A otimização das configurações da CAV teve como condicionantes principais dois parâmetros que,

apesar de se pretenderem ambos maximizar, se compreendeu atuarem em sentidos opostos; a

resolução da CAV é tanto mais baixa quanto maior for a frequência de aquisição da mesma. A

imagem obtida durante os ensaios é, portanto, a melhor combinação encontrada entre estes dois

parâmetros, permitindo uma janela de 200x100 pixéis com uma captura de 3100 frames por segundo.

Sendo a velocidade máxima expectável para o ensaio de 3500 milímetros por segundo concluiu-se

ser possível a observação de, no mínimo um, frame por cada 1,13 milímetros de deslocamento do

provete, valor aceitável para a correta interpretação da evolução da formação da apara.

3.2.4 Aquisição e processamento de sinais

Hardware

A ponte entre os sinais enviados e recebidos pelos sensores e atuadores (motor eletromagnético) e o

computador é estabelecida através de uma placa de aquisição de dados National Instruments® USB-

6251 de 24 portas, analógicas e digitais, de entrada e de saída, 16 bit e uma frequência de aquisição

de até 100 000 pontos por segundo. A correta configuração da placa de aquisição exige o

conhecimento das características dos sinais de entrada e de saída. Os sinais recebidos (de entrada)

por se caracterizarem por uma diferença de potencial nos seus terminais, foram conectados em modo

diferencial, sem referência à rede elétrica para evitar o ruído proveniente desta. Um sistema de

medição diferencial responde apenas à diferença de potencial entre dois terminais, positivo e

negativo. O único sinal enviado (de saída) tem a função de enviar um sinal de comando ao relé que

aciona o disparo do canhão eletromagnético, tratando-se de um valor baixo de corrente elétrica. Este

foi configurado como uma saída analógica de voltagem, de 0 a 5 Volts RSE e modo de geração de

um impulso (por pedido).

Page 50: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

48

Software

Usando a linguagem de programação Labview no software com a mesma denominação, foi criada

pelo autor uma interface gráfica (Figura 21.) para comando e visualização das variáveis do processo

em tempo real por parte do utilizador. Desta interface fazem parte um gatilho para disparo do canhão

eletromagnético, gráficos de força e de deslocamento no tempo e permite a gravação dos dados

experimentais para um ficheiro “.txt”.

Figura 21 - Interface gráfica programada em LabView.

3.3 Ferramenta de corte

No decorrer dos ensaios de teste foram utilizadas 3 ferramentas diferentes para avaliar a sua

adequação ao processo estudado, no entanto os procedimentos utilizados na sua fabricação, fixação

e posicionamento bem como os acessórios adicionados foram transversais às 3 ferramentas uma vez

que quando projetados uma das especificações a cumprir seria a sua flexibilidade.

A ferramenta selecionada para a realização dos ensaios foi uma ferramenta de aço rápido, devido à

vulgar utilização deste material em ferramentas no corte de ligas de alumínio (American Society for

Metals, 1979). A ferramenta foi fabricada a partir de um buril de aço rápido, através de electroerosão

de forma a garantir o rigor geométrico da mesma e assegurar o melhor afiamento da aresta de corte

possível uma vez que este processo de fabrico permite assegurar tolerâncias até alguns micrómetros.

Page 51: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

49

3.3.1 Fixação e posicionamento

A fixação da ferramenta é feita através de um dispositivo fornecido pela Kistler® para esse efeito.

Este dispositivo foi então adaptado, sem alteração das suas características originais, de forma a

permitir também definir a espessura de corte aquando do posicionamento da ferramenta. Para tal

foram projetados e fabricados um conjunto de acessórios que consistem (Figura 22.) em: uma placa

metálica, uma barra metálica que serve de suporte a um micrómetro que nesta se encontra

encastrado e quatro cubos metálicos de espessura inferior à barra metálica por forma a permitirem a

fixação da mesma contra o suporte fornecido.

Figura 22 - Acessórios do dispositivo de fixação da ferramenta de corte; a) desenho técnico da placa metálica; b)

desenho técnico cubo metálico; c) desenho técnico suporte micrómetro; d) acessórios integrados no dispositivo de fixação.

3.3.2 Anel difusor

Apesar do ensaio se realizar dentro de uma câmara que pretende controlar o ambiente no qual se

desenvolve o processo de corte, as grandes dimensões da câmara e a sua capacidade de isolar a

passagem de ar até uma pressão limite no interior da mesma levaram a que se projetasse e

fabricasse um anel difusor (Figura 23.) acessório para a ferramenta de corte, com a função de

direcionar o lubrificante diretamente para a interface entre a apara e ferramenta por forma a reforçar a

sua penetração neste local de difícil acesso.

Page 52: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

50

Figura 23 - Anel difusor; a) desenho técnico; b) peça final.

O anel difusor foi fabricado em plástico, cortado com a forma de um prisma quadrangular onde foram

realizados dois furos concorrentes, um furo quadrado de 12x12mm para acomodar a ferramenta e

outro circular de 4mm de diâmetro para injetar o ar perpendicularmente à face de ataque da mesma.

Na face interior do furo quadrado que intersecta o furo circular foi aberto um canal, paralelo à

ferramenta no sentido do seu comprimento, por onde o ar injetado escoa formando uma cortina de ar

que incide diretamente na interface apara-ferramenta.

3.3.3 Polimento e recondicionamento

Polimento

Como referido no capítulo 2.2.3 a rugosidade da face de ataque da ferramenta desempenha um

importante papel nas condições tribológicas. O polimento da mesma influencia diretamente o

coeficiente de atrito global reduzindo-se a contribuição das asperezas da superfície para o mesmo.

A face de ataque da ferramenta foi polida manualmente, utilizando-se lixa de água, com um grão

consecutivamente mais fino, 600, 800, 1200 e 2500. Colocou-se a lixa numa superfície plana e

colocando a face de ataque da ferramenta em contacto com a lixa, sem exercer pressão (apenas com

o peso da ferramenta), realizaram-se movimentos perpendiculares, alterando a direção do movimento

de cada vez que os riscos deixados na ferramenta pelo movimento anterior deixavam de ser visíveis.

O polimento foi finalizado com recurso a um berbequim de alta rotação do fabricante Dremel com

uma boina de polimento, obtendo-se assim uma rugosidade média, Ra, de 0.2µm na direção de

escoamento da apara e 0.3µm na direção perpendicular, condições que se consideram já não ter

influência no valor do atrito na interface apara-ferramenta (Valentino, 2012)

Durante o polimento de uma das ferramentas de teste chegou-se ainda à conclusão que esta ação

junto à aresta de corte da ferramenta comprometia o afiamento da mesma. Quando a lixa é

encostada à ferramenta e executado o polimento, ainda que com pouca pressão, o grão da mesma

atinge a aresta de corte numa direção perpendicular a esta, tornando-a romba. A realização deste

Page 53: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

51

problema levou a que se projetasse um acessório, a utilizar durante o polimento, que prolongasse a

continuidade de material à frente da aresta de corte, impedindo assim o seu desgaste. Para melhor

interpretação da situação acima descrita apresenta-se a Figura 24. b) que representa

esquematicamente a ferramenta e o acessório.

Figura 24 - Esquema de polimento da face de ataque da ferramenta; a) ferramenta sem acessório, com danos

na aresta de corte; b) ferramenta com acessório.

Recondicionamento

Cristino (2011) estudou a influência do recondicionamento da ferramenta nas forças de corte.

Aumentando consecutivamente o número de ensaios que uma ferramenta realiza sem

recondicionamento, mostrou que as forças de corte mostram tendência a aumentar. Para que todos

os ensaios pudessem ser realizados nas mesmas condições, conclui-se então ser necessário

recondicionar a ferramenta de corte à sua condição original após a realização de cada ensaio. O

procedimento de recondicionamento passa pela repetição dos dois últimos passos do polimento,

passagem de uma lixa de grão 2500 em duas direções perpendiculares seguida da aplicação do

polimento e passagem com o dremel.

3.4 Integração do aparato experimental

Depois de fabricados e prontos, todos os componentes constituintes do aparato experimental, foi

necessário integrá-los e verificar o bom funcionamento do mesmo. Na figura seguinte encontra-se

uma representação esquemática de todos os componentes utilizados.

Page 54: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

52

Figura 25 - Representação esquemática do aparato experimental implementado.

A integração dos componentes revelou a necessidade de executar algumas operações. A

extremidade do pistão do canhão eletromagnético é uma peça amovível para que a ferramenta se

torne mais flexível em termos de aplicações e para que possa ser substituída em caso de dano

causado por sucessivos impactos. Foi necessário tornar o pistão (Figura 26. a) mais longo para

garantir o curso pretendido de forma a se obter um corte a todo o comprimento do provete. Devido à

geometria da viga à qual foi aparafusada a câmara foi necessário fabricar 4 anilhas metálicas para

permitir o correto assentar das porcas na face interior da viga. Na Figura 26. b) seguinte apresenta-se

todo o aparato corretamente integrado.

(a) (b)

Figura 26 - Aparato experimental a) extremidade do canhão eletromagnético, existente (esquerda), fabricada

(direita) b) aparato experimental funcional.

Page 55: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

53

3.5 Levantamento da espessura das aparas

O correto levantamento da espessura de uma apara é uma tarefa de extrema dificuldade e acarreta

um elevado consumo de tempo na sua execução. No entanto, devido à necessidade de cumprir

prazos pré-estabelecidos, o autor teve a necessidade de procurar metodologias mais céleres, às

quais está geralmente associado um erro de medição superior. Com a consciência deste facto foram

aplicadas três metodologias diferentes de forma a cruzar os dados obtidos e retirar conclusões sobre

a qualidade dos mesmos.

Em primeiro lugar todas as aparas foram, uma a uma, cuidadosamente posicionadas no mesmo

ponto de focagem de uma câmara de filmar com capacidade ampliadora conectada a um computador

e sem alteração da ampliação utilizada, fotografadas. De seguida fotografou-se no mesmo ponto uma

folha de papel milimétrico. Todas as fotografias foram transferidas para o programa de computador

AutoCAD® 2016 que permite a importação de imagens, definindo qual a escala pretendida. Neste

caso utilizou-se a escala 1:1. Com recurso à fotografia do papel milimétrico estabeleceu-se a relação

entre 1 milímetro e o número de pixels a que esta dimensão equivale no programa, chegando-se à

conclusão que 1 milímetro equivalia a 21.909 pixels: com esta relação foi possível medir a espessura

e o raio de enrolamento das aparas.

Figura 27 - Exemplo de apara cotada através do software Autocad.

A principal diferença das seguintes metodologias em relação à primeira é que estas implicam a

destruição das aparas, estas devem ser desenroladas para permitir a correta medição dos valores em

causa.

Na segunda metodologia utilizada, foi feito o levantamento das espessuras através da medição das

aparas com um paquímetro, esta medição foi realizada nos dois extremos da apara (no sentido do

comprimento), em três pontos diferentes ao centro (no sentido da largura) obtendo-se assim três

valores da maior espessura da apara e três valores da menor espessura da apara. Para se estimar a

espessura média da apara foi realizada a média aritmética dos valores obtidos.

Page 56: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

54

Por último, todas as aparas foram pesadas e de seguida feito o levantamento do seu comprimento e

largura. Com o conhecimento do valor da densidade dos materiais ensaiados e da geometria da

apara é calculada a espessura média.

Como se sabe,

𝐷𝑒𝑛𝑠𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 =

𝑀𝑎𝑠𝑠𝑎

𝑉𝑜𝑙𝑢𝑚𝑒𝑎𝑝𝑎𝑟𝑎

(22)

𝑉𝑜𝑙𝑢𝑚𝑒𝐴𝑝𝑎𝑟𝑎 = 𝑐𝑜𝑚𝑝𝑟𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜 × 𝑙𝑎𝑟𝑔𝑢𝑟𝑎 × 𝑒𝑠𝑝𝑒𝑠𝑠𝑢𝑟𝑎 (23)

logo,

𝑒𝑠𝑝𝑒𝑠𝑠𝑢𝑟𝑎 =

𝑀𝑎𝑠𝑠𝑎

𝐷𝑒𝑛𝑠𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 × 𝑐𝑜𝑚𝑝𝑟𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜 × 𝑙𝑎𝑟𝑔𝑢𝑟𝑎 (24)

3.6 Materiais utilizados

3.6.1 Chumbo

O interesse pelo estudo do chumbo justifica-se pela sua quase ausência de encruamento torna este

material praticamente rígido-perfeitamente-plástico, aproximando-o do material ideal utilizado na

maioria dos modelos analíticos e ainda permite simular à temperatura ambiente e baixas taxas de

deformação o comportamento de ligas de aço usualmente utilizadas na maquinagem. O provete de

chumbo (Figura 28. b) foi fabricado a partir de um lingote de chumbo obtido por fundição (Figura 28.

a) e maquinado numa fresadora convencional até se obter a sua geometria final.

Figura 28 - Fases de fabrico do provete de chumbo; a) lingote fundido; b) peça final.

3.6.2 Alumínio

O provete de alumínio (Figura 29. b) foi fabricado a partir de uma barra de alumínio AA1050 e fresado

à sua forma final tendo sido posteriormente recozido durante 2h a 500 graus Celcius para eliminar o

Page 57: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

55

encruamento e as tensões residuais. O alumínio AA1050 apresenta-se como alumínio praticamente

puro (99.5%) eliminando a eventual contribuição de elementos de liga nas reações com o oxigénio na

interface apara-ferramenta.

Figura 29 - Provete de alumínio; a) desenho técnico; b) provete final.

3.6.3 Propriedades mecânicas dos materiais

Para modelar comportamento mecânico dos materiais foi utilizada a equação (25) de Silva (2009)

utilizando parâmetros de calibração com came logística. A came logística é a técnica experimental

que permite calibrar os materiais em condições similares ao corte ortogonal, em comparação com a

tradicional came raiz utilizada em processos de forjamento.

𝜎 = [𝐴 + 𝑒𝑚𝜀𝜀𝑛] [𝐵 + 𝐶 𝑙𝑛 (𝐷 + 𝜀̇) ] (25)

𝐴 𝐵 (102) 𝐶 𝐷 (102) 𝑚 𝑛

Pb (99,9%) Came logística 0.2 −1.61 −25 16 −0.37 0.35

Came raiz 0.3 −0.52 −11 5 −0.13 0.26

AA1050 Came logística 0.22 1.34 12.5 0.008 −0.34 0.36

Came raiz 0.45 0.76 13 0.4 −0.19 −0.38

Tabela 1- Valores das constantes do modelo proposto para a caracterização mecânica do chumbo tecnicamente

puro e do alumínio AA1050.

3.7 Procedimento experimental e plano de ensaios

Dado o teor experimental deste trabalho, envolvendo a constante manipulação de um aparato

construído de raiz, foi necessário definir um conjunto de ensaios para validação da máquina de

ensaios e da instrumentação, verificando a exatidão e a repetibilidade dos ensaios e das medidas.

Isto não é mais do que a definição de um procedimento experimental que pode ser consultado no

Page 58: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

56

Anexo A. Para garantir a persecução dos objetivos do presente trabalho foi necessário definir um

plano de ensaios com o objetivo de se avaliar as consequências da presença de oxigénio no meio

envolvente ao mecanismo de arranque de apara. Este plano encontra-se definido na tabela 3.

A área de teste do provete é retangular com 30 por 11 mm (comprimento x largura), todos os ensaios

foram realizados em condições de corte ortogonal e o rácio entre a espessura de corte e a largura da

área de teste (<1/100) foi tomada em consideração para garantir que não existiam variações na

largura (condição de extensão plana). A influência dos efeitos de escala foi minimizada ao tentar

controlar a relação entre a espessura corte e o raio da aresta de corte, sendo esta no caso mais

desfavorável de 10.

Caso Material t0 (mm) Vc (m/min) Atmosfera α(º) σ(º)

1 Alumínio

0.150

0.040

0.020

0.15

Oxigénio

0 7

Árgon

2 Alumínio

0.150

0.040

0.020

200

Oxigénio

0 7

Árgon

3 Chumbo

0.150

0.040

0.020

0.15

Oxigénio

0 7

Árgon

4 Chumbo

0.150

0.040

0.020

200

Oxigénio

0 7

Árgon

Tabela 2 - Plano de ensaios.

Page 59: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

57

4. Análise e discussão de resultados

Este capítulo apresenta os principais resultados da investigação sobre a influência do oxigénio no

mecanismo de corte por arranque de apara, nas forças de corte e na morfologia da apara. Contudo,

começa por demonstrar a validação do aparato experimental que foi especificamente desenvolvido

4.1 Validação do procedimento experimental

A validação do aparato experimental passou pela comparação das forças de corte com Cristino

(2011) o qual realizou corte de chumbo tecnicamente puro em condições quasi-estáticas. A Figura 30

apresenta a evolução típica e penetração em função do deslocamento da ferramenta para ambos os

trabalhos. Esta evolução mostra uma subida acentuada das forças de corte e penetração no início do

ensaio (zona A da Figura 30.), seguindo-se uma zona subsequente quasi-estática onde as forças se

mantêm praticamente constantes (zona B da Figura 30.) e terminam de forma abrupta (zona C da

mesma figura). Na Figura 30.a), apresenta-se o ensaio de Cristino (2011) realizado com uma

espessura de 0.2mm e largura de 20mm; Enquanto a Figura 30. b) apresenta os valores obtidos na

presente tese para uma espessura de 0.12mm e largura de 11mm. A comparação das curvas mostra

que os resultados são qualitativamente comparáveis.

Figura 30 - Comparação qualitativa de forças de corte e penetração em função do tempo; a) resultados Cristino (2011); b) resultados deste trabalho.

Foi realizada uma avaliação da cinemática da máquina de ensaios em condições de alta velocidade.

Os resultados das forças de corte e penetração nestas condições foram comparados com ensaios em

condições similares da seção de corte, mas realizados em condições quási-estáticas. A Figura 31

mostra a evolução dessas forças nos ensaios realizados em chumbo, em condições quasi-estáticas,

a qual corresponde uma velocidade de aproximadamente 0.15m/min e em condições típicas dos

processos de maquinagem com uma velocidade de aproximadamente 200m/min. Comparativamente,

tanto a força de corte como a de penetração apresentam valores mais baixos, durante o corte a alta

velocidade. Estes resultados não são óbvios, uma vez que a tensão de escoamento do material

aumenta com a velocidade, no entanto, como se irá analisar mais à frente neste capítulo, associado

ao aumento da velocidade está também a diminuição do raio de enrolamento da apara, reduzindo-se

desta forma a área de contacto entre apara e ferramenta e consequentemente o atrito. Assumir que,

apesar de estes dois fenómenos influenciarem as forças de corte em sentidos opostos, o atrito parece

ser o fenómeno predominante.

Page 60: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

58

Figura 31 - Forças de corte e de penetração, resultantes de um ensaio a um provete de chumbo, para uma

espessura de corte de 0.150mm, em função do deslocamento para condições quasi-estáticas e de alta velocidade

A Figura 32. apresenta a evolução da pressão específica de corte para chumbo tecnicamente puro,

em função da espessura de corte para condições tribológicas comparáveis em ensaios quasi-

estáticos e de elevada velocidade. O ângulo de ataque da ferramenta utilizado foi de 0º. Em ambos

os casos pode ser observado um comportamento típico da pressão específica de corte com aumento

do seu valor com a diminuição da espessura da seção de corte, mas cujo valor absoluto diminui com

a utilização da atmosfera inerte. No entanto, a presente investigação observou valores mais elevados

da pressão especifica de corte em relação a Cristino (2011) para espessuras superiores a 0.1mm.

Esta diferença pode ser induzida por; (i) alterações na textura e rugosidade da face de ataque da

ferramenta influenciando o valor das forças de corte, (ii) controlo do afiamento da ferramenta e (iii)

diferenças metalúrgicas entre os metais utilizados em ambas as investigações.

Figura 32 - Comparação de valores da pressão específica de corte para chumbo tecnicamente puro em função

da espessura de corte para diferentes condições de velocidade de corte e lubrificação.

0

50

100

150

200

250

300

350

400

450

0 5 10 15 20 25 30

Forç

a [N

]

Deslocamento [mm]

Fp AVFp QSFc AVFc QS

1

10

100

1000

0,01 0,1 1

Ks

[MP

a]

Espessura de corte [mm]

Seco QS (Cristino, 2011)Lub QS (Cristino,2011)Lub AV (Cristino,2011)Oxi AVArg AVOxi QSArg QS

Page 61: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

59

Foram ainda realizados ensaios de corte ortogonal em AA1050 em condições quasi-estáticas e

dinâmicas. Porém, não foi possível obter a formação de apara contínua e uniforme, tendo-se

observado o arrancamento de material da superfície do provete (Figura 6). Isto limitou a utilização dos

resultados obtidos em condições quasi-estáticas para comparação com resultados obtidos em

condições típicas dos processos de maquinagem.

Figura 33 - Condição da superfície maquinada do provete de alumínio após um ensaio em condições quasi-estáticas.

4.2 Influência da atmosfera no chumbo

A Figura 34 apresenta a evolução da força de corte em função da espessura da secção de corte, para

diferentes combinações entre a atmosfera envolvente e a velocidade de corte. A análise do gráfico

mostra que a força de corte aumenta com a secção, sendo o valor influenciado pela percentagem de

oxigénio na atmosfera e pela velocidade de corte. Assim, é possível minimizar a força de corte

aumentando a velocidade de corte (200m/min, AV) e escolhendo uma atmosfera inerte (Árgon AV).

Pelo contrário, os valores mais elevados da força de corte ocorrem para condições quasi-estáticas

(QS, 0.15m/min) e atmosfera ativa (Oxigénio QS).

Figura 34 - Forças de corte para chumbo tecnicamente puro em função da espessura de corte para diferentes

condições de atmosfera e velocidade de corte.

0

50

100

150

200

250

300

350

400

450

500

0 0,05 0,1 0,15 0,2

Forç

a d

e c

ort

e [

N]

Espessura de corte [mm]

Oxigénio QSÁrgon QSOxigénio AVÁrgon AV

Page 62: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

60

No que respeita à força de penetração é possível observar igual tendência (Figura 35). A influência da

atmosfera é responsável por uma redução em cerca de 20% das forças de corte, sendo este valor

menos expressivo com o aumento da velocidade de corte. Estes factos são justificados pela afinidade

do chumbo com o oxigénio, formando-se um filme de óxido (PbO, espectável como produto da reação

química entre os dois elementos) nas superfícies recém-geradas, por oposição às características

inertes do árgon que previnem a formação do mesmo. Estes resultados mostraram ainda que apesar

do aumento significativo da velocidade de corte as diferenças entre os dois tipos de atmosfera

persistem; Isto parece indiciar elevada celeridade dos mecanismos de oxidação do chumbo.

Figura 35 - Forças de penetração para chumbo tecnicamente puro em função da espessura de corte para

diferentes condições de atmosfera e de velocidade de corte.

A representação gráfica das forças de corte facilita o estudo da influência dos parâmetros operativos,

porém, não permite estabelecer uma correlação direta entre a pressão especifica de corte e a tensão

de escoamento do material a maquinar. Neste sentido, faz sentido apresentar a evolução da pressão

específica de corte (Ks) em função da espessura da secção de corte como indicador da eficiência

global do mecanismo de arranque de apara (Figura 36).

A pressão específica de corte mostra ser influenciada pelo tipo de atmosfera e pela velocidade de

corte, em linha com as observações anteriores das forças de corte na Figura 34. Porém, a

comparação entre a resistência mecânica do material e a resistência ao arrancamento da apara

mostra que a eficiência do processo é bastante reduzida e que em parte pode ser explicada pelos

fenómenos tribológicos. Como referência podemos considerar a tensão de escoamento do chumbo

tecnicamente puro quase perfeitamente plástico na ordem dos 20 MPa em condições quasi-estáticas

e de 40 MPa em condições de alta velocidade de deformação. Esta diferença parece indicar um

aumento da resistência mecânica aparente numa ordem de grandeza.

0

50

100

150

200

250

300

350

0 0,05 0,1 0,15 0,2

Forç

a d

e p

en

etr

ação

[N

]

Espessura de corte [mm]

Oxigénio QS

Árgon QSOxigénio AV

Árgon AV

Page 63: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

61

Figura 36 - Pressão específica de corte para chumbo tecnicamente puro em função espessura de corte para

diferentes condições de atmosfera e velocidade de corte.

4.3 Influência da atmosfera no alumínio

As figuras seguintes mostram os resultados obtidos para o valor das forças de corte e de penetração

em função das diferentes espessuras ensaiadas, quando se usa uma atmosfera ativa ou inerte, em

condições de alta velocidade (200m/min). Contrariamente ao inicialmente esperado, os resultados

mostram que o valor das forças de corte aumenta na presença da atmosfera inerte de árgon,

sugerindo que o óxido formado nas superfícies recém geradas de alumínio pode desempenhar um

papel lubrificante ou de redução da interpenetração das asperezas. Porém, a diferença não é tão

expressiva quando comparada com resultados equivalentes no chumbo tecnicamente-puro,

indiciando a necessidade de estender o número de ensaios experimentais nestas condições.

Figura 37 - Forças de corte para alumínio AA1050 em função da espessura de corte para diferentes condições

de atmosfera.

0

50

100

150

200

250

300

350

400

450

0 0,05 0,1 0,15 0,2

Ks

[MP

a]

Espessura de corte [mm]

Oxigénio QSi

Árgon QS

Oxigénio AV

Árgon AV

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

1600

1800

0 0,05 0,1 0,15 0,2

Forç

a d

e c

ort

e [

N]

Espessura de corte [mm]

oxigénio

Argon

Page 64: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

62

Figura 38 - Forças de penetração para alumínio AA1050 em função da espessura de corte para diferentes

condições de atmosfera.

A Figura 39 apresenta evolução da pressão específica de corte do AA1050 com o tipo de atmosfera e

é em tudo compatível com a evolução da força de corte apresentada na Figura 37. Porém, a

comparação entre a resistência mecânica do material e a resistência ao arrancamento da apara

mostra um aumento aparente da resistência mecânica do AA1050 ao arrancamento da apara. Como

referência podemos considerar a tensão de escoamento do AA1050 quase perfeitamente plástico na

ordem dos 140MPa em condições quasi-estáticas e de 220MPa em condições de alta velocidade de

deformação. Estes resultados estão em acordo com as observações anteriores para o chumbo

tecnicamente-puro com um aumento da resistência mecânica aparente numa ordem de grandeza.

Este resultado é também indicador do aumento no consumo energético do processo na presença de

uma atmosfera inerte quando comparado com a atmosfera de oxigénio.

Figura 39 - Pressão específica de corte para alumínio AA1050 em função da espessura de corte para diferentes

condições de atmosfera.

0

100

200

300

400

500

600

700

800

900

0 0,05 0,1 0,15 0,2

Forç

a d

e p

en

etr

ação

[N

]

Espessura de corte [mm]

oxigénio

Argon

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

0 0,05 0,1 0,15 0,2

Ks

[MP

a]

Espessura de corte [mm]

OxigénioÁrgon

Page 65: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

63

4.4 Influência da atmosfera no processo

A Figura 40 apresentada a evolução do coeficiente de atrito (obtidos através do modelo de atrito de

Coulomb, Equação 13) em função da espessura da seção de corte considerando o tipo de atmosfera

e a velocidade de corte. Os resultados obtidos nos ensaios de chumbo demonstram que o coeficiente

de atrito baixa à medida que se aumenta a espessura de corte independentemente da atmosfera

utilizada e da velocidade de corte considerada, é ainda possível observar que quanto maior a

espessura de corte, menor é a diferença do valor do coeficiente de atrito obtido entre as duas

atmosferas. Estes resultados são consistentes com aqueles obtidos por Cristino (2011) que também

verificou uma redução da influência da atmosfera envolvente no processo, à medida que a espessura

de corte aumenta. Os resultados obtidos nos ensaios em alumínio, embora apresentem a mesma

tendência para redução do coeficiente de atrito com o aumento da espessura de corte, não mostram

uma influência clara do tipo de atmosfera no mecanismo de corte. A diminuição do coeficiente de

atrito deveria estar associada uma redução de forças, no entanto tal não se verifica. A diferença nos

resultados parece levantar dúvidas quanto à rigidez do aparato experimental utilizado na

investigação.

Figura 40 - Coeficiente de atrito em função da espessura de corte para a gama de ensaios planeada à exceção

do corte de alumínio em condições quasi-estáticas.

A Figura 41 apresenta exemplos das aparas obtidas durante a realização dos ensaios experimentais.

Enquanto as Figuras 41. a) e b) apresentam aparas resultantes do corte a alta velocidade de uma

apara de alumínio com seção 0,020mm, as Figuras 41. c) e d) apresentam igual para uma apara em

chumbo com 0,040mm, fazendo variar a atmosfera entre oxigénio e árgon. Já as Figuras 41. e) e f)

apresentam-se aparas de 0,150mm resultantes do corte, em condições quasi-estáticas, de chumbo

também em oxigénio e árgon respetivamente. Para melhor visualização, imagens com melhor

resolução são fornecidas no anexo B. É possível observar (quando aplicável) a medição de dois ou

três raios de enrolamento das aparas, este facto está relacionado com as condições de formação da

apara, o menor raio representado corresponde a condições transientes no início da formação da

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

0 0,05 0,1 0,15 0,2

Co

efi

cie

nte

de

atr

ito

Espessura de corte [mm]

Pb Oxi AVPb Arg AVAl Oxi AVAl Arg AVPb Oxi QSPb Arg QS

Page 66: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

64

apara, após o qual o processo evolui rapidamente para condições estáticas, verificadas no raio de

enrolamento seguinte em termos de dimensão. Este foi o raio de enrolamento considerado nas

análises realizadas neste trabalho. A presença do raio de enrolamento de maiores dimensões

corresponde a condições de difícil interpretação de resultados, podendo inclusivamente ter existido

contacto entre a apara e o provete (observado nas imagens captadas dos ensaios).

Figura 41 - Aparas resultantes do corte ortogonal; a) 0.020mm alumínio oxigénio AV; b) 0.020mm alumínio árgon

AV; c) 0.040mm chumbo oxigénio AV; d) 0.040mm chumbo árgon AV; e) 0.15mm Chumbo oxigénio QS; f) 0.15mm Chumbo árgon QS.

As aparas apresentadas na Figura 41 mostram igual tendência nos raios de enrolamento inferiores

quando se promove uma atmosfera inerte em torno do mecanismo de arranque de apara quando

comparados com aquelas resultantes da presença de uma atmosfera ativa. Na Figura 42. são

compilados os valores do raio de enrolamento de todos os ensaios em função da espessura de corte.

O valor do raio de enrolamento de 1000mm é um resultado fictício utilizado para representar uma

apara aproximadamente plana e, portanto, com um raio de enrolamento infinito. As aparas de

chumbo apresentam a evolução espectada da qual se destaca o aumento do raio de enrolamento da

apara com a espessura de corte e com a utilização da atmosfera ativa (obtendo-se inclusivamente

aparas completamente planas nestas condições) quando comparadas com aquelas resultantes dos

ensaios realizados sob uma atmosfera inerte. As aparas de alumínio mais uma vez apresentam um

comportamento não linear, variando a evolução do enrolamento da apara para diferentes espessuras

de corte e atmosferas. Os resultados obtidos para o alumínio devem ter em consideração a análise

dos resultados da Figura 40.

Page 67: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

65

A última análise recai sobre os resultados da Figura 43. onde se apresenta o ângulo do plano de

corte em função da espessura cortada, para o plano de ensaios definido. Os resultados do chumbo,

consistentes ao longo de toda a análise de resultados, embora mostrem o aumento do ângulo do

plano de corte quando se passa de uma atmosfera ativa para uma atmosfera inerte, mostram também

incongruência. Associado à redução do coeficiente de atrito à medida que se aumenta a espessura

de corte, que se observou na Figura 40 deveria estar um aumento do valor do ângulo do plano de

corte, facto que não se evidencia nos resultados aqui obtidos, observando-se uma tendência para

que o valor mais baixo do ângulo do plano de corte se verifique para a espessura de corte de

0.04mm. Esta situação vem reforçar as suspeitas da falta de rigidez do aparato experimental, uma

vez que a origem destes dados está na medição das espessuras das aparas, antes e após o corte,

cuja obtenção permite através da equação (1) calcular o grau de encalque, posteriormente utilizado

na equação (2) para a obtenção do ângulo relativo à posição do plano de corte, não tendo, portanto,

qualquer relação com a restante aquisição de dados ou com o aparato experimental.

Figura 42 - Logaritmo do raio de enrolamento da apara em função da espessura de corte para a gama de

ensaios planeada com a exceção dos ensaios de alumínio em condições quasi-estáticas.

0,1

1

10

100

1000

10000

0 0,05 0,1 0,15 0,2

Rai

o d

e e

nro

lam

en

to d

a ap

ara

[mm

]

Espessura de corte [mm]

Pb Oxi AVPb Arg AVAl Oxi AVAl Arg AVPb Oxi QSPb Arg QS

Page 68: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

66

Figura 43 - Ângulo do plano de corte em graus em função da espessura da seção de corte.

4.5 Correlação entre estimativas teóricas e experimentação

A simulação do processo de corte ortogonal prevê que esta seja realizada em condições de

deformação plana. Nestas condições simulou-se o corte de uma apara de alumínio AA1050 (após a

realização da caracterização mecânica real deste material no software) com uma espessura de corte

de 0.150mm com o objetivo de averiguar a capacidade deste software em simular a influência da

presença, ou não de oxigénio na atmosfera envolvente no processo de arranque de apara por

utilização de um artifício, variando-se manualmente o coeficiente de atrito entre os valores 0.1 e 0.8,

avaliando posteriormente os resultados.

A Figura 44 apresenta as estimativas teóricas das forças de corte e compara com os resultados

experimentais. O corte de uma espessura elevada (0.150mm), onde é espectável uma influência

menor da atmosfera no mecanismo de arranque, mostra que os valores das forças de corte

experimentais são semelhantes aos valores previstos pelo programa DEFORM.

Figura 44 - Forças de corte e de penetração para alumínio AA1050 em função do deslocamento do provete respeitantes ao corte real e simulado no software DEFORM, com e=0.15mm e Vc=204m/min.

0

5

10

15

20

25

0 0,05 0,1 0,15 0,2

Ân

gulo

do

pla

no

de

co

rte

, ϕ [

Gra

us]

Espessura de corte [mm]

Pb Oxi AVPb Arg AVAl Oxi AVAl Arg AVPb Oxi QSPb Arg QS

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

1600

0 5 10 15 20 25 30

Forç

a [N

]

Deslocamento [mm]

Fc AVFp AVFc SIMFp SIM

Page 69: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

67

A Figura 45. apresenta as forças de corte e penetração, experimentais e numéricas em função do

coeficiente de atrito. No caso das forças experimentais, o coeficiente de atrito foi calculado através da

equação (13). No caso numérico o coeficiente de atrito é um input do software. Note-se que os

resultados numéricos e experimentais tendem a divergir. Outra observação relevante é a de que, se

se utilizar a mesma equação (13) aplicada aos valores de força obtidos através da simulação, o

coeficiente de atrito não corresponde ao introduzido pelo utilizador no software, sendo repetidamente

inferior a este. Através de diferentes simulações foi ainda possível observar que quanto maior o

coeficiente de atrito introduzido no software (acima de 0.6 e até 0.8) maior é a diferença entre este e

o coeficiente de atrito calculado através da aplicação da equação (13) com as forças de corte e

penetração obtidas por simulação numérica, evidenciando-se uma dificuldade do software em

acompanhar o aumento do coeficiente de atrito.

Figura 45 - Forças de corte e de penetração reais e resultantes de simulação numérica para alumínio AA1050 em função do coeficiente de atrito, e=0.150mm e Vc=204m/min.

As simulações realizadas permitiram ainda fornecer uma estimativa da energia necessária ao corte e

permitiram estimar o comprimento de corte mínimo necessário nos provetes a partir do qual o

processo atinge o regime estacionário. Foi observada a evolução das forças de corte e a inclinação

do plano de corte. Estes valores foram utilizados para a definição da geometria e dimensões do

provete e para ajustar os valores de energia na máquina de ensaios. O comprimento mínimo para

que as condições estacionárias se verifiquem é de cerca de 7mm coincidindo a estabilização do valor

da força de corte com a da posição do plano de corte. A largura do bruto real deve ser tal que não se

exceda o valor potência que a máquina pode fornecer, não esquecendo que o valor obtido na Figura

46. a) corresponde a um provete de largura unitária.

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

1600

1800

0 0,2 0,4 0,6 0,8 1

Forç

a [N

]

Coeficiente de atrito, µ

Fc Real

Fc Sim

Fp Real

Fp Sim

Page 70: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

68

a) b)

Figura 46 - Corte ortogonal de alumínio AA1050 para e=0.150mm, Vc=204m/min a) simulação numérica com µ

=0,7 b) experimental.

O comprimento máximo a cortar está relacionado com interferências entre a apara e o provete, uma

vez que se pretende neste trabalho observar a morfologia da apara, qualquer colisão entre estes

poderia resultar em alterações da geometria, invalidando os resultados. Neste caso foi utilizado um

valor baixo do coeficiente de atrito, 0.1, para simular, dentro do possível, o enrolamento espectável da

apara e controlar o contacto entre esta e o provete. Verificou-se que a apara intercetava o provete

para um comprimento de corte de cerca de 31mm pelo que se estabeleceu o comprimento do provete

real nos 30 mm.

Page 71: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

69

5. Conclusões e perspetiva de trabalho futuro

Este capítulo sumariza as principais conclusões e contribuições da investigação, alerta para as

limitações encontradas durante os trabalhos e termina com sugestões para trabalhos futuros. As

perspetivas de trabalhos futuros devem ser consideradas por outros alunos que pretendam revisitar o

tema da investigação.

5.1 Conclusões

O presente trabalho tentou contribuir duplamente para o conhecimento existente sobre o processo de

corte por arranque de apara e no desenvolvimento de uma máquina de ensaios que permitisse

realizar ensaios de corte em condições laboratoriais controladas. Esta máquina permitiu a realização

de uma série de ensaios para estudar a influência da atmosfera envolvente e dos óxidos

contaminantes no mecanismo de formação da apara.

A influência da atmosfera no corte de diferentes materiais é evidenciada neste trabalho pela alteração

consistente das forças envolvidas no processo, coeficientes de atrito e morfologia das aparas. Nos

ensaios de corte ortogonal de chumbo tecnicamente puro, foi possível observar que o corte em

oxigénio conduz a valores mais elevados da força de corte, um coeficiente de atrito mais elevado e

um raio de enrolamento da apara superior quando comparados com o corte em condições similares,

mas utilizando uma atmosfera inerte de árgon. Isto demonstra que os óxidos formados nas

superfícies recém geradas podem, de facto, influenciar significativamente a mecânica de formação da

apara aumentando a quantidade de energia necessária ao processo. Estes resultados estão de

acordo com alguma literatura da especializada. No entanto, o corte de alumínio AA1050 apresentou

valores mais elevados de força de corte quando este foi realizado numa atmosfera inerte. Os valores

do coeficiente de atrito e raio de enrolamento da apara foram inconsistentes, obtendo-se resultados

contraditórios para ensaios realizados nas mesmas condições, isto é, na mesma atmosfera. No

entanto foi possível identificar uma tendência para os valores do coeficiente de atrito serem de facto

mais reduzidos na presença da atmosfera inerte, um resultado em linha com aqueles obtidos pela

maioria dos investigadores como Williams e Stobbs (1979) e Wakabayashi, Williams e Hutchings

(1993). Apesar das inconsistências obtidas nos ensaios em alumínio poderem ser parcialmente

atribuídas a erros no procedimento experimental e falhas de conceção da máquina ferramenta, os

ensaios realizados a este material permitiram comprovar a complexidade em torno desta matéria

expondo a necessidade de realização mais ensaios em trabalhos futuros.

5.2 Perspetiva de trabalho futuro

Relativamente ao aparato experimental, este deve estar sujeita a constantes melhoramentos que

permitam melhor a função para a qual foi projetado. No decorrer do presente trabalho foram

identificadas falhas, as quais se aconselham a correção ou minimização antes da utilização do

aparato em trabalhos futuros. A definição da espessura de corte assegurada por um micrómetro com

uma resolução de 0.010mm exigiu que se repetissem ensaios, especialmente para as espessuras

Page 72: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

70

entre os 0.020 e os 0.040mm. Aconselha-se, portanto, a aquisição e implementação de um novo

micrómetro com uma resolução mais fina para minimizar a necessidade de repetição de ensaios.

A medição da espessura cortada do provete em cada ensaio, realizada com um paquímetro, apesar

de permitir repetibilidade de resultados mesmo quando medida por diferentes utilizadores, mostrou-se

ineficaz quando estes dados foram cruzados com os valores obtidos para a espessura da apara

cortada e realizados cálculos relacionados com o grau de encalque. Sugere-se que seja

acrescentado ao aparato um micrómetro comparador para que se possa medir a altura do provete a

cada ensaio. Os principais desafios à implementação desta solução conceptualmente simples

prendem-se com a limitação de espaço para o posicionamento do comparador no interior da câmara

e com o facto de esta estar sujeita a vibrações e ruído gerados pelo impacto da guia na mesma,

capazes de impossibilitar o bom funcionamento deste acessório de precisão.

A imagem captada pela CAV, embora permitisse avaliar qualitativamente a evolução do processo,

revelou não ser dotada de uma resolução suficientemente boa para permitir o levantamento de

parâmetros que poderiam contribuir para uma melhor interpretação dos resultados como, por

exemplo, a espessura de contacto entre a apara e a ferramenta. Sugere-se a utilização de um

dispositivo de captura de imagens a alta velocidade com melhor resolução.

Relativamente aos ensaios realizados, como referido no subcapítulo anterior, a complexidade desta

problemática implica a continuação da realização de ensaios, devendo estes ter como foco principal a

compreensão do papel dos óxidos superficiais nas condições tribológicas entre apara e ferramenta.

Sugere-se que os trabalhos futuros incluam diferentes materiais e diferentes condições operativas

como a variação do ângulo de ataque da ferramenta ou a utilização de revestimentos na mesma para

que seja possível ter uma perspetiva mais alargada dos fenómenos identificados.

Poderá ser também pertinente a realização de ensaios a alumínios sucessivamente menos ligados,

se possível pela remoção individual de cada elemento de liga, nas mesmas condições que foram

reproduzidas no presente trabalho, de forma a compreender a contribuição de cada elemento nas

características dos óxidos superficiais formados e perceber se realmente a composição química do

óxido formado pode alterar significativamente as suas características, de lubrificantes a abrasivas,

durante o processo de formação da apara. A serem realizados ensaios nestas condições devem ser

desenvolvidas metodologias que permitam a determinação da composição química dos óxidos

superficiais.

Os erros ou falhas presentes na análise de resultados conduziram à necessidade de investigar a

origem dos mesmos. A generalidade dos resultados obtidos aponta para limitações no

posicionamento da ferramenta de corte (definição da espessura de corte) e da medição da espessura

efetivamente cortada. Estas limitações estão interrelacionadas e, portanto, apesar da repetição de

ensaios para obtenção das espessuras de corte pretendidas (como formar de colmatar a primeira

limitação) o valor da espessura efetivamente cortada pode ter sido enganador e suficiente para que o

Page 73: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

71

erro se mantivesse e é aqui apontada como a principal origem dos resultados inconsistentes

presentes na Figura 43. (página 57).

Por outro lado, a consistência dos resultados obtidos para os ensaios em chumbo por oposição aos

resultados obtidos em alumínio permite concluir que a presença ou exacerbação de erros ocorre

quando a carga a que o sistema está sujeito aumenta. Diferentes componentes foram inspecionados

e testados para compreender se o sistema poderia estar sujeito a deformações ou apresentar folgas

de onde resultou a deteção de folga no conjunto guia-carro móvel, utilizado como suporte para o

provete. Um resultado à partida surpreendente visto estes componentes terem sido adaptados de

uma fresadora convencional, potencialmente sujeita a esforços mais elevados do que aqueles a que

foi sujeito o conjunto nos ensaios realizados neste trabalho. Uma análise a posteriori permitiu chegar

à conclusão de que, quando integrado numa fresadora convencional, o conjunto está sujeito a uma

pré-carga imposta pelo peso da mesa da fresadora eliminando esta as folgas presentes neste

trabalho.

Na Figura 47. a) é feita a quantificação da folga em função da carga a que o conjunto está sujeito e

na Figura 47. b) apresenta-se o aparato utilizado para avaliar a folga, onde se tentaram reproduzir as

condições de aplicação da carga nos ensaios, até à gama de carga disponível. É possível observar

que com uma carga de 28kg o conjunto guia-carro se moveu cerca de 0.022mm. Pensa-se que esta é

a principal razão para a inconsistência dos resultados obtidos nos ensaios em alumínio.

a) b)

Figura 47 - Quantificação da folga do conjunto guia mais carro móvel; a) deslocamento do carro em função da

carga aplicada; b) aparato experimental utilizado.

0

5

10

15

20

25

0 5 10 15 20 25 30

De

slo

cam

en

to [

mm

]

Carga aplicada [kg]

Page 74: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

72

Referências

Ali M.K, “A sensor for measuring surface shear stresses in metal forming”, Msc thesis, Queen`s

University, Canada, 2001.

Anon.,”LS-DYNA Keyword User‘s Manual” Version 970, Livermore Software Technology Company,

Livermore, March 2006.

Armarego E. J., Brown R.H., “The Machining of Metals”, Prentice Hall, New Jersey, USA,1969.

Astkhov V.P, “Tribology of Metal Cutting”, Elsevier, London, 2006.

Bay N., “Friction and Adhesion in Metal forming and Cold Welding”, Technical University of Denmark,

Institute of Manufacturing Engineering, D. Tech. Thesis, MM. No. 85.43,1985.

Barlow P. L., B.Sc., “Influence of the free surface environment on the shear zone in metal cutting”,

Proc. Inst. Mech. Engrs., vol. 181, Pt 1, No. 26, 1966.

Boston O.W., “What Happens when Metal is Cut” Trans. ASME, vol. 52, No.2, 119, 1930.

Bowden F. P., G. W. Rowe, "The adhesion of clean metals." Proceedings of the Royal Society of

London A: Mathematical, Physical and Engineering Sciences. Vol. 233. No. 1195, 1956.

Bowden F.P., Tabor D. “Mechanism of Friction and Lubrication in Metalworking”, Journal Institute of

Petroleum, 40, 243-253, 1954.

Bowden F.P., Tabor D. “Friction and Lubrication of Solids”, Oxford Claredon Press, Oxford, 1964.

Bowden F.P., Tabor D., “Friction and Lubrication of solids Part II”, Oxford University Press, London,

1964.

Brown E.D.,Owens R.S., Booser E.R., “Friction of Dry surfaces”, ASME, New York,1969.

Burakowski T., Wierzchon, “Surface Engineering of Metals”, Crc Press, London,1999.

Carilho J.A.C., “Avaliação experimental da força de atrito durante o processo de corte por arranque de

apara”, Tese de mestrado, Instituto Superior Tecnico, Lisboa, 2007.

Childs T. H. C., “Friction modelling in metal cutting”, Wear, 260.3, 310-318, 2006.

Cook N.H., Finnie I., Shaw M.C., “Discontinuous chip formation”, Trans. ASME, 76, 153-162, (1954).

Cristino V.A.M., “Experimental Assessment Of Analytical Solutions For Orthogonal Metal Cutting”, Msc

thesis, Instituto Superior técnico,Lisboa, 2007.

Cristino V.A.M., “Revisiting the calibration of friction on metal cutting”,PhD thesis, Instituto Superior

técnico,Lisboa, 2011.

Dieter G., “Mechanical Metallurgy”, McGraw-Hill, New York, 1976.

Ernst H., Merchant M.E., “Chip formation, friction and high quality machined surface”, Surface

Treatment of Metals, Vol. 29. ASM, New York, 299, 1941.

Page 75: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

73

Finnie I., “Review of the metal cutting analyses of the past hundred years”, Mech. Eng., vol 78, nº.8,

715, 1956.

Finnie I., Shaw M.C., “The friction process in metal cutting”, Trans. ASME, 77, 1956.

Fletcher J.D., Li Y.H., Beynon J.H. e Sellars C.M., “The influence of surface conditions in hot forming

determined by ring upsetting: a numerical and experimental investigation”, Proc. Inst Mech Engrs,

212, 453-465, 1998.

Herbert E.G., Trans. ASME, vol.48, 705, 1926.

Hedenquist P., Olsson M., “Sliding wear testing of coated cutting tool materials”, Tribology

International, 23, 143–150,1991.

Jamari J., Schipper D.J., “Criterion of surface contact deformation of metals”, Wiley

InterScience,Netherlands, 2006.

Komvopoulos, K., Erpenbeck, S.A., “Finite element modeling of orthogonal metal cutting”, ASME

Journal of Engineering for Industry, 113, 253–267, 1991.

Kronenberg M., “Machining Science and Application, Teory and Practice for Operation and

Development of Machining Processes”, Pergamon Press, Oxford,1966.

Lacome JL. “Analyse de la méthode particulaire SPH - Application à la détonique”. PhD report,

Doctorat de l‘INSA, Departement GMMUMR MIP UPS, Toulouse, 1998.

Lacome J.L. “Smoothed particle hydrodynamics”, part 1 and part 2, Livermore Software

TechnologyCompany, Livermore, 2001.

Lee E. H., Shaffer B.W., “Theory of plasticity applied to a problem of machining”, J. appl. Mech.,

Trans. ASME, vol. 73, 405-413, 1951.

Lee E. H., Trans. Amer. Soc. Mech. Engrs., vol.76, No. 2, 189, 1954.

Lin, Z.C., Pan, W.C., Lo, S.P., “A study of orthogonal cutting with tool flank wear and sticking

behaviour on the chip–tool interface”, Journal of Materials Processing Technology, 52, 524–538, 1995.

Loveday M.S., Brooks M.R., “High Temperature Friction: A simplified Approach for Estimating

Uncertainty of Measurement”, NPL Report, CMMT, 305, 2000.

Marques O., “Estudo dos efeitos de escala na resistência mecânica das ligas AA1050 e AA1085”,

Tese de mestrado, Instituto Superior técnico,Lisboa, 2016.

Metals Handbook, vol 2 Properties and Selection: Nonferrous Alloys and Pure Metals, American

Society for Metals, OH, 9th ed., 1979.

Merchant M.E., J. Applied Physics., vol. 66, 168-170 ,1944.

Myers D., “Surfaces,Interfaces, And Colloids, Principles And Applications”,Willey, New York,1999.

Olsson M., Soderberg S., Jacobson S., Hogmark S., “Simulation of cutting pin-on-disc test”,

International Journal of Machine Tools and Manufacture, 29, 377–390, 1989.

Page 76: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

74

Petersen S.B., P.A.F. Martins, e N. Bay, “ Friction in bulk metal forming: a general friction model vs.

the law of constant friction”, J Mat Proc Techn, 66, 1997.

Rabinowicz E., “The Nature of the Static and Kinetic Coefficients of Friction”, Journal of Applied

Physics, 22, 1373, 1951

Rosenhain W. and Sturney A.C., Proc. Inst. Mech. Engrs. Lab., vol.1, 141, 1925.

Rowe G. W., Smart E. F., “Importance of oxygen in dry machining of metal on lathe”, British Journal of

Applied Physics, vol. 14, 924-926, 1963.

Schey J.A., “Tribology in metalworking;friction lubrication and Wear”,ASM,1983.

Stachowiak G., Batchelor A. W., “Experimental Methods in Tribology”, Elsevier, Australia, 2004.

Strenkowski, J.S., Carroll, J.T.,”Finite element model of orthogonal metal cutting with application to

single point diamond turning”, International Journal of Science. vol 30, No. 12, 1988.

Strenkowski, J.S., Moon, K.-J., “Finite element prediction of chip geometry and tool/workpiece

temperature distributions in orthogonal metal cutting”, ASME Journal of Engineering for Industry, 112,

313–318, 1990.

Thomas T.R., “Rough surfaces,Imperial “, College Press, London,1999.

Usui, E., Takeyma, H., “A photoelastic analysis of machining stresses”, ASME Journal of Engineering

for Industry, Vol. 81, 303-308, 1960.

Wakabayashi T., Williams J. A.,Hutchings I. M.,” The action of gaseous lubricants in the orthogonal

machining of an aluminium alloy by titanium nitride coated tools”, Surface and Coatings Technology,

Vol. 57, 183-189, 1993.

Williams J.A., Stobbs W.M., “Changes in mode of chip formation as function of presence of oxygen”,

The Metals Society, November, 424-432, 1979.

Zemzemi F., Rech J.,Ben Salem W., Dogui A., Kapsa P., “Identification of a friction model at

tool/chip/workpiece interfaces in dry machining of AISI4142 treated steels”, Journal of Materials

Processing Technology, 2008 (in press).

Zorev N.N., “Metal Cutting Mechanics”, Pergamon Press, Oxford, 1966.

Page 77: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

75

Anexos

A - Procedimento Experimental

1. Recorrer ao micrómetro e definir a espessura de corte pretendida

2. Apertar a ferramenta (primeiro o parafuso inferior depois o superior)

3. Verificar o posicionamento do Anel difusor.

4. Alinhar o carro que suporta o provete com a guia.

5. Medir a altura do provete antes do corte.

6. Fechar a câmara, colocando a tampa no acrílico

7. Posicionar o pistão do canhão eletromagnético, encostando-o a carro ( este passo

não deve ser ignorado, não só por se mostrar eficaz na redução do ruído mas

principalmente porque tal pode resultar na destruição do canhão)

8. Abrir a alimentação do lubrificante pretendido.

9. carregar o canhão eletromagnético com 180 Volts.

I. ligar o botão “carga”

II. Ligar os cinco disjuntores.

III. Acionar o potenciómetro de forma a se fornecerem cerca de 2,5A, visível no

manómetro analógico, até os multímetros marcarem 180V.

IV. Desligar os cinco disjuntores

V. desligar o botão “carga” e ligar o botão “descarga”

10. Reiniciar a operação dos amplificadores

11. No PC2 iniciar a gravação vídeo

12. No PC1 iniciar a gravação de dados e atuar o botão de disparo do canhão

13. Parar a gravação de dados.

14. Parar a gravação vídeo.

15. Parar a alimentação do Lubrificante

16. Recolher a apara.

17. Aliviar a ferramenta e alinhar novamente o carro com a guia

18. Medir a altura do provete após o corte

19. Recondicionar a ferramenta.

Page 78: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

76

B- Figuras das aparas.

a)

b)

Page 79: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

77

c)

d)

Page 80: A IMPORTÂNCIA DO OXIGÉNIO NO COMPORTAMENTO … · ... Circuito elétrico de uma ponte retificadora com indicação do tipo de ... em função da espessura de corte para ... de atmosfera

78

e)

f)