A importância do valor justiça na reflexão de Miguel Reale - por Celso Lafer

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  • 8/4/2019 A importncia do valor justia na reflexo de Miguel Reale - por Celso Lafer

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    C EL SO LA FE R eT ER C IO S AM P AIO FERRAZ , J R ~ .C o o r d e n a d o r e s

    E s t u d o s e m . .n o m e n a a e m a e . . . . .r p f e S $ o r' M I G U E L - R E A L E ' "n o . s e u o c t o g e S i m o _ . a n l v e r s a r i o. c . " , f _ _ _ , " ," _. _ _- , '. - _, "" c ~ _ ". ' _ . ' _ ~ '. : : . -. -; ' , ., '

    1992

    DIII-editora. ._....SARAIVA

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    A IM PORTA INCIAJ~.~ t~B f2 ?R .JUST IC ;ANA REFLExA ._O DE M IG BELREALE -. - " ' ; - ' : ' . :, : : - ~ ' ; - . V - _ - ; ' - : : ' ~

    C E LS o lA F ERD a U niversidade de Silo P aulo

    1. Uma das caracterlst icas da personalidade de Miguel Reale e a constantepreocupacso com a abrangencia, como, alias, ele rnesmodiz no poema sigIlifiqtti~varnente intitulado"Coflfissao":

    .....~NuncafUipome!l1deumanotais6 .. embreriha4qIlumt1nicoprobleroi' .aIDO a integralidade dos assuntos,o horizonte tomado em seu conjunto' '1.

    Aexpressao intelectual deste se u trace rnarcante e , no campo juridico, a teo-ria tridimensional do Direito, que lida com 0 fenomeno juridico na dialeticidadeintegrante dos seus tres elementos: fato, valor etlormll..fI~a~eale,portanto. quesustentana sua obra, sern ingenuidade, a capacidadesi~~etiz~4ora do Esplrito, 0reducionismo de',I'uma nota s6' 'no plano do Direito .'sejitela.~do.(ato ,.aMvalorouada norma, e ernpobrecedor da globalidadedaexperienda-juridica,j:a assimperfeitamente.compreensivel.que nao.tenha tC)madotome; pontod.e P.atti.da;' paraa analise do tema da [ustica, a dassicadiCotomiadireitonat:uraIl direito, P8sitiv:o~_

    Com efeito, esta dicotornia tende, comoekapont'a~~suisLtf~?J';Hrelh;"inacr es d e D ir ei to , ou a reduzir a qualifica!;ao do juridico ~ identificacao com urn justoabsolute - na esteira do direito natural onto16gico, de corte romista - ou entao aexcluir a justica da ref lexao juridica, por considera-la insuscetivel de qualquer in -daga!;ao tecnicp.cientffica'_ como afirmamosneopositivistas,osadeptQsdo posi-tivis!l1Qil!qdic6.eK:elsenique-~ealeconsidera,.c()IIitodll.~azao, ..om.aiofjurisfi16.s,ofodQsEctdoxxe .Clue,por isso'D.'lesriiq;;fti~cioi1acolllo1.lrriIl1eridianQde Green-wich Para deterrninar a.posi~~9de tQd6i os dem~s2: ........ . ..... . . . ... .

    1. M i gu el R e al e. Vit ia ' Ocu l ta "; S a o P au I o , Ma s s aoQhn o /S t ef a p. ow sk iE d i to I e s, 1990, p. 4 4 . .2. M i gu el R e al e, I i ; i J e s Preliminm-esdeD#eito(U ..e d. ), .S ii oP :i .u lo , S ar aiv a, 1 98 7, p. 36770;N ova P ase ao D ireno M odem a, S ao P au lo , S araiv a, 1 990 , p. 195-6.

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    Op6lo do direito natural onrologico, ao modo tomista, e para Reale insatisfa-t6rio, pois como diz no poema "Valores":

    " ... ; f al ha -rn e a certezaou a c re nc a em valores ideaiscornoestrelas no alto sempre acesas ..guiando 0 passo 'inquieto dos mortals' '3.Op61o do d ir ei to p o s it iv o e, tamberit, para Migue l Reale, insatisfat6rio, poisnao se sente de a vonrade s6 com aquilo que e dado pelo d ir eit o p o st o e posit iva-do, uma vez que, como afirma no mesmo poerna, integra a familia dos aflitos queconstantemente busca 0 sentido das incertas "veredas da existencia e da Hist6ria" ,Estabusca, que tarnbem e urn trace da personalidade, exprime-se atraves da"dialetica da implicacao e polaridade" que e 0 instrumento intelectual de que

    Reale se vale para estar permanenternente arento, no processo hist6rico e nas con-junturas poli t icas, a tensao entre v al o re s o p o st o s em rela~[o a o s q ua is a cont radicaonao se resolve, mas atua em sinteses relacionais, fruto da sernpre renovavel interde-pendencia dos elementos contraries que as compfiern".

    Esta percepcao dos conrrarios nao leva Reale a, como Kelsen, delimitarnaTeor ia Pura a D ir eit o em rela~ao ao valor, e na analise da justica a restringir-se aoelenco dos poss tve is s ign i fl cados do justo.isern apresentarum como preferivel aooutro. De fato, a postura ke1seniana, comoobservaLosanosao n~o:tesolver 0 pro-blema da escolha nao resolve 0 problema dos operadoresdo Direito, e t ransferepara fora da Teoria e para 0Ourro a resporisabilidadeda prescti~[()eda'dp~ao~. 0d es cr ev er , s em prescrever, 0 elencar, s er n e sc o lh er k el se nia no , e inc6mpattvel coma vocacso de Miguel Reale, que sempre firmou 0prop6sito de "teorizar a vida e devivera teoria na unidade indissoliivel do pensarnento e daa~ao' ,6 coin atendencia:

    "a realcar os maximos valores........... enamoradodo sentido .maisalto daeXist~n:cia' '7,

    . E,portanto ;coril a aspira~aCide real~aros rilaxirilos valores 'sem- incidirno're-dudonislnoque a dicotomia direito natural/ direitopositivo ' tende'a-promover, nasUaforinula~ao classica, que Miguel Reale, no seu percursointelectual.vaiencami-

    3 . M ig uel R eale; VidaOcul ta , cit., p. 42.. ... ....A. M i gu el R e al e, P i /o s oj ia d o D i re it o (12. e d.), S ao P au lo , S ara iv a, 1987,paragrafos65, 142,143;H or izo nte s d o D ireito ~ da Historitl(2. e d.), S ao P au lo , S araiv a, 1 97 7, p. 309-14; Teoria Tridimensio-nttl do Direito (4. ed.), S ao P aulo , S araiva, 1986, cap, 4; E x p e n ' e n C i i J e C ul tu ra , S ao P au lo ,G rijalbo /E DU SP , 1 977 , cap. V I.S . Mario G.l.osano,RmnaeRe,u' tJinKeIten, M i la no , E d . di Cornunita, 1981,p. 15275;Miguel Rea-le , Dire it o N iJ lu r t tl /D i r e it o Pos imo , s a o P aul o , S a ra iv a , 1984, p. 58-74;Hans K e ls en ,A Ju st iy oe o D i re it o

    N l J l u r i 1 I (nad. e prefacio d eJ oa oB ap tista M a il ia do )(2 . 0 0.), C o im bra , AnnEnioAmado Ed. , 1979.6 . M iguel R eale, Ftiosofodo Direito ; c ir., p , X XI II .7. M i gu el R e al e, V ida Ocu / ta , ci t. , p.44.

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    nhar 0 tem a da justica para 0 cam po da axio lo gia, n um a reflexao que se desdo brae m do is p lan es: 0i los6/ico, sab re o s valo res na sua o bjetiv idade, e a positivo, sa -b re a s e xp er ie nc ia s v al o ra tiv as ".A a xio lo g ia e. co m o se sabe, u rn in gredien te b asico da teo ria trid im ensio naldo D ireiro que cabe explic itar, co m algum a indicacao de suas rnatrizes, co mo urnpasso previo para tra tar do po nto -chave do pro blem a da ju stica tal co mo ele se co -lo ca na reflexao de M iguel R eale. '.E ste p on to -ch av e, a m eu v er ,co nsiste n a afirrn aca o de R eale que a justiga n aoe apenas, co mo entende P erelm an,. um argum ento pragm .atiC o razo avel de. que ar az ao p ra tic a n ec es si ta Paraapindzcatio'ac;tionifnas:incertas:' ' v er edas ' da ex is t enc ia ,e,daH:ist6da: :9 ~.,.avali4qtiot(}gnit io.nis~hDi!ejto , eoq~anto "opressuposto detoda ordep_l j .1 . l r lg i< ;a '' :que, ' a .rnaneira da raz1l:o'p ura , e nq ua nto c o nd is ;a o tra ns ce n-c i. e J it a l, fUr : l (; io ru i. lmen te o rdena, t o rnando possiveisa plura lidade do s valo res daco r iv i venc ia , consubs tanc ia l a experiencia jundica". E justamente 0 alcance e o spro blem as desta assertiva de M igu el R eale 0 que pretendo ex am inar neste traba-Iho , lev an do e m c on ta in clu siv e, e discutindo, 0se u u lt im o l iv ro Nova F a r e do D i r e i -to Modema, qu e cu ida especificam en te, n a su a prirn eira parte, da justica e do di-.reito natural .

    2~ A te ,ad a trid im en sio nal d o Direito, metodologicarnente, fundamenta-se noq ue "R ea le 'd erio rn i(u l, a . ontog"osf%gia. E s ta re al ~ a . :a co r re Ia ~ ao f un cio n ijel l t re, 0s uje it o co g nQs ce ll te e o o b je to cOg ri o sC 1 vH ll o pr o .c es so d o c o nh ec ime n to ,N o estu do desta co rrelacao , R ealeapo nra qu~ o ate dO 'co nhedrllen to o ao ep ura me nte Io gico -fo rm al, ~ e stim ativ o po rq ue e xiste u rn p ote nc ial ax io 16 gic o se rn -pre presente na estrurura do co nhecim ento , que faz co m que 0 s uje ito n ao a pre en -da 0 o bjeto co mo urn fato pu ram ente externo e ernpfrico , m as co ntribua para a suaconstituicao atraves de uma atitude critica.N o case do D ireito isto significa, para R eale , em co nso nancia co m 0 cultura-l is nt o . qu ea s~ iI la la o se u p en samen to ,q:u~~ experiencia ju ri dic a n ao se cin ge a o ex-jJ/icar,'l1las~xigedo su je ito cognosceoteo~conipreender crltico " . ....qp o te p. cia la xio 1 6 gic o n o , p fo c es s9 doC ; 9n ~C !c ime nt o ' n lio o c o rr ea pe na s exp arte su bj~ cti ;,.T am ~ ep e sta me s(!(1 t.e i1 9so bj~ t()~ . ~ ()g rlO sc 1v eis'rele va nre s 'Paraa~riatridimegsiona1 doDirdto;ques~., .aleID(i9va/o'r, ofotoea.no1'l lUZ.

    .. O p~ ten ~ial axio l6gico e inerenteao /a to s oc ia l porq~~ I \ea l e, . :s~gH~n4onc ; s tea sp ec :~ Q aJ is ;a o d e D u rk he im , v e a s oc ie da de c om o g era do ra e cl ep 9~ it~ i;t ,c :I ,e vil o -res (!,seguin do a li~ ao de D el V ecchio , afirm a qu e n a ex periencia ju ridicao eu sec o lo c a c omo socius; enquan to m em bro de um a co munidade e dela inseparavel l28 . M igu el R eale, Li;tJeJPreliminares, cit., p. 370;9 . C haim P erelm an , Droit, Mora ln t P h ilo so ph ie (2 .ed~ ), P aris, L GD ), 1976, p;50 epmJim.1p.Miiud.Reale, l i ytJes Pre l iminares; ci r. ;p . .371;lnlroduyJoilPilosojia, S~o .Pau lo , Sara iva ,1988 ; p, 208-10; N O l ' a FmB do D ireito Mode~o,d t.;p.38; .. .. J L d;R em .to C ire ll C ze rn a, R ef le xo csd id atic as p re lirn iaa re s a uid im en sio nal id ad e d in am ic a n a"F il oso fia d o D ire iro ' in Teo fil o C av al ca nti (o rg .), Sl ud oJ em h ome na g em riMi gu el R ea le ,SaoPau-1 0, R evista do s.T rib un ais E D US P, 1 97 7, p. 55-64.

    1 2 ; .M i g ue l R e al e; Fi loJo ft ado Di rei to , cit., parag rafo s 8 6 e 137; Nova FasedoDi rei toModerno ,cit., p. 25-6. . .

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    N a pe rsp ec tiv a d o tema da ju stic a, c ab e an tec ipa r qu e a co rre lac ao fu nc io na Is uje ito -o b je to q ue 'id en tif ic a a o nto g no se o lo g ia tra du z-se , nareflexso de R ea le ,qu e e rarnbern m arcada po r N ico lai H artm an n, pela v isao de que aju stica olio serestringe a su bjetiv idade da v irtu de do ho m em justo , m as exig e a o bjetiv idade dob ern c orn um s oc ia l".P ara a te o r ia trid im e ns io n al d o D ire ito .a norma e a e xp re ss ao d ia le tic a, em c a-d a situ a~ ao histo ric a, de u ma in teg ra ca o e ntre fa to e v alo r'. E stain teg ra ca o re su ltad e u rn a-esc olh a q ue se re al iza atra ve s da in terfe ren cia d ec iso ria do p ode r", E sta es -co lha, que tern um a dim ensao o bjetivan te, sem pre co ntern .um jngrediente pro -blerm tico para-M iguel R eale que, nao sendo um hegeliano , nao identificaorealco m 0 racio nal, e po r issomesm o recusa a hom o lo gia da etic idade com . apo sitiv ida de ". E ste in gredien te pro bl em atic o faz c om qu e o te ma do sv alo re seste-ja sem pre , e nq ua nto d eo n to lo g ia ,o u se ja , c om o in da ga \;a o d o sp re ss up o sto se tic o sdo D ireito e do E stado , n a o rdern do dia dateo ria tridim en sio naldo D ireito .rqueassume, assim, a importancia do criterio d a v al id ad e e tic a c omo a lg o dis tin to ,a in -

    da qu e relacio nado co m a validade so cial e a juridica, n a esteira de um a elab orag aopro pria d o trialisrno de R adbruch". .N o am bito da teo ria trid im ensio nal do D ireito a afirrnacao da v alidade etlca eda deo nto lo gia, co m o um cam po pro prio de inv estiga~ ao , significa que o s v alo ressa o a pro priad os o bjeto s de c on hec im en to . O s v alo re sco m o o bjeto de c on hec im en to- que naO se identificam co m o utro s co mo o s fisico s e o s psiqu ico s -para R ealetem com o n ota espe c'if ica 0serem alg o qu e se refere m as n ao se reduz ao fate so cia leanorma, . . .. .:

    . A r ef erib il id ad e tra du z a e xig en cia de qu e 0v alo r, b ~m c ultu ral q ue e , requerU rn suporte na realidade so cia l e no rm ativav E po risso que, para R eale , um a dascaracterlsticas de valo r, co mo objeto de co nhecim ento , eo de sua realizabil idadenapraxt 's.

    A referibil idade, que indica a preo cu pacao de R eale co m a pratica, nao esgo -ta, n o e nta nto , 0valo r co m o o bjeto de co nhecim ento , qu e tam bern tern, co m o suao u tra c ara cte ris tic a d is tin tiv a, a inexauribiHdade. E sta, que da 0s ign i fi cado veto -ria! do v alo r, e xp lic it a a v isao de R eale de que 0 se r do ho mem e 0 s eu deve r- se r,a in da q ue imerso na realidade socia l e no rm ativa, que n ao e , no en t an t o ,f echada ,m a s s im a be rta ao p lu ra lis m o p o r v eze sc o nt ra dito rio d as p o ssib il id ad es de ex pre s-sao da ativ idade hum ana, '.

    P l ur al ismo r ia o qu er d iz er r el it iv iS rn o p a r a a te o ria trid im e ns io n al d o D ire ito ,que co nsidera co mo um a o utta no ta . dist intiva do valo r a pre ft ri b il idade . 'E s ta e n-1 3. M ig ue l R ea le , F.iJosojiado Direi to , cit" c ap , X IX , P olftica de O nlem e d e H oje , S a o P a ul o ,S araiv a, 1 98 8, p. 1 41 4 ; Nova Fase do Direito Motierno, cit., p, 7-8 .1 4, M ig uel R eale , Plumlismo e libertkde, S ao P au lo , S araiv a, 1 96 3, p, 2 07 -3 5; C elso Ia fer, D i-reito e p od er na refl ex ao de M ig ud R ea le, in M ig ue l R ea le n a U nB : c o nf er en cia s e d eb at es d e u rn s em i-

    naria realizado de 9 a 12 de junho de 1981 , B rasilia , E d, U niversidade de ' B rasf lia , 1981 ,p, 5 7-7 1; T E rc io Sa mp aio P erraz Jr., A no ~o de no rm a juridica na o brade M iguel R eale, in MiguelR ea le na U nB , cit. , p. 101-9,1 5 . M ig u el R e al e, Nova Fa se d o D i re it oMod er no , cit" p. 1 8-2 3.1 6. M ig uel R ea le , F il os of o d o D i re it o; cit., p an ig ra fo s 1 25 e 1 99 .

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    seja a possibilidade de ordenacao hierarquica, que tern como urn dos seus criteriosa he ra nc a h is to r ie s. Com efeito, para Reale ex is te rn c onqu is ta s v a lo r a ti va s, dotadasde p er rn an en cia , p o is sua percepcao dos valores e vivificada por uma concepcao daHistoria, na qual e st ao p re sen te s a ref lexso de Vico , Hegel, Marx e Dilthey que,conjugados com Hartmann e Scheler, sao rnatrizes do seu h i sr o r ic i srno axio16gico.

    E s ta s c o nq uis ta s r es ul ram de urn incessanre processo de in te gra ca o d os m o de sde ccnvivencia coletiva, arnpliador da qualidade de vida em sociedade. Represen-tam "patamares axiologicos", que correspondem a "intencionalidades objetiva-das" descober tas no decurso do processo hist6rico e assimiladas em fun~ao da me-moria e da praxis e que se veem assim dotadas, para Reale, de uma consistenciaque seconsolida no projetar do tempo. Delas deflui a sua afirrnacao de que, nomundo.daPollticae.do Direito, o valor da pessoa humana deve set entendido co-mo ovalor-fontede-todos osvalores sociaisr.Daia importsncia pot ele atribuldaaos direitos hurnanos .que sao 0 horizonte .da Iegitimidadedo poder no mundocontemporaneo".

    Este horizonte, que e uma das faces dadeontologia ___,. outra e a da justicadanorma posta pela interferencia decis6ria dopoder -, provern de conquistashisroricas, fruto da constantia e dahierarquia axio16gicade que se revesternos se-guinteslegados, examinadospor Reale; que operam assirncomo patarnaresdale-gititnidade- do poder. Sao eles:l)o da'Greeia ,ouseja;. o criteria da' 'liberdade.dePC'ns~rc()mcipluralidadedo pensar' '; 2) adeRoma,:quesetraduz naxernplari-dadeda conscienciadosvalores autonomos do Direito como algomais ample-doque a consciencia da lei; 3) 0 do en s tianismo , representado pelo vetor do reconhe-cimento da igualdade dos homens, independentemente dos involucres pol f t icos esociais da cidadania: 4) 0 do tiberalismo, au seja, a paradigma do Estado de Direi-to, que evita 0 abuso do poder ao reconhecer que 0 governo existe para servir a ci-dadaniae 0 individuo,que passam, assim, a ter "direito a ter direitos", e 5) 0dosocz'alism,Q, do qualse origina 0prindpio deuma exigencia de igualdade concreta,perante a vida eacultura.cornd um creditoa que.temdireito os individuos de par-ticipar "do.bem-estar.social' ' ,daquiloquc;. a e~pecie humana,numproce~so cole-tiv;o,vai.acunlulan.doatraves do tempo". ." . .

    N a elabora~ao de Reale, portanto, a Iegitimidade do poder tern a pessoa l l~-mana como urn valor-fonte, hierarquicamenteordenador dos.demais.com fupqa"mente filos6fico na dignidade origim1riadohomem, cujpserfoseu deyer~ser,po-sitivamente confirrnado na experienciavalorativa por patarnaresaxiologicosshisto-ricamente consagrados pelos legados acima mencionados, que operam.como.pa-droes porterern 0 status de "invariantes axio16gicas". Se e assim, cabe.agoraper-. 'guntar: quais sao as'constantes, dotadas deperrnanenciavque informamnanormao valor-justica - que e a outraface dadeontologiacomq campo proprio de.inves-tiga~a()-e o que fundamentaaaflrmagaode Reale de que ajusti~~"c()mo urnvaloHranciscano,'funcionalmenteordenatodos:osdemais valoresdoDireito?Buma respostaa esta pergunta e os seus problemas que vou tentaresbocar na parteconc1usiva deste trabalho. . .

    1 7. M ig uel R eale, Introduo a FiloJojia, s a o P au lo , S araiv a, 1 98 8, caps. X II a X VIII; Nova Pa sd o Direito Modemo, cit., caps. II, IV , V ,V I. . . .. 18 . M iguel R eale, Plura l ismo e L iberdade , p. 285-96.

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    3 . N um texto de 1949 , so brea pro blem atica do co nhecim ento ju ridico , R ea-Ie.observaqueoDireito.entes de secolocarcomo urn.sistema positive denormas,colocou-se, desdeasprimitivas teogonias, como umaindagacao sobreoqueeoju sto . D a1 asu a asser~ ao :"C ro no I6 gicaefilo so ficam ente falan do , o u seja, do pen-to dev ista histo rico e lo gico , 0pro blem a basico do D ireito e 0do D ireito co m o ju s-to " 19 .'.Na F tl os ofia d o D ir ei to , R eale apro fu nda esta co lo cacao e, ao tratarda expe-rie ric iaju r1 dic a, e nte nd e q ue e la t ern com o v al or- fu nd am ep re fe re nc ia l "0bernso cial da convivencia o rdenada o u 0 v alo r do ju sto ,,2 0e, seguindo-aIicao-deS tamm le r, pe nsa quenerntodo Direito e Direito J U Sto , m as q ue todo Direito devese r umatentativa de Direito JUS t o 21 .R eale entende que nem to do Direito e .Direito Justo , nao soporqueo justo. im p lic aa c o rre la ca o co m out ros va lores . imas . tambemporquevf ie l a su a v i sao h is -toricista.sublinha elequeadosede justica c o n ti da n od ir ei to posto podese.encon-trar em co nflito co m um a no va do se de justica ain da n ao in co rpo rada asn orm as; e,atento a d ia le tica d es c on tra rie s, e sta c ie nte de q ue , n a e xp er ie nc ia ju ridic a, 0cri-

    terio da urgencia - po r exernplo , a seguranca, a o rdem , a paz - par vezes so bre-. l ev a 0 criterio da im po rtdn cia, o u seja, a [u sto ".N o seu recen te l ivro, N ova F as d o D iretto M od erno , na prirneira p ar te , R e al ereto ma de m aneira sistem atica a sua preo cupacao co m a [ustica, que, co mo um ainquietscao permanente ,permeia a.suaobra, Vale , assirn ;apena, reconstruir,ainda quesinteticamente, o f io d o s eu r ac io c 1ni o ,c o rr el ad o n ando~o t om suascon-t ri bu ic o es an te rio r es . .S ao , no meu entender, o s seguintesos passes in ciaisde su a el ab ora~ ao .E m brenha-se de, em prirneiro lu gar, na anal ise da in tu is;ao o rig inaria do D irei-to co mo [ustica, o bjet iv ado e personif icado no mundo grego po r Themise Dike.Realca, a seguir, em f u n s : a o da ontognoseologia, a c o rr el ~ ao e nt re 0 sub je t ivo e 0obje-tivo na idek de justica. S u bl in ha a importancia deci siva da re fl exao de Ar i s t6 t e le s ,quee st ab e le ce u a correlacao e ss en c ia l e n tr e a justica e a realidade d o D ir eit o , p o nd o na de -

    v id a l uz 0 que hi de controverso na atualizacao da justica co mo "pro po rcao ", o qu elev a a diversas e conflitantes fo rm as de go verno e de po der. C o nsiderao aperfeico a-m ento dado po r S ao T o mas, ao pro po r a teo ria da justica em t ermo sd e u rn d ire it o n a-tu ral no qu al 0 j us to e xp rime 0 b ern de to do s.C ritica a v isao s ub je ti va e v o lu nt ar is tado jus to , que assinala 0 individualismo d e d iv er sa s f o rm a s d e c o nt ra tu al ism o moder-n o . M o s tra , c om r nu it a o rig in al id ad e, o sm o tiv o s p el os q ua is K an t c he go u aum con-ceito d e D l re it o , r el at iv e a o rdem ju rid ic a po sit iv a, m as a pe na s p en so u a [u stica c om oideia.E, f in alme nte , c on test a a idemificacso hegeliana do "ser" co m 0 "dever-ser"q ue su bstitu i a cren can a l og ica da razao pela cren s;a n a lo gics do s fates, crl tica qu etambeme aplicivel , n a su a a na lise , a s correntes posirivistas,Depo is d es te p er cu rs o p el a H is to r ia da s i de ia s, c o n fi rma t6 r io d e s uas a n al is es a n -t er io r es , R e al e- ex ar ni na t re s t en ta tiv as mo d er na s d e s al va r- se uma id eia un iv er sa l d e

    1 9. M ig ue l R ea le, H orizo nte s d o D ir eito e d a H is to ri , cit., p. 257.2 0. M ig ue l R ea le, Fi loJo fi a do Di re it o , cit., p. 273 .21 . M i g ue l R e al e, Fi loso fi a do Di re it o , cit., p. 297 .2 2. M ig uel R eale , Fdosofia do Direito, cit., p. 527 .

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    ju stic a: S ta nu nl er, D el V e cc hio e Cot ta . Ap re cia a analise d e S tam rn le r, q ue 0 inf luen-do u,co mo ja fo i v isto , m as po ndera que ' 'a ju stica o lio se reduz a um a o rdem h a r m o -n ic a d e l ib erd ad es ig ua is ". A p re cia tam be rn a c o ntrib uic ao d e D e l V ec ch io , q ue ig ua l-m e nte o in fl ue nc io u ,' m a s c o nsid ers -a in su fic ie nre , pois n a o da para co brir co m "0ma nto d a in te rs ub je tiv id ad e o b je tiv a e tra ns ce nd en ta l to d o 0v a st o d omi ni c c ia expe-riencia [urldica": Q uan te a S erg io Cot ta , q ue b us co u a fro n ta r 0pro ble ma de u rn a ju s-t ica un ive r sa l , tanto do p on to de v ista o ntico c om o a xio l6 gico , n um a p erspe ctiv a exis-t en cia l, e nte nd e R e al e q ue 0 p lex o de ele me nto s afe rido re s d o ju sta po r el e p ro po s to- po r e xe rn plo : p arid ad e o nto lo gica , sim etria , irn parc ialid ad e do ju izo - n [o ex au rea r iq ue za a xio 1 6 gic a d a ju st ic a,

    E d ia nte d es te .p an o d e f un do q ue .R e al e, a s eg uir, d isc ute 0c o nf lit o e nt re o s f ar eseco f l 6mico~soc i a iseos ; o rdenament os .legais do s secu lo s X IX e X X.Este.conf l i tocdiscut idc.por .Reale; po e em rele vo are la~ [o e xiste nte en tre a crised a id eia un iv ers al d e ju stic ae a c ris e h is t6 ric a, e tem ,o b se rv o e u, c o rre sp o nd en cia c omo tem a arendtiano da ruptura e co m a im agem do sbeco s sem -saida no labirin to dac on viv en cia co letiv a co nte mpo rsn ea , de q ue se v ale B o bb io pa ra ap on tar a s des co nti-n uid ad es d a m o de rn id ad e. D e s ua a na lis ed es ta d up la c ris e.c o nc lu iR e al e.p el a im p os -sibi lidade tanto de umparadigrnaideal.dejustica qu an to de u ma ca teg or~ asap fo rm ald o sc rit er io s a fe rid o re s d o ju st a o u do . in jus to j .c oncl u i. tambem, . semdesencan t oou .de -s espe ro , p e la ig u a l impo s s ib il id ade de -c omp re ende r- se .o o r d enamen t o j ur id ic o~p () si ti ~

    v o com . ab st ra ca o .d a. id eia d e j us ti! ;a ~ E st au lt im a co n c lu ,s ao t emmWJq a oY er coma .f im mamen tis deR ea le , c omo a po n ta c om a rg i1 ci a] o se G u iI he rmeMe rq uio r ,a o siw~ ,l o aface de M ax W eber e R adbruch no que tange a p er ce pc do d o s v al o re s, C ome fe ir o ,W eb er e R adb ru ch pe nsa rn o s v alo res a lu z da fra tura, da an tino m ia e do co nflito , aop asso q ue R ea le, sem incidir n a ilu so ria ha rm o nia do Zeitgeis t c o nv erg en te , te rn c omo s v alo re s u ma c on viv en cia in te lec tu al rn en os ag 6n ica e m ais c on fian te, a lu z de u rnsenso do fluxo m ajesto so da Historia", E p o r iss o q ue , em sin te se , a s a f1 rm a ~ije s qu e..R

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    Reale considera a compreensao psicol6gica de valor de Ross insatisfat6ria paracuidar da -real natureza da jusrica, eve ainda rnuito presa a tradicao aristotelica areflexsode Ginsburg, que ele encara com boavontade, larnentando que nao te-nha eleexplorado a i!ltui~ao sobrea "exclusaoda discriminacao arbitraria' comomeio de levar adiante 0 I'progressive superamento das gritantes desigualdadesecon6micas ainda existentes".

    Ea Rawls que nesta parte Reale dedica rnaior atencao .vendo na sua T e or ia d aJustira urn maior sentido de integralidade.rapreciando 0 que ha . de pensarnentoconjetural na sua reflexao eapontando a originalidade representadapelo jogo daideia de igualdade- cerne da ideia de justica - combinado com 0 "principiodadiferenca' queenseja .a -igualdade de oportunidades in concreto.E compreenslvel, diga-se de passsgern, esta aten~ao dada por Realeareflexaode Rawls, pois ernbora este naosejaum historicista, a sua obra oferece uma abertu-ra para os fatores historicos e socio-econemicos ao apontar. a conrinua.necessidadede revisao-do contetido da justica, contido nas normas, quee indispensavel paraatualizar 0 pacto de convivencia ordenada nas sociedades conternporaneas.Xomefeito, a [ustica, a maneira de Rawls, como uma incessante busca de fairness, ecompativel com a inquietagao de Reale, que procura sernpre ver nos valores a suaconcreta realizabilidade e infinita inexauribilidade e que, ademais, tern algo dosocial-liberalismo que Reale, na sua juventude, pioneiramente percebeu na refle-xao de Carlo Rosselli, eve hoje, em Norberto Bobbie, uma das mais altas e rnerito-rias expressoes dessa Iinhade pensamento'", _.

    Estas "Iinhas que vao e vern" , na reflexao de Reale, equesao a sua-lura com"a esfinge da indaga~ao"25 sobreo Justo e 0Direito, desembocarnna parte finaldo capitulo do N ova F ase do D ireito M oderno queestou comentando, nassuasconsideracees sobre justice e experiencia , -

    Conclui ele que a vinculacao essencial entre [ustica e experiencia assinala ape-rene correlacao entre liberdade e igualdade no processo dial6gico da Hist6ria. Estaconclusao tern a sustenta-la a conviccao que permeia a obra de Reale, de quesema liberdade nao e posstvel a experiencia axiologica", e de que sem 0valor [ustica,que e sempre uma expressao historica de igualdade, nao se mantern a convivenciahumana ordenada entre individuos e grupos sociais,Esta convivencia humana ordenada naopressupoe 0 igualirarismo nivelador,mas requer "qui tudo .se faca para que as desigualdades progressivarnente dimi-nuam" par for~a do "ser" do homern, que e o seu "dever-ser", quee outracon-vic~ao sustentada por Reale nas suas obras fundamentais. Na experiencia jundica

    24. C f. M iguel R eale., "A C rise da Liberdade" , (1931} o ra em Obras polisicas (1~ fase -1931-1937), t. 3 , B ra sl lia , E d . U n iv ers id ad e d e B ra si li a, 1983, p. 711, n a q ua l a na li sa R o sse ll i; A Nova Pasedo Direito Moderno, cir., p. 208-18, na qual discure a -o b ra d e Bo bb io ; N o rb erta E o b bio , II fu tu ro d el.la Demoeraz ia , T o ri no , E i na ud i, 1984, p. 101-24, na qual este discure a arualidade d e R aw ls para 0en-caminhamenro de pro blem as. da d ern o cra cia c on te mp ors ne a. A r nin ha avalia~a6 des ta p rob l ema tkaencontra-se em A r e( ;O n! lr u; Jo d o! d ir ei /o ! h um ll nO J - Um d iJlo go co m 0 p en rl 1m en to d e H l1 nn l1 hArendt, Sao P aulo , C om panhia das L etras, 1988; p. 61-74.

    25. Migue l Reale, V id a Oc ul tl 1, cit., p. 61.26. C f. Migue l Reale, P lu ra li smo e I ib er da de , cit., p. 31-46.236

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    contemporanea i s m querdizer,para de, que "justica social e bern comum sao exp re ss o es .s in o n ir na s, ' s ig n if ic ar id o t an to i nt er su b je ri vi da de c omo i nt er co r nun ic ab il i-dade" '" "de tal modo que umasociedadesera tanto mais justa quanto maisoshomenssecornunicarem entre si, naoapenaspor palavras, mas tambern pela a!;ao,o queenvolve crescenteparticipacao.de todos nos bens da vida que sao 0resultadodoesforco coletivo da especie humanaem suaincessante faina cultural". Da1 de-flui a complementaridade por de afirmadaentre as duas s egu in t es a ss erco e s: "0Direito Positivopressupcea.justica como condi~ao de sua legitimidade"; "A Jus.tica poe 0Direito Positive como condicao de sua realizabilidade":",. .Quais sao os d ile rn as e pist em o lo gic osco lo cad os p el a primeira assercao, umavez que a segunda, na ref l ex s o de Reale,eequacionavelpe1o papel que de atribuiao poder que positivando 0Diretto o tomarealizavel? Nasua analise filos6fica dovalor [ustica, Reale, inspirado por Hartmann, entende que se trata de urn valorfranciscanov'queterncomo essencia de sua valida de perrnitir que.os.demais valoresvalharn. Esta fun~ao hierarquica e ordenat6ria do valor justicarpara.a convivenciahumana,pensada por Reale, e de conhecimento problernaticona-experiencia valo-rativa, pais ao contrario do que ocorre com a sua analiseda legitimidadedo poder, para 0qual e1eoferece padroes com 0vigor de "invariantes axiologicas"; naodetecta, no processo hist6rico,const;mtesaxioI6gicas.que seobjetivaramem.para-digmas do justo, Corn.efeitovenrende-ele.que' 'tem.sidovaos todos os..esforcosdespendidos . paraenumerar o s. c ri te rio so u .p ar ad ig rn as a fe rid o re sd a justi~a,cujaanalise sed esd ob ra .em . u rn a se rie infindsvel de.conceitos . . que vao desde aequida" .de ~isonomia, da ~'ntercomunicabilidadeaproporcionaHdade, da reciprocidadeou equivalencia a imparcialtdade, da objetividade transpessoalaJisura.e assim potdiante, reflerindo a mulrifaria e sempre inacabada experiencia do [usro':".

    Sese pode pensar a justica como valor ordenador dos dernais valores consubs-tanciais ~ vida do Direito, mas se e problematico conbecer alem do horizonte daigualdade algumas constantes mais precisas do seu conteudo, dado 0carater multi.fario com a qual se apresenta na.Historia, como e que se pode, na experiencia valo-rativa, dar solidez a afltma~~o de Reale nosentido de ver na justi~aavalidatio cog-n#ionisde toda.ordem juridica? '.

    Na introducao deNova Fasedo DireitoModerno, observa Reale que boa par-tedo livro e urn desenvolvimento autonomoda distin~ao kantianaentreoconhe-cer preciso dos conceitos e 0pensar rnais abrangentedas ideias regulativas.Ievandoem conta que a experiencia nao esta circunscrita ao mundonatural,masabrangeigualmente a experiencia cultural. Diz de. igualmente, que, no intento de conju-gar valor e experiencia, recorreu - na esteira do que vern daborando desde Verdade e Conjetura, que e de 1983 - "a razao conjetural quando comprovada aim-possibilidade de. alcancar conceitos segundo os ditames do conhecimento tradicio-nal"29.

    Conjeturar, para Reale -r+ que tomoucomoponto de partida de sua indaga-~ao nw s60 pensamento .conjecuralde Kant dos ensaios hisniricos, mas 0que de2 7. M ig uel R eale, Nova Fast !do Diretto Modt!mo,dt., p. 389 .28. M i g ue l R e al e, No va P o se d o D ir eis o M odemo , cit., p. 41.2 9. M ig uel R eale, Nova E a s e d o D ir eito M odem 0, cit., p. IX X .

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    detectou do pensamento.problernatico na Crftica da .raziiopura-;-, H e sempreuma tentativa' .de pensar alern daquiloque e conceitualmente verificavel, .mesmona linha do provavel, poradmltir ..se anecessidade de cogitar-se de algo correlato,que venhaa cornpletar 0experenciado, semperda dosentido do experenciavel quecondiciona a totalidade do radoc1nio" . Aeonjetura vale ,aponta de ,num discursoenrico que nao culmina "em soluceesaxiomaticas, ou rnesmo relativamente certi-ficaveis, mas apenas em solucoes plaustveis?".

    Na sua analise do direito natural, em Nova Pasedo Direito Moderno, Realeretoma 0que ja apontava em ensaio de 1983 sobre as raizes dodireito natural, pa-ra dizer que.se trata de urn problema que vern se rnantendo na agenda da reflexaojusfilos6fiea como ideia que tornaa experiencia juridica legftima. Trata-se.assim,de uma conjetura inevi/Jvel, pensavel, embora nao cognoscivel a rnaneiratradicional".

    Em a Nova E a s e do DzreitoModerno,noambitoda teoria geral do Direito,Reale sevale igualmente da razao conjeturalpara indicar que a.fieSao, 0pressupos-to da plenitude do ordenamento jurldico, a presuncao do conhecimento da lei, aexistencia de pessoas jurldicas, sao conjeturas plauslveis, correlacionadas com aexperiencia" .

    Pois bern, em bora Reale nao 0 diga explicitamente, euquero crer quer.namoldura de sua reflexao madura da decada de 80 e no contexte do seu novolivro,a afirma~ao de que a.justicae.opressuposto de todaordem juridicae uma conjetu-ra-plausfvel.Esta se sustenta, heuristicamente, pela intera~ao dos paradigmas kan-tianosdo pensar e -do conhecer, mediante a qual de busca" a sincroniaentre 0que se pensa sabre a justicae o que se conceitua-sobreo Direito"~~ . Ahip6tesedesta sincronia ele s6pode chegar pelarazaoconjetural. Comefeito,]ustisa e.Di-reito e Poder e Direito sao duas inquietacoes configuradoras da reflexao de Reale,cabendo, no entanto, observar que se esta ultima tern na sua obra urn vasto desen-volvimento, a primeira.so agora, depois de Verdadee Conjetura, de, pe1aprirnei-ra vez, se sentiu a vontade para afrontar de maneira rnais sistematica, pelos rnoti-vos que passo a expor.o "pensamento problernatico" surge, ensejando 0 discurso conjetural,quando a razao se bifurca em antinomias, Kant, observa Reale, dele se.valeu napassagem da primeira para a segunda Crltica' apenas como transitepara osimpe-rativos darazao pratica,quancloasidiias cedem lugar a fiso ba forma de impera-tivos.categoricos' . Reale, no entanto,quenao se sente avontade parasubstituir aideiapelaJe ,se propos.a conj eturar so brea justica, ciente que este ato ,comotodaconjetura, e"uma calculada intencsode nao aceitar a fronteira que brotadanossafinitude"e que representaassim "urn her6ico arremesso de lanca para alern damuralhaonrognoseologica que nos cerca enos limita"H. . .

    30 . M ig uel Rea le ,V er da de e Con je tu ra , R io de J an eiro , N o va F ro nteira, 19 83 ,p. 46-7.31. Migue l Reale, Dire ito Na tt tr a llDke i to POJ it iI Jo ,cit., p: 1-16; NOIJiiFiJIedo Direito Moderno.,cit. , p. 43-51.32. Migue l Reale, Nova Ea se d o.D i re it o Mo .d er no ., cit. , p. 13162.33 . M ig uel R eale, Nova Fasedo. Direi to. .Mo.derno., cit.,p. X.34. Migue l Reale, Verdade e Co .n je tura , cit., P i 49.

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    E s te a rrem es so , p ara .l id ar c om o v al o r ju st ic ae rn Nova Fa se .d o D ir ei toMod er -no, v iu -se in stig ado , n a rn in ha tle itu ra ; pe la a ntin om ia da raza oh ist6 rica q ue R ay -m o nd A ro ne xp lic ito u.: ao discut ira.escolha .eaa~ ao do :ho m em no pro cesso hist6-ric o.E sta an tin om ia e ac olo ca cJ .a :p el ;l 'p ol ltic ado co nh ec er, qu e le va ao e ca so ; e apolltica do pensar, que l e va a ,t i' PQ It .! f4 'O i ; c: . qu~V911~xpl o ! ar ,J io c onc l ui r, p a rainseri-la na reflexao de R ea,le :?> . ' . ' . .'::o a c a s o e a c o n se qiie n cia d9 sa im~ t es ;e pis te Jl lo 1 6 gic o sjmp9 st o sp el 0 ( o nh ec erda justica no decorrerdoprocesso1; l i st6r ico .C :Ont rapele-seaevo!u ;aoda j us tic a e xi -g id a pe lo p en sar m ais.a bran ge nte.do .sig nif lc ado , S e.o .h om em .se.a te m ao p6 10 d oa ca so , te nta sa lv ag ua rd arc erto s v al ore s.c o rn o :u ,m p il o ~o q ue 'n av eg a p el a e xp erie n-c ia , s em p en sa rn o . rum o d o de ve r-s er; :S eo :h 6m e in se :il tc rrr a o 1 >6 10d a e vo lu ca o ,p en sa n o . ru rn o .d o d ev er c se r; ,I ll as ll ii ,q s: e. 0t ll pa ef ll c o n he ce r 0 mapa d e n av eg ac soquea.ele.conduz. .'.. . '.' . .... .. .

    P o nde ra A ro n qu e a a dm issa ore sig na da da an tin om ia trad uz-se 'n aa ce itac aoda in co m patib ilidade en tre as qu al idades do ernpirista e as do pro feta , 0 qu e c urnequlvo co , po is a po litica _ no caso a po lirica do D ireito , para usar aqu i e a segu iro sterrno s de referenda de R eale - e , ao m esm o tem po , 0 cam po das esco lhas sernreto rno , im po stas em cada m o men ta hist6 rico pe la i n te rf e renc ia d ec is6 ria d o po -der e do s pro jeto s de lo ngo prazo da evo lu~ ao do ho rnem , cu jo ser e 0 s eu d ev er -ser". E stes pro je to s de evo lucao , no caso de R eale , tern a susten ta-lo s a re levan ciad as ., in va ria nt es ax io 1 6g ic as ' ',q ue s aO .a .moldura h i~ t 6 ri cad es l1 a anal is ed a expe-r i~ n cia va lo r at iv a, a o tratar do problemada ju sti~ a . . .'. Foi com 0o bjetiv o d e b usca r u ma in te ra~ ao en tre 0pe nsa r e 0co nhecer _ ba-se, diga-se de passag ern , da grande reflexao aren dtian a,l7- que L uc F erry e A lainR enaut, partindo de A ro n, se pro puseram a exam inar o s direito s hum ano s co m 0in tento de m ostrar que 0 co nfro nto an tino mico en tre o s direito s-garantia de pd., m eira g era~ ao e o s dire ito s-de -c red ito de se gu nd a g era ~a o e u rn co nfro nto en tre apo litics do co nhecer e a do pensar, A no ~ao repub lican a solucionaesta ant inomia,a firrn am e le s.a o c o lo c a r a s d ire ito s-d e-c re dito c o rn o um a e xig en cia d e s ol id arie da -de -:- pensavel, m as nao co gno sclve1 - que represen ta , na pratica, um a tarefa in-finita, guiada po r u rn princtpio.de r ef le x ao q ue sepoe c omo id cia r eg u la do r a" ,

    C r ei o q ue a pr o po s ta de R e al e,d es in cr o ni za rp ro b l ema tic amen te 0pensar e 0c o n he ce r. at ra v es d a r az ao c o n je tu ra l, e nao s6 rnaisab rangente que a no ~ao repu-b licanade F erry e R enau t co mo represen ta urn passoa mais no .p lano .ep i s temolo-g ico , qu e tem tam bern a sustenta-Io o utro s in gredien tes de suareflex ac, inclu sivea s u a t eo r ia .d o s valo res, .

    35. Raymond Awn, I nt ro du cti on i i/a P h il os op h ie de l'H is to ir - E s sa is ur l ul im it es d e r ob je c-t i ll i te historique (ed, aurnentada), Paris,Gailimard, 1981,p.413-4.36. Raymond Aron, In troduct ion i i fa Phi lo soph ie de I 'H i sso i r , cit., p.414.37 . Celso Lafer, A rupt ura to ta li ti ri ae a r e con$~f il od o sd ir e it os hUm(J nos- Um d iJIogo com 0p en sam en to d e H a nn ah A re nd t, cit. .38.Raymond Aeon, E tudes Po l it iques , Paris, Gallimard, 1972, p. 2 16 -3 4; L u c F erry-A lain R e-

    naut, Ph il oso ph i e Po li ti qu e - 3 .~ De i d ro its de I 'h omm e a /'i de e r ep ub lic ai ne , Paris, PUF, 1985,p: 166-81. . . .

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    C om e fe it o, p ara R e al e, o s v al o re s. pre cis am serred ik-ave i r - e n isto elee urnpensador atento.a.navegacaoempfrica na realidade ~ , m as sao igualm ente ine-xaurfv~is -e nistoeleeum p en sa do r a te nto a o s ig nif ic ad o p ro fe tic od o dever-ser,C om bin a, assim , n um a dia letica de im plic a~ a()e p ola rid ad e, pragma e logos.

    O s valo res tem , no en tan to , tam bern co mo no ta , para R eale , apreftdbi l idadeq ue e ns eja a s ua g ra du a!; ao h ie ra rq uic a, A justica, c omo v a lo r f un ci o na lme n te o r-d en ad o r d o s d em a is v al o re s d a.e xp erie nc ia ju rl dic a, e um a antiga pro po sta sua, den atu re za .p ro ble ma tica , p ara a qu al 0h is to ric is m o-a xio l o gic o , a nte rio r a VerdadeeConietura, ainda que desse urn sen tido de dire!;ao nao dava so lu sao apro priada.E staago ra ele en cam inha tra tando -a co m o conietura que e p la us lv el n o h o rl zo n ted e o utras "in va ria nte s a xio 16 gic as", rev eladas n o p ro ce sso hist6 ric o. A c on ie tu raplauslvel, po rtanto , co m o hip6tese m ediado ra en tre 0pensar e 0conbecer, e a ba-s e p ara 0seu arrem esso de lanca, qu e lhe da a seg uran ca, qu e ele sabe pro blern jiti-c a, p ara a firrn ar qu e a ju stic a e a vdiidatiocognitionis de to da o rdem ju ridica po si-t iva.

    : ' 1 1 1 1 . 1