A IMPORTÂNCIA DE UMA LEGISLAÇÃO NO BRASIL...
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A IMPORTÂNCIA DE UMA LEGISLAÇÃO NO BRASIL SOBRE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA
Andréa Moraes Borges Cirurgiã-Dentista pela UFMG e acadêmica do 8º Período do Curso de Direito
do Centro Universitário Newton Paiva.
Flávia Cândida Ferreira Santos Acadêmica do 8º Período do Curso de Direito do Centro Universitário Newton
Paiva e Estagiária do Centro de Estudos de Direitos da Família do Centro
Universitário Newton Paiva.
Área jurídica: Direito Civil
Resumo
Com o avanço de novas tecnologias, como a reprodução humana
assistida, surgem novos problemas ao Direito, como a atual legislação que se
tornou insuficiente e inadequada para a resolução de problemas
biotecnológicos. A tutela jurídica é necessária para proteger e dar segurança à
sociedade pela utilização de novas técnicas.
1. Introdução
A evolução do conhecimento científico no século passado gerou para o
meio sócio-global novos parâmetros e novas concepções nas suas mais
variadas áreas.
Uma das mais notáveis descobertas do homem foi a capacidade do
homem de controlar um processo antes realizado exclusivamente pela
natureza: a reprodução.
Através de muitas pesquisas chegou-se ao que hoje conhecemos como
reprodução humana assistida. Reprodução humana assistida, em sucinta
definição, é o conjunto de operações que tem por objetivo unir artificialmente os
gametas feminino e masculino para dar origem a um novo ser humano.
O avanço das ciências biomédicas trouxe para a sociedade diversas
possibilidades que há cinqüenta anos atrás não seria possível e, sequer,
imaginada, tais como a Inseminação Artificial e a Fertilização In Vitro.
Desde o nascimento da inglesa Louise Brown, em 1978, marco inicial
para a nova prática médica desenvolvida, o aperfeiçoamento das técnicas de
reprodução assistida tornou-se notório e o método passou a ser utilizado pelos
quatro cantos do globo.
No Brasil, o marco inicial ocorreu como o nascimento da menina Anna
Paula, em 1984, e desde então a prática se difundiu e nos últimos dez anos
obteve uma notável expansão pelo Brasil.
Entretanto, como qualquer descoberta científica, que envolve teorias do
homem e para o homem, o procedimento, da forma como se expandiu e da
forma como ganha força e novas aplicações, tem trazido os mais diversos
questionamentos no âmbito ético, moral, religiosos, psicológicos e jurídicos.
Nesta breve análise que se propõe tratar de plano como o procedimento
da reprodução assistida consiste em um questionamento da mais nova ciência
criada pelo homem, a Bioética, e de como tais questionamentos nos reportam,
no que tange ao ordenamento jurídico brasileiro, a uma análise sob a luz do
Direito, traçando os vários problemas que tal procedimento pode trazer para a
ciência jurídica, para a sociedade e para os Tribunais.
2. A Reprodução Humana Assistida como um problema da Bioética
Antes de iniciar qualquer análise do ponto de vista bioético, é
conveniente trazer algumas definições do que seja a Bioética.
A expressão Bioética foi utilizada pela primeira vez pelo médico
oncologista americano Van Rensselder Potter, em sua obra Bioethics: bridge to
the future. Sua abordagem cuidou de considerar a Bioética como uma
disciplina que teria como compromisso “o equilíbrio e a preservação da relação
dos seres humanos com o ecossistema e a própria vida do planeta”.1
Atualmente, o sentido e a concepção do que seja Bioética é bem
diferente do marco inicial proposto por Potter.
A Bioética é hoje, em nosso entendimento e diante da perspectiva que
vários autores colocam, uma ciência transdisciplinar, que tem a preocupação
comum de colocar os avanços da ciência e da tecnologia em controle, criando,
assim, um novo campo de estudo em que o fato da vida é intermediado pela
tecnologia, e uma nova abordagem diante de um movimento sócio-cultural
manifestado por dissenso, conflitos e dilemas éticos.
Os doutrinadores em Bioética costumam diferencia-la sob duas
perspectivas: persistentes ou permanentes e emergentes.
A perspectiva persistente trata dos dilemas cotidianos, tais como
discriminação, desigualdade social pobreza, etc, que são temas que assolam a
humanidade desde sempre. Já a perspectiva emergente cuida de questionar os
dilemas e questionamentos referentes às novas tecnologias das ciências, que
entram em contradição com princípios básicos inerentes ao ser humano, tal
como a dignidade e a vida.
Neste sentido, é a questão da reprodução assistida um dilema bioético
que se enquadra sob a perspectiva emergente, visto ser uma técnica nova
oriunda das ciências biomédicas.
No Brasil, sob a ótica do ordenamento jurídico vigente e da difusão dos
métodos de reprodução assistida, podemos inclusive questionar, como bem fez
a prof. Ana Paula Pacheco Clemente, no I Encontro de Bioética da Newton
Paiva e da OAB/MG, em apresentação sobre aplicações da Bioética, a
possibilidade dos dilemas destes métodos estarem classificados como uma
situação persistente, pois ainda não se tem amplamente discutida e
consolidada uma legislação que normatize os métodos, ficando somente os
médicos e os profissionais que lidam com a prática da Reprodução Assistida
sob a tutela administrativa do Conselho Federal de Medicina, em sua
Resolução n. 1.358/92.
1 DINIZ, Maria Helena Diniz. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 9-10.
3. A necessidade de uma tutela jurídica em reprodução humana assistida
Em Direito, a possibilidade de tutelar bens jurídicos pode acontecer em
diversas áreas.
No campo do Direito, podemos optar por diversos caminhos, de acordo
com a doutrina a ser seguida.
Na área do Direito Constitucional, podemos ter como parâmetro para
responder aos questionamentos da reprodução assistida os princípios da vida e
da dignidade humana, elencados no art. 5º, caput, da Constituição Federal de
1988.
Entretanto, para a possibilidade ou não de fundamentação nestes
princípios, para se concretizar ou não a tutela jurídica em reprodução assistida,
devemos passar por duas correntes doutrinárias que, de acordo com o
tratamento seguido conforme a causa da infertilidade humana, determinam o
momento inicial da vida humana: a corrente concepcionista, que prega que o
início da vida dar-se-á no momento da penetração do espermatozóide e do
óvulo, e a corrente natalista, que se fundamenta na ocorrência do fato natural
do nascimento para o marco inicial da vida humana.
No Brasil, hoje, não há qualquer legislação infraconstitucional que
regulamente o assunto do ponto de vida jurisdicional, em lei especial.
O Código Civil que está em vigência desde janeiro deste ano trata o
assunto no Livro IV, Do Direito de Família, Subtítulo II, Das Relações de
Parentesco, Capítulo II, da Filiação, art. 1.597, incisos III, IV e V. É a primeira
referência sobre o assunto, mas um tanto quanto tímida, visto a relevância do
assunto, e que trata de normatizar o advento da filiação nos casos de
reprodução assistida.
Atualmente, o que se tem conhecimento são as resoluções e o Código
de Ética Médica que regulam tal procedimento somente em esfera
administrativa, restringindo-se somente à comunidade médica, não tendo
qualquer responsabilidade administrativa e jurídica o Estado e os outros
agentes que participam na consecução desta técnica médica.
O Estatuto do Embrião (Lei n. 8.974, de 1995), por exemplo, ignorou
totalmente a questão dos embriões remanescentes. O que ele fez foi
sistematizar acerca das pesquisas científicas envolvendo embriões humanos.
Alguns legisladores propuseram projetos de lei referentes à matéria (PL
3.638/93 do Dep. Luiz Moreira e PL 2855/97 do Dep. Confúcio Moura).
Há escassos Projetos de Lei tramitando no Congresso Nacional, como o
PL n. 90/99 de autoria do Senador Lúcio Alcântara e que ainda tramita no
Congresso Nacional, junto a Comissão de Constituição e Justiça do Senado
Federal com relatoria inicial de Roberto Requião e atualmente de Tião Viana.
Este amplo projeto visa regulamentar as técnicas de reprodução assistida,
prevendo punição para o congelamento de embriões, com prisão de 6 a 20
anos, restringindo a técnica a retirar e fecundar somente de 3 a 4 óvulos. Isto
pode vir a resolver, por exemplo, os problemas de embriões excedentes, mas
aumenta a angústia de um tratamento sem sucesso.
As clínicas especializadas em reprodução humana assistida executam as
técnicas médicas, sem nenhuma lei que as ampare ou que regule os seus
procedimentos ou os reflexos jurídicos advindos de tais técnicas. A Resolução
1.358 do CFM traça os caminhos éticos a serem seguidos pelos médicos e
clínicas e não tem força de lei.
O que se deve questionar é como construir o assunto na esfera jurídica.
Como tratá-lo como um bem jurídico, passível tanto de tutela na esfera civil
como penal e em legislação especial. Como traçar, legalmente e
doutrinariamente, a responsabilidade civil ou penal advinda da conduta, por
ação ou omissão, do médico, do embriologista, dos pacientes e do Estado.
Se há a existência da culpa, seja civil ou penal, por condutas
provenientes desta específica prática médica, pressupõe-se que há um
resultado danoso para um bem jurídico a ser considerado, uma ação ou
omissão e uma relação de causalidade. Se há uma culpa penal, esta se
caracteriza por sua tipicidade, cominação de uma pena e é estritamente
pessoal. A culpa civil não é tipificada, gera o direito à reparação do dano e
pode estender-se a outras pessoas.
A discussão que se eleva é questionar o assunto não somente na
comunidade médica, mas em toda sociedade, através de uma discussão
jurídica que force o Estado a confeccionar parâmetros legais para a proteção
de si mesmo e de todos os agentes que se disponibilizam da técnica médica de
reprodução assistida para facilitar os meios de procriar do homem e de acabar
com as angústias da infertilidade.
4. Conclusão
Os mais diversos problemas de infertilidade e esterilidade humana
foram, em grande parte, solucionados pelas ciências biomédicas através da
revolução tecnocientífica das últimas décadas.
Apesar das benesses dos métodos da reprodução assistida, que
trouxeram a muitas pessoas a alegria de gerar o próprio filho, de atender ao
direito de procriação, de descendência; diversos problemas surgiram e estão
hoje em constante debate, e muitos sem respostas.
Os questionamentos surgiram tão rapidamente e, ao mesmo tempo, com
os aperfeiçoamentos da técnica, consistindo um desafio para a sociedade.
Sendo um desafio, um dilema debatido num movimento sócio-cultural, é
um dilema, portanto, bioético, ou seja, um problema a ser discutido pela
diversidade das ciências da vida e das ciências humanas.
Constituindo uma discussão social, é um problema ainda não legislado
por nosso ordenamento jurídico e que caracteriza um fato que persiste e clama
pelas tutelas jurídicas proporcionadas pelo Direito.
A tutela jurídica proporciona à sociedade uma tranqüilidade tanto para
quem necessita dos procedimentos da reprodução assistida para realizar o
desejo de procriação, para os agentes que possibilitam que tal desejo se torne
um fato concreto, para o Estado, que diante dos impasses tem o dever de
decidir como devem ser resolvidas as polêmicas levadas aos Tribunais.
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