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Anais da Semana de Pedagogia da UEM. Volume 1, Número 1. Maringá: UEM, 2012 1 A IMPORTÂNCIA DO LÚDICO NA PERSPECTIVA HISTÓRICO CULTURAL AOS PROCESSOS DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO WATANABE, Yukie Ely [email protected] BERTO, Fabiane Gisele [email protected] CHICARELLE, Regina de Jesus (orientadora) [email protected] Universidade Estadual de Maringá Formação de Professores e Intervenção Pedagógica Introdução O presente artigo propõe uma reflexão acerca da importância do lúdico aos processos de alfabetização e letramento, mediante os pressupostos da teoria histórico cultural. O motivo que instigou ao estudo dessa temática é devido a pouca importância dada ao aspecto lúdico pelos professores na educação infantil, e que levou a questionamentos sobre as contribuições que a ludicidade pode trazer ao desenvolvimento dos processos de alfabetização e letramento. O objetivo principal desse estudo é discutir sobre a importância do lúdico nos processos de alfabetização e letramento mediante a perspectiva histórico-cultural. Têm-se como objetivos específicos neste estudo, compreender a perspectiva histórico cultural e a importância da ludicidade nos processos de desenvolvimento humano, e entender sobre a alfabetização e letramento e as contribuições da ludicidade a fim de permitir a reflexão sobre a prática pedagógica e a utilização das ferramentas necessárias ao desenvolvimento desses processos. Este estudo tem como base a concepção de desenvolvimento humano de Lev Semenovich Vygotsky. Aborda-se também os autores contemporâneos, que continuam dando

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Anais da Semana de Pedagogia da UEM. Volume 1, Número 1. Maringá: UEM, 2012 1

A IMPORTÂNCIA DO LÚDICO NA PERSPECTIVA HISTÓRICO

CULTURAL AOS PROCESSOS DE ALFABETIZAÇÃO E

LETRAMENTO

WATANABE, Yukie Ely

[email protected]

BERTO, Fabiane Gisele

[email protected]

CHICARELLE, Regina de Jesus (orientadora)

[email protected]

Universidade Estadual de Maringá

Formação de Professores e Intervenção Pedagógica

Introdução

O presente artigo propõe uma reflexão acerca da importância do lúdico aos processos

de alfabetização e letramento, mediante os pressupostos da teoria histórico cultural. O motivo

que instigou ao estudo dessa temática é devido a pouca importância dada ao aspecto lúdico

pelos professores na educação infantil, e que levou a questionamentos sobre as contribuições

que a ludicidade pode trazer ao desenvolvimento dos processos de alfabetização e letramento.

O objetivo principal desse estudo é discutir sobre a importância do lúdico nos

processos de alfabetização e letramento mediante a perspectiva histórico-cultural. Têm-se

como objetivos específicos neste estudo, compreender a perspectiva histórico cultural e a

importância da ludicidade nos processos de desenvolvimento humano, e entender sobre a

alfabetização e letramento e as contribuições da ludicidade a fim de permitir a reflexão sobre

a prática pedagógica e a utilização das ferramentas necessárias ao desenvolvimento desses

processos.

Este estudo tem como base a concepção de desenvolvimento humano de Lev

Semenovich Vygotsky. Aborda-se também os autores contemporâneos, que continuam dando

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continuidade à concepção Histórico Cultural. Concepção essa que tem como fundamento

explicar como se formaram ao longo da história do homem, as características de

comportamento e como se desenvolve o sujeito. Do ponto de vista dessa teoria, o

desenvolvimento humano é socialmente construído e está inter-relacionado com a

aprendizagem desde o nascimento da criança.

Mediante os pressupostos da teoria histórico cultural, no início da idade pré-escolar, a

criança envolve-se em um mundo ilusório e imaginário, onde seus desejos não realizáveis

podem ser realizados. E, esse mundo é chamado de brinquedo. O brinquedo simbólico das

crianças pode ser entendido como um sistema complexo de fala, por meio de gestos que

comunicam o significado dos objetos utilizados para brincar. A representação simbólica dos

objetos é muito importante para o aprendizado da escrita. Por meio da imaginação, a criança

pode desenhar coisas e descobrir que pode desenhar as palavras.

Para Vygotsky (1998) desenhar e brincar deveriam ser priorizados como uma

importante fonte de desenvolvimento dos processos de alfabetização e letramento das

crianças. E, cabe ao educador organizar o complexo processo de transição de um tipo de

linguagem escrita para outro. Destaca ainda Vygotsky (1998) que o que se deve fazer é

ensinar para as crianças a linguagem escrita e não a escrita de letras.

Este trabalho apresenta resultados parciais dos estudos de um projeto de iniciação

científica de caráter bibliográfico. A revisão de literatura foi direcionada pelos pressupostos

da teoria histórico cultural. Aborda-se nesse artigo as análises e discussões a respeito da

ludicidade na concepção histórico cultural, das investigações sobre a teoria histórico cultural e

sobre possíveis reflexões referentes aos processos de alfabetização e letramento e as

contribuições da ludicidade ao desenvolvimento desses processos.

De acordo com os estudos de Vygotsky (1998), a brincadeira é a atividade na qual

ocorrem as mais importantes mudanças no desenvolvimento psíquico da criança, e por meio

da qual se desenvolvem processos psíquicos que preparam o caminho da transição da criança

para um novo e mais elevado nível de desenvolvimento. Nesse sentido, os jogos e

brincadeiras são instrumentos pedagógicos muito importantes e determinantes para o

desenvolvimento da criança, pois no ato de jogar e brincar desenvolvem habilidades

necessárias para o seu processo de alfabetização e letramento.

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O brincar e o jogar são necessários à saúde física, emocional e intelectual, visto que

por meio dessas atividades, a criança desenvolve a linguagem, o pensamento, a socialização e

a autoestima. O jogo tem suas diversas formas, ele auxilia no processo de ensino-

aprendizagem, no desenvolvimento da motricidade fina e ampla, bem como no

desenvolvimento de habilidades do pensamento, como a imaginação, a interpretação, a

tomada de decisão, a criatividade; auxilia a propor hipóteses, a agir diante de novas situações.

Isso acontece quando jogamos, quando obedecemos a regras, quando vivenciamos conflitos

numa competição.

Deste modo, percebe-se a importância e responsabilidade do professor para intervir e

propiciar às crianças o seu desenvolvimento integral nas atividades lúdicas, evidenciando que

a brincadeira se constitui como uma das linguagens mais significativas e ativas das crianças,

por mobilizar capacidades intelectuais, afetivas e sociais para a sua realização. Sabe-se que a

educação escolarizada tem um papel único no desenvolvimento do indivíduo. Portanto aquilo

que a criança aprende com o adulto e com outras crianças, transforma seus modos de agir e de

pensar, e se essa interação acontece de forma divertida a ação docente e o desenvolvimento

infantil tornam-se mais efetivos.

Investigações sobre a teoria histórico cultural e a ludicidade

No decorrer deste assunto, faz-se uma análise à luz da teoria histórico cultural. Sabe-se

que Vygotsky é o principal representante dessa teoria, contudo, apoia-se em Vygotsky, bem

como em outros autores estudiosos da teoria em questão.

Conforme os pressupostos do psicólogo russo Lev Semenovich Vygotsky, a teoria

histórico cultural é também conhecida como teoria sócio histórica ou abordagem sócio-

interacionista e têm como objetivo:

Caracterizar os aspectos tipicamente humanos do comportamento e elaborar hipóteses de como essas características se formaram ao longo da história humana e de como se desenvolvem durante a vida de um indivíduo (VYGOTSKY,1984, p.21 apud REGO, 2008,p.38)

Em relação ao desenvolvimento dos aspectos tipicamente humanos, uma das

principais ideias de Vygotsky é que as características típicas do ser humano não nascem com

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ele, isto é, não são inatas, e nem resultam de pressões do ambiente externo, mas resultam da

interação dialética do homem com o meio sócio-cultural. E que a cultura é a parte constitutiva

e essencial da natureza do ser humano.

De acordo com Rego (2008) para Vygotsky há duas linhas de desenvolvimento, nas

quais seu entrelaçamento permite a constituição humana. Essas linhas de desenvolvimento são

as Funções Psicológicas Superiores, de origem sócio-cultural, e as Funções Psicológicas

Elementares, de origem biológica. Vygotsky direcionou seus estudos especialmente às

Funções Psicológicas Superiores, que constituem-se na forma de funcionamento psicológico

tipicamente humano, nas quais se pode citar: controle consciente do comportamento,

memorização ativa, lembrança voluntária, atenção voluntária, imaginação, concentração,

raciocínio abstrato, formal, ou dedutivo, capacidade de planejamento, enfim, processos

mentais que se realizam de maneira consciente. Observa-se que as Funções Psicológicas

Superiores são unicamente humanas, contudo não nascem com o indivíduo, ou seja, não são

inatas, mas acontecem por meio das relações entre os seres humanos, e destes com o meio

cultural e social, e são desenvolvidas mediante a internalização dos modos culturais de

comportamento.

Pontua Rego (2008) que as Funções Psicológicas Elementares, as quais diferem das

Funções Psicológicas Superiores, estão presentes nas crianças pequenas e animais, e

consistem em: reações automáticas, ações reflexas e associações simples. Afirma Rego (2008)

que as Funções Psicológicas Superiores acontecem por meio da interação de fatores

biológicos com fatores culturais, portanto, do indivíduo com o contexto sócio-cultural.

Para Vygotsky (1984) existem dois níveis de desenvolvimento: Nível de

Desenvolvimento Real ou Efetivo (NDR) e Nível de Desenvolvimento Potencial (NDP). O

Nível de Desenvolvimento Real ou Efetivo refere-se às conquistas já realizadas, consolidadas

pelas crianças, aquilo que já consegue fazer sozinha, sem a ajuda de outra pessoa. Ressalta

Rego (2008, p. 72) que são “aquelas funções ou capacidades que ela já aprendeu e domina,

pois já consegue utilizar sozinha, sem assistência de alguém mais experiente da cultura (pai,

mãe, professor, criança mais velha etc.)”. Este nível indica um processo de desenvolvimento

que já está organizado, na criança e que ela pode realizar de forma independente, por

exemplo, quando anda de bicicleta.

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O Nível de Desenvolvimento Potencial relaciona-se às capacidades a serem

construídas pela criança, aquilo que ela é capaz de fazer por meio da ajuda de outra pessoa,

seja uma criança mais experiente ou um adulto. Nesse nível de desenvolvimento a criança

realiza as tarefas por meio “do diálogo, da colaboração, da imitação, da experiência

compartilhada e das pistas que lhe são fornecidas” (REGO, 2008, p. 73). Como exemplo,

observa-se que uma criança talvez não consiga montar um quebra-cabeças, mas com o auxílio

de alguém pode conseguir realizar esta tarefa.

Há também dentro perspectiva histórico-cultural a Zona de Desenvolvimento

Proximal, que consiste na distância entre aquilo que a criança realiza de forma independente

(NDR), e o que ela realiza com a ajuda de outro indivíduo (NDP). A Zona de

Desenvolvimento Proximal define as funções ainda imaturas, que irão amadurecer na criança.

Nesse sentido, a atividade lúdica pode auxiliar no Nível de Desenvolvimento Potencial

e na Zona de Desenvolvimento Proximal, pois por meio da mediação, contribui

significativamente para a ampliação das funções psicológicas superiores. Devido à

comunicação dos pensamentos e sentimentos que a criança utiliza para brincar, desenvolve a

linguagem e consequentemente, novas capacidades humanas complexas que vão se

expandindo ao longo de suas interações, como a memória, a criatividade a imaginação, a

atenção voluntária, a capacidade de planejar, de formular hipóteses, de pensar abstratamente.

O brincar envolve a atividade física e mental, as emoções, as interações com outros

seres humanos e com o ambiente social e cultural. O brincar constitui-se como um importante

instrumento para o desenvolvimento da linguagem escrita na criança, visto que essa é uma

linguagem muito importante ao progresso dos processos de alfabetização e letramento.

No final da década de 20 e início dos anos 30, Vygotsky fez importantes estudos sobre

a educação e o papel que exerce no desenvolvimento humano, dedicando-se especialmente ao

estudo do desenvolvimento infantil. Visto que a interação social é fundamental a esse

processo seu interesse direcionou-se ao estudo da infância. Vale ressaltar que Vygotsky não

tinha preocupação em elaborar uma teoria do desenvolvimento da criança, entretanto, por

meio da infância, queria explicar o comportamento humano como um todo. É importante

ressaltar, que, no início da vida da criança, os fatores biológicos predominam sobre os fatores

sociais. A criança é dependente dos adultos para satisfazer suas necessidades básicas, afetivas

e para a formação de seu comportamento. Aos poucos, as interações com o grupo social e

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com a cultura possibilitam o desenvolvimento do comportamento e pensamento da criança.

Verifica-se, portanto, que o desenvolvimento dos processos psicológicos mais complexos

formam-se por meio das intervenções dos adultos e das interações do sujeito com o meio

social.

Vygotsky (1998) analisou o desenvolvimento da brincadeira nas relações sociais da

criança com o mundo adulto, bem como o caminho trilhado pela criança que leva ao

aprendizado da leitura e a escrita antes do seu ingresso na escola, e considerou o brinquedo

como uma importante fonte de promoção do desenvolvimento infantil.

O termo “brinquedo” refere-se principalmente à atividade, ao ato de brincar, mais

especialmente ao jogo de papéis ou a brincadeira de “faz de conta” (como exemplo- brincar

de polícia e ladrão, de médico, de vendinha, de casinha, etc). Esse tipo de brincadeira é

característico de crianças que aprendem a falar, e, portanto são capazes de representar por

meio de símbolos e envolver-se em situação imaginária. De acordo com Rego (2008) “a

criança passa a criar uma situação ilusória e imaginária, como forma de satisfazer seus desejos

não realizáveis” (REGO, 2008, p. 82).

O brinquedo não é o aspecto predominante da infância, mas é um fator muito

importante do desenvolvimento. Ele fornece ampla estrutura básica para mudanças da

necessidade e da consciência. A ação numa situação imaginária, a criação das intenções

voluntárias, a formação dos planos da vida real e as motivações volitivas aparecem no

brinquedo, que se constitui no mais alto nível de desenvolvimento pré-escolar.

Conforme Vygotsky (1998) por meio do brinquedo, a criança aprende a atuar numa

esfera cognitiva que depende de motivações internas. Na idade pré-escolar, ocorre uma

diferenciação entre os campos de significado e visão. O pensamento antes determinado pelos

objetos do exterior passa a ser regido pelas ideias. A criança brinca pela necessidade de agir

em relação ao mundo mais amplo dos adultos e não apenas aos objetos que tem acesso. Em

toda situação imaginária existem regras de comportamento condizentes com aquilo que está

sendo representado. E a criança, sempre se comporta além do comportamento habitual da sua

idade e além do seu comportamento diário.

É importante ressaltar que no jogo a criança faz coisas que ainda não consegue realizar

no cotidiano. E, nas atividades cotidianas, a criança em idade pré-escolar age de acordo com o

meio, os objetos e as situações concretas, tendo dificuldade em controlar voluntariamente seu

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comportamento e submetê-lo a regras. Ela só submete seu comportamento a regras impostas

obedecendo a uma autoridade exterior, pais ou professor.

Mediante as ideias de Vygotsky (1998) a brincadeira tem um papel fundamental no

desenvolvimento do pensamento da criança. “Através da imitação realizada na brincadeira, a

criança internaliza regras de conduta, valores, modos de agir e pensar de seu grupo social, que

passam a orientar o seu próprio comportamento e desenvolvimento cognitivo” (REGO, 2008,

P. 113).

A criança, no dizer de Vygotsky (1998) tenta atuar não apenas sobre coisas as quais

tem acesso, mas esforça-se para agir como um adulto: quer, por exemplo, fazer comida ou

dirigir um carro. Surgem na criança as necessidades não realizáveis imediatamente e que se

tornam motivo para as brincadeiras. A brincadeira é a forma possível de satisfazer a essas

necessidades, pois possibilita à criança agir como os adultos em uma situação imaginária, na

qual, para imaginar ela precisa agir. Compreende-se, portanto, que a criança, por meio da

imitação, envolve-se em um mundo imaginário, de faz de conta, incorporando em suas

brincadeiras as ações que os adultos realizam.

Alfabetização, letramento e as contribuições da ludicidade

Rego (2008) destaca que não é apenas a linguagem falada que proporciona ao

indivíduo o desenvolvimento de funções psicológicas superiores que permitem o

relacionamento com o mundo que o cerca. O aprendizado da linguagem escrita representa

uma importante evolução no desenvolvimento do individuo. Para Rego (2008) Vygotsky

constatou nos estudos de seu tempo, que não se deve considerar a escrita como um processo

mecânico ou como apenas uma habilidade motora. Vygotsky (1984) verificou que:

Ensina-se as crianças a desenhar letras e construir palavras com elas, mas não se ensina a linguagem escrita. Enfatiza-se de tal forma a mecânica de ler o que está escrito que se acaba obscurecendo a linguagem escrita como tal (VYGOTSKY, 1984, p. 119 apud REGO, 2008, p. 68).

A respeito da “linguagem escrita” na qual menciona Vygotsky (1984) pode-se

observar que se trata de um conceito muito mais amplo no qual implica em compreender os

processos de alfabetização e letramento. Para tanto, não se detém a autores da teoria histórico

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cultural. Recorre-se às ideias e materiais, em autores que discutem especificamente sobre a

alfabetização e o letramento para que seja possível elaborar uma interpretação e interpelação

com a teoria histórico cultural.

Soares (2011) afirma que, etimologicamente, o termo alfabetização limita-se a levar à

aquisição do alfabeto, ensinar o código da língua escrita e as habilidades de ler e escrever.

Nesse sentido, a alfabetização é um processo de aquisição do código escrito, das habilidades

de leitura e escrita, é o ato de alfabetizar, ou seja, de fazer com que o indivíduo seja capaz de

ler e escrever.

A palavra letramento deriva da tradução para o português da palavra da língua inglesa

literacy, que significa o estado ou condição de quem aprende a ler e escrever. Para Soares

(2001) a pessoa que aprende a ler e escrever torna-se distinta, e adquire outra situação:

transforma-se, nos aspectos social, cultural, cognitivo, linguístico, modifica seu convívio com

a sociedade, a cultura e com o contexto no qual se insere. Ressalta ainda Soares (2001, p.18)

que “letramento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever; o

estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter

se apropriado da escrita”. É necessário frisar, que apropriar-se da escrita e aprender a ler e

escrever são conceitos diferentes. Este último consiste em apropriar-se de técnicas, enquanto

apropriar-se da escrita, requer que se assuma a escrita com propriedade.

Pontua Soares (2004) que em meados dos anos de 1980 se dá a invenção do

letramento no Brasil, que surge no discurso dos especialistas da educação e das ciências

linguísticas, distinguindo-o do fenômeno de alfabetização. A palavra letramento caracteriza o

indivíduo que sabe ler e escrever, e faz o uso frequente da leitura e escrita nas práticas sociais,

por exemplo, que consegue interpretar textos lidos, receitas, notícias de jornais e revistas, que

não possui dificuldades ao escrever uma carta. Para Soares (2001) existem vários tipos e

níveis de letramento, que para ocorrerem, dependem das necessidades, do meio social e

cultural no qual se encontra o indivíduo.

Afirma Soares (2004) que letramento são as práticas sociais de leitura e escrita, e

alfabetização é a aprendizagem do sistema de escrita. Portanto, ser alfabetizado, é diferente de

ser letrado, pois o indivíduo pode saber ler e escrever, ser alfabetizado, mas não utilizar a

leitura e escrita nas práticas sociais, ou seja, ser letrado.

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Vale ressaltar para Soares (2004) que alfabetização (apropriação do sistema de escrita)

e letramento (desenvolvimento de habilidades de uso de leitura e escrita nas práticas sociais

de leitura e escrita) são processos distintos, entretanto não são processos dissociáveis, porque

ocorrem de forma simultânea quando o analfabeto, criança ou adulto, adentram o mundo da

escrita.

Considerando o desenvolvimento dos processos de alfabetização e letramento, a

ludicidade constitui-se como importante instrumento. A criança que ainda não é alfabetizada,

“mas já folheia livros, finge lê-los, brinca de escrever, ouve histórias que lhe são lidas, está

rodeada de material escrito e percebe seu uso e função, essa criança é ainda “analfabeta”,

porque não aprendeu a ler e a escrever, mas já penetrou no mundo do letramento, já é de certa

forma, letrada” (SOARES, 2001, p. 24).

Nesse sentido, Vygotsky (1998) entende que a criança aprende uma série de

conhecimentos sobre o mundo que a cerca muito antes de entrar na escola. Entretanto, pontua

que o aprendizado escolar apresenta novos elementos ao desenvolvimento da criança. Um

aspecto essencial do aprendizado é que ele desperta vários processos internos de

desenvolvimento, capazes de operar apenas quando a criança interage em seu ambiente com

outras pessoas e em cooperação com seus companheiros. Uma vez que são internalizados

esses processos, tornam-se parte de aquisições do desenvolvimento independente da criança.

O aprendizado realizado de maneira adequada resulta no desenvolvimento mental e coloca em

movimento vários processos de desenvolvimento. Dessa forma o aprendizado é um aspecto

necessário do processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores, e, o meio

ambiente precisa desafiar, exigir e estimular o intelecto para poder se conquistar estágios mais

elevados de raciocínio.

A escrita na concepção vygotskyana é um complexo processo que se inicia pela

criança muito antes da primeira vez que pega um lápis na mão e aprende como formar as

letras. Pontua Rego (2008, p. 69) que “o aprendizado da linguagem escrita envolve a

elaboração de todo um sistema de representação simbólica da realidade”. Por esse motivo os

gestos, o desenho, e o brinquedo são atividades simbólicas que “contribuem para o

desenvolvimento da representação simbólica (onde signos representam significados, e,

consequentemente, para o processo de aquisição da linguagem escrita)” (REGO, 2008, p.69).

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Para Vygotsky (1984, p. 119) “o gesto é o signo visual inicial que contém a futura

escrita da criança”. Destaca o autor que os gestos são a escrita no ar, e os signos escritos são

os gestos fixados. Observa-se que para Vygotsky (1984) é por meio dos gestos que a criança

desenvolverá a escrita. E os domínios que unem os gestos e a linguagem escrita são os

desenhos e os jogos. No ato de rabiscar e desenhar, as crianças dramatizam por meio de

gestos. Pode-se exemplificar mediante afirmações de Vygotsky (1984) que a criança ao

desenhar o ato de correr, ao pegar no lápis realiza traços e pontos, gesticulando este ato com

as mãos ao mesmo tempo,

De acordo com Vygotsky (1984) os gestos também ligam-se à escrita por meio dos

jogos das crianças. Os gestos das crianças dão significado aos objetos. As crianças podem

brincar com quaisquer objetos, aos quais são dados o nome de símbolos ou signos, e dar a eles

um significado para o que querem representar. Dessa forma desenvolvem um simbolismo no

brinquedo. Os objetos nos quais a criança brinca podem ser substituídos, sem ter necessária

semelhança um com o outro e adquirir diferente significado. Por exemplo, a criança pode

pegar a tampa de uma panela e brincar como se fosse o volante de um carro, colocando em

prática os gestos do ato de dirigir; ou colocar um cabo de vassoura entre as pernas para

representar um cavalo.

Observa-se, que com os avanços da idade da criança, os gestos diminuem nas

brincadeiras e gradualmente a fala predomina. A compreensão da linguagem escrita se dá por

meio da linguagem falada, e posteriormente se reduz e desaparece como elo intermediário.

Para Vygotsky (1984) os gestos são a primeira representação do significado, e mais tarde, a

representação gráfica começa a designar os objetos.

Vygotsky (1984, p. 125) “considera a brincadeira do faz-de-conta como um dos

grandes contribuidores para o desenvolvimento da linguagem escrita”. A ludicidade é uma

importante ferramenta para a prática pedagógica, pois estimula os gestos, os desenhos, a

representação simbólica no brinquedo, a fim de que as crianças desenvolvam a linguagem

escrita. Nesse sentido o educador deve promover brincadeiras, proporcionar a organização do

tempo e do espaço e os utensílios para incrementar as brincadeiras, bem como sugerir a

construção de casinhas, cabanas, castelos e etc. E pode também disponibilizar materiais

recicláveis de diversas cores e formas, de modo que as crianças fantasiem diversas situações.

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Considerações finais

Este estudo permitiu algumas reflexões acerca da importância que exerce a ludicidade

aos processos de alfabetização e letramento, sob o olhar histórico cultural. Com base nas

ideias expostas retoma-se alguns aspectos do presente texto.

Para a teoria histórico cultural há duas linhas de desenvolvimento que permitem a

constituição humana quando se entrelaçam. São as Funções Psicológicas Elementares, e as

Funções Psicológicas Superiores. A teoria histórico cultural objetiva fundamentalmente

explicar como se desenvolvem as Funções Psicológicas Superiores no sujeito. E para que

essas funções se desenvolvam é preciso que o homem estabeleça relações com outros homens

e com o meio social e cultural.

De acordo com a teoria de Vygotsky, o brinquedo simbólico das crianças é uma

preciosa fonte, que proporciona o desenvolvimento das funções psicológicas superiores e a

aquisição da linguagem escrita. Linguagem essa que constitui-se por meio dos gestos, dos

desenhos e dos brinquedos de faz de conta, que permitem a representação simbólica da

realidade. Observa-se, que o brinquedo simbólico das crianças é fundamental aos processos

de alfabetização e letramento, pois por meio do faz de conta, dos desenhos e gestos, a criança,

a seu tempo, se insere no mundo do letramento e descobre que pode escrever as palavras.

Observa-se também que a alfabetização é a aprendizagem do sistema de escrita e o

letramento são as práticas sociais de leitura e escrita. A criança, mesmo sem estar

alfabetizada, pode de certa forma ser letrada, quando, por exemplo, brinca de folhear livros e

de escrever, pois percebe a função da escrita.

Constata-se que o professor desempenha função de extrema importância no contexto

escolar, pois é o mediador, o possibilitador das interações entre os alunos, e das crianças com

os objetos de conhecimento, e deve organizar o complexo processo de transição de um tipo de

linguagem escrita para outro. Na abordagem de Vygotsky, o professor não exerce papel único

na formação dos adultos, mas as interações estabelecidas entre as crianças ganha importância

fundamental ao desenvolvimento cognitivo e intelectual.

A escrita na concepção vygotskyana é um complexo processo que se inicia pela

criança muito antes da primeira vez que pega um lápis na mão e aprende como formar as

letras. Portanto, o trabalho do professor é de suma importância, e tamanha é sua

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responsabilidade para proporcionar o desenvolvimento integral das crianças nas atividades

lúdicas. O professor deve promover brincadeiras, contar histórias, proporcionar a organização

do tempo e do espaço e os utensílios para incrementar as brincadeiras, de modo que as

crianças possam fantasiar as mais diversas situações. Deste modo o professor contribuirá para

o desenvolvimento da linguagem escrita na criança, e consequentemente para a alfabetização

e o letramento.

O fornecimento de informações aos alunos é muito importante, e, muito necessária é a

promoção de situações que incentivem a curiosidade das crianças, que permitam a troca de

informações entre os alunos e possibilitem o aprendizado das fontes de acesso ao

conhecimento. Por fim, é fundamental a atuação do educador para que as brincadeiras infantis

tenham lugar no cotidiano escolar e sejam reconhecidas como uma importante ferramenta de

aprendizagem e desenvolvimento da criança.

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