A IMPORTÂNCIA DOS ESTUDOS CLIMÁTICOS PARA A HISTÓRIA AMBIENTAL

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História Ambiental em suas múltiplas abordagens A IMPORTÂNCIA DOS ESTUDOS CLIMÁTICOS PARA A HISTÓRIA AMBIENTAL Patrícia Pinheiro de Melo Resumo Um breve histórico sobre a construção da História Ambiental como disciplina é introdução para uma análise sobre a contribuição dos estudos climáticos no mundo e para o atual estado do desenvolvimento de pesquisas sobre o mesmo tema no Brasil. Apresenta-se o estudo do clima, a partir de uma perspectiva histórica interdisciplinar, como fundamental para a compreensão das questões ambientais de forma mais ampla. O artigo traz, ainda, uma proposta de pesquisa no campo da história climática para a região Nordeste do Brasil com base em dados históricos, arqueológicos, climatológicos e em dados de outras disciplinas afins. Palavras-chave: História; clima; ambiente; natureza; Europa; América; Brasil; Nordeste. Abstract A brief history of the construction of environmental history as a discipline introduces analysis of the contribution of climate studies in the world and the development of research on this topic in Brazil. e study of weather, from an interdisciplinary historical perspective, is central to the understanding of environmental issues more broadly. e article also presents a research proposal in the field of climate history for northeastern Brazil based on historical, archaeological, climatological data and other related disciplines. Keywords: History; climate; environment; nature; Europe; America; Brazil; Northeast.

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História Ambiental em suas múltiplas abordagens

A IMPORTÂNCIADOS ESTUDOS CLIMÁTICOSPARA A HISTÓRIA AMBIENTAL

Patrícia Pinheiro de Melo

Resumo

Um breve histórico sobre a construção da História Ambiental como disciplina é introdução para uma análise sobre a contribuição dos estudos climáticos no mundo e para o atual estado do desenvolvimento de pesquisas sobre o mesmo tema no Brasil. Apresenta-se o estudo do clima, a partir de uma perspectiva histórica interdisciplinar, como fundamental para a compreensão das questões ambientais de forma mais ampla. O artigo traz, ainda, uma proposta de pesquisa no campo da história climática para a região Nordeste do Brasil com base em dados históricos, arqueológicos, climatológicos e em dados de outras disciplinas afins.

Palavras-chave: História; clima; ambiente; natureza; Europa; América; Brasil; Nordeste.

Abstract

A brief history of the construction of environmental history as a discipline introduces analysis of the contribution of climate studies in the world and the development of research on this topic in Brazil. The study of weather, from an interdisciplinary historical perspective, is central to the understanding of environmental issues more broadly. The article also presents a research proposal in the field of climate history for northeastern Brazil based on historical, archaeological, climatological data and other related disciplines.

Keywords: History; climate; environment; nature; Europe; America; Brazil; Northeast.

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XVI. A Importância dos Estudos Climáticos para a História Ambiental

Introdução

Sendo a história natural1 parte inseparável da história humana desde que as condições naturais da vida no planeta e suas alterações influenciaram o curso da história dos homens, considera-se aqui que a natureza e suas mudanças são condicionantes externos aos processos econômicos, políticos e sociais, e fundamentais para a análise dos acontecimentos históricos.

A perspectiva da influência antrópica sobre o meio é, por outro lado, parte integrante dessa dinâmica na medida em que a História Ambiental trata do papel e do lugar da natureza na vida humana2. A consideração da abordagem ambiental, e climatológica por excelência, pode trazer novos esquemas explicativos para os estudos históricos.

A noção de que o clima foi responsável pelos principais acontecimentos da história da humanidade foi desacreditada há quase um século, como reação às vertentes do determinismo ecológico. Mas não se pode negar que o clima é um importante coadjuvante do processo histórico e em alguns casos decisivo. Eventos climáticos extremos ou prolongados impactaram civilizações inteiras, como a megasseca que arrasou a cultura Anasazi entre 800 e 1300 a.d em Sierra Nevada, na América do Norte, e os invernos rigorosos que decidiram a sorte de importantes exércitos na Europa.

As determinações da natureza produzem um duplo efeito sobre as sociedades. Primeiro por meio dos eventos cotidianos, em termos de oscilações de temperatura, de precipitações, entre outros, e das condições imediatas que esses eventos trazem; segundo, mediante tendências e oscilações que se prolongam por décadas, séculos e milênios. Estas representam forças que influenciam e interferem no desenvolvimento econômico, social e político que podem se manifestar, por sua vez, como

1 Refiro-me à História da Terra e à evolução das condições ambientais – Refência às Geo-Ciências.2 WORSTER, Donald. ‘‘Para Fazer História Ambiental’’. In: Estudos Históricos, RJ, Vol. 4, nº 8, 1991, p. 201.

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pressão sobre o ambiente, num movimento de feed back. O fato é que os eventos climáticos limitam as nossas possibilidades, mesmo quando tentamos negar sua importância.

Num momento em que o aquecimento global tornou-se um dos assuntos mais discutidos em todas as esferas da sociedade, uma visão ambiental retrospectiva da História se faz necessária para analisar a influência recíproca entre a história da terra e a dos homens, com suas consequências ecológicas, econômicas, políticas e socioculturais.

Construção e fundamentos da história ambiental

Os estudos que passaram a incluir a temática ambiental foram inaugurados na França e, principalmente, nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, a História Ambiental se inspirou principalmente em autores como Frederick J. Turner3 e Walter Prescott4, entre outros, cujo tema sobre a fronteira influenciou estudiosos como Roderick Nesh5 e Samuel Hays6. Na França, a Escola dos Annales funcionou como o centro impulsionador da temática desde os anos de 1920 e 1930 com os trabalhos de Marc Bloch7, Lucien Febvre8 e Fernand Braudel9. Nos anos 60 e 70, a obra fundamental de Emmanuel Le Roy Ladurie10 revigorou os estudos nesse campo com interesses mais específicos em torno da história do clima.

3 TURNER, Frederick. O espírito ocidental contra a natureza: mitos, história e as terras selvagens. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1990, p. 309.4 WEBB, Walter Prescott. Great Plains: A Study in Institutions and Environment. Blaisdell Publishing Company, 1959. The Great Frontier. Ed. University of Texas, 462 p. 1964.5 NESH, Roderick. The Rights of Nature: A History of Environmental Ethics. University of California, Santa Barbara, 1989.6 HAYS, Samuel P. Conservation and the gospel of efficiency: the progressive conservation movement, 1890-1920. New York: Atheneum, 1975.7 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o Ofício do Historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.8 FEBVRE, Lucien. Combates pela História. Lisboa: Editorial Presença, 1989.9 BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 1996.10 LE ROY LADURIE, Emmanuel. Histoire du climat depuis l’an mil. 5 vol., Paris: Flammarion, París, 2009.

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XVI. A Importância dos Estudos Climáticos para a História Ambiental

Fernand Braudel chamou a atenção para a necessidade de se fazer uma história mais ampla, que incluísse não apenas a sucessão dos fatos das vidas humanas, mas que tratasse o humano numa escala mais abrangente e considerasse a natureza no seu sentido mais amplo em que as mudanças são lentas, constantes e recorrentes. Nesse sentido, a observação histórica exige que se estude o homem em seu contexto total, cuja análise só pode ter coerência num processo de longa, ou longuíssima duração. Para Braudel, as fontes dessa história encontram-se nos mais diversos materiais e eventos dispostos ao longo da existência do homem sobre o planeta. Na mesma direção, Le Roy Ladurie considera que esses materiais incluem dados sobre marés, ventos, forças geológicas e hidrológicas, clima e metereologia, já que, em grande medida, eles possibilitam colheitas boas ou más, impulsionam os preços dos produtos, condicionam epidemias e contribuem para o aumento ou diminuição da população desde o período que se convencionou chamar, erroneamente, Pré-histórico.

Autores como Frederick J. Turner, Marc Bloch, Lucien Febvre e Fernand Braudel representam, na historiografia européia e norte-americana do final do século XIX e primeira metade do século XX, as bases do que viria a ser a História Ambiental – que desponta como disciplina somente a partir da segunda metade do século passado. Embora autores europeus, como Keith Thomas11 e Emmanuel Le Roy Ladurie, tenham desenvolvido valiosos estudos sobre a temática ambiental, foram os historiadores norte-americanos que trataram sistematicamente o tema como disciplina desde a década de 1970. Alice Ingold, no entanto, contesta o que chama de ‘apropriação’ da História Ambiental pelos estudiosos norte-americanos e faz uma severa crítica sobre a idéia de ineditismo que cerca o tema hoje12. 11 THOMAS, Keith. O Homem e o Mundo Natural: mudanças de atitudes em relação ás plantas e aos animais (1500-1800). São Paulo: Cia das Letras, 2010.12 INGOLD, Alice, no artigo intitulado ‘‘Écrire la nature: de l’histoire sociale à la question environnementale?’’, In: Annales: Histoire, Sciences Sociales, janvier-mars, 2011, pp. 11-29. Número dedicado às discussões sobre as ciências sociais e o meio ambiente, sob a organização de COLIN, Armand.

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Na América Latina os estudos ambientais estão se consolidando e os temas das pesquisas que aparecem nos Anais do I Simpósio da Sociedade Latino-Americana e Caribenha de História Ambiental – SOLCHA – são muito diversos, abrangendo os vastos campos de interesse relativos à área de investigação da História Ambiental como: mudanças nas paisagens; história do lixo nas grandes cidades;  dimensões ambientais do colonialismo europeu; saúde e doença; práticas de educação ambiental; manejo e uso do solo e conservação ambiental em terras indígenas;  indústria madeireira e silvicultura;  escassez e contaminação da água; migração intercontinental de espécies animais e vegetais; armas químicas, desertificação; iniciativas transnacionais de proteção ambiental; criação intensiva e extensiva de animais; plantio de cana e produção de derivados; relações de trabalho na grande lavoura monocultora, entre tantos outros temas.

A preocupação em sistematizar a pesquisa na área e estabelecer métodos para a sua aplicabilidade específica na história latino-americana tem recebido contribuições indispensáveis como a do chileno Guillermo Castro Herrera13, que trabalha com a relação entre o modelo econômico adotado nesta parte do globo e o que ele chama de pilhagem da economia. Para ele, a história ambiental que se faz aqui deve buscar uma ‘via latino-americana’ a partir das bases sólidas da história regional e de suas peculiaridades. Além de Herrera, James O’Connor14, Joan Martínez Alier15 e Pedro Cunnil16 são autores relacionados à Teoria da Dependência, que receberam influência de historiadores do Atlântico Norte. Um trabalho fundamental dentro dessa mesma abordagem é ´Holocaustos Coloniais’, onde

13 HERRERA, G. Castro. ‘‘História Ambiental (feita) na América Latina’’. In: Varia História, UFMG, nº 26, 2002.14 O’CONNOR, J. ‘‘What is environmental history? Why environmental history?’’ In: Capitalism, Nature, Society. Vol. 8, n. 2, 1997.15 ALIER, Joan Martínez. La Economía y La Ecología. México: Fondo de Cultura Económico, 1991.16 CUNNIL, Pedro G. Visión de Chile. Lima: Editorial Universitária, 2009.

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o historiador Mike Davis relaciona fenômenos meteorológicos, ambientais e históricos para produzir um retrato do que chama ‘a maligna interação entre os processos climáticos e econômicos’17.

A SOLCHA, criada em 2004, reflete o crescente interesse dos historiadores e profissionais de áreas afins pelo estudo do ambiente na América Latina, onde algumas pesquisas no campo das variações climáticas estão em curso. Em Cuba, uma investigação dirigida por Jesús M. Pajón Morejón18 sobre o período relacionado à pequena idade do gelo, entre os séculos XVII e XIX, reconstituiu tendências seriadas de precipitações e de temperaturas que demonstraram um clima mais frio e seco há 400 anos, com tendência de aquecimento a partir de meados do século XIX acompanhado de precipitações variáveis e extremas, todas elas incidindo sobre a economia e as sociedades locais.

Segundo Donald Worster19, no contexto da história ambiental, a natureza deve ser entendida como mais um agente da história. Por isso a História tem, necessariamente, que levá-la em conta como um sujeito ativo, já que tem a capacidade de condicionar significativamente a sociedade.

Um problema de se pensar a História Ambiental desta forma é sua amplitude. O próprio Worster diz que

mesmo se delimitarmos uma parte da totalidade e a chamarmos de ambiente, ainda assim ficaremos com a trabalheira inadministrável de tentar escrever a história de quase tudo”, mas, “infelizmente, não existe mais nenhuma outra alternativa diante de nós.20

A própria interdisciplinaridade, que caracteriza a matéria, ao mesmo tempo em que é uma das chaves para a resolução do problema

17 DAVIS, Mike. Holocaustos Coloniais. Rio de Janeiro: Record, 2002, p. 73.18 MOREJÓN. Jesús M. Pajón. Veinte mil años de cambios climáticos. Havana: Instituto de Investigaciones de Cuba, 2002.19 WORSTER, Donald. ‘‘Para Fazer História Ambiental’’. Op. cit.20 Idem.

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com todos os aportes das disciplinas envolvidas, amplia ainda mais o universo a ser investigado. Mas essas disciplinas cooperativas são fundamentais para ‘ecologizar’ a visão historicista sobre o ambiente. A partir daí, uma História do clima, leva necessariamente à inclusão de questões mais amplas sobre o ambiente, já que o fenômeno climático incide sobre todos os aspectos ambientais, desde os bióticos até os socioculturais.

Além disso, como nos indica o próprio Worster, uma visão sistemática da história das relações homem/natureza deve considerar três grandes períodos: o da biocenose21, quando o homem encontrava-se integrado e mais diretamente dependente dos ecossistemas; o da primeira revolução tecnológica, momento em que o homem passou a dispor de uma série de meios para manipular a natureza, - desde aproximadamente 10 mil anos até os tempos atuais, com o desenvolvimento das tecnologias modernas; e o período que corresponde à tomada de consciência dos problemas ambientais no século XX22.

21 O termo “biocenose” (do grego bios, vida, e koinos, comum) foi criado pelo zoólogo alemão Karl August Mobius em 1877, para ressaltar a relação de vida em comum dos seres que habitam determinada região. A rigor, desde que o homem passou a produzir ferramentas em série e a manipular biomas naturais a fim de produzir mais que o necessário para a vida diária, há uma natureza socialmente mediada pela produção de bens materiais, distinta da natureza preexistente e sem interferência a ser considerada.22 Essa concepção sobre os estudos ambientais é derivada da idéia de Donald Worster, que concebe o processo histórico como a interação de três dimensões básicas da realidade: natureza, o uso dela pelo homem através de estruturas políticas e sociais, e a cultura, entendidos como sistemas de valores e modos de percepção, com importantes implicações éticas em relação ao comportamento social para com o mundo natural. Each of these dimensions has its own legitimacy, but none of them is really understandable without the other two, and environmental history’s field came to be defined at the point where they interact. Cada uma dessas dimensões tem a sua própria legitimidade, mas nenhuma delas é realmente compreensível sem as demais, onde o campo da história ambiental passou a ser definido como o ponto onde elas interagem.

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Bases para os estudos climáticos no contexto dahistória ambiental no Brasil

Vários estudos têm sido desenvolvidos sobre a interação entre o clima e a dinâmica das sociedades humanas. A maioria desses estudos, de perfil interdisciplinar, diz respeito à história do Velho Mundo. Um dos estudos mais complexos a respeito foi realizado por Hubert Lamb23 que escreveu sobre o período de 800 a 1200 anos a.p. Lamb montou um quebra-cabeças com peças históricas e climáticas, resultando na história de cinco séculos de clima relativamente ameno, que propiciou boas colheitas para a Europa. O efeito desses séculos mais quentes foi positivo para as sociedades européias que, em decorrência, assistiram ao florescimento cultural do que hoje conhecemos como Alta Idade Média.

Esse momento de aquecimento europeu, conhecido como Período de Aquecimento Medieval, deu lugar a cinco ou seis séculos – aproximadamente do século XV ao XIX – de clima altamente inconstante e de condições de temperaturas mais baixas, conhecidos como a Pequena Idade do gelo. Durante essa época houve escassez e tempestades, assim como invernos excepcionalmente frios24.

Segundo Brain Fagan25, o período de aquecimento, assim como o de resfriamento, não ocorreu da mesma forma em todas as partes do mundo. As temperaturas mais elevadas e as decorrentes mudanças nos padrões de chuvas se espalharam pelo globo, trazendo tanto oportunidades como catástrofes. No Pacífico oriental, por exemplo, no mesmo período – de 800 a 1200 – houve frio e seca. Ocorreram mudanças súbitas, que provocaram aridez em várias partes do planeta, como em regiões da Ásia, e da América Central e do Norte. Esses efeitos irradiados diferentemente nas diversas regiões do planeta sugerem a necessidade de estudos regionais que contemplem os aspectos históricos em associação com as variações climáticas locais.

23 LAMB, Hubert. Climate History and the Modern World.Londres: Methuen, 1982.24 FAGAN, Brian. A Influência do Clima no Apogeu e Declínio das Civilizações. São Paulo: Larousse, 2008.25 Idem.

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O clima é um dos principais elementos formadores do ambiente terrestre. Os debates sobre a relação entre a história e o ambiente têm, nos últimos anos, enfatizado a importância do clima na formação e na dinâmica das sociedades, atuando de forma positiva ou negativa em diversas situações e contextos da sociedade humana, possibilitando tanto o desenvolvimento quanto a crise e o colapso. Percebem-se nestas situações relacionadas ao clima - sejam elas alterações de longa, média ou curta duração, ou eventos catastróficos - diferentes modos em que as sociedades lidam com esses eventos, resultando na criação de alternativas de adaptação ao meio ou no surgimento de fluxos migratórios26.

Foram os historiadores norte-americanos os que mais influenciaram os estudos ambientais no Brasil, como Richard White27, Donald Worster e Alfred W. Crosby28. Sintomaticamente, um autor da mesma escola destes últimos e um dos fundadores da História Ambiental, John R. MacNeill29, não tem sido contemplado entre os estudiosos brasileiros, já que a maior parte da sua produção está voltada para a história do clima, tema pouco explorado no âmbito dos estudos ambientais no Brasil.

No Brasil, se não podemos falar propriamente da existência de pais fundadores de uma História Ambiental, podemos apontar alguns estudos de diversas áreas que podem contribuir para a construção das bases para uma História Ambiental em curso. Especificamente para o caso do Nordeste brasileiro, alguns historiadores também trazem questões inaugurais sobre o tema desde o final do século XIX. Muito embora não possam ser classificados exatamente como estudiosos da História Ambiental, autores como Capistrano de Abreu, José Honório

26 Emmanuel Le Roy Ladurie (Histoire du climat depuis l’an mil, 2009 – Tomo I) adverte-nos para o fato de que questões de aumento ou declínio demográfico, migrações e sazonalidade ocorrem devido a fatores múltiplos e complexos. 27 WHITE, Richard. ‘‘American environmental history: the development of a new historical field’’. In: Pacific Historical Review, 54, 1985. 28 CROSBY, Alfred W. Imperialismo Ecológico: a expansão biológica da Europa, 900 - 1900. São Paulo: Cia das Letras, 1993. 29 McNEILL, John. R. Algo Nuevo Bajo El Sol. Madri: Alianza Editorial, 2007.

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Rodrigues, Sérgio Buarque de Hollanda, Caio Prado Júnior e Oliveira Vianna introduziram em suas análises preocupações acerca do ambiente – como elemento indispensável no contexto da discussão historiográfica. Esses autores refletiram, inclusive, sobre a posição secundária da natureza, ou mesmo sobre a inexistência de uma primeira natureza30, nos estudos históricos, como aponta Oliveira Vianna:

Duas coisas, realmente, não aparecem nas obras dos nossos velhos historiadores senão furtivamente e a medo, duas coisas sem as quais a história se torna defectiva e parcial. A primeira é o povo, a massa humana sobre que atuam os criadores aparentes da história: vice-reis, governadores gerais, tenentes-generais, funcionários de graduação, diretamente despachados da metrópole. A segunda é o meio cósmico, o ambiente físico em que todos se movem, o povo e os seus dirigentes, e onde um e outros haurem o ar que respiram e o alento que lhes nutre as células, e que age como o seu relevo, a sua estrutura, o seu subsolo, a sua hidrografia, a sua flora, a sua fauna, o seu clima, as suas correntes atmosféricas e as suas intempéries. Tudo isto influi, tudo isto atua, tudo isto determina as ações dos homens na vida cotidiana – e, entretanto, nada disto parece se refletir na explicação da nossa gente31.

Estudiosos de áreas afins como a Geografia, principalmente os trabalhos de Nacib Aziz Ab’Saber32, Josué de Castro33 e Manuel Correia de Andrade34, fornecem muitas das bases para a compreensão sobre os aspectos orgânicos e inorgânicos da natureza, assim como sobre

30 O termo está sendo utilizado no mesmo sentido do pensamento de WORSTER, Donald. ‘‘Para Fazer História Ambiental’’. Op. cit., segundo o qual a segunda natureza corresponde ao ambiente construído e fabricado pelo homem, existindo, assim, segundo este raciocínio, uma primeira natureza que corresponde ao ambiente não criado pelo homem. 31 VIANNA, F. J. Oliveira. Evolução do povo brasileiro. 4ª edição, Rio de Janeiro: José Olympio. 1956, p. 48.32 AB’SABER, Aziz Nacib. ‘‘Paleo-climas Quaternários e Pré-história da América tropical’’. In: DÉDALO, pub. Avulsa, São Paulo: USP, 1989.33 CASTRO, Josué Apolônio de. Geografia da Fome. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 5ª Ed, 2005.34 ANDRADE, Manuel Correia. O Distrito Industrial e suas Condições Climáticas. Recife: Ed. Universitária – UFPE, 2002.

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o domínio socioeconômico que interage com o ambiente. Por sua vez, a Sociologia de Gilberto Freyre, nos advertia já em 1937 que:

Em relação às Ciências Biológicas: “Dado o dinamismo cultural e social do homem frente à natureza, não se poderia limitar ao estudo do meio físico, clima etc...pois com relação aos animais, aos vegetais, à natureza infra-humana, o cientista que for puro zoólogo ou puro botânico não tem senão que descrever-lhes o comportamento e a composição ou as formas; medir-lhes os volumes.”Em relação às Ciências Humanas: “Com os seres humanos, o cientista entra em relação de ‘compreensão’ com os objetos de estudo que são antes seres ‘compreensíveis’ que ‘mensuráveis’. A discriminação estabelecida por Richert e desenvolvida por Max Weber aproveita ao ecologista humano, cuja função não é só descrever e medir regiões históricas, mas tentar compreendê-las, dado o que há nelas de efeito ou criação de influências humanas, isto é, históricas e de cultura, limitadas, é claro, pelas condições regionais de clima, de solo, de vegetação, de topografia, de vida animal.” 35

No Brasil, a Rede Brasileira de História Ambiental – RBHA36, procura difundir a História Ambiental brasileira congregando pesquisas e conteúdos sobre o tema. Historiadores como José Augusto Pádua37, Regina Horta Duarte38 e José Augusto Drummond39, são membros dessa entidade associada à SOLCHA. Em setembro de 2010, no primeiro Encontro Nacional de História Ambiental – em Santa Catarina - pela primeira vez no Brasil, foi apresentado um projeto, ainda em fase inicial, sobre a História Climática da região Sul40.35 FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da influencia da cana sobre a vida e a paisagem do nordeste do Brasil. Rio de Janeiro, Record, 1989, p. 56.36 Entidade recentemente criada pelo engenheiro agrônomo Alessandro Casagrande, está formada por autores acadêmicos de várias áreas, todas relacionadas às questões ambientais. http://www.historiaambiental.org/ 37 PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista, 1786-1888. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2002. 38 DUARTE, Regina. H. História & Natureza. Belo Horizonte: Autêntica, 200539 DRUMMOND, J. A. ‘‘A História Ambiental e o choque das civilizações’’. In: Ambiente e Sociedade. Ano III, n. 5, 2ª Semestre, 1999.40 Rede Brasileira de História Ambiental, disponível em http://www.historiaambiental.org/

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Entre 2003 e 2007 foram publicados três volumes da Enciclopédia da História Mundial do Meio Ambiente41, editada nos Estados Unidos e coordenada por J. McNeill. Mas ela não traz nenhum dado sobre a história do clima na América Latina, simplesmente porque à época não havia, e ainda hoje não há, nenhuma pesquisa a respeito em fase de conclusão, mesmo que parcial, nesta parte do mundo e, portanto, nenhuma síntese a ser incluída na coletânea de pesquisas.

Apesar dos progressos na área da História Ambiental, as pesquisas no Brasil dedicadas ao estudo das relações homem/clima são praticamente inexistentes. A América Latina e especialmente o Brasil, não dispõem de um quadro de pesquisas sobre a história climática que auxilie a elaboração de uma síntese sobre a questão, já que não existem estudos com os quais se possam montar, sequer, sínteses regionais. Frente à inexistência de trabalhos na área, a compreensão da história sob a perspectiva do clima no Brasil – e na América Latina em geral - se encontra numa posição difícil, apesar da disponibilidade de dados e informações na área da Climatologia.

Quando observamos os grandes processos da natureza, 800 ou 500 anos são intervalos de tempo muito curtos. No eixo de tempo dos cinco séculos da história do Brasil, os últimos 50 anos de mudanças climáticas significativas, talvez representem – como a série de invernos rigorosos do século XVI da Europa –, um desvio sem importância na análise de um processo mais longo. Entretanto, fenômenos climáticos de pequena duração podem representar eventos históricos marcantes, como o ciclo de secas que marcaram o século XIX nas áreas tropicais e que mataram, pelo menos, 20 milhões de agricultores.

Apesar de eventos extremos terem tido efeitos dramáticos sobre a História, a influência contínua e sutil do clima sobre as sociedades humanas pode promover transformações mais decisivas. Não é, então,

index.php. I Internacional de História Ambiental e Migrações - Simposío Temático: “O Clima e suas Implicações na História” disponível em http://www.labimha.ufsc.br/simposio/#stema 41 Título original: Encyclopedia of World Environmental History - JR McNeill, Ed. New York: Routledge, 2004.

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o impacto imediato de uma abrupta mudança como uma grande seca, um longo período de inundações, ou um El Niño que provocam mudanças políticas ou sociais. Mas as consequências que se espalham pelas sociedades em decorrência desses eventos, fazem a diferença, pois surgem, pouco a pouco, novas estratégias para armazenamento da água; para o plantio de cereais mais resistentes à seca e; o desenvolvimento de novas instituições como as sociedades secretas, que recolhiam informações para prever as chuvas, por exemplo, há 3 mil anos na África saariana42.

Uma das consequências de longo prazo dessas mudanças no clima foi o aumento do intercâmbio entre sociedades radicalmente diferentes e separadas por grandes distâncias. Enquanto a Europa florescia com seus verões quentes durante o chamado Aquecimento Medieval, boa parte das sociedades de outras regiões do planeta sofria com invernos rigorosos ou com secas prolongadas. Da América do norte à América do Sul, passando pelo Pacífico até a China e a África, várias sociedades viveram longos períodos de aridez severa e de fome. A Arqueologia e a Climatologia têm demonstrado que a seca foi uma assassina silenciosa naqueles tempos. Uma realidade que desafiou o engenho humano até o limite. Todos esses acontecimentos não são acasos históricos, nem o são o avanço dos germânicos sobre a Europa, nem a expansão do Islã.

Os anos quentes do século XX, com temperaturas acima da média, podem ser o início de uma verdadeira era de calor, como o que já ocorreu desde o final da última era glacial, há aproximadamente 10 mil anos. Também podem significar algo totalmente novo, uma vez que os efeitos da ação humana têm ultrapassado as variações naturais, alterando de maneira definitiva a evolução subsequente da natureza no planeta. Atualmente, vivemos uma época climaticamente dramática: testemunhamos um aumento constante nas temperaturas globais, acompanhado por desastres como tsunamis e furacões. Neste sentido, o passado climático é instrutivo porque podemos verificar como as antigas sociedades reagiram a ele.42 Schreiber, Herman & Schreiber Georg. História e Mistérios das Sociedades Secretas. São Paulo: Ed. Gnose, 2001.

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No Nordeste do Brasil, o clima do semiárido foi estereotipado e a ele se incutiu a culpa pelos principais problemas sociais ali existentes. Ao longo da história dessa região, as elites políticas e intelectuais conduziram um discurso que escamoteou, durante muito tempo, a ausência de políticas sociais adequadas para o desenvolvimento regional. A seca e a miséria foram consideradas naturais do clima, o que levou a uma naturalização dos problemas das sociedades que se desenvolveram em interação com esse meio43. No entanto, é necessário compreender que a natureza do Semiárido44, marcada por estações climáticas pouco definidas e irregulares, apresenta momentos de seca, que podem se estender ao longo de anos, mas também de períodos de chuva bastante intensos. Por outro lado, a literatura crítica sobre as questões sociais, que aponta os interesses políticos dessa postura de naturalização dos problemas, tem procurado desnaturalizar e minimizar os efeitos dos fenômenos naturais que afetam a região.

Tanto o Nordeste tem sido considerado, todo ele, como região seca, como o bioma semiárido tem sido considerado como um espaço homogêneo, com biota pobre em espécies e em endemismos, com um ambiente estático e imutável. Entretanto, estudos botânicos e paleoclimatológicos apontam a Caatinga como rica em sociobiodiversidade e endemismos e bastante heterogênea espaço-temporalmente.

43 ALBUQUERQUE. Durval Muniz de. A Invenção do Nordeste e outras Artes, 2007; e: Preconceito contra a origem geográfica e de lugar: as fronteiras da discórdia. São Paulo: Cortez, 2007.44 Segundo especialistas, (Isa Maria Freire e Felipe Pinheiro – Relatório IBICT - Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia - 2009) - há vários ecossistemas diferentes submetidos ao clima semiárido. O sertão do Nordeste é a região semiárida mais úmida entre todas no planeta.

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Sob o clima dos trópicos: proposta de estudos para uma história climática do NE do Brasil

Sob o clima dos trópicos é uma proposta de pesquisa de caráter interdisciplinar que está sendo iniciada como parte dos estudos de História Ambiental desenvolvidos nos Cursos de Graduação e de Pós Graduação da Universidade Federal de Pernambuco. Tal proposta pretende reconstituir os efeitos climáticos sobre o espaço que hoje corresponde à região Nordeste do Brasil, e examinar o impacto exercido pelo clima sobre as sociedades humanas nessa região ao longo da História.

Longe de pensar a natureza como fator determinante, esta proposta procura entender a história em seu contexto ambiental mais amplo. Acreditamos que somente se incluirmos em nossas análises as questões relacionadas à história da terra e, principalmente, à climatologia, poderemos compreender mais claramente as razões pelas quais a História se processou da forma como a conhecemos. Por outro lado, a inclusão da abordagem ambiental, e climatológica por excelência, pode trazer novos esquemas explicativos para os estudos históricos.

Apesar da região Nordeste se encontrar sujeita a uma relativa diversidade de ambientes, a sua delimitação como unidade de investigação se justifica tanto pelas peculiaridades relativas a uma trajetória que inaugura a própria História do Brasil, quanto pela sua posição geográfica, sujeita a influências climatológicas específicas dos trópicos no contexto do atlântico sul45.

O objetivo geral da pesquisa é estudar a dinâmica climática do Nordeste brasileiro em função do processo histórico regional num contexto de longa duração – que abarcará o período anterior ao contato euro-indígena até o início do século XX – e contribuir para o desenvolvimento e consolidação da investigação na área da História Ambiental. É meta do projeto, elaborar uma síntese regional sobre uma História do Nordeste que considere a influência climática e que possa 45 JATOBÁ, Lucivânio (org). O Sistema Climático. Brochura, Recife, 2011.

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fornecer as bases regionais para somar à elaboração de uma síntese sobre a História climática continental, visando à inclusão da região nos mapas e atlas histórico-climáticos da América.

Está claro que uma proposta de pesquisa na área da história climática demanda tempo e deve ser desenvolvida ao longo de vários anos através da colaboração de diversas disciplinas, a fim de estabelecer os alicerces para a elaboração de uma síntese regional, com vistas na colaboração futura para uma síntese mais abrangente.

Bases e fontes da pesquisa proposta

As fontes para o estudo da História Climática do Nordeste encontram-se nos resultados de diversas disciplinas coadjuvantes. As principais áreas a serem consideradas para a montagem do banco dados são as disciplinas das Geo-ciências, como a Geografia, a Geologia, a Geodésia, a Paleontologia, a Climatologia e a Paleoclimatologia; as disciplinas das Ciências Biológicas, como a Botânica e a Biologia Marinha; além da Arqueologia e da Estatística, todas capitaneadas pela perspectiva da História.

A retrospectiva proposta a partir da história ambiental deverá mostrar o que as mudanças climáticas representaram para as sociedades do Nordeste do Brasil. Esse olhar pode esclarecer de que forma os períodos quentes e frios influenciaram as questões demográficas, econômicas, sociais e políticas, já que o ser humano reage às mudanças tentando adaptar-se a elas. Entretanto, tais análises só são possíveis tomando-se como base sequências seriadas de eventos climáticos que apontem tendências ao longo de décadas, ou de centenas de anos, quadro que, por sua vez, só será possível reconstituir a partir do levantamento de sequências do tempo.46

46 Tempo é o estado da atmosfera em termos de variáveis como temperatura, quantidade de nuvens, chuva e radiação num determinado momento. Clima é a acumulação dos eventos climáticos diários e sazonais durante um longo período de tempo. Clima é, portanto, a experiência acumulada do tempo.

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História Ambiental em suas múltiplas abordagens

O estudo das sequências seriadas do tempo e do clima é possível tomando como base diversas fontes que se classificam como diretas e indiretas. As fontes diretas são aquelas que fornecem informações a partir de registros diretos, sejam informações coletadas a partir da observação casual ou objetiva, sejam informações exatas tomadas com o auxílio de equipamentos especializados. Estas últimas encontram-se nos arquivos de instituições de pesquisas especializadas como o Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos - CPTEC, com arquivos que datam da segunda metade do século XIX contendo boletins de análises técnicas e de monitoramento, mapas climáticos, dados ambientais de superfície e dados anemométricos47, etc. Outras instituições que dispõem de fontes, somente a partir do século XX, são o Instituto de Pesquisas Espaciais - INPE, através do seu Sistema Nacional de Dados Ambientais, o Departamento de Geociências do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, e as Agências de Meio Ambiente estaduais.

Nas diversas categorias de arquivos históricos, como os paroquiais e os estatais, encontram-se importantes fontes diretas de interesse para esta pesquisa. Documentos manuscritos ou impressos, como cartas pessoais ou administrativas, relatórios e jornais de diferentes épocas contêm dados e informações que envolvem questões climáticas e ambientais. Questões como epidemias, mortes, abastecimento agrícola, calamidades públicas de origem natural, oscilação de preços, etc, são todos temas do nosso interesse. Os documentos do AHU, que abarcam um período de mais de três séculos, registram acontecimentos climáticos contemporâneos, abruptos ou não, ocorridos entre os séculos XVII, XVIII e início do XIX.

Outras fontes possibilitam o levantamento de informações e de dados obtidos através de métodos indiretos e, por isso, são consideradas fontes indiretas. Exemplos de suportes que fornecem informações indiretas são os testemunhos geológicos das geleiras vivas, ou extintas no caso do NE do Brasil, os materiais do fundo de lagos, rios e mares

47 Referente a técnicas de sondagem do solo e do subsolo.

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XVI. A Importância dos Estudos Climáticos para a História Ambiental

e os corais, que permitem excelentes resultados sobre as mudanças de temperatura e sobre épocas de secas, por exemplo.

A Dendrocronologia é um método de datação baseado nos anéis que se formam nos troncos das árvores, denominados anéis de crescimento. As espécies tropicais são de grande utilidade por apresentarem em cada um dos seus anéis a estação de crescimento da planta durante um ano, regulado geralmente pela disponibilidade de água, que representa uma sazonalidade ou alternância entre uma estação anual seca e uma chuvosa, diferentemente dos locais frios, onde a temperatura é que determina o crescimento. Dessa forma, é possível reconstruir quadros sobre a dinâmica climática da região estudada obtendo dados de temperatura e pluviosidade. Neste caso, em que se investiga o clima e não a antiguidade, o método chama-se Dendroclimatologia. As amostras de árvores têm o mesmo papel que as amostras de gelo estudadas na Antártica, com a diferença de que as árvores apresentam antiguidade menor que o gelo que oferece informações sobre milhões de anos.

No Brasil, esses métodos têm sido utilizados por institutos de pesquisa nas áreas de botânica e meio ambiente desde o final da década de 1990, especialmente na USP e na UFPR. A existência de espécies arbóreas de todas as regiões do Brasil na Xiloteca48 do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, assim como a existência de uma Xiloteca na Universidade Federal Rural de Pernambuco, permite o avanço das pesquisas em Dendrocronologia na região Nordeste. Para as épocas mais antigas, no caso de regiões onde não haja mais florestas originais, é possível utilizar o método através da madeira das antigas construções. O material existente em laboratórios de Arqueologia, em museus, Igrejas e no Instituto do Patrimônio Histórico – IPHAN – pode ser útil esta proposta.

48 SOUZA, Maria Helena de. Madeiras Tropicais Brasileiras, 1997. O termo ‘Xiloteca’, de origem grega, significa coleção ou arquivo de madeiras, onde se encontram classificadas tipológica e anatomicamente. Os Estados Unidos e a maioria dos países da Europa, além de alguns países latino-americanos, possuem uma Xiloteca onde se preservam amostras da flora nativa, ou pelo menos da flora mais antiga que conseguiram preservar.

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História Ambiental em suas múltiplas abordagens

As bases de dados existentes sobre as investigações dessas áreas afins, assim como as pesquisas sobre materiais vulcânicos; irradiação solar; mudanças na órbita da terra e fenômenos como as oscilações de temperatura e precipitação decorrentes da dinâmica da Zona de Convergência Intertropical e do El Niño, por exemplo, deverão ser interseccionadas, num segundo momento, com os dados da pesquisa histórica para a análise e interpretação do conjunto de todas as variáveis em questão. Mas são os mapas climatológicos existentes nos arquivos especializados que auxiliarão mais diretamente a parte prática da pesquisa.

Embora seja o NE do Brasil o espaço geográfico da pesquisa, Pernambuco é o ponto de partida da investigação. Iniciaremos o estudo pela documentação referente ao período colonial paralelamente à coleta de dados e informações mais recentes sobre as pesquisas na área da Arqueologia e de suas disciplinas correlatas. As informações arqueológicas serão privilegiadas na investigação do período pré-cabralino, seguidas pela pesquisa histórica dos documentos referentes à época colonial e pós-colonial.

Recebido em: 26/10/2011Aceito em: 22/04/2012

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História Ambiental em suas múltiplas abordagensPatrícia Pinheiro de Melo (Org.)

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