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A (in) dignidade humana e a banalidade do mal: Diálogos iniciais com o
pensamento de Hannah Arendt.
Aurora Amélia Brito de Miranda1
Resumo
Buscamos a partir do pensamento de Hannah Arendt, problematizar a categoria dignidade humana e banalidade do mal, como reflexão para pensar os direitos humanos na contemporaneidade. Embora sua reflexão seja sobre a experiência das sociedades totalitárias do século passado que Arendt reflete sobre a questão do mal, seu pensamento é atual e instigante, ao afirmar a necessidade da construção dos direitos humanos pelos homens e não simplesmente um universo de declarações e leis. Palavras–chaves: dignidade humana. Banalidade do
Mal. Direitos Humanos. Abstract We seek from the thought of Hannah Arendt, to problematize the category of human dignity and banality of evil, as a reflection to think about human rights in the contemporary world. Although his reflection is on the experience of the totalitarian societies of the last century that Arendt reflects on the question of evil, his thinking is current and instigating, affirming the need for the construction of human rights by men and not simply a universe of declarations and laws. Key-Words: human dignity. Banality of Evil. Human
Rights.
1. INTRODUÇÃO
Entendemos que pensamento de Hannah Arendt é atual e instigante,
principalmente o conceito de “banalidade do mal” de Arendt para compreender a
sociedade moderna, uma sociedade na qual a lógica do consumo, do supérfluo e do
descartável está dominando todas as relações, desde o “terrorismo islâmico contra
inocentes”, da “guerra do Iraque” e “da guerra civil ‘pela democracia’ na Síria”; dos
“crimes associados à droga” e a “internação compulsória”, a violência e o desrespeito
1 Doutora. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]
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aos pobres, a violência sistemática que é exercida por pessoas banais, da tragédia da
violência e da covardia legalizadas e banalizadas.
Suas formulações sobre a banalidade do mal perpassam todo seu
pensamento, mas neste trabalho, utilizamos principalmente Eichmann em Jerusalém:
um relato sobre a banalidade do mal (1983) e A vida do espírito: o pensar, o querer, o
julgar (1991).
Os preceitos ou as fórmulas de inspiração norte-americanas dos direitos
civis à (vida, liberdade e procura da felicidade) e francesas (igualdade perante a lei,
liberdade, proteção à propriedade e soberania nacional) podem ser inoperantes para
quem não conta com um governo para defendê-las. Esta é a maior crítica de Hannah
Arrendt direitos humanos. Os direitos humanos, assim, deixariam de persistir,
justamente porque dependentes de uma pluralidade humana organiza. A autora
questiona a abstração simbólica da agenda dos direitos humanos e nos remete a uma
herança histórica vinculada e construída para a garantia de direitos e não uma
formulação ideal de direitos inalienáveis do homem.
Dessa forma afirma que os direitos devem emanar de uma organização
política, e não de alguma lei natural, e muito menos de algum mandamento divino.
Pois ao se perder os direitos políticos, o que resultaria na impossibilidade de se poder
invocar proteção a direitos humanos. Por isso, afirmou Arendt, os sobreviventes dos
campos de concentração entenderam que “a nudez abs trata de serem unicamente
humanos era o maior risco que corriam”. Assim, os direitos humanos e suas garantias,
não são dados, mas construído a partir do resultado da ação de organização humana,
ainda que orientada para princípios de justiça. Para Arendt, não se nasce igual, torna-
se igual.
Longe de ser destrutiva, a crítica de Arendt aos direitos humanos possui
um caráter de reconstrução (LAFER, 2009). Em busca não dos fundamentos e
fórmulas, mas da garantia efetiva de que todas as pessoas humanas deveriam ter
preservadas a sua integridade física e política, sendo portadores desse modo, de uma
dignidade humana, Arendt associa a noção de dignidade herdada de Kant, á do que
ela denomina de “direito a ter direitos”. Se fosse preciso postular um fundamento seria
o de que todos os seres humanos devem ter sua dignidade preservada.
O conceito de dignidade humana em Arendt se relaciona com o conceito
de juízo, mas diferentemente das tradições modernas, a capacidade de julgar, não
deve ser colocada nas mãos de um soberano (Deus), o julgar da autora, está
diretamente relacionado com a nossa capacidade de linguagem que segundo ela, é a
nossa fonte de sustentação no mundo comum e é o que deveria nos inserir em uma
comunidade.
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A dignidade humana estaria, portanto, relacionada com a nossa
capacidade de agir em conjunto, mediante o acesso a cidadania, conforme coloca em
Origens do Totalitarismo (2009), de que os direitos humanos fossem tomados como
direitos públicos, cuja base seria a ideia de “direitos a ter direitos”, isto é, os homens
devem ser respeitados não apenas como seres biológicos, mas como cidadãos livres,
capazes de agir e julgar. Sem pertencer a uma comunidade e sem nela deter poder,
não há dignidade. Direitos humanos sem possibilidade real de participar e decidir
sobre os destinos comuns tornam se vazios, meros instrumentos propagandístico para
os governos (ARENDT, 2009).
Em a Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Kant (2008) afirma
“age de tal maneira que tomes a humanidade, tanto em tua pessoa, quanto na pessoa
de qualquer outro, sempre ao mesmo tempo como fim, nunca meramente como meio”.
É a partir dessa formulação, que o autor ressalta a categoria dignidade de todo ser
humano como fundamento para estar acima da coisa ou objeto. Ou seja, só o ser
humano possui dignidade (em função da sua racionalidade), ocupando assim um lugar
privilegiado em relação aos demais seres vivos, que possuem valor ou preço.
E, portanto, a moral, só é possível a partir da razão e do sujeito, pois neste
há a possibilidade de necessidade e universalidade, que não é possível nas coisas e
objetos que apenas representam o particular e o contingente.
Entendemos a dignidade humana fundada não apenas na autonomia,
como também na capacidade do ser racional de objetivar fins. “Ora digo eu – o
homem, e, de uma maneira geral, todo o ser racional, existe como um fim em si
mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade”. (KANT,
2008).
O imperativo categórico da humanidade como um fim, por sermos um ser
humano racional já nos garante dignidade, visto que somos fim em nós mesmos. O
pressuposto kantiano é o do valor absoluto do ser humano, o homem é fim em si
mesmo. Nessa formulação, Kant inclui todos os seres racionais, ou seja, todos os que
possuem razão e vontade.
Assim o imperativo categórico tem por base a humanidade enquanto tal,
logo é universal. Não está sujeito as contingências da vida, além disso, independe das
adversidades que se apresentam à condição humana. Mesmo que os fins sejam
incorretos, isso não priva o agente da dignidade. Por exemplo, alguém que rouba
merece e deve ser punido, mas não deixa de pertencer à humanidade, portanto,
continua possuindo dignidade.
O próprio Kant afirma em A Metafísica dos Costumes:
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Desprezar os outros (contemnere), ou seja, negar-lhes o respeito devido aos seres humanos em geral, é em todas as situações contrário ao dever, uma vez que se tratam de seres humanos [...] Contudo, não posso negar todo respeito sequer a um homem corrupto como ser humano; não posso suprimir ao menos o respeito que lhe cabe em sua qualidade como ser humano, ainda que através de seus atos ele se torne indigno desse respeito. Assim, podem haver punições infamantes que desonram a própria humanidade (tais como esquartejamento de um homem, seus despedaçamento produzido por cães ou cortar fora seus nariz e orelhas). (2008, p 306-7).
Assim, o ser humano mesmo que tenha cometido um delito deve ser
respeitado, embora não deixe de ser punido.
Dessa forma, Kant amplia o conceito de dignidade a todo ser humano.
Além disso, a validade e a inegociabilidade da dignidade garantem exata igualdade
para todos, o que impede de falarmos em diferenciação social, possuímos a mesma
dignidade independente da posição social que ocupamos. A conscientização da igual
dignidade permite que a modernidade possa refletir e efetivar a igualdade entre os
seres humanos.
Porém, os direitos humanos (ou qualquer outra garantia, a exemplo da
igualdade), segundo Hannah Arendt, ao contrário de quase tudo que afeta a existência
humana, não é um dado, mas o resultado da ação de organização humana, ainda que
orientada para princípios de justiça. Para Arendt, não se nasce igual, torna-se igual.
2. A BANALIDADE DO MAL EM ARENDT
Nos interessa aqui o conceito de banalidade do mal (Arendt) para
prosseguirmos com a discussão de direitos humanos na contemporaneidade. Arendt
segue a trilha deixada por Kant do conceito de mal radical, em sua investigação
acerca do surgimento dessa nova forma de violência e do seu alastramento e plena
realização enquanto realidade política.
A nossa reflexão a partir do conceito de banalidade do mal não se coloca a
partir do domínio despótico dos homens, conforme Origens do totalitarismo (1990),
mas num sistema em que os homens sejam supérfluos. E nesse sentido, concordo
com Souki (2006), quando afirma atualidade da ocorrência desse tipo de mal
sobreviver à queda dos estados totalitários.
Nas sociedades burocráticas modernas, os acontecimentos políticos, sociais e econômicos de toda parte conspiram, silenciosamente, com os instrumentos totalitários inventados para tornar os homens supérfluos. O modelo do cidadão das sociedades burocráticas modernas é o homem que atua sob ordens, que obedece cegamente e é incapaz de pensar por si mesmo, pois essa supremacia da obediência pressupõe a abolição da espontaneidade do pensamento. E nessa ausência de pensamento, nessa expressão humana opaca, nessa rarefação das consciências aparece a tragédia, batizada por Hannah Arendt de a banalidade do mal. (2006, p. 11).
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A questão do fenômeno da banalidade do mal é analisada a partir do livro
de Arendt, Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. Fenômeno
este que nos parece bastante atual e pertinente para pensar os direitos humanos na
atualidade, principalmente por estar ligado a uma preocupação ética.
A banalidade do mal a partir de Arendt, pera uma análise sistemática da
massificação do indivíduo desolado, que surge a partir da Revolução Industrial, e que
nessa condição de homem de massa, o indivíduo perdeu seu status político. E assim,
transformou- se em átomo anônimo entre os átomos anônimos, um homem qualquer,
sem capacidade política, sem consciência moral, sem vontade, sem julgamento e,
assim, capaz de sofrer e de fazer banalmente o mal (SOUKI, 2006).
O mal não é fruto de uma espontaneidade transbordante ou de uma busca
apaixonada, cheia de rupturas e transbordamentos dramáticos, mas aparece,
sobretudo, sob os traços de uma assustadora normalidade. A verdade desconcertante
é que não é necessária a existência de uma maldade particular para que se possa
causar um grande mal. Os crimes totalitários não foram cometidos pelos perversos,
mas pelos indivíduos privados de todo motivo particular e que são, precisamente por
essa razão, capazes de um mal infinito.
Quando Arendt apresenta a “superfluidade dos homens enquanto
homens”, como núcleo do significado do mal radical está reconhecendo a referência
kantiana para se pensar o problema do mal, a partir da dignidade humana, tendo em
vista que a banalidade do mal tem como núcleo exatamente, a experiência
contemporânea da destruição da dignidade, através da transformação do homem em
ser supérfluo.
Assim, o mal se realiza tanto para Kant, como para Arent, quando o
homem deixa de ser um fim em si mesmo, quando ele deixa de ter primazia sobre tudo
mais e torna-se um meio, um instrumento. Sua existência já não se justifica por si
mesma, mas se torna condicionada a um valor utilitário, a um valor relativo às
necessidades definidas pelas contingências históricas e políticas. Nessa relativização
de valor a vida humana se perde, também, seu significado, deixando de ser
necessária e essencial para ser inconsequente e banal e assim, o homem é destruído
em sua humanidade.
Quando o homem é destruído em sua humanidade, a ação humana,
consequentemente se degenera. A ação humana, que é essencialmente
caracterizada pela espontaneidade e pela possiblidade de sempre poder iniciar, poder
perene de começar e de fundar a novidade, é interditada em sua própria fonte: a
liberdade.
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Nesse sentido, concordo com SouKi (2006), quando afirma que em kant, o
homem tem uma essência ambígua e trágica, mas jamais demoníaca. Essa recusa da
malignidade no homem aproxima os conceitos de mal radical e de banalidade do mal.
Ao retirar-lhe o caráter demoníaco do homem, a questão do mal em Arendt, passa a
ser focada como uma questão política.
E quando a autora mostra que a banalidade do mal tem a ver com a
superfluidade dos homens enquanto homens, ela se identifica novamente com Kant,
tendo em vista que o mal radical surge exatamente, quando o homem deixa de ser
considerado como um fim em si mesmo.
Podemos dizer que o conceito de mal radical de kant abarca o de
banalidade do mal, e ainda mais, a banalidade do mal é uma característica
contemporânea do mal radical.
Chalier apud Souki (2006) apresenta três parâmetros em que se organiza
a banalidade do mal em Arend: a necessidade (existência de um sistema), a
irrealidade (códigos e convenções padronizadas) e a ausência do pensamento. O
abandono à necessidade e o afastamento da realidade se reforçam um ao outro e
preparam o caminho para o mal tão banal e tão abominável que será cometido pelos
indivíduos mais comuns. Só o pensar exige um “pare-e-pense” para resistir ao sistema
e sua ideologia.
Acreditamos que esses parâmetros podem ser muito bem utilizados na
condição de homem moderno. E que a ausência de pensamento desse homem facilita
a sua sujeição, e torna-os incapazes de resistir, por esta razão se torna tão relevante
explorar mais esta questão.
A preocupação com o pensar ou com “as atividades espirituais” em Arendt
teve origem, em duas fontes distintas, primeiro quando assistiu o julgamento de
Eichmann, em Jerusalém, pois foi a partir desse julgamento que a fez se interessar
pelo tema. Segundo a autora, foi “ a falta de pensamento, uma experiência tão comum
em nossa vida cotidiana, em que dificilmente temos tempo e muito menos desejo de
parar e pensar” que despertou seu interesse. Questões que foram formuladas em A
vida do espírito:
Será o fazer-o-mal (pecado por ação e omissão) possível não apenas na ausência de “motivos torpes (como a lei os denomina), mas de quaisquer outros motivos, na ausência de qualquer estímulo particular ao interesse ou volição? Será que a maldade –como quer que se defina esta estar “determinado a ser vilão” – não é uma condição necessária para o fazer-o-mal? Será possível que o problema do bem e do mal, o problema de nossa faculdade para distinguir o que é certo do que é errado, esteja conectado com a nossa faculdade de pensar? Seria possível que as atividades do pensamento como tal – o hábito de examinar o que quer que aconteça ou chame atenção independentemente de resultados e conteúdo específico – estivessem dentro das condições que levam os homens a se absterem de
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fazer o mal, ou mesmo que ela os “condicione” contra ele? (Arendt, 1991.p. 5 -6).
Mas também as questões morais que se originam na experiência real e se
chocam segundo Arendt (1991), despertaram seu interesse para o tema da ausência
de pensamento,
com a sabedoria de todas as épocas – não só com as várias respostas tradicionais que a “ética”, um ramo da filosofia, ofereceu para o problema do mal, mas também com as respostas muito mais amplas que a filosofia tem, prontas, para a questão menos urgente “O que é o pensar”? (Arendt, 1991 .
p ,6).
O questionamento sobre “O que é o pensar”, inquietações da autora deste
A condição humana prossegue em A vida do espírito (primeira parte). De acordo com
Souki (2006), o pensar para Arendt, significa, antes de mais nada,
Abandonar momentaneamente o terreno do senso comum, praticando, espontaneamente, a epoché, ao pôr-se diante do que aparece. Através do senso comum nós podemos confiar na imediaticidade de nossa experiência sensível, pois ele dá acesso ao real, e nosso senso do real depende inteiramente da aparência. Por seu lado, o espaço da aparência é o nosso mundo comum, ou a realidade ou o espaço político. Humanamente e politicamente, a realidade não se distingue da aparência. O pensar, que é o que permite ao espírito tomar distancia do mundo e não pode sair dele ou transcendê-lo. Para Hannah Arendt, a retirada (deliberada e sempre momentânea) do mundo e a solidão caracterizam a atividade de pensar. (2006.p, 112).
Arendt (1991) utiliza a metáfora do vento de Aristóteles para explicar a
atividade do pensar: “Os ventos são eles mesmos invisíveis, mas o que eles fazem
mostra-se a nós e, de certa maneira, sentimos quando eles se aproximam” (1991, p.
131).
A autora apresenta três semelhanças utilizadas por Sócrates do vento com
o pensamento: Primeiro, a aparente inutilidade do pensamento no sentido de que ele
não tem resultado final que sobreviva à atividade de pensar.
Segundo, o que a meditação faz é nos paralisar temporariamente, fazendo
parar qualquer coisa que estivermos fazendo para agir sobre nós.
Terceiro, mesmo com a falta de resultados e da paralisia induzida pelo
pensamento, este exerce um efeito na vida interior que é momentânea, embora
perigoso.
O pensamento nos faz ciente de outra ordem da realidade diferente
daquela que tínhamos antes de pensar, tomada da experiência sensível e de nossos
semelhantes. O pensamento desestabiliza os critérios estabelecidos, como os valores
e medidas do bem e do mal, pois dissolve tudo o que era tido como certeza. É por esta
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razão que a autora afirma: “não há pensamento perigoso, o próprio pensamento é
perigoso” (Arendt. p, 132).
Ainda de acordo com Arendt, “o pensamento acompanha a vida e é ele
mesmo a essência desmaterializada de estar vivo. Uma vida sem pensamento é
possível, mas ela fracassa em fazer desabrochar a sua própria essência – ela não é
apenas sem sentido; ela não é totalmente viva. Homens que não pensam são como
sonâmbulos” (Arendt. p, 141).
O termo “vazio de pensamento”, usado na reflexão de Arendt sobre o
mal, não se encontra em um local específico de sua obra, se apresenta com as
seguintes denominações: “ausência de pensamento”, “superficialidade” e “irreflexão”, e
se acha sempre associado à banalidade do mal. E sempre como um vazio, um
negativo, assim, o conceito não é definido por si, mas a partir do seu positivo, “o
pensar”.
Se o pensamento é uma atividade que tem seu fim em si mesmo e se a
única metáfora da nossa experiência sensorial comum que a ele se adequa é a
sensação de estar vivo, assim: “pensar e estar completamente vivo são a mesma
coisa, e isto implica que o pensamento tem sempre que começar de novo; é uma
atividade que acompanha a vida” (Arendt. p, 134).
Dessa forma o “vazio de pensamento”, é uma atividade humana pervertida.
Para Arendt, são as contingências históricas e políticas que possibilitam a experiência
humana do “vazio de pensamento”, como exemplo os sistemas totalitários e suas
ideologias.
A massa de indivíduos isolados, anônimos, sem interesses em comum não
tem poder. O totalitarismo apoia-se em massa atomizada, procurando torna-la sempre
mais atomizada e amorfa; massa de indivíduos isolados, anônimos, sem interesses
pessoais, sem poder, pois homens isolados sem interesses em comum não têm
nenhum poder. Nesse contexto, o senso comum, é uma categoria essencial para a
reflexão sobre o fato político, porque ele, ao contrário do isolamento age sobre a via
de aniquilação da esfera política. Aqui o senso comum se caracteriza como o real,
condicionando indivíduo a se relacionar com a realidade do mundo em que vive, a
dominá-la, julgá-la, a se adaptar, enfim a ser ele. Muito ao contrário do indivíduo
massificado e isolado.
Por outro lado, As ideologias exploram o desejo de escapar da realidade
que as massas têm, pois elas são desenraizadas, desorientadas, e o mundo em torno
parece-lhes incompreensível, sem sentido. Por isso o homem massificado foge da
realidade.
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Enfim, o objetivo das ideologias (totalitária) é eliminar a capacidade de
distinguir a verdade da falsidade, a realidade da ficção, ou seja, extinguir a capacidade
de pensar por si mesmo do indivíduo.
O senso comum é o que nos dar acesso ao real, e a realidade apreendida
por nossos sentidos e garantida pela segurança constante com que os outros
percebem e manipulam os mesmos objetos, num mundo em que nos percebemos em
comum. Sem essa garantia o real se esvanece, dar lugar à ficção e abre espaço à
crença de que tudo é possível. Só o senso comum vivaz, a percepção e a ação em
comum num mundo compartilhado podem resistir a essa eliminação da objetividade do
mundo real.
Para Arendt, o senso comum é a característica que nos permite medir a
realidade, sendo comum a todos. A atrofia do senso comum, não se atribui somente
ao totalitarismo, mas ela (atrofia) se enraíza mais profundamente na tradição
ocidental. Em a condição humana (2001) ela mostra como a alienação em relação ao
mundo e o desaparecimento do senso comum caracterizam a modernidade.
O senso comum é o ponto de partida para a realização do pensamento, a
sua eliminação, já mostra, de início, a impossibilidade de pensar. E assim, através da
desvalorização do senso comum, ( o senso do real) – estimulada pela ideologia e pela
condição de isolamento do homem massa - que o “vazio de pensamento” se torna
uma realidade (ARENDT.1991).
O “vazio de pensamento” se efetiva também pelo movimento que é erigido
como princípio absoluto, que se pode visualizar principalmente através da organização
burocrática, em estado de contínuo fluxo e corrente constante. Assim, de acordo com
Arendt se todo pensar exige um “pare-e-pense”, esse movimento permanente é
incompatível com a atividade de pensar. E por último a indução ao conformismo, a
partir desse percurso, o homem passa de acordo com Arendt (1991) á condição de
“ser que não pensa”, a um autônomo, sem memória, sem identidade e sem
responsabilidade. Nesse contexto de deterioração humana, dissolvem - se os
parâmetros de bem e de mal, de certo e errado, de justo e injusto; o homem não
pensa e não julga, só age indiferentemente, como um “instrumento do mal” como nos
fala Kant. Nessa situação extrema e perversa o homem é, ao mesmo tempo, vítima e
instrumento do mal.
A pausa onde o homem pode suspender, provisoriamente, seus juízo de
valor e suas certeza prévias, “parar-para-pensar ” é um dos primeiros atos de
resistência a uma imposição externa, a uma exigência de obediência. É exatamente
nessa parada, momentânea, mas decisiva, que o homem pode começar a realizar sua
autonomia. É esse fluxo contínuo, que nos imobiliza a parar para pensar, tem como
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objetivo apenas o automatismo em que os homens deixam de (se) interrogar para,
prontamente obedecer (SOUKI 2006).
O estado de não pensar ensina as pessoas a se agarrarem solidamente às
regras (quaisquer que elas sejam) de uma sociedade e de uma época dada. E assim,
se habituam a obedecer às regras sem exame rigoroso de seus conteúdos (SOUKI,
2006).
Entendemos que o pensamento e a reflexão sobre as coisas, não é
suficiente para resistir o mal, mas é condição necessária, quando na
contemporaneidade, se caracteriza principalmente pela dissolução do espaço político,
da diminuição do senso de realidade, o esvaziamento e o vazio de pensamento.
CONCLUSÃO
Trabalhamos aqui o conceito de dignidade humana e banalidade do mal, a
partir da aproximação com o pensamento de Arendt. A autora chama atenção para os
seres humanos que constituem o “refugo da terra”, nas várias figuras, seja dos
refugiados, apátridas, dos imigrantes, dos clandestinos sem comunidades e que não
tem governo para os defenderem, mas também para as minorias dos regimes
autoritários e totalitários, que perderam “o direito a ter direito”, básico para exercer os
demais direitos (PEREIRA, 2014).
Quando a contemporaneidade reduz o ser humano a um estado de
necessidade bruta e de selvageria, desprovido de qualquer forma de proteção estatal,
a agenda dos diretos humanos é um dado flutuante em um espaço inexistente. A
inserção de todos os seres humanos, nesse âmbito de proteção, é a tarefa de nossa
geração, que se realiza por medidas políticas e econômicas de emancipação e de
inserção.
É que nos desafia na contemporaneidade e nos leva a agir em defesa dos
direitos humanos, tendo em vista que vivenciamos conforme afirma TOSI (2012), o
lado obscuro e o fundamento oculto do Estado de Direito é o Estado de exceção, é a
regra e o poder soberano, o poder sobre a vida, o bio-poder se excerce de forma
arbitrária: a verdadeira face do poder se manifesta, quando analisamos como ele se
comporta com os excluídos, as vítimas do sistema.
Ao lançar luz sobre o mal contemporâneo, através da banalidade do mal,
Arendt nos leva a compreender e desvelar o nosso tempo. E sua contribuição em nos
chamar atenção para o fato de que a liberação da necessidade não se confunde com
liberdade, e que esta exige um espaço próprio – o espaço público da palavra e da
ação, que nos leva a agir em conjunto, do qual nasce o poder, entendido como um
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recurso gerado pela capacidade dos membros de uma comunidade política de
concordarem com um curso comum de ação, pois para Arend, sem o povo ou um
grupo não há poder.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARENDT, Hannah. A condição humana; tradução de Roberto Raposo, posfácio de Celso Lafer – 10 ed. –Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. _______. A vida do espírito: o pensar, o querer, o julgar. Trad. Antonio Abranches et al. Rio de Janeiro: Relume-Dumará. 1991. _______. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. Trad. Sônia Orieta Heinrich. São Paulo: Diagrama e texto, 1983. _______. Origens do totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. São Paulo: companhia das Letras. 1990. LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos – um diálogo com Hannah Arendt. São Paulo. Companhia das Letras, 1991. PEREIRA. Ana Paula Silva. A crítica de Hannah Arendt à universalidade vazia dos Direitos Humanos. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, 2014. SOUKI, Nádia. Hannah Arendt e a banalidade do mal. Belo Horizonte: Editora da UFMG. 2006. TOSI. Guiuseppe. A internacionalização dos Direitos Humanos: o desafio para o século XXI. João Pessoa. 2012.
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TRABALHO INFANTIL
uma violação dos direitos humanos de crianças e adolescentes
Carla Cecília Serrão Silva2
RESUMO: Abordagem sobre o trabalho infantil enquanto
expressão da violação dos direitos humanos de crianças e adolescentes. Enfatizam-se elementos da construção histórico-social da infância nas sociedades, assim como a construção do aparato legal que lhes reconhece a condição de sujeitos de direitos em contraposição às condições a que são submetidos enquanto estão na condição de vítimas exploradas pelo trabalho. Palavras-chave: Criança, adolescentes, trabalho infantil,
política de direitos. ABSTRACT: Approach to child labor as an expression of
the violation of the human rights of children and adolescents. Emphasis is given to elements of the social-historical construction of childhood in societies, as well as the construction of the legal apparatus that recognizes them as subjects of rights as opposed to the conditions to which they are subjected while in the condition of victims exploited by work. Key words: Child, teenager, child labor, rights policy.
1. INTRODUÇÃO
Crianças e adolescentes, só muito recentemente, passaram a ser objeto
de atenção da sociedade. Isto se deve, em grande parte, a uma construção histórica
que durante séculos contribuiu para que o mundo dos adultos absorvesse as crianças
e adolescentes como iguais, sem lhes fazer qualquer distinção e sem levar em conta
que são pessoas em condição peculiar de desenvolvimento.
Essa construção histórica produziu pensamentos, concepções e valores
equivocados que justificaram determinadas práticas. Mas a dinâmica da história
convém ressaltar, contribuiu, e ainda contribui, para a ocorrência de alterações
expressivas.
A mesma história cuidou para que hoje, em função de diversos movimentos da
sociedade e do pensamento humano, conheça-se um novo conceito e um novo
significado para a infância, com uma dimensão biopsicossocial muito mais
abrangente. Esse novo significado permitiu o reconhecimento de crianças e adolescentes
como cidadãos, fazendo com que deixassem de ser objeto de interesse, preocupação e
2 Mestra. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]
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ação exclusiva da família e tornassem-se responsabilidade da família, da sociedade em
geral e do pode público.
Frente às transformações que ocorreram entre os séculos XIX e XX,
vislumbra-se a construção de um interesse mais focado na infância, diferentemente
dos séculos anteriores; fato que viabilizará um salto: a infância e a adolescência saem
de uma condição secundária para ganhar o status de “valioso patrimônio de uma
nação”, segundo Rizzini (2008, 24). Nessa perspectiva, tratar da criança e
adolescente, considerando suas peculiaridades, passa a ser uma questão que
ultrapassa o foro privado e passa a integrar a esfera pública.
No Brasil, essas transformações foram percebidas ao final do século XX, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a aprovação, pelo Congresso Nacional, da Convenção sobre o Direito da Criança e a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, ambos em 1990, documentos que se constituem marcos legais de proteção integral da criança e do adolescente, através da promoção e garantia dos seus direitos .
Tais instrumentos legais combatem toda forma de violência contra crianças
e adolescentes e visam à superação das violações de direitos humanos aos quais vêm
sendo submetidas historicamente. Segmentos organizados da sociedade, amparados
na legislação vigente, reivindicam a superação de problemas como o trabalho infantil,
que se constituiu como um problema social no Brasil a partir das primeiras décadas do
século XX, com a industrialização, e até os dias atuais mais de três milhões de
crianças e adolescentes brasileiras estão inseridas nas cadeias produtivas e
reprodutivas deste País.
Contudo, os avanços na legislação, assim como a promoção de
campanhas de combate à exploração do trabalho infantil reduzem a questão a um
caráter mínimo que, infelizmente, não resolve a essência do problema. A efetivação
das políticas públicas de saúde, educação, segurança pública, trabalho dentre outras
para crianças, adolescentes e suas as famílias é condição básica tanto para prevenir
quanto para erradicar, de fato o trabalho infantil no Brasil.
Nesse sentido, a problemática do trabalho infantil vem tomando um
formato que permite avaliá-la como uma violação dos direitos humanos de crianças e
adolescentes, no contexto de uma estrutura de produção e de relações sociais de
trabalho que se estabeleceram historicamente, especialmente a partir do surgimento
do modo de produção capitalista, na qual estão inseridos o empregador, a criança ou
adolescente e a família de origem destes. É preciso, então, levar em conta elementos
de caráter econômico que são decisivos para a compreensão desse problema.
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Tais aspectos amparam a premissa de que a inserção precoce de crianças
e adolescentes no trabalho é o resultado da utilização de um modelo de
desenvolvimento que mantém a desigualdade social e a condição de extrema pobreza
das famílias, obrigando-as a encaminhar seus filhos ao trabalho.
Por figurar como problema inserido no contexto das diferentes
expressões da violação dos direitos humanos de crianças e adolescentes, qualquer
abordagem sobre o trabalho infantil remete-nos, necessariamente, ao resgate histórico
de determinados aspectos socioculturais da infância no Brasil e no mundo, de maneira
que se compreendam as diferentes percepções da sociedade acerca da infância e da
adolescência, assim como as relações entre infância e trabalho e como o trabalho
infantil pôde ser assimilado por determinados setores da sociedade e justificado ao
longo de séculos, inclusive na contemporaneidade. É a isto que se propõe o presente
texto.
2. SOBRE TRABALHO E INFÂNCIA: considerações iniciais.
A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (BRASIL. Lei 8.069, 1990, Art. 3º)
Depreende-se, do acima exposto, que para se desenvolver plenamente,
em liberdade e em condições dignas, crianças e adolescentes não têm que trabalhar,
precisam sim estudar e brincar para que se tornem pessoas adultas saudáveis sob os
aspectos físico e mental, dessa maneira, em condições de contribuir para a construção
de uma sociedade igualitária.
Assim sendo, inicia-se aqui a discussão acerca das diferentes justificativas
para o trabalho de crianças e adolescentes, fundamentadas nos variados
entendimentos que a sociedade teve e tem acerca da infância e da adolescência. Tais
aspectos sofrem variações a depender dos grupos sociais analisados, o que os torna
essenciais para a compreensão de como foram produzidas as relações entre infância
e trabalho e como o trabalho infantil foi facilmente adotado pela sociedade e justificado
ao longo de séculos, inclusive na contemporaneidade. Segundo Freitas (2001, 13),
“Não é arriscado dizer que a história social da infância no Brasil é também a história
da retirada gradual da questão social infantil (com seus corolários educacionais,
sanitaristas, etc.) do universo de abrangência das questões de Estado”.
Ao tratar das questões atinentes à infância, Rizzini (2007, 376) afirma que
o Brasil guarda em sua trajetória histórica um longo período de exploração da mão-de-
15
obra infantil, marcado pela presença constante das crianças e adolescentes pobres no
mundo do trabalho, a serviço do interesse dos adultos que podiam ser seus
proprietários quando estas eram escravas, patrões quando órfãs, pois, muitas delas,
quando abandonadas e desvalidas, tornavam-se operárias no início da industrialização
capitalista; boias frias no final do século XIX, a serviço dos grandes proprietários de
terras; trabalhadores nas unidades domésticas de produção artesanal ou agrícola; e,
ainda, nas casas de famílias e nas ruas garantindo sua própria manutenção e de sua
família.
A história e o conceito de infância são, portanto, frutos de uma construção
elaborada pelos adultos, de acordo com a posição social que estes ocupavam -
juristas, médicos, policiais, legisladores comerciantes, padres, educadores ou outros
definiam, a partir de suas perspectivas, o que era a infância e quais seus direitos e
deveres.
Daí compreendermos porque nos vários momentos da história a criança
pôde ser órfã, abandonada, delinquente, escrava, menor, trabalhadora ou ainda
ingênua e pura e até promessa de futuro. “Justamente por isso, é mais fácil tratar
historicamente da infância do que das crianças em si, porque a infância é em parte
definida pelos adultos e por instituições adultas.” (STEARNS, 2006,13)
De acordo com Priore (2007, 84), “Há pouquíssimas palavras para definir a
criança no passado. Sobretudo no passado marcado pela tremenda instabilidade e a
permanente mobilidade populacional dos primeiros séculos de colonização”.
Expressões como “meúdos”, “ingênuos”, “infantes” eram comumente utilizadas àquela
época para referir-se às crianças. Ainda de acordo com a autora, documentos
referentes à vida social na América portuguesa registram o uso de tais expressões
dirigidas às crianças, denotando a evidência de que, no coletivo da sociedade, a
infância era “um tempo sem maior personalidade, um momento de transição e porque
não dizer, uma esperança” (2007,84).
O século XVIII demarca um momento em que não apenas o conceito de
infância ganha contornos mais bem delineados, mas também uma nova construção
histórica se inicia para crianças e adolescentes. Os reflexos de tais mudanças
permanecem quase intactos até o século XX para, só então, serem efetivamente
percebidos, tendo em vista que durante o século XIX o sistema penal aplicava às
crianças e aos adolescentes as mesmas leis que eram aplicadas aos adultos,
independentemente de suas idades.
A Declaração Universal dos Direitos da Criança, documento de proteção
aos direitos humanos da criança, aprovada pelos países-membros da Organização
das Nações Unidas – ONU, em 1959, constitui-se em um instrumento que supera a
16
estreita noção de infância e equipara os direitos desta ao dos adultos, assegurando
direitos fundamentais ao seu pleno desenvolvimento físico e mental, como ser humano
completo. A partir daí, surgem as bases para a doutrina da “proteção integral” que, no
Brasil, fundamenta a elaboração da lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, o Estatuto da
Criança e do Adolescente – ECA, que dispõe sobre a proteção integral à criança e ao
adolescente.
Segundo Nogueira Neto (1999, 29), em 1989, após trinta anos da
Declaração Universal dos Direitos da Criança, países-membros da ONU subscreveram
a Convenção sobre os Direitos da Criança, instrumento normativo que assegura a
proteção integral e a participação real, duas prerrogativas maiores das quais a
sociedade e o Estado são os guardiões e que devem ser conferidas à criança e ao
adolescente na operacionalização da garantia dos seus direitos em geral.
A Convenção sobre os Direitos da Criança reconhece a alteridade de
crianças e adolescentes, assim como sua autonomia, mas também reconhece que
estes são seres que precisam de pessoas, grupos e instituições responsáveis pelo seu
desenvolvimento, pela sua formação, pela promoção e defesa dos seus direitos, não
apenas como atendimento imediato de necessidades, vontades e interesses, mas
como garantia de direitos humanos. Direitos esses que pressupõem, em certo nível, a
participação de crianças e adolescentes como protagonistas de suas histórias,
conferindo-lhes responsabilidades de acordo com as suas capacidades, sem descartar
os deveres que também lhes são inerentes.
Os estudos realizados acerca da infância demonstram que é recente o
momento que demarca, na sociedade mundial, a distinção entre crianças,
adolescentes e adultos. Mais recente ainda é a compreensão destes como sujeitos de
direitos, amparados pela proteção integral e por políticas públicas destinadas às suas
necessidades específicas, conforme veremos a seguir.
3. POLÍTICA DE GARANTIA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
O trabalho infantil, como visto antes, possui causas e efeitos diversos.
Além disso, traz consequências sérias para o desenvolvimento físico e psíquico
daqueles que estão submetidos à exploração de sua força de trabalho.
No que se refere às políticas públicas de garantia dos direitos de crianças
e adolescentes, que poderiam coibir o surgimento de novas vítimas dessa exploração,
assim como retirar aquelas que já estão submetidas à violação dos seus direitos,
muito ainda precisa ser feito, apesar do aparato legal que já existe no Brasil.
17
A Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente
promoveram a consagração dos direitos gerais e específicos de crianças e
adolescentes e viabilizaram a construção de um novo paradigma de gestão desses
direitos em uma realidade permeada de novas possibilidades. Segundo o artigo 86 da
Lei 8.069/90 - ECA (2009,30), “A política de atendimento dos direitos da criança e do
adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e
não-governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios .” É
o marco definidor de um modelo de gestão democrática caracterizada pela inserção de
novos atores sociais no conjunto de órgãos e entidades que elaboram, deliberam e
fiscalizam a execução de políticas, programas e projetos relativos à concretização e
preservação dos direitos de crianças e adolescentes.
Segundo Garcia (1999, p.95),
Esse reordenamento tem uma configuração legal, formal, que deve expressar-se ao longo de um processo em todos os campos da vida social: das organizações governamentais e não-governamentais, das políticas sociais básicas e da organização familiar. Deverá desencadear inúmeras inovações de método e gestão, que de imediato não podemos aquilatar, mas que certamente contribuirão para a construção de uma nova sociedade.
A autora afirma ainda que, em cumprimento ao artigo 87 da Lei 8.069/90 –
ECA, constituir-se-á um conjunto articulado de instituições que atuarão a partir de
linhas de ação, diretrizes e responsabilidades inerentes a política de atendimento,
previamente estabelecidas no artigo 87, para efetivar os direitos infanto-juvenis.
A política de atendimento aos direitos de crianças e adolescentes ampara-
se em um conjunto de diretrizes que, como já foi dito, promoveram um reordenamento
institucional rompendo com todos os paradigmas anteriores que se baseavam na
estigmatização da menoridade, na doutrina da situação irregular e numa falaciosa
proposta de bem-estar do menor.
O artigo 87 do Estatuto além de definir quais as linhas de ação da política
de atendimento, as enumera a partir do caráter mais geral até o mais específico.
Costa (1994, 42), as elenca da seguinte forma: políticas sociais básicas, política de
assistência social, política de proteção especial e política de garantias.
Segundo o autor a política social básica prevê em seu conteúdo os
serviços de prestação pública que são direitos dos cidadãos e dever do Estado,
portando estão direcionadas a um amplo conjunto de usuários e se caracterizam pelo
caráter da universalidade com o fim de garantir a efetivação direta e imediata dos
direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988. Dentre estas se pode
18
destacar as políticas de saúde e educação que, em geral, são as mais requeridas
pelos destinatários.
Em se tratando da política de assistência social não se pode afirmar o
caráter universal posto que, de acordo com a Constituição de 1988, ela tem uma
característica conjuntural, está direcionada àqueles que dela necessitam, o que na
sociedade brasileira se traduz em número extremamente expressivo. Dessa forma,
teriam acesso aos serviços e programas da política de assistência social visando
promover a emancipação social de crianças, adolescentes e suas famílias.
A política de proteção especial está destinada ao conjunto de crianças e
adolescentes em situação de vulnerabilidade ou risco social, aqueles que estão em
situações particularmente difíceis, expostos a condições que os ameacem ou violem
sua integridade física, psicológica e moral por ação ou omissão da família, do Estado
ou de outros agentes da sociedade.
Esta política envolve uma realidade muito comum no Estado brasileiro e
deverá funcionar em condições de oferecer os serviços especiais de prevenção e
atendimento às crianças e adolescentes em situação de violência, negligência, maus-
tratos, na rua, usuários de substâncias psicoativas, explorados sexualmente, em
conflito com a lei e submetidos ao trabalho infantil abusivo e explorador.
Decorre daí a necessidade de um atendimento estruturado, especializado
e preparado para identificar os danos físicos e psicológicos além de ofertar alternativas
de reversão do problema às crianças e adolescentes vitimados. Observa-se que os
serviços de que carecem as crianças e adolescentes da proteção especial não
poderão ter efetividade se funcionarem isolados, há uma necessidade premente de
que estejam articulados às políticas sociais básicas e à política de assistência, já que
o segmento que mais se encontra na situação de vulnerabilidade social é justamente
aquele que figura como público da assistência e que teve seus direitos básicos
negados.
Por fim, apresenta-se a política de garantias. Esta, segundo Costa (1994,
45), atua na lacuna existente entre as prerrogativas legais e a concretude da realidade
com o fim último de aproximar essas duas dimensões da vida social. É responsável
pela defesa jurídico-social dos direitos individuais e coletivos de crianças e
adolescentes.
Fazem parte do rol de instituições responsáveis pela defesa desses
direitos o Juizado da Infância e Adolescência, o Ministério Público, a Defensoria
Pública e órgãos de segurança pública, criados para garantir, assegurar e manter o
19
respeito de crianças e adolescentes, se necessário, punindo quem os transgredir.
Destacam-se ainda nesse conjunto os conselhos de direitos, os conselhos tutelares,
os centros de defesa, os fóruns e outros diferentes atores sociais que atuam na defesa
e garantia dos direitos desse segmento.
Para Costa (1994, p. 42),
Mais do que justapor instâncias e níveis de gestão, a política de atendimento inscrita no Estatuto busca conferir organicidade ao conjunto de ações governamentais ou não, em favor da infância e da juventude por meio de uma reconfiguração das diversas modalidades de intervenção presentes na sociedade e, principalmente, no ramo social do Estado brasileiro.
Além dos órgãos acima citados, farão parte do Sistema de Garantia de
Direitos, a família, as organizações da sociedade (instituições sociais, associações
comunitárias, sindicatos, escolas, empresas), os Conselhos de Direitos, Conselhos
Tutelares, Centros de Defesa, entre outros.
O artigo 88 do Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelece as
diretrizes de natureza político administrativa para a construção do Sistema de
Garantia de Direitos, orientando as ações a serem adotadas pela administração
pública e pela sociedade civil organizada. As principais diretrizes propostas pelo
Estatuto para a construção do Sistema são a municipalização e a descentralização
político administrativa.
A construção da política de atendimento aos direitos de crianças e
adolescentes tem na participação popular um pressuposto básico, de onde decorre a
proposta de municipalização, que garante o atendimento no local em que vivem.
Segundo Lima (apud Custódio, 2006, 180), essa proposta envolve mudanças
radicais no modo de pensar e agir, nas concepções sociais, políticas, jurídicas, éticas
e administrativas dos agentes públicos e da sociedade civil. Para o autor o princípio
da descentralização político administrativa deve se transformar em um efetivo
instrumento jurídico promotor das mudanças exigidas pelo novo direito no modelo de
gestão.
O Estatuto da Criança e do Adolescente propõe, assim, o estabelecimento
de um modelo de cooperação e distribuição de competências entre União, estados e
municípios, que envolverá ainda organizações não governamentais e a sociedade
civil organizada. Estabelece ainda como diretrizes a criação de Conselhos de Diretos
da Criança e do Adolescente em nível nacional, estadual e municipal, tendo em vista
o entendimento de que o âmbito local e comunitário é o mais profícuo à promoção de
direitos da infância e adolescência. Proposta que presume, consequentemente, a
20
organização de uma rede de serviços de responsabilidade compartilhada por todos
os entes políticos da federação.
O Sistema de Garantia de Direitos funcionará então a partir de três eixos
basilares, a promoção, a defesa e o controle social. Cada um desses eixos congregará um
grupo de instituições diferentes que realizarão tarefas específicas, mas articuladas aos
demais eixos, já que um sistema prevê integração entre as partes.
Surge como diretriz da política de atendimento dos direitos da criança e do
adolescente a integração operacional de órgãos como o Judiciário, o Ministério
Público, a Defensoria Pública e Delegacias Especializadas. Esta integração
operacional tem por meta a garantia da agilidade no que tange a questões que
envolvam os direitos das crianças e dos adolescentes, assegurando-se, com isso, o
princípio constitucional da prioridade absoluta.
A participação e o controle social também são diretrizes significativas do
Sistema de Garantias de Direitos da Criança e do Adolescente. Por isso está
distribuída de forma equitativa a responsabilidade pela promoção dos direitos da
criança e do adolescente entre a família, a sociedade e o Estado. No sentido de
viabilizar a integração destes três protagonistas e promover a efetivação da política
de atendimento ao Estatuto da Criança e do Adolescente foram criados órgãos do
poder público e da sociedade civil, com papéis definidos, capazes de atender as
diretrizes acima apresentadas. São eles: os Conselhos de Direitos, os Conselhos
Tutelares, as Delegacias Especializadas, as Defensorias Públicas, as Varas e
Promotorias Especializadas da Infância a da Juventude e os Centros de Defesa da
Criança e do Adolescente.
Este conjunto de órgãos, atuando de forma integrada, nada mais é do que
a concretização do próprio Sistema de Garantias de Direitos da Criança e do
Adolescente.
Não há como as leis, normas, acordos e compromissos terem efetividade
sem que sejam absorvidas pela sociedade e, consequentemente, sem que sejam
promovidas mudanças comportamentais na sociedade. Analisar constantemente o
conjunto de documentos e normativas inerentes aos direitos de crianças e
adolescente e fazer com que estes sejam compreendidos e respeitados por toda a
sociedade são questões fundamentais. Mas o mero conhecimento das leis, normas
e outros documentos, não é o elemento suficiente para as mudanças. Paralelo a
isso, é necessário garantir o efetivo respeito a esse aparato legal, além de
proporcionar a implementação de reformas políticas e econômicas na estrutura
21
social de maneira que o trabalho infantil se torne completamente desnecessário em
qualquer circunstância.
CONCLUSÃO
O condicionante econômico é um dos principais elementos motivadores da
inserção de crianças e adolescentes no mundo do trabalho. Por trás desses pequenos
trabalhadores, existem famílias nas quais as pessoas adultas estão, em geral,
desempregadas e desassistidas pelas políticas públicas. Agregado ao condicionante
econômico está também o elemento cultural que justifica a inserção precoce no
trabalho com base no entendimento de que o trabalho forma um bom caráter, afasta
os pequenos trabalhadores de situações de violência e os educa para o futuro. Os dois
elementos aparecem constantemente como justificativas para o ingresso das crianças
e adolescentes no mundo do trabalho em condições que são absurdamente
exploradoras, violentas e degradantes.
Para as famílias empobrecidas, a prioridade imediata nesses casos não é
a conquista de ascensão social. Em primeiro lugar, está a necessidade de aumentar a
renda familiar, garantir a sobrevivência de maneira digna e melhorar as condições de
vida, pautando-se no trabalho e no seu valor moral. De acordo com Oliveira (apud
Sarti 2005, p.94), a busca por aumento dos ganhos é feita dentro de um projeto
coletivo de ‘melhorar de vida’, concebido dentro da lógica de obrigações familiares. A
atividade de trabalho ganha caráter positivo, não apenas por seu apelo econômico,
mas também devido ao seu valor moral que é o mais enfatizado. Por meio do trabalho,
as crianças e adolescentes serão moralmente reconhecidos como virtuosos, haja vista
o seu empenho em garantir o sustento da família honestamente.
O trabalho infantil no Brasil é uma prática em desacordo com uma
legislação altamente avançada, um conjunto de normativas e leis que se comparam ao
de países avançados. Apresenta-se como uma realidade completamente contrastante
com a proposta de proteção integral da infância e adolescência e agrava ainda mais o
atraso social ao qual estão submetidas à medida que impede que a infância e a
adolescência pobres tenham perspectivas de superação da pobreza e possam ocupar
os lugares que lhes são garantidos legalmente, como a família e a escola. Entende-se
que, somente acessando seus direitos, as crianças e adolescentes terão
oportunidades de usufruir de condições dignas de vida para crescer e se desenvolver
integralmente e assim se preparar para enfrentar o futuro em condições de igualdade
com os que não foram submetidos ao trabalho precoce.
22
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23
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VIEIRA, Maria de Isabela. PNAD: trabalho infantil diminui, mas aumenta a jornada.
Disponível em http:// www.ecodebate.com.br/2008/09/19/pnad.
24
ATUALIDADE E DESAFIOS DOS DIREITOS HUMANOS
Cândida da Costa3
RESUMO Trata-se dos direitos humanos no Brasil, apresentando um cenário de sua violação e seu impacto nos grupos vulneráveis. Destaca-se os desafios para os direitos humanos e a atualidade do debate em torno dos direitos humanos. Palavras-chave: Direitos Humanos. Debate atual.
Desafios.
ABSTRACT These are human rights in Brazil, presenting a scenario of their violation and their impact on vulnerable groups. It highlights the challenges to human rights and the timeliness of the human rights debate.
Key words: Human rights. Current debate.
Challenges
1. INTRODUÇÃO
O tempo dos direitos humanos coincide com os processos de expansão da
democracia e da cidadania. Nessa perspectiva, sofrem avanços e recuos.
Há uma profunda distância entre os direitos assegurados na lei e aqueles que
são efetivados na prática, criando tipos distintos de cidadania no país.
O estado dos direitos humanos é o espelho da situação do processo
civilizatório, refletindo a correlação de forças sociais:
A arquitetura dos direitos humanos foi profundamente modificada no século XX. Uma série de tratados e planos de ação das Nações Unidas ampliaram suas fronteiras, antes centradas nos direitos civis, políticos e sociais, passando a reconhecer novos sujeitos de direitos – mulheres, crianças, povos indígenas – e a incluir dimensões como o racismo, a saúde, os direitos reprodutivos, o meio ambiente, a violência doméstica. Os movimentos sociais foram atores essenciais nesse processo, refletindo a dinâmica do poder em nível nacional e internacional. As mulheres, que ao longo dos séculos foram privadas do exercício pleno de direitos e submetidas a abusos e violências, tanto em situações de guerra quanto no espaço da vida familiar, tiveram um papel de grande relevância na ampliação do alcance dos direitos humanos (Fundo Brasil, 2009).
Na construção deste texto, temos como principal fonte de informações o
balanço feito pelo Ministério dos Direitos Humanos do Brasil. Note-se que em vários
níveis de levantamento dos dados, há mais de 50% dos dados listados como não
3 Doutora em Ciências Sociais. Pós Doutorado em Sociologia. Professora do Departamento de Serviço
Social e do Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão.
Email: câ[email protected]
25
informados, o que dificulta uma leitura mais apurada da situação real da violação dos
direitos humanos em nosso país.
2 MAPA DA VIOLAÇÂO DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL 2016
O balanço feito pelo Ministério dos Direitos Humanos do ano de 2016
apresenta os seguintes dados sobe a violação de tais direitos no Brasil:
Tabela 1: Dados gerais sobre violação de direitos humanos no Brasil 2015-2016
Grupo 2015 2016 %
Criança e
Adolescente
80437 76171 -5,30%
Pessoa Idosa 32238 32632 1,22%
Pessoa com
Deficiência
9656 9011 -6,68%
Privação/Restrição
de Liberdade
3565 3861 8,30%
LGBT 1983 1876 -5,40%
Igualdade Racial 1064 1876 24,62%
População de Rua 682 937 39%
Outras Violações 7892 7247 -14%
Os dados evidenciam a redução das violações dos direitos humanos, como
criança e adolescente ( -5,30%), pessoa com deficiência (-6,68%) e LGBT (-5,40%),
ainda que pouco significativos. Por outro lado, há um recrudescimento da violação nos
grupos Igualdade Racial (24,62%) e População de Rua (39%).
O perfil dos sujeitos com os direitos violados vem apresentando a mesma
tendência: quanto ao gênero, na maioria dos módulos (CREAD, P. Idosa, PcD e
Igualdade Racial) o gênero feminino é maior vítima com a média de 57, enquanto o
gênero masculino (Pop. Rua, Restrição de Liberdade e Outras Violações) aparece
com 43%, Em termos de faixa etária, na média:2,5% está entre 0-17 anos; 40,5%
entre 18-30 anos; 24% está entre 31 -40 anos; 16% entre 41-50 anos; 10,5%); entre
51-60 anos e 6,5% acima de 61 anos (6,5%), excluindo-se Criança e Adolescente, e
Pessoa Idosa. No quesito raça/cor: pretos/pardos são (64%), brancos (34,5%),
indígenas (1%) e amarelos (0,5%).
26
Tabela 2: Crianças e Adolescentes – Violação Sofrida (2015-2016)
Ano Negligência Violência
psicológica
Violência
física
Violência
sexual
Outras
violações
Total
2015 36,6% 23% 24,5% 11% 4,8% 100%
2016 37,6% 23,4% 22,2% 10,9% 6% 100%
2015 58.567 36.794 39.164 17.583 7.739 159.847
2016 54.304 33.860 32.040 15.707 8.669 144.580
Fonte: Ministério dos Direitos Humanos-Brasil
O perfil de crianças e adolescentes cujos direitos foram violados mostra que
meninas são as maiores vítimas (44%) e meninos com 39%. Sua faixa etária:
predominante situa-se entre 04 e 11 anos, somando 42%, seguida das faixas etárias
de 12 a 17 anos com 30%, e de 0 a 03 anos com 18%. Quanto à raça/cor: as meninas
e meninos pretos/pardos somam 36% e brancos 26%. Registre-se que dados não
informados somam 36%.
Quanto à relação Suspeito/ Vítima, os parentes mais próximos são os
principais responsáveis. A mãe aparece em primeiro lugar, com 41%;, seguida do pai,
com 18% e do padrasto, com 5%; avõ e tio aparecem com 3%, cada; vizinho e
diretor(a) de escola, com 2%, cada; Não informado – 15%; 6% - não esclarecido no
Gráfico.
A casa da vítima como o local onde concentra a maior porcentagem de
violações, seguido da casa do suspeito com 26%. Outros locais somam 8% (igrejas ou
templos religiosos, local de trabalho, entre outros),rua com 7%, escola com 3% e 2%
órgãos públicos.
Destaque-se aqui, a crueldade das violências a que tem sido submetidos as
crianças e adolescentes brasileiros, praticadas justamente por aqueles que deveriam
protegê-los (parentes próximos, diretores escolares e vizinhança). Sua própria casa
torna-se o lugar onde se materializa a violência do cotidiano.
Tabela 3:Pessoa Idosa – Violação Sofrida (2015-2016)
Ano Negligência Violência
psicológica
Abuso
financeiro
e
econômico/
violência
patrimonial
Violência
física
Outras
violações
Total
2015 39,00% 26,13% 20,02% 13,79% 1,06% 100,00%
27
2016 38,04% 26,08% 20,32% 13,87% 1,69% 100,00%
2015 24.397 16.350 12.522 8.630 664 62.563
2016 25.062 17186 13389 9142 1111
65.890
Fonte: Ministério dos Direitos Humanos-Brasil
Relativo ao perfil da pessoa Idosa, cumpre dizer que as idosas são o maior
grupo nas vítimas com registro de denúncias, somando 60% contra 29% de idosos.
Não informados somam 11. Quanto à faixa etária, a maior incidência registrada é de
33% para idade entre 71 e 80 anos, seguida de 61 a 70 anos, com 29%, e de 81 a 90
anos, com 23%, sendo a menor incidência de 91 anos ou mais (5%). Sobre a raça/cor,
pessoas idosas brancas totalizam 35%, pretos e pardos 31%. Não informados somam
34%.
No que tange à relação supeito/vítima, o agressor é o/a filho/a em 54% das
manifestações registradas, 8% neto/a, 5% genro/nora, 3% marido/esposa, 5% de
familiares de 2º grau, irmão/ã, vizinho/a e sobrinho/a com 3% cada, 3% outras
relações de vínculos comunitários e 13% não informaram a relação do suspeito com a
vítima. O cenário de configuração familiar doméstica responsável por 70% das
violações, expressando uma frágil convivência intergeracional.
A casa da vítima é o local onde se concentra a maior porcentagem de
violações (86%), seguida da casa do suspeito com 7%, outros locais somam 3%
(igrejas ou templos religiosos, local de trabalho, entre outros), rua com 2%, hospital
1% e 1% órgãos públicos.
A situação da pessoa idosa se assemelha à da criança e do adolescente, pois
tem seus direitos violados no ambiente em que deveria estar mais protegido.
Tabela 4: Pessoa com Deficiência – Violação Sofrida (2015-2016)
Ano Negligência Violência
psicológica
Violência
física
Abuso
financeiro
e
econômico/
violência
patrimonial
Outras
violações
Total
2015 39,60% 23,88% 16,88% 13,45% 6,2% 100,00
2016 37,9% 23,5% 16,8% 14,4% 7,4% 100,00
2015
7.062 4.259 3.011 2.398 1.105 17.835
28
2016 6.497 4.025 2.883 2.474 1.269 17.148
Fonte: Ministério dos Direitos Humanos-Brasil
Sobre o perfil da Pessoa com Deficiência, as mulheres com deficiência são a
maioria das vítimas, com 45% contra 44% de homens. Não informados, 1%. Quanto à
faixa etária, a concentração maior das violações está entre 18 e 30 anos com 25%,
seguida de 41 a 50 anos e 31 a 40 anos, ambos com 21% cada. Idades entre 51 e 60
anos somam 18%; acima de 60 anos, 2%; e de 0 a 17 anos, 1%. No quesito raça/cor,
conforme informação disponível, pretos e pardos somam 56% e brancos 43%.
No que concerne à relação supeito/vítima, excluindo-se os não informados que
somam 25%, em 21% das violações denunciadas, o irmão/ã é mais denunciado/a,
seguido de 19% familiares de segundo grau, 11% filho/a, 10% mãe, 5% pai e vizinho/a
cada um e 4% outras elações de vínculos comunitários. Uma vez mais, encontra-se
um grupo vulnerável diante dos familiares que deveriam protege-lo.
Tabela 5: LGBT - Violação Sofrida (2015-2016)
Ano Discrimina
ção
Violência
psicológic
a
Violência
física
Violência
institucion
al
Negligência Outras
violações
Total
2015 53,85% 26,42% 11,54% 1,92% 2,77% 3,51% 100%
2016 50,2% 29,6% 17,35% 3,61% 3,33% 2,21% 100%
2015 1.596 783 342 57 82 104 2.964
2016 1458 861 385 80 74 49 2.907
Fonte: Ministério dos Direitos Humanos-Brasil
Quanto ao perfil dos LGBT cujos direitos foram violados,: 55% das violações
ocorreram com jovens na faixa etária de 18 a 30 anos, 17% de 31 a 40 anos, 7% de
41 a 50 anos, 3% de 51 a 60% e 1% de 12 a 17 anos. Sobre a raça/cor: dos
informados, são 36% de pretos e pardos, 25% de brancos e amarelos somaram 1%.
No que concerne à relação suspeito/vítima, vizinho/a com 11%, seguido de
12% de familiares de segundo grau, 8% é desconhecido da vítima, 5% irmão/ã, pai e
mãe somam 9%, 3% tio/a, empregador 2% e 4% outras relações de vínculos
comunitários. Dados não informados somam 46%,
A rua é local onde se concentra a maior porcentagem de violações (28%)
seguida da casa da vítima com 27%. Outros locais somam 26% (igrejas ou templos
29
religiosos, transporte coletivo, entre outros), casa do suspeito com 6%, 5% local de
trabalho e órgãos públicos cada ume escola com 2%.
Tabela 6:População em Situação de Rua - Violação Sofrida (2015-2016)
Ano Violência
psicológic
a
Violência
física
Violência
institucion
al
Negligência Discrimin
ação
Outras
violações
Total
2015 13,53% 12,53% 5,54% 57,65% 3,22% 7,54% 100%
2016 8,62% 8,45% 5,92% 61,76% 1,48% 13,76% 100%
2015 122 113 50 520 29 68 902
2016 99 97 68 709 17 158 1.148
Fonte: Ministério dos Direitos Humanos-Brasil
Quanto ao gênero da População em Situação de Rua, a maioria é do gênero
masculino com 54% e 26% do gênero feminino. 20% não foram informados. Sobre a
faixa etária, 22 % são jovens de 18 a 30 anos, 18% têm de 31 a 40 anos, 14% têm 41
a 50 anos, 8% com pessoas de 51 a 60 anos, acima de 61 anos registraram 9%, e de
0 a 17 anos, 2%. Relativo a raça/cor: pretos e pardos somam 42%, brancos, 18%,
indígenas 1%, e não informados (39%).
No que se refere à relação suspeito/vítima, 5% são familiares de segundo grau,
desconhecido/a com 4%, 2% irmão/ã e 2% outras relações de vínculos comunitários.
Não foram informados 88%.
A rua aparece como o principal local de violação, sendo 81%, seguido de
outros locais 11% (igrejas ou templos religiosos, comércio, entre outros), albergue ou
casa de acolhimento 5% e órgãos públicos 3%.
Pessoas em Restrição de Liberdade
É importante ressaltar que os registros se relacionam diretamente com as
violações de pessoas em locais de privação, tais como: cadeias públicas, presídios,
delegacias, manicômios judiciários, hospitais psiquiátricos, comunidades terapêuticas,
unidades de internação socioeducativa e instituições de longa permanência para
pessoas idosas(ILPI).
Tabela 7: Pessoas em Restrição de Liberdade - Violação Sofrida (2015-2016)
30
Ano Negligência Violência
institucional
Violência
física
Violência
psicológica
Tortura e
outros
tratamentos
ou penas
cruéis,
desumanos
ou
degradantes
Outras
violações
2015 32,61% 16,84% 16,66% 13,91% 18,30% 1,68%
2016 36,31% 19,16% 19,65% 19,65% 6,56% 3,34%
2015 3.015 1.557 1.540 1.286 1.692 155
2016 3239 1709 1753 1337 585 298
Fonte: Ministério dos Direitos Humanos-Brasil
As violações totalizaram 9.245 em 2015 e 8.921, em 2016.
As Pessoas em Restrição de Liberdade são em sua maioria homens (47%, e
11% do gênero feminino, 42% são dados não informados. Quanto ao quesito raça/cor,
a maioria dos registros é de não informados, com 78%. Dos informados, 12% de
pretos e pardos, 10% de brancos,0,12% amarelos e 0,09%de indígenas. Sobre a faixa
etária, em sua maior parte de registros é de não informados, alcançando 63,07%. A
soma da faixa que compreende de 18 a 30 anos alcança 13%, mostrando uma
predominância de jovens em privação de liberdade, 10% de 61 anos ou mais, 6% de
31 a 40 anos, 4% de 12 a 17 anos, 2% de 41 a 50 anos e 2% 51 a 60 anos.
No que concerne à relação suspeito/ vítima, em primeiro lugar aparece o
Diretor(a) de Unidade de Privação de Liberdade – 29%, seguido de desconhecido(a) –
6%, cuidador (a) – 5%, Outras relações com vínculo de convivência comunitária – 2%.
Não informado aparece com 58%
No que se refere ao local da violação, a Unidade Prisional – Presídio, vem em
primeiro lugar, com 62%, seguida de Instituição de Longa Permanência para Idosos
(ILPI), com 17%; Delegacia de Polícia, com 10%; Unidade de Medida Sócio Educativa,
com 7%; Manicômio / Hospital Psiquiátrico, com 4%. Os dados evidenciam forte
violência institucional contra as pessoas privadas de liberdade.
Com relação ao gênero, 57% são do gênero masculino e 6% do gênero
feminino; sendo não informadas 37%. Quanto ao quesito raça/cor: 13% de pretos e
pardos, 8% de brancos, amarelos 0,07%, e indígenas com 0,15% Não informados são
79,57%. Sobre a faixa etária, na faixa de 18 a 30 anos são 19%, seguido de 7% de 31
31
a 40 anos, 2% de 41 a 50 anos, 1% de 51 a 60 anos e 1% acima de 61 anos. Não
informados são 69,24%.
Tabela 8: Sistema Prisional Carcerário – Violação Cometida 2016
Ano Negligência Violência
institucional
Violência
física
Violência
psicológica
Outras
violações
Total
2016 34,19% 23,09% 18,87% 13,66% 10,19% 100%
2016 2.163 1.461 1.194 864 645 6.327
No que concerne à relação suspeito/vítima, o (a) Diretor(a) de Unidade
Prisional aparece com 43%, seguido de desconhecido(a) com7% e outras relações
com vínculo de convivência familiar ou comunitária com 1%. Deixaram de ser
informados 50%.4
O local de violação é principalmente a Unidade Prisional – Presídio, que
aparece com 88% e a Delegacia de Polícia como Unidade Prisional – 12%,
evidenciando que são os guardiães da lei os principais violadores.
O gênero masculino foi o mais notificado, com 59% na soma das duas
violações e o gênero feminino 5%. Não informado somou 36. O perfil da faixa etária
para as violações tortura e violência institucional apresenta: a faixa de 18 a 30 anos
17%, de 31 a 40 anos, 6%, 41 a 50 anos, 1%, 51 a 60 anos, 1%, acima de 60 anos,
1% e não informado 73%.no registro na violência institucional (73%) que em tortura
(27%).
Tabela 9: Sistema Socioeducativo – Unidades de Privação de liberdade -
Violação Sofrida (2016)
Ano Violência
física
Negligência Violência
psicológica
Violência
institucional
Outras
violações
2016 30,61% 29,33% 20,35% 14,10% 5,61%
2016 191 183 127 88 35
Nas unidades socioeducativas foram registradas: violência física, com 30,61%,
negligência, com 29,33%, violência psicológica, com 20,35%, violência institucional,
com 14,1% e outras violações, com 5,61%.
Quanto ao perfil dos que estão cumprindo sentença no Sistema Socioeducativo
– Unidade de Privação de liberdade, 45% são do gênero masculino e 11% do gênero
feminino; dados não informados são 44,7%, No quesito raça/cor: 13% de pretos e
4 Os dados totalizaram mais de 100%.
32
pardos, 8% de brancos, amarelos 0,07%, e indígenas com 0,15%;sendo não
informados 79,57%.
Na relação suspeito e vítima no registro de denúncias de pessoas em unidades
socioeducativas, o perfil não informado é o mais notificado, com 64%, diretor de
unidade, com 20%, desconhecido/a, com 12%, diretor de escola, com 2%, e outras
relações de vínculos de convivência familiar ou comunitária, com 2%.
Quanto às violações Tortura e Violência Institucional nas unidades
socioeducativas –em ambas as violações o gênero masculino foi o mais notificado,
com 41% na soma das duas violações e o gênero feminino 14%. Não informado
somou 46%.
Para as violações tortura e violência institucional, a faixa de 12 a 14 anos
correspondem a 8%, de 15 a 17 anos, 31%. O perfil raça/cor, não informados aparece
com 79% na soma das duas violações (tortura e violência institucional), 16% pretos e
pardos e, 5% brancos. Dados não informado correspondem a 61%.
As violações tortura e violência institucional juntas somam para diretor de
unidade socioeducativa, 29%, e, não informado, 51%. Igualdade Racial
As violações mais recorrentes dentro do módulo igualdade racial mostra que
77% das denúncias são de discriminação racial, ou seja, injúria ou racismo, violência
psicológica (15,5%), violência física (3,2%), violência institucional (2%), negligência
(1,5%), e outras violações não chegam a 1%.
Tabela 10: Igualdade Racial -- Violação Sofrida (2015-2016)
Ano Discriminação Violência
psicológica
Violência
física
Violência
institucional
Negligência Outras
violações
2015 89% 6,5% 1,8% 1% 0,7% 1%
2016 77% 15,5% 3,2% 2% 1,5% 0,8%
2015 1054 77 20 11 8 11
2016 1300 263 58 34 25 13
As violações somaram 1181 em 2015 e 1693 em 2016.
As mulheres constituem 55% das vítimas contra 31% de homens. Dados não
informado somam 14%. No quesito raça/cor, pretos/pardos são 81 %, amarelos
somam 1%, brancos (1%); não informados somam 17%. FAIXA ETÁRIA: a juventude
(18 a 30 anos) aparece com o maior número de registros 33%, seguido de 24% de 31
a 40 anos, 13% de 41 a 50 anos, 8% de 51 a 60 anos e 2% acima de 61 anos. Não
informado são 17,49%
Na relação suspeito e vítima, o perfil não informado é o mais notificado, com
47%, seguido de vizinho/a 26%, familiares de segundo grau 11%, desconhecido/a com
33
7%, empregador com3%, 3% outras relações de vínculos comunitários e amigo/a com
2%.
Os dados de registro de denúncias do módulo igualdade racial contabilizam
que a casa da vítima e rua somam 36% cada um, 13% se referem ao local de trabalho,
casa do suspeito (6%), escola (6%), e órgãos públicos (3%).
Tabela 11: Outras Violações
Subgrupo ou tipo de
violação
2015 2016 % Aumento ou
Recuo
Trabalho Escravo 307 429 39,74%
Tortura 1.925 693 -64,00%
Violência Policial 990 1009 1,92%
Tráfico de Pessoas 121 106 -12,40%
Intolerância
Religiosa
556 759 36,51%
Conflito Agrário 339 353 4,13%
Conflito Fundiário
Urbano
22 10 -54,55%
Xenofobia 330 241 -26,97%
Apologia e Incitação
ao Crime contra a
Vida
1.770 1490 -15,82%
Neonazismo Online 217 131 -39,63%
Violência contra
Policial
15 18 20,00%
Violência ou
Discriminação
Online contra a
Mulher
1532 2008 31,07%
TOTAL 8124 7247 -10,80%
Embora os dados demonstrem uma redução de 10%, não podemos deixar de
ressaltar a gravidade das violações de direitos que vem sendo cometidas no Brasil,
como trabalho escravo, violência contra policial, tortura, neonazismo, conflitos
agrários, violência contra a mulher, que já deveriam ter sido banidos do nosso país.
34
4 DESAFIOS PRA OS DIREITOS HUMANOS
Frente à miríade de violações de direitos humanos no Brasil, imensos são os
desafios a superar. O primeiro deles é a construção de uma sociedade para todas as
pessoas. Precisamos também construir um pacto intergeracional que proteja as
crianças e adolescentes bem como as pessoas idosas.
Olhar para a humanidade, reconhecer a humanidade e se enxergar enquanto
ser humano e enquanto ser pertencente ao projeto de ser humanidade.
Entranhar-se nos números e estranhar as violações que eles revelam.
Reconhecer as vidas e futuros destruídos por trás de cada número. Crianças e
adolescentes com trajetórias desviadas; idosos maltratados; trabalhadores
escravizados. Negros e mulheres discriminados. A orientação sexual negada através
da violência. A violência institucional prevalecendo sobre a segurança cidadã. É este o
devir projetado pela humanidade?
É neste hiato que as políticas públicas se encontram na encruzilhada. A
afirmativa de direitos diante de sua negação concreta exige ações enérgicas e
sinérgicas que envolvam famílias, Estado e sociedade. Um novo pacto. Uma nova
solidariedade. Uma nova sociedade. O nosso maior desafio.
CONCLUSÃO
Os direitos humanos foram afirmados na Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948). Dessa forma, foi afirmada a necessidade de promoção, proteção e
afirmação dos direitos humanos.
Conforme a situação apresentada no presente texto, a violação dos direitos
humanos no Brasil vem ignorando os termos da referida Declaração, atingindo vários
grupos vulneráveis.
Vivemos em uma sociedade esgarçada, em que os valores e a solidariedade
vem desafiando a construção de laços intergeracionais e de respeito com a vida
humana.
Os desafios para a construção de uma sociedade diferente são grandiosos,
pois precisamos superar a negação de direitos e garantir que os direitos proclamados
se aproximem dos direitos efetivados na prática.
REFERÊNCIAS
BRASIL. OUVIDORIA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS. Balanço das Denúncias de Violações de Direitos Humanos 2016. Brasília. 2016.
35
DECLARAÇÂO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Disponível em: https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/. Acesso em: 20 jan 2017. PITANGUY,Jacqueline; ARAÚJO, Ana Valéria. Direitos Humanos: Conquistas e Desafios Fundo Brasil, 2009 .Disponível em: http://www.fundodireitoshumanos.org.br/direitos-humanos-conquistas-e-desafios/. Acesso em 29 jun 2017.
36
Direitos Humanos e políticas públicas: por uma visão universal, indivisível e
crítica de direitos humanos.
Beatriz Gershenson5
Introdução
O debate sobre a interface dos Direitos Humanos com as políticas públicas exige
ancorar a reflexão na concepção contemporânea dos direitos humanos e na sua
indivisibilidade. Para tanto, é fundamental tomar como ponto de partida a perspectiva
crítica à visão liberal dos direitos humanos, como também à teoria geracional dos
direitos humanos, compreendendo o desafio da proteção social a todos os direitos, vez
que a violação de um, implica a violação dos demais. Nesta perspectiva, indispensável
destacar a importância da presença do Estado, através das políticas públicas, na
proteção de todos os direitos humanos, tendo em vista o desafio da universalidade de
direitos.
I – A concepção contemporânea dos Direitos Humanos – para além da perspectiva
liberal sobre Direitos Humanos.
O tema dos Direitos Humanos é atravessado de contradições históricas que
remetem à gênese da questão social, e aos significados sócio-históricos que a ela são
atribuídos, em um cenário que é de lutas e disputas de projetos societários. Vale
lembrar que é neste cenário que os assistentes sociais são desafiados cotidianamente
a se posicionarem ética e politicamente em disputas que reaparecem do campo dos
fundamentos ao campo do exercício profissional. Assim, o Serviço Social não se
movimenta, portanto, em um terreno da harmonia dos consensos quando se debruça a
refletir e posicionar-se no enfrentamento do tema dos Direitos Humanos.
Historicamente a concepção mais difundida de direitos humanos esteve
vinculada aos ideais liberais sobre direitos decorrentes das grandes revoluções
burguesas das quais a civilização ocidental é herdeira. Tal visão gravou uma
identidade entre direitos humanos e a defesa do direito à liberdade, tendo como
horizonte o direito à propriedade privada. Os limites estreitos desta visão liberal de
direitos humanos podem ser sintetizados da seguinte forma:
5 Professora titular do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Escola de Humanidades da
PUCRS; Coordenadora do Grupo de Pesquisas e Estudos em Ética e Direitos Humanos. E-mail
37
Reconhecendo o lastro estrito da concepção de direitos oriundos da Constituição Francesa e a Americana, Marx realizou a crítica a uma concepção de direitos humanos que enraizou a perspectiva liberal de Estado, tendo por base os direitos humanos civis, tipicamente relacionados aos direitos de propriedade e à sustentação política e ideológica da sociedade capitalista. São marcos em que o próprio direito à liberdade, então tido como fundamental, cinge-se ao direito a ser proprietário, denotando a clara orientação da afirmação de direitos voltados restritamente à burguesia. Tal concepção de Direitos Humanos, historicamente contida na base do liberalismo, articulou a tese duradoura de que alguns direitos seriam mais importantes ou prioritários em relação a outros, sustentando a cisão e hierarquização entre direitos civis e políticos em relação aos direitos sociais, culturais e econômicos, o que se antagoniza a uma concepção tida como contemporânea de direitos humanos, onde integralidade, universalidade e indivisibilidade de direitos são valores essenciais
(AGUINSKY & PRATES, 2011, p. 1).
A superação de tal perspectiva está associada ao desenvolvimento do que se
convencionou chamar de uma concepção contemporânea de direitos humanos que
decorre do contexto do pós-guerra, no qual as sequelas da 2ª. Guerra Mundial
repercutem na criação da ONU e na Declaração Universal de Direitos Humanos de
1948. Tal declaração abarcou direitos humanos civis, políticos, econômicos, sociais e
culturais, sem hierarquização destes direitos. Assim, liberdade e igualdade passam a
ter valor equivalente no contexto de uma concepção contemporânea de Direitos
Humanos que emerge da Declaração Universal.
Neste cenário, a Declaração de 1948 inova a gramática dos direitos humanos, ao introduzir a chamada concepção contemporânea de direitos humanos, marcada pela universalidade e indivisibilidade destes direitos. Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a titularidade de direitos, considerando o ser humano como um ser essencialmente moral, dotado de unicidade existencial e dignidade. Indivisibilidade porque a garantia dos direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais e vice-versa. Quando um deles é violado, os demais também o são. Os direitos humanos compõem, assim, uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, capaz de conjugar o catálogo de direitos civis e políticos ao catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais (PIOVESAN, 2006, p. 8).
No entanto, um sem fim de simplificações são associadas ao debate de dos
direitos humanos, simplificações estas que decorrem da cristalização de uma
visão liberal dos direitos humanos a qual polarizou por mais de 40 anos, no
período do pós-guerra a defesa dos interesses burgueses ancorados nos ideais
de liberdade individual, aos quais se contrapuseram as lutas das esquerdas,
reclamando direitos de igualdade.
38
Tais simplificações terminaram por opor direitos de liberdade e direitos
de igualdade, quando, em verdade, um direito é impensável sem o outro, sendo
tal cisão inclusive recolhida em produções da área (Serviço Social) que
costuma enunciar a defesa de “direitos humanos e sociais” como se os direitos
sociais não fossem humanos ou como se os direitos humanos se
diferenciassem dos direitos sociais.
A perspectiva da indivisibilidade dos direitos humanos coloca em
questão a visão liberal dos direitos humanos, como também à teoria geracional
dos direitos humanos, compreendendo o desafio da proteção social a todos os
direitos, vez que a violação de um, implica a violação dos demais, reclamando
proteção universal, através de políticas públicas.
II – A indivisibilidade dos Direitos Humanos e a crítica à teoria geracional dos
Direitos Humanos
Considerar os Direitos Humanos indivisíveis é pressuposto essencial
para a defesa da universalidade dos direitos humanos, bem como a sua
exigibilidade associada às políticas públicas, que dão materialidade a tais
direitos. Afirmar-se que nenhum direito pode ser considerado mais importante
que os demais supõe superar os fundamentos da teoria geracional de direitos
humanos, atribuída a Karel Vasak (1984) que relacionou o espectro dos direitos
humanos em uma correspondência direta aos direitos presentes no lema da
revolução burguesa - liberdade, igualdade e fraternidade. Assim, para a teoria
geracional de direitos humanos, os direitos humanos de primeira, segunda e
terceira gerações corresponderiam, respectivamente, aos direitos de liberdade,
igualdade e fraternidade.
A visão geracional de Direitos Humanos fomentou a divisão dos direitos
nos seguintes níveis:
a) primeira geração dos direitos seria a dos direitos civis e políticos, fundamentados na liberdade (liberté), que tiveram origem com as revoluções burguesas; b) a segunda geração, por sua vez, seria a dos direitos econômicos, sociais e culturais, baseados na igualdade (égalité), impulsionada pela Revolução Industrial e pelos problemas sociais por ela causados; c) por fim, a última geração seria a dos direitos de solidariedade, em especial o direito ao desenvolvim ento, à paz e ao meio ambiente, coroando a tríade com a fraternidade (fraternité), que ganhou força após a Segunda Guerra Mundial, especialmente após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 (MARMELSTEIN, 2008, p. 42).
39
Tal classificação sustentou historicamente uma visão liberal de direitos
humanos, que suporia precedência e maior relevância aos direitos de liberdade em
detrimento aos demais direitos. Esta seria uma distinção “quanto ao conteúdo dos
direitos humanos” que pretenderia validar a ideia de que “existem alguns direitos mais
importantes que outros pelo seu significado na história da humanidade, o que faria
com que eles merecessem mecanismo de proteção mais eficazes” (Lima Jr., 2002,p.
654). Por esta razão, tal classificação associou a ideia de mecanismos de exigibilidade
apenas aos direitos de primeira geração, como se fossem desnecessárias políticas
para a proteção e promoção de direitos de segunda e terceira gerações.
Como cita Lima Jr.:
Segundo essa visão tradicional, apenas direitos humanos e políticos são considerados direitos humanos por excelência e, por isso, merecem mecanismos claramente definidos para sua realização prática. Enquanto isso, os direitos humanos econômicos, sociais e culturais seriam realizáveis apenas progressivamente, razão pela qual não mereceriam mecanismos para sua realização imediata (LIMA JR., 2002, p. 651-2).
Outra distinção que está na base da teoria geracional de direitos humanos
reportaria “à temporalidade dos direitos humanos”, posto que “os direitos humanos
civis e políticos seriam anteriores aos econômicos, sociais e culturais” (Lima Jr., 2002,
p. 655). Ora, basta problematizar-se a história do Brasil recente em que, durante a
ditadura militar obstruiu o exercício dos direitos de primeira geração, em um contexto
de refluxo de conquistas civilizatórias de direitos sociais, como também ter-se em
conta o momento atual de pleno retrocesso de direitos sociais satanizados como
responsáveis pela crise de governabilidade.
Além disto, uma outra incompreensão que decorre da teoria geracional dos
direitos humanos refere-se a classificação dos direitos segundo “à natureza individual
e coletiva” (Lima Jr., 2002, p. 656). Nesta direção, os direitos civis e políticos seriam
aqueles de natureza individual, pois assegurariam aos cidadãos contra o poder
absoluto do Estado, e os direitos econômicos, sociais e culturais seriam aqueles que
reclamariam a efetiva intervenção do Estado para sua afirmação. Ora, tal
incompreensão frutifica em outras, visto que consideraria que os direitos econômicos,
sociais e culturais se distinguiriam dos demais quanto “às possibilidades de
exigibilidade” visto que seriam realizáveis apenas mediante políticas sociais e não por
outros mecanismos legais de exigibilidade (Lima Jr, 2002, p. 656):
Essa compreensão desconhece que os direitos humanos civis e políticos também precisam de políticas públicas correspondentes (civis e políticas) para sua validação, aliadas a mecanismos jurídicos de
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exigibilidade. No campo dos direitos humanos civis e políticos, as diretrizes e órgãos governamentais (como é o caso dos conselhos de direitos, comissões de direitos humanos, programas de ação de direitos humanos, etc.), inscrevem esses direitos no campo das políticas públicas, sem as quais os mecanismos jurídicos têm suas possibilidades de existência prática reduzidas drasticamente (LIMA JR., 2002, p. 656)
A crítica à teoria geracional dos direitos humanos permitiu o desenvolvimento
das bases teóricas que sustentam, contemporaneamente, uma perspectiva expansiva
dos direitos humanos, afirmando sua indivisibilidade e exigibilidade, o que significa ver
e tratar determinados direitos a um só tempo como de repercussões civis, políticas,
econômicas, sociais e culturais (LIMA JR., 2002). Mesmo porque, como bem afirma o
mesmo autor, quando um deles é violado os demais também são.
Talvez a visão de indivisibilidade seja um dos persistentes desafios para o
enfrentamento deste tema em que buscamos relacionar DH e Justiça Social. “Sejam,
civis, políticos, sociais, culturais, os direitos humanos exigem a adoção de políticas
públicas destinadas a tornar realidade as definições legais de direitos” (LIMA JR.,
2002, p. 656).
Assim, há que se refutar a visão fragmentada em torno dos direitos humanos,
cara à perspectiva geracional em civis, políticos, sociais e aqueles relacionados ao
meio ambiente, à paz, ao convívio humano, ao patrimônio comum da humanidade,
pois tal perspectiva pode conduzir a dificuldades na implementação dos direitos
humanos na defesa de sua indivisibilidade e universalidade. Tal ideia de
indivisibilidade é muito cara para uma direção social orientada para justiça social.
III – Políticas sociais e proteção de direitos humanos – o desafio da universalidade
Ter-se em conta o desafio da proteção social dos direitos humanos,
reconhecendo a sua indivisibilidade (dos DH) permite afirmar-se uma concepção
ampliada de proteção social, pois a fragmentação do campo dos direitos e também
das políticas públicas, contém, em si, o pior dos mecanismos ideológicos - a
despolitização da questão social e de nossa capacidade de lutarmos pelo
reconhecimento e afirmação destes direitos. Uma das nefastas consequências destes
mecanismos ideológicos é a pulverização das lutas por afirmação de direitos em
pequenos fragmentos, o que é providencial para o enfraquecimento das resistências
no enfrentamento das desigualdades sociais em um contexto de retrocessos de
direitos como o que se configura no tempo presente.
Há que se ter em conta que “questão social” e proteção social são centrais
para a tematização contemporânea de Direitos Humanos em uma perspectiva de
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afirmação da universalidade de direitos. Tem-se claro que a emergência da questão
social está associada ao reconhecimento da classe trabalhadora como ator político e
ao atendimento de suas necessidades sociais no contexto do capitalismo, a partir do
binômio concessão-conquista (MENDES et al., 2006).
Reconhecer o engendramento da questão social como próprio da formação
social capitalista e, por conseguinte, considerar a implementação de mecanismos de
proteção social nos mesmos marcos, não supõe o apagamento das formas históricas,
que datam desde a Idade Média, dos mecanismos assistenciais em resposta às
injustiças sociais. Não por outra razão evidenciava-se já naquele período histórico a
prática de recorrer-se ao senhor feudal como meio de obtenção de proteção. As
primeiras práticas assistenciais são marcadas por alguns traços que, guardadas as
devidas proporções, reapresentam-se na história, com novas roupagens, mas com o
mesmo fito: apaziguar as massas descontentes com as injustiças íncitas a um modo
de organização social - existência de pessoas especificamente destacadas para
“fazer o bem”, não raro confundidas com a figura de um pároco ou um oficial
municipal; alguma tecnicização visando avaliar as situações, selecionando os que
merecem auxílio, algum desenho de territorialização, localizando-se a assistência o
mais próximo possível daqueles necessitados, além de critérios de seletividade como
pertencimento comunitário, incapacidade para o trabalho, como também a exclusão
dos estrangeiros (CASTEL, 1998).
Pode-se perceber, a partir destas referências, o quanto as práticas
assistenciais, associadas à ideia de proteção social, em resposta a injustiças sociais,
remontam a períodos históricos remotos. Mas a concepção moderna de proteção
social é um conceito que vem sendo vinculado, a partir do século XX, usualmente
remetendo ao espectro da seguridade social, que, no Brasil, aglutina as políticas de
saúde, assistência social e previdência social. Ao mesmo tempo, a proteção social
costuma ser associada às políticas sociais necessárias para a proteção frente a riscos
provenientes de contextos naturais e sociais (MENDES et al., 2006). Essa, aliás, a
definição de Jaccound (2009, p. 58), que toma a proteção social como “um conjunto de
iniciativas públicas ou estatalmente reguladas para a provisão de serviços e benefícios
sociais visando enfrentar situações de risco social ou privações sociais”. Essa mesma
autora situa o desencadear dos sistemas de proteção social no século XIX, em
decorrência do processo de industrialização e urbanização e dos seus efeitos
maléficos para aqueles que vivem do trabalho. Nesse contexto, relaciona a proteção
social aos direitos sociais, referindo que, inicialmente, estes estiveram conectados à
ideia de seguro social.
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Seja como for, a histórica tendência focalista e residual da proteção social,
guarda relação direta com a visão fragmentária e que abstrai o caráter indivisível dos
direitos humanos. A incursão no tema da proteção social nos traz um dos importantes
desafios para a afirmação de DH através de políticas sociais públicas que promovam
justiça Social – a compreensão da importância de sua indivisibilidade e da
necessidade de intersetorialidade na sua articulação. Na medida em que assumimos o
quanto a proteção social tem objetivos amplos, que ultrapassam a cobertura de riscos
em direção à equalização de oportunidades, inevitavelmente somos conduzidos para o
amplo e indivisível espectro para políticas públicas, muito além do âmbito da
Seguridade Social (TEJADAS, 2012).
A defesa, promoção e proteção de Direitos Humanos que rime com um projeto
societário que tenha justiça social como horizonte, exige a afirmação de proteção
social que se relacione a um conjunto de políticas públicas que atuem, de modo
intersetorial, na proteção da população e na garantia de direitos integrados e integrais.
Isto exige a o fortalecimento de lutas históricas que possam superar a fragmentação
na defesa dos DH, projetando um leque amplo de políticas que envolvem tanto os
chamados direitos sociais como os demais – civis, políticos, culturais, ao meio
ambiente, entre outros, na perspectiva da sua indivisibilidade.
Se o que caracteriza as políticas públicas é o fato de estarem sob a
responsabilidade de uma autoridade pública, com o devido controle da sociedade
(PEREIRA, 2008) exige ter-se presente o quanto as políticas sociais expressam
conflitos e contradições presentes nas próprias relações estabelecidas entre diferentes
grupos da sociedade civil, entre estes e os governos e, internamente, ao aparato
governamental.
Se os direitos são fruto das lutas sociais e da necessidade do capitalismo em
manter a coesão do sistema, há que se distinguir o que se reconhece no plano jurídico
e nas possibilidades concretas de materialização dos direitos humanos. Os direitos
são prefigurados no plano formal do Direito. Todavia, a previsibilidade legal não basta.
É sim ferramenta na luta pela efetivação de direitos, pois “as demandas sociais, que
prefiguram os direitos, só são satisfeitas quando assumidas nas e pelas instituições
que asseguram uma legalidade positiva” (COUTINHO, 1997, p. 148).
Nessa direção, considera-se que a função primeira das políticas públicas é
materializar os direitos expressos na lei e distribuir bens públicos. Estes devem, pois:
ser indivisíveis, na medida em que se espera sejam usufruídos por todos os membros
de uma sociedade, daí a universalidade das políticas; ser públicos, visando o interesse
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geral, para além das condições individuais e da lógica do mercado; estar disponíveis
aos cidadãos (PEREIRA, 2008).
Acrescenta-se aos aspectos até aqui expostos a perspectiva de que as
políticas públicas, assim como os direitos humanos, não se configuram de uma vez
para sempre, mas são históricas e modificam-se conforme a capacidade organizativa
da própria sociedade. As políticas públicas não são conquistas lineares, em uma
lógica cumulativa de reconhecimento de direitos, como faria supor a teoria geracional
de direitos humanos (MARSHALL,1967). Antes se constituem de modo dinâmico e
contraditório. Assim, a constituição da Proteção Social é cenário de embates
sistemáticos mais ou menos acentuados a depender da conjuntura e da capacidade
organizativa da população, visto que se constitui, contraditoriamente, em espaço de
cooptação e de materialização de direitos. A propósito, afirma Coutinho (1997, p. 157):
“
a esfera das políticas sociais é determinada pela luta de classes. Através de suas lutas, os trabalhadores postulam direitos sociais que, uma vez materializados, são uma sua indiscutível conquis ta; isso não anula a possibilidade de que, em determinadas conjunturas, a depender da correlação de forças, a burguesia use as políticas sociais para desmobilizar a classe trabalhadora, para tentar cooptá-la, etc. (COUTINHO, 1997, p. 157).
Ora, esse binômio concessão-conquista é essencial para a compreensão
dos direitos humanos e dos desafios implicados na luta por sua indivisibilidade e
universalidade. O direito a ter todos os direitos segue sendo pauta política premente
para aqueles que vivem do trabalho e que seguem sendo oprimidos, explorados e
enfrentam a cotidiana ofensiva liberal que transforma direitos em fragmentos,
migalhas, benesses e desmobiliza lutas políticas pela dignidade humana. A luta por
políticas públicas conforma a disputa dos projetos societários que disputam
hegemonia e constroem o solo histórico de avanços e retrocessos dos direitos
humanos.
Referências
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Contextos (Porto Alegre), v. 10, n. 1, p. 01-04, jan./jul. 2011.
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Vermelha: estudos de política e teoria social, Vol. 1. Rio de Janeiro, UFRJ-DP&A,1997 JACCOUD, Luciana. Proteção Social no Brasil: debates e desafios. In: Concepção
e gestão da proteção social não contributiva no Brasil. Brasília, MDS/UNESCO 2009. VASAK, K. Las dimensiones internacionales de los derechos humanos. Vol. 1.
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MARMELSTEIN, G.. Curso de direitos fundamentais. São Paulo: Altas, 2008.
MENDES, J. M.R. et al. Proteção social. In: CATTANI, A. D.e HOLZMANN, .L.
Dicionário de trabalho e tecnologia. Porto Alegre: UFRGS, 2006. PEREIRA, P. A. P. Discussões conceituais sobre política social como política pública e direito de cidadania. In: BOSCHETTI, Ivanete et al. (Org.). Política social
no capitalismo: tendências contemporâneas. São Paulo: Cortez, 2008. PIOVESAN,F. Direitos humanos e direito constitucional internacional. In: Caderno de Direito Constitucional. Emagis:2006. TEJADAS, S. O direito humano à proteção social e sua exigibilidade – um estudo a partir do Ministério Público. Paraná: Juruá, 2012.