A INCLUSÃODA PESSOA COM DEFICIÊNCIA MENTAL: DO DISCURSO À PRATICA SOCIAL VIGENTE
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A INCLUSÃODA PESSOA COM DEFICIÊNCIA MENTAL: DO DISCURSO À
PRATICA SOCIAL VIGENTEi
Mariuza Aparecida Camillo Guimarães ii
UEMS/UFMS/FCG
Myrna Wolff Brachmann dos Santos iii
UFMS
(Eixo: Educação, Diversidade e Inclusão)
O presente artigo tratará da inclusão educacional das pessoas com deficiência
mental. Escrever sobre essa temática se faz necessário nesse momento em que a discussão da
inclusão está posta como determinante nas políticas públicas de atendimento às pessoas com
deficiência. Nesse sentido, esse trabalho tem como objetivo apresentar elementos para uma
reflexão sobre os conflitos que surgem quando da discussão de questões, tais como: Como
incluir um aluno com deficiência mental em uma escola que tem como referência fundamental
a aprendizagem da leitura, da escrita e do cálculo? Como romper com as limitações dessa
escola em que, pelos índices atuais, não ensina e cujos alunos não aprendem? Como um aluno
com deficiência mental aprende? Ele aprende? O que é inclusão, afinal?
Essas questões e outras estão presentes nas discussões sobre a inclusão de pessoas
com deficiência mental. Vamos, então, apresentar algumas referências para a discussão dessa
temática, sem nenhuma pretensão de apresentar respostas, mas de suscitar um debate sobre
esse assunto, especialmente, a partir das pesquisas realizadas por estas autoras, intituladas “A
Normalização na Prática Pedagógica e a Constituição do Conceito de Inclusão nas Escolas
Comuns da Educação Básica” (GUIMARÃES, 2005), e, “Sexualidade da pessoa com
deficiência mental: entre discursos de verdade e a possibilidade de outras práticas de si”
(SANTOS, 2007). As referidas pesquisas foram desenvolvidas sob a orientação do Prof. Dr.
Antonio Carlos do Nascimento Osórioiv
e apresentadas ao Programa de Pós-Graduação em
Educação, Curso de Mestrado, da UFMS.
Na perspectiva foucaultiana, base epistemológica das pesquisas que serão aqui
utilizadas como referência, não se pretende apresentar verdades, considerando-se que, quando
se trata de educação o discurso verdadeiro está tão fortemente entranhado na sociedade, que
termina por anular a busca de novas possibilidades, em que; “... a vontade de verdade, tal
como os outros sistemas de exclusão, apóia-se numa base institucional ...”, expressa na
normalização, na cultura e em diversos espaços sociais que definem o poder e o desejo, a
vontade de verdade previamente determinada por meio de leis e normas diversas, mas,
essencialmente, pela cultura. (FOUCAULT, 1970, p. 03). Nessa perspectiva, intenta-se tão
somente discorrer sobre a temática apontando focos de reflexão para contribuir com o debate.
Para tal apresentar-se-á alguns entendimentos sobre a deficiência mental e a inclusão
educacional.
No que se refere a deficiência mental, Entende-se que, adotados os pressupostos
foucaultianos como referencial de análise, é imprescindível fazer essas discussões a respeito
do caráter histórico e social de construção da idéia de deficiência mental, ainda que, o
intento não seja o de traçar um histórico da definição de deficiência mental ou das práticas a
ela dispensadas é necessário pontuar alguns marcos e elementos do processo de sua produção
e da produção do seu significado na atualidade.
Explicitar-se-á, portanto, que a concepção de deficiência mental e os significados
atribuídos a ela, são o resultado de uma produção histórica e social. Embora esta ou aquela
definição, esta ou aquela concepção sejam tomadas como mais ou menos adequadas, são
sempre o que a sociedade produziu como verdade num dado momento histórico a partir dos
elementos culturais e históricos que possui, que a tornam possível de ser considerada como tal
ou qual.
Inicialmente consultamos os Parâmetros Curriculares Nacionais: Adaptações
Curriculares (BRASIL, 1999) em busca da definição de deficiência mental adotada
oficialmente, já que o caráter desse documento é regulamentar a visão assumida pela
educação brasileira. Segundo ele a deficiência mental:
Caracteriza-se por registrar um funcionamento intelectual geral
significativamente abaixo da média, oriundo do período de
desenvolvimento, concomitante com limitações associadas a duas ou mais
áreas da conduta adaptativa ou da capacidade do indivíduo em responder
adequadamente às demandas da sociedade, nos seguintes aspectos:
comunicação; cuidados pessoais; habilidades sociais; desempenho na
família e na comunidade; independência na locomoção; saúde e segurança;
desempenho escolar; lazer e trabalho (BRASIL, 1999, p. 26).
Segundo os dados de França Ribeiro (1995), Melo (2004) e Denari (1997), essa
compreensão está de acordo com as definições propostas pela American Association of
Mental Deficiency (AAMD) em (1992) e pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Embora essa seja a definição utilizada oficialmente no Brasil (BRASIL, 1999;
2001a; 2001b), ela já foi revista e reelaborada pela Associação Americana de Retardo Mental
(AAMR). A nova proposição foi feita pela AAMR em 2002 e foi necessária em função das
críticas que recebeu (embora também se tenham elencado aspectos positivos à definição de
1992) e por sua adoção ter sido muito menor do que o esperado. (ALMEIDA, 2004).
Dessa forma a nova proposição da AAMR define retardo mental como:
[...] uma incapacidade caracterizada por importantes limitações, tanto no
funcionamento intelectual quanto no comportamento adaptativo, está
expresso nas habilidades adaptativas conceituais, sociais e práticas. Essa
incapacidade tem início antes dos 18 anos de idade (LUCKASSON. et al.,
2002).
A partir da análise comparativa que realizou entre as definições de 1992 e 2002,
Almeida (2004, p. 46) lista os principais aspectos mantidos e os que foram reformulados de
uma definição para a outra, entre as quais destacamos: “Manteve-se o contexto de que a
condição de deficiência continue sendo encarada como uma expressão da interação entre a
pessoa com limitação no funcionamento intelectual e o ambiente”, como um dos aspectos
importantes que permaneceram, e entre os que foram reformulados, o fato de que a nova
definição “[...] Reorganiza o comportamento adaptativo em três categorias: habilidades
conceituais, sociais e práticas”, o que explicita a importância de se considerar o contexto no
qual vive a pessoa com deficiência mental ao ser definida como tal.
Almeida (2004, p. 47) sinaliza que, na verdade, ainda não é possível prever ou
mensurar os efeitos futuros que a utilização, ou não, desta definição pode trazer ao contexto
da vida das pessoas com deficiência mental, mas também indica que há uma série de aspectos
positivos nessa nova definição em comparação à antiga, de 1992. Quanto a esta nova
definição da AAMR, a autora explicita:
No Brasil, o assunto ainda não foi sequer discutido. A definição de 1992 foi
adotada nos documentos oficiais brasileiros, mas os níveis de suporte não
foram discutidos e tão pouco adotados. Durante esses 10 anos, o país
continuou utilizando a classificação de retardo mental baseada em QI (grau
de severidade: leve, moderado, severo e profundo), talvez por não dispor de
escalas que avaliem comportamentos adaptativos [...] Espera-se que no
Brasil, enquanto não dispomos de escalas que avaliem comportamentos
adaptativos, os profissionais da área ao menos as utilizem em seus
“julgamentos clínicos”.
Ao se considerar a concepção de deficiência, queremos destacar outros aspectos
além da definição que precisam ser contemplados.
Segundo Omote (1999) a compreensão da concepção de deficiência é trabalho
amplo e ambíguo, pois comporta múltiplos significados. Embora existam as definições
baseadas em critérios objetivos, elaboradas a partir de muitas reflexões, o uso e os
significados atribuídos a certos termos prevalecem sobre as definições conferindo a alguns
sujeitos classificações indevidas, por critérios consagrados pela prática, mas não condizentes
com as especificações oficiais. Por esse motivo, muitos alunos nos bancos de escola são
tratados como deficientes mentais, quando não atendem os critérios de normalização impostos
pela instituição.
Outro agravante que se soma a essa prática diz respeito aos termos utilizados para
designar esses sujeitos. Segundo França Ribeiro (1995), o uso dos termos geralmente criados
apenas para identificar certo grupo de sujeitos sofre um desgaste por receber significados
desvalorizantes e pejorativos com o passar do tempo. Assim, o termo “excepcional” usado a
partir da década de 1960, o termo “desviante”, usado na década de 1970, precisaram ser
substituídos por terem agregado ao seu significado um sentido estigmatizante que rotulava
negativamente as pessoas com deficiência mental. Por isso, segundo o autor, surgiram
diversas novas expressões com o objetivo de identificar esses grupos, substituindo as velhas
designações já desgastadas, é o caso dos termos “desenvolvimento atípico”, “pessoas com
necessidades especiais”, “pessoas portadoras de deficiências”, dentre outros.
França Ribeiro (1995) ainda comenta que o termo “retardo mental”, aprovado pela
AAMD, é o utilizado nos Estados Unidos. No entanto, a expressão “retardado” adquire um
significado bastante negativo no Brasil, sendo que o termo “deficiente mental” é o que
atualmente recebe uma carga menos negativa sendo preferida pela maioria dos profissionais
da área da Educação Especial. Isso também é sinalizado por Almeida (2004), que aponta que
o termo, embora esteja em fase de revisão, ainda tem sido utilizado, como no caso da nova
definição da AAMR - 2002, já que não há consenso sobre outra expressão que possa vir a
substituí-la.
Vasconcelos (1996) sugere a utilização do termo “pessoa/s com deficiência mental”,
que embora designe uma característica do sujeito, não o identifique por ela mesma, o que
acontece quando se utiliza o termo “deficiente mental”.
Segundo Omote (1999), qualquer termo pode adquirir uma conotação negativa com
o uso, pela associação de outra significação não positiva. No entanto, é preciso ter um nome
para que se possa identificá-los, embora se trate apenas de um nome para designar uma
condição e, portanto, não corresponde a uma descrição da pessoa, como costumeiramente os
termos passam a ser compreendidos.
Serão apresentadas a seguir algumas contribuições para a compreensão do processo
de instituição da condição social de uma pessoa como deficiente pela qual, arbitrariamente ou
não, um sujeito pode passar a ser identificado, tendo como referência os estudos de Omote
(1999). Contudo, é preciso deixar claro que não se está desconsiderando o fato de que há
condições biológicas que são responsáveis por reduzir capacidades em algumas pessoas.
As incapacidades ou capacidades reduzidas são causadas por alterações estruturais
ou funcionais que podem limitar mais ou menos a utilização das funções do corpo no
processo de interação e ação sobre o meio, conforme dados de Omote (1999), Gherpelli
(1995) e Denari (1997).
Estudos, como os desses autores, têm chamado a atenção para os aspectos
socioculturais que podem incidir negativamente sobre uma pessoa que apresente uma
condição de incapacidade, e, em alguns casos, sobre pessoas que não apresentam qualquer
redução significativa de suas capacidades.
Denari (1997), apoiada em vários estudos, afirma que muitas pessoas são tidas como
pessoas com deficiência mental apenas no período em que estão freqüentando a escola. Fora
dela ou após deixar de freqüentá-la, esses mesmos sujeitos vivem sem ser diferenciados das
demais pessoas, desempenhando satisfatoriamente diversos papéis na sociedade, na família ou
no trabalho, dando, portanto, indicações de que o estabelece-se um parâmetro tortuoso para a
designação de uma pessoa como deficiente mental.
Ou ainda, podemos citar os resultados do estudo do President’s Commitee on Mental
Retardation (1970), que mostra que um número significativo de crianças, com predominância
daquelas pertencentes a ambientes culturais desfavorecidos, eram, equivocadamente,
identificadas como deficientes mentais durante as seis horas em que freqüentavam ambiente
escolar, o que não acontecia fora dos muros da instituição. Documento, aliás, que repercutiu
de forma relevante no processo de discussão e estabelecimento de definições para a
deficiência mental, na época, mas que, no entanto, não se refletiu nas práticas sociais
desenvolvidas na escola. (ALMEIDA, 2004)
Entre outras pessoas tidas como diferentes, a pessoa com deficiência mental pode
sofrer, ou não, os efeitos de um processo social que venha a identificá-la pelo seu estigma,
mesmo em casos em que não há a presença real de uma incapacidade, do mesmo modo como
há sujeitos, que mesmo sendo limitados por alguma incapacidade, não chegam a ser tratados
distintivamente. (OMOTE, 1999; DENARI, 1997)
Assim, o primeiro passo do processo de estigmatização é um tratamento
diferenciado a partir da sua colocação em uma categoria de desviante. O termo desviante está
sendo utilizado aqui no mesmo sentido atribuído no texto de Omote (1999), designando um
sujeito que sofreu o processo de diferenciação em contexto e momento social e histórico em
que as incapacidades e suas conseqüências para o sujeito são interpretadas como
extremamente alteradas em relação a uma “normalidade”.
Os estudos acima citados indicam que a concepção de deficiência mental tem um
forte conteúdo social que se reflete diretamente nas relações estabelecidas no interior da
escola, mas de qualquer forma, não se pode desconsiderar as limitações de tais pessoas, no
entanto, também não se pode estabelecer a priori que pessoas com deficiência mental não
podem aprender.
Nesse entendimento, pode-se afirmar que a educação inclusiva pode ser extensiva a
todas as pessoas, desde que apresentem-se as condições adequadas para a aprendizagem de
alunos com as mais diversas condições, sejam elas físicas ou intelectuais.
É nesse sentido que os organismos multilaterais, as organizações governamentais e
não governamentais vêm discutindo de longa data os processos de inclusão educacional de
todas as pessoas. Destacar-se-á algumas dessas ações e concepções.
No ano de 1.990, foi realizada em Jomtiem, a Conferência Mundial sobre Educação
para Todos, que apontou os problemas e as diretrizes para a elaboração das políticas públicas
nos países pobres na busca de estratégias que levassem à equidade social, sendo que:
O seu traço marcante será a tentativa de construção de um consenso em torna
da educação para todos com equidade social. [...] uma educação que
responda às exigências do setor produtivo (gestão do trabalho) e outra que
atenda as demandas da maioria (gestão da pobreza). (OLIVEIRA, 1999, p.
74).
No que se refere às pessoas com deficiência, essa Conferência dá origem a
“Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade”, em
Salamanca, Espanha, em 1994, que aprova o documento Declaração de Salamanca e Linha de
Ação sobre Necessidades Educacionais Especiais (1994, p. 1), que estabelece como princípio
fundamental:
[...] que as escolas devem acolher todas as crianças, independentemente de
suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas e outras.
Devem acolher crianças com deficiência e crianças bem dotadas; ... As
escolas têm que encontrar a maneira de educar com êxito todas as crianças,
inclusive as com deficiências graves.
Esse paradigma implica na construção de espaços sociais inclusivos, onde o foco
deve ser o potencial e não propriamente a deficiência, é a busca por alternativas educacionais
para que estes alunos, independentemente de sua condição possam apropriar-se de
conhecimentos, possam ter garantido o seu direito de usufruir de todas as instâncias da vida
em sociedade.
Esse discurso estabelece um jogo, que envolve conceitos e preconceitos, prevê
alterações significativas e necessárias nas práticas desenvolvidas no interior da escola,
podemos entendê-las, conforme Foucault (1999, p. 229), como
[...] relação de força, equilíbrio e jogos de proporções, dissimetria estável,
desigualdade congruente. [...] relação de força entre o bem e o mal, relação
de força também entre adversários. Esse momento constituinte que se trata
de reencontrar, deve-se alcançá-lo pelo conhecimento e pelo
restabelecimento de uma relação de força fundamental [...].
A relação de força presente no discurso restabelece o debate sobre a função social da
escola, põe no centro da discussão os diversos papéis dos segmentos que formam a escola,
trazendo uma discussão que ultrapassa as fronteiras do atendimento às pessoas com
deficiência, passando a considerar a exclusão de setores que historicamente foram relegados a
outros planos, o plano da omissão.
Em função desse paradoxo da relação e da própria prática social, a inclusão só pode
ser entendida pela exclusão, em suas diferentes dinâmicas sociais. Partindo desse princípio,
surge o pressuposto de que o discurso da inclusão é necessário.
Osório & Osório (2004, p. 10-11) afirmam que
Falar de inclusão é traduzir angústias e insatisfações de toda ordem, de maior
ou menor relevância, dependendo do grau de constrangimento imposto por
barreiras instituídas pela configuração de diferentes práticas sociais e pela
formação cultural dos diferentes segmentos que constroem suas relação [...].
Esse princípio permite afirmar que a inclusão só pode ser entendida pela
exclusão, ou seja, no contraponto de suas intencionalidades.
Desta afirmação depreende-se que o contraditório está presente na sociedade como
característica própria do capitalismo, especialmente na atualidade, quando este tem como
referência ideológica o neoliberalismo, que privilegia a eficiência e a eficácia, o que exige
uma condição “de perfeição” e relega as diferenças individuais aos guetos.
Os autores apontam para os conflitos e para a necessidade de se discutir a educação
inclusiva numa realidade excludente:
[...] O sistema capitalista, sem pudor, sem regras, tem como estratégia a
segregação, num exercício constante de preconceitos, referendando a coação
e a discriminação social. Isso demonstra que a inclusão, até aqui adotada nas
regulamentações normativas, dificilmente é exercitada em sua prática social.
(OSORIO, A.C.N.; OSORIO A.M.N., 2004, p. 11).
Essa discussão remete a um entendimento de que a inclusão, mesmo que constante
nas normas, não se configura em prática, constituindo-se em mero discurso do poder, com o
objetivo de apaziguamento dos conflitos gerados pelas diferenças existentes no regime de
capital vigente.
Falar de inclusão significa bem mais do que apenas pensarmos nas diferenças no
interior da escola, especialmente das diferenças apresentadas pelas pessoas com deficiência.
Nesse sentido, quando se pensa nas pessoas com deficiência mental, deve-se buscar mais do
que as suas limitações, mas as condições que envolvem a organização da sociedade e da
escola.
Silva; Aranha (2005, p. 374) discute os aspectos que envolvem as relações entre
professores e alunos com deficiência, abordando os elementos necessários a compreensão de
uma educação inclusiva:
[...] o paradigma da construção de sistemas educacionais inclusivos, em
desenvolvimento, requer relações interpessoais que sejam eficientemente
acolhedoras para todos, ou seja, que atendam às necessidades educacionais
de todos, inclusive dos que apresentam necessidades educacionais especiais.
A afirmativa das autoras indica que a relação do professor com o aluno, o
acolhimento a esse no ambiente escolar é fundamental em uma proposta pedagógica de
educação inclusiva. Nesse sentido, Silva; Aranha (2005, p. 377) afirmam ainda que:
No processo de construção de uma classe inclusiva, as relações entre
professor e aluno surgem como elemento de fundamental importância, já que
é no contexto das relações que o respeito e a atenção pedagógica flexível e
individualizada vão se efetivar.
Há de se pensar, portanto, que a subjetivação do sujeito com deficiência mental, o
entendimento de que todos tem as mesmas limitações, e a não aceitação de que as limitações
aparecem apenas na escola em grande parte dos casos, impedem que as relações entre
professores e alunos sejam objetivas, onde ambos possam buscar a melhor forma, de ensinar e
de aprender, entendendo o processo educacional como uma via de mão dupla, onde se
aprende e se ensina no seu próprio movimento, inclusive, reestabelecendo os papéis de
professores e de alunos.
Sanches e Teodoro (2007, p. 108) definem inclusão como: “[...] a palavra que hoje
pretende definir igualdade, fraternidade, direitos humanos ou democracia [...], conceitos que
amamos, mas que não sabemos ou não queremos pôr em prática.”.
Observa-se que a concepção utilizada pelos autores é bastante abrangente e aponta
para a subjetividade humana, envolvendo sentimentos e desejos que determinam as relações
com as pessoas com diferenças significativas. Diz respeito a um discurso que pretende
universalizar as relações humanas, pautadas em fraternidade, solidariedade ou outros
sentimentos que confrontam aqueles que norteiam a sociedade capitalista. Tal discurso
enquanto dispositivo de manutenção das relações de poder criam outros que buscam
justificar-se: ora quem tem nas mãos a solução para o problema é a saúde, ora é a educação,
ora é a família ou outras instituições sociais. A vontade de verdade, neste caso, é a de
apresentar aos excluídos as condições necessárias para a resolução de seus problemas. A
partir daí, ao longo da história vê-se um discurso que busca os responsáveis pela inclusão,
mas não as causas da exclusão, o que aparentemente não é percebido, inclusive, por militantes
partidários ou de movimentos sociais, sejam eles pessoas com deficiência, pais ou
profissionais.
Na busca pela superação dos limites impostos pelo poder, os movimentos sociais e
teóricos da educação buscam soluções, incorporam discursos oficiais, mobilizam famílias,
população, órgãos de imprensa, buscando alternativas viáveis para a superação das condições
de exclusão presentes na escola, criando diversas teorias e métodos, divulgados como
redentores, mas que não atendem a todas as necessidades, posto que a sociedade é excludente,
precisando, portanto, estabelecer um “discurso verdadeiro” que justifique a sua não totalidade
de resolução e crie imediatamente uma nova solução.
Esses movimentos, a despeito de suas intencionalidades acabam por reproduzir os
discursos estabelecidos pelo poder, evidenciando que a educação reflete o discurso que a
sociedade produz sobre ela. A busca pela constituição do homem, pela sociedade justa, pela
democracia e pela educação para todos permeia a história da humanidade.
A discussão da inclusão do aluno com deficiência mental, nesse contexto pode ser
entendida como parte desse discurso que faz parecer que tudo é possível e condena alunos a
sucessivos fracassos na escola em nome de uma “verdade” que foi previamente definida.
Veltrone (2008, p. 30) ao discutir a inclusão escolar a partir do olhar dos alunos com
deficiência mental faz uma discussão acerca de alguns conceitos de inclusão e, dentre estes,
destaca-se, inicialmente, uma diferenciação entre integração e inclusão escolar, evidenciando
neste último que a responsabilidade do sucesso escolar deixa de ser atribuído ao aluno e, na
seqüência, passa a cobrar uma escola que se adeqüe às condições de cada aluno.
Essa autora aborda a inclusão numa perspectiva política onde procura evidenciar que
a escola não é um ente isolado, mas que pertence a um sistema, que deve sustentar os novos
conceitos necessários a consolidação de uma escola inclusiva. No entanto, não faz referência a
esses sistemas educacionais como parte de uma sociedade, que tem seu modo de organização,
sua cultura, dentre outros aspectos, que envolvem as relações sociais e que influenciam na
organização escolar e, especialmente nas normas que regem os sistemas, que trazem em si as
idéias operadas pelo poder.
Considera-se que o entendimento de que a escola de qualidade, com práticas
pedagógicas “adequadas”, monitoramento e avaliação leva a uma relativização das
problemáticas acerca de uma escola inclusiva a despeito do reconhecimento das limitações
apontadas, especialmente, para as escolas públicas. Nesse sentido, Veltrone (2008, p. 40)
continua a discussão destacando que:
[...] antes de afirmarmos que a inclusão escolar é uma realidade nos sistemas
educacionais brasileiros, devemos considerar que esta é uma prática ainda
recente nos nossos sistemas educacionais. Dessa forma, é bastante lógico
que neste processo surjam dúvidas, problemas ou até mesmo sugestões que
precisam ser discutidas e socializadas, visando à implementação, bem
sucedida, das práticas inclusivas no nosso sistema educacional. As práticas
pedagógicas advindas da política de inclusão escolar precisam ser
monitoradas e avaliadas, para que a implementação delas seja bem sucedida
[...].
A justificativa que se apresenta para as dificuldades é a de que por ser esta uma
prática recente não se pode esperar grandes avanços, mas a indicação é a de que a inclusão é
possível e poderá ser feita a partir do cumprimento do expresso por meio da normalização e
dos discursos nela contidos e reproduzidos pelo poder, representados pelo poder público e até
mesmo por movimentos sociais vinculados a causa das pessoas com deficiência.
A discussão da inclusão em si mesma não faz indicações expressas sobre uma
organização curricular ou metodológica que possa dar conta de atingir o objetivo mínimo da
escola, de disseminação de conhecimentos que permitam o domínio da leitura, da escrita e do
cálculo, que numa perspectiva concreta da sociedade vigente pode-se afirmar que, a educação
não é para todos, ao contrário do discurso posto.
Foucault (1987) destaca de forma ímpar as relações entre poder e saber, como um
círculo que se reproduz continuamente: o poder produz o saber e o saber estabelece e alimenta
o poder. A humanidade convive com essa forma de organização desde que o domínio da
tecnologia estabelece o controle de alguns homens sobre outros homens, como instrumento de
controle social, o que evidencia que as relações entre os homens são sempre desiguais,
embora se dêem em uma multiplicidade de relações redes e direções.
A contradição se estabelece. Nessa perspectiva, pode-se entender que os homens são
desiguais em direitos e, portanto, afirmar que a educação é para todos é uma temeridade. Por
outro lado, afirmar que pessoas com deficiência mental são inaptas para a aprendizagem se
configura em uma inverdade. O que se pode afirmar é que o saber tem que estar disponível
para todos, não o saber escolar, mas o saber humano, constituído histórica e socialmente, de
forma a que novas relações de poder se constituam, transgressões se consolidem e novas
experiências possam ser vivenciadas, inclusive na escola.
No entendimento de que o poder não está centrado em um determinado lugar, mas
que ele circula nos diversos espaços sociais, a educação pode ser um locus para novos
exercícios de saber e de poder.
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i Este artigo é parte integrante dos relatórios de dissertação das pesquisadoras/autoras resultante de pesquisa
realizada no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, sob a orientação do
Prof. Dr. Antônio Carlos do Nascimento Osório, vinculados à Linha de Pesquisa “Educação e Trabalho” e ao
“Grupo de Estudos e de Investigação Acadêmica nos Referenciais Foucaultianos” (GEIARF) e disponíveis na
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (http://bdtd2.ibict.br/).
ii Pedagoga, Especialista em Educação Especial, Mestre em Educação pela UFMS, Doutoranda do Curso de
Doutorado em Educação/Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMS. Docente da Universidade
Estadual de Mato Grosso do Sul - UEMS e Faculdade Campo Grande – FCG.
iii
Pedagoga, Mestre em Educação pela UFMS, Doutoranda do Curso de Doutorado em Educação/Programa de
Pós-Graduação em Educação da UFMS.
iv Professor-Pesquisador e Coordenador do “Grupo de Estudos e de Investigação Acadêmica nos Referenciais
Foucaultianos” (GEIARF). – [email protected].