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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Educação Mestrado A INSERÇÃO DO SETOR PRIVADO NO ESPAÇO EDUCACIONAL PÚBLICO – UMA ALTERNATIVA EFICAZ? Um estudo de caso sobre a formulação e implementação de um projeto de Arte-Educação Raquel Romano Belo Horizonte 2006

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Educação

Mestrado

A INSERÇÃO DO SETOR PRIVADO NO ESPAÇO

EDUCACIONAL PÚBLICO – UMA ALTERNATIVA EFICAZ?

Um estudo de caso sobre a formulação e implementaçã o

de um projeto de Arte-Educação

Raquel Romano

Belo Horizonte

2006

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Raquel Romano

A INSERÇÃO DO SETOR PRIVADO NO ESPAÇO

EDUCACIONAL PÚBLICO – UMA ALTERNATIVA EFICAZ?

Um estudo de caso sobre a formulação e implementaçã o

de um projeto de Arte-Educação

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientadora: Dra. Vera Lúcia F. Alves de Brito

Belo Horizonte

2006

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Ficha catalográfica

Romano, Raquel

R759i A inserção do setor privado no espaço educacional público: uma alternativa eficaz? um estudo de caso sobre a formulação e implementação de um projeto de arte-educação / Raquel Romano. – Belo Horizonte, 2006.

216f. Orientadora: Vera Lúcia Ferreira Alves de Brito Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Educação. Bibliografia.

1. Arte na educação. 2. Responsabilidade social da empresa. 3. Escolas – Programas culturais. I. Brito, Vera Lúcia Ferreira Alves de. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Educação. III. Título.

CDU: 373.036

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Aos meus filhos Waltinho e César,

fiéis companheiros e jóias preciosas da minha vida.

Ao meu inesquecível pai, Demosthenes, descobridor da minha veia artística.

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AGRADECIMENTOS

As pessoas que participam da minha vida são personagens que vão deixando

a sua marca nas cenas da minha história de desafios e conquistas. A todas o meu

agradecimento sincero.

À professora Dra. Vera Lúcia Alves de Brito, orientadora sábia e paciente,

pelo direcionamento nos momentos de dúvidas e incertezas.

À coordenadora do Mestrado, Dra. Ana Maria Casasanta Peixoto, pela

orientação e estímulo.

Aos professores do PROPPG - Mestrado em Educação, pelos conhecimentos

partilhados.

Ao Harvey e à Graziella, pelo importante apoio na tabulação dos dados.

A Sílvia Porto, pelo companheirismo e confiança nos momentos desafiadores

da pesquisa.

A cada um dos colegas de mestrado, que deixou a sua marca na minha

lembrança.

À Valéria e demais funcionários e estagiários do PROPPG - Mestrado em

Educação PUC Minas, pelo apoio disponibilizado.

À minha mãe Waldete, pelo exemplo de amor, equilíbrio e fé.

Aos meus quatorze irmãos, incentivadores e amigos incondicionais.

Aos educadores respondentes dos questionários e aos atores entrevistados,

pela imprescindível colaboração.

Ao Marconi, pela tarefa da formatação

Aos amigos tantos, pelo interesse sincero em meu crescimento.

Aos companheiros do Budismo, pelo novo sentido da vida, razão desta vitória.

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A arte é o retrato natural da existência humana, e daí permitir que nela o

homem reconheça, numa só ação, a proximidade e a distância, o estar-vivo imediato

e a mediatíssima perspectiva em que a vivência foi objeto da consciência e da

crítica, foi degrau na marcha de um auto-conhecimento que se relativiza a cada

etapa da história.

Merquior (1996)

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RESUMO

A inserção do setor privado no espaço educacional público - especificamente na

área de Arte-educação – por meio de um programa de responsabilidade social, foi a

questão norteadora deste estudo. O trabalho investigou o Projeto empresarial

CRIAR, integrante do programa de responsabilidade social da empresa LÓTUS, por

meio de um estudo de caso, em que se analisaram os documentos da sua

formulação e implementação na comunidade, e a percepção dos participantes, no

período compreendido entre junho de 2003 e junho de 2005. A escolha da empresa

foi definida pelo destaque dado ao seu programa de responsabilidade social, que

abarca projetos culturais de Arte-educação desenvolvidos no espaço educacional

público, utilizando as prerrogativas da Lei Estadual de Incentivo à Cultura. Para

responder a questão motivadora deste trabalho, buscou-se identificar a percepção

dos atores envolvidos nas ações do Projeto CRIAR, sobre o significado do processo

de Responsabilidade Social Empresarial e Arte-educação, no âmbito de escolas

públicas de um município de Minas Gerais. Empregou-se a metodologia qualitativa,

em que foram utilizados questionários e entrevistas semi-estruturadas, buscando o

entendimento da percepção dos professores e de outros atores envolvidos no

projeto.

Palavras-chave: Educação e Arte-educação; Responsabilidade social empresarial; Projetos culturais

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ABSTRACT

The insertion of the private sector of the economy in the public educational space

through the programs of social responsibility – specifically in the Art-education – was

the guiding question of this study. This work investigated the enterprise project

CRIAR, a part of the social responsibility program LOTUS, through a study of case in

which were analyzed the documents of its formulation and implementation in the

community and also the perceiving of the participants, in the period ranging from

June of 2003 to June of 2005. The choice of the company was defined by the

prominence that was given to the company's own social responsibility program,

which embraces cultural projects in the Art-education sector. This has been

developed in the public educational space by using the prerogatives of the “Lei

Estadual de Incentivo à Cultura” (a Minas Gerais state law which supports culture). In

order to answer the question that motivated this work, an attempt to identify the

perception of the active parts who are involved in Projeto CRIAR took place, as

related to the meaning of the process of Enterprise Social Responsibility and of Art-

education in the circumference of the public schools of a Minas Gerais state city.

There has been engaged the qualitative methodology in this research and survey

and semi-structured interviews were used, seeking the comprehension of the

perception of the teachers, as well as of other active parts that are involved in the

project.

Key-words: Education and Art-education; Social Magement Responsibility; Cultural projects.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 Contação de história...................... ..................................................... 108

FIGURA 2 Projeto Mural............................. ........................................................... 109

FIGURA 3 Oficina Projeto Mural..................... ...................................................... 109

FIGURA 4 Colcha de retalhos........................ ....................................................... 110

FIGURA 5 Colcha de retalhos........................ ....................................................... 110

FIGURA 6 Grupo Aruanda............................. ....................................................... 112

FIGURA 7 Dança com jovens alunos da Oficina Aruanda ................................ 112

FIGURA 8 Desenho de aluno da oficina............... ............................................... 114

FIGURA 9 Aluno com desenho criado na oficina....... ........................................ 114

FIGURA 10 Crianças e bonecos....................... .................................................... 115

FIGURA 11 Bonecos criados por professores/alunos... .................................... 115

FIGURA 12 Oficina Andante – Teatro ................ ................................................. 116

FIGURA 13 Oficinas de Confecção de máscaras........ ....................................... 116

FIGURA 14 Alunos e instrumentos – UAKTI............ ........................................... 118

FIGURA 15 Integrantes/oficineiros do Grupo UAKTI... ...................................... 118

FIGURA 16 Menino com instrumentos da Oficina UAKTI. ................................. 119

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 Cruzamento idade / tempo de conclusão do c urso de magistério......................................... .....................................................................

128

QUADRO 2 Cruzamento idade / graduação.............. .......................................... 130

QUADRO 3 Cruzamento idade / pós-graduação.......... ....................................... 132

QUADRO 4 Cruzamento regência de turma / idade...... ..................................... 135

QUADRO 5 Cruzamento faixa etária / carga horária se manal........................... 141

QUADRO 6 Cruzamento idade / participação em entidad e social.................... 144

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 Residência................................ ........................................................... 121

TABELA 2 Sexo...................................... ............................................................... 122

TABELA 3 Idade..................................... ................................................................ 124

TABELA 4 Estado Civil.............................. ........................................................... 125

TABELA 5 Rede de Ensino em que cursou o Magistério. ................................. 126

TABELA 6 Tempo de conclusão do Curso de Magistério. ................................ 127

TABELA 7 Curso de Graduação – Freqüência........... ........................................ 128

TABELA 7.1 Curso de Graduação - Tipos de curso..... ...................................... 129

TABELA 8 Curso de Pós-Graduação.................... ............................................... 131

TABELA 8.1 Curso de Pós-Graduação - tipos de curso. ................................... 131

TABELA 9 Tempo de conclusão da Graduação........... ...................................... 133

TABELA 10 Rede de Ensino em que trabalha........... ......................................... 134

TABELA 11 Regência de turma........................ .................................................... 135

TABELA 12 Desempenho em outras funções............. ....................................... 136

TABELA 13 Nível de ensino em que atua.............. .............................................. 137

TABELA 14 Tempo de Regência........................ .................................................. 138

TABELA 15 Turnos de trabalho....................... .................................................... 139

TABELA 16 Carga Horária............................ ........................................................ 140

TABELA 17 Renda familiar........................... ........................................................ 141

TABELA 18 Participação em Entidade Social.......... .......................................... 142

TABELA 18.1 Participação em Associação, Sindicato o u Partido Político..... 143

TABELA 19 Localização da Escola.................... .................................................. 145

TABELA 20 Níveis de ensino ofertados............... ............................................... 146

TABELA 21 Infra-Estrutura.......................... ......................................................... 147

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TABELA 22 Recursos disponíveis..................... .................................................. 148

TABELA 23 Expectativa em relação ao Projeto........ ......................................... 150

TABELA 24 Freqüência de aplicação das atividades ar tísticas....................... 151

TABELA 24.1 Freqüência de aplicação das atividades artísticas.................... 151

TABELA 25 Importância das ações de arte-educação pa ra o desenvolvimento pessoal e prática docente do Profes sor..............................

154

TABELA 26 Avaliação das ações de acompanhamento do Consultor............ 155

TABELA 27 Consulta da empresa sobre os Projetos mai s necessários a sua Escola......................................... .....................................................................

156

TABELA 28 Mudança da Prática Pedagógica............ ......................................... 157

TABELA 29 Identificação das mudanças na sala de aul a a partir das atividades de arte-educação........................ ........................................................

158

TABELA 30 Aplicação das atividades................. ................................................ 160

TABELA 31 Indicação de problemas existentes na Esco la.............................. 161

TABELA 32 Aspecto mais frágil da Escola, com necess idade de melhoria.... 162

TABELA 33 Objetivos das ações de responsabilidade s ocial da empresa..... 163

TABELA 34 Principal aspecto não contemplado e que d everia ser alvo de atenção............................................ .......................................................................

164

TABELA 35 Valorização dos costumes, das danças, das músicas e festas locais............................................. .........................................................................

165

TABELA 35.1 Valori zação dos costumes, das danças, das músicas e festa s locais............................................. .........................................................................

166

TABELA 36 Avaliação do Projeto Criar............... ............................................... 167

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SUMÁRIO

1 APRESENTAÇÃO ..................................... ............................................................10 1.1 Objetivos ...................................... ......................................................................11 1.2 Metodologia .................................... ...................................................................12 1.3 Responsabilidade Social e Arte-Educação........ .............................................15

2 RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL: ELO DE INTER AÇÃO ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO? ............................. .................................................18

2.1 A Área Cultural e as Políticas Culturais ....... ...................................................29 2.2 Conceito de Cidadania.......................... ............................................................39 2.3 Alfabetização Cultural e Arte-Educação......... .................................................44

3 A PESQUISA SOBRE O PROJETO CRIAR ................. ........................................66 3.1 O Projeto Empresarial CRIAR .................... ......................................................71 2.1.1 Análise dos Conceitos Básicos do Projeto CRIAR ...........................................73

4 CARACTERIZAÇÃO DO CORPO DOCENTE DAS ESCOLAS E SUA S PERCEPÇÕES SOBRE O PROJETO CRIAR ................... ...............................120

4.1 Perfil Docente e das Escolas Pesquisadas....... ............................................120 4.1.1 Perfil do Educador..........................................................................................121 4.1.2 Perfil das Escolas que Participam do Projeto.................................................145 4.1.3 Percepção do Projeto Pedagógico pelos Educadores ...................................150 4.2 Percepção dos Docentes sobre o Projeto CRIAR ... .....................................168 4.2.1 Respostas das Entrevistas .............................................................................168 4.3 Perspectivas da Arte-Educação: Função Didático- Pedagógica e

Multicultural ...................................... ...............................................................177 4.3.1 A Importância da Cultura no Desenvolvimento do Projeto CRIAR .................184 4.3.2 O Papel da Lei de Incentivo à Cultura............................................................187 4.3.3 Percepção Avaliativa Sobre o Projeto CRIAR – Ações e Resultados ............194

5 CONCLUSÕES....................................................................................................205

REFERÊNCIAS.......................................................................................................213

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1 APRESENTAÇÃO

Este trabalho tem como objetivo apresentar os resultados de uma pesquisa

vinculada à linha “direito à educação e políticas educacionais”, do Programa de Pós-

graduação da PUC Minas, que focalizou o projeto CRIAR, incluído na área de

responsabilidade social da empresa LÓTUS1.

Responsabilidade social, tema relativamente novo, sugere um olhar crítico

sobre a dinâmica de inserção das empresas no espaço público, sua relação com a

escola, os seus interesses mercantilistas e filantrópicos, bem como os seus limites e

possibilidades de contribuição para a área educacional pública.

As análises que sedimentam o trabalho dizem respeito ao processo de

formulação e implementação do projeto CRIAR, as ações de Arte-educação que o

compõem, bem como a percepção dos atores envolvidos sobre o significado desse

projeto.

Diante do propósito da empresa LÓTUS de estabelecer um programa

educacional em uma comunidade escolar, através de um projeto cultural que tem

como objetivo “colaborar para o aprendizado dos alunos e professores, propiciando

um crescimento pessoal e cultural, e melhorar a qualidade do ensino” (PROJETO

CRIAR, 2000). O objetivo principal da pesquisa foi investigar a percepção dos atores

sobre o significado do programa de responsabilidade social empresarial no

desenvolvimento profissional dos professores, na sua prática docente e sua

influência na qualidade do ensino.

Este enfoque teve como objetivo contribuir para uma reflexão acerca das

ações de responsabilidade social empresarial no âmbito da esfera pública,

especialmente no espaço da Arte na educação que tem neste trabalho uma análise

do seu percurso histórico e das tendências atuais para o seu desenvolvimento.

A temática escolhida exigiu amplo estudo sobre questões relativas aos

âmbitos público e privado, ao papel do Estado e à constituição da sociedade civil,

envolvendo também a evolução da noção de cidadania, suas redefinições e

significados, para se chegar à compreensão do diálogo entre empresa e escola.

Os atores da pesquisa foram educadores das escolas públicas - municipais e

1 LÓTUS E CRIAR são nomes criados para identificar, respectivamente, a empresa incentivadora e o

projeto de responsabilidade social, objetos de estudo deste trabalho.

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estaduais - que participaram como alunos das oficinas oferecidos pela empresa

LÓTUS, representante da empresa no projeto CRIAR e, ainda, empreendedores

culturais que desenvolveram projetos de Arte-educação na comunidade,

patrocinados pela empresa.

1.1 Objetivos

A pesquisa consistiu em realizar um estudo de caso, tendo como foco o

projeto CRIAR, identificado como um projeto de relacionamento com a comunidade,

componente do programa de responsabilidade social da Empresa LÓTUS.

O Projeto CRIAR é constituído de projetos culturais patrocinados pela

empresa LÓTUS, direcionados para a formação artístico-cultural dos educadores de

10 escolas públicas mineiras, com o objetivo de “exercitar a cidadania, contribuindo

para melhorar a qualidade do ensino e propiciar o crescimento pessoal e cultural aos

professores e alunos”. (PROJETO CRIAR, 2000).

O objetivo principal da pesquisa consistiu em analisar o Projeto CRIAR, do

ponto de vista de uma política de responsabilidade social empresarial, desdobrando-

se numa análise dos conceitos de Responsabilidade Social e de Arte-educação,

percebidos pelos atores pesquisados, no período compreendido entre junho de 2003

e junho de 2005.

No capítulo I procedeu-se um estudo acerca do conceito de Responsabilidade

Social Empresarial, sua história no Brasil, suas propostas e controvérsias; a análise

do papel da empresa no incentivo a projetos culturais, numa perspectiva da inserção

do setor privado no setor público. Analisam-se neste capítulo, o universo da cultura e

as políticas públicas na área cultural, sua articulação com a questão da cidadania

em seus variados conceitos.

O capítulo I contempla ainda, a trajetória do ensino da Arte no Brasil e os

conceitos de Arte-educação e alfabetização cultural. Analisou-se a prioridade dada

pela empresa à área de arte e cultura como fonte para a compreensão da estratégia

da empresa no investimento em projetos de Arte-educação.

No capítulo II foi feita uma análise do documento do projeto empresarial

CRIAR, contemplando o seu histórico, finalidades e as razões do investimento na

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área cultural. Realizou-se a análise do discurso da empresa, buscando um diálogo

com teóricos de áreas afins às questões focalizadas no documento que alicerça o

projeto.

No capítulo III procedeu-se a análise dos questionários, que resultaram na

caracterização do corpo docente e das escolas participantes do Projeto CRIAR.

Ainda neste capítulo identificam-se as percepções dos entrevistados, numa análise

que tem como referência o Projeto CRIAR, representando o elo de ligação entre

empresa e escolas.

Nas considerações finais pretendeu-se oferecer respostas ao problema da

pesquisa, face às percepções dos atores entrevistados sobre o Projeto CRIAR,

incorporado nos projetos de Arte-educação incentivados pela empresa LÓTUS,

dentro do seu programa de responsabilidade social.

1.2 Metodologia

“Gaston Bachelard resumiu o processo científico em poucas palavras: ‘O fato

científico é conquistado, como construído e verificado’: conquistado sobre

preconceitos, construído pela razão, verificado nos fatos”. (QUIVY;

COMPENHOUDT, 1998, p 24)

A abordagem definida para a pesquisa foi a qualitativa, contemplando

também o uso do método quantitativo, na identificação e tratamento dos dados das

entrevistas e dos questionários, que abrangeram 46 respondentes, o que

representou uma amostragem de 20% dos educadores pertencentes às 10 escolas

participantes do Projeto CRIAR.

Segundo Bogdan e Biklen (1994, p.49), “a abordagem da investigação

qualitativa exige que o mundo seja examinado com a idéia de que nada é trivial, que

tudo tem potencial para constituir uma pista mais esclarecedora do objeto de

estudo”.

O significado é de importância vital na abordagem qualitativa, sendo ele

construído através das interações, o que é de grande interesse na presente

pesquisa.

“Neste sentido existe uma interação entre a cultura e os significados que as

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pessoas atribuem aos acontecimentos” (BOGDAN; BIKLEN,1994, p.59)

Realizou-se um estudo de caso que se deteve na análise da formulação

conceitual e da implementação do Projeto CRIAR e na percepção que os atores

envolvidos tiveram desse processo.

A medida do estudo de caso é o mergulho no campo, a intensidade do

envolvimento e a capacidade de observação.

A meta abrangente do estudo de caso, mesmo não sendo alcançada, tem conseqüências importantes e úteis. Prepara o investigador para lidar com descobertas inesperadas e, de fato, exige que ele reoriente seu estudo à luz de tais desenvolvimentos. Força-o a considerar, por mais que de modo rudimentar, as múltiplas inter-relações dos fenômenos específicos que observa. (BECKER 1999, p 119).

A estratégia utilizada se constituiu, inicialmente, de questionários, tendo em

vista a busca de informações referentes a alguns eixos fundamentais:

a) O perfil dos professores pesquisados;

b) O significado da responsabilidade social empresarial na percepção dos

atores;

c) O sentido da Arte-educação, na perspectiva multicultural;

d) Os fatores de crescimento pessoal e cultural, decorrentes do projeto;

e) A visão do projeto, na perspectiva do ensino e da aprendizagem;

f) As expectativas criadas pelos educadores e a avaliação do projeto CRIAR.

Dessa forma, a elaboração do instrumento de pesquisa obedeceu à coerência

com estes eixos.

Além da pesquisa por meio de questionários, optou-se também pela utilização

de entrevistas semi-estruturadas, que partiram de certos questionamentos básicos,

apoiados em teorias e hipóteses de interesse para a pesquisa.

Sendo a entrevista uma técnica que apresenta grande eficiência na obtenção

de dados qualitativos, proporcionou a possibilidade de captar as opiniões e

percepções expressas pelos atores, em seu discurso articulado. Reconheceu-se,

também, ser esta uma estratégia facilitadora do esclarecimento do significado de

perguntas que poderiam gerar dúvidas ou ambigüidades, em relação a sua

interpretação.

Na entrevista semi-estruturada, as perguntas resultaram da teoria que

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sustentou a pesquisa, das informações que o pesquisador coletou sobre o objeto de

estudo e dos contatos realizados, oferecendo ao entrevistador uma considerável

amplitude de temas, que lhe permitiu levantar uma série de tópicos para moldar o

conteúdo do trabalho.

Percebeu-se que, neste tipo de entrevista, foi valorizada a presença do

pesquisador, ao mesmo tempo em que foram oferecidas todas as perspectivas

possíveis para que o entrevistado alcançasse a liberdade e a espontaneidade

necessárias para enriquecer a pesquisa. Dessa forma, assegurou-se a obtenção de

dados comparáveis entre os vários sujeitos.

Diante dessas premissas, algumas perguntas-guia foram delineadas para

nortear as entrevistas:

1) Como você percebe a responsabilidade social empresarial na relação com

a escola pública?

2) Por que a empresa escolheu projetos de Arte-educação para cumprir uma

ação de responsabilidade social na comunidade?

3) Na sua percepção, em que medida o projeto CRIAR contribuiu para o

desenvolvimento cultural dos professores e dos alunos?

Para os empreendedores culturais entrevistados, que participaram com

projetos incentivados pela empresa LÓTUS, foram acrescentadas perguntas

referentes às suas percepções sobre a Lei Estadual de Incentivo à Cultura e as suas

propostas culturais com as oficinas de Arte-educação.

Este trabalho privilegiou também a pesquisa documental, considerada uma

fonte estável e rica. Com a finalidade de compor um corpo de informações

contextualizadas, a pesquisa documental teórica focalizou as seguintes referências:

� O Projeto CRIAR, para análise do discurso da empresa LÓTUS;

� A Lei Estadual de Incentivo à Cultura, para análise do marco legal;

� Documentos da responsabilidade social empresarial, para análise de seus

conceitos, finalidades e princípios.

� Os projetos culturais incentivados pela empresa LÓTUS.

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Os atores da pesquisa foram pessoas envolvidas diretamente no

desenvolvimento do projeto, nos âmbitos de suas atribuições, ou seja: os

educadores, na participação das atividades artísticas; a representante da empresa

incentivadora, na coordenação do projeto CRIAR, e os empreendedores culturais, na

orientação das ações propostas pelos projetos incentivados.

Assim, as entrevistas abrangeram sete atores, dentre esses, três educadores,

sendo um diretor de escola do ensino fundamental, um professor de ensino médio e

uma professora de escola de ensino especial que participaram das ações do Projeto

CRIAR e dos seus desdobramentos nas escolas às quais pertencem. Para

representar a empresa LÓTUS na referida pesquisa, foram convidados dois

funcionários, porém apenas a coordenadora de comunicação empresarial se

disponibilizou a responder às perguntas. Os três empreendedores culturais que

tiveram participação na entrevista, foram selecionados por causa das referências

atribuídas aos seus projetos, constantes nas respostas dos questionários.

As análises relacionadas às entrevistas foram construídas a partir da

utilização da metodologia qualitativa, que possibilita a identificação das falas dos

entrevistados, buscando as relações com normas, preferências e expectativas

sociais, culturais e políticas.

As análises exploraram, ainda, como as idéias socialmente produzidas e

incorporadas nas organizações são criadas e mantidas por meio do relacionamento

entre discurso, texto e ação.

Apoiando nas idéias de Phillips, Lawrence e Hardy (2004), conclui-se que

“instituições não são somente construções sociais, mas construções sociais que se

constituem por meio do discurso”.

1.3 Responsabilidade Social e Arte-Educação

O significado da responsabilidade social de uma empresa patrocinadora de

programas culturais e artísticos para comunidades escolares é o tema central deste

trabalho.

Para buscar compreender a relação que se estabelece entre empresa e

escola, pretendeu-se, num percurso histórico e sócio-político, focalizar questões

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referentes à responsabilidade social empresarial e analisar a trajetória da Arte-

educação no Brasil, como uma problemática revestida de vários significados, bem

como a evolução do seu conceito e da sua prática ao longo dos tempos, até os dias

atuais.

Elegeu-se o Projeto CRIAR como foco de estudo acerca da responsabilidade

social empresarial, por ser um projeto que se dedica a ações de Arte-educação no

âmbito da educação pública. Pretendeu-se investigar qual é o significado das ações

propostas pela empresa, na visão dos atores envolvidos no processo de

implementação do Projeto junto à comunidade escolar. Tornou-se necessário, então,

direcionar um olhar crítico para várias questões que pudessem clarear a noção de

responsabilidade social e suas implicações na parceria entre a esfera pública e a

esfera privada.

Identifica-se hoje, no Brasil, significativo número de empresas que ocupam o

universo das ações socialmente responsáveis, na sua maioria patrocinando projetos

artísticos e culturais, no âmbito da educação, como é o caso da empresa LÓTUS,

que, usando as prerrogativas da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, expõe a

intenção de proporcionar meios de melhorar a qualidade do ensino e promover

crescimento pessoal e cultural de professores e alunos (PROJETO CRIAR, 2000),

pela reversão do quadro entendido pela empresa como preocupante, em termos de

desajustes sociais, especialmente entre crianças e jovens. São passíveis de análise

as duas faces de uma mesma moeda: de um lado, o caráter solidário das ações de

responsabilidade social e, do outro, o marketing empresarial, percebido nas

intenções da empresa.

A Arte-educação, área revestida de encantamentos e também de equívocos

conceituais, demandou, neste trabalho de pesquisa, uma análise crítica norteada por

vasta gama de questionamentos, que contribuem para explicitar o seu verdadeiro

papel no espaço da cultura e da cidadania - como propôs a empresa patrocinadora

dos projetos, por meio de suas ações de responsabilidade social -, especialmente no

contexto da educação escolar pública.

Alguns questionamentos tornaram-se inevitáveis, diante desse cenário de

incertezas: Por que projetos de Arte-educação emigrados da esfera privada para a

esfera pública? Como se dá essa interação entre público e privado, em culturas tão

diferenciadas como a escola pública e a empresa? Pretendeu-se investigar a que

conceito de cidadania a empresa se refere quando pretende “suprir as necessidades

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emergenciais, entendendo que o envolvimento da organização com o dia-a-dia da

escola é um exercício de cidadania e de parceria com o Estado.” (PROJETO CRIAR,

2000)

A pesquisa buscou identificar como as atividades de Arte-educação puderam

interferir na qualidade da educação escolar, conforme proposto no Projeto CRIAR.

Por outro lado, investigou-se qual foi o significado das ações propostas pela

empresa, na percepção dos entrevistados e qual a contribuição para o

desenvolvimento pessoal e cultural percebida pelos educadores. Saber a que

conceito de cultura a empresa faz alusão no seu projeto, faz parte das questões que

motivaram as investigações neste trabalho.

Nesta pesquisa, localiza-se o professor como elemento fundamental na

articulação do sistema de relações entre empresa e escola, cuja finalidade é a

qualidade da vida sócio-educativa dos sujeitos envolvidos (direta ou indiretamente,

como alunos e famílias) e supostamente beneficiados pelos projetos culturais e

artísticos, desenvolvidos junto à comunidade escolar.

Ao mesmo tempo em que se focaliza a dinâmica da escola, os seus limites e

possibilidades no âmbito da Arte-educação, o empresariado, apoiado nas isenções

fiscais previstas nas leis de incentivo à cultura, assume o papel de patrocinador

cultural, dentro do marco dos programas de responsabilidade social.

A responsabilidade social empresarial é um conceito que precisa ser

contextualizado em direção à análise das reformas neoliberais, da trajetória dos

movimentos sociais, bem como das faces da sociedade civil, onde ela se ancora,

refletindo um ângulo da atual realidade sócio-cultural brasileira.

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2 RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL: ELO DE INTER AÇÃO ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO?

A partir do conteúdo de um projeto cultural de relacionamento com a

comunidade, integrante de um programa de responsabilidade social empresarial,

processou-se um estudo de caso sobre a formulação e implementação do referido

projeto. Buscou-se identificar a percepção dos atores envolvidos nas ações do

projeto cultural - que foi composto de projetos de Arte-educação, aprovados em Lei

de Incentivo à Cultura – sobre os resultados dessa interação entre a

responsabilidade social empresarial e a Arte- educação na escola pública.

A ideologia2 da responsabilidade social empresarial tem sua origem em uma

geopolítica mundial em tensão por uma disputa ideológica, envolvendo o

neoliberalismo, particularmente a escola neoliberal, e o crescente movimento pela

não intervenção do Estado na economia, por meio do estado de bem-estar social,

materializado pela social-democracia européia.

Hoje, poucos países do mundo estão livres das conseqüências desastrosas

do ideário neoliberal. Segundo Malaguti (1998, p.7,8), no Terceiro Mundo, podem

ser identificados dois objetivos básicos do moderno neoliberalismo: o primeiro é a

fragilização do Estado Nacional, na medida em que o “setor público” representa

limites à restrita integração dos países subdesenvolvidos à lógica da globalização

financeira e especulativa; o segundo é a destruição das mais variadas expressões

dos movimentos populares para impedir resistência política aos desígnios dos

mercados e da economia desregulada.

A responsabilidade social, enquanto novo paradigma, uma nova forma de

pensar as estratégias, os processos, as políticas de gestão das empresas, é, no

Brasil, um conceito bastante recente, efetivamente construído nas últimas duas

décadas. É um conceito que vem integrando atividades em diversas áreas, dentro e

fora da empresa, em função das transformações nas relações sociais, políticas e

econômicas, que geram demandas por melhores condições de vida.

A sociedade capitalista contemporânea vem atravessando, nas últimas

2 IDEOLOGIA – “É um discurso que se oferece como representação e norma da sociedade e da

política, como saber e como condição da ação. Através da ideologia, são montados um imaginário e uma lógica da identificação social com a função precisa de escamotear o conflito, dissimular a dominação e ocultar a presença do particular, enquanto particular, dando-lhe a aparência de universal”. (CHAUI, 1984, p.:21)

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décadas, profundas transformações que desafiam as formulações e práticas sociais

e intelectuais, pesquisadores e políticos. Em tal perspectiva, a discussão das

políticas públicas ganha relevância por seu caráter de mediação entre as demandas

sociais e as formas como são incorporadas e processadas pelo aparato

governamental. Paralelamente, a participação da sociedade civil na publicização de

um enorme número de demandas de direitos, tem alterado a face da sociedade

brasileira e, segundo Dagnino (2002, p.297), é inquestionável que essas demandas

encontram escasso abrigo nas políticas públicas do Estado.

O ativismo social do empresariado brasileiro, em sua autoconstituição de

responsabilidade social, busca identificar-se com noções de cidadania e direitos, e é,

através dessas noções, que se pretende esclarecer uma dimensão importante nessa

temática: a indissociabilidade entre bem público e bem comum, que implica a

existência de um lugar de todos, fora das discussões particularistas, reivindicando,

desse modo, a re-significação das categorias de público e privado. Essa noção de

cidadania faz a distinção entre o espaço de origem da ação - o mundo empresarial -

e o espaço da política e sociabilidade que ela cria, em forma de ampliação - ou

anulação - de direitos de cidadania política e social para uma sociedade.

O conceito de cidadania tem vários significados, e é importante sua

conceituação neste trabalho.

De acordo com Habermas (1998, p.46), as categorias do público e privado, de

origem grega, demarcam a separação da esfera da polis - comum ao cidadão livre -

da esfera do oikos, de apropriação individual. Liberdade e igualdade eram conceitos

essencialmente políticos, pois só na polis o homem poderia ser livre, e a liberdade

era a essência da cidadania. Nessa perspectiva, a vida pública não está delimitada

num espaço, e a ordem pública funda-se na economia escravista patrimonial, tendo

os cidadãos, dispensados do trabalho produtivo, direito à participação na vida

pública, condicionada a sua autonomia privada como senhor de casa. Então, a

liberdade na polis dependia da vitória sobre as necessidades vitais em família e a

manutenção do essencial para a vida, oculta no oikos.

Tal modelo de esfera pública e privada desenvolveu-se desde o século XVIII,

atravessando o Renascimento, a Idade Média, as definições do Direito Romano e

mantém-se como modelo ideológico.

Habermas enfatiza, ainda, que “a esfera pública burguesa é o estado e a

qualidade das coisas públicas”. O autor acrescenta que se trata de uma categoria

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típica da era do capital, vinculada à evolução histórica da sociedade burguesa

européia. Essa esfera pública que se formou ao final do século XVIII, configura-se

em um âmbito específico da sociedade burguesa, a partir do desenvolvimento

histórico da cultura material burguesa. À progressiva emancipação do intercâmbio

econômico entre os homens, em relação ao controle estatal, abre-se um espaço

social aglutinador dos interesses comuns, ou públicos, dos sujeitos privados, que

vêm regular suas relações com o mercado e com o poder político. Responsável pela

mediação entre sociedade civil e Estado, esse âmbito social é denominado por

Habermas de esfera pública burguesa.

Com o advento da modernidade (entendida como herança do projeto

iluminista fundado na razão), a ascensão da sociedade e a elevação das atividades

econômicas ao nível público, as questões que antes pertenciam à esfera privada

(familiar) transformaram-se em interesse coletivo.

A separação das esferas pública e privada, no sentido especificamente

moderno, vai se consolidando com a idéia de privado como espaço daqueles que

não possuem cargo público ou não ocupam cargo oficial. Público, em contraposição,

alude ao poder público, aos servidores do Estado, às pessoas que participam da

esfera do poder estatal, cujos negócios são públicos.

Uma esfera privada da sociedade começa a destacar-se como esfera distinta,

adquire relevância pública, e a privatização do processo de reprodução social

desenvolve-se no interior da constituição do mercado, submetido a diretrizes

estatais. Caracteriza-se, neste contexto, o nascimento do social, engendrado pela

moderna relação da esfera pública com a esfera privada, segundo Arendt (1991).

Habermas (apud RAICHELES, 1998, p.52) demarca a desagregação da

esfera pública burguesa a partir de um público consumidor de cultura, da penetração

das leis de mercado na esfera familiar, ou seja, das pessoas privadas, destruindo o

lugar do tradicional raciocínio burguês. Assiste-se, neste cenário social, ao

surgimento da cultura de integração, que assimila também a propaganda comercial.

De acordo com o pensamento de Habermas, a partir desse momento, evidencia-se a

intensa interpenetração dos âmbitos público e privado, que se transformam em uma

esfera social repolitizada. Assim, a estrutura social atravessada por antagonismos,

típica do capitalismo, provoca a organização dos sujeitos sociais na defesa dos seus

interesses.

Quase que num prognóstico da crise iniciada na década de 70, Habermas

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(1981, p.257) aponta duas possibilidades que se confrontam, como tendências para

o desenvolvimento da esfera pública do Estado Social: uma regressiva, expressa

pela publicidade imposta pelas organizações, e outra, típica da publicidade

politicamente ativa, por meio da qual se torna possível o desenvolvimento de um

processo crítico de comunicação pública, sendo esta um indicativo do grau de

democratização da sociedade constituída pelo Estado Social, ou seja, segundo o

autor, “do grau de racionalização do exercício do poder político e social”.

Esse movimento é conduzido pela dinâmica da luta de classes, que opera o

seu deslocamento do âmbito das relações privadas para uma esfera pública. O

processo de publicização desse deslocamento das relações sociais da esfera

privada para a esfera pública assenta-se nas instituições que integram o chamado

Estado de Bem-Estar (Welfare State) que deram origem às políticas sociais públicas.

Diante da necessidade de melhor compreender a dinâmica empreendida

pelos sujeitos sociais no emaranhado das questões públicas e estatais, buscou-se

conhecer a trajetória da sociedade civil, na luta pelo espaço da democratização

social.

A expressão sociedade civil, conforme Fernandes (1994, p.87), saiu dos livros

de história européia para penetrar o vocabulário dos ativistas sociais latino-

americanos, ao final dos anos 70, passando a predominar, uma década mais tarde,

sobre as demais categorias do discurso político. Assimilada por diversas novas

instituições e difundida socialmente, a expressão ganha força para impulsionar os

movimentos sociais, na sua trajetória de confrontação com o Estado. A expressão

movimentos sociais ganhou relevância sobre a sua expressão afim, movimentos

populares, o horizonte comum foi inexoravelmente re-significado, como aconteceu

com a expressão sociedade civil e sua correlata cidadania, em decorrência do seu

uso crescente. Segundo Fernandes, “não se adota uma palavra impunemente, pois

as peças do discurso são deslocadas e novos arranjos são feitos, num jogo

complexo de rupturas e recuperações”. (1994, p.88)

No Brasil, o processo de análise das relações entre Estado e sociedade

supõe, segundo Raichelis (1998, p.67), repensar as modalidades de combinações

entre o estatal e o privado, na formação e no desenvolvimento do capitalismo em

nosso país, a simbiose entre público e privado, na conformação assumida pelo

Estado e nas suas relações com as classes sociais.

O padrão de intervenção do Estado brasileiro concentrou-se no financiamento

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da acumulação e da expansão do capital, em detrimento da consolidação de

instituições democráticas e da institucionalização do acesso público a bens, serviços

e direitos básicos de extensas camadas da população trabalhadora.

Na verdade, o pacto conservador que sustentou o Estado Desenvolvimentista no Brasil não computou a participação democrática em nenhuma de suas formas, e jamais patrocinou, por conseqüência, a institucionalização de estruturas que pudessem dar conta das pressões pela ampliação da cidadania política e social. (FIORI, 1995, p 145).

Analisar a profundidade da crise social brasileira e seu rebatimento em todas

as esferas da vida social supõe, necessariamente, considerar o processo histórico

por meio do qual o estatal e o privado mesclaram-se para impedir o nascimento de

uma esfera pública.

Desde a década de 80, o Brasil foi palco de um processo de revitalização da

sociedade civil, que, na luta pela democratização, colocou em xeque, não somente o

Estado ditatorial, mas a rede de instituições autoritárias que atravessava a

sociedade. Aquela década foi arena de amplo movimento de conquistas

democráticas que ganharam a cena pública: os movimentos sociais organizados em

diferentes setores, o fortalecimento dos sindicatos, a visibilidade das demandas

populares e a expressão das aspirações por uma sociedade justa e igualitária, na

luta por direitos, que acabaram se consubstanciando na Constituição de 1988, com

o reconhecimento de novos sujeitos como interlocutores políticos.

Os países capitalistas periféricos, na década de 80, são contaminados por

uma aspiração democrática, mas esta traz no seu bojo a recessão econômica, a

escalada inflacionária, a crise fiscal do Estado e o agravamento da miséria, que tem

a “sua contra-face mais perversa revelada pela exclusão social, que o

desenvolvimento capitalista globalizado e desigualmente combinado só faz afundar”.

(RAICHELIS, 1998, p 71)

As teses neoliberais são abrigadas em um ambiente sócio-político respaldado

por um caldo cultural favorável à sua disseminação. Em função disso, as críticas à

ineficiência do Estado – no Brasil, em particular - colocam-no cada vez mais exposto

à retórica liberal e à mercê dos interesses privados das classes dominantes e dos

organismos internacionais, enfraquecendo ainda mais a sua capacidade de formular

e executar políticas públicas.

O pensamento neoliberal tem como meta o pragmatismo, com o objetivo de

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obter, com sistema de avaliações, índices estatísticos que dêem sustentação para a

elaboração de novos planos estratégicos, operacionais, que não avaliam a qualidade

da ação realizada, “desconsiderando o que seria fundamental: a participação dos

cidadãos, que, de atores sociais do espaço público, na sociedade civil se tornam

atores políticos, para atuarem institucionalmente junto às políticas públicas”. (GOHN,

2005, p.38).

A autora enfatiza que cabe ao Estado democrático de direito encontrar

soluções consensuais, pactuadas, que dêem respostas aos problemas e aos

conflitos embutidos, pois é da natureza de um projeto sócio-político cultural, ao

mesmo tempo constitutivo de sua essência, confrontar-se e/ou defrontar-se com

contradições sócio-políticas.

Nesse quadro, ganha primazia uma redefinição do conceito de público, que

supere a dicotomia entre o privado e o estatal, como expressão de relações

democráticas, transparentes, publicizadas, controladas socialmente, mas que, ao

mesmo tempo, não dilua as responsabilidades estatais, nem os limites que impeçam

a indevida apropriação do público pelos interesses privados. (RAICHELIS, 1998,

p.118)

O cenário político da década de 90 traz inflexões importantes na luta pela

democratização do Estado, relacionadas com a participação de segmentos

organizados da sociedade civil nas decisões e prioridades das políticas públicas.

Desde a década de 80, em que ganharam vida esses processos democratizadores,

é possível observar mudanças decorrentes do protagonismo de novos sujeitos

sociais, saídos das lutas de reprodução social e transformados em interlocutores no

campo de definições de políticas públicas.

À proporção que organizações populares e instituições da sociedade civil

ganham visibilidade e legitimidade a partir da definição de instrumentos

democráticos de participação política, percebe-se essa dinâmica social gerando

novas contradições, pois afloram, simultaneamente, os limites da democracia

representativa e a necessidade de aprofundar e ampliar os processos de

participação dos cidadãos.

Faleiros (apud RAICHELIS, 1998, p.32) sintetiza as relações entre Estado e

sociedade civil, na gestão das políticas sociais, e, em diferentes graus e

combinações, identifica o autoritarismo, o clientelismo/paternalismo e o burocratismo

como modalidades presentes, historicamente, na sua realização. Observa o autor

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que tais relações engendram verdadeira simbiose entre público e privado, em que o

público identificado com o estatal encobriu os processos de privatização do Estado,

determinando a ausência da esfera pública, na formação econômico-social

brasileira.

O retorno dos mecanismos democráticos no nível das instituições políticas

acentuou o reconhecimento dos mecanismos autoritários que, enraizados

historicamente, contribuíram para fortalecer uma visão que localiza a luta pela

democracia no próprio espaço da sociedade civil, e não apenas no Estado. Por outro

lado, conforme observa Dagnino (2002, p.10), na medida em que o retorno às

instituições formais básicas da democracia não produziu o encaminhamento

adequado dos problemas de exclusão e desigualdade social, por parte do Estado,

aguçaram-se percepções que enfatizam a ampliação da noção de democracia e,

também, a necessidade de aprofundar o controle do Estado por parte da sociedade.

As transformações no âmbito do Estado e da sociedade civil se expressam em

novas relações entre eles: o antagonismo, o confronto e a oposição declarados, que

caracterizavam essas relações no período da resistência contra a ditadura, dão

espaço a uma postura de negociação, que aposta na possibilidade de ação

conjunta, expressando, nesse cenário, o paradigma da “participação da sociedade

civil”. Observa-se que a adesão a esse novo paradigma se dá de forma diferenciada.

Dagnino (2002, p.12) enfatiza que tal diferenciação se faz presente tanto no interior

do Estado (rompida a relativa homogeneidade do período autoritário), como no

interior da sociedade civil, cuja heterogeneidade é exposta com o avanço da disputa

pela construção democrática e uma crescente diversificação de atores.

Na América Latina, segundo Oliveira (apud Fernandes, 1994, p.12), ONGs

têm uma história rica de solidariedade e trabalho conjunto com movimentos

populares, mas pouco relacionado com as iniciativas emergentes de filantropia

empresarial.

A América Latina nos anos 60 projetava imagens promissoras que combinavam o vigor dos progressos materiais à generosidade romântica e voluntarista da juventude, pois não apenas mostrava bons indícios de crescimento econômico, como evocava os mais amplos anseios humanitários. (FERNANDES, 1994, p.30).

Comprovando esta idéia, Landim (apud FERNANDES, 1994, p.28), informa –

com base em documentos das principais Bibliotecas do Rio de Janeiro – que os

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idealizadores das primeiras ONGs da América Latina eram jovens na década de 60

que, adolescentes, chegaram à idade adulta acreditando serem partícipes de um

vasto processo de transformação histórica. Segundo Raichelis (1998, p.76), o apelo

à participação da comunidade na solução dos seus problemas não é novo, se

consideradas as ações coletivas organizadas e propostas de colaboração povo-

governo, para superação de conflitos sociais, largamente disseminadas na América

Latina na década de 50, nos marcos da ideologia desenvolvimentista.

Cidadania e solidariedade são fortemente demandadas, no momento em que

os governos dos anos 90 eram impelidos, pelo modelo econômico neoliberal vigente,

a livrar-se do investimento em obrigações públicas de proteção e garantia dos

direitos sociais. Neste novo cenário, em decorrência da idéia de responsabilidade

social partilhada entre cidadãos e organizações de governo, em busca do “benefício”

público, surge um novo ator: o empresariado.

A atividade da empresa não desvia o foco do contexto no qual desenvolvem

seus negócios e redefine a filantropia, aproximando-a da noção de cidadania, que é

acrescida da palavra “solidária”. A filantropia empresarial, segundo Paoli (apud

SANTOS, 2001, p.337), adapta-se com vantagem às formas do lucro empresarial,

ecoando o discurso neoliberal que preconiza a iniciativa individual e privada. A

empresa apresenta o diagnóstico de Estado deficiente na tentativa de diminuir a

politização dos conflitos sociais. O objetivo de diminuir a politização está presente no

novo discurso do empresariado, propondo soluções para as questões sociais

emergentes e para as questões educacionais e de inclusão cultural.

A intervenção das empresas na formulação, planejamento e execução de

políticas educacionais tem sido alvo de debates, com freqüência. Neste trabalho,

impôs-se uma questão ainda pouco pesquisada que é a intervenção na educação,

visando a inclusão cultural.

Em relação à cultura, muitos estudos têm sido divulgados, apontando para a

importância da inclusão cultural, tema que envolve a questão da preservação do

patrimônio material e imaterial, responsável por uma cultura brasileira rica e

diversificada.

A Nova Constituição Brasileira, promulgada em 1988, em consonância com

as discussões internacionais, reconhece como patrimônio cultural brasileiro as

formas de expressão e os modos de criar, fazer e viver, além das criações

científicas, artísticas e tecnológicas e das obras, objetos, documentos e edificações

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destinados a manifestações artístico-culturais ou resultado delas. Ainda na seção II,

artigo 215, estabelece: “O estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos

culturais e acesso às fontes da cultura nacional, apoiará e incentivará a difusão das

manifestações culturais”.

O reconhecimento constitucional da abrangência da cultura e sua inclusão

entre o elenco de direitos e deveres que devem se combinar para garantir o pleno

exercício da cidadania foram fatores fundamentais para que se iniciasse outra fase

no tratamento das questões culturais no Brasil. Até então, elas vinham sendo

consideradas, pelas políticas públicas e pelas iniciativas de outros segmentos da

sociedade, secundárias na ordem hierárquica das urgências de um país que ainda

luta para garantir condições básicas de sobrevivência para seus habitantes, não se

fazendo presentes nas políticas de desenvolvimento.

No cenário brasileiro, significativa gama de empresas ocupa o universo das

ações denominadas “socialmente responsáveis”, patrocinando projetos artísticos e

sócio-culturais, no âmbito da educação, o que sugere um olhar crítico para essa

dinâmica, que é uma via de mão dupla, onde transitam dois atores na expectativa de

benefícios: empresa e comunidade.

Iniciativas “socialmente responsáveis”, com maior visibilidade no Brasil,

partiram de indústrias calçadistas, no Estado de São Paulo, na década de 90, e têm

suas raízes nas denúncias de violações constitucionais e estatutárias dos direitos da

criança, vindo a sensibilizar e mobilizar os empresários – que, alvos de exposição

pública, temiam ver sua imagem denegrida – a se lançarem na área da cultura. Aqui,

torna-se inevitável o questionamento: Estariam os empresários conscientemente

interessados em reverter os desajustes sociais? A sua “contribuição” representa uma

atitude compensatória estratégica, um paliativo para maquiar as rachaduras do

problema e reverter a imagem da empresa?

Carcanholo (1998, p.26) ressalta que, segundo a ideologia neoliberal, a

intervenção com objetivo de distribuição de renda foge dos princípios de atuação do

Estado e, no contexto neoliberal, geralmente é acompanhada pelo ônus da

deficiência de alocação de recursos.

Nos países desenvolvidos, o objetivo básico é fundamentalmente o mesmo –

impedir resistência da opinião pública -, porém as resistências de uma classe

trabalhadora organizada têm grande peso, e a opinião pública esclarecida se

posiciona, exigindo satisfações.

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Já no plano ideológico, inexistem claras distinções entre o neoliberalismo

terceiro-mundista e o “desenvolvido”. De todas as formas, seja no campo das idéias

ou no das políticas econômicas, onde quer que as políticas neoliberais se instaurem,

surge ou cresce a miséria, a degradação econômica, a apatia, a desesperança,

formando um fosso social, que separa os “integrados” dos “marginais”, os que

lucram e os que perdem com as regras do jogo.

Bourdieu (1998, p.142) preconiza que a utopia neoliberal tende a se encarnar

na realidade de uma espécie de “máquina infernal”, cuja necessidade se impõe aos

próprios dominantes, pela preocupação com os efeitos destruidores do domínio que

eles exercem; são levados a ações compensatórias, inspiradas na própria lógica que

querem neutralizar, com atitudes de “generosidade”, como, por exemplo, a

responsabilidade social assumida pelos empresários.

Profundamente marcada pela experiência autoritária do regime militar

instalado em 1964, a sociedade civil brasileira experimenta um significativo

ressurgimento, a partir da década de 70. Segundo Avritzer (in DAGNINO, 2002, p.9),

esse ressurgimento, que tem como eixo a oposição ao Estado autoritário, foi tão

significativo que é visto por alguns analistas como, de fato, a fundação efetiva da

sociedade civil no Brasil, já que sua existência anterior estaria fortemente

caracterizada pela falta de autonomia em relação ao Estado. O autor argumenta que

a sociedade civil se organizou de maneira substancialmente unificada, no combate a

esse Estado. Desempenhando papel fundamental no longo processo de transição

democrática, e que a luta unificada contra o autoritarismo, que reunia os mais

diversos setores sociais, contribuiu decisivamente para uma visão homogeneizada

da sociedade civil, deixando significativas marcas no debate teórico e político sobre

o tema. Dagnino (2002, p.9)

Cabe aqui delimitar algumas diferenças básicas entre ONG3 e

Responsabilidade Social Empresarial. Uma ONG poderia ser caracterizada como um

segmento “privado com funções públicas” (FERNANDES, 1994, p.65), porém sem

fins lucrativos. Dentre os princípios legais que balizam o funcionamento de uma

ONG, está a orientação sobre os lucros que devem ser re-investidos nas atividades-

fim, não cabendo a sua distribuição entre os membros da organização. Somente

estas características indicam a distinção entre ONG e Responsabilidade Social

3 O termo “ONG” foi cunhado pela ONU, em 1946, definindo-o como toda organização não

estabelecida por acordo inter-governamental, segundo Tavares (in DAGNINO, 2002, p.106).

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Empresarial. Responsabilidade Social é caracterizada por um programa estratégico

empresarial que abrange ações sociais e patrocínio de projetos culturais, visando ao

retorno para a empresa, em forma de dedução de impostos e divulgação da sua

imagem institucional. ONGs são, na sua concepção original, instituições em que

seus membros pensam, de maneira estratégica, em como atender demandas sócio-

culturais que não são satisfeitas pelo mercado, e internalizam a pergunta sobre o

significado para as políticas públicas de cada projeto em que estejam envolvidos, por

mais localizado que ele seja.

Paoli denuncia a diferença entre atuação política de resistência e proteção de

direitos das ONGs e atuação empresarial, caracterizada como ação humanitária, não

se distinguindo, portanto, da filantropia:

[...] no bojo da ambigüidade com que se constrói e se modifica a organização do ativismo empresarial, é claro que, por um lado, a ação social empresarial e os welfare privados nas empresas podem ser uma experiência social e humanitária relevante, diante das prementes necessidades e carências da população pobre brasileira. (PAOLI, 2001, p.413).

Essas iniciativas marcam a presença do discurso empresarial com ênfase na

cidadania, e nada se poderia dizer contra elas, se funcionassem apoiadas em

garantias reais de direitos universalizados.

Mas, para ser também politicamente relevante como uma experiência de

formação de atores investidos de responsabilidade social, seria preciso que o

movimento de filantropia empresarial reconhecesse, na sua própria constituição, a

projeção da sombra da disputa pelo poder de enunciar o espaço público e a

cidadania sob o cenário da desregulamentação estatal. Desse prisma, a

regeneração da classe dominante brasileira não se apóia em uma lógica da

cidadania e sim na eficiência da integração social, para limitar o perigo e o risco,

inerentes à presença aumentada dos excluídos e sem-direitos, que os ameaça. Sua

utopia de responsabilidade torna-se, então, conservadora, porque, por mais sensível

que seja às desigualdades sociais, preserva ao mesmo tempo as hierarquias

desiguais que produzem a descapacitação dos cidadãos, que dependem da ação

externa privada para a possibilidade de inclusão social e,

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dependem, portanto, das intenções, dos interesses e das flutuações dos acertos e enganos próprios ao mundo mercantil, e inerentes à liberdade com que afinal foi cunhada, há dois séculos atrás, a expressão “iniciativa privada”, contra a qual se formaram os espaços públicos diferenciados, críticos e propositivos, voltados para a emancipação ampliada de um mundo comum. (PAOLI, 2001, p.413)

Esta é a lógica da não cidadania e contra a criação de espaços públicos.

Como parte das classes dominantes, também os empresários temem o risco

dos excluídos, o que justifica a sua busca de construção de um discurso desprovido

da lógica da cidadania, alicerçando, em bases insólitas, uma utopia conservadora.

2.1 A Área Cultural e as Políticas Culturais

A questão da responsabilidade social empresarial suscita a discussão sobre

formas de associação entre o público e o privado e as diversas formas de expressão

cultural que se tornam focos privilegiados das políticas públicas e dos investimentos

na área. Botelho (2001, p.77) alerta para um equívoco de base: “o financiamento de

projetos assumiu o primeiro plano do debate, empanando a discussão sobre as

políticas culturais”. E conclui que “render-se a isso significa aceitar uma inversão no

mínimo empobrecedora, pois o financiamento da cultura não pode ser analisado

independentemente das políticas culturais, envolvendo vários atores sociais, como

governo e sociedade civil, em um contexto de identificação de demandas

comunitárias”. São elas que devem determinar as formas mais adequadas para se

atingirem os objetivos desejados, ou seja, o financiamento é determinado pela

política e não o contrário. Entende-se, então, que, mesmo quando se transferem

responsabilidades para o setor privado, isto não exclui o papel regulador do Estado,

uma vez que se está tratando de renúncia fiscal e, portanto, de recursos públicos.

As grandes mudanças com relação ao investimento em cultura, realizadas

particularmente nos últimos anos pela iniciativa privada, foram certamente

influenciadas pela política cultural de parceria entre Estado, empresários e

comunidade cultural, que vem sendo implementada pelo governo Federal e por

alguns governos estaduais e municipais.

Lembra Botelho (2001, p.77) que esta busca pelo patrocínio privado reflete o

movimento mundial iniciado nos anos 80, motivado pela crise econômica e pelas

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soluções procuradas dentro do chamado quadro neoliberal, no qual os governos

começaram a cortar seus financiamentos para as áreas sociais e, mais

particularmente, para a cultura.

As leis culturais foram criadas na década de 1990 para estimular a iniciativa

privada a investir em cultura, num momento em que o Estado fechava os órgãos

culturais mais representativos, reduzia seu orçamento e começava a construir um

“Estado mínimo e mercado máximo”. Com as leis de incentivo à cultura, abria-se

mão das políticas públicas e realizava-se a cultura com dinheiro público na esfera

privada. Faria (2003, p.44) enfatiza que, naquele momento, “elas trouxeram um certo

alívio para a cultura, no entanto com o passar dos anos sua insuficiência mostrou-se

evidente”. O autor denuncia que não há registros organizados para possibilitar a

identificação dos projetos contemplados, suas áreas e linguagens, a região

geográfica atendida, entre outros dados que seriam fundamentais para se ter um

quadro dos principais resultados alcançados. No entanto a experiência mostra que

as leis culturais têm servido, principalmente, aos interesses de grandes grupos

empresariais, que utilizam a renúncia fiscal para financiar projetos de seu interesse,

visando à divulgação do seu produto ou da sua instituição. Constata-se que o

mercado de recursos e empregos ampliou-se, notadamente em grandes eventos,

mas os recursos ficaram centralizados, não houve o fortalecimento das políticas

culturais emergentes, principalmente na periferia das cidades, e, conseqüência mais

grave, a cultura não se democratizou. Praticamente ignorou-se a multiplicação de

grupos e movimentos culturais que circulam e dão dinamismo à vida cultural nos

bairros da cidade. Por outro lado, uma questão preocupante é que o texto das leis

culturais define que não se avaliará o mérito do projeto, mas a sua viabilidade

técnica e financeira. Logo, um projeto bem realizado, ainda que não seja tão

importante para a comunidade, concorre a recursos, mesmo sem estar sintonizado

com políticas culturais democráticas.

As leis que servem às dinâmicas culturais deveriam estar contextualizadas

num cenário de debates e de políticas públicas de cultura, não devendo estar

separadas das dinâmicas culturais locais e sem relação com os organismos

representativos da cultura.

“A lei é um instrumento necessário para dar agilidade às dinâmicas culturais e

não para compensar a ausência de recursos e de políticas públicas”. (FARIA 2003,

p.44)

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Um novo discurso aponta para novos cenários desenhados pela mobilização

social: as ações de prestígio ou de interesse público.

Assim como a sustentabilidade passou a ser premissa para qualquer ação

empreendida neste início de século, a inclusão da cultura está entre os fatores

estratégicos de desenvolvimento e de relação entre os povos. Não se discute mais

se as políticas culturais devem estar integradas às políticas econômicas e sociais,

mas, sim, de que forma integrá-las.

Os direitos dos cidadãos, que incluem os direitos culturais, tendem a se

transformar em grandes causas da humanidade, sendo que a cultura passa a ser um

dos principais instrumentos de definição, particularização e mobilização das

comunidades.

A questão cultural emerge a partir da inclusão da cultura como um direito da

cidadania e as comunidades parecem começar a se mobilizar por esses direitos.

Conforme Diagnóstico dos Investimentos em Cultura no Brasil (CEHC-

FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 1998), a demanda da comunidade por ações na

área cultural constitui um fator que influencia positivamente no direcionamento da

comunicação empresarial. A pesquisa diz, porém, que, ao investir em cultura, as

empresas preocupam-se, essencialmente, em associar sua imagem a ações de

prestígio ou de interesse público.

Gohn (2005, p.46), defende que as práticas culturais podem ser

desenvolvidas em duas frentes: na sociedade civil – via manifestações culturais ou

associativas que possibilitem articulação de singularidades; e na sociedade política –

via políticas públicas, criando-se espaços e arenas institucionais de negociação.

A área da cultura é rica e propícia à preservação das identidades

diversificadas para a geração de consenso, desde suas formas clássicas de

expressão artística até os direitos culturais modernos, de última geração, como os

que estão surgindo com o avanço tecnológico, na área das comunicações e da

genética humana.

Focalizando a área de expressão artística, presente neste estudo, encontra-

se bom exemplo na música. Ela é cantada em diferentes estilos, ritmos, línguas,

tons, timbres, etc., mas há um ponto comum, uma linguagem universal: as notas

musicais. Elas podem ser entendidas por diferentes povos, com identidades culturais

distintas, porque tais símbolos gráficos são o que de universal se encontra nas

singularidades locais, regionais, nacionais. Numa analogia com as notas musicais,

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pode-se pensar em modelos civilizatórios que garantam a diversidade, o direito à

diferença e o direito à igualdade, pois os eventos culturais mobilizam milhares de

pessoas – principalmente jovens -, aglutinam forças, viabilizam a participação,

resgatam o entusiasmo pela vida e pelos valores humanitários.

A análise dos conceitos de cultura e dos direitos culturais deve,

necessariamente, realizar-se de forma articulada porque as relações de

desigualdade social são ligadas à questão da cultura. Gohn (2005, p.49) alerta que

“a cultura vigente poderá tanto transformar como legitimar as desigualdades, porque

práticas e instituições culturais podem garantir a dominação de um grupo por outro”.

A autora fala de práticas cotidianas que reiteram o estilo e o modo de vida das

pessoas, dadas, por exemplo, pela linguagem, pelo sistema educacional, pelos

meios de comunicação de massa, pelas leis e por organizações sociais e religiosas.

São consideradas agências formadoras de valores, de visão de mundo, de

consciência individual e grupal, por levarem seus membros a adotarem atitudes e

pensamentos baseados em preceitos e preconceitos condicionantes, atuando na

intersubjetividade das pessoas.

Essas questões sinalizam a importância das políticas culturais de um país ou

de uma instituição, considerando que elas podem determinar mudanças de rumo no

significado das práticas sociais. Indivíduos constituídos como sujeitos coletivos,

articulados em entidades associativas, com força sócio-política organizativa, podem

definir novos significados às políticas culturais.

Botelho alerta para a necessidade de se ter clareza sobre a distinção da “cultura no

plano do cotidiano daquela que ocorre no circuito organizado”. Para a autora, tal

distinção incide diretamente na definição de estratégias diversificadas, facilitando as

várias instâncias do poder público, ou seja,

aquelas que deveriam estar formulando políticas, cada uma no seu âmbito, além de trazer uma orientação decisiva, quando se busca uma divisão de responsabilidades eficaz e coerente entre as esferas federal, estadual e municipal, bem como quando se enfrenta o problema das formas de associação entre o público e o privado – parcerias efetivas e fontes de financiamento. (BOTELHO, 2001, p.73)

Embora se fale muito em política cultural, o financiamento de projetos,

tomados isoladamente, através das leis de benefício fiscal existentes no país, requer

uma avaliação criteriosa. Especialmente pelos equívocos que ocorrem quando os

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poderes públicos, por escassez de recursos ou por omissão deliberada, deixam as

decisões sobre o que se produz, em termos de arte e de cultura, por conta dos

setores de marketing4 das empresas, ficando os projetos incomodamente

dependentes do capital de relações sociais do empreendedor cultural5 ou

proponente de projetos.

A dificuldade de grande parte dos profissionais da área artística, na tarefa de

negociar a captação de recursos para os seus projetos aprovados em leis de

incentivo à cultura, abriu espaço no mercado cultural para um mediador da relação

entre o proponente de projetos (artista ou arte-educador) e as empresas, que figura

como captador de recursos. Percebe-se que o mercado cultural se amplia,

alcançando a periferia do seu objetivo central, pois nessa relação de dependência, o

proponente de um projeto libera 10% do valor do projeto aprovado para o captador,

pela intermediação que ele faz com o setor de marketing da empresa patrocinadora

que, por sua vez, libera os recursos para a execução de projetos culturais.

No âmbito das políticas públicas, a cultura pode ser entendida como fator

estratégico para a garantia de um desenvolvimento sustentável. Levando-se em

conta, particularmente, as propostas da Unesco para elaboração de políticas

culturais, é fundamental a utilização de instrumentos de gestão das transformações

para garantia de identidades no âmbito de um mundo globalizado, favorecendo a

criatividade, a participação e a expressão dos diversos grupos sociais.

Apesar de sua constância na pauta de diversos fóruns internacionais, desde

os anos 60, a cultura e sua relação com o desenvolvimento econômico e social só

foram objeto de uma conferência específica promovida pela Unesco, em 1970. A

partir dessa data, os fatores de ordem cultural afirmaram-se como estratégicos na

busca de modelos e passaram a ser objetos de seminários a cada dois anos.

As discussões culminaram na Conferência Mundial sobre as Políticas

Culturais, Mondiacult, ocorrida em 1982, no México, quando finalmente se chegou

ao acordo da necessidade de uma definição mais abrangente para a cultura, que

pudesse servir de referência para as ações da área: “conjunto de características 4 MARKETING – “É um sistema total de atividades de negócios desenvolvidas para planejar, dar

preço, promover e distribuir produtos que satisfaçam os desejos dos mercados-alvo e atingir objetivos organizacionais”. (ETZEL; WALKER; STANTON, 2001).

5 EMPREENDEDORES CULTURAIS são idealizadores/coordenadores de projetos culturais, também

denominados proponentes de projetos incentivados por empresas e, muitas vezes, também cumprem, na execução de projetos, a função de facilitadores de oficinas de artes ou de protagonistas (cantores/atores) de shows e espetáculos.

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distintas, espirituais e materiais, intelectuais e afetivas, que caracterizam uma

sociedade ou um grupo social [...] engloba, além das artes e letras, os modos de

viver, os direitos fundamentais dos seres humanos, os sistemas de valor, as

tradições e as crenças”. Reconheceu-se, ainda, que as políticas culturais para o

desenvolvimento deveriam estar centradas nas forças vivas da cultura, ou seja:

patrimônio, identidade, criatividade.

Essa abrangência retomou a própria definição antropológica da cultura como

“tudo o que caracteriza uma população humana”, ou como “o conjunto de modos de

ser, viver, pensar e falar de uma dada formação social”, segundo SANTOS (1999,

p.50). Para Bosi (1993, p.50), a cultura caracteriza-se como “todo conhecimento que

uma sociedade tem de si mesma, sobre outras sociedades, sobre o meio material

em que vive e sobre sua própria existência”, devendo-se incluir aqui as formas de

expressão simbólica desse conhecimento através das idéias, da construção de

objetos, das práticas rituais e artísticas.

Na dimensão antropológica, segundo Botelho (2002, p.74), “a cultura se

produz através da interação social dos indivíduos, que elaboram seus modos de

pensar e sentir, constroem seus valores, manejam suas identidades e diferenças e

estabelecem suas rotinas”, em que cada indivíduo ergue à sua volta “pequenos

mundos de sentido”, mundos de sociabilidade, que lhe permitem uma relativa

estabilidade, ou “equilíbrios simbólicos”, conforme Michel de Certeau, lembrado pela

autora. É preciso que haja uma reorganização das estruturas sociais e uma

distribuição de recursos econômicos, para que a cultura - tomada na dimensão

antropológica – seja atingida por uma política. Os processos de transformações,

embora sejam elas lentas, chegam a interferir nos estilos de vida (hábitos, costumes,

sociabilidade) de cada indivíduo.

Botelho faz distinção entre a dimensão antropológica e a dimensão

sociológica da cultura que, para a autora, refere-se a um conjunto diversificado de

demandas profissionais, institucionais, políticas e econômicas, tendo visibilidade em

si próprias, não se constituindo no plano do cotidiano do indivíduo. A dimensão

sociológica compõe um universo que interfere em um círculo organizacional, “cuja

complexidade faz dela, geralmente o foco de atenção das políticas culturais,

deixando o plano antropológico relegado simplesmente ao discurso”. Em outras

palavras, trata-se de um círculo organizacional que estimula, por diversos meios, a

produção, a circulação e o consumo de bens simbólicos, ou seja, aquilo que o senso

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comum entende por cultura.

Pode-se presumir que as políticas culturais, isoladamente, não conseguem

atingir o plano do cotidiano, sendo necessários dois tipos de investimento para que

se consiga intervir objetivamente na dimensão antropológica. Um seria a estratégia

do ponto de vista da demanda, significando iniciativas dos próprios interessados.

Isto significa organização e atuação efetivas da sociedade, em que o exercício real

da cidadania exija e impulsione a presença dos poderes públicos como respostas às

questões concretas e que não são de ordem exclusiva da área cultural.

O segundo tipo de investimento refere-se à área de cultura dentro do aparato

governamental. Para que uma política cultural cumpra a sua parte, é fundamental a

delimitação clara do seu universo de atuação, não abarcando, para si, problemas

que pertencem a outros setores do governo. Junto aos demais setores da máquina

governamental, a área da cultura deve funcionar, principalmente, como articuladora

de programas conjuntos, preservando estratégias específicas para atuar diante dos

desafios da dimensão antropológica.

Para atingir um patamar mais consistente na gestão cultural, Durand (2001,

p.67) aponta para a “necessidade de uma visão mais orgânica para a área cultural, o

que implica conhecer a divisão do trabalho que a lei e os costumes estabelecem

entre governo e iniciativa privada em matéria de políticas sociais”. Nesse sentido, é

indispensável distinguir aquilo que, em cada região ou localidade, está sendo bem

resolvido pela indústria cultural, ou por manifestações espontâneas da população, e

aquilo que, com base em critérios defensáveis, o governo deve encorajar.

Embora uma das principais limitações das políticas culturais seja o fato de

nunca alcançarem, por si mesmas, a cultura em sua dimensão antropológica, esta

dimensão é mencionada como a mais nobre, já que é identificada como a mais

democrática, em que todos são produtores de cultura. Segundo Botelho, a

“expressão dos sentidos gerados interativamente pelos indivíduos, funcionando

como reguladora dessas relações e como base da ordem social”. Talvez por esta

razão, é ela “privilegiada pelo discurso político, principalmente nos países do

Terceiro Mundo, onde os problemas sociais são gritantes e suas economias

pendentes”, complementa a autora.

As diversas formas de expressão cultural, assim como suas principais

estruturas físicas de apoio, acabaram por se tornar os focos privilegiados das

políticas públicas e dos investimentos na área. Santos et al (2001, p.50) assinala

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que “o fato da atuação segundo políticas voltadas para a cultura, num sentido mais

restrito, não entra em contradição com sua definição mais ampla, nem com suas

características implícitas de relativismo, dinamismo e diversidade”. Conforme os

autores, trata-se de delimitar um campo de competência, estabelecendo-se metas e

elegendo-se prioridades que viabilizem a gestão, a qual deve ser tratada de acordo

com os principais vetores de promoção do direito cultural: educação, formação,

sensibilização de público, artistas e produtores; tutela, subsídio, estímulo e reforço,

difusão, divulgação e distribuição; documentação, inventário e conhecimento;

proteção e salvaguarda; e a gestão propriamente dita.

Na concepção de Brant (2003, p.03), “para efeito de aplicação das políticas

públicas, a cultura pode ser entendida como um conjunto de características

espirituais, materiais, intelectuais e afetivas distintas, que caracterizam uma

sociedade ou um grupo social”. Para o autor este conceito abrange, além das artes e

das letras, os modos de vida, os sistemas de valores, as tradições e as crenças.

A discussão da produção e da gestão cultural no âmbito de um mundo

globalizado levanta uma característica fundamental da cultura: a diversidade. Não é

mais possível considerar qualquer questão de interesse nacional e internacional,

senão em termos de globalização, considerada aqui, não apenas a mundialização

do capital, mas também um processo de natureza histórico-cultural que torna

porosas as fronteiras tradicionais, gerando novas práticas e relações entre as

comunidades. Até mesmo os direitos dos cidadãos, que incluem os direitos culturais,

tendem a se transformar em grandes causas comuns da humanidade, sendo que a

cultura passa a ser um dos principais instrumentos de definição, particularização e

mobilização das comunidades.

Num contexto de universalidade acelerada pelos meios de comunicação, a

diversidade torna-se um fator primordial, inserido nesse contexto, sendo que as

questões culturais assumem papel estratégico no conseqüente e desejável processo

de afirmação de identidades e sentimentos de pertencimento de cada indivíduo, de

cada comunidade, de cada nação.

A área governamental sempre abrigou os gêneros que compõem a cultura

erudita, sobretudo aqueles que não conseguem sobreviver do mercado. Embora a

ênfase, hoje em dia, seja reconhecer igualmente o valor tanto das expressões

eruditas quanto das populares, isso em nada reduz a necessidade do

monitoramento do avanço da indústria cultural pelas políticas culturais, o que

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significa, segundo Durant (2002, p.71), “acompanhar o alargamento do mercado e

da globalização sobre a cultura nacional”.

Em vista da necessidade desse monitoramento, sob uma visão sistêmica, que

gera resultados de longo prazo, Durand chama atenção para duas questões

preocupantes que permeiam os projetos culturais: a primeira refere-se ao “poder do

marketing cultural, quando uma verba polpuda o autoriza a ambicionar uma grande

repercussão de mídia para a marca que patrocina um evento”. Torna-se possível,

por exemplo, fazer explodir do dia para a noite um grande público, para um

espetáculo ao vivo, de qualidade duvidosa.

A segunda questão, segundo o autor, “faz parte das tendências de época o

apelo às artes e à cultura para ajudar na busca de soluções de problemas que lhe

são alheios”, tais como recuperação de infratores, cura mental, reconciliação entre

raças e religiões, geração de empregos, estímulo ao turismo e, entre outros, a

facilitação de aprendizado.

O último item citado figura entre os benefícios das ações de Arte-Educação,

no Projeto CRIAR, citadas pelos entrevistados.

Durand conclui que não cabe discutir o tamanho, as características e o mérito

de cada uma dessas demandas, mas que o fundamental é reconhecer que, se os

gestores públicos não forem capazes sequer de pensar orgânica e integralmente a

área cultural, em suas dinâmicas internas, e em suas interdependências, muito

menos estarão preparados para atender às necessidades mais agudas e que

dependam de diagnósticos mais sofisticados e da interlocução com outras áreas de

política.

Direcionando o foco para a interação de cultura e educação, Brandão (1985,

p.20) enfatiza que, ao lado da absoluta necessidade de compreensão do universo da

cultura que o educando habita e de que a escola é parte, é importante não mistificar

o papel da educação. Não é raro serem vistas atitudes de educadores incorrendo

em desastrosos equívocos conceituais.

Durhan (apud BRANDÃO, 1985, p.179) esclarece a questão, dizendo que

aquilo que muitas vezes o educador considera como sendo “toda cultura”,

representa o trabalho morto da cultura, da “coisa feita” ao “saber consagrado” que,

como produto cultural, só se recobre de sentido, quando reincorporado ao fluxo dos

processos de transformação da vida social, tornando-se um trabalho vivo, realizado

entre coisas e valores da cultura feita.

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Segundo Brandão, esta é uma razão pela qual, quando se refere à cultura

“tradicional”, considerada assim pelo tempo recuado de sua realização, a sua análise

antropológica é inevitavelmente uma reflexão sobre a sua dinâmica e a sua

atualidade, num entendimento de como o tradicional participa ativamente da

produção e reprodução da vida social como cultura. O autor enfatiza que, mesmo

quando se trabalha com “o que restou do passado”, o estudo da cultura é uma

análise do comportamento real de/entre diferentes categorias de sujeitos, de

condições, lugares e momentos em que ela se realiza. É a análise do processo

diferenciado e diferenciador das relações entre os homens, através dos significados

que a própria ação atribui a tais relações versus os significados que os seus atores

sociais criam e recriam a partir delas. Antes de ser memória, a cultura fala, classifica,

estabelece pautas de legitimidade, orienta condutas e dá significação à ação

realizada. Este foi um enfoque contemplado no Projeto CRIAR, através da área de

danças folclóricas, conforme descrições nas entrevistas.

Brandão (1985, p.180) coloca uma séria preocupação sobre a situação

“deteriorada” da escola em relação à cultura e à arte, tentando explicar a natureza

desta condição que é exterior ao sistema educacional, e “reage como pode a um tipo

de mundo que lhe rouba o sentido e a adequação”. O autor encontra, nas idéias de

Lévi-Strauss, argumentos que justifiquem tal inadequação:

Meios e mensagens de fácil digestão, sutilmente impostos, veiculados sob o poder de um ligeiro toque de dedo a uma população transformada em massa consumidora e apenas produtora do que é fácil, freqüentemente descartável, são elementos de uma cultura extra-escolar. (LÉVI-STRAUSS 1983, p.360)

Dentro de uma cultura de modelos estereotipados, em que estilos de vida são

reproduzidos e inculcados sobre todos, a escola – um espaço tradicional de trabalho

simbólico no interior da sociedade moderna – sobrecarregada de alunos,

empobrecida de tempo e recursos, não consegue realizar-se mais como um eixo de

ligação vertical entre o passado e o futuro e como um elo horizontal entre a família e

a sociedade.

Strauss (in BRANDÃO, 1985, p.69) alerta ainda que,

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antes de separar o sistema escolar dos outros que o geram e configuram, antes de isolar a escola da cultura e a pedagogia da vida social, é preciso não esquecer de que uma visível falácia do ensino não é devida apenas à deficiência dos métodos pedagógicos, e mais ao contexto social, cultural e econômico que sofreu graves transformações. (LÉVI-STRAUSS 1983, p.121)

Pesquisa sobre investimento em cultura, de abrangência nacional, realizada

em 1998, pelo Centro de Estudos Históricos e Culturais da Fundação João Pinheiro,

mostra que 25% dos executivos entrevistados,

[...] demonstram alguma sensibilidade quanto ao papel social da empresa e identificaram no patrocínio cultural uma oportunidade que ela tem de ampliar o acesso dos seus funcionários e da comunidade local aos bens culturais e de contribuir para a divulgação das manifestações culturais regionais e nacionais. (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 1998).

A afirmação no texto do projeto CRIAR, da empresa LÓTUS, referente ao

investimento em educação, que diz: “participar do dia-a-dia da escola é, para a

organização/empresa, um exercício de cidadania”, estimulou a investigação sobre o

conceito de cidadania a que a empresa se refere.

2.2 Conceito de Cidadania

Todo o movimento ocorrido na sociedade brasileira, nas duas últimas

décadas, gerou uma ênfase significativa na construção de uma nova cidadania. A

redefinição da noção de cidadania, empreendida pelos movimentos sociais e por

outros setores sociais, na década de 80, aponta na direção de uma sociedade mais

igualitária em todos os seus níveis, baseada no reconhecimento de seus membros

como sujeitos portadores de direitos, inclusive o de participar ativamente na gestão

da sociedade, assegurada, assim, uma das condições da existência da sociedade

civil: a vigência de um conjunto de direitos, tomados como parâmetros básicos da

convivência social.

Landim (2002, p.32) destaca que, nos últimos quinze anos, entidades sociais

de tradição privatista passam, pouco a pouco, a desenvolver uma atuação no

espaço público, estabelecendo relações com o Estado, dentro de novos marcos,

exatamente em caminhos abertos por ONGs e movimentos sociais, a exemplo de

terrenos institucionais onde ocorrem, com maior visibilidade, os conselhos e

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orçamentos participativos. Verifica-se nessa dinâmica, de forma contraditória e ao

mesmo tempo combinada, filantropia e política de assistência social contra luta por

direitos, através das instituições privadas.

A filantropia empresarial, ou investimento social privado surge na cena

brasileira, adotando um discurso análogo ao desenvolvido no campo das ONGs,

quanto aos valores modernos da autonomia e cidadania, diferenciado do chamado

assistencialismo com seu ethos pessoalizado e cristão. Ao contrário das

organizações assistenciais, segundo Landim (2002, p.33), “trata-se de novos

agentes, de novas redes de relações, discursos, ideários, práticas e estratégias de

criação de visibilidade no espaço público”.

As idéias de intervenção na sociedade apresentam-se associadas a uma

lógica de mercado, na ação social, tais como eficiência, resultados, competitividade,

marketing.

Com a atenção voltada para a fala da empresa LÓTUS, que tem, no bojo do

projeto CRIAR, o objetivo de “colaborar para o aprendizado dos alunos e

professores, propiciando-lhes um crescimento pessoal e cultural”, questiona-se o

discurso da empresa, quanto ao o seu poder de intervenção no projeto pedagógico

de cada escola, esfera das políticas públicas educacionais.

Dagnino (1994, p.103) ressalta que “a expressão cidadania está hoje por toda

parte, apropriada por todo mundo, evidentemente com sentidos e expressões

diferentes”, sendo positivo, num certo sentido, porque indica que a expressão

ganhou espaço na sociedade, mas por outro lado, “é preocupante a velocidade e a

voracidade das várias apropriações dessa noção, fazendo aflorar a necessidade de

delimitar o seu significado”. O que se entende e o que se quer entender por

cidadania?

Propõe-se pensar a cidadania não apenas como norma legal para garantia

de direitos, mas abrangendo a noção de cidadania voltada para a avaliação dos

procedimentos democráticos e da justiça social, num espaço público real porque

construído universalmente, portanto aquele no qual a crítica e o dissenso organizado

dos excluídos pode se instalar na demanda de direitos.

Esta definição enfatiza o significado original (referindo-se à sua origem

contemporânea) de cidadania e justifica o sentido inovador do termo nova cidadania.

Apresenta a proposição de delimitar os dois sentidos, destacando o seu caráter de

estratégia política, enquanto responde a um conjunto de interesses, desejos e

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aspirações de uma parte significativa da sociedade. “Nesse sentido, – esclarece

Dagnino (1994, p.103) – as apropriações e a crescente banalização desse termo

não só abrigam projetos diferentes no interior da sociedade, mas também tentativas

de esvaziamento do seu sentido original e inovador”.

Identificam-se duas dimensões que emergem dessa nova noção de cidadania

e que devem ser lembradas para marcar o seu terreno próprio. Em primeiro lugar, o

fato de que ela deriva e está intrinsecamente ligada à experiência concreta de

diversificados movimentos sociais, que têm na sua organização a luta por direitos –

tanto direito à igualdade, como direito à diferença – constituindo a base fundamental

para a emergência de uma nova noção de cidadania, um espaço real de luta por

direitos.

Em segundo lugar, o fato de que a essa experiência concreta se agregou,

cumulativamente, uma ênfase mais ampla, em extensão e aprofundamento na

construção da democracia. Neste sentido, a nova noção de cidadania expressa o

novo estatuto teórico e político que assumiu a democracia em todo o mundo,

especialmente a partir da crise do socialismo real.

Um terceiro elemento, como conseqüência dessas duas dimensões, mostra-

se fundamental nessa noção de cidadania, diante do fato de que ela organiza uma

estratégia de construção democrática, de transformação social que afirma um nexo

constitutivo entre as dimensões da cultura e da política. Incorporando características

da sociedade contemporânea, tais como o papel das subjetividades, a emergência

de novos tipos de direitos e sujeitos sociais, e a ampliação do espaço da política,

essa é uma estratégia que reconhece e enfatiza o caráter intrínseco e constitutivo da

transformação cultural para a construção democrática.

A questão da cultura democrática, na análise de Dagnino (1994, p.104),

assume um caráter crucial no Brasil, considerando uma sociedade na qual a

desigualdade econômica, a miséria, a fome são aspectos visíveis de um

ordenamento social alicerçado numa organização hierárquica e desigual, no

conjunto das relações sociais. Profundamente enraizado em critérios de classe, raça

e gênero, o autoritarismo social se expressa num sistema de classificações que

estabelece diferentes categorias de pessoas, dispostas nos seus respectivos lugares

na sociedade, engendrando formas de sociabilidade e uma cultura autoritária de

exclusão, subjacente ao conjunto das práticas sociais, e reprodutora de

desigualdade nas relações sociais, em todos os seus níveis.

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Focalizar a cidadania como estratégia política significa enfatizar o seu caráter

de construção histórica, definida por interesses concretos e práticas concretas de

luta pela sua contínua transformação. Significa, segundo Dagnino (1994, p.107),

dizer que não há uma essência única imanente ao conceito de cidadania, que o seu

conteúdo e o seu significado não são universais, não estão definidos e delimitados

previamente, mas respondem à dinâmica dos conflitos reais, tais como vividos pela

sociedade, num momento histórico. A autora conclui que “esse conteúdo e

significado, portanto, serão sempre definidos pela luta política, no seu espaço e num

determinado tempo”.

Uma das conseqüências dessa perspectiva é a necessidade de distinguir a

nova cidadania dos anos 90 da visão liberal que, tendo gerado esse termo nos fins

do século XVIII, como resposta do Estado às reivindicações da sociedade, acabou

por essencializar a noção de cidadania. Na tentativa de permanecer como tal, e

certamente desempenhando funções bastante distintas daquelas que caracterizaram

a sua origem, essa “essência”, de cunho liberal, continua vigente até hoje.

Mesmo não tendo avançado suficientemente - o que explica as críticas que a

nova cidadania enfrenta - essa distinção, que é ao mesmo tempo política e teórica,

na verdade é o que torna possível falar do seu sentido inovador.

Dagnino apresenta alguns itens da sua pesquisa que apontam para essa

distinção, mantendo, evidentemente, as referências comuns a ambas as concepções

de cidadania, como a questão da democracia e a noção de direitos, que se

expressam como diferenças conceituais.

1. A nova cidadania trabalha com uma redefinição da idéia de direitos, cujo

ponto de partida é a concepção de um direito a ter direitos, concepção que

não se limita ao acesso a direitos previamente definidos ou a conquistas

legais, ou à implementação efetiva de direitos abstratos e formais. Inclui a

invenção/criação de novos direitos que emergem de suas lutas específicas

e práticas concretas, tais como o direito à autonomia sobre o próprio

corpo, o direito à proteção ambiental, contemplando ainda essa redefinição

a questão polêmica como o direito à diferença, e não somente à igualdade.

2. A nova cidadania requer a constituição de sujeitos sociais ativos, definindo

o que consideram ser os seus direitos e lutando pelo seu reconhecimento.

Nesse sentido, ela é uma estratégia dos não-cidadãos, dos excluídos, de

uma cidadania “de baixo para cima”.

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3. A ênfase nesse processo de constituição de sujeitos, no “tornar-se

cidadão” retoma a questão da cultura democrática, que se constitui

também enquanto uma proposta de sociabilidade. Esse alargamento do

âmbito da cidadania no Brasil pode ser pensado em termos de uma

simultaneidade da conquista dos direitos civis, políticos e sociais, a que se

refere Marshall.

4. A nova cidadania, em relação à concepção liberal, tem que transcender o

foco privilegiado da relação com o Estado, ou entre o Estado e o indivíduo,

para estabelecer forte relação com a sociedade civil. Significa um

processo de aprendizado social, de novas formas de relação, que inclui de

um lado, a constituição de cidadãos enquanto sujeitos sociais ativos e de

outro, para a sociedade como um todo, um aprendizado de convivência

com esses cidadãos emergentes, que recusam permanecer nos lugares

que foram definidos socialmente e culturalmente para eles. Isso supõe

uma “reforma intelectual e moral” e instala-se neste ponto a radicalidade

da cidadania enquanto estratégia política. Conclui-se que representa um

equívoco - que subestima tanto o espaço da sociedade civil enquanto

arena política, como o enraizamento do autoritarismo social - supor que o

reconhecimento formal de direitos pelo Estado encerra a luta pela

cidadania.

5. Outra concepção parte da idéia de que a nova cidadania transcende uma

referência central do conceito liberal que é a reivindicação de acesso,

inclusão e pertencimento ao sistema político, na medida em que o que

está de fato em jogo é o direito de participar efetivamente da própria

definição desse sistema, o direito de definir aquilo no qual queremos ser

incluídos, a invenção de uma nova sociedade.

A democratização da educação passa pela questão da cultura, tendo como

eixo a multiculturalidade, considerada pelos movimentos da atualidade, em todos os

cantos do mundo.

É papel da escola promover a diversidade cultural e atingir, na medida do

possível, toda a sociedade, estimulando as manifestações culturais, a formação do

imaginário e a auto-estima, quesitos indispensáveis a um projeto de

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desenvolvimento. A proposta de construção da identidade cultural de um povo, em

princípio, pode parecer improfícua caminhada contra a mundialização ou

globalização, porém o poder de construção de identidade, encontra-se no poder de

auto-determinação da sociedade.

2.3 Alfabetização Cultural e Arte-Educação

Não mais limitada à tarefa de análise da beleza, nos tempos contemporâneos, a Estética amplia seu campo de questionamento acerca da natureza do objeto da arte e do caráter de sua criação, apreciação, interpretação, avaliação, assim como acerca das relações da arte com a sociedade, tudo isto podendo ser examinado em diferentes níveis de complexidade. (CRAWFORD, 1991, p.15)

A compreensão dos significados, dos processos, das funções e dos valores

em relação à Arte e à cultura no processo escolar, numa determinada sociedade, em

um percurso histórico, é indispensável para serem avaliadas, criticamente, as razões

pelas quais ainda há tantos mal-entendidos sobre o desenvolvimento desta área de

conhecimento.

A questão central do ensino da Arte e da cultura no Brasil, diz respeito a um

enorme descompasso entre produção teórica, que tem um trajeto de constantes

perguntas e formulações, e o acesso dos professores a essa produção, dificultado

talvez pela fragilidade da sua formação, ou pela escassa literatura na área.

Acrescentando ainda as visões preconcebidas (no próprio ambiente escolar), que

reduziram a atividade cultural e artística a um verniz de superfície, para alegrar o

cotidiano da escola, omitindo o significado político e sócio-cultural das suas

expressões. Assim, fez-se necessário um olhar investigativo para essa intrigante

questão, que exigiu do estudo um recorte histórico orientado para a pouco focalizada

história do ensino da Arte, que, por seus parâmetros pedagógicos e metodológicos,

se diferencia da História da Arte, e da História da Educação, embora devam manter

permanente diálogo, na interseção dos aspectos sócio-culturais que as caracterizam.

A análise histórica mostra que nunca se desvencilhou o ensino da Arte de

uma realização cultural, porém muitas vezes voltado para a formação cultural das

elites.

A concepção de Arte reduzida a adorno é originária dos primeiros vinte anos

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do século XIX e, no Brasil, da segunda metade do século XX, e tem um percurso

marcadamente relacionado com posicionamentos sócio-políticos, ao longo da

história. Sabe-se que, com defasagem de 10 a 20 anos, a educação brasileira

seguiu, passo a passo, o modelo americano de ensino da Arte.

De 1800 a 1820, os programas de arte eram destinados às jovens da alta classe,

que deviam ser instruídas adequadamente para uma vida aculturada, na qual a Arte

desempenhava importante papel, segundo Barbosa, que enfatiza:

A idéia de Arte para as mulheres, um indicador de alta classe social, está relacionada aos modelos do período colonial, quando por necessidade econômica, as mulheres teciam o material para as roupas da família e faziam, com suas próprias mãos, objetos para embelezar o lar. Ser descendente dos pioneiros (os pilgrims) tornou-se prestígio e refinamento, e a Arte era usada como símbolo desse refinamento nas escolas encarregadas da responsabilidade de preparar as jovens da sociedade para o “mercado do casamento”. (BARBOSA, 1995, p.12).

A Arte representava uma pseudo-realização cultural, sendo ensinada não por

um artista, mas por qualquer pessoa que fosse capaz de reproduzir bem uma

imagem da realidade visível. Nas escolas femininas de elite, nos Estados Unidos e

nas escolas católicas do Brasil, a Arte esteve, no século XIX, a serviço das “moças

prendadas”. Já nas escolas públicas americanas, no mesmo período, a Arte tinha

um objetivo resultante do desemprego e do crescimento da economia industrial,

sendo assim, ensinada como habilidade útil em algumas profissões, enfatizando

conceitos geométricos e perspectiva linear.

Conforme Barbosa (1995, p.12), o romantismo alemão teve repercussão na

América e ajudou a produzir o transcendencialismo, colocando Arte e Educação no

mesmo caminho: o caminho dos princípios morais e da crença na perfeição da

natureza.

Na primeira metade do século XIX, Arte e Educação eram baseadas em

princípios filosóficos comuns, levando artistas americanos a atuarem na escola

elementar e secundária, como professores de Arte, tendo como referências dessa

participação os livros de John Smith e Rembrandt Peale, em 1822 e 1835,

respectivamente. Refletindo uma concepção de Arte alicerçada em princípios

morais, tais publicações tiveram grande repercussão, pois era o principal objetivo da

educação daquela época. Havia enorme preconceito contra a atividade manual para

o homem da aristocracia ao qual era dirigida a educação, por vários fatores,

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especialmente o fato de o trabalho manual ser reservado aos escravos e ter a

influência da educação jesuítica.

Consta nos estudos de Barbosa (1995, p.41) que a iniciação do ensino

artístico no Brasil teve a iniciativa de D. João VI, em 1816, ao trazer a “Missão

Francesa”, que criou a primeira escola de Belas-Artes, porém só vindo a funcionar

dez anos mais tarde. Sua contribuição para a laicização da Arte foi importante, mas

não o foi para a sua democratização, já que era baseada no culto à beleza, na

crença acerca do dom e em árduos exercícios de cópia, tornando-se acessível a

poucos. Salienta-se que o ensino das Humanidades começou no Brasil pela Arte,

com a Academia de Belas Artes, criada na mesma época da Faculdade de Medicina

(preparar médicos para cuidar da Corte), Faculdade de Direito (para preparar a elite

política) e Escola Militar (para defender o país de invasores). Porém os artistas

franceses convidados para assumir a Academia de Belas-Artes eram todos

neoclássicos convictos e interferiram ostensivamente na mudança de paradigma

estético no Brasil. Instituíram uma Escola neoclássica de linhas retas e puras,

contrastando com a abundância do nosso Barroco: instalou-se um preconceito de

classe baseado na categorização estética. Para eles, o Barroco era coisa para o

povo, idéia que influenciou as elites a se aliarem ao Neoclássico, que passou a ser

símbolo de distinção social. Torna-se oportuno esclarecer que, quando chegaram ao

Brasil, os franceses encontraram um Barroco florescente. Embora importado de

Portugal, o Barroco havia sido modificado pela força criadora dos artistas e artífices

brasileiros, e podia-se ver um Barroco já brasileiro, bem diferente do português, do

espanhol e do italiano, de formas mais sensuais e sedutoras.

A década de 1870 foi um período de grandes transformações culturais, tanto

no Brasil como nos Estados Unidos, onde a industrialização caminhava a passos

largos. Representando o instrumento pelo qual se preparavam profissionais do

desenho para ajudar a nação a vencer a concorrência comercial com a Europa, a

Arte-educação assumia diferente e importante papel.

Marcadas pelas lutas para derrubar a Monarquia no Brasil, as décadas de

1870 e 1880 registram o estabelecimento de profundas relações entre Brasil e

Estados Unidos. Influenciados pelo liberalismo americano e também pelo positivismo

francês, os políticos brasileiros criaram, após a República, novas leis educacionais e

a inclusão do desenho geométrico no currículo, não com fins de aplicação na

indústria, como propôs Rui Barbosa, mas com o objetivo nascido do positivismo, de

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desenvolver a racionalidade. De 1890 a 1920, novos métodos de ensino de Arte

revigoraram as escolas americanas, enquanto as crianças brasileiras continuavam

condicionadas às cópias e ao desenho geométrico.

Pela primeira vez, nos Estados Unidos, uma lei oficial apontava como

finalidade da Arte “o desenvolvimento do impulso criativo”, e psicólogos enfatizavam

a arte da criança como um elo vinculador entre processos afetivo e cognitivo,

abrindo campo para as férteis teorias de Dewey que, no Brasil, tiveram profunda

influência através de Anísio Teixeira, Fernando Azevedo e Lourenço Filho, entre

outros. Os métodos, contudo, não foram alterados e, na maioria dos casos, as

crianças desenhavam copiando do material visual usado como motivação para a

atividade proposta, omitindo-se o seu potencial criador.

O movimento de inclusão da Arte na escola primária, apenas como atividade

integrativa, para “expressar ou para fixar” conhecimentos, começou no Brasil, a partir

de 1920, com as tentativas de reforma de Sampaio Dória, depois, reforçadas pela

Escola Nova.

Segundo Fusari e Ferraz (1992, p.32), autores como John Dewey (a partir de

1900), Viktor Lowenfeld (1939), nos Estados Unidos, e Herbert Read (1943), na

Inglaterra, influenciam as mudanças que vão ocorrer no trabalho de professores de

Arte brasileiros, firmando em alguns grupos a tendência escolanovista. A Reforma

Fernando Azevedo foi um dos mais conhecidos e influentes fatos do Movimento da

Escola Nova Brasileira. Até hoje, muitos professores de arte conhecem os conceitos

de Dewey sobre arte e/ou arte-educação somente através do embrionário The

School and Society. A ênfase sobre a importância da arte na escola, durante o

Movimento (1927-35), é comprovada pelo número de artigos publicados e cursos

organizados em Arte-educação, no período.

Barbosa (2002, p.89) enfatiza que, desde então, nunca houve uma

preocupação tão marcante pela arte na educação por parte das autoridades

educacionais e dos ensaístas educadores, no Brasil.

Alicerçada nas publicações Democracy and Education e em Affective Thougt

in Logic and Painting, a segunda fase do pensamento de Dewey sobre arte e/ou

arte-educação teve influência no Brasil, mas não tão generalizada quanto a

influência de The School and Society, informam estudos de Barbosa (2001, p.90).

A idéia de livre-expressão destaca o papel da Arte na educação, tendo como

finalidade principal permitir a expressão de sentimentos e, ainda, a idéia de que Arte

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não é ensinada, mas expressada. Esses novos conceitos entusiasmaram artistas e

psicólogos - mais do que educadores – que se tornaram grandes divulgadores dessa

corrente - na promoção de experiências terapêuticas - considerada, então, nova

missão da Arte na Educação. Na verdade, a primeira renovação metodológica no

campo da Arte se deve ao Movimento de Arte Moderna de 1922, em São Paulo. O

interesse pelas teorias expressionistas e pelos escritos de Freud despertou novo

olhar para a Arte Infantil, levando intelectuais da época a se envolverem diretamente

com a questão. Mário de Andrade e Anita Malfatti foram os introdutores da idéia de

livre expressão para a criança. Enquanto, em São Paulo, Anita orientava classes

para jovens e crianças, Mário promovia programas de pesquisas na Biblioteca

Municipal, escrevendo artigos sobre o tema em jornais e introduzindo estudos sobre

a Arte da criança, no seu curso de História da Arte, na Universidade do Rio de

Janeiro.

Apreciação e gozo estético como interação orgânica, bem como a relação

entre estética e educação, conceitos defendidos por Dewey em seu livro Art and

Experience (não traduzido no Brasil e pouco conhecido entre arte-educadores),

foram idéias introduzidas na prática da arte-educação no Brasil através do trabalho

de Artus Perrelet.

Considerada mais uma filósofa da arte do que uma professora, Perrelet veio

para o Brasil com um grupo de professores de Bruxelas e Genebra, para reorganizar

a educação pública em Minas Gerais, iniciando a Reforma Francisco Campos (1927-

29), que, segundo Barbosa (2001, p.91), “rivalizou em importância com a Reforma

Fernando de Azevedo e mostrou por si só o compromisso da Escola Nova brasileira

com os problemas da arte na educação”. Prova disso, é que entre os sete

professores que Francisco Campos trouxe da Europa, em 1929, para orientar a

renovação educacional e criar a Escola de Aperfeiçoamento de Professores de

Minas Gerais, estavam as duas professoras de arte Jeanne Milde e Artus Perrelet,

esta oriunda do Instituto Jean-Jacques Rousseau, cujo experimentalismo influenciou

grandemente a teoria e a prática da educação no mundo todo.

Embora menos famosa que Piaget, Mme Artus Perrelet também atuou em

todas as linhas de ação que o Instituto propunha como meta. Como pesquisadora,

ela buscava novos ‘métodos’ (termo que ela usava com ressalvas) e conceitos para

o ensino da Arte.

Na Escola de Aperfeiçoamento de Minas Gerais, Artus Perrelet coordenou o

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ensino de Arte, gerando grande influência na mudança de estratégias e

comportamento dos professores mineiros da época.

Estudos de Barbosa (2001, p.107) mostram que o “método Perrelet” está

centrado em ação e movimento, que para ela é base do conhecimento da criança e

a base do desenho. Artus Perrelet defende que “o desenho se baseia no movimento.

Nascido do gesto, torna-se necessário voltar ao gesto, se quisermos revivificá-lo em

sua origem primeira e integrá-lo em seu princípio mais produtivo”.

Segundo Perrelet, os elementos do desenho, isto é, as linhas, o ritmo, o

equilíbrio, a forma são símbolos do mundo interior e da realidade, “não vistos pela

criança, como objetos de contemplação, mas sim, “como instrumentos de ação, de

criação, os primeiros materiais de sua construção artística”. Em síntese, para ela,

desenhar está no campo da expressão simbólica e significa dar ao movimento –

expressão de vida – um valor intelectual.

Ela é muito clara ao afirmar que a interpenetração de sujeito e objeto deveria

ser a base do ensino da arte, não importando se os resultados gráficos não sejam

excelentes.

A respeito da apreciação da arte, Perrelet segue a mesma argumentação,

criticando a ‘falsa interpretação’ da obra de arte, que desconsidera a mais íntima

comunhão entre sujeito e objeto, o que, segundo a autora, constitui condição básica

para a experiência estética.

Francisco Campos, líder da reforma educacional em Minas Gerais e criador

do Instituto de Aperfeiçoamento que Perrelet ajudou a organizar, tornou-se Ministro

da Educação em 1930 e, em 1931, promoveu uma reforma da Educação,

incorporando os princípios e estratégias defendidos por Perrelet. Entretanto foram

ignoradas as preocupações filosóficas sobre o desenho. Isto foi fatal para que a

reforma de 1931 adotasse a técnica desastrosa do “desenho pedagógico”, a qual

dava ênfase à orientação baseada na simplificação da forma, enquanto que, para

Perrelet, isto seria apenas o resultado de um rico processo de percepção. O

desenho pedagógico dos anos 30 e 40 levava o aluno a copiar formas simplificadas

de objetos desenhados pelo professor. Perrelet não pretendia a simplificação da

forma como objetivo. Os professores, erroneamente inspirados em Perrelet,

passaram a ensinar desenho como formas esquematizadas dos objetos,

transformando o resultado em objetivo.

Por outro lado, a prática da arte como fase final de uma experiência, como

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expressão de aula, também recortada das idéias de Dewey, transformou-se em uma

atividade escolar rotineira e mecanizada, enquanto reprodução de técnicas

artísticas.

Também a tentativa de adoção de modelos importados dos Estados Unidos,

em 1930, não alcançou o objetivo que educadores e intelectuais brasileiros

esperavam obter com eles: a reaproximação da arte com o povo. Barbosa (2001,

p.170) atribui o fracasso de tais modelos ao procedimento mecânico adotado nas

escolas e também às interpretações errôneas e simplificações do autor no seu

próprio país.

Uma questão antiga e recorrente relacionada ao ensino da arte no Brasil é a

submissão do arte-educador a modelos de importação indiferenciados, sem

considerar as necessidades, características e específicas realidades da sociedade

submetida ao modelo estrangeiro.

Quando o movimento para incluir a arte como livre-expressão nas escolas

primárias, estava no auge, o Estado Novo iniciou a repressão no campo

educacional. Os professores da Escola Nova sofreram perseguições, foram

demitidos ou coagidos a pedir demissão, ocorrendo, assim visíveis prejuízos no

progresso da educação.

O estado político ditatorial implantado no Brasil, de 1937 a 1945, afasta

educadores de ação renovadora, como Anísio Teixeira, das cúpulas diretivas,

provocando o entrave da dinâmica educacional e a solidificação de inúmeros clichês

pedagógicos, entre os quais aquele que caracteriza a Arte na Educação como

função de liberação emocional.

Depois da queda de Vargas, os esforços pela redemocratização colocaram a

educação novamente em foco. A campanha pela recuperação de alguns princípios

da Escola Nova trouxe de volta ao poder os líderes daquele movimento.

Foi nesse clima favorável à recuperação e renovação da educação nacional

que o artista Augusto Rodrigues criou, em 1948, a Escolinha de Arte do Brasil, no

Rio de Janeiro. Abrem-se novos horizontes para novas concepções. O objetivo da

Arte na Educação passou a ser o desenvolvimento da capacidade criadora em geral,

numa identificação com as idéias de Herbert Read. A Escolinha era uma espécie de

ateliê onde as crianças podiam desenhar e pintar livremente, o que refletia o clima

de reafirmação expressionista que dominava o pós-guerra.

Entre os anos 50 e 70, chegaram a existir, no Brasil e América Latina, 130

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Escolinhas de Arte, constituindo-se em referência para pesquisa sobre imagens e

metodologias trabalhadas nos diferentes espaços, épocas e contextos.

Sabe-se que na Escolinha de Arte do Recife existem 6000 desenhos de

crianças, datados e guardados, como rica fonte de estudos na área.

Viktor Lowenfeld, professor de “Arte educativa” na Universidade Estadual da

Pensilvânia, destacou-se como um dos precursores dos cursos de Arte nas escolas,

através de palestras e publicações nos Estados Unidos e na Europa, exerceu grande

influência para que a Educação Artística passasse a ser reconhecida como disciplina

importante no currículo das escolas públicas americanas e européias.

Em um cenário de escassez de publicações sobre a arte na educação, no Brasil, “O

Desenvolvimento da Capacidade Criadora”, com sua primeira edição em inglês

datada de 1947, teve grande receptividade por um número restrito de educadores,

porque a sua edição em espanhol surgiu somente no ano de 1972 e, finalmente foi

editado no Brasil, em 1977, tornando-se uma obra de referência para a formação de

professores de Arte, por oferecer ampla abordagem conceitual e metodológica

relativa ao ensino da Arte.

Victor Lowenfeld e Lambert Brittain, os autores da referida obra, propõem desarraigar

conceitos e métodos tradicionais relacionados ao desenho e à criação artística,

introduzindo um clima de estímulo à espontaneidade. Suas idéias apontam para uma

concepção de arte como processo de auto-realização, como incentivo ao ajustamento

social, à formação educacional da criança e do adolescente e ao seu equilíbrio e

amadurecimento psicológicos.

Porém, os autores já defendiam um programa de ensino da Arte para o

desenvolvimento da consciência estética dos alunos,

[...] através do refinamento da sensibilidade dos jovens e do fortalecimento da sua capacidade de auto-expressão,[...] oferecendo-lhes experiências de apreciação de objetos, natureza e do mundo, com a finalidade aprofundar no jovem, a consciência de si próprio e das coisas circundantes, dando-lhes a oportunidade de desenvolver suas idéias e percepções, concluindo que suas opiniões sobre o mundo são importantes. (LOWENFELD; BRITTAIN, 1977)

Eles são enfáticos em dizer que não pretendem fazer de todas as criaturas

artistas e esclarecem que,

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[...] a ‘chave’ do livro é ensinar aos professores de Arte como conduzir o ensino das atividades de modo a estimular e incrementar a capacidade artística e criadora inata em seus alunos, desenvolvendo-lhes a própria maturidade intelectual e emocional. (LOWENFELD; BRITTAIN, 1977).

Os autores do “Desenvolvimento da Capacidade Criadora” enfatizam não

querer dar a impressão de que a humanidade é salva pelo mero desenvolvimento de

um bom programa de criação artística, nas escolas públicas;

[...] mas os valores significativos num programa de arte são os mesmos que podem ser básicos para o desenvolvimento de uma nova imagem, de uma nova filosofia e mesmo de uma estrutura inteiramente nova, no sistema educacional (LOWENFELD; BRITTAIN, 1977).

Barbosa (1995, p.46) enfatiza que os processos intelectuais e emocionais não

se mobilizam automaticamente pelo ato de projeção de formas, tornando-se

necessário ensinar a ver, a analisar, a especular e a investigar. Ela acredita, ainda,

que os professores de Arte sabem da necessidade de estudar e conhecer teoria da

percepção, a criatividade, a antropologia e a estética, para desempenhar o seu

papel, mas que poucos se empenham realmente nisso. De suas pesquisas em

classes de Arte, por todo o país, a autora concluiu que “através de leituras mal

digeridas ou modismos superficialmente divulgados, novos objetivos vão sendo

elaborados sucessivamente para a Arte na Educação, mas não se verificam

mudanças significativas de métodos”.

Para a perplexidade de arte-educadores mais conscientes do seu papel na

educação hoje, algumas abordagens metodológicas herdadas do século XIX ainda

persistem, como no caso do ensino da Arte identificado com o ensino do desenho

geométrico.

Percorrendo uma trajetória de diferentes objetivos, formulados por diferentes

períodos históricos, a função da Arte na Educação é grandemente afetada pelo

modo como professor e aluno vêem o papel da Arte e da cultura fora da escola.

Antes de ser preparado para explicar a importância da Arte na Educação, o

professor deveria estar preparado para entender e explicar a função da Arte e da

cultura para o indivíduo e para a sociedade. A ausência de uma política de formação

de professores de Arte limita uma renovação conceitual e metodológica, dando lugar

apenas a uma mudança de rótulos no ensino da Arte.

Educação através da Arte é terminologia criada por Herbert Read, na

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Inglaterra, em 1951, ligada ao movimento internacional com o mesmo nome. Arte e

seu ensino foi uma nomenclatura amplamente assumida - mas também indagada

quanto à sua práxis - a partir de 1989, quando da realização do 3º Simpósio

Internacional sobre o Ensino da Arte e sua História, na ECA-USP, com significativa

participação de pesquisadores internacionais conectados às experiências brasileiras.

“Arte e seu ensino não é apenas uma questão, mas muitas questões: não é um

problema, mas inúmeros desafios, uma tensão instalando estados de tensividades

entre olhares, buscas e encontros aprofundados, pois Arte é conhecimento a ser

construído incessantemente”. (FRANGE, 2002, p.47)

As terminologias desvelam escolhas conceituais que definem trajetórias

metodológicas. Mas – enfatiza Martins (2002, p.52) – “nada é tão cirurgicamente

delimitado e as terminologias acabam abarcando uma complexidade de conceitos

que se (inter)relacionam”.

Segundo Martins, na Espanha, o termo Educação Artística ganha uma

roupagem inovadora frente ao ensino da Arte, enquanto no Brasil, utilizá-lo seria ver

no espelho a roupa velha e surrada de um ensino polivalente e superficial.

A Lei de Diretrizes e Bases nº 2024, de dezembro de 1961, pretendeu

resolver o conflito entre Arte e técnica, possibilitando a coexistência da Arte e do

desenho, introduzindo a Educação Artística no currículo, não como disciplina, mas

como “atividade complementar de iniciação artística”, para “ampliar os

conhecimentos do aluno, iniciando-o em artes aplicadas, adequadas ao sexo e à

idade” (Art. 26, LDB-MEC). A resistência dos professores de desenho gerou,

gradativamente, a limitação da Arte às áreas de iniciação técnica. Saliente-se que o

medo do professor de desenho não era o de perder o emprego, pois seus direitos

foram assegurados pelo artigo 86, da Lei Federal 5692, de 11 de agosto de 1971,

mas, segundo Barbosa (1995, p.99), o status de cientista da Arte e da Técnica, lhe

foi conferido pela tradição brasileira neoclássica do ensino da Arte implantado pela

Missão Francesa e, posteriormente, reforçado pelo ideário positivista e pelas

exigências do processo de industrialização, conferiu dignidade à Arte na escola, mas

exacerbou o preconceito com relação à Arte como criação. A Educação Artística

considerada como “atividade educativa” e não como disciplina teve como

conseqüência a perda dos saberes específicos das diversas formas de arte, dando

lugar a uma aprendizagem reprodutiva.

Assim, a Arte direcionada à formação global do indivíduo somente é

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desenvolvida, a partir da década de 50 - ampliada a sua ação nos anos 70 -, nas

escolinhas de Arte particulares, fora da escola formal e pública.

Entre as décadas de 50 e 60, começou-se a notar nas escolas a influência de

um movimento denominado Escola Nova, já presente na Europa e nos Estados

Unidos desde o final do século XIX. Nas aulas de Arte, a influência da pedagogia

centrada no aluno direcionou o ensino para a livre expressão e a valorização do

processo de trabalho em arte, princípios que refletiam uma concepção

espontaneísta, em que os resultados não eram focos de preocupação do professor.

Barbosa (1995, p.11) diz que “o campo da arte caracteriza um tipo particular

de conhecimento que o ser humano produz a partir de perguntas fundamentais que

desde sempre fez com relação ao seu lugar no mundo”.

A unidade cultural resultante do relacionamento dialético entre dois campos

ideologicamente diversos – Arte e Educação – representa talvez, a principal

dificuldade para o especialista, diante dos obstáculos existentes neste cenário: a

deficiência na sua formação profissional e a invalidação da força da Arte no campo

da educação, significando, neste contexto, dupla problematização.

Durante os anos 70-80, tratou-se dessa formação de maneira indefinida, não

sendo a Educação Artística uma matéria, mas uma área sem contornos fixos.

A partir dos anos 80, o movimento de Arte-Educação se constitui, em diversos

pontos do país, ampliando as discussões sobre a valorização e o aprimoramento do

professor, que reconhecia o seu próprio isolamento dentro da escola e a

insuficiência de conhecimentos e competência na área.

Retomando a questão da terminologia, Frange (apud BARBOSA 0rg. 2002,

p.54) diz que Arte-educação surge na tentativa de conectar Arte e Educação, “por

isso a razão do hífen e até mesmo no intuito de, com essa junção, resgatar as

relações significativas entre a Arte e a Educação”.

Tourinho (2002, p.27) salienta que a defesa do ensino da Arte na escola já

reuniu inúmeros argumentos, nenhum deles desprezível, mas quase todos alheios

aos processos que compreendem a atividade artística (conceber, fazer/criar,

perceber, ler, interpretar), seus produtos (obras, manifestações), ações e reflexões.

Esse distanciamento entre argumentos de defesa e a realidade da escola, gerou um

tratamento curricular da Arte que, além de outras implicações, “despiu esse ensino

da reflexão, da crítica e da compreensão histórica, social e cultural dessa atividade

na sociedade”.

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Em 1988, com a promulgação da Constituição, iniciam-se as discussões

sobre a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que seria sancionada

apenas em 20 de dezembro de 1996. Convictos da importância do acesso dos

alunos de ensino básico também à área de Arte, educadores contrários a uma das

versões da referida lei, que retirava a obrigatoriedade da área, se organizaram em

manifestações e protestos, para que fosse revertido esse item. Assim, com a Lei nº

9394/96, revogam-se as disposições anteriores, que consideravam a Educação

Artística como atividade (Lei 5692), e a Arte passa a ser considerada obrigatória na

educação básica: “O ensino da Arte constituirá componente curricular obrigatório,

nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento

cultural dos alunos” (art. 26 § 2º), gerando novas metodologias e concepções para o

trabalho com Arte.

Nascida da luta de arte-educadores em todo o país, mesmo não sendo

executada como foi concebida, a nova LDB gerou documentos que reafirmam a

presença da Arte na escola. Unanimemente, os estudiosos da área preconizam que

é necessário perceber que as mudanças propostas na lei exigem um novo

paradigma para a construção de conceitos que fundamentam a área de

conhecimento em Arte. Um paradigma que não descarta a aprendizagem do

passado, mas que a submete a uma nova ordem, a nova hierarquia de atitudes e

valores, a um posicionamento profissional implicado com essas transformações, pois

“a fundamentação filosófica e metodológica, assim o exige” (MARTINS, 2002, p.51).

A hierarquia do conhecimento escolar – explícita e implícita – ainda mantém o

ensino da Arte num escalão inferior na estrutura curricular, mas percebe-se que,

tanto política quanto conceitualmente, há um maior número de arte-educadores mais

organizados, interessados e preparados para reivindicação do espaço da Arte na

escola.

O documento do Ministério da Educação e Cultura/SEF (1997), intitulado

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), referente à Arte expõe uma compreensão

do significado da arte na educação contemplando conteúdos, objetivos e

especificidades, tanto no que se refere ao ensino e à aprendizagem, quanto no que

se refere à arte como manifestação humana. Na caracterização da área de Arte, o

documento esclarece:

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Arte tem uma função tão importante quanto a dos outros conhecimentos no processo de ensino e aprendizagem”. [...] “A educação em arte propicia o desenvolvimento do pensamento artístico e da percepção estética, que caracterizam um modo próprio de ordenar e dar sentido à experiência humana”. [...] “Esta área também favorece ao aluno relacionar-se criadoramente com as outras disciplinas do currículo. (BRASIL, 1997).

Merece destaque a solicitação6 da Federação de Arte-Educadores do Brasil –

FAEB, entidade representativa dos profissionais da educação na área de arte, à

Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, para retificar o

termo “Educação Artística” por “Arte”, como base na formação específica plena em

uma das linguagens: Artes Visuais, Dança, Música e Teatro, no inciso IV, alínea b,

do artigo 3º da Resolução CNE/CEB nº 2, de 7 de abril de 1998, que instituiu as

Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino fundamental. Justifica-se o sentido

de se estabelecer coerência entre a Resolução do CNE e os demais textos legais

que regulamentam a educação brasileira.

A nova denominação preconizada tende a fortalecer a proposta que vê o

ensino da arte como uma área específica do saber humano, partindo do raciocínio

de que a importância da arte está na arte em si mesma e no que ela pode oferecer,

e não porque serviria para atingir outros fins.

As quatro linguagens a serem trabalhadas vêm representando uma

dificuldade, até mesmo para o professor especializado em Arte, que não tem uma

formação suficientemente ampla, e ainda mais para o professor “comum”, que

precisa ter um domínio de conhecimento muito além das suas possibilidades reais.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais contemplam a “Área de Arte”, dando-

lhe mais abrangência e complexidade. Embora não apresentem caráter de

obrigatoriedade, os PCNs vêm servindo para a elaboração de planos e projetos

pedagógicos na escolas das redes pública e privada em todos os níveis de ensino.

Os PCNs propõem uma interação da Arte com as outras disciplinas do

currículo, e seu texto informa que fornece subsídios para que os educadores possam

“trabalhar com a mesma competência exigida para todas as disciplinas do projeto

curricular”. É questionável a possibilidade de adquirir uma competência

multidisciplinar, com domínio em linguagens tão específicas e, para muitos,

complexas, como as propostas no documento do MEC.

6 A solicitação foi atendida e aprovada em parecer nº 22/2005 CNE/CEB, de 04/10/ 2005.

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O final da década de 90 trouxe novos desafios para o cenário da Arte-

educação, com vistas ao terceiro milênio, num mundo social, político e cultural em

ritmo acelerado de transformações, exigindo da educação nova tendência cultural,

que encontra abrigo nas possibilidades da expressão artística, alicerçadas em

conceitos estéticos e numa visão da produção artística em sua contextualização

histórica.

Fusari e Ferraz observam, otimistas, que,

[...] a Arte-educação vem se apresentando como um movimento em busca de novas metodologias de ensino e aprendizagem de Arte nas escolas, gerando a revalorização do professor da área, discussões e proposições para o redimensionamento do seu trabalho, ao mesmo tempo em que o conscientiza da importância da sua ação profissional e política na sociedade. (FUSARI; FERRAZ, 1992, p.16,17)

Lamenta-se, porém, que a Arte tenha sido contemplada no currículo com

carga horária ainda insuficiente para um trabalho que consiga recuperar a

defasagem cultural que afetou enormemente a área e, também, que ela abranja

apenas alguns níveis do ensino fundamental e médio.

O enfoque adotado nesta pesquisa refere-se à abordagem multiculturalista na

Arte, que surge como uma tendência atual para o desenvolvimento da Arte-

Educação.

O volume dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) referente à

Pluralidade Cultural focaliza questões relacionadas ao reconhecimento e à

valorização da diversidade cultural brasileira e das formas de perceber e expressar a

realidade própria dos gêneros, das etnias e das várias regiões e grupos sociais,

oferecendo informações que contribuam para a formação de novas mentalidades,

voltadas para toda forma de superação e exclusão.

O texto descreve que

o professor deverá trabalhar diferentes linguagens que ampliam as possibilidades de expressão para além da verbal [...] o desenvolvimento de outras linguagens será muito importante, permitindo transversalizar, em particular, com Educação Física e Arte. A música, a dança e as artes em geral, vinculadas aos diferentes grupos étnicos e a composições regionais típicas, são manifestações culturais que a criança e o adolescente poderão conhecer e vivenciar. Dessa forma, enriquecerão seu conhecimento sobre a diversidade presente no Brasil, enquanto desenvolvem seu próprio potencial expressivo. (BRASIL, 1997)

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Embora a aceitação do diferente e do diverso como base das relações sociais

democráticas seja uma premissa comum às perspectivas multiculturais, há que

considerar as circunstâncias em que esta aceitação é concebida, podendo, segundo

Garcia e Lobo (2002, p.59) “representar tanto um contexto de conflitos, onde o

diálogo e o embate entre os diferentes grupos sociais estão intrínsecos, como

também pode referir-se a um contexto de consenso, em que a superação dos

conflitos sem confronto mascara uma coerção do diferente, do diverso”. Assim, a

apropriação e o entendimento que cada professor tem acerca do multiculturalismo

pode conduzir a práticas pedagógicas desenvolvidas por caminhos diversos.

Na visão de Sacristán (1996),

[...] o termo multicultural é ambíguo e pode abarcar tanto uma perspectiva assimilarista, em que uma cultura dominante visa a assimilar uma cultura “minoritária”, quanto uma perspectiva multiética, que se constitui em instrumento para diminuir preconceitos de uma sociedade para com as minorias. (SACRISTÁN, 1996).

O multiculturalismo é apontado por Barbosa como denominador comum dos

movimentos atuais, em direção à democratização da educação em todo o mundo, e

enfatiza que,

[...] o equilíbrio entre a configuração de uma identidade cultural e a flexibilidade para a diversidade cultural é um objetivo e, provavelmente, uma utopia, que colocará a educação em movimento constante, porque nem a identidade, nem os elementos do meio ambiente cultural são fixos. (BARBOSA, 1998, p.79)

O ensino da arte, em todos os níveis, como já explicitado, tem passado, ao

longo dos tempos, por processos diversos, quer por fatores de influência social, quer

por modismos, ou pela importação de modelos sem a necessária adaptação ao

contexto cultural brasileiro.

A perspectiva multiculturalista na Educação tem como objetivo ser o mais

eficiente caminho para estimular a consciência cultural do indivíduo, a começar pelo

reconhecimento e apreciação da cultura local.

Nos anos 60 e 70, conceitos como identidade cultural e diversidade cultural

eram conteúdos de maior interesse dos países do Terceiro Mundo, dos colonizados

culturalmente ou apenas das minorias dos Estados Unidos e Europa. Somente na

década de 80, os países colonizadores focalizaram seu interesse na

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multiculturalidade.

Porém a identidade cultural não é uma forma fixa ou congelada, mas um

processo dinâmico, enriquecido através do diálogo e trocas com outras culturas.

Neste sentido, também representa um problema para o mundo desenvolvido, que

privilegia a leitura cultural (fornecimento de informações globais e superficiais sobre

diferentes campos de conhecimento) e a ecologia cultural (atenção equilibrada às

diversas culturas de cada país).

No terceiro Mundo a identidade cultural é interesse central e significa uma necessidade básica de sobrevivência e de construção da sua própria realidade. Sem a flexibilidade de encarar a diversidade cultural existente em qualquer país, não é possível tanto uma identificação cultural como uma leitura cultural global ou, ainda, uma cultura ecológica. (BARBOSA, 1998, p.14).

Uma educação interessada no desenvolvimento cultural é aquela que tem

como objetivo o conhecimento sobre a cultura local, a cultura de vários grupos que

caracterizam a nação e a cultura de outras nações. No que diz respeito à cultura

local, observa-se que apenas o nível erudito desta cultura é admitido na escola,

continuando a serem ignoradas pelas instituições as culturas de classes sociais

subalternas, mesmo pelos que estão envolvidos na educação dessas classes. Isto

não significa a defesa dos guetos culturais, nem a exclusão da cultura erudita das

classes subalternas, que têm direito de acesso aos códigos dominantes – os códigos

do poder. A mobilidade social depende da inter-relação entre os códigos culturais

das diferentes classes sociais e diversidade cultural e presume o reconhecimento

dos diversos códigos, classes, grupos étnicos, crenças e sexos na nação, assim

como o diálogo com os diversos códigos culturais das diversas nações ou países,

que incluem a cultura dos primeiros colonizadores.

Dentre as várias propostas que estão sendo difundidas no Brasil, Ana Mae

Barbosa destaca aquelas relacionadas ao multiculturalismo. Trata-se de estudos

sobre a educação estética, a estética do cotidiano, complementando a formação

artística dos alunos.

Estas idéias têm referência na “Proposta Triangular para o ensino da Arte”,

desenvolvida pela Arte-Educadora Ana Mae Barbosa, sob a influência dos

construtores do DBAE - os americanos Elliot Eisner, Ralfh Smith e Brent Wilson.

Difundida no Brasil, por meio de projetos como os do Museu de Arte Contemporânea

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de São Paulo e o Projeto Arte na Escola da Fundação Iochpe, no Rio Grande do Sul,

a Proposta Triangular deriva de uma dupla triangulação, sendo a primeira de

natureza epistemológica, ao designar os componentes do ensino/aprendizagem por

três ações mentalmente e sensorialmente básicas: criação (fazer artístico), leitura da

obra de arte e contextualização. A segunda triangulação, denominada leitura da obra

de arte – explicitada por Barbosa (1998, p.33) – é originada em uma tríplice

influência de três outras abordagens epistemológicas: as Esculelas al Aire Libre

mexicanas, o Critical Studies inglês e o Movimento de Apreciação Estética aliado ao

DBAE (Discipline Based Art Education) americano. Porém a autora revela que o

movimento de crítica literária e ensino da literatura americana Reader Response, em

diálogo com a especificidade terceiro-mundista, foi que inspirou a designação de

“leitura de obra de arte” para um dos componentes da triangulação ensino-

aprendizagem.

Esta perspectiva não despreza os elementos formais, mas não os prioriza,

como os estruturalistas o fizeram; valoriza o objeto, mas não o cultua, como os

desconstrutivistas; enfim, exalta a cognição, mas na, mesma medida, considera a

importância do emocional na compreensão da obra de arte. Ela faz associações

elucidativas do movimento, referindo-se à interpretação piagetiana do ato cognitivo,

enquanto o leitor e o objeto constroem a resposta à obra e, mais ainda, uma

interpretação vigotsquiana de compreensão do mundo. Assimilação e acomodação

na relação leitor-objeto são os processos fundamentais que se impõem,

correspondendo, para a autora, a necessidades fundamentais da realidade

educacional brasileira. Ela denuncia que se trata de um país com alta porcentagem

de crianças fora da escola, muitas delas vivendo na rua, sendo destituídas por

aqueles que deveriam protegê-las, e, ainda, com professores desvalorizados e sem

formação específica.

Justifica-se, então, a ênfase na leitura: leitura de palavras, gestos, ações, imagens, necessidades, desejos, expectativas, enfim, leitura de nós mesmos e do mundo em que vivemos. Em arte-educação, a Proposta Triangular tenta corresponder à realidade do professor que temos e à necessidade de instrumentalizar o aluno para o momento em que vivemos, respondendo ao valor fundamental a ser buscado em nossa educação: a leitura, a alfabetização. (BARBOSA, 1998, p.35)

Considerada a primeira experiência pós-moderna de ensino da Arte no Brasil,

consta que este princípio de leitura como interpretação cultural - com grande

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influência de Paulo Freire - foi inicialmente experimentado na organização, cursos e

oficinas do Festival de Inverno de Campos do Jordão, em 1983.

Contudo, a Proposta Triangular, como sistema epistemológico, só foi

sistematizada e testada entre os anos 1987 e 1993, no Museu de Arte

Contemporânea da USP, tendo como meio a leitura de obras originais. De 1989 a

1992 foi experimentada, com resultados compensadores, nas escolas municipais de

ensino de São Paulo, no período em que Paulo Freire foi Secretário de Educação do

Município de São Paulo.

Barbosa lembra que várias teses sobre Arte-educação já apontam para a

importância da contextualização do ensino, dos conceitos, das imagens para uma

educação comprometida com o social.

Portanto qualquer conteúdo, de qualquer natureza visual e estética, pode ser

explorado, interpretado e operacionalizado através da Proposta Triangular. Enfatiza

a autora que é um equívoco dizer que a Proposta Triangular se destina ao trabalho

com o código hegemônico europeu e norte-americano erudito de arte. A Proposta

Triangular é sistema cuja proposição depende da resposta que damos à pergunta:

“como se dá o conhecimento em arte?” (1998, p.38).

A contextualização é, em si mesma, forma de conhecimento relativizada.

Pesquisas sobre a cognição situada mostram que o conhecimento e o entendimento

são mais facilmente efetivados se emoldurados pelo sujeito. Essa moldura é

designada de contextualização e pode ser subjetivamente e/ou socialmente

construída.

Barbosa (1998, p.91) sugere que o ideal nessa abordagem, é começar

indagando o porquê do professor de Arte trazer para a sala de aula as preocupações

com as diferenças culturais. Ela complementa que embora pareça óbvia, a resposta

tem sido pouco considerada pelos educadores: em uma sala de aula, especialmente

na escola pública, se inter-relacionam indivíduos de diferentes grupos culturais que

terão sempre que lidar com outros indivíduos também de diferentes culturas e sub-

culturas.

Entendendo que os grupos culturais se entrelaçam e podem ser identificados

pela raça, gênero, opção sexual, idade, locação geográfica, renda, classe social,

ocupação, religião, etc., Barbosa destaca questões importantes que norteiam a

atitude multiculturalista no ensino da Arte:

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1. Como diferentes grupos culturais podem encontrar um lugar para a arte

em suas vidas?

2. Entender que grupos culturais diferentes têm também necessidade da

arte, mas que o próprio conceito de arte pode diferir de um grupo cultural

para outro.

Estas questões embora pareçam simples, são básicas para nortear o

educador nos seguintes aspectos:

a) compreender que a arte pode conferir identidade às pessoas através dos

símbolos, dos valores vivenciais e estéticos que as identificam.

b) Sensibilizar para problemas de diferença racial, deficiência física,

nacionalidade, naturalidade, religião, classe social.

c) Libertar-se de atitudes discriminatórias em relação a pessoas de origem

étnica e/ou cultural diferente.

d) Ser capaz de responder à diversidade racial, cultural e de gênero, de

maneira positiva e socialmente responsável.

A pesquisa quis saber, pela voz dos proponentes de projetos sobre o

desenvolvimento das ações artísticas e, por outro lado, pela voz dos professores,

sobre a validade de tais ações para seu desenvolvimento cultural. As percepções

dos professores confirmaram os depoimentos dos proponentes, nas entrevistas:

Todas as oficinas abordaram a arte numa perspectiva multicultural e a valorização

da cultura dos alunos. Conforme informações de professores entrevistados, a

aplicação das propostas junto aos alunos gerou resultados tanto na dinâmica da sala

de aula, como na comunidade, a exemplo dos grupos de danças folclóricas

formados por alunos das escolas públicas, tornando real a valorização da cultura de

raiz.

Conclui-se que é através da contextualização de produtos e valores estéticos

que a atitude multiculturalista é desenvolvida. Sem o exercício da contextualização

corre-se o risco de que, do ponto de vista da arte, a pluralidade cultural se limite a

uma abordagem meramente aditiva.

A multiculturalidade aditiva vem recebendo veementes críticas por sociólogos,

antropólogos e arte-educadores. Entende-se por abordagem aditiva a atitude de

apenas adicionar à cultura dominante alguns tópicos relativos a outras culturas, o

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que ocorre com freqüência em muitas escolas, como fruto de equívocos conceituais

ou falta de conhecimentos dos educadores.

Multiculturalidade não é apenas fazer cocar no dia dos Índios, nem tampouco fazer ovos de Páscoa ucranianos e dobraduras japonesas, ou festejar o dia das bruxas americano, enfim trazer para a escola qualquer atividade clichê de outra cultura. É fundamental manter uma atmosfera investigadora, acerca das culturas compartilhadas pelos alunos, tendo em vista que cada um participa no exercício da vida cotidiana de mais de um grupo cultural. (BARBOSA, 1998, p.93).

Uma educação multiculturalista crítica em arte é norteada por algumas

atitudes fundamentais no cotidiano escolar, tais como:

1. Promover o entendimento de cruzamentos culturais, através da

identificação de similaridades, particularmente nos papéis e funções da

arte, dentro e entre grupos culturais.

2. Reconhecer e celebrar diversidade racial e cultural em arte na sociedade,

enquanto se potencializa o orgulho pela herança cultural em cada

indivíduo.

3. Incluir, em todos os aspectos do ensino em arte (produção,

apreciação/leitura e contextualização) problematizações acerca de

etnocentrismo, estereótipos culturais, preconceitos, discriminação e

racismo.

4. Enfatizar o estudo de grupos particulares e/ou minoritários do ponto de

vista do poder, como índios, mulheres e negros.

5. Possibilitar a confrontação de problemas, tais como racismo, sexismo,

excepcionalidade física ou mental, participação democrática, paridade de

poder.

6. Examinar a dinâmica de diferentes culturas.

7. Desenvolver a consciência acerca dos mecanismos de manutenção da

cultura dentro dos grupos sociais.

8. Incluir o estudo referente à transmissão de valores.

9. Questionar as culturas dominante, latente ou manifesta, e todo tipo de

opressão.

10. Destacar a importância da informação para a flexibilização do gosto e do

juízo acerca de outras culturas.

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Barbosa (1998, p.94) lembra que tais atitudes desmentiriam muitos

preconceitos culturais, como por exemplo, a idéia de que a melhor arte é a produzida

pelos europeus e a de que a pintura em óleo e a escultura em mármore são as mais

importantes formas de arte. Estas idéias só reforçam o código hegemônico.

A questão preconceituosa relativa à qualidade da arte produzida pelo homem

sobre a arte da mulher, poderia ser desmentida com a contextualização em relação

ao papel secundário que as sociedades sempre deram às mulheres.

A diferença hierárquica entre artesanato e arte, seria contestada na análise

do valor dos saberes dos pobres e dos ricos, diante da cultura dominante.

A função da Arte na formação da identidade lhe confere um papel

característico dentre os complexos aspectos da cultura. Através da Arte é possível

ter-se representação simbólica dos traços espirituais, materiais, intelectuais e

emocionais que caracterizam uma sociedade ou um grupo social. A arte, como uma

linguagem presentacional dos sentidos, transmite significados que não podem ser

transmitidos tão bem através de nenhum outro tipo de linguagem, tais como a

linguagem discursiva e científica. Arte é meio para se entender as culturas de um

país. Aqueles que estão engajados na tarefa de fundar a identificação cultural não

podem alcançar um resultado significativo sem o conhecimento das manifestações

artísticas dos grupos em questão.

A base da (re)construção das identidades do sujeito pós-moderno está no

próprio indivíduo – como ser que é formado por estruturas históricas, sociais,

econômicas, culturais e práticas de significação - que ocupa inúmeras posições de

sujeitos e, conforme Moreira e Macedo (2000, p.7), “apresenta diferentes aspectos

identitários, que não se unificam em torno de um eu coerente e que se modificam ao

longo do tempo”. Pensar em identidades culturais no âmbito do pensamento pós-

moderno é um desafio. Em geral, a escola tem dificuldade em se desvencilhar do

ensino tradicional – a hierarquização dos saberes e tempos escolares, dos

conteúdos ditos essenciais na formação humana – ou seja, do currículo que prioriza

uma universalização de saberes dominantes. Esquece-se de que nesse espaço

situam-se sujeitos, com identidades próprias, e múltiplas outras em processo de

construção.

A Arte-Educação focalizada no multiculturalismo desperta interesse e respeito

às tradições dos estudantes (das famílias e da comunidade) e as diferentes culturas

são valorizadas, criando, em conseqüência, um ambiente igualitário. Nessa

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perspectiva arte e cultura locais podem ser utilizados como eixos geradores do

currículo.

Observando a história do ensino da Arte no Brasil, constata-se que entre a

evolução conceitual e a prática real ainda há um longo percurso a ser desafiado,

especialmente na escola pública, que tem por trás um sistema educacional, ainda

incapaz de entender e colocar a Arte e a cultura no lugar de direito do aluno – o

direito à manifestação de percepções, idéias e emoções; o direito à apreciação,

fruição e produção artística; enfim, o direito à alfabetização cultural e à educação

estética.

Neste contexto, além de valorizar o espaço da Arte no currículo escolar, a

pesquisa propôs estudar a nova forma de ensino da arte realizada pelo Projeto

CRIAR, considerando o universo cultural da comunidade em que as escolas estão

inseridas.

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3 A PESQUISA SOBRE O PROJETO CRIAR

É preciso ter muito cuidado com o enfoque multicultural a ser utilizado na educação, pois, simplesmente adicionar informações sobre outras culturas (multiculturalismo aditivo) não afeta a supremacia do código dominante. (RITCHER, 2002, p.91)

Nesta pesquisa, buscou-se entender o papel do Projeto CRIAR como meio

para superar a sonegação cultural e verificou-se um rigor conceitual por parte de

facilitadores de oficinas, no sentido de valorizar a cultura dos participantes, de

estimular os professores a conhecer as tradições culturais locais, como uma forma

de entender a cultura das minorias.

Os rituais mecânicos existentes na escola, segundo Azevedo (2003, p.38),

são baseados em uma concepção de conhecimento fragmentada, artificial e

excludente, valorizando a pluralidade cultural como forma de disfarçar as

desigualdades socioculturais e a manutenção da subserviência. Nesse sentido,

McLaren (1992, p.37) chama a atenção para o fato de que o ritual deve ser

compreendido como “produção cultural”. Azevedo denuncia ainda que todo processo

de sonegação cultural do conhecimento “erudito” e o desrespeito com a cultura das

minorias representam uma das mais fortes vertentes, no processo de educação

escolar de tendência idealista liberal.

Envolvendo o problema da desigualdade social e econômica, está o problema da intercomunicação dos níveis culturais. Nas sociedades que mantêm a desigualdade como norma, e é o caso da nossa, podem ocorrer movimentos e medidas, de caráter público ou privado, para diminuir o abismo entre os níveis e fazer chegar ao povo os produtos eruditos. Mas, tanto num caso quanto no outro, está implícita, como questão maior, a correlação dos níveis. E aí a experiência mostra que o principal obstáculo pode ser a falta de oportunidade, não a incapacidade. (CÂNDIDO, 1995, p.259)

Os estudos de McLaren abriram, no Brasil, um vasto campo para a

compreensão do que vem a ser a multiculturalidade crítica, especialmente quando

analisa os rituais na escola, considerando-os “[...] como um evento político e como

parte das distribuições objetificadas do capital cultural dominante na escola”.

Questionou-se, na pesquisa, que o projeto CRIAR pode se configurar como um

ritual. Na perspectiva de McLaren, o que se quer é o ensino da Arte de qualidade,

como um ato político que precisa ser efetivado no âmbito da educação escolar,

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assegurando para todos o acesso a conteúdos vivos e concretos, ligados às

realidades sociais e suas contradições.

Barbosa (1998, p.80) enfatiza que a identidade cultural é construída em torno

das evidências das “diferenças”, e, se essas diferenças culturais são embaçadas, o

“ego” cultural desaparece. Portanto a procura por uma identidade cultural e a

educação multicultural não são operações em diálogo, mas um inter-relacionamento

complexo e dialético. Qualquer desequilíbrio reduzirá a educação multicultural à

mera “cooptação das forças das minorias”, que leva a uma educação neo-

colonizadora.

Somente uma educação que fortalece a diversidade cultural pode ser

entendida como democrática, necessidade que está sendo reivindicada

internacionalmente. Procurar igualdade sem considerar as diferenças é obter uma

pasteurização homogeneizada, a exemplo da validação dos códigos europeus e dos

códigos brancos norte-americanos, como ainda ocorre na arte e na arte-educação,

no Brasil.

Varela (apud Fusari e Ferraz, 1992, p.17) enfatiza que o espaço da Arte-

educação é essencial à educação numa dimensão muito mais ampla, em todos os

seus níveis e formas de ensino, sendo um campo de atividade, conteúdos e

pesquisas de grande significado e não está voltado apenas para as atividades

artísticas. “É um território que pede presença de muitos, tem profundo sentido

cultural, desempenha papel integrador plural e interdisciplinar no processo formal e

não formal da educação”.

No nosso entender, o ensino da Arte deve se caracterizar por uma educação predominantemente estética, em que os padrões culturais e estéticos da comunidade e da família sejam respeitados e inseridos na educação, aceitos como códigos básicos a partir dos quais deve-se construir a compreensão e imersão em outros códigos culturais. (RITCHER, 2002, p.91)

É importante indagar se os educadores interpenetram no conhecimento dos

padrões culturais e estéticos da família, para estabelecer uma relação de respeito,

conferindo-lhe a importância relativa à cultura que o aluno traz para a escola.

Pluralidade Cultural é um termo visto como sinônimo de multiculturalidade,

sendo ambos utilizados para indicar múltiplas culturas presentes, hoje, nas

sociedades complexas. A denominação multicultural encontra-se consagrada na

literatura, não somente na área de Educação, mas também na área da Arte-

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educação, constituindo uma forma de estudo e discussão da questão da

diversidade. O termo interculturalidade, que implica uma inter-relação de

reciprocidade entre culturas é, na concepção de Ritcher (2002, p.86), o mais

adequado ao ensino-aprendizagem em artes que se proponha a estabelecer a inter-

relação entre códigos culturais de diferentes grupos culturais. Ressalte-se que

convivemos hoje com todas essas denominações, aparecendo como sinônimos.

Vindo de preocupações e discussões que tiveram início nos Estados Unidos e

na Europa, a partir dos problemas sociais que se acumulam naquelas sociedades, o

multiculturalismo no ensino da Arte é uma nova tendência no Brasil. A sua origem

relaciona-se principalmente com os conflitos étnicos presentes naqueles países, no

entanto tal enfoque foi sendo ampliado, tendo em vista as numerosas culturas

presentes em toda a sociedade, baseadas em aspectos variados, como gênero,

religião, idade, classe social, ocupação. Mais recentemente, a educação especial

vem sendo incluída na visão multicultural, considerando-se também os portadores

de necessidades especiais, participantes da diversidade cultural.

O Projeto CRIAR abrangeu uma escola de ensino especial, cuja

representante entrevistada declarou que, nas oficinas do Projeto ela pode ver a arte

na escola, numa dimensão mais ampla, o que possibilitou adequar atividades aos

alunos portadores de dificuldades especiais.

Ana Mae Barbosa diz que a Arte-educação deve reforçar a herança artística e

estética dos alunos, com base em seu meio ambiente. Questiona-se, então, o que

significa este conceito para o educador, especialmente o da escola pública.

Pressupondo que a educação estética proporciona a leitura da subjetividade,

Barbosa (1991, p.24) adverte que uma proposta mal conduzida pode criar guetos

culturais e manter grupos amarrados aos códigos de sua própria cultura, sem

possibilitar a decodificação de outras culturas.

Somente a resistência crítica à dominação cultural pode conduzir o multiculturalismo ao seu verdadeiro caminho de humanização, e isso se dará por intermédio do diálogo e da paz. Da mesma forma, a educação multicultural e intercultural deve familiarizar os alunos com a realização de culturas não dominantes, de maneira a colocá-los em contato com outros mundos, e levando-os a se abrirem para a riqueza cultural da humanidade. (MCLAREN,1997, p.16).

O presente trabalho pretendeu responder à pergunta: Os projetos culturais da

empresa teriam condição de fazer essa alfabetização cultural com os professores e

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os alunos, preparando os profissionais para o domínio das várias linguagens que

devem compor os projetos artísticos, dentro de uma visão multicultural?

O compromisso com a diversidade cultural ganha ênfase na Arte-educação

pós-moderna e grande importância tem sido dada hoje aos projetos que demonstram

o mesmo valor apreciativo pela produção erudita e pela produção do povo,

possibilitando o estabelecimento da relação entre cultura da escola e cultura da

comunidade.

A concepção do conhecimento em artes denominada “Proposta Triangular do

Ensino da Arte”, sistematizada por Ana Mae Barbosa, postula a interseção da

experimentação com a codificação e a informação, como premissa para a

construção do conhecimento em Arte. A pesquisa e a compreensão das questões

que envolvem a forma de relacionamento entre Arte e Público são consideradas

como objeto de conhecimento dessa concepção. Propõe-se, assim, com referência

na “Proposta Triangular”, que um programa de ensino de Arte seja elaborado a partir

das três ações básicas executadas no relacionamento com a Arte: a leitura de obras,

o fazer artístico e a contextualização.

Entendendo que contextualizar é estabelecer relações, a contextualização, no

processo ensino-aprendizagem, é a porta aberta para o conhecimento em arte. A

redução da contextualização à história é um viés modernista. É através da

contextualização que se pode direcionar a prática educativa para a

multiculturalidade.

Uma abordagem multicultural na Arte-educação desloca o foco da questão

sobre “o que é arte” para a questão “quando é arte”, colocando o contexto como

componente definidor da experiência artística e da experiência estética.

“Hoje, a questão que prevalece é aquela sublinhada por Marcel Duchamp e

Kant: quando algo, um objeto, uma idéia, ou uma atitude é arte?” Barbosa (1998,

p.42).

Depoimentos de alguns professores entrevistados indicaram que, no

desenvolvimento das oficinas no Projeto CRIAR, em discussões sobre a arte, muitas

variáveis se mobilizaram, tornando-se a própria experiência estética do professor,

para se tornar, depois, elemento definitivo da experiência estética do aluno. Um dos

exemplos citados foi “colcha de retalhos”, oficina que possibilitou ao professor uma

vivência individual sobre a sua história de vida, para depois ser contextualizada

numa criação coletiva, utilizando diversas linguagens da arte. “Essa proposta, que

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oferece uma visão estética e multicultural da arte, foi reeditada nas escolas junto aos

alunos”, segundo informou o entrevistado Lúcio, professor de ensino médio.

A exposição da criança e do adolescente à arte na escola depende da

escolha do professor. A experiência estética pode ser mais ou menos significante e

valiosa em função desta escolha. O professor de arte precisa conhecer estética

para, pelo menos, saber o que escolher. Em educação, a tarefa da estética

integrada na leitura da obra ou do campo do sentido da arte é ajudar a clarificar

problemas, a entender nossa experiência da arte, a discriminar entre opões, a tomar

decisões, a emitir juízos de valor.

A Proposta Triangular, conforme Barbosa (1998, p.41), é construtivista,

interacionista, dialogal, multiculturalista e é pós-moderna por tudo isto e por articular

arte como expressão e como cultura na sala de aula, sendo esta articulação o

denominador comum de todas as propostas pós-modernas do ensino da arte que

circulam internacionalmente, na contemporaneidade.

Assim, a educação cultural que se pretende com a Proposta Triangular é uma

educação crítica do conhecimento construído pelo próprio aluno, com a mediação do

professor, acerca do mundo visual, e não uma “educação bancária” a que se referia

Paulo Freire.

Registram-se experiências significativas com a Proposta Triangular, em

trabalhos de código popular e de estética do cotidiano, como na exposição

Carnavalescos, Latas e sucatas, Labirintos da Moda, entre outras, orientadas por

Ana Mae Barbosa, em São Paulo.

A escolha do conteúdo a ser explorado depende da ideologia do professor e

dos códigos de valor da cultura dos alunos, o que responde à pergunta freqüente na

cabeça dos professores: “o que ensinar?”

O olhar voltado para a arte num enfoque multicultural sugeriu focalizar

algumas questões, em relação aos projetos de Arte-educação, nas escolas

beneficiadas pela empresa LÓTUS:

1. A ênfase dada pelo projeto em relação aos códigos culturais dos alunos.

2. A possibilidade de alfabetização cultural e estética, dada pelo projeto aos

professores e alunos.

3. A coerência do objetivo proposto pela empresa com a perspectiva

multicultural, ao oferecer os projetos de Arte às escolas.

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4. A forma como a perspectiva multicultural é contemplada pelas linguagens

artísticas, no desenvolvimento do projeto.

A função da Arte está ligada à complexidade da sua natureza, que explica inclusive o papel contraditório, mas humanizador, e talvez humanizador, porque contraditório”. O autor propõe, na análise da Arte, a distinção de pelo menos três faces: “1. ela é uma construção de objetos autônomos como estrutura e significado; 2. ela é uma forma de expressão, isto é, manifesta emoções e a visão do mundo dos indivíduos e dos grupos; 3. ela é uma forma de conhecimento, inclusive como incorporação difusa e inconsciente. (CÂNDIDO, 1995, p.244)

Arte-educação baseada na comunidade é uma tendência contemporânea que

tem apresentado resultados muito positivos em projetos de educação para a

reconstrução social, quando não isolam a cultura local, mas a discutem em relação

com outras culturas.

A ignorância e indiferença pelas necessidades reais e pela cultura do povo,

junto ao desrespeito e ao desinteresse pelas experiências estéticas anteriores e

pelos valores artísticos tidos e trazidos pelos próprios estudantes, desde o século

XIX representa a principal causa da ineficiência do ensino de arte nas escolas

públicas do Brasil.

Pela acomodação na dependência de padrões estéticos, perde-se a

oportunidade de transformar a arte no meio de humanizar a escola e de contribuir

para a formação de uma identidade cultural. Essa é uma questão essencial, se se

considerar que a arte é uma disciplina compulsória no ensino fundamental e médio e

nos cursos para adultos.

3.1 O Projeto Empresarial CRIAR

O presente capítulo é orientado por uma análise do Projeto CRIAR7, do ponto

de vista do seu conceito e de suas proposições em relação às ações de

responsabilidade social da empresa LÓTUS8.

Esta análise procurou identificar qual é o significado, para a empresa LÓTUS,

7 CRIAR - denominação fictícia dada ao projeto focalizado nesta pesquisa. 8 LÓTUS - denominação fictícia dada à empresa patrocinadora dos projetos culturais desenvolvidos

no período da pesquisa

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das ações culturais que integraram o referido projeto, e as razões do investimento

em cultura e educação e, mais especificamente, em Arte-educação.

O Projeto CRIAR abriga projetos artístico-culturais incentivados pela empresa

LÓTUS, que se beneficia das prerrogativas da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do

Estado de Minas Gerais, nº 12.733/97, alterada pela Lei 13.665/2000, e do Decreto

nº 43.615/2003, que a regulamenta.

Os projetos incentivados compõem-se de atividades artísticas e culturais que

passaram por análise e aprovação do CETAP – Comissão Técnica de Análise de

Projetos – da Secretaria de Cultura do Estado de Minas Gerais, por preencherem

requisitos constantes em edital de concorrência da referida Lei de incentivos. De

posse dos Certificados de Aprovação (CA) concedidos pela Secretaria de Cultura, os

proponentes dos projetos ou empreendedores culturais os apresentaram à empresa

LÓTUS, para conhecimento e decisão sobre o patrocínio e posteriores providências

no sentido da liberação de recursos e definições para planejamento e execução do

cronograma de ações.

A empresa LÓTUS optou por projetos da área de Arte-Educação, que

privilegiassem oficinas direcionadas aos educadores do município, para formação de

reeditores (ou multiplicadores) das ações nas suas escolas de origem.

O Projeto CRIAR - principal componente do programa de relacionamento com

a comunidade da empresa LÓTUS - foi o foco de estudo desta pesquisa acerca da

responsabilidade social e suas ações no âmbito da educação pública. Elaborado no

ano de 1999 pela área de comunicação empresarial da Empresa LÓTUS, situada em

um município de Minas Gerais, onde foi instalada uma unidade fabril da referida

empresa, o CRIAR foi estruturado em três partes.

Consta, na primeira parte do projeto, a conceituação dos valores e dados que

levaram a empresa a decidir sobre a atuação na comunidade, privilegiando escolas

públicas estaduais e municipais. Na segunda parte, está o desenvolvimento do

projeto, o histórico de sua evolução, a política de relacionamento com a

comunidade, a conceituação do projeto, os pilares referentes ao investimento em

educação. A terceira parte contempla a definição de papéis e responsabilidades e de

que forma foi proposto o desenvolvimento das ações junto à comunidade.

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2.1.1 Análise dos Conceitos Básicos do Projeto CRIA R

A presente análise busca identificar, por meio das formações discursivas

contidas na descrição textual do projeto CRIAR, as estratégias de persuasão

utilizadas no intuito da promoção de influência, nas relações de poder entre empresa

e comunidade.

Enquanto o discurso é a materialização das formações ideológicas, a forma

como a empresa apresenta seus conceitos e objetivos que compõem a doutrina de

responsabilidade social é o espaço reservado à manipulação consciente, cujos

elementos de expressão são organizados da melhor forma para veicular o discurso.

Segundo Fiorini (1998, p.42) “discurso é, pois o lugar das coerções sociais,

enquanto o texto é o espaço da liberdade individual”

A) RESPONSABILIDADE SOCIAL

Gestão com responsabilidade social mantém foco na ética, qualidade das relações com acionistas, colaboradores, consumidores, fornecedores, comunidades, meio ambiente e governos, e também na geração de valor para todos. Gestão com responsabilidade social propicia a valorização da imagem institucional e da marca, maior lealdade de todos os públicos, inclusive do consumidor; maior capacidade de recrutar e manter talentos, flexibilidade e capacidade de adaptação e longevidade. (PROJETO CRIAR, 2000).

O Projeto CRIAR apresenta no seu texto inicial o conceito e a função da

responsabilidade social, por meio de um discurso amplo e retórico para justificar a

ação empresarial, pois as atividades produtivas da empresa suscitam

questionamentos diante das políticas desenvolvidas, que buscam, na realidade, a

construção de uma imagem “socialmente responsável”.

Entre a teoria neoliberal e a concepção da responsabilidade social

corporativa, vale destacar as manifestações que indicam a preocupação em torno da

ética nos negócios, como necessária para a própria sobrevivência da organização,

devido às relações de poder que ela mantém com a comunidade.

Destaca-se no discurso da empresa a apologia à “qualidade das relações” de

ampla abrangência, incluindo “meio ambiente” e “geração de valor para todos”,

traduzida na forma generalizada de intervenções sociais e ambientais, meramente

compensatórias, ou, conforme Faria (1992), “podem ser entendidas como uma

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estratégia discursiva de persuasão e ideológica, baseada no silêncio”.

Há um esforço visível das empresas para convencer a opinião pública da

seriedade e respeitabilidade do seu comportamento social e ambiental, mas a lista

de comportamentos radicalmente opostos à responsabilidade social é infindável,

especialmente na área ambiental.

Os esforços das empresas para patrocinar projetos sócio-culturais não são

capazes de ocultar a busca do verdadeiro motivo, ou seja, a promoção e a

publicidade institucionais divulgadas para os consumidores.

Muitas empresas vêm sendo impulsionadas a se adaptarem a essa nova

tendência de gestão social responsável, que pode, em médio e longo prazos,

apontar para uma maior fiscalização e controle social sobre as ações internas e

externas realizadas no âmbito empresarial. Contudo a ética deve ser,

fundamentalmente, a base de todas as práticas. A abordagem adotada compreende

que a ética é uma questão primordial. Sem ética, transparência e participação, tanto

no Estado quanto nas empresas, não se vislumbram significativas mudanças que

contribuam para o resgate das esperanças e a construção de uma nova e

promissora realidade social. A crise recente evidencia que a relação da noção de

Estado à corrupção e a do setor privado à agilidade e competência pode ser

bastante enganadora.

Quando a empresa LÓTUS define, em seu projeto de relacionamento com a

comunidade, que “Empresas socialmente responsáveis são agentes de nova cultura

empresarial, de mudança social e de produção de valores para todos:

colaboradores, acionistas e comunidade”, seria ela capaz de conduzir a comunidade

a um movimento social de expressão da sociedade civil?

Wautier (2001, p.22) questiona se é possível uma mudança que afirme o

encontro entre uma expectativa social e um sistema de organização, permitindo a

operacionalização desse movimento social, e conclui que “encontra-se, pois, aqui

desenvolvida a noção de confronto”.

As ações de parceria decorrentes da responsabilidade social podem

concretizar-se de diversas formas, apresentando diferentes tipos de engajamento,

muitas vezes problemáticos, já que tais ações nem sempre são pautadas no direito à

escolha ou participação da comunidade, cabendo à empresa defini-las, conforme os

seus próprios interesses.

Sob um espectro ideológico, Friedman (1988) aborda a responsabilidade

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econômica das corporações fundamentada na doutrina econômica clássica, em

oposição às premissas da responsabilidade social. De acordo com esse autor, a

única responsabilidade social dos negócios é maximizar os lucros nas regras do

jogo: “há poucas coisas capazes de minar tão profundamente as bases de nossa

sociedade livre como a aceitação por parte dos dirigentes das empresas de uma

responsabilidade social que não a de fazer tanto dinheiro quanto possível para seus

acionistas”.

O documento da empresa enfatiza que “responsabilidade social é atitude

estratégica, não apenas postura legal ou filantrópica”. (PROJETO CRIAR, 2000)

Na raiz grega da palavra, filantropia significa simplesmente amor à

humanidade, podendo-se afirmar que é a forma mais antiga de responsabilidade

social. É uma ação de caráter humanitário, altruísta, que se traduz em doação de

caridade. Não raras vezes, o termo costuma causar certa desconfiança, uma vez

que trata basicamente da ação social assistencialista das empresas, em benefício de

associações comunitárias, grupos estudantis, entre outros, fomentando um

relacionamento restrito entre doador e beneficiário. A filantropia pode criar a ilusão

de que a empresa está agindo de forma socialmente responsável, porém o que se

pode verificar, na prática, é uma relação de poder e dependência. Em outras

palavras, a organização empresarial estaria se contentando em promover doações

isoladas, sem incorporar em sua cadeia de negócios a noção de responsabilidade

social, em que se deve estabelecer um diálogo com a comunidade, em função das

demandas locais.

Pelo discurso da empresa perpassa a intenção de cuidar dos seus interesses

e da sua imagem, em primeiro lugar, talvez como o objetivo que está por detrás de

uma atitude legal ou filantrópica.

Refletindo sobre a ambigüidade política da responsabilidade empresarial

acerca da questão social, Paoli esclarece sua hipótese de que,

[...] o sentido da ‘filantropia empresarial cidadã’ e de sua auto-investida responsabilidade social no Brasil está indiretamente ligado à substituição da idéia de deliberação participativa ampliada sobre os bens públicos pela noção de gestão eficaz de recursos sociais, cuja distribuição é decidida privadamente, seguindo critérios aleatórios próprios. Nesse sentido, são práticas que desmancham a referência pública e política para reduzir as injustiças sociais. (PAOLI apud SANTOS, 2001, p.404).

Ao lado da função econômica, as empresas têm que desempenhar uma

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função ética, que, segundo Shour, é uma posição tomada pelos empresários, não

por altruísmo ou por sentimento democrático, mas por imposição das relações de

poder presentes.

Agir eticamente converte-se, então, em questão de bom senso e em estratégia de sobrevivência. Cabe, aqui, ler o conceito de responsabilidade social como orientação para os outros, não por mera deliberação pessoal, mas por contingência dos interesses em jogo. (SHOUR, 1994, p.10).

B) RESPONSABILIDADE SOCIAL E CIDADANIA

No âmbito internacional, verifica-se uma mobilização intensa no sentido de

desenvolver conceitos e parâmetros para a questão da responsabilidade social

empresarial. Como referência de ações conjuntas do Sistema das Nações Unidas no

Brasil, destaca-se o Pacto Global, que é uma iniciativa desenvolvida pela

Organização das Nações Unidas (ONU), com o objetivo de mobilizar a comunidade

empresarial internacional para a promoção de valores fundamentais, nas áreas de

direitos humanos, trabalho e meio ambiente, e incentivar programas de

responsabilidade social.

O Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi A. Annan, durante o Fórum

Econômico Mundial, em Davos, no dia 31 de janeiro de 1999, desafiou os líderes

empresariais mundiais a “apoiar e adotar” o Pacto Global, tanto em suas práticas

corporativas individuais, quanto no apoio a políticas públicas apropriadas.

Kofi A. Annan fez um convite ao setor privado para que, juntamente com

agências das Nações Unidas, Alto Comissariado para Direitos Humanos (ACNUR),

Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), Organização

Internacional do Trabalho (OIT), Organização das Nações Unidas para o

Desenvolvimento Industrial (UNIDO) e o Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNUD) e atores sociais, contribuísse para avançar a prática da

responsabilidade social corporativa, na busca de uma economia global mais

sustentável e inclusiva.

A finalidade proposta no Pacto Global é encorajar o alinhamento das políticas

e práticas empresariais com os valores e os objetivos aplicáveis internacionalmente

e universalmente acordados. Esses valores principais foram separados em dez

princípios chaves, nas áreas de direitos humanos, direitos do trabalho, proteção

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ambiental e combate à corrupção, entendendo possuírem essas áreas um potencial

efetivo para influenciar e gerar mudança positiva.

Os dez princípios universais advogados pelo Pacto Global são derivados da

Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Declaração da OIT sobre Princípios

e Direitos Fundamentais no Trabalho, da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento e da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, e

consistem em:

1. Respeitar e proteger os direitos humanos; 2. Impedir violações de direitos

humanos; 3. Apoiar a liberdade de associação no trabalho; 4. Abolir o trabalho

forçado; 5. Abolir o trabalho infantil; 6. Eliminar a discriminação no ambiente de

trabalho; 7. Apoiar uma abordagem preventiva aos desafios ambientais; 8. Promover

a responsabilidade ambiental; 9. Encorajar tecnologias que não agridam o meio

ambiente; 10. Combater a corrupção em todas as suas formas, inclusive extorsão e

propina.

Embora todos sejam de fundamental importância, são de interesse mais

direto ao presente estudo os princípios referentes aos Direitos Humanos, a seguir:

Princípio 1- Apoiar e respeitar a proteção dos direitos humanos proclamados

internacionalmente. Princípio 2 - Evitar a cumplicidade nos abusos dos direitos

humanos. A origem dos Princípios 1 e 2, relacionados aos direitos humanos, é

encontrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de 1948.

O objetivo desta declaração é estipular padrões internacionais mínimos para a

proteção dos direitos e liberdades do indivíduo, hoje amplamente considerados

como formadores da base do direito internacional. Saliente-se que, especificamente,

os componentes da DUDH são considerados como lei consuetudinária internacional

e não exigem assinatura ou aprovação pelo estado para serem reconhecidas como

padrão legal. Sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Assembléia

Geral das Nações Unidas proclamou que:

Um padrão comum de realização para todos os povos e todas as nações, a fim de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade tenham sempre em mente esta Declaração, e se empenhem ensinando e educando a promover o respeito por estes direitos e liberdades e mediante medidas progressivas, nacionais e internacionais, para garantir seu reconhecimento e observância em bases universais efetivas.

A Declaração tem como premissa básica a “igualdade” – “todos os seres

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humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” – e dá conteúdo ao

entendimento de igualdade, proibindo qualquer distinção no gozo dos direitos

humanos, em virtude de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra

opinião, origem nacional ou social, propriedade, nascimento ou outra posição.

O direito à educação está, portanto, incluído nesta dimensão, e a empresa

LÓTUS propõe, no seu discurso, abraçar a causa educacional na comunidade em

que se situa.

Percebe-se que os direitos proclamados em 1948 estavam (e ainda estão)

longe de serem respeitados e de alcançar, por todos, o seu objetivo universal, o que

exige um esforço imenso de cada indivíduo e de cada grupo da sociedade.

Baseando no fato de a responsabilidade recair sobre cada indivíduo e sobre

cada grupo em sociedade é que os princípios 1 e 2 do Pacto Global desafiaram as

empresas não somente a desenvolver uma consciência dos direitos humanos, mas

também a trabalhar dentro de sua esfera de influência e proteger estes direitos

humanos e universais.

Conforme o Pacto Global, as empresas que operam em bases globais ficam

visíveis a um público maior no mundo todo, em decorrência dos avanços nas

tecnologias de comunicação. Considerando que a visibilidade é pressuposto da

responsabilidade social, a abordagem de questões de direitos humanos traz

compensações tanto em nível local, nas comunidades locais, quanto nas

comunidades globais mais amplas onde as empresas operam.

Entendendo que a globalização da economia é, nos dias atuais, um fato

incontestável, não se pode ignorar que esse modelo econômico apresenta aspectos

vulneráveis que carecem de correções ou, pelo menos, de medidas atenuantes. A

fragilidade do mundo globalizado pode ser observada na concentração do poder

econômico, na má distribuição de renda e nas rupturas institucionais, fenômenos

freqüentes em boa parte dos países em desenvolvimento.

Líderes empresariais participantes do Pacto Global concordam em afirmar

que a globalização, de fato, é altamente frágil e apresenta futuro incerto. Na

verdade, as preocupações sobre os efeitos da globalização nos países em

desenvolvimento, relacionados à concentração do poder econômico, má distribuição

de renda e rupturas na sociedade, estão aumentando e sugerem que a globalização

de hoje não é sustentável. Conforme documento que fundamenta o Pacto Global,

ele foi criado para ajudar as organizações a redefinirem suas estratégias e ações, a

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fim de que todas as pessoas possam compartilhar dos benefícios da globalização,

evitando que estes sejam aproveitados por poucos.

Desde o seu lançamento oficial, em 26 de julho de 2000, a adesão chegou a

3000 participantes, incluindo 2.500 empresários, em 90 países do mundo.

O Pacto Global – conforme descrito no seu conteúdo – não é um instrumento

regulatório, um código de conduta legalmente obrigatório ou um fórum para policiar

as políticas e práticas gerenciais. Também não é um porto seguro para as empresas

participarem, sem demonstrarem real envolvimento e resultados. O Pacto Global é,

segundo o documento que o descreve, uma iniciativa voluntária que procura

fornecer uma estrutura global para a promoção e o crescimento sustentável e da

cidadania, através de lideranças corporativas comprometidas e inovadoras.

A ONU sugere que as empresas sejam signatárias do Pacto Global —

iniciativa da organização que incentiva a responsabilidade social — e que prestem

contas sobre o andamento de seus projetos. Para estimular a prática, definida como

obrigatória no termo de adesão ao pacto, as Nações Unidas realizaram um encontro

para apresentar a corporações do calibre de Nestlé e HSBC, entre outras, quatro

sistemas de monitoramento escolhidos como modelos na apresentação dos

resultados obtidos.

Conforme premissas do documento conceitual do Pacto Global, a

responsabilidade pelos direitos humanos não está somente com os governos ou com

as nações. As questões de direitos humanos são importantes tanto para os

indivíduos como para as organizações que eles venham a criar. Como parte do seu

compromisso com o Pacto Global,

a comunidade empresarial tem a responsabilidade de proteger os direitos humanos tanto no local de trabalho como mais amplamente em sua esfera de influência. O imperativo moral crescente de se comportar com responsabilidade está aliado ao reconhecimento de que um bom desempenho em direitos humanos pode favorecer o aprimoramento do desempenho comercial.

Nesta perspectiva, a empresa LÓTUS procura associar-se a programas de

responsabilidade social, incluindo projetos para a área de educação, a exemplo dos

projetos analisados neste trabalho.

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B 1) ATUAÇÃO NA COMUNIDADE

A razão de atuar na comunidade, contida no projeto CRIAR, traduz a matriz

ideológica do discurso da empresa:

Além de produzir riquezas, a empresa também deve ser um instrumento de desenvolvimento social. Junto à globalização dos negócios, também está a globalização das melhores práticas empresariais. (PROJETO CRIAR, 2000)

Ao mesmo tempo em que a empresa LÓTUS cria o discurso da busca de

qualidade de vida, faz afirmação contundente, quando destaca o mercado

globalizado - evidências de um posicionamento neoliberal - na medida em que

procura se inserir no mercado altamente competitivo.

Os estragos sociais causados pelas políticas neoliberais são cada vez mais evidentes, e as estratégias utilizadas, supostamente para “compensar” esses estragos, não conseguiram minimizá-los. Nesse sentido, o neoliberalismo ainda é hegemônico no campo da questão social. (MONTAÑO, 2003, p.11).

O texto do Projeto CRIAR amplia a abrangência da sua proposta de atuação

na comunidade, quando descreve que,

Hoje os públicos que se relacionam com a empresa têm expectativas em relação à atuação desta junto às suas comunidades. É papel da empresa tornar a comunidade um lugar melhor para se viver, investindo em educação, cultura, saúde, meio ambiente, entre outras iniciativas. (PROJETO CRIAR, 2000).

O discurso da empresa faz o deslocamento do paradigma da gestão

empresarial de um monolito econômico e financeiro para um tripé que coloca toda a

tomada de decisão em importantes aspectos, como impactos ambientais, sociais e

humanos, numa promessa de atuação frente a questões globais, tanto para a nação,

como para soluções pontuais na comunidade.

Com a iniciativa de ações na área social, a empresa terá mais chances de atrair e reter talentos em seu quadro de pessoal, terá mais facilidades com os fornecedores e clientes, além de conseguir uma boa imagem junto à população. (PROJETO CRIAR, 2000).

Da hegemonia do discurso da responsabilidade social no ambiente

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empresarial decorre a relevância do desempenho social das corporações, em que as

ações sociais são mensuradas por intermédio de balanços específicos que

possibilitam a institucionalização de comportamentos e difusão de políticas de

marketing no mercado. Segundo Castells (1999, p.58), “isso significa que há uma

batalha em busca das mentes das pessoas, numa estrutura social que valoriza

imagens de representação e a manipulação de símbolos”.

O projeto CRIAR destaca em seu texto as possibilidades de atuação da

empresa, especialmente em âmbitos sociais mais amplos, conforme descrição a

seguir:

A empresa cidadã influi e modifica o ‘status quo’ na sociedade, busca qualidade de vida, articula o individual e coletivo, lega valor às gerações futuras, promove o desenvolvimento sustentável, integra missões pessoais, empresariais e comunitárias, contribui para a inserção competitiva e qualitativa do país no cenário global, gerando capital social para a nação. (PROJETO CRIAR, 2000).

A empresa deixa transparecer no seu discurso uma relação de poder em que

um conjunto de atores sociais permanece submisso, sendo, assim, a interface

organização-sociedade é realizada sob uma única via.

A difusão da ideologia da responsabilidade social, essencialmente sob a ótica

da empresa, “oculta o debate sobre o seu controle na sociedade, reduzindo-o a uma

discussão dicotômica entre a existência de uma política ou não da cidadania

corporativa”. (BITTENCOURT; CARRIERI, 2005, p.21)

Torna-se oportuno examinar mais detidamente o discurso contido no Projeto

CRIAR, particularmente com referência à condição de empresa cidadã.

Estudos de Pinto e Lara (2004, p.50) focalizam o conceito de cidadania

corporativa, salientando que, assim como nas discussões sobre responsabilidade

social empresarial, busca-se unanimidade no tocante ao referido conceito, que

alguns autores denominam de responsabilidade social corporativa. Outros ainda se

referem à cidadania corporativa como ética corporativa.

Na visão de Carroll, 1998 (in Pinto e Lara, 2004, p.50), mais recentemente, a

performance social dos negócios tem sido chamada de cidadania corporativa.

Segundo Davenport (apud PINTO; LARA, 2004), nos anos de 1990, a cidadania

corporativa tornou-se um termo comumente utilizado por profissionais, por ser ele o

mais indicado para conotar uma série de comportamentos que definem a

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performance social corporativa. Esse termo, conforme Wartick e Cochran (1985),

pode ser encarado como qualquer interação entre negócios e ambiente social.

Pinto e Lara apontam a distinção entre cidadania corporativa e performance

social feita por Maigan:

Enquanto a performance social corporativa investigaria questões morais, gerenciais e sociológicas, a cidadania corporativa focalizaria atividades mais restritas desenvolvidas pela organização com o escopo de atender a demandas sociais mais concretas. (MAIGAN, 1999).

Uma integração das diferentes perspectivas conduz a uma convergência

entre os conceitos de cidadania corporativa e responsabilidade social empresarial,

organizando a cidadania corporativa em quatro dimensões, agrupadas aos seus

respectivos significados:

a) Dimensão econômica – Significado: A empresa deve ser produtiva, lucrativa e atender às expectativas dos acionistas, garantindo o retorno sobre o investimento. Os outros papéis dos negócios são derivados desse pressuposto fundamental. b) Dimensão legal – Significado: O negócio deve acrescentar à sua missão econômica o respeito às leis e aos regulamentos. A sociedade espera que os negócios ofereçam produtos dentro das normas de segurança e obedeçam a regulamentações governamentais. c) Dimensão ética – Significado: Considera os princípios e padrões que definem a conduta aceitável determinada pelo público, grupos privados interessados, órgãos regulamentadores, concorrentes e a própria organização. As conseqüências das ações devem ser consideradas, antes mesmo da tomada de decisões, devendo ser respeitados os direitos e cumpridos os deveres, evitando prejudicar os outros. d) Dimensão filantrópica – Significado: O negócio deve estar envolvido com a melhoria da sociedade por meio da responsabilidade legal, ética e econômica, bem como a adoção de práticas filantrópicas. Prevê atividades que são guiadas pelo desejo dos negócios em se engajar em papéis sociais não obrigatórios legalmente, mas que estão se tornando cada vez mais estratégicos. (CARROL, 1991, p.39)

Com referência nesses pressupostos, pode-se perceber como inconsistente o

discurso da empresa no Projeto CRIAR, que se sustentaria melhor pelo foco no

relacionamento com os stakeholders9, que são os públicos mais importantes para a

organização, uma vez que a auxiliam na realização de seus objetivos e metas, já

que, segundo Clarkson (1995), “os stakeholders são atores com interesses,

reivindicações e direitos similares e podem ser classificados como pertencentes ao

9 STAKEHOLDERS - São todas as "partes interessadas" ou todos os diferentes públicos que afetam

ou são de alguma forma afetados pela atuação de uma empresa: funcionários, acionistas, comunidade, instituições, fornecedores, consumidores e governo.

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mesmo grupo” que se relaciona, implicitamente, com as dimensões citadas.

A definição ideológica da empresa cidadã sugere um breve recorte,

sinalizando para o que ocorre hoje com a hegemonia do projeto liberal, que se

constitui em um claro esvaziamento dos direitos dos cidadãos, da democracia

formal, no âmbito estatal, portanto democracia como instituição geral. Não há uma

democracia na sociedade civil, outra no Estado, outra no mercado – o processo é

único, desenvolvido de forma diferenciada, mas articuladamente em diversos

espaços.

Montaño (2003, p.162) reforça esta análise, advertindo que uma democracia

‘dentro da ordem’, sem questionar ou alterar a sociedade privada e a hegemonia da

fração de classe do poder – que permite a exploração e as formas de submissão e

dominação sociais quanto à direção político-ideológica da população, que não

questiona nenhuma variável econômica ou política sistêmica que mantém/reforça as

fontes de poder da classe hegemônica e busca/aceita ‘parcerias’, no lugar do

embate – é um projeto condenado a ser mais um processo ‘instrumentalizado’ pelo

capital e, portanto, ‘funcional’ para ele.

C) A ÊNFASE NA EDUCAÇÃO

O discurso da empresa, ao apresentar o Projeto CRIAR, de inserção nas

escolas públicas, situa-se em um cenário transcorrido na década de 1990. Portanto

torna-se oportuna uma breve visão do ambiente das políticas educacionais e a crise

do Estado, na perspectiva neoliberal.

A política educacional vem, ao longo dos últimos anos, sofrendo modificações

em sua pauta de debates e redefinindo, na prática, questões pactuadas pelos

educadores, no período correspondente à década de 1980, conteúdos atribuídos à

descentralização, à autonomia e à participação, que foram as bases do debate sobre

a gestão democrática, naquele período.

Peroni e Adrião (2005, p.138), focalizando o Estado na berlinda, analisam o

diagnóstico da crise e as estratégias hegemônicas para sua superação, partindo do

pressuposto de que “a origem das mudanças propostas para a educação na década

de 1990 tem como substrato um diagnóstico que identifica a crise do capitalismo

como resultado da crise do Estado”.

Segundo as autoras, para a teoria neoliberal, não é o capitalismo que está em

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crise, mas o Estado. Portanto a estratégia para a superação da crise seria a reforma

do Estado por meio da diminuição da sua atuação. Segundo esta perspectiva, duas

causas levaram à crise do estado: a primeira deve-se a um excessivo gasto

governamental, gerado pela permanente necessidade de se legitimar por meio do

atendimento às demandas da população por políticas sociais, o que provocou a crise

fiscal. Além disso, para esta lógica, as políticas sociais, por se constituírem em

mecanismos de distribuição de riqueza, confrontavam-se com o direito à propriedade

privada, razão pela qual gerariam distorções indesejáveis nas sociedades de

mercado e deveriam ser suprimidas. A segunda causa encontrava-se no papel

regulador desempenhado pelo Estado na esfera econômica, prática que atrapalhava

o livre andamento do mercado. Peroni e Adrião (2005, p.138) concluem que o

neoliberalismo atribuía ao mercado a capacidade de superar as falhas do Estado,

inclusive tomando de empréstimo a lógica mercantil e adotando-a na gestão de

instâncias estatais, como forma de torná-las mais eficientes e produtivas, como

condição para superação das citadas causas.

C.1. POR QUE INVESTIR EM EDUCAÇÃO?

Encontrar uma descrição significativa para a compreensão do posicionamento

da empresa frente à comunidade, no âmbito educacional, foi um dos propósitos

deste trabalho. As argumentações expostas no discurso contido no Projeto CRIAR

enfatizam que,

Atualmente, na América Latina e no Brasil, especialmente, todas as atenções estão voltadas para a educação, que deixou de ser assunto menor e passou a ter maior legitimidade política, mobilizando a sociedade em geral e os governos em todos os seus níveis. A educação é responsabilidade do Estado e de toda sociedade civil. A ação de indivíduos ou empresas não exime os governos municipais, os estaduais e o federal de suas obrigações, mas pode contribuir para sua efetivação. Além de suprir as necessidades emergenciais, o envolvimento das organizações com a dia-a-dia da escola é um exercício de cidadania e de parceria com o Estado. (PROJETO CRIAR, 2000)

Afirma Montaño (2003, p.12) que, “aliados a uma estratégia ‘substitutiva e não

complementar’, estão os movimentos de descentralização e privatização dos

serviços públicos, pois os governos desobrigam-se da responsabilidade pela

implementação de programas sociais, delegando-os aos governos locais em

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parcerias com ONGs ou outras organizações sociais, ou com o setor privado”, como

é o caso das ações de responsabilidade social empresarial.

Uma visão crítica sobre a responsabilidade social empresarial tende a

considerar o debate hegemônico que a sustenta, seus pressupostos e promessas, e

o fenômeno que se oculta por trás dessa denominação ideológica, com ênfase na

sua funcionalidade para com o projeto neoliberal. “No enfrentamento da questão

social inserida no atual processo de reestruturação do capital, a relevância do tema

é forte” (MONTAÑO, 2003, p.14).

No documento que descreve o projeto CRIAR, a empresa LÓTUS justifica a

sua atuação na escola pública:

A ação na escola pública é entendida como participação em causas de interesse social e comunitário. Sem substituir o Estado ou contrapor-se ao trabalho remunerado, reflete a disposição para atuar em questões de interesse coletivo. (PROJETO CRIAR, 2000).

O discurso da empresa, que compõe o Projeto CRIAR, destaca ainda, que “se

o empresariado pretende atuar no campo social para melhorar as condições de vida

das camadas de baixa renda, existe o consenso de que a educação – a escola

pública – é uma prioridade”.

Porém o êxito das estratégias preconizadas no discurso da empresa está

associado a um forte apelo ideológico, tecido pelo cenário conservador neoliberal.

O valor da educação para o grupo empresarial LÓTUS se justifica a seguir:

A educação se transformou na ferramenta mais estratégica para o avanço tecnológico, a competitividade da empresas e o emprego dos trabalhadores. Investir em educação é uma responsabilidade de todos – do governo, das famílias e das empresas. O Grupo LÓTUS tomou esse dogma como norte de suas ações, reconhecendo ser seu dever ir bem além das suas contribuições legais. (PROJETO CRIAR, 2000).

Na verdade, a razão para o grupo investir em educação está implícita no seu

discurso, indicando a garantia do retorno em mão-de-obra qualificada, que assegura

avanço tecnológico, a competitividade da empresa e o emprego dos trabalhadores,

podendo ser entendida, assim, a educação como ferramenta estratégica para os

seus negócios.

O texto que incorpora o Projeto CRIAR situa o Estado de Minas Gerais no

contexto de algumas iniciativas a favor da qualidade da educação no Brasil,

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enfatizando que “apesar das dificuldades do ensino público no Brasil, o Estado de

Minas Gerais foi reconhecido, na década de 90, como um modelo de gerenciamento

da educação básica, pelo Unicef - Fundo das Nações Unidas para Infância e

Adolescência”.

Minas Gerais assumiu com o Banco Mundial (BIRD) um contrato dentro do Programa Pró Qualidade, que pretende a melhoria da qualidade do ensino básico, apresentando soluções para os problemas de repetência e evasão escolar. (PROJETO CRIAR, 2000).

Segundo o Projeto CRIAR, a educação de qualidade também estaria

garantida pelo Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado – PMDI – (ambicioso

programa de investimentos desenvolvido pelo governo de Minas, na década de 90,

que previa, no setor educacional, investimentos para educação básica). O trabalho

conjunto entre escolas, prefeituras e Secretaria de Estado da Educação levaria três

milhões de alunos às salas de aula em todo o Estado, número muito significativo

para a época.

O discurso da empresa expressa uma valorização das iniciativas do governo

no sentido da busca de financiamentos de organismos internacionais, para solução

dos problemas da educação.

Vale ressaltar que o contrato entre o Estado e o Banco Mundial incluía um

pacote de reformas educativas, imposto aos países em desenvolvimento, com base

em alguns desafios a serem enfrentados pelos sistemas educativos desses países,

resumidos em: acesso, eqüidade, qualidade e redução da distância entre a reforma

educativa e a reforma das estruturas econômicas, destacando, no referido pacote,

alguns itens como: melhoria da qualidade/eficiência da educação, autonomia e

responsabilidade das instituições escolares por seus resultados, maior participação

dos pais e da comunidade nos assuntos escolares, o impulso do setor privado como

agentes ativos no terreno educativo.

As recomendações do Banco Mundial fazem parte de uma política de crédito

para a educação que se autodenomina cooperação ou assistência técnica.

Entretanto, segundo Fonseca (1998, p.47), tais recomendações integram os projetos

econômicos que elevam a dívida externa do país, partindo de um prisma

economicista e contribuindo para inserir e institucionalizar os valores do mercado

capitalista na esfera da cultura e da educação. A autora salienta que é utilizada a

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mesma metodologia economicista para tentar adequar a realidade educativa ao

modelo econômico, estabelecendo uma correlação entre: sistema educativo e

sistema de mercado, escola e empresa, pais e consumidores de serviços, relações

pedagógicas e relações de insumo-produto, aprendizagem e produto.

O documento da empresa LÓTUS, apoiado em alguns dados sobre a

educação no Brasil e em Minas Gerais, afirma que,

O panorama da educação brasileira apresentou significativa melhoria nas últimas décadas, com declínio acentuado da taxa de analfabetismo, expressivo aumento do número de matrículas em todos os níveis de ensino e gradual crescimento da escolaridade média da população. A constatação destes avanços, no entanto, não prescinde de uma análise crítica sobre os desafios educacionais que o País ainda precisa vencer para superar o déficit histórico acumulado nesta área. (PROJETO CRIAR, 2000).

Torna-se adequado indagar se a formulação do Projeto CRIAR estimula

práticas educacionais mais efetivas, capazes de contribuir para a superação do

referido déficit histórico. Não significa precipitação dizer que a empresa se situa

como um ator privilegiado na superação dos déficits educacionais, num discurso

pretensioso em face ao que ela se propõe realizar.

Gentili critica o processo de transferência de responsabilidades públicas na

área educacional para entidades privadas, “as quais invadem espaços que o Estado

deveria ocupar, delegando responsabilidades e funções que envolvem uma série de

mediações, o que torna a privatização, nesse campo, mais difusa e indireta que a

privatização das instituições produtivas”. O autor complementa sua crítica,

enfatizando que,

[...] a ‘adoção’ de escolas nesse processo, dá-se com os argumentos do Estado pobre, do empresário bom e responsável, da filantropia estratégica e do perigo iminente, que seria o investimento em educação, para evitar os efeitos desagregadores (como violência e criminalidade) do abandono das políticas sociais pelo Estado. (GENTILI, 1998, p.75).

O autor destaca que esse argumento consegue convencer até mesmo alguns

críticos do neoliberalismo.

Considerando a perspectiva da empresa, torna-se importante chamar a

atenção, ainda, para o significado que o conceito de qualidade toma nas orientações

dos organismos internacionais fomentadores de políticas educacionais, como o

Banco Mundial, tomando por base o sentido em que se dá o aproveitamento e o

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desempenho escolar, que definem a qualidade da educação para o referido

organismo, bem como para a empresa. Silva (2003, p.73) enfatiza que “as

preocupações se direcionam para os resultados do sistema escolar e esses devem

ser adequados ao mundo do trabalho, trazendo novos suportes para a discussão da

relação entre educação e desenvolvimento”.

A empresa LÓTUS argumenta, no texto do projeto CRIAR, que,

Com a integração econômica e a velocidade das mudanças tecnológicas, tornou-se crucial para o País promover uma acelerada elevação do nível de escolaridade da sua mão-de-obra. Obviamente, este objetivo está hierarquicamente subordinado à garantia do acesso à educação básica como condição mínima e indispensável para o exercício pleno da cidadania. (PROJETO CRIAR, 2000).

A elevação do nível de escolaridade da sua mão-de-obra, como exigência das

mudanças tecnológicas, é um argumento forte da empresa, que demonstra buscar o

retorno de suas ações de responsabilidade social, para os seus próprios interesses

mercantilistas.

A empresa apresenta no seu discurso um reducionismo conceitual em relação

ao exercício pleno da cidadania, ignorando que, segundo Candau,

[...] o reconhecimento e a realização ampla de todos os direitos supõe, certamente, indivíduos cidadãos, vivendo numa sociedade onde haja redistribuição econômica, tendo acesso e direito a viver em condições condignas de existência, condizentes com o exercício pleno da cidadania: renda suficiente que remunere seu trabalho para viver com dignidade, acesso à educação, aos serviços básicos de assistência e prevenção à saúde, transporte, lazer, etc. Supõe também a coexistência e o respeito à diferença e às múltiplas identidades culturais. (CANDAU 2002, p.54).

Conclui-se que há uma ênfase, no discurso da empresa, na superioridade do

mercado na coordenação das atividades humanas, especialmente na educação.

D) O INVESTIMENTO EM ARTE E CULTURA

Investimento em arte e cultura apresenta uma diversidade de dimensões.

Cultura e arte possuem a força de criar e recriar sentimentos pelas reações

que provocam e têm o poder de transformar o homem à vista das emoções que

desperta. A cultura e a arte são infinitamente amplas, trafegam do popular ao

erudito, do adulto ao infantil, do intrincado ao mais simples significado. Seu alcance

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e seus reflexos são visíveis nas sociedades em que os indivíduos têm maior contato

com elas. Ribenboim (2003, p.125) enfatiza que um povo que tem acesso à arte e à

cultura possui maior auto-estima, maior conhecimento do mundo que o cerca e

maior entendimento do seu papel social e individual.

As empresas privadas, por sua vez, já perceberam que, ao associarem sua

marca e seu trabalho à cultura, agregam valor a estes, contribuindo também para a

formação de uma sociedade melhor. Segundo o autor, aos poucos, o empresariado

compreende que, mais do que uma operação contábil – bastante rentável, pois, em

cultura, com muito pouco é possível fazer bastante – o investimento cultural

consistente aparece em longo prazo, refletindo muito mais nos índices de mudança

social que no retorno do volume aplicado.

Como compreender a perspectiva das empresas, no âmbito das ações

culturais, é uma questão importante que surge no cenário atual. Um primeiro passo

seria o estabelecimento de políticas de atuação cultural bem fundamentadas, em

que as organizações possam dar suporte a projetos socioculturais, promovendo

verdadeira ação educacional para a capacitação do cidadão.

Se a ação política, verdadeiramente cidadã, é aquela que é pautada pela

diversidade, deve haver uma força regulamentadora que garanta a todos o acesso

também à cidadania cultural, que, segundo Chauí (1995, p.23), seria: “direito de

acesso e de fruição dos bens culturais, direito à criação cultural, direito a

reconhecer-se como sujeito cultural (no sentido mais amplo do termo) e direito à

participação nas decisões públicas sobre cultura”.

“Corre-se o risco de trocar, impunemente, a categoria de cidadão pela de

consumidor e de se acreditar que os direitos assegurados pela nossa Constituição

são exclusividade daqueles que pagam por ela”. (SANTOS, 1996, p.32)

O investimento da iniciativa privada em ações culturais, por meio de

incentivos fiscais, é uma forma de partilhar com o poder público a responsabilidade e

o compromisso de atender, pelo menos em parte, à imensa demanda cultural

existente no Brasil.

Nesse sentido, as leis de incentivo à cultura abriram grandes possibilidades

para a parceria Estado/empresas/sociedade, convertendo o que antes eram apenas

ações isoladas, muitas vezes de cunho assistencialista, em projetos consistentes.

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D.1) HISTÓRICO DO PROJETO CRIAR

Para proceder a uma análise do papel do investimento em educação e cultura

pelo prisma do discurso da empresa LÓTUS, optou-se por conhecer o histórico do

Projeto CRIAR, a sua concepção, objetivos e estratégias de implementação.

Conforme documento da empresa, para formatar o projeto, que teve seu

embrião lançado no ano de 99, a equipe de comunicação realizou “benchmarking”10

em duas empresas, situadas em outros municípios do Estado, para conhecer os

trabalhos que realizavam nas áreas de educação e cultura em suas comunidades.

Foram realizadas visitas às unidades para norteamento das idéias da equipe sobre a

abordagem que poderia ser desenvolvida nas comunidades onde a empresa LÓTUS

instalou uma de suas fábricas.

Segundo descrição do projeto, após o delineamento das idéias que poderiam

ser adequadas às comunidades locais, balizada pela meta de relacionamento com a

comunidade, com foco em educação e meio ambiente, a área de Desenvolvimento

Organizacional e Comunicação começou a buscar alternativas viáveis, para

implantação do projeto CRIAR, conforme descrição a seguir, contida no texto original

do referido projeto.

A princípio, imaginávamos a possibilidade da adoção de uma escola em cada cidade, uma alternativa simples e assistencialista. Então, decidimos buscar a opinião das diretoras das escolas públicas de dois municípios e percebemos que o caminho a seguir não era esse. Precisávamos desenvolver um projeto que tivesse o respaldo da comunidade escolar e também que fosse adequado à realidade local, beneficiando o maior número possível de alunos e não restrito a apenas uma escola. Refletimos a respeito de todas as vertentes de que tínhamos conhecimento e escrevemos um anteprojeto, que obteve aprovação da Diretoria da empresa, para ser encaminhado. (PROJETO CRIAR, 2000).

Segundo o documento, definiu-se pela atuação em quatro frentes, com base

nas necessidades levantadas e nos recursos disponíveis. Assim, foram definidos os

pilares do Projeto CRIAR, que se concentram em: Capacitação de professores,

Educando com arte, Infra-estrutura na escola e Mobilização Comunitária.

O texto diz que, em seguida, o projeto foi detalhado para implantação, tendo 10 BENCHMARKING é o processo utilizado por empresas para: a) descobrir o que comparar; b)

identificar um padrão de excelência; c) determinar que métodos ou processos produzem esses resultados e d) decidir fazer as mudanças ou melhorias da própria maneira de fazer negócios, a fim de igualar ou suplantar o padrão de referência de mercado, criando um novo padrão de excelência. (Fonte: SEBRAE-MG)

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como objetivo básico uma política de relacionamento com a comunidade, que

consiste em: “Orientar e regular os programas/projetos de relacionamento da

empresa com a comunidade, de modo a fixar e preservar sua imagem institucional

atendendo aos princípios éticos, morais e de responsabilidade social”. (PROJETO

CRIAR, 2000).

O discurso mostra mais uma contradição, se for observado minuciosamente o

texto da empresa que propõe como objetivo básico uma política de relacionamento

com a comunidade, atendendo aos princípios éticos e morais de responsabilidade

social. Porém, no mesmo texto, a empresa diz que esse objetivo consiste em

orientar e regular programas/projetos, de modo a fixar e preservar a imagem

institucional, o que deixa transparecer uma postura autoritária da empresa, do seu

lugar de poder de decisão no relacionamento com a comunidade e, mais ainda, a

atitude estratégica de busca de visibilidade social da imagem.

A ideologia da responsabilidade social e a imagem fixada e preservada

estariam coerentes com os propalados princípios éticos e morais contidos no

discurso?

Conforme descrição relativa à elaboração dos programas constantes dessa

política de relacionamento com a comunidade, percebe-se uma estrutura

operacional muito abrangente e com a gestão centralizada na própria empresa.

� Definição do foco de atuação da empresa em temas que ratifiquem a postura de responsabilidade social como: educação, saúde, meio ambiente e cultura. � Definição do objetivo: descrição específica do projeto e resultados esperados. � Abrangência: comunidade interna, parceiros de negócios, comunidade local e sociedade � Plano de ação � Recursos financeiros e físicos aplicados � Avaliação de resultados alcançados. (PROJETO CRIAR, 2000).

Com referência aos Incentivos Fiscais, o texto do projeto enfatiza que:

Prioritariamente, as empresas deverão utilizar os incentivos fiscais previstos na legislação. A corporação, através da área responsável pelo planejamento tributário, deverá analisar e recomendar as propostas encaminhadas pelas empresas bem como desenvolver novas alternativas, considerando a utilização de incentivos fiscais. (PROJETO CRIAR).

O documento diz que, para assegurar a qualidade de escolha e

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desenvolvimento de projetos, foram definidas responsabilidades internas à empresa,

da seguinte forma:

Gerência Geral (proponente): Através da Gerência de Desenvolvimento Organizacional, desenvolver os programas/projetos, de acordo com a estrutura prevista na política empresarial; apontar utilização de incentivos fiscais; elaborar a previsão orçamentária e acompanhar a implementação e avaliação. Gerência Geral de Desenvolvimento Organizacional/Consultoria de Comunicação: assessorar tecnicamente o desenvolvimento dos programas/projetos; avaliar conteúdos; indicar alternativas para alcance dos objetivos propostos e acompanhar a implementação e avaliação. Cabe à Diretoria da Empresa aprovar individualmente os programas/ projetos recomendados. É de responsabilidade da Diretoria Corporativa a aprovação do valor total e a determinação das áreas prioritárias para aplicação em conjunto com o Diretor Superintendente da Empresa. (PROJETO CRIAR, 2000).

O projeto contempla, ainda, a definição de papéis e responsabilidades, no

âmbito da comunidade escolar:

Secretaria Municipal de Educação: Garantir que o projeto atinja o público-alvo desejado, facilitando trâmites e promovendo o comprometimento da comunidade escolar. Diretoras de Escolas: Abrir as portas das escolas, facilitando a participação do corpo docente e dos multiplicadores nos trabalhos propostos no projeto. Docentes: Repassar o conhecimento adquirido para os alunos, fomentando o crescimento do projeto e a disseminação do conhecimento. Fornecer relatórios dos resultados dos trabalhos. Alunos multiplicadores: Unir-se ao corpo docente para repassar o conhecimento a todos os alunos a serem atingidos pelo projeto. (PROJETO CRIAR, 2000).

O texto do Projeto CRIAR que se refere à definição dos papéis e

responsabilidades, demonstra uma contradição no discurso da empresa, diante da

sua declarada política de relacionamento com a comunidade, que seria legitimado,

no exercício de um trabalho compartilhado e de escuta das reais demandas locais.

Mas o que se identifica é um enunciado de cunho autoritário, em que todas as

definições sobre projetos a serem incentivados cabem às gerências da empresa,

‘sobrando’ para a comunidade educacional tarefas desniveladas, como as

relacionadas à logística para realização das ações, mobilização, bem como

multiplicação e manutenção dos trabalhos realizados no Projeto CRIAR. Essa é a

forma de parceria implícita na fala da empresa.

A ideologia da responsabilidade social ultrapassa as fronteiras do discurso

hegemônico da importância da ética na condução das ações, situando-se em um

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contexto de relações de poder, envolvendo dominação e subordinação, e apologia

às ações sociais, de caráter meramente compensatório.

A conceituação do projeto é justificada pelo discurso da empresa LÓTUS, que

se declara ciente de sua responsabilidade social e comprometida com o

desenvolvimento do seu papel, através de projetos com enfoque em educação, para

capacitar as comunidades na busca da melhoria da qualidade de ensino. A empresa

se concentra na “busca de recursos e parcerias que suportem a condução desse

projeto”, segundo sua descrição textual.

Supõe-se que a “busca de recursos e parcerias que suportem a condução do

projeto” deve significar, na fala dos elaboradores, o encaminhamento pela via do

incentivo fiscal.

Incentivos fiscais são estímulos criados pelos governos para impulsionar

determinados setores da atividade econômica. Segundo Cesnik,

[...] isto constitui um mecanismo moderno, criado para os moldes do Estado Liberal, em que o governo interage com a iniciativa privada, desenvolvendo uma verdadeira “parceria”, no intuito de estimular determinado segmento, normalmente deficiente e estratégico, para a estruturação do Estado. (CESNIK 2003, p.99).

A cultura pertence a um desses setores que necessitam de estímulo

governamental para conseguir impulso e espaço na sociedade.

A Constituição de 1988 define três papéis distintos do Estado como agente na

Ordem Econômica Nacional: fiscalizador, incentivador e planejador. Essas funções

distintas do Estado aparecem num plano de multilateralidade, “sem se caracterizar

como ingerência estatal na economia e diferencia-se do Estado Totalitário, que

mantém a unilateralidade como regra da sua gestão”, enfatiza Cesnik.

Ao contrário, o modelo brasileiro de Estado está fundado na livre iniciativa,

conforme preceitua o caput do artigo 170 da nossa Carta Magna, sendo atribuição

do Estado o papel de estímulo às ações privadas, prevendo e incentivando o lucro

das empresas. É seu papel, também, reprimir os abusos.

Modernamente, os Direitos Público e Social Comparados têm optado, como

marca de seu avanço, pela ‘negociação’, o que se apresenta como uma forma de

democracia participativa, de parceria.

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O incentivo fiscal é a mais moderada forma de presença do Estado na economia, exatamente porque não é impositiva, unilateral, mas exige acordo de vontades, do incentivador e do incentivado, acordo gerador de situação jurídica subjetivada. (FERREIRA, p. 2003).

Caracterizado o incentivo fiscal, uma dúvida que surge na discussão do

incentivo público é a relação existente entre a Lei de Incentivo à Cultura e a Lei de

Responsabilidade Fiscal. Cesnik (2003, p.100) esclarece que a Lei de

Responsabilidade Fiscal estabelece que não só as despesas, mas também as

renúncias fiscais, somente poderão ser instituídas a partir da existência de

arrecadação que as comporte. A existência de benefícios fiscais passa a depender

de uma estimativa do impacto orçamentário financeiro no exercício em que se inicia

a vigência da renúncia e nos seguintes, atendendo ao disposto na Lei de Diretrizes

Orçamentárias.

A questão dos mecanismos de financiamento à cultura no Brasil vem

ocupando, a partir da década de 80, lugar de destaque no debate sobre as políticas

culturais. A ênfase nessa questão reflete a busca de alternativas ao papel até então

desempenhado pelo Estado, no patrocínio à cultura e às artes no país. Essa

tendência acompanha o movimento mundial ocorrido nessa década de minimização

do papel do Estado e dos seus encargos financeiros, motivada pela crise econômica

mundial, bem como pela propagação do ideário neoliberal, que leva os governos a

cortar o financiamento para as áreas sociais, entre elas a cultura.

As soluções encontradas privilegiam o modelo de financiamento que se

baseia na isenção fiscal e no patrocínio privado a projetos culturais oriundos da

sociedade. Esse modelo pressupõe uma parceria entre os três principais atores

sociais envolvidos: Estado, sociedade (produtores culturais e artistas) e mercado,

este representado pelas empresas patrocinadoras.

Ao Estado cabe a delimitação das normas que regerão os mecanismos de

incentivos fiscais, com a definição de percentuais de desconto sobre os impostos e o

teto de incentivo das empresas, responsabilizando-se, portanto, pela sinalização,

para a sociedade e para o mercado, das condições e prioridades da produção

cultural por meio da aprovação dos projetos que conformam a demanda cultural da

sociedade.

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Criadas para se tornarem ponte estratégica entre o setor privado e a cultura, consideradas uma área de alto interesse estratégico para o desenvolvimento social, as leis de incentivo foram comemoradas por ser uma via possível frente ao desmanche do setor, promovido pela Era Collor. (BRANT, 2003, p.10).

Brant provoca uma reflexão sobre o tema, dizendo que parecia razoável a

existência de um dispositivo que pudesse encontrar interseção de interesse entre a

política pública e o capital, em benefício da sociedade, mas o governo teria de

exercer sua função constitucional de planejador, regulador e fiscalizador da

sociedade, “implementando uma política capaz de separar o joio do trigo, listando

projetos considerados de interesse público”.

A recente história das leis mostra um quadro bastante diferente disso,

restringindo os benefícios a produtos e eventos artísticos, o que limita o

entendimento da cultura à sua parte mais efêmera e menos importante no

cumprimento do processo de desenvolvimento cultural do país.

O autor denuncia que, por meio desses dispositivos, “permite-se que toda

sorte de projetos sem qualquer vínculo com o interesse público receba o ‘aval’ do

Estado, prontos para seguir seu caminho natural de acasalamento com o setor

privado”, e isso tem permitido que apenas projetos de maior apelo mercadológico

despertem interesse para incentivos empresariais.

Conclui-se que a lógica que move o sistema de incentivos é perversa, pois

permite que empresas recebam apoio do governo para transformar ações culturais

em marketing empresarial, contrariando um importante movimento universal em

repúdio ao controle da cultura pelas grandes marcas.

O Projeto CRIAR, como explicitado anteriormente, integra as ações

socialmente responsáveis da Empresa LÓTUS, cujos projetos artístico-culturais por

ela incentivados se apoiaram na Lei de Incentivo à Cultura do Estado de Minas

Gerais.

A primeira legislação fiscal criada pelo Poder Público para incentivar

empresários a investir em cultura foi a Lei Federal nº 7.505, mais conhecida como

Lei Sarney. Sancionada em 02 de julho de 1986 e regulamentada em 03 de outubro

do mesmo ano, constituiu-se na mais importante conquista do Fórum Nacional de

Secretários da Cultura, depois da instalação do Ministério da Cultura, em 1985.

Mecanismo de financiamento das atividades culturais, por meio da concessão de

incentivos fiscais ao contribuinte de Imposto de Renda que decidisse incentivar

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projetos culturais, através de doação, patrocínio ou investimento, segundo

diagnóstico de investimentos em cultura, realizado em 1998, pela Fundação João

Pinheiro, “apesar de muitas imperfeições, a Lei Sarney foi fundamental para o

processo de reaquecimento cultural do País, particularmente de 1986 a 1989,

período de sua existência”. Foi revogada pela Medida Provisória 161, em março de

1990, no início do governo do Presidente Fernando Collor. Num cenário de

agravamento da situação econômica, a fusão do Ministério da Cultura nas diversas

fundações culturais, aliada à ausência de qualquer tipo de incentivo, provocou grave

crise no universo da produção cultural brasileira. Como conseqüência dessa

situação, a maioria das empresas incentivadoras cancelou ou reduziu os seus

patrocínios a projetos culturais.

O segmento da produção cultural, valendo-se da experiência acumulada, de

seus erros e acertos, articula-se para a aprovação de mecanismos de incentivo à

cultura, o que ocorreu inicialmente no município de São Paulo, com a criação da Lei

10.923/90, intitulada Lei Marcos Mendonça. Sancionada em 1991, pela prefeita

Luiza Erundina, constituiu medida pioneira e modelar, permitindo a dedução do

Imposto sobre a Propriedade Territorial e Urbana (IPTU) e do Imposto sobre

Serviços (ISS) para quem aplicasse recursos na área da cultura. A Lei Mendonça

teve seu modelo de funcionamento adotado por todas as leis de incentivo à cultura

que vieram a partir de então, nos âmbitos municipais e estaduais.

A dinâmica moderna das leis de incentivo está pautada na existência de três

elementos essenciais: o produtor cultural (empreendedor ou proponente) que

apresenta sua demanda/projeto ao Estado; o Estado, que avalia, aprova e concede

o incentivo e, ainda, fiscaliza a execução do projeto e aplicação dos recursos; a

empresa investidora que, informada do(s) projeto(s) aprovado(s), escolhe aquele(s)

do seu interesse. O passo seguinte é a transferência dos recursos para o produtor

ou empreendedor cultural, que passa a gerenciar os recursos dos benefícios fiscais

concedidos pelo estado, na execução das ações previstas em planilha aprovada na

lei. Um dos critérios de escolha do(s) projeto(s) pela empresa é a possibilidade de

retorno para a sua marca, no seu período de realização.

Valendo-se dessa fórmula, foram criadas, no âmbito federal, a Lei Rouanet

(Lei nº 8.313/91) e a Lei do Audiovisual (Lei nº 8.685/93), entre outras.

Posteriormente, seguindo o mesmo mecanismo das anteriores, com algumas

adaptações, foram criadas as leis de incentivo à cultura pelos estados e municípios.

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Em Minas, está em vigor a Lei de Incentivo à Cultura de Minas Gerais, nº 12

733, instituída em 30 de dezembro de 1997, regulamentada no Decreto 40.851, de

30 de dezembro de 1999, e modificada pela Lei 13.665, de 20 de julho de 2000. Os

decretos 41 124/00 e 41 289/00 regulamentaram as novas alterações.

O incentivo ao setor cultural do estado, a partir dessa legislação, advém do

ICMS (Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre

Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de

Comunicação), na seguinte condição: o contribuinte que apoiar financeiramente um

projeto cultural poderá deduzir do imposto devido até 80% do valor repassado ao

projeto. O abatimento será efetuado a cada mês e não poderá exceder a 3% do

valor do ICMS a ser pago no período, até atingir o montante dos recursos dedutíveis.

Atingido o limite previsto na lei, o projeto cultural aprovado deverá aguardar o

próximo exercício fiscal para receber o incentivo.

O artigo 9º enfatiza que somente poderão ser beneficiados pelos incentivos

desta lei os projetos culturais que visem à exibição, à utilização ou à circulação

públicas de bens culturais, sendo vedada concessão de incentivo a projeto

destinado ou restrito a circuitos privados ou coleções particulares.

A Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais disponibiliza, anualmente,

o edital contendo os requisitos e as condições exigidas do empreendedor para

candidatar-se aos benefícios desta lei, orientações necessárias para a apresentação

de projetos, bem como diretrizes para execução do projeto e as exigências para a

prestação de contas, que tem o prazo de um ano, após a aprovação, para

apresentação ao Estado.

Na hipótese do artigo 32, do Decreto nº 43.615/2003 – MG, qualquer pessoa

jurídica interessada poderá figurar como incentivador, desde que apóie

financeiramente projeto artístico cultural incentivado, oferecendo como participação

própria, no mínimo, 20% do total dos recursos destinados ao projeto, e que

apresente documentação exigida pela Secretaria de Estado da Fazenda.

A particularidade dessa legislação, comparada a outros mecanismos de

incentivo, é que ela admite como incentivador o contribuinte devedor do ICMS, que

se encontra no cadastro da dívida ativa do Estado.

A empresa cujo débito estiver inscrito na dívida ativa poderá quitá-lo com 25%

de desconto, desde que apóie financeiramente projeto cultural, previamente

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aprovado pela CETAP11 (Comissão Técnica de Análise de Projetos), repassando ao

empreendedor o valor correspondente a 18,75% da sua dívida total, em número de

parcelas fixadas pela CETAP, de acordo com as necessidades do projeto. O

restante, que corresponde a 56,25%, deverá ser pago à Secretaria de Estado da

Fazenda que, por meio de negociação, estabelecerá o parcelamento máximo

possível.

Esta inovação amplia consideravelmente os recursos destinados aos projetos

culturais e não se sujeita aos editais anuais da Lei de Incentivo, podendo ser os

projetos apresentados entre os dias 1º e 10 de cada mês. Entretanto, como a

relação das empresas inscritas no cadastro da dívida ativa do Estado não pode ser

divulgada pela Secretaria de Estado da Fazenda, por questões relativas ao sigilo

fiscal, os empreendedores se vêem em dificuldades para captar recursos, pela falta

de identificação de empresas que podem regularizar sua situação via utilização da

lei.

Em ambas as modalidades de incentivo – ICMS corrente e dívida ativa - pelo

menos 20% do valor incentivado deve corresponder à participação própria do

patrocinador.

Esta contrapartida deve ser efetivada em moeda corrente, fornecimento de

mercadorias, prestação de serviços ou cessão de uso de imóvel, desde que

necessários à realização do projeto, conforme entendimentos entre empreendedor

cultural e empresa patrocinadora.

Ressalte-se que a contrapartida corresponde à taxa de co-responsabilidade

empresarial, que representa um acréscimo de recursos privados para as atividades

artístico-culturais.

Percebe-se que a obrigatoriedade de desembolso de recursos próprios força

as empresas a planejarem e avaliarem a importância de investimento em cultura

como uma estratégia de marketing12, com grande potencial de retorno.

11 A CETAP, independente e autônoma, é formada por nove representantes do Sistema Estadual de

Cultura e por nove entidades culturais estaduais diversas. Os membros da Comissão são indicados por suas respectivas instituições e nomeados pelo Secretário de Estado da cultura para um mandato de dois anos, com as atribuições de elaborar o edital que determina as normas para realização do concurso, como a data-limite para entrega dos projetos, os critérios técnicos segundo os quais estes serão julgados e outras diretrizes essenciais ao processo de utilização da Lei de Incentivo à Cultura.

12 MARKETING – é um sistema total de atividades de negócios desenvolvidas para planejar, dar

preço, promover e distribuir produtos que satisfaçam os desejos dos mercados-alvo e atingir objetivos organizacionais. (ETZEL; WALKER; STANTON. 2001).

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Alguns críticos das leis de incentivo afirmam que elas existem para beneficiar

alguns poucos projetos das regiões Sul e Sudeste ou mesmo as mega-produções,

alijando da participação produtores que são mais carentes de recursos para

realização de suas atividades. Este é um tipo de comentário que carece de uma

visão mais ampla a respeito do incentivo cultural, embora seja claro o interesse

primordial da empresa na imagem da sua marca amplamente divulgada. Um fato

que freqüentemente ocorre é a indicação de locais para a realização dos projetos

nas comunidades próximas às unidades fabris das empresas, pois a empresa é que

determina os locais de realização dos projetos por ela incentivados, ficando a

maioria das regiões, onde não há indústrias ou atividades empresariais de outras

naturezas, desprovidas de ações culturais.

O projeto CRIAR é parte de muitos projetos culturais incentivados pela

empresa LÓTUS, em todo o País, mas esse, especificamente, foi criado pela equipe

de Desenvolvimento Humano e Organizacional (DHO) de uma de suas unidades,

sendo que as atividades artísticas e culturais se concentram em apenas um

município, onde uma das fábricas da empresa está instalada.

E) POR QUE ARTE-EDUCAÇÃO?

Não seria inadequado supor que a empresa LÓTUS tenha optado por

incentivar projetos de Arte-educação em decorrência de alguns fatores

interdependentes, significativos e facilmente previsíveis: a grande abrangência das

ações culturais no universo da comunidade escolar; a rapidez de respostas dos

educadores, advindas de oficinas artísticas; o retorno para a empresa, da visibilidade

que a manifestação artística proporciona.

Afinal, a arte é um sistema simbólico de comunicação inter-humana e, do

ponto de vista sociológico, segundo Cândido (1995, p.33), pressupõe o jogo

permanente de relações entre obra ou manifestação artística, o autor e o público. O

público dá sentido e realidade à obra, sem ele o autor não se realiza. Transpondo

este pressuposto - sem preocupação com posição dos atores e rigor conceitual -

para o cenário da responsabilidade social empresarial, inter-relacionam-se, em torno

dos projetos culturais, formando uma tríade: as ações artísticas, os educadores

participantes e o projeto CRIAR, diante de uma perspectiva de transformação

sociocultural e de uma educação estética e multicultural.

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Cândido (1995, p.242) considera a Arte como um poderoso instrumento de

instrução e educação, que entra nos currículos, “sendo proposta a cada um como

equipamento intelectual e afetivo”. E complementa dizendo que os valores que a

sociedade preconiza, ou os que ela considera prejudiciais, estão presentes nas

diversas manifestações artísticas, seja na poesia, na dramatização, na música.

Pode-se concluir, então, que a Arte é uma rica fonte de reflexão, considerada como

forma de comunicação e expressão do mundo sentido e percebido, mas passível de

ser transformado pelo olhar estético do fruidor ou do criador em arte.

Numa abordagem sobre a Arte, na perspectiva da educação estética, Duarte

Jr. comenta que o modo de perceber, na experiência proporcionada pela Arte, é

distinto da percepção ordinária e cotidiana do indivíduo. O autor enfatiza que,

[...] na experiência estética, o indivíduo retorna a uma condição anterior à percepção condicionada pelas relações conceituais forjadas pela linguagem, retornando a uma primitiva e mágica visão do mundo. Nessa perspectiva, entende-se que, na vida diária, interroga-se o ‘aparecer’ dos objetos, segundo propósitos práticos, sua utilidade; já na percepção estética não é mais a intelecção que guia a percepção: a ‘verdade’ do objeto reside nele mesmo. Na percepção estética, o ‘ser’ do objeto é o seu aparecer. (DUARTE JÚNIOR, 2002, p.91).

Em complementação às palavras de Cândido, que diz ser “a arte [...]

poderoso instrumento de instrução e educação”, pode-se afirmar que a Arte é

poderoso canal de conexão com a experiência estética, à medida que proporciona o

envolvimento total do indivíduo com o objeto estético ou com o processo criador,

fazendo com que a sua consciência não mais apreenda segundo as regras da

realidade, mas ultrapasse a um relacionamento dos sistemas conceituais,

equilibrando-se, nessa experiência, as faculdades intelectivas e emocionais.

Lanier (2002, p.43) propõe “devolver a Arte à arte-educação”, ao mesmo

tempo que denuncia a “fragmentação de idéias que impera no ensino da arte”, que,

segundo ele, “não é em si perniciosa, mas carece de um quadro conceitual coeso”.

Na busca de identificar idéias defendidas por arte-educadores, destacaram-se

alguns conceitos para a Arte-Educação, entre eles: criatividade, aptidão visual e

motora, arte-terapia, desenvolvimento intelectual, comunicação, atividades de lazer,

técnicas artísticas, relações interpessoais e educação estética.

Não há nenhuma razão constrangedora que suscite dúvidas ou negue que as

atividades de Arte na escola possam promover crescimentos pessoais,

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independentemente do valor ou da resposta estética. Entretanto o que é mais

interessante sobre essa série de idéias é que apenas a última citada - a educação

estética – refere-se ao aprendizado da Arte e foi de interesse nesta pesquisa.

Segundo Lenier (2002, p.44), “todas as outras idéias concernem, em sua maioria, ao

desenvolvimento de qualidades e características do indivíduo, sem estar

necessariamente relacionadas com arte ou mesmo com experiência estética”. Na

tentativa de traduzir a premissa do autor, a maioria das idéias ou conceitos que

visam fornecer uma direção curricular para a área não reflete as contribuições

específicas da Arte-educação, benefícios que nenhuma outra área de estudo pode

oferecer à educação.

O autor chama atenção para outro prisma desta questão, apontando para o

direcionamento dos programas de Arte-educação que utilizam a Arte como meio de

clarificar os modos pelos quais o mundo social, o econômico e o político atuam e

como isso pode ser incrementado. Segundo o autor, “isso significa, naturalmente, a

arte a serviço da responsabilidade social”, idéia que ele defende, mesmo convencido

de que é “um esforço quase inútil”. Ele insiste que todos aqueles aspectos

anteriormente citados não deveriam ser o foco para o professor de artes e que a sua

principal referência deveria ser o progresso no domínio dos procedimentos estético-

visuais e enfatiza que a sua proposta é, de fato, devolver a Arte à Arte-educação.

Supõe-se que este conceito central é tanto viável, quanto desejável, e que

arte-educadores poderiam trabalhar para esse fim.

Torna-se oportuno esclarecer que a experiência estética em geral, incluindo

um de seus aspectos particulares, a experiência estética visual, já é desfrutada pelo

indivíduo antes que ele entre para a escola. Portanto o professor não a introduz para

os alunos, mas estimula a partir de algo que eles já têm. Nessa perspectiva, LENIER

(2002, p.46) salienta que as artes plásticas, além de outros estímulos, provocam a

“experiência estético-visual e devem incluir mais que técnicas com papel e tinta e

explorar outras linguagens expressivas, por exemplo relacionadas à cultura popular,

ao artesanato, e em particular à mídia eletrônica, como cinema e televisão”. Outro

aspecto questionável a que o autor se refere como não sendo, necessariamente, a

maneira mais eficaz de promover o crescimento, em extensão e qualidade, da

experiência estética é a produção de Arte de ateliê. Ele enfatiza que “apenas o

indivíduo que está adequadamente informado sobre a natureza da experiência

estética pode ampliar com certa facilidade o âmbito e a qualidade dessa

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experiência”. Portanto os currículos de Arte-educação deveriam estar concentrados

na educação estética. No entanto “educação estética” é um termo aplicado, muitas

vezes, impropriamente, uma vez que não se trata da experiência estética do meio

ambiente imediato.

Lenier critica os termos usados em programas de Arte-educação, cujos

objetivos são, por exemplo, “propiciar experiências estéticas àqueles que nunca as

tiveram” ou “criar nos indivíduos uma experiência estética” ou, ainda, “desenvolver

um indivíduo esteticamente perceptivo e responsivo”. Em contraponto, o conceito

central defendido pelo autor emprega o termo “ampliar”, considerando que todas as

pessoas têm, efetivamente, uma experiência estética, mesmo sem ter tido um curso

de apreciação artística.

Partindo dessa perspectiva, a abordagem da experiência estética ou

alfabetização estética - como querem alguns autores, como Ana Mae Barbosa -

aproxima-se da abordagem multicultural, que se associa à estética do cotidiano

como uma fonte de referência cultural, já explorada por arte-educadores, inclusive

no meio rural, sendo denominada de estética interiorana. Significa, por exemplo,

uma forma de valorizar os modos de viver, a forma de relação estética com os

objetos domésticos e com o conceito particular do belo, livres de conceitos

impregnados por códigos estéticos dominantes. Inclui nessa noção a própria idéia de

multiculturalismo, que propõe o respeito às diferenças sociais e à diversidade

cultural, presentes nas manifestações culturais populares que abrangem uma

variada gama de linguagens artísticas.

As práticas pedagógicas podem ser conduzidas por diferentes caminhos,

conforme o entendimento e a apropriação que cada professor tem acerca do termo

“multicultural”.

O compromisso com a diversidade cultural ganha ênfase na Arte-educação pós-moderna e grande importância tem sido dada aos projetos que demonstram o mesmo valor apreciativo pela produção erudita e pela produção do povo, possibilitando o estabelecimento da relação entre cultura da escola e cultura da comunidade. (BARBOSA, 1998).

A Arte-educação tende a cumprir um papel muito importante nas relações

sociais e educacionais, podendo ser também esta uma razão plausível para a

escolha de projetos alicerçados na Arte-educação, pela empresa LÓTUS, com o

sentido de fomentar ações culturais na comunidade, via educação escolar, dado o

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seu potencial de mobilização e multiplicação.

E.1) AS FINALIDADES DO PROJETO CRIAR

Conforme documento que fundamenta o projeto CRIAR, foram realizados

encontros com representantes das unidades escolares do município onde se instala

a empresa LÓTUS, com o objetivo de conhecer as expectativas e realidades das

escolas, tendo sido registradas as principais questões apontadas pelas

comunidades escolares: Necessidade de atualização em novas tecnologias de

ensino; Atividades lúdicas, esportivas e culturais; Necessidade de aproximação com

os pais; Melhoria da infra-estrutura física.

Segundo o texto da empresa, as necessidades indicadas pelos educadores

serviram de referencial na definição de quatro pilares básicos e seus respectivos

objetivos, para atuação junto à comunidade escolar, que se resumem em:

1. CAPACITAÇÃO DOS PROFESSORES Aperfeiçoamento do ensino público através de parcerias com instituições de capacitação acadêmica. Consiste na capacitação dos professores das escolas públicas com as novas tecnologias de ensino. OBJETIVO: Contribuir com a reciclagem dos professores, propiciando um melhoramento no nível da qualidade de ensino. 2. EDUCANDO COM ARTE Levar atividades culturais e lúdicas para as escolas, buscando oportunidades para a comunidade escolar, focando também a capacitação dos professores, alunos e a formação de multiplicadores. Todo o trabalho será desenvolvido através de oficinas culturais. OBJETIVO: Colaborar para o aprendizado dos alunos e professores, propiciando um crescimento pessoal e cultural. 3. CONSTRUINDO NOSSA ESCOLA Promover melhorias na infra-estrutura das escolas públicas com maior carência e maior número de alunos, promovendo um ambiente mais adequado ao aprendizado dos alunos. OBJETIVO: Melhorar as condições da escola, promovendo um ambiente mais adequado ao aprendizado dos alunos. 4. MOBILIZAÇÃO COMUNITÁRIA Consiste em replicar nestas comunidades o Canal Futura e aproveitar a metodologia para desenvolver trabalho de mobilização comunitária e capacitação, utilizando vídeos. OBJETIVOS: Aumentar o nível de informação da comunidade escolar e disseminar programas educativos. (PROJETO CRIAR, 2000).

O pilar 2 - Educando com Arte - foi destacado como alvo de interesse na

pesquisa, por estar a ele relacionado o programa de Arte-educação desenvolvido

nas escolas.

A empresa LÓTUS, por meio do seu programa de responsabilidade social,

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decidiu incentivar projetos compostos por oficinas de Arte-educação, para garantir o

suporte ao pilar “Educando com arte”, que, conforme consta no texto fundador do

projeto CRIAR, tem como objetivo,

Colaborar para o aprendizado dos alunos e professores, propiciando um crescimento pessoal e cultural”, por meio de “atividades culturais e lúdicas, buscando oportunidades para a comunidade escolar, focando também a capacitação dos professores, alunos e a formação de multiplicadores. (PROJETO CRIAR, 2000).

O texto enfatiza ainda que “todo o trabalho será desenvolvido através de

oficinas culturais”.

A seguir, será esclarecedora uma explanação sobre os projetos artístico-

culturais que incorporaram o Projeto CRIAR, objeto de análise da presente pesquisa.

F) A IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO CRIAR

Os projetos patrocinados pela empresa LÓTUS, beneficiada pelas

prerrogativas da Lei de Incentivo à Cultura do Estado de Minas Gerais, no ciclo

compreendido entre junho de 2003 a junho de 2005, ofereceram diversas

modalidades de expressões artísticas às escolas públicas do município onde operam

algumas fábricas da empresa.

Nesse período, foram realizadas oficinas de artes integradas, incluindo as

linguagens do teatro, das artes visuais, da literatura, da dança e de bonecos e,

também, shows culturais e exposições. Os grupos artísticos, coordenados por

empreendedor cultural ou proponente de projeto, assumiram a responsabilidade

pelas oficinas culturais destinadas às comunidades escolares. Os shows abertos

para um público mais amplo tiveram como finalidade abranger não somente as

escolas, mas também toda a comunidade e, principalmente, dar visibilidade social ao

Projeto CRIAR, de responsabilidade social da empresa LÓTUS.

Os projetos patrocinados se compuseram de Caravana poética: (Projetos de

Artes Integradas, criação e expressão poética para educadores - brinquedos

cantados e contação de histórias para crianças e adolescentes); Arte na Infância

(Desenho – oficinas com crianças e adolescentes); Andante (Teatro e máscaras –

oficinas para educadores); Patati & Patatá (teatro de boneco – oficinas para

educadores); Aruanda (dança – oficinas para educadores e adolescentes); Uakti

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(percussão – oficinas para educadores e adolescentes).

Programados para serem a culminância de algumas oficinas, os shows foram

realizados pelos mesmos empreendedores culturais ou grupos artísticos que as

ministraram, sendo eles: “Poemas Musicados” e lançamento de CD – Cantora Ana

Cristina; “Aruanda” – Grupo de Danças Folclóricas; “Musiclown” e “Olímpia” – Grupo

Andante; Patati & Patatá – Teatro de bonecos e “Uakti” – Grupo de percussão.

A empresa LÓTUS contratou consultores da área de gestão e Arte-educação

para acompanhar e orientar as escolas na implementação dos projetos e ministrar

um curso de gestão pedagógica participativa, denominado “Caminho de luzes e

pedras”, que contemplou conceitos de liderança, fortalecimento de equipes e, ainda,

diagnóstico, planejamento, metodologia de desenvolvimento de projetos e avaliação

de resultados. O objetivo proposto pela empresa LÓTUS era que o programa de

gestão pudesse assegurar a melhor aplicação das ações do projeto CRIAR nas

escolas, de forma sistematizada, para cumprir os seus objetivos de melhorar a

qualidade da educação, conforme informações da coordenadora da área de

comunicação da empresa. Para tanto, segundo a informante, o programa de gestão

participativa antecedeu às oficinas culturais, com a realização de cursos, e

continuou, através do acompanhamento da consultoria aos educadores, nas suas

escolas.

F.1) A INSERÇÃO DAS ESCOLAS NO PROJETO CRIAR

Conforme informações adquiridas in loco, junto à área de comunicação

empresarial da empresa LÓTUS, identificaram-se os procedimentos para

implantação dos projetos incentivados pela empresa, que comporiam as ações do

projeto CRIAR.

Inicialmente, foi realizado um encontro com aproximadamente 200

representantes das 20 escolas públicas – municipais e estaduais – do município,

com a finalidade de comunicar formalmente a proposta de responsabilidade social

da empresa, destacando o projeto CRIAR, que abrigaria ações direcionadas às

escolas, conforme seu conceito e objetivos.

Este encontro teve como objetivo também aplicar um questionário, cuja

análise foi balizada por critérios previamente determinados para selecionar 10

escolas que viriam a fazer parte de todas as atividades do projeto CRIAR.

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Indagada sobre a razão de tal seleção, que significaria a exclusão da metade

das escolas do município, a representante da empresa argumentou que a idéia era

fazer um “projeto piloto e que, no ano seguinte, entraria uma nova escola, até

completar a inclusão de todas as outras”.

Analisados os questionários, com referência nos critérios adotados, foram

identificadas as 10 escolas, cujos educadores passariam a participar de um

programa composto por oficinas culturais e artísticas, bem como por atividades

programadas para os alunos.

Conforme informações de representante da Secretaria Municipal de Educação

e Cultura (SEMEC), a referida seleção gerou descontentamento nos educadores

“excluídos”, que “sentiram-se injustiçados, diante do desejo e necessidade de

participação no projeto”, e, segundo depoimento, tais sentimentos continuaram

perdurando nas escolas.

Apesar de o processo de seleção e de os critérios terem sido esclarecidos a

todos os educadores, conclui-se que não houve um procedimento democrático, e

que não ficaram claras as razões para a empresa “desnivelar” o acesso à

oportunidade de participação nas atividades culturais por ela incentivadas.

Por iniciativa da empresa LÓTUS, uma parceria foi constituída entre a

Secretaria Municipal de Educação e Cultura e o Setor de Comunicação Empresarial

da empresa, com apoio de consultoria gerencial e artístico-pedagógica contratada

pela empresa LÓTUS, para elaboração do cronograma de implantação das ações,

bem como acompanhamento e orientação de procedimentos necessários à

operacionalização do projeto.

G) OS PROJETOS CULTURAIS INCENTIVADOS PELA EMPRESA LÓTUS

As propostas de trabalhos dos empreendedores culturais realizadas de junho

de 2003 a junho de 2005, período de referência para a pesquisa, consistem de

apresentações musicais e cênicas e oficinas de artes para educadores, que

contemplaram a dança, as artes plásticas, o teatro, a expressão poética, a

percussão musical, e, ainda, atividades do domínio multicultural direcionadas às

crianças, como “contação de histórias”, “brinquedos e brincadeiras”.

Através de contatos com os empreendedores culturais, chegou-se ao

conhecimento dos conteúdos dos projetos desenvolvidos junto às escolas

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selecionadas pela empresa LÓTUS.

No conjunto dos projetos incentivados, verificou-se que quase todos foram

executados pelos próprios proponentes, ou por artistas e arte-educadores

especialmente contratados por aqueles, para coordenar oficinas relacionadas a um

domínio específico de conhecimento na área artística.

As propostas vivenciadas nas oficinas foram conduzidas com o objetivo de

serem reeditadas pelos educadores, junto aos seus alunos, em projetos temáticos

de interesse para o projeto pedagógico de cada escola.

Os projetos incentivados pela empresa LÓTUS, incorporados pelo Projeto

Criar, no período da pesquisa, foram: Caravana Poética – várias oficinas, Aruanda –

danças folclóricas, Arte na Infância – oficina de desenho, Patati & Patatá – teatro de

bonecos, Andante - Teatro de máscaras, e UAKTI – musicalização e percussão,

descritos a seguir.

1) CARAVANA POÉTICA

Segundo Carol, a proponente do projeto Caravana Poética, o seu projeto

compõe-se de:

a) Poemas Musicados

Espetáculo musical que dá origem ao CD, doado a todas as escolas do

município, concebido, segundo a própria autora Carol, a partir de uma pesquisa de

músicas feitas com poemas de autores famosos da língua portuguesa e musicados

por renomados compositores brasileiros. Revela a proponente:

Os professores, especialmente os de ensino médio e estudantes, consideraram o espetáculo uma das coisas mais importantes da Caravana, porque o aluno que tem resistência à poesia, ele se enxerga ouvindo Cazuza e Renato Russo. E ele percebe que aquilo é poesia. É muito interessante ver a cara de surpresa dos alunos, quando ficam sabendo que Renato Russo musicou Camões. Camões é aquele autor que, se não desconhecido, é aquela coisa que assusta aos estudantes.

Conforme palavras da empreendedora,

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A partir daí pensei em um projeto mais amplo para incentivo à leitura. Então o objetivo principal da Caravana é instigar as pessoas para que elas sejam incentivadas a buscar a leitura, mais especificamente a poesia, que é o que mais falta mesmo, no sentido de faltar mesmo. Não é deficiência não, é falta. Principalmente nas escolas do interior. Quando há uma biblioteca, não há material de poesia.

O projeto Caravana Poética, na concepção da empreendedora cultural,

proporcionou, à comunidade local, o acesso à poesia espalhada em varais que,

estendidos pelas praças principais da cidade, “despertavam a atenção das pessoas

que podiam escolher e levar para suas casas os poemas de sua preferência, entre

dezenas de autores da língua portuguesa”.

b) Contação de histórias

Carol informou que os contadores de histórias usaram o lúdico para trabalhar

com os alunos, com grande capacidade de interação e criatividade, lidando com o

imaginário, através de histórias de domínio público, cantadas, contadas e

encantadas, através dos tempos.

Figura 1: Contação de história FONTE: Foto de Ana Cristina

E, ainda, que eles trabalharam lendas brasileiras que trazem, além da

informação, a formação cultural, a poesia da forma como ela é contada.

É uma re-contação de história para explicar fatos que ocorrem naquela região ou que aconteceram naquela sociedade. É a forma lúdica de contar histórias... Como surgiu a Serra da Mantiqueira? Então é uma visão poética do Sul de Minas, a Serra da Mantiqueira. A poesia está ali escancarada. (CAROL, ECP).

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c) Brinquedos e Brincadeiras

A idealizadora da Caravana Poética enfatiza a importância das intervenções

lúdicas “Brinquedos e Brincadeiras” que levou para as escolas. Desenvolvidas por

ator/arte-educador, na pele de um palhaço da Comédia dell’Arte, que faz brinquedos

voadores, canta e brinca com as crianças, utilizando repertório de canções e

brincadeiras de domínio público, essas atividades, segundo a entrevistada, criaram

um clima de interação e alegria nas escolas.

d) Interpretando e Aprendendo

Carol lembrou que um ponto forte da Caravana, desenvolvido somente com

educadores, foi a oficina Interpretando e Aprendendo, “proposta de reflexão sobre a

história, limites e possibilidades da Arte-educação e de estímulo à descoberta das

potencialidades lúdicas e criadoras do professor, que possibilitam a re-elaboração do

modo de ver, sentir e agir na relação com o mundo, proporcionando novos caminhos

de construção do conhecimento, numa perspectiva da ética, da estética e da

poética, no cotidiano escolar”, esclarece a empreendedora cultural.

Segundo ela, o projeto Interpretando e Aprendendo é composto de três

oficinas de expressão criadora:, Projeto Mural, Colcha de retalhos e Expressão

Poética.

d.1) Projeto Mural

Figura 2: Projeto Mural Figura 3: Oficina Projeto Mural FONTE: Foto de Ana Cristina FONTE: Foto de Ana Cristina

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Desenvolvido por uma arte-educadora, descreve a proponente do projeto

Caravana Poética:

[...] o ‘Projeto mural’ também foi muito valorizado pelos participantes da oficina, não só pelo resultado belíssimo, mas também porque proporciona uma vivência individual transformada em construção coletiva. A leitura do poema Conversa de Corpo (de Priscila Freire), ‘emoldurada pela sonoridade’ de Música das Esferas (de Marcos Vianna) serve de estímulo à expressão corporal dos participantes.

Ela esclarece que,

[...] num trabalho com música, poesia, expressão corporal e percepção sensorial, as pessoas tornam-se ‘estrelas caídas no chão da Terra’. Assim, em estado de relaxamento, elas têm as silhuetas de seus corpos desenhadas pelo professor, o que proporciona a discussão da metodologia de construção do projeto participativo – a pintura do mural figurativo-abstrato, suscitando informações conceituais sobre criatividade, composição artística e seus elementos formais: cores, formas, texturas. (CAROL, ECP)

Os grupos sempre lançam mão de matéria prima local para a pintura do

mural, como terras e pigmentos da região, comprovando a riqueza dos recursos

disponíveis e a beleza do efeito estético, conforme informação da proponente.

d.2) Projeto Colcha de Retalhos

fonte

Figura 4: Colcha de retalhos Figura 5: Colcha de retalhos FONTE: Foto de Ana Cristina FONTE: Foto de Ana Cristina

A proponente atribuiu grande significado à oficina “Colcha de retalhos”,

porque, segundo disse,

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[...] é uma forma do professor resgatar as suas imagens particulares de infância e colocar de uma forma colorida e criativa num pedaço de papel, e de juntar aqueles fragmentos todos, com tantas pessoas diferentes, com tantas vivências diferentes, que leva os participantes da oficina a visualizarem de uma forma muito clara que cada pessoa é diferente da outra, mas que têm pontos em comum. Elas conseguem enxergar, conseguem ver melhor o que os alunos podem vivenciar naquele momento, porque o que fazem ao colocar tudo na ‘Colcha de retalhos’ é trazer pra fora aquela infância que elas viveram e que no fim das contas é a mesma infância dos seus alunos. Acho que abre uma possibilidade de os educadores compreenderem melhor a realidade dos alunos. (CAROL, ECP).

Conforme a proponente explicou, houve o momento de criação de

personagens de cenas da vida, concebidos pelos participantes, que serviram de

referência para as montagens teatrais em grupos. Ela diz que o projeto aponta para

“a abordagem multicultural, possível e visível nas representações extraídas da

memória cultural e afetiva da infância: as brincadeiras, os costumes, os valores, a

cultura familiar e regional”. (CAROL, proponente da Caravana Poética)

A oficina Colcha de retalhos faz uma conjugação de diversas linguagens

artísticas, sugerindo o desdobramento em ações interdisciplinares no cotidiano da

escola, numa perspectiva multicultural, conforme explicações de Carol.

d.3) Expressão poética – Compondo ainda a Caravana Poética, a terceira

atividade que integra a oficina Interpretando e Aprendendo é descrita pela

proponente com entusiasmo: “é o momento do contato direto com a poesia, com as

possibilidades de produção e interpretação. Os professores criam os seus

classificados poéticos pessoais... os anúncios dos seus desejos de transformação. É

muito bonito ver a simplicidade com que cada um põe pra fora os seus desejos, os

seus medos, as suas angústias... cada um do seu jeito, mas com profunda energia”.

Segundo Carol, depois vem o momento da criação de hai-kai (poesia

oriental), que desperta o olhar pra fora, pro ambiente. É o exercício da síntese

poética.

E tudo é finalizado com o sarau poético, quando os professores fazem as

leituras dos seus poemas e, em seguida, eles são expostos em um varal, no pátio da

escola, para apreciação coletiva.

“Muitos deles disseram não acreditar que foram capazes de tais criações”,

comenta Carol.

“O resultado de tudo isso é que é importante: Os alunos desenvolvendo

habilidades de leitura, produção e de expressão poética, por meio da proposta

reeditada em sala de aula por seus professores”, acrescenta a proponente do

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projeto Caravana Poética.

2 ARUANDA – Oficinas de danças folclóricas

Figura 6: Apresentação do Grupo Aruanda Figura 7: Dança/jovens alunos da Oficina Aruanda FONTE: Acervo da SEMEC/TM FONTE: Acervo da SEMEC/TM

De acordo com informações da empreendedora cultural da Cia de danças

folclóricas Aruanda, a proposta do projeto sob a sua coordenação foi desenvolvida

por meio de oficinas de capacitação para professores, visando o ensino e o

reconhecimento das tradições da cultura popular, através da dança.

Esse trabalho, segundo ela, proporcionou aos educadores participantes uma

visão teórica da cultura popular tradicional, entremeada com a prática da dança

folclórica, realizada através de variadas composições coreográficas.

Quando você leva o histórico da dança, você explica, contextualiza, você pode fazer uma projeção contextualizada daquilo e não só reproduzir uma dança, por reproduzir, porque isso entra em choque com a cultura de massa atual, e os alunos não gostam. Não querem dançar a música folclórica porque é uma ‘coisa do passado, estagnada’. Mas quando eles entendem o significado dessa história, eles participam. Lidar com a história viva é outra história, o aluno percebe que tem a ver com a identidade dele. (CLÁUDIA, EFO).

Cláudia - empreendedora e também na função de facilitadora da oficina -

disse que uma preocupação sua foi explorar diversos conceitos relacionados com a

dança folclórica, nas perspectivas pedagógica, multicultural e metodológica,

entendendo que não são conteúdos comumente desenvolvidos nas escolas.

Dessa forma, a facilitadora disse que privilegiou algumas abordagens, que

alicerçaram toda a proposta das oficinas, como, por exemplo, uma introdução ao

estudo do Folclore, que se desdobrou em:

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Conceitos de Cultura e Folclore, Identificação dos fatos folclóricos e suas

características, Dinâmica do fato folclórico, Domínios do Folclore e Grupos

folclóricos X grupos para-folclóricos.

As professoras que fizeram o trabalho conosco – as oficinas - entenderam o que era o reinado, o que eram as folias, o que eram as catiras, a leitura da identidade de Minas e do Brasil, através da dança brasileira, e que a dança não é desconectada, ela faz parte do todo. (CLÁUDIA, EFO).

A facilitadora disse que constatou a “falta de base dos professores nesse

assunto, mas ao mesmo tempo, um grande interesse em aprender tudo sobre a

dança”, o que, segundo ela, a motivou a intensificar o seu trabalho com o foco na

atuação do professor na escola. Então, conforme declarou Cláudia, “as oficinas de

dança eram seguidas de estudos sobre a aplicação do Folclore na escola, o Folclore

e as disciplinas curriculares e, ainda, a metodologia de pesquisa do folclore”.

A Cultura popular não é valorizada instrumentalmente de fora, para ser funcionalmente domesticada, o que equivale à modernização do popular por folclorização do que ali existe de potencialmente político. Ela é valorizada de dentro para fora para ser rearticulada como um modo de poder popular através da cultura, o que significa a transformação orgânica do popular por politização do que ali existe de folclórico, ou seja, de “cultura do povo”. (BRANDÃO, 1985, p.65).

A facilitadora e proponente do projeto Aruanda disse ter sido informada de

que os educadores participantes das oficinas deveriam ser reeditores das propostas

vivenciadas em danças folclóricas, nas suas escolas, então ela procurou, ainda

mais, fazer um trabalho consistente, “que lhes desse segurança para formar grupos

de danças com alunos”.

O programa do projeto Aruanda contemplou também Metodologia das Danças

Folclóricas, Histórico das danças folclóricas das diversas regiões brasileiras e

Composição Coreográfica, segundo esclareceu Cláudia.

Eu acredito que o projeto foi bem direcionado e os objetivos alcançados, pois muitos professores fizeram várias oficinas para ampliar seus conhecimentos e com interesse de reforçar o que já tinham aprendido. (CLÁUDIA, EFO).

Cláudia informou que, ao final de cada oficina, houve uma apresentação

pública, com profissionais da Cia de danças folclóricas Aruanda, contemplando

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algumas danças ministradas durante as oficinas, “o que gerou muitos depoimentos

por parte de professores sobre a importância do projeto Aruanda na sua formação”,

complementa.

Pelas informações da empreendedora, o projeto Aruanda promoveu um

intercâmbio entre o seu conteúdo e a cultura local, “em muitos aspectos,

desconhecida”. Segundo ela, na proposta de pesquisar a cultura local e as tradições,

“alguns professores trouxeram para a oficina a preciosa informação da descoberta

do ‘Gamba’, uma dança regional, antiga, esquecida e já em extinção”, comenta

Cláudia, enfatizando ainda, que,

[...] quando os alunos adolescentes foram apresentar a resposta das oficinas que estavam sendo reeditadas pelos professores, através da dança de São Gonçalo, nós ficamos muito lisonjeados e vimos o nosso objetivo ser cumprido, pois a questão não é só com os professores, a questão é com a meninada que está chegando. (CLÁUDIA, EFO).

3) ARTE NA INFÂNCIA

Figura 8: Desenho de aluno da oficina Figura 9: Aluno com desenho criado na oficina FONTE: Acervo da Aviva FONTE: Acervo da Aviva

Conforme informou Elton, seu idealizador, o projeto “Arte na Infância” é

composto de oficinas, palestras e exposições com o objetivo de promover, valorizar

e divulgar artes plásticas produzidas por crianças.

As oficinas são compostas por atividades teórico-práticas em que técnicas tradicionais associadas a recursos de computação e Internet favorecem a expressão gráfica da criança. “Arte na Infância” tem como método e estratégia envolver ações participativas de diferentes setores sociais: crianças, professores, instituições de ensino, obtendo, além de resultados artístico-culturais, outras conquistas sociais. Através de qualidades estéticas da infância, ela resgata seus méritos e promove sua expressão, fazendo-nos repensar valores, significados e funções nos processos da Arte. O sentido e a importância da cultura são ampliados e revistos pelos adultos. (ELTON, EFO).

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Segundo Elton, os trabalhos artísticos das crianças foram expostos não só em

espaço público no município, mas também no Palácio das Artes em Belo Horizonte

e, segundo ele, os “resultados encantaram e emocionaram”. E complementa: “As

crianças se revelaram surpreendentes e capazes de estruturar um discurso gráfico

consistente e expressivo”.

No entendimento do facilitador, ao ser incentivada e reconhecida como

produtora de bem cultural, a criança toma consciência do seu valor e eleva a sua

auto-estima.

O empreendedor cultural e facilitador da oficina “Arte na Infância” disse que

“entende como questão ética disponibilizar às crianças recursos teóricos,

tecnológicos, financeiros e culturais para a realização de uma expressão plena -

condição cidadã”.

Elton concluiu que, “na prática, este projeto pode contribuir para as

descentralizações culturais, abrindo espaço para manifestações das periferias

sociais e incentivar as expressões artísticas na infância” (ELTON, EFO).

Conforme esclarecimentos da Secretaria Municipal de Educação e Cultura,

depois da oficina “Arte na Infância”, os alunos das escolas que participaram do

Projeto CRIAR, se tornaram mais encorajados a criar seus próprios desenhos, com

maior expressividade do que antes.

4) PATATI & PATATÁ - TEATRO DE BONECOS

Figura 10: Crianças e bonecos Figura 11: Bonecos criados por professores/alunos FONTE: Acervo da SEMEC/TM FONTE: Acervo da SEMEC/TM

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Patati & Patatá, segundo informações da sua proponente Glória, foi um

projeto composto de oficinas de confecção de bonecos, espetáculo do Grupo Teatral

Patati & Patatá e exposição dos bonecos criados pelos participantes das atividades.

Conforme explicação de Glória, a oficina contemplou uma proposta conceitual

e histórica sobre o teatro de bonecos, como uma linguagem artística utilizada desde

a Antigüidade, “pois é importante mostrar aos educadores que confeccionar bonecos

não consiste em uma simples técnica artesanal”. (GLÓRIA, EFO).

Nessa perspectiva, segundo a facilitadora de oficina, a proposta do Patati &

Patatá atendeu perfeitamente às necessidades das escolas públicas - que não

dispõem de recursos para aquisição de materiais de arte -, por oferecer a

possibilidade de criação dos bonecos, utilizando materiais reutilizáveis, como

garrafas PET, tampas, retalhos de tecidos, entre outros.

5) ANDANTE - O Teatro de Máscaras

Figura 12: Oficina Andante – Teatro Figura 13: Oficinas de confecção de máscaras FONTE: Acervo da SEMEC/TM FONTE: Acervo da SEMEC/TM

Segundo Norma, empreendedora cultural, o grupo teatral ANDANTE

desenvolveu, junto aos participantes do projeto CRIAR, a oficina O Teatro de

Máscaras, que teve como objetivo introduzir os educadores na linguagem teatral

peculiar, a máscara.

Ela informou que a oficina foi dirigida a professores interessados nessa

abordagem, com o objetivo de formar agentes reprodutores para o futuro das

atividades locais, “mas alguns alunos de ensino fundamental e médio que tiveram

interesse e demonstraram alguma afinidade com as atividades propostas, também

participaram das oficinas”, complementou a empreendedora, que também foi

facilitadora de oficina.

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Conforme explicações de Norma, as atividades proporcionaram aos

educadores abordagem teórica e prática da construção e do uso da máscara neutra

e das máscaras expressivas e o estudo de técnicas corporais e teatrais específicas

para a utilização das máscaras.

Norma, proponente do projeto, diz ter-se preocupado com a metodologia,

propondo,

[...] um trabalho que partiu de jogos grupais e exercícios práticos para buscar a desinibição, a expressividade, a prontidão e a conexão necessárias para a utilização da máscara e de jogos de improvisação que propiciam a descoberta dos tipos sociais e a construção de esquetes adequados à representação com máscaras.

A facilitadora enfatizou a importância de se promover o exercício da

imaginação e da construção dramatúrgica coletiva, levando à realização de histórias

adequadas à representação com máscaras, partindo das histórias e personagens

locais, que, conforme sua percepção, “despertou nos educadores o interesse pela

pesquisa de valores da cultura local”.

Norma complementa a sua descrição sobre a oficina ‘O Teatro de Máscaras’,

dizendo que,

[...] o nosso interesse foi utilizar esse movimento como base e inspiração para que possa ser feito o teatro local, com os tipos sociais e a construção de uma dramaturgia própria da região. [...] a linguagem das máscaras teatrais se baseia na Commedia dell’Arte, movimento artístico ocorrido na Itália, e atingindo outros países, por volta dos séculos XVII e XVIII. O movimento era formado por companhias itinerantes que improvisavam cenas baseadas em roteiros pré-estabelecidos, os canovacci, sempre com objetivo crítico e cômico, que até hoje encantam, fascinam e alegram o público. (NORMA, EFO).

O encerramento, ao final das oficinas, contou com apresentação de dois

espetáculos do Grupo Andante – ‘Olympia’ e ‘Musiclown’ -, informa a

empreendedora, dizendo que percebeu o encantamento da platéia formada

basicamente por educadores e alunos das escolas participantes do projeto CRIAR.

Norma declara-se satisfeita com o trabalho realizado, diante dos depoimentos

dos educadores sobre “o ganho que tiveram com as vivências em oficina, a nova

percepção do teatro de máscaras, baseado em concepções de cultura e

enriquecedor para a prática educativa na escola”.

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6) UAKTI - OFICINA DE MUSICALIZAÇÃO E PERCUSSÃO

Figura 14: Alunas e instrumentos – UAKTI Figura 15: Integrantes/oficineiros do Grupo UAKTI FONTE: Acervo da SEMEC/TM FONTE: Acervo da SEMEC/TM

As informações obtidas com os empreendedores culturais do UAKTI, sobre a

oficina de musicalização e percussão, mostraram que o trabalho ocorreu nos moldes

propostos pelo Grupo UAKTI, isto é, a partir da experiência de 25 anos do grupo,

com a construção de novos instrumentos musicais acústicos, utilizando, para isto,

materiais diversos como PVC, madeira, vidro, água, cabaças, etc.

Segundo Raul, um dos facilitadores de Musicalização e Percussão, os

objetivos propostos e realizados na oficina se resumiram em introduzir os alunos ao

repertório musical do Grupo UAKTI, discorrendo sobre o funcionamento de cada

novo instrumento musical apresentado, assim como novas formas de notação

musical.

O facilitador da oficina enfatizou que “uma novidade para os educadores foi a

aplicação de novas técnicas de notação musical, como as figuras geométricas que

aceleram nitidamente o processo de linguagem musical”. O facilitador esclareceu

que as figuras geométricas são “trigramas e hexagramas do I Ching”.

A metodologia utilizada nas oficinas, conforme esclarecimentos de Raul, foi

participativa, privilegiando técnicas de performance percussiva e de arranjos de

músicas folclóricas.

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Figura 16: Menino com instrumentos da Oficina UAKTI FONTE: Acervo da SEMEC/TM

A utilização de instrumentos criados pelo UAKTI especialmente para o trabalho de oficinas, fomentou o interesse dos participantes pela construção de novos instrumentos, com materiais de fácil acesso a todos. (RAUL, facilitador oficina).

A oficina atendeu educadores e jovens alunos das escolas, inclusive

portadores de necessidades especiais da escola da APAE que participou do projeto

CRIAR, segundo informações obtidas na Secretaria Municipal de Educação e

Cultura. Ao final do período de oficinas, houve apresentação de trabalho musical do

grupo UAKTI, para um público maior, através da realização de um concerto que

incluiu também a participação dos alunos que integraram a oficina de Musicalização

e Percussão.

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4 CARACTERIZAÇÃO DO CORPO DOCENTE DAS ESCOLAS E SUA S PERCEPÇÕES SOBRE O PROJETO CRIAR

O projeto CRIAR, cuja análise compõe o capítulo II deste trabalho, é a

espinha dorsal do programa de relacionamento da empresa LÓTUS com a

comunidade. Ele foi concebido especificamente para um município do Estado de

Minas Gerais, com 42 anos de emancipação e uma população de 25 mil habitantes.

O fator principal de desenvolvimento econômico do município é relacionado à

empresa LÓTUS, que tem ali instada uma unidade de suas fábricas.

Com estrutura voltada para atendimento às escolas públicas, o Projeto CRIAR

defende em sua descrição o objetivo de “colaborar para o aprendizado dos alunos e

professores, propiciando-lhes um crescimento pessoal e cultural”.

4.1 Perfil Docente e das Escolas Pesquisadas

Inicialmente foram distribuídos 85 questionários entre educadores das 10

escolas selecionadas para participar do Projeto CRIAR, porém apenas 46 foram

respondidos, o que corresponde a 54% de retorno dos questionários. Isto representa

uma amostragem de 20% dos educadores que participaram das oficinas propostas,

no período compreendido entre junho de 2003 e junho de 2005.

Os entrevistados trabalhavam em escolas públicas municipais e estaduais,

que atendiam do ensino infantil ao médio.

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121

4.1.1 Perfil do Educador

TABELA 1 RESIDÊNCIA

Residência Freqüência Porcentagem

Não respondeu 1 2%

Zona Urbana 43 94%

Zona Rural 2 4%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

Gráfico 1: Residência FONTE: Dados da Pesquisa

94% dos professores participantes da pesquisa residiam na zona urbana do

município.

A zona urbana na qual se inseriu a pesquisa é uma cidade interiorana com 25

mil habitantes, tendo como principal fonte de empregos e renda, a empresa LÓTUS.

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122

TABELA 2 SEXO

Sexo Freqüência Porcentagem

Não respondeu 4 9%

Masculino 3 6%

Feminino 39 85%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

Gráfico 2: Sexo FONTE: Dados da Pesquisa

85% dos professores entrevistados são do sexo feminino.

O dado está coerente com as pesquisas sobre o processo de feminização do

magistério.

Estudos mostram que já no início do século XX, as mulheres vão se tornando

maioria no exercício da profissão docente, sobretudo como decorrência dos baixos

salários, sendo esta uma razão que explica o processo de evasão de professores e

professoras, que atinge sobremaneira os docentes do sexo masculino. Mesmo

depois de mais de 100 anos, a evasão dos homens da profissão docente continua

sendo justificada pelos baixos salários e pelo desprestígio da profissão, embora

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123

recentes estudos mostrem outros fatores.

Peixoto e Passos (2005, p.54) apontam para explicações que sustentam

análises de estudos sobre feminização do magistério no Brasil, no contexto do final

do século XIX e início do século XX, e a partir da década de 1990 e enfatizam que

entre os fatores estão:

� Alterações no mercado de trabalho, gerando novas e melhores

oportunidades para o homem. Destaca-se a forte vinculação com o

patriarcalismo na reprodução das condições e possibilidade da

continuidade da condição subalterna da mulher.

� Incremento do processo de escolarização, com o aumento do número de

escolas e, sobretudo, da matrícula de meninas. A publicação de leis

favorecendo a entrada e presença das mulheres no magistério.

� O protagonismo feminino na ocupação de um emergente mercado de

trabalho. Para as mulheres pobres, significava ganhar o pão de cada dia;

para as mulheres providas de melhores condições financeiras, a

oportunidade de ter uma atividade fora dos domínios do lar. A

possibilidade de conciliar o trabalho doméstico com o magistério é

significativa para ambas.

� A feminização se acentua na escola primária, do ponto de vista da

prescrição social, por se tratar de relações entre adultos e crianças,

território marcadamente ligado à feminilidade e às mulheres, a partir de

uma evocação das relações de cuidado dentro da família.

Com este olhar, a questão central quanto às respostas dos educadores seria

que sua feminização não significou apenas a entrada de mulheres na ocupação de

professora, mas também um processo de deslocamento de significados – de escola,

de ensino, de mulher, de feminilidade, de maternidade, de masculinidade, entre

outros.

Outra fonte de aprendizado mencionada pelos entrevistados foram as

experiências trocadas com colegas, com os professores mais velhos, indicando

especialmente assuntos relativos às relações com alunos e suas famílias, coerente

com Nóvoa (1997, p.18) que enfatiza: “Mais do que um lugar de aquisição de

técnicas e de conhecimento, a formação de professores é o momento-chave da

socialização e da configuração profissional”

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124

Dubet e Martuccelli, 1996 (in Peixoto et.al:2006) chamam a atenção para a

dimensão relacional do trabalho docente como base da sua percepção dos

processos de formação, o que reafirma que a profissionalização do magistério

apresenta características semelhantes às do presente estudo, coerentes com

pesquisas de Peixoto e al, 2006, p.96: “Ao falar de sua aprendizagem pela

experiência, a maioria dos professores parece estar se referindo à aprendizagem de

relações interpessoais, a saber lidar com as demandas múltiplas, as emoções e os

sentimentos que brotam do turbilhão efervescente da sala de aula”.

TABELA 3 IDADE

Idade Freqüência Porcentagem

Não respondeu 1 2%

até 24 anos. 2 4%

de 25 a 29 anos . 6 13%

de 30 a 39 anos. 23 51%

de 40 a 49 anos. 12 26%

de 50 anos ou mais. 2 4%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

Gráfico 3: Idade FONTE: Dados da Pesquisa

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125

A pesquisa indicou que:

18% dos educadores estavam entre 20 e 29 anos de idade.

50% tinham entre 30 e 39 anos de idade.

32% dos entrevistados estavam na faixa de 40 e 50 anos de idade ou mais.

Os professores estavam, portanto, em diferentes fases da carreira. Havia 18%

na fase de entrada da carreira, e 50% na fase de estabilização.

TABELA 4

ESTADO CIVIL

Estado civil Freqüência Porcentagem

Solteiro(a) 19 41%

Casado(a) 26 57%

Viúvo(a) 0 0%

Separado(a) 1 2%

Divorciado(a) 0 0%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

Gráfico 4: Estado civil FONTE: Dados da Pesquisa

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126

Verificaram-se, na pesquisa, duas grandes categorias que se distribuíram em

solteiros e casados, sendo que o total de casados correspondeu a um percentual de

(57%), e solteiros, (41%). Verificou-se a predominância de 35% de casados na faixa

etária de 30 a 39 anos, enquanto, na faixa entre 40 a 50 anos ou mais, 17% eram

casados. Dos jovens educadores entre 20 e 29 anos de idade, que totalizaram 17%,

apenas 5% pertenciam à categoria dos casados

A grande proporção de casados com idade entre 30 e 39 anos foi coerente

com o índice de 57% pesquisados nesta faixa etária, observando-se a

predominância de mulheres casadas.

TABELA 5 REDE DE ENSINO EM QUE CURSOU O MAGISTÉRIO

REDE DE ENSINO EM QUE CURSOU O MAGISTÉRIO Freqüência Porcentagem

Não respondeu 1 2%

Escola publica 35 76%

Escola particular 7 15%

Publica e particular 3 7%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

Gráfico 5: Rede de ensino em que cursou o magistério. FONTE: Dados da Pesquisa

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127

75% dos educadores eram oriundos de escola pública.

As escolas públicas predominavam na rede educacional do município e da

região, especialmente nos anos que corresponderam à época de formação escolar

dos entrevistados.

TABELA 6 TEMPO DE CONCLUSÃO DO CURSO DE MAGISTÉRIO

TEMPO DE CONCLUSÃO DE MAGISTÉRIO Freqüência Porcentagem

Não respondeu 4 9%

até 4 anos. 2 4%

5 a 8 anos. 7 15%

9 a 12 anos. 10 22%

13 a 16 anos. 7 15%

17 a 20 anos. 6 13%

mais de 20 anos 10 22%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

Gráfico 6: Tempo de conclusão do magistério FONTE: Dados da Pesquisa

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128

Faixa etária Até 8

anos

De 9 a 14

anos

De 15 a 20

anos

Mais de 20

anos Total

20 a 29 anos 15% 2.17% 0% 0% 17%

30 a 39 anos 4% 35% 9% 2% 50%

40 a 50 anos e + 2% 0% 4% 20% 26%

Quadro 1: Cruzamento idade/tempo de conclusão do cu rso de magistério

Do total de questionários, 7% não foram respondidos.

A pesquisa identificou que, pelo tempo de conclusão do magistério,

predominou uma profissionalização já bem sedimentada, pois mais de 70% dos

educadores concluíram o magistério há mais de 9 anos, o que justificou a

necessidade de atualização dos professores entrevistados, identificada pela

demanda de continuidade de capacitação.

TABELA 7 CURSO DE GRADUAÇÃO – FREQÜÊNCIA

Curso de graduação Freqüência Porcentagem

Não responderam 1 2%

Não 10 22%

Sim 35 78%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

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Gráfico 7: Curso de graduação – Freqüência FONTE: Dados da Pesquisa

TABELA 7.1 CURSO DE GRADUAÇÃO - TIPOS DE CURSO

Curso de graduação Freqüência Porcentagem

Normal superior 18 50%

Ciências Biológicas 6 16%

Pedagogia 3 8%

Letras 5 14%

Sociologia 1 3%

Geografia 1 3%

Teologia 1 3%

História 1 3%

Total (Sim) 36 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

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130

Gráfico 7.1: Curso de graduação – Tipos de curso FONTE: Dados da Pesquisa

22% dos professores não fizeram nenhum curso superior.

76% tinham graduação na área de educação, predominantemente Normal

superior (50%), Ciências Biológicas (16%), Letras (14%) e Pedagogia (8%). Os

outros cursos de graduação (3% cada) se distribuíam em Sociologia, Teologia,

Geografia e História.

Graduação % 20 a 29 anos 30 a 39 anos 40 a 50 anos ou +

Sim 76% 11% 39% 26 %

Não 22% 7% 11% 4%

Quadro 2: Cruzamento idade/graduação FONTE: Dados da Pesquisa

2% dos entrevistados não responderam à questão.

Fazendo o cruzamento dos dados desta tabela com idade, verificou-se um

índice significativo de educadores com curso de graduação, sendo 39% na faixa de

30 a 39 anos, e 26% na faixa etária que abrange 40 a 50 anos ou mais. Dos

educadores mais jovens, em idade de 20 a 29 anos, apenas 11% concluíram a

graduação. Percebeu-se uma busca de capacitação pelo grupo formado há mais

tempo em curso magistério.

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TABELA 8 CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO

Curso de pós-graduação Freqüência Porcentagem

Não respondeu 1 2%

Não 40 88%

Sim 5 10%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

Gráfico 8: Curso de pós-graduação FONTE: Dados da Pesquisa

TABELA 8.1 CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO - TIPOS DE CURSO

Curso de Pós-Graduação Freqüência Porcentagem

Psicopedagogia 2 40%

Biologia 1 20%

Sociologia 1 20%

Meio Ambiente 1 20%

Total 5 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

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Gráfico 8.1: Curso de pós-graduação – Tipos de curso FONTE: Dados da Pesquisa

A pesquisa indicou que 88% dos educadores entrevistados não cursaram

pós-graduação, e que somente 10% responderam sim, sendo 4% em

Psicopedagogia, 2% em Biologia, 2% em Sociologia e 2% em Meio ambiente.

A correlação idade dos entrevistados com a conclusão de pós-graduação

mostra os seguintes resultados:

Pós-graduação % 20 a 29 anos 30 a 39 anos 40 a 50 anos ou +

SIM 10% 0% 6% 4%

NÃO 88% 18% 44 % 26%

Quadro 3: Cruzamento idade/pós-graduação FONTE: Dados da Pesquisa

O cruzamento dos dados mostrou que era pequeno o índice de professores

com pós-graduação.

Aqueles que o concluíram estavam na faixa etária dos 30 e 50 anos,

indicando, talvez, que os menos jovens estão buscando aprimoramento profissional,

o que pode ampliar suas oportunidades salariais.

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133

TABELA 9 TEMPO DE CONCLUSÃO DA GRADUAÇÃO

TEMPO DE CONCLUSÃO DE GRADUAÇÃO Freqüência Porcentagem

Não respondeu 16 35%

até 4 anos. 20 44%

5 a 8 anos. 6 13%

9 a 12 anos. 3 6%

13 a 16 anos. 1 2%

17 a 20 anos. 0 0%

há mais de 20 anos 0 0%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

Gráfico 9: Tempo de conclusão da graduação FONTE: Dados da Pesquisa

A pesquisa mostrou que 57% dos professores que fizeram graduação,

concluíram-na havia menos de 8 anos, sendo que desses, 44% havia menos de 4

anos.

Verificou-se graduação recente em 44% dos casos, o que coincidiu com o

aumento da oferta de cursos que não exigiam disponibilidade integral do aluno.

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134

TABELA 10 REDE DE ENSINO EM QUE TRABALHA

Rede de ensino em que trabalha Freqüência Porcentagem

Estadual 7 15%

Municipal 32 70%

Particular 0 0%

Estadual e municipal 6 13%

Municipal e particular 1 2%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

Gráfico 10: Rede de ensino em que trabalha FONTE: Dados da Pesquisa

Os pesquisados integravam-se, em sua maioria, (70%) à rede municipal de

ensino. 15% trabalhavam na rede estadual, e 13% trabalhavam nas redes estadual e

municipal. Apenas 2% trabalhavam na rede privada e na municipal.

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135

TABELA 11 REGÊNCIA DE TURMA

Regência de turma Freqüência Porcentagem

Não respondeu 2 5%

Sim 41 89%

Não 3 7%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

Gráfico 11: Regência de turma FONTE: Dados da Pesquisa

Quase totalidade dos educadores entrevistados, representando 89%, estavam

em regência de turma.

Regente de turma % 20 a 29 anos 30 a 39 anos 40 a 50 anos ou +

SIM 89 19 46 26

NÃO 6 0 2 4

Quadro 4: Cruzamento regência de turma/idade FONTE: Dados da Pesquisa + 5% dos entrevistados não responderam

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136

TABELA 12 DESEMPENHO EM OUTRAS FUNÇÕES

Desempenho em outras funções Freqüência Porcentagem

Não respondeu 1 2%

Não 41 90%

Sim 4 8%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

Gráfico 12: Desempenho em outras funções FONTE: Dados da Pesquisa

Os pesquisados que ocupavam outras funções na escola, totalizavam apenas

8% e exerciam cargos de supervisão, vice-direção, secretaria e assistência de

criança.

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137

TABELA 13 NÍVEL DE ENSINO EM QUE ATUA

Freqüência de nível de atuação Freqüência Porcentagem

Educação infantil 5 11%

1ª a 4ª série ou 1º ciclo do ensino fundamental 23 51%

5ª a 8ª série ou 2º ciclo do ensino fundamental 7 15%

Ensino fundamental completo (1ª a 8ª série ou 1º e

2º ciclos) 0 0%

Ensino médio 7 15%

Classes multisseriadas 0 0%

Educação especial 2 4%

Educação de jovens e adultos 1 2%

Assistente da criança 1 2%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

Gráfico 13: Nível de ensino em que atua FONTE: Dados da Pesquisa

Entre os professores pesquisados, a atuação era diversificada, pois 66%

atuavam no ensino fundamental, e, desses, 51% no primeiro ciclo (primeira à quarta

série) e 15% no segundo ciclo (5ª a 8ª série). 13% atuavam na educação infantil,

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138

15%, no ensino médio, 4%, no ensino especial (APAE) e 2% atuavam no EJA. Ainda

2% dos entrevistados declararam atuação como assistente de criança.

Esta diversificação pode ter representado uma dificuldade no

desenvolvimento do projeto, pois as intervenções para os educadores visaram a um

público único, ou seja, não houve atividades específicas para educadores de cada

nível de ensino.

TABELA 14 TEMPO DE REGÊNCIA

Tempo de regência Freqüência Porcentagem

Não respondeu 1 2%

até 4 anos. 11 24%

de 5 a 8 anos. 11 24%

de 9 a 12 anos. 5 11%

de 13 a 16 anos. 7 15%

de 17 a 20 anos. 4 9%

mais de 20 anos. 7 15%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

Gráfico 14: Tempo de regência FONTE: Dados da Pesquisa

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139

48% dos professores tinham até 8 anos de regência. Pode-se supor que este

dado mostrou a tendência da sociedade atual em relação à inserção da mulher no

mercado de trabalho.

26% estavam entre os que tinham de 9 a 16 anos na regência, 24% estavam

de 13 a 20 anos, e somente 15% estavam na regência havia mais de 20 anos.

Os dados mostraram significativo número de professores com poucos anos

de regência. Na faixa etária entre 20 e 29 anos, estavam muito poucos, donde se

concluiu que muitos entraram na carreira mais tarde.

TABELA 15 TURNOS DE TRABALHO

Turnos de trabalho Freqüência Porcentagem

1(um) turno 23 50%

2(dois) turnos na mesma escola 7 15%

2(dois) turnos em escolas diferentes 11 24%

3(três) turnos na mesma escola 1 2%

3(três) turnos em escolas diferentes 4 9%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

Gráfico 14: Turnos de trabalho FONTE: Dados da Pesquisa

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140

50% dos professores trabalhavam em um turno, e os outros 50%, ficaram

distribuídos em mais de um turno.

50% dos professores trabalhavam em um turno somente, 15%, em 02 turnos

na mesma escola, 24%, em 02 turnos em diferentes escolas. Os que trabalhavam

em 03 turnos se distribuíam em 2% na mesma escola e 9% em escolas diferentes.

Constatou-se que 50% dos professores cumpriam dupla jornada. Supõe-se

que a necessidade de aumentar a remuneração é que levou os professores a

trabalharem em 02 e até em 03 turnos, em escolas diferentes.

TABELA 16 CARGA HORÁRIA

Carga horária semanal Freqüência Porcentagem

Não respondeu 5 11%

até 20 horas 8 17%

de 21 a 30 horas 15 33%

de 31 a 40 horas 11 24%

mais de 40 horas 7 15%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

Gráfico 16: Carga horária FONTE: Dados da Pesquisa

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141

17% dos professores cumpriam uma carga horária de aulas de 20 horas,

enquanto 33% cumpriam de 21 a 30 horas. 39% dos professores cumpriam de 31 a

mais de 40 horas de trabalho semanal.

Dos professores que cumpriam carga horária semanal de 20 a 40 ou mais

horas, identificou-se o índice significativo de 46%, na faixa de 30 a 39 anos de idade,

e 26%, na população de 40 a 50 e mais anos.

Faixa etária Até 20

horas

De 21 a 30

horas

De 31 a 40

horas

+ de 41

horas Total

20 a 29 anos 2% 9% 4% 0% 17%

30 a 39 anos 11% 17% 9% 9% 46%

40 a 50 anos e + 4% 4% 11% 7% 26%

Quadro 5: Cruzamento faixa etária/carga horária semanal FONTE: Dados da Pesquisa

11% dos entrevistados não responderam.

A pesquisa mostrou que os professores mais jovens, até 29 anos de idade,

cumpriam uma carga horária de trabalho menor do que os mais velhos, que, supõe-

se, fossem pessoas com maior compromisso financeiro, do grupo de casados.

TABELA 17

RENDA FAMILIAR

Renda familiar Freqüência Porcentagem

Não respondeu 2 4%

até 2 salários mínimos 14 31%

de 2 a 4 salários mínimos 14 31%

de 4 a 6 salários mínimos 11 24%

de 6 a 8 salários mínimos 3 7%

de 8 a 10 salários mínimos 2 4%

mais de 10 salários mínimos 0 0%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

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142

Gráfico 17: Renda familiar FONTE: Dados da Pesquisa

A pesquisa mostrou que 62% dos educadores recebiam de 02 a 04 salários

mínimos, 24% recebiam de 04 a 06 salários e 11% estavam na faixa dos 06 a 10

salários mínimos mensais.

O perfil dos entrevistados mostrou que a maioria – 86% dos professores -

recebia de 02 a 04 salários. Apenas 11% dos educadores entrevistados puderam ser

considerados pertencentes à classe média.

Supõe-se que a renda do professor, especialmente do interior, era uma renda

significativa para o sustento familiar, e a limitada possibilidade de remuneração

justificava as dobras de turnos de trabalho.

TABELA 18 PARTICIPAÇÃO EM ENTIDADE SOCIAL

Participação em associação, sindicato ou partido

político Freqüência Porcentagem

Não respondeu 2 4%

Não 34 72%

Sim 11 24%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

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143

Gráfico 18: Participação em entidade social FONTE: Dados da Pesquisa

TABELA 18.1 PARTICIPAÇÃO EM ASSOCIAÇÃO, SINDICATO OU PARTIDO PO LÍTICO

Participação em ass ociação, sindicato ou

partido político Freqüência Porcentagem

Sindicato 6 55%

Partido político 2 18%

Sindicato e partido político 2 18%

Associação 1 9%

Total (sim) 11 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

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144

Gráfico 18.1: Participação em associação, sindicato ou partido político FONTE: Dados da Pesquisa

72% responderam que não participavam de entidade social, e dos 24% que

responderam sim à pergunta, 55% tinham envolvimento com sindicato, 18% com

partido político e mais 18% participavam de partido político e sindicato.

Um dado interessante deste item é que a maioria dos participantes de

sindicatos estava na faixa etária de 30 a 39 anos, seguidos dos que pertenciam à

faixa dos 40 a 50 anos de idade ou mais. Concluiu-se que os mais jovens tinham

menos interesse em questões de classe ou mobilização social.

Participação

entidade social % 20 a 29 anos 30 a 39 anos 40 a 50 anos ou +

Sim 24 2% 15% 7%

Não 72 13% 35% 24%

Quadro 6: Cruzamento idade/participação em entidade social FONTE: Dados da Pesquisa

4% dos entrevistados não responderam.

Pode-se cogitar de alguns fatores para um índice tão elevado de não

participantes em entidades sociais. Um deles pode ser a percepção da decadência

em sindicatos de professores, embora a maior participação se concentre nesse item.

Apatia e descrença em possíveis mudanças também podem ser fatores de falta de

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145

participação.

Por se tratar de uma cidade jovem, com pouco mais de 40 anos de fundação,

os seus moradores eram, na sua maioria, originários de outros municípios, o que

pode indicar causa da baixa participação dos educadores nas entidades sociais.

4.1.2 Perfil das Escolas que Participam do Projeto

TABELA 19 LOCALIZAÇÃO DA ESCOLA

Localização da escola Freqüência Porcentagem

Não respondeu 3 7%

Zona urbana 43 94%

Zona rural 0 0%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

Gráfico 19: Localização da escola FONTE: Dados da Pesquisa

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146

Todas as escolas participantes do projeto localizavam-se na zona urbana do

município, por deliberação da empresa e da Secretaria Municipal de Educação,

conforme critérios de seleção pré-determinados. Somente uma escola estadual

participante do projeto estava localizada fora da cidade, mas no perímetro urbano de

um distrito municipal, não sendo o local caracterizado como zona rural.

A cidade tinha 25 mil habitantes e possuía algumas características peculiares:

Foi fundada no ano de 1964, sendo, portanto, muito recente. O seu crescimento

decorreu de dois fatores principais: uma represa e o Rio São Francisco, como fontes

de turismo e pesca e, ainda, a instalação da empresa X, fonte de empregos e

geradora de arrecadação fiscal para o município.

TABELA 20 NÍVEIS DE ENSINO OFERTADOS

Níveis de ensino ofertados Freqüência Porcentagem

Educação infantil 23 22%

Ensino fundamental - 1ª a 4ª série ou 1º ciclo 27 26%

Ensino fundamental - 5ª a 8ª série ou 2º ciclo 16 15%

Ensino fundamental - (1ª a 8ª série ou 1º e 2º ciclos) 12 12%

Ensino médio. 6 6%

Classes multisseriadas. 0 0%

Educação especial 2 2%

Educação de jovens e adultos 17 17%

Outros 0 0%

FONTE: Dados da Pesquisa

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147

Gráfico 20: Níveis de ensino ofertados FONTE: Dados da Pesquisa

A predominância de níveis de ensino ofertados pelas escolas participantes do

projeto era de 1º ciclo do ensino fundamental (26%) e infantil (22%). O EJA mostrava

o índice de 17%, e o 2º ciclo do ensino fundamental (5ª a 8ª séries) ocupava 15% do

ensino ofertado. Das escolas participantes, 6% ofereciam o ensino médio, e 2%,

ensino especial.

As escolas atendiam a diferentes níveis de escolarização, e as atividades

culturais foram abertas a todos os educadores, de todos os níveis. Percebeu-se que

as ações do projeto foram pulverizadas, em vez de direcionadas ao atendimento de

demandas específicas dos educadores de cada nível.

TABELA 21

INFRA-ESTRUTURA

Infra-estrutura Freqüência Porcentagem

Luz elétrica 45 98%

Esgoto e água tratada 44 96%

Linha telefônica 45 98%

Fossa séptica 1 2%

FONTE: Dados da Pesquisa

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148

Gráfico 21: Infra-estrutura FONTE: Dados da Pesquisa

Conforme dados da pesquisa, as condições de infra-estrutura básica das

escolas eram muito boas.

TABELA 22

RECURSOS DISPONÍVEIS

Recursos disponíveis na escola Freqüência Porcentagem

Acesso à internet para uso dos alunos. 0 0%

Acesso a computadores para uso dos professores. 25 12%

Acesso à internet para uso dos professores. 2 1%

Antena parabólica 6 3%

Aparelho de som. 40 19%

Biblioteca. 35 17%

Laboratório de Ciências. 4 2%

Laboratório de informática. 2 1%

Máquina copiadora. 2 1%

Retroprojetor. 11 5%

Televisão. 43 20%

Videocassete. 41 19%

Total 211 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

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149

Gráfico 22: Recursos disponíveis FONTE: Dados da Pesquisa

No aspecto dos recursos disponíveis, constatou-se uma situação precária,

pois faltavam laboratórios de Ciências e de Informática, não havia acesso à Internet,

e apenas 12% das escolas tinham computadores na secretaria. 19% das escolas

possuíam aparelho de som, índice indicador da insuficiência de recursos.

Esta realidade constatada na pesquisa era contraditória com a proposta do

Projeto de relacionamento com a comunidade, que distinguia a necessidade de

melhoria na infra-estrutura física, em seus pilares.

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150

4.1.3 Percepção do Projeto Pedagógico pelos Educado res

TABELA 23 EXPECTATIVA EM RELAÇÃO AO PROJETO

Expectativa em relação ao Projeto CRIAR Freqüência Porcentagem

Não respondeu 1 2%

Aprofundar seus conhecimentos pedagógicos e

melhorar sua prática docente. 41 89%

Ampliar sua participação em projetos de arte e

cultura 4 9%

Melhorar seu nível salarial. 0 0%

Ser mais valorizado socialmente. 0 0%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

Gráfico 23: Expectativa em relação ao projeto FONTE: Dados da Pesquisa

89% dos professores pesquisados responderam que a sua expectativa era

"aprofundar seus conhecimentos pedagógicos e melhorar sua pratica docente",

enquanto 9% declararam ser sua expectativa "ampliar sua participação em projetos

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151

de arte e cultura".

Este elevado índice de expectativa em relação ao projeto demonstrou que os

professores tinham desejo de melhorar a prática pedagógica, vinculando esta

melhoria à aquisição de mais conhecimentos, pressupondo-se que melhoria da

prática docente é igual a ter mais conhecimento.

TABELA 24 FREQÜÊNCIA DE APLICAÇÃO DAS ATIVIDADES ARTÍSTICAS

Freqüência de aplicação

das atividades da

escola

Sempre Algumas

vezes

Raras

vezes Nunca

Não

respondeu Total

1. Artes cênicas/teatrais 3 21 12 3 7 46

2. Artes Plásticas/visuais 11 13 4 9 9 46

3. Atividades

literárias/poesia 20 13 1 3 9 46

4. Dança 5 18 10 5 8 46

5. Gestão participativa 16 13 2 2 13 46

6. Música 23 13 0 2 8 46

FONTE: Dados da Pesquisa

TABELA 24.1 FREQÜÊNCIA DE APLICAÇÃO DAS ATIVIDADES ARTÍSTICAS

Freqüência de

aplicação das

atividades da escola

Sempre Algumas

vezes

Raras

vezes Nunca

Não

respondeu Total

1. Artes cênicas/teatrais 7% 45% 26% 7% 15% 100%

2. Artes

Plásticas/visuais 23% 28% 9% 20% 20% 100%

3. Atividades

literárias/poesia 43% 28% 2% 7% 20% 100%

4. Dança 11% 39% 21% 11% 18% 100%

5. Gestão participativa 36% 28% 4% 4% 28% 100%

6. Música 50% 28% 0% 4% 18% 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

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152

Gráfico 24: Freqüência de aplicação das atividades artísticas FONTE: Dados da Pesquisa

Gráfico demonstrativo da freqüência de aplicação das atividades artísticas, no

cotidiano escolar.

Gráfico 24,1: Artes Cênicas/teatrais Gráfico 24.2: Artes plásticas/visuais FONTE: Dados da Pesquisa FONTE: Dados da Pesquisa

Gráfico 24.3: Atividades literárias/poesia Gráfico 24.4: Dança FONTE: Dados da Pesquisa FONTE: Dados da Pesquisa

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153

Gráfico 24.5: Gestão participativa Gráfico 24.6: Música FONTE: Dados da Pesquisa FONTE: Dados da Pesquisa

Os gráficos acima apresentam desdobramentos do gráfico 24, para

proporcionar uma análise mais detalhada da freqüência de aplicação das atividades

artísticas no cotidiano escolar.

A freqüência de aplicação das atividades do projeto em sala de aula

demonstrou um bom índice de aproveitamento das ações oferecidas, sendo

priorizadas as seguintes áreas:

Aplicam sempre e algumas vezes:

Música = 50% e 28%.

Atividades literárias/poesia = 43% e 28%.

Gestão participativa = 36% e 28%.

Artes plásticas/visuais = 23% e 28%..

Literatura e poesia incorporaram as atividades do projeto Caravana Poética,

um dos incentivados pela empresa LÓTUS, assim como a área de artes plásticas e

música.

Gestão participativa fez parte da orientação do Projeto CRIAR aos

educadores, como meio de facilitar a implantação das atividades culturais nas

escolas.

As atividades que indicaram menor índice em raras vezes e nunca, foram

música, gestão participativa e literatura/poesia, apontando, respectivamente, de 0%

e 4%, 4% e 4% e 2% e 7%, o que confirmou a escolha destas como atividades mais

aplicadas no cotidiano escolar.

Apresentaram consideráveis índices de aplicação das atividades,

respectivamente, dança, com 39% algumas vezes e 21% raras vezes e artes

cênicas/teatrais com 45% algumas vezes e 26% raras vezes.

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154

TABELA 25 IMPORTÂNCIA DAS AÇÕES DE ARTE-EDUCAÇÃO PARA O

DESENVOLVIMENTO PESSOAL E PRÁTICA DOCENTE DO PROFES SOR

Importância das ações de arte educação Freqüência Porcentagem

Não respondeu 5 11%

Arte na Infância 3 7%

Contação de Histórias* 10 22%

Colcha de retalhos* 10 22%

Aruanda (Dança folclórica) 7 15%

Patati e Patatá (Teatro de bonecos) 9 19%

Oficina de expressão poética* 0 0%

Brincadeiras cantadas* 1 2%

Projeto Mural* 1 2%

UAKTI (percussão) 0 0%

Andante 0 0%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

(*) Oficinas integrantes do Projeto Caravana Poética

Gráfico 25: Importância das ações de arte-educação para o desenvolvimento pessoal e prática

docente do professor FONTE: Dados da Pesquisa

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155

As ações de Arte-educação mais indicadas pelo grau de importância para o

desenvolvimento pessoal e prática docente do professor foram Contação de histórias

(intervenção ludo-cultural), com 22%, e Colcha de retalhos (artes integradas), com

22%, Patati & Patatá (teatro de bonecos), com 19% e Aruanda (danças folclóricas),

com 15% das preferências.

Gestão participativa foi um programa inserido no Projeto CRIAR, com a

finalidade de orientar os educadores, na implementação das atividades culturais nas

suas escolas.

O grupo de percussão Uakti e Grupo de teatro Andante ainda não tinham

desenvolvido as suas oficinas no período inicial da pesquisa, razão pela qual não

foram indicados, neste item do questionário, mas eles apareceram nas falas dos

educadores entrevistados mais tarde.

TABELA 26 AVALIAÇÃO DAS AÇÕES DE ACOMPANHAMENTO DO CONSULTOR

Avaliação das ações de acompanhamento do

consultor Freqüência Porcentagem

Não respondeu 1 2%

Muito necessário 16 35%

Necessário 27 59%

Pouco necessário 2 4%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

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156

Gráfico 26: Avaliação das ações de acompanhamento do consultor FONTE: Dados da Pesquisa

Enquanto 35% dos educadores pesquisados julgaram ser muito necessárias

as ações de acompanhamento às escolas, e apenas 4% disseram ser pouco

necessário o acompanhamento, 59% declararam ser necessárias as ações de

acompanhamento para implantação do projeto. Este resultado denotou a segurança

do professor com apoio da consultoria, para implantação do projeto na escola.

TABELA 27 CONSULTA DA EMPRESA SOBRE OS PROJETOS MAIS NECESSÁR IOS A SUA

ESCOLA

Consulta da empresa sobre os projetos mais

necessários a escola Freqüência Porcentagem

Não respondeu 4 9%

Sim 14 30%

Não 28 61%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

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Gráfico 27: Consulta da empresa sobre os projetos mais necessários a sua escola FONTE: Dados da Pesquisa

30% disseram terem sido consultados, enquanto 61% declararam que não

houve consulta a eles.

Houve manifestação da empresa em consultar os educadores, mas não

atingiu a todos, o que representou uma grande falha na comunicação. Conclui-se

que 61% não foram ouvidos sobre o que queriam.

TABELA 28 MUDANÇA DA PRÁTICA PEDAGÓGICA

Mudança na prática pedagógica Freqüência Porcentagem

Não respondeu 2 4%

Muita 14 31%

Media 25 54%

Pouca 4 9%

Nenhuma 1 2%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

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Gráfico 28: Mudança da prática pedagógica FONTE: Dados da Pesquisa

31% dos pesquisados disseram que houve muita mudança na sua prática

pedagógica, em decorrência do Projeto CRIAR, enquanto 54% classificaram como

média a mudança e 9% identificaram pouca mudança na sua prática.

Não houve unanimidade na avaliação como tendo muita eficiência. Média

eficiência significa que talvez as atividades oferecidas não correspondessem às

demandas dos educadores.

TABELA 29 IDENTIFICAÇÃO DAS MUDANÇAS NA SALA DE AULA A PARTIR DAS

ATIVIDADES DE ARTE-EDUCAÇÃO

Percepção de mudanças no cotidiano da sala de

aula Freqüência Porcentagem

Não respondeu 2 4%

Aprimoramento do processo ensino-aprendizagem 10 22%

Criatividade na prática pedagógica 15 32%

Melhoria da comunicação com os alunos 10 22%

Melhoria da disciplina do aluno 3 7%

Utilização de recursos artísticos 6 13%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

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Gráfico 29: Identificação das mudanças na sala de aula a partir das atividades de arte-educação FONTE: Dados da Pesquisa

As mudanças no cotidiano da sala de aula, indicadas pelos professores, se

distribuíram da seguinte forma:

Criatividade na prática pedagógica: 32%.

Aprimoramento do processo ensino-aprendizagem: 22%.

Melhoria da comunicação com os alunos: 22%.

Utilização de recursos artísticos: 13%.

Melhoria da disciplina do aluno: 7%.

Não responderam: apenas 4%.

Se a expectativa dos educadores era "aprofundar seus conhecimentos

pedagógicos e melhorar sua prática docente", o projeto cumpriu os seus objetivos,

considerando que todos os pesquisados indicaram uma série de mudanças que

influíram na sua prática docente.

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160

TABELA 30 APLICAÇÃO DAS ATIVIDADES

Aplicação das atividades Freqüência Porcentagem

Não respondeu 2 4%

Nos planos de aula diários 9 19%

Nos projetos interdisciplinares 16 35%

Nas aulas de Arte 16 35%

Nas aulas de Educação Física 3 7%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

Gráfico 30: Aplicação das atividades FONTE: Dados da Pesquisa

35% dos professores declararam utilizar as atividades nos projetos

interdisciplinares, e outros 35%, nas aulas de arte, enquanto 19% aplicam nos

planos de aula diários, e 7%, nas aulas de educação física.

O direcionamento das atividades de Arte-educação demonstrou uma

coerência com as orientações das oficinas, que colocaram ênfase em

interdisciplinaridade e arte. A aplicação nos planos diários, apesar do índice de 19%,

mostra um entendimento da proposta de utilização das atividades no dia-a-dia da

sala de aula.

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TABELA 31 INDICAÇÃO DE PROBLEMAS EXISTENTES NA ESCOLA

Indicação de problemas mais graves na escola Freqüência Porcentagem

Não respondeu 4 9%

Atitudes de agressão e violência 10 22%

Baixa qualidade do ensino 3 7%

Gravidez na adolescência 1 2%

Situação sócio-econômica dos alunos 27 58%

Uso de drogas 1 2%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

Gráfico 31: Indicação de problemas existentes na escola FONTE: Dados da Pesquisa

58% das respostas indicaram como o problema mais grave na escola “a

situação sócio-econômica dos alunos”; 22% indicaram “atitudes de agressão e

violência”, enquanto 9% não responderam, 7% citaram “a baixa qualidade do ensino”

e os 4% das respostas restantes foram igualmente distribuídas: 2% responderam

“gravidez na adolescência” e 2% “uso de drogas”.

Os professores tenderam a indicar problemas externos e não a qualidade do

ensino, pois isto significaria responsabilizá-los pelos problemas dos alunos.

Vale analisar que o objetivo da empresa de melhorar a qualidade do ensino

não correspondeu, segundo a indicação da gravidade dos problemas existentes na

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162

escola, às maiores necessidades da comunidade escolar percebidas pelos

professores.

TABELA 32 ASPECTO MAIS FRÁGIL DA ESCOLA, COM NECESSIDADE DE M ELHORIA

Aspecto frágil da escola com necessidade de

melhoria Freqüência Porcentagem

Não respondeu 4 9%

Biblioteca 10 22%

Conteúdos e práticas de ensino 2 4%

Corpo docente 1 2%

Equipamentos e material didático 7 15%

Espaços de lazer 22 48%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

Gráfico 32: Aspecto mais frágil da escola, com necessidade de melhoria FONTE: Dados da Pesquisa

A necessidade de espaço de lazer ocupa 48% das indicações de aspecto

frágil da escola, e 22% se referem à biblioteca. 15% indicaram falta de equipamentos

e material didático, enquanto 9% deixaram o item sem resposta. 4% consideraram

“conteúdos e práticas de ensino” e apenas 2%, “corpo docente”.

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163

Concluiu-se que necessidade de capacitação na formação docente pareceu

não representar, para os professores, fator relevante nas ações de melhoria.

TABELA 33 OBJETIVOS DAS AÇÕES DE RESPONSABILIDADE SOCIAL DA E MPRESA

Objetivos das ações de responsabilidade social da

empresa Freqüência Porcentagem

Não respondeu 2 4%

Estimular atividades culturais e artísticas na escola 22 48%

Incentivar a qualidade do ensino público 15 32%

Melhorar a imagem da empresa 1 2%

Preparar futuros empregados 0 0%

Preservar os valores culturais da comunidade 3 7%

Resolver problemas sociais da comunidade 3 7%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

Gráfico 33: Objetivos das ações de responsabilidade social da empresa FONTE: Dados da Pesquisa

A percepção que os professores demonstraram ter do objetivo das ações de

responsabilidade social da empresa se concentraram em dois itens representativos,

sendo 48% “estimular atividades culturais e artísticas na escola” e 32% “incentivar a

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164

qualidade do ensino público”. 14% foram distribuídos igualmente entre os itens

“preservar os valores culturais da comunidade” (7%) e “resolver problemas sociais

da comunidade” (7%).

48% dos entrevistados identificaram cultura e arte como objetivos da

responsabilidade social da empresa; 32% reconheceram o incentivo à qualidade do

ensino, o que não exclui a atividade cultural. 7% indicaram como objetivo preservar

valores culturais, significando o reconhecimento da matriz cultural.

Curiosamente, apenas 2% das respostas indicaram “melhorar a imagem da

empresa” como objetivo da responsabilidade social.

Os objetivos das ações da empresa se configuraram, pois as finalidades

propostas pela empresa foram percebidas pelos educadores.

TABELA 34 PRINCIPAL ASPECTO NÃO CONTEMPLADO E

QUE DEVERIA SER ALVO DE ATENÇÃO

Principal aspecto não contemplado e que

deveria ser alvo de atenção Freqüência Porcentagem

Não respondeu 6 13%

Cultura afro-brasileira 2 4%

Cultura indígena 3 7%

Orientações sexuais 33 72%

Valorização e emancipação feminina 2 4%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

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Gráfico 34: Principal aspecto não contemplado e que deveria ser alvo de atenção FONTE: Dados da Pesquisa

O aspecto mais indicado foi “Orientações sexuais”, por 72% dos educadores,

enquanto 13% não responderam. “Cultura indígena” teve o índice de 7% das

respostas, enquanto o aspecto “Cultura afro-brasileira” teve um índice de 4%, e

“Valorização e emancipação feminina”,4% também.

“Orientações sexuais” não foi um aspecto contemplado nas ações do projeto

CRIAR, mas os professores não foram consultados previamente. Concluiu-se que

não houve cuidado da empresa em identificar as necessidades da comunidade

escolar, para a escolha de projetos que seriam incentivados.

TABELA 35 VALORIZAÇÃO DOS COSTUMES, DAS DANÇAS, DAS MÚSICAS E FESTAS

LOCAIS

Valorização dos costumes, das danças, das

músicas e festas locais Freqüência Porcentagem

Não respondeu 6 13%

Não 3 7%

Sim 37 80%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

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Gráfico 35: Valorização dos costumes, das danças, das músicas e festas locais FONTE: Dados da Pesquisa

TABELA 35.1 VALORIZAÇÃO DOS COSTUMES, DAS DANÇAS, DAS MÚSICAS E FESTAS

LOCAIS

Valorização dos costumes, das danças, das

músicas e festas locais Freqüência Porcentagem

Sem justificativa 12 32%

Valorização da Cultura Popular 17 46%

Valorização da literatura de Guimarães Rosa 4 11%

Grupo Aruanda 4 11%

Total 37 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

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Gráfico 35.1: Valorização dos costumes, das danças, das músicas e festas locais FONTE: Dados da Pesquisa

80% dos respondentes disseram sim, e 7% responderam que o projeto

CRIAR não valorizou a cultura local.

Desses 80% que reconheceram a valorização da cultura local pelo projeto,

36% disseram que o projeto CRIAR “valoriza a cultura popular” , 9% reconheceram a

“valorização da literatura de Guimarães Rosa”, e mais 9% citaram o “Grupo folclórico

Aruanda” como prova da valorização das danças. 13% não responderam, e 7%

afirmaram que o projeto não valorizou a cultura da comunidade.

Concluiu-se que 80% dos educadores entrevistados reconheceram que o

projeto valorizou a cultura, os costumes, danças e festas da comunidade.

TABELA 36 AVALIAÇÃO DO PROJETO CRIAR

Avaliação do projeto CRIAR Freqüência Porcentagem

Não respondeu 1 2%

Muito bom 15 32%

Bom 26 57%

Razoável 3 7%

Fraco 1 2%

Total 46 100%

FONTE: Dados da Pesquisa

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Gráfico 36: Avaliação do projeto Criar FONTE: Dados da Pesquisa

Os dados mostram que 57%dos professores avaliaram o Projeto CRIAR como

um bom projeto e 32%, muito bom, enquanto 7% disseram ser razoável. 2% não

responderam e ainda 2% julgam o projeto como fraco.

4.2 Percepção dos Docentes sobre o Projeto CRIAR

4.2.1 Respostas das Entrevistas

Baseados na fundamentação teórica que teve como foco da análise as

abordagens sobre a responsabilidade social, o marco legal de incentivo cultural,

conceitos e finalidade da Arte-educação, delinearam-se os tópicos referenciais das

entrevistas com a finalidade de investigar a percepção dos educadores, quanto à

importância do projeto para o seu desenvolvimento cultural e sua prática docente.

Entrevistas semi-estruturadas constituíram um referencial para análise do

significado das ações de responsabilidade social percebido pelos participantes do

projeto CRIAR e se nortearam pelo seguinte roteiro:

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1. Objetivo da responsabilidade social empresarial.

2. Percepção dos objetivos do projeto CRIAR.

3. O significado de Arte-educação na percepção do atores envolvidos no

projeto CRIAR.

4. As leis de incentivo à cultura na visão dos empreendedores culturais.

5. Percepção sobre o projeto CRIAR – ações e resultados.

Foram efetuados contatos com os diretores das instituições escolares, com

vistas ao delineamento efetivo do conjunto de atores a serem entrevistados e, em

seguida, iniciou-se o trabalho com dez educadores de atuações diferenciadas no

segmento escolar. Foram selecionadas três entrevistas mais significativas dentro

dos objetivos da pesquisa, realizadas com 1(um) diretor de escola de ensino

fundamental, 1(um) professor de ensino médio e 1(uma) professora de escola

especial da APAE.

Conforme determinado no projeto de pesquisa, foram também entrevistados

outros profissionais envolvidos no projeto CRIAR, no período compreendido entre os

anos de 2003 e 2005.

Finalmente, selecionou-se o total de sete entrevistas para análise, sendo elas

representativas de todos os segmentos envolvidos no processo de desenvolvimento

do projeto CRIAR. O conjunto dos atores entrevistados13 foi composto, então, dos

três educadores, de uma coordenadora da área de comunicação da empresa

LÓTUS, responsável pelos programas de relacionamento com a comunidade e,

ainda, de três empreendedores culturais, que participaram com projetos de Arte-

educação, e também na função de facilitadores de oficinas. O critério de escolha

desses empreendedores justificou-se pela importância da posição de suas propostas

no projeto CRIAR, indicada em respostas nos questionários.

Após realização das entrevistas, processou-se um estudo de caso alicerçado

na análise da implementação do projeto CRIAR, na perspectiva dos professores e

dos empreendedores culturais envolvidos, e na percepção de uma representante da

empresa.

13 ATORES ENTREVISTADOS - Todos os entrevistados têm nomes fictícios neste trabalho. Os

empreendedores entrevistados, com citações neste trabalho, podem ser identificados como: ELTON, EFO (Empreendedor e Facilitador de Oficina); CLÁÚDIA, EFO (Empreendedora e Facilitadora de Oficina) e CAROL, ECP, (Empreendedora Cultural/Proponente de Projeto).

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Para esta compreensão, foi considerada a função unificadora de um sujeito,

pois “as diversas modalidades enunciativas manifestam a dispersão deste sujeito;

para estatutos diversos, lugares diversos, posições diversas que ele possa ocupar,

ou lhe ser atribuídos, quando faz um discurso.” Foucault (1987, p.61).

Com a finalidade de avaliar as diversas formas de expressão que compõem o

quadro teórico da construção do objeto, no seu aspecto da construção discursiva,

pretendeu-se enfatizar o “como” o objeto é tratado e tentar identificar as

diversificadas percepções e/ou que tipos de interesses ou necessidades congregam

estas formas em relação umas com as outras.

Diante destas premissas, podem-se extrair algumas observações analíticas

sobre as falas na pesquisa, considerando como os diferenciados atores/sujeitos -

que pensam de um lugar específico, de uma formação determinada - percebem os

objetos em questão.

“O preenchimento desse lugar pode modalizar o objeto de modo diferente:

uma modalidade assertiva, uma modalidade especulativa, uma modalidade crítica,

etc.” (MARI, 2005)

Respondendo sobre o objetivo da responsabilidade social, Ilma

(coordenadora de comunicação empresarial da empresa LÓTUS) fala do seu lugar

institucional, quando expressa que “o grande objetivo é suprir necessidades que

existem nas comunidades”, o que supõe uma deficiência que a comunidade parece

ter, e a representante da empresa se coloca na posição de dar conta do problema.

Os outros entrevistados apontam para coisas um pouco diferentes, supondo

um teor menos autoritário nos seus enunciados: Mauro, diretor de escola, diz que o

objetivo da responsabilidade social "deve ser de realmente poder ajudar instituições

locais ou pessoas que desenvolvam trabalhos de qualidade...”. Já Lúcio, o professor

de ensino médio, diz acreditar que o objetivo da responsabilidade social de uma

empresa “reside no amparo ao desenvolvimento da comunidade”. Confirma unidade

de pensamento entre os educadores a fala de Marli, professora de ensino especial:

“eu penso que o objetivo da responsabilidade social das empresas é auxiliar as

comunidades, onde elas pertencem”. As expressões ajudar, contribuir, amparar têm

um claro significado filantrópico.

Entre os empreendedores culturais entrevistados, que desenvolveram

projetos de Arte-educação, encontram-se percepções diversificadas. Para Carol, o

objetivo da responsabilidade social é “fazer ações que possam melhorar a qualidade

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de vida das pessoas que trabalham pra você, tanto na questão da empresa, como

na questão da pessoa... Eu, como proponente de projeto, por exemplo, me incluo

nessa questão”, enfatiza a proponente de projetos culturais.

Na condição de empreendedora cultural, Carol parece se revestir de

responsabilidade por melhorias profissionais e sociais, através dos trabalhos

artísticos que realiza.

Presencia-se, hoje, grande reconhecimento de que a vivência da arte e da

cultura funciona como articulação de identidades e referência na elaboração de

projetos de vida individuais e coletivos, além de ser meio de intervenção do indivíduo

na sociedade, constituindo-se como uma forma própria de participação social.

Ilma, no lugar da empresa LÓTUS, refere-se ao “entorno”, como foco dos

objetivos da empresa. Igualmente a Carol coloca-se no papel de assumir a

responsabilidade social, dizendo que “todos nós somos responsáveis pelo caminho

que a gente vai dar para a vida das pessoas”, como se a empresa tivesse o poder

de resolver os problemas da comunidade.

O empreendedor cultural Elton se coloca em um posicionamento crítico e de

generalização, dizendo que,

[...] quando propõe realizar ações de responsabilidade social, a empresa acaba entrando num território de contradições, nos seus próprios objetivos, nos seus próprios métodos, e confronta, muitas vezes, com questões da responsabilidade, do social e aborda já o território da afetividade, dos anseios, dos desejos, dos medos, das glórias, etc. Eu acho que são territórios bastante diferentes e penso que a empresa hoje exerce ou tenta exercer esse papel por sobre a pressão, para obter certificações. (ELTON, EFO)

Cláudia esclarece na sua fala que responsabilidade social é um retorno e, ao

mesmo tempo, um benefício em mão dupla. Ela enfatiza que “de uns tempos pra cá

este trabalho social é uma das respostas melhores para o contato de empresas e

comunidades”. A entrevistada se coloca no lugar do artista que é mediador de tais

benefícios ou “respostas melhores”, e avança a sua percepção quanto ao papel da

responsabilidade social, acreditando ser “o caminho e a solução de muitos

problemas que a gente vem atendendo, principalmente enquanto o governo às

vezes não atende alguma coisa e o privado entra para ajudar”. (CLÁUDIA, EFO)

A entrevistada Marli, professora da Apae, tem expressão semelhante à de

Cláudia, em relação ao papel do Estado, quando justifica a importância da

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participação da empresa: “Porque se a gente for esperar somente dos governantes,

a gente não vai conseguir auxílio nenhum”. (MARLI, PEE)

Estas percepções são discutidas por SOUSA (2000, p.182), que destaca o

pragmatismo nelas existente afirmando que “há um reconhecimento de que o poder

público não dá conta de cumprir as responsabilidades que lhe cabem, e uma ‘saída’,

não ‘solução’, que se apresenta, é a busca de alternativas para suprir necessidades

de forma mais ágil, dentre as quais a parceria com empresas”.

Quanto ao significado da inserção da empresa na escola como alternativa

para melhoria do ensino público, as opiniões de representantes de empresas e

diretores de escolas, conforme pesquisa realizada por Sousa, em São Paulo,

tendem a destacar um ponto comum: o entendimento de que a parceria não é

solução para resolver o quadro de carências em que se encontra o ensino público,

“constituindo-se numa prática que pode amenizar tal situação, com caráter de

suplementação ou complementação à ação do Estado” (Souza, 1996), o que está

implícito nas falas de alguns entrevistados na presente pesquisa.

Os discursos dos entrevistados apontam para uma situação de ambigüidade,

sob o ponto de vista conceitual e também prático, em relação à proposta da empresa

para realização de ações de responsabilidade social.

Para efeito de organização das percepções dos atores da pesquisa, em

relação ao projeto CRIAR, inserido no programa de responsabilidade social da

empresa LÓTUS, definiram-se algumas categorias para a análise da

Responsabilidade Social, como:

Estratégia empresarial; Imagem; Atendimento ao entorno; Formação de

futuros funcionários; Perspectiva assistencialista; Significados da Arte-educação –

função didático-pedagógica e multicultural; Representação do projeto CRIAR como

cultura; Visão das Leis de Incentivo à Cultura; Avaliação do projeto CRIAR –

processo e resultados.

a) ESTRATÉGIA EMPRESARIAL

Elton diz pensar que,

[...] a empresa hoje exerce ou tenta exercer esse papel por sobre a pressão, para se ter na frente o certificado de ISO, para ela poder vender o seu produto no mercado mundial. [...] a sua motivação é vender seu produto no mercado mundial. (ELTON, EFO).

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A fala do entrevistado faz aflorar a sua percepção das ações de

responsabilidade social como sendo pura estratégia empresarial.

Cláudia apresenta um discurso crítico, quando diz:

Essa coisa é uma faca de dois gumes, porque aí tem um outro lado da empresa que patrocina, mas que a gente percebe que não está com os olhos preocupados com a cultura, principalmente com o segmento da cultura. Às vezes num ano ela patrocina um projeto, no outro ano patrocina outro, que não tem nada a ver... depois outro e não há continuidade. Como se a comunidade em que elas atuam fosse como um... balde que ela vai jogando migalhas assim: toma essa migalha de teatro, agora toma esse evento na área da música... agora outro [...] E como se dissessem: ‘Estamos dando’. Dá e não dá, porque o dinheiro é de imposto [...] (CLÁUDIA, EFO).

b) VALORIZAÇÃO DA IMAGEM

Dos educadores entrevistados, dois deles se referem à questão da imagem

institucional, apresentando percepções diferenciadas sobre a motivação da empresa

em se preocupar com sua imagem na comunidade:

Eu acredito que o objetivo da empresa seja na questão de melhoramento da sua imagem perante a comunidade local, sobretudo isto. Deve haver também a questão de preocupar um pouco com a comunidade, mas sobretudo em melhorar a sua imagem, quem sabe até aperfeiçoar a sua imagem perante a comunidade local. (LÚCIO, PEM).

Mauro faz uma crítica à ausência de representantes da empresa nos eventos

relacionados ao projeto CRIAR, quando diz que,

[...] a empresa é muito ausente nestes projetos que ela mesma propõe. Parece que nem tem interesse em divulgar o seu nome, porque o que as escolas progrediram foi bem significativo e ela não usa isto para seu marketing [...] Não sei por que [...] (MAURO, DEF).

Nas duas falas, percebe-se um tom de denúncia de imagem da empresa

desgastada diante da comunidade.

A fala de Carol critica a falta de divulgação do projeto CRIAR na comunidade

e denuncia o interesse da empresa em divulgar a sua imagem de forma mais ampla,

para os concorrentes, quando expressa:

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Quanto à inserção da empresa LÓTUS com responsabilidade social, ela aparece e divulga o seu trabalho, principalmente para as outras empresas, fora da comunidade onde ela atua. Tenho notícias de inserção de fotos do projeto CRIAR em publicações da empresa, em São Paulo. Então, ela divulga lá fora, como um programa dela. Isto é complicado, porque as pessoas fazem o programa acontecer e não estão sendo citadas. Têm que ser citadas, há que se dar crédito... Acho então, que principalmente para ela mostrar para as outras empresas, ela está conseguindo bem. (CAROL, ECP).

Percebe-se aí um discurso do ator que se crê injustiçado, de denúncia por

usurpação de crédito de seu projeto artístico desenvolvido na comunidade.

c) ÊNFASE NO ATENDIMENTO AO ENTORNO

Percebe-se na fala da Ilma que o atendimento ao entorno constitui atitude

compensatória da empresa, que explora o ambiente em que se instala, com fins de

lucratividade.

Agora, falando enquanto empresa, falando em nome de uma atuação em responsabilidade social empresarial, eu acredito que o grande objetivo é suprir necessidades, que existem nas comunidades, que existem no entorno onde as empresas atuam, porque ali elas se instalam, se beneficiam de tudo que há para a lucratividade da empresa, e ela tem que deixar alguma coisa em troca, tem que exercer o seu papel social para as pessoas que ali vivem, para as pessoas que ali estão construindo suas vidas. (ILMA, RCE).

Claúdia enfatiza que, uma vez que a empresa se instalou em determinada

região, ela deveria dar o retorno para a comunidade, “enquanto está obtendo

recursos em prol de manufaturados, retirando alguma coisa da região”. A

entrevistada complementa que “responsabilidade social é um retorno específico para

o bem social comum”.

A entrevistada complementa dizendo:

Para mim a solução seria a comunidade cobrar, exigir e não passar como se a empresa fosse a benfeitora. Seria a comunidade dizer: para vocês ficarem aqui, nós queremos isso, isso e isso. Mas não é assim que acontece. A nossa cultura é de submissão, do receber. É muito complicado. (CLÁUDIA, ECP).

Na opinião de Carol - que justifica a ênfase no entorno, por parte da empresa

- responsabilidade social significa ter os olhos voltados para ações amplas, que

envolvam não somente as questões pessoais, comerciais, institucionais, “como a

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questão do entorno, principalmente do entorno”. A fala da entrevistada sugere que a

comunidade precisa ser vista pela empresa. Ela enfatiza que responsabilidade social

é,

[...] fazer ações que possam melhorar a qualidade de vida das pessoas [...] É proporcionar melhorias básicas, proporcionar dignidade, é proporcionar condições de trabalho. E transformar a realidade ao seu redor, de uma forma positiva. (CAROL, ECP).

Marli, a professora de escola especial, entende as ações de responsabilidade

social da empresa como contrapartida pelo uso do espaço físico e social do

município, justificando: “[...] porque a empresa vive, utiliza, usa a comunidade onde

está”.

Tanto Ilma, quanto Cláudia, de modo mais crítico, justificam explicitamente

nas suas falas que as ações de responsabilidade social da empresa representam

contrapartida pelo que “ela usa da comunidade”, e todos os outros entrevistados

deixam isto implícito nas entrelinhas dos seus discursos, referindo-se à apropriação

do local onde a empresa se instala, que deverá ser revertida em benefícios para o

entorno, para a comunidade.

d) FORMAÇÃO DE FUTUROS FUNCIONÁRIOS

Observa-se unidade discursiva entre Ilma, a representante da empresa

LÓTUS e Mauro, o diretor de escola, quando se referem ao aprimoramento do

estudo e desempenho escolar para os filhos dos funcionários, que poderão ser

futuros funcionários da empresa, embora haja grande diferenciação nas

modalidades enunciativas, pelo lugar que cada entrevistado ocupa, na comunidade.

Ilma é enfática em colocar a empresa na posição de poder, como o de

interferência no ensino público, quando diz:

Existe o retorno da empresa para os seus funcionários, através de seus filhos nas escolas, aprimorando o estudo, buscando eficiência no ensino público. Eles poderão ser futuros funcionários da empresa. Então, conseqüentemente, essas crianças, esses adolescentes são potenciais para estarem inseridos na fábrica, como funcionários. Sem dúvida, a empresa se beneficiará disso, buscando uma melhor educação para os adolescentes hoje, com certeza ela se beneficiará disso. Mas isso é uma conseqüência. (MAURO, Diretor de escola).

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A fala de Ilma traduz o investimento em responsabilidade social, como um

movimento estratégico de conseqüente retorno.

Mauro, por sua vez, expressa de forma quase subalterna que,

[...] é importante e necessário que as empresas ajudem as escolas, para que as mesmas possam estimular o desempenho dos filhos dos profissionais da própria empresa, que provavelmente serão futuros funcionários. (Mauro, Diretor de escola).

Outros aspectos poderiam ser analisados nesta categoria, considerando o

retorno que a empresa espera do seu investimento em educação. Os dois

entrevistados colocam a intervenção na comunidade em termos de um investimento

para a mão-de-obra da própria empresa.

Pode-se observar que, para a empresa, é mais econômico absorver mão-de-

obra local, o que justifica o seu discurso em melhorias na área educacional.

e) PERSPECTIVA ASSISTENCIALISTA

Para o total dos entrevistados, parece quase unânime a visão que têm da

responsabilidade social da empresa, numa perspectiva assistencialista, quando

utilizam as expressões ajudar, auxiliar, ser amparo, suprir necessidades, como seu

objetivo principal, conforme as suas falas:

“É importante e necessário que as empresas ajudem as escolas”.(MAURO,

DEF)

“O objetivo da responsabilidade social reside no amparo ao desenvolvimento

[...] sem tentar atingir algum objetivo mirabolante, mas que tenha ênfase em tentar

ajudar aquela comunidade, onde ela se instala, em qualquer aspecto” (LÚCIO,

PEM).

“[...] é auxiliar a comunidade onde ela pertence” (MARLI, PEE).

“[...] suprir necessidades que existem na comunidade” (ILMA, RCE).

O lugar de onde fala a entrevistada deixa clara a posição de poder da

empresa, diante do objetivo da responsabilidade social, colocado por ela, que vai

muito além da visão dos outros entrevistados, na posição de assistidos pela

empresa.

“Se o sentido de uma palavra é determinado pelas posições ideológicas

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daqueles que as enunciam e os sentidos extraem a sua materialidade da ideologia”

(MARI, 2005), observa-se coerência no discurso da representante da empresa,

demarcando pontos de incompatibilidade, quando diz que,

[...] o foco da responsabilidade social é estreitar o relacionamento com a comunidade, enquanto todos os outros entrevistados falam que a empresa é muito ausente [...], falta de comunicação..., precisa ter calma na hora de querer resultados [...], não está preparada [...] (ILMA, RCE)

Os outros entrevistados pensam de forma um tanto diferente e essa

diferenciação continua mostrando a forma ideológica como a entrevistada que

representa a empresa se relaciona com o objeto em questão.

4.3 Perspectivas da Arte-Educação: Função Didático- Pedagógica e Multicultural

A seguir serão analisadas as percepções dos entrevistados sobre o projeto

CRIAR que, em sua implementação, focalizou atividades de expressões artísticas,

destacando-se a dança, a música, o teatro de bonecos, a poesia, o desenho e artes

plásticas.

O texto que fundamenta o projeto CRIAR, da empresa LÓTUS, esclarece que,

conforme necessidades levantadas junto à comunidade educacional, foram definidos

alguns pilares norteadores das ações de responsabilidade social, dentre os quais se

destaca o pilar “Educando com Arte”, que propõe, “levar atividades culturais e

lúdicas para as escolas, buscando oportunidade para a comunidade escolar,

focando também a capacitação dos professores, alunos e multiplicadores, através de

oficinas culturais”. O objetivo desse pilar, conforme enfatizado no documento do

referido projeto, é “colaborar para o aprendizado dos alunos e professores,

propiciando um crescimento pessoal e cultural”.

O trabalho de pesquisa pretendeu buscar respostas para a indagação acerca

da eficácia dos projetos de Arte-educação patrocinados pela empresa LÓTUS, no

sentido de promover alfabetização cultural de professores e alunos, dentro de uma

visão multicultural.

A “Proposta Triangular” para o ensino da Arte defendida por Ana Mae

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Barbosa é uma forma de “leitura” artística, cujo encaminhamento pedagógico-

artístico tem por premissa básica a integração do fazer artístico, da apreciação da

obra de arte e sua contextualização histórica.

É oportuno salientar que Barbosa (1998, p.92) defende que “a palavra ‘leitura’

sugere uma interpretação para a qual colaboram: uma gramática, uma sintaxe, um

campo de sentido decodificável e a poética pessoal do decodificador”.

Incentivado pela empresa LÓTUS,o projeto Caravana Poética, integrante do

Projeto CRIAR, foi o que mais se aproximou da metodologia de Barbosa,

especialmente a oficina de Expressão Poética. O objeto de ‘leitura’ compunha-se de

poemas, que, passados pelo processo de audição e interpretação, se transformavam

em referências para as criações pessoais, que seriam o objeto decodificado e

contextualizado na experiência pessoal do professor. O mesmo processo foi

transferido para as salas de aula, pelas mãos dos professores que participaram das

oficinas. Significativo número de professores entrevistados apontou o estímulo à

expressão poética como fator de melhoria da aprendizagem e da auto-estima dos

alunos, que a partir dela, desencadearam a alfabetização e o gosto pela leitura.

O projeto Mural, oficina de artes integradas, que privilegia uma pintura

figurativa-abstrata, teve seu processo metodológico aproximado da Proposta

Triangular, embora numa dinâmica inversa, “mas muito rica, na medida da

possibilidade de criação, apreciação e leitura da obra produzida pelos próprios

alunos/professores”, conforme depoimentos de Carol, a proponente da Caravana

Poética.

Buscou-se identificar o significado da Arte-educação na expressão dos

entrevistados e que contribuições trazem as ações do projeto CRIAR para a

educação escolar, sob vários aspetos, conforme análises a seguir:

Ilma, representante da empresa LÓTUS, se posiciona de forma crítica em

relação à escola tradicional, dizendo que,

[...] a escola tradicional, principalmente à escola pública não reconhece a cultura na educação, ainda. A Arte-educação nas escolas tem a finalidade de levar as pessoas a vivenciarem mais a cultura, a buscar mais sobre a cultura. Mas o que a gente vê é que fica-se nas matérias básicas do ensino, sendo a Arte-educação - que possibilita ampliar a visão dos alunos, abrir a cabeça dos alunos para a criatividade, para relacionamento, para outros papéis que a gente desempenha na vida, que não se limitam ao Português, à Matemática, a essas matérias tradicionais do ensino - relegada a um segundo plano. (ILMA, RCE).

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A fala da entrevistada, que responde pela empresa, demonstra uma visão

depreciativa da escola pública em relação à cultura, à criatividade e ao processo de

desenvolvimento da Arte-educação, que para ela tem grande importância na

formação do indivíduo.

Mauro, diretor de escola, diz que para ele “Arte-educação representa uma

maneira diferente de ensinar e aprender e isto precisa ser mais valorizado pela

empresa. Arte-educação é uma idéia nova que nenhum professor aprendeu na sua

formação.”

Verificam-se certas semelhanças nos discursos de Ilma e de Mauro, quanto à

deficiência ou ao tratamento equivocado da Arte-educação nas escolas. Na fala de

Mauro, perpassa a expectativa de apoio da empresa, para projetos de Arte-

educação.

O entrevistado enfatiza a formação deficiente do professor em relação à Arte,

atribuindo importância à nova concepção assimilada no projeto CRIAR, quando diz:

Arte que a gente conhecia era para desenvolver o dom que o aluno tinha, mas a gente aprendeu que todos os alunos podem utilizar uma linguagem artística e expressar do seu jeito. Esse conceito antigo de Educação Artística, que só ensina técnicas de artes plásticas no papel, eu acho que já está ultrapassado. Mas a gente não aprendeu isso direito. (MAURO, DEF).

Lúcio também focaliza a Arte-educação sob o aspecto didático-pedagógico,

como,

[...] um incentivo e uma orientação para o professor da rede pública, principalmente, para que ele possa perceber que existe um caminho diferente em termos de didática para ele lidar com os conteúdos. (LÚCIO, PEM)

O entrevistado destaca na sua fala a ênfase dada por Mauro, Marli e Ilma

sobre a formação deficiente do professor, ao mesmo tempo em que valoriza o

projeto CRIAR:

Incentivar a arte dos professores e alunos eu acho que foi um ponto significativo do projeto, porque na formação do professor, na faculdade, nesta parte, ele não estava muito acostumado a lidar. Até então, na prática, não. Muito menos na teoria. (LÚCIO, PEM).

Professor de ensino médio, Lúcio aponta como significativa para ele uma

oficina de poesia, do projeto Caravana Poética:

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Para mim essa oficina que trabalhou letras de música, me deu mais criatividade em trabalhar música com os alunos, inclusive até de aprender a conciliar o conteúdo que eu estou trabalhando e relacionar com a música. Fica bem mais fácil para dividir com o aluno. (LÚCIO, PEM).

Identificaram-se uma mesma concepção e pontos comuns aos entrevistados,

que apresentaram discursos críticos relativos à deficiência da Arte e da Cultura no

processo educativo escolar, e também sobre uma visão - muitas vezes indefinida -

que o professor da escola pública possui acerca da questão.

Marli, professora de escola da APAE, inter-relaciona Arte, Educação e

Cultura, enfatizando que “Arte possibilita descobrir dentro de cada um, o seu

potencial, em todas as linguagens expressivas. É tirar aquilo que está escondido ali

dentro, aquelas possibilidades e habilidades que a pessoa pensa que não tem”.

Percebe-se na fala de Marli um grande foco em Arte e Cultura, como meios

para potencializar a criatividade e valores humanos, elementos significativos na Arte-

educação.

A entrevistada explica a interação arte, educação e cultura, exemplificando:

Educação é um aprendizado que a gente vai adquirindo a cada dia. Cada vez que estamos trabalhando a dança, a capoeira com os meninos, a gente não está trabalhando a questão da apresentação somente, apenas a estética. Tem o trabalho da história daquela dança, porque que ela existe, e o aluno trabalha o respeito ao outro, dentro da cultura. As duas coisas envolvidas despertam os alunos para o mundo. (MARLI, PEE).

A entrevistada ressalta ainda no seu discurso uma vivência prática do projeto

na escola:

Eu vejo aqui mesmo na APAE, quando nós começamos a trabalhar com os alunos a capoeira, a arte, a música, a dança, o desenvolvimento cognitivo teve um avanço muito grande, muito maior do que só ficar apenas em papel, caneta, lápis, giz. Porque a gente vai tirando do aluno, vai fazendo com que ele descubra possibilidades e habilidades que estão escondidas. Quando a gente une os dois... arte e se preocupando em educar, a gente consegue um desenvolvimento muito grande. (MARLI, PEE).

A fala de Marli expressa a Arte-educação numa perspectiva didático-

pedagógica, quando diz que o desenvolvimento cognitivo dos alunos teve um

avanço muito grande.

Por outro lado, a entrevistada deixa implícita na sua fala a abordagem

multiculturalista, mostrando entender que a empresa se preocupa com essa questão:

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Eu penso que a empresa tem esta preocupação, porque os projetos que foram trazidos valorizaram a cultura brasileira, a história do país. Por exemplo, nós não tivemos nenhum curso sobre o Haloween, que não é cultura brasileira. Foi valorizado dança afro. Por exemplo, o Aruanda trouxe muitas danças típicas de cada região do país. Isto resgata a história e quando a gente chega pro aluno, ele descobre tantas coisas de sua vida, de sua comunidade e da sua cidade. Ele valoriza a história que está em volta do espaço em que vive. Ele não mora numa rua simplesmente, ali tem uma história. Ele tem 15 anos de idade... vamos analisar o nosso município com 42 anos de existência, então se um jovem tem 15 anos, o que aconteceu na sua cidade nos anos anteriores? Ele tem que descobrir isso pra respeitar e valorizar o local onde ele mora. Então eu penso em arte e cultura nesse sentido, na valorização das pessoas, do seu lugar, da sua história. (MARLI, PEE).

A perspectiva multiculturalista na educação, como enunciado no capítulo I,

deveria ser o mais eficiente caminho para estimular a consciência cultural do

indivíduo, a começar pelo reconhecimento e apreciação da cultura local e como

forma de combate à influência dos códigos culturais europeus e norte-americanos

que vêm impregnando a educação formal.

Buscando analisar a fala de Elton - proponente do projeto Arte na Infância -,

percebe-se uma posição de crítica contundente em relação à Arte-educação, para

ele situada num “terreno de contradições” e, mais especificamente, quanto à questão

da formação do professor em um sistema educacional conservador:

Quando se fala de Arte e de ensino, você está com dois termos contraditórios. Quando se pensa o ensino, na sua forma acadêmica, formal... é uma coisa. E é uma coisa lamentável. Eu sinto que poderia contribuir muito mais e tive demanda. Os próprios professores tiveram um grande desejo de fazer um trabalho de capacitação comigo e essa coisa não se deu. Foi difícil, não aconteceu, porque a própria escola, o professor reconhece que ele não tem formação adequada para esse assunto. Depois a própria idéia de Arte, de manifestação independente, liberal e libertária do indivíduo se opõe ao processo formal de educação, e de enquadramento e de formação. (ELTON, EFO).

Ele conclui o seu discurso, apontando para a importância do conflito no

desenvolvimento das relações sociais, quando diz que “é preciso que essas coisas

continuem se opondo. É isso que garante o meio termo, o caminho do meio de

sobrevivência”.

A fala do entrevistado é ratificada pela idéia de CÂNDIDO (1995), quando

expressa que a Arte não é uma experiência inofensiva, mas uma experiência que

pode causar problemas, pois “no âmbito da instrução escolar, a Arte chega a gerar

conflitos, porque o seu efeito transcende as normas estabelecidas”.

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Nesta perspectiva, a Arte tem papel formador da personalidade, mas não

segundo as convenções.

A inserção de questões relacionadas com as diferenças culturais nos

programas educativos escolares tem sido pouco considerada pelos educadores,

mesmo sendo óbvia a sua importância, pois em uma sala de aula, especialmente na

escola pública, se inter-relacionam indivíduos de diferentes grupos culturais que

terão sempre que lidar com outros indivíduos de diferentes culturas e sub-culturas.

Cláudia – proponente do projeto Aruanda – conceitua a Arte-educação do

ponto de vista do multiculturalismo e enfatiza o desenvolvimento das oficinas de

danças folclóricas, em conexão com todo o universo interdisciplinar da sala de aula e

também com a vida em comunidade, quando diz:

Apesar de fazermos a projeção das manifestações, através da dança, ela não é desconectada da geografia, da linguagem, da comida , da música, do vestir, do falar, dos costumes, etc. Então ela é associada a isso. Por isso é que a gente dança assim, a gente mexe o corpo de outra forma. Há aí uma visão multicultural. A cultura popular e a cultura erudita, a cultura de massa, uma interfere na outra e assim vão acontecendo transformações. Como folclore a gente tem que ficar atenta que folclore não é uma coisa estática, não é uma coisa só do passado. Pra ser folclore tem que ser atual, tem que ser vivo. E esta leitura nós levamos para os professores e acho que daí é o grande achado. Tentamos repassar o conceito de cultura popular tradicional, enquanto uma coisa presente e que faz parte da nossa realidade atual, nós somos o que somos pelo que a gente já fez e pelas transformações que são feitas no dia-a-dia. (CLÁUDIA, EFO).

A fala da entrevistada expressa uma visão antropológica da cultura, quando

se refere à cultura tradicional, considerada assim pelo tempo recuado de sua

realização e a sua atualidade, que sugere uma reflexão sobre a sua dinâmica, num

entendimento de como o tradicional participa ativamente da produção e reprodução

da vida social como cultura.

Nesta concepção, as pesquisas folclóricas etnográficas valorizam as culturas

populares, considerando que a ocorrência delas é função da dinâmica da sociedade

e que, de modo geral, a arte origina-se do povo. Entende-se que as criações

populares são fontes das eruditas e, segundo alguns pesquisadores, há uma

corrente em dois sentidos, defendendo a idéia de que a esfera erudita e a popular

trocam influências de maneira incessante, fazendo da criação artística um fenômeno

de vasta intercomunicação.

Carol – proponente do projeto Caravana Poética – expressa visão múltipla da

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Arte-educação: “uma forma de conjugação de várias linguagens artísticas, cuja

importância está nas possibilidades de vivência direta e aprimoramento didático”.

A entrevistada salienta a importância da Arte-educação para,

[...] descoberta de potencialidades lúdicas e criadoras que possibilitam ao professor a re-elaboração do modo de ver, sentir e agir na relação com o mundo, proporcionando novos caminhos de construção do conhecimento, numa perspectiva da ética, da estética e da poética, no cotidiano escolar. Ela diz ver a Arte como um meio de potencializar a afetividade, a capacidade criadora e a criticidade do professor. (CAROL, ECP).

Referindo-se ao projeto desenvolvido sob sua coordenação, Carol diz que a

“Arte-educação contempla a abordagem de questões relacionadas à pluralidade

cultural, com propostas de valorização da cultura local e as possibilidades de

exploração na escola e na comunidade”.

Arte-educação baseada na comunidade é uma tendência contemporânea que

tem apresentado resultados positivos em projetos de educação para a reconstrução

social, quando não isolam a cultura local, mas a discutem em relação a outras

culturas.

A fala de Carol atribui à Arte-educação um poder abrangente e transformador,

no âmbito das relações educativas, e lembra que o seu projeto “contemplou oficinas

de Brinquedos e brincadeiras e de Contação de histórias, cujos conteúdos são

intrinsecamente ligados à multiculturalidade”, que, segundo a entrevistada,

“abrangem lendas, poesias e músicas de domínio público e originárias de diversas

regiões do País e do mundo, para estimular a busca de valores culturais na própria

vida dos alunos e na comunidade”.

A entrevistada apresenta um discurso similar às idéias de Barbosa (1998),

que aponta o multiculturalismo como denominador comum dos movimentos atuais

em direção à democratização da educação em todo o mundo. Enfatiza que o

equilíbrio entre a configuração de uma identidade cultural e a flexibilidade para a

diversidade cultural é um objetivo e, provavelmente, uma utopia, que colocará a

educação em movimento constante, porque nem a identidade, nem os elementos do

meio cultural são fixos.

Segundo esta perspectiva, cada sujeito participa no exercício da vida

cotidiana de mais de um grupo cultural. É fundamental manter uma atmosfera

investigadora acerca das culturas compartilhadas pelos alunos, como forma de

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combate aos clichês importados de culturas estrangeiras, que invadem as escolas,

sem que o aluno tenha consciência crítica sobre o que está assimilando.

Um aspecto comum considerado pelos entrevistados refere-se à Arte-

educação cumprindo uma finalidade de enriquecer a ação educativa do professor,

uma vez que, na percepção deles, é uma área que oferece meios didático-

pedagógicos para o desenvolvimento dos conteúdos curriculares e, ainda,

estratégias facilitadoras do processo ensino-aprendizagem na sala de aula.

Verificou-se também uma ênfase na perspectiva multicultural, como

abordagem e possibilidade oferecidas pelo Projeto CRIAR, por meio das oficinas de

Arte-educação.

Conforme constatação em entrevistas, diversas oficinas culturais do projeto

CRIAR ofereceram possibilidades de contato tanto com a cultura erudita, quanto

com a popular, como é o caso da Caravana Poética, que, por um lado, proporcionou

momentos de fruição estética da poesia de autores como Camões, Olavo Bilac,

Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Adélia Prado, entre outros, de

poemas musicados por grandes nomes do cenário musical brasileiro. Por outro lado,

nas oficinas de Contação de histórias foram abordados contos regionais de

repertório popular.

Conclui-se que as expressões dos entrevistados sobre os possíveis

significados da Arte-educação apontaram, direta ou indiretamente, para aspectos

didático-pedagógico e multicultural, associados à formação integral do indivíduo.

4.3.1 A Importância da Cultura no Desenvolvimento d o Projeto CRIAR

Neste item, verifica-se que a identificação dos entrevistados com a

representação cultural é presente nas suas expressões, podendo ser considerada

como uma categoria significativa nas entrevistas, a importância da cultura no

desenvolvimento do projeto CRIAR.

Reportando às entrevistas, confirma-se a inserção deste contexto no Projeto

CRIAR, quando se depara com a fala de Cláudia, facilitadora da oficina de danças

folclóricas:

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Quando a gente aborda a dança na educação, ela tem que estar agregada ao contexto sócio-cultural dos alunos. Até mesmo porque a forma de se manifestar através da dança é vinculada às histórias vivenciadas na comunidade. Uma das primeiras ações nossas na abordagem da cultura popular, foi estimular o olhar dos professores para o que cada aluno tem dentro de casa. Qual é a identidade do João, filho da Maria, que mora na rua x, no bairro tal, que história ele tem pra contar. A observação leva o professor a identificar o diferente e o igual. Procuramos trabalhar a cultura, a dança, no seu conceito histórico da diversidade cultural. Lidar com a história viva é outra história. O aluno percebe que tem a ver com a identidade dele. (PROJETO CRIAR, 2000)

Ilma, que fala em nome da empresa, sinaliza a importância da cultura para o

município, “que não tem cultura própria, que não tem identidade” e justifica que “esta

é a razão do projeto de Arte-educação”, explicitando que, item fundamental no

projeto CRIAR, “O pilar ‘Educando com Arte’ foi criado em função de levar a cultura

para aquela região, que não tem um teatro, que não tem um cinema”.

A fala da entrevistada cria um distanciamento entre as expressões dos outros

entrevistados, esvaziando a reflexão sobre cultura, à medida que faz duas

afirmações ostensivas: uma, quando nega a identidade e a cultura própria no

município, e outra, quando justifica ser essa a razão do projeto CRIAR, como se as

ações suprissem as carências que ela denuncia.

Marli diz acreditar que “a empresa escolheu incentivar projeto de arte e

cultura para resgatar um pouco a história do nosso país, que está tão escondida,

que as pessoas não valorizam”.

E enfatiza que o brasileiro valoriza muito mais as histórias de outros países do

que do seu próprio, de sua própria região. A entrevistada esclarece que

[...] um dos pontos positivos do projeto CRIAR, que eu vi em todas as oficinas, foi a busca do resgate da cultura. Houve a possibilidade de o professor estar se vendo, valorizando e resgatando a cultura do seu município. Ele teve que vivenciar, teve que sentir, para depois passar para o seu aluno. (MARLI, PEE)

Percebe-se, na expressão da entrevistada, que o professor que vivenciou as

atividades propostas no projeto CRIAR, aprofundou mais a sua percepção sobre a

abrangência da arte e da cultura e suas possibilidades de transposição do conceito

para a prática, na escola.

Mauro demonstra perceber a concepção de cultura no projeto CRIAR como

uma proposta de reflexo transformador, ultrapassando os muros da escola, ao dizer:

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A partir do projeto CRIAR, já criamos projetos comunitários, grupos de dança e muitas atividades para valorizar a cultura de raiz - a maioria dos alunos tem descendência negra - e melhorar a convivência social na nossa escola [...] o entrosamento com as famílias e a motivação dos alunos. Fazemos tudo para melhorar a qualidade do ensino. (MAURO, DEF).

A fala do entrevistado exprime a valorização da cultura, especialmente a

cultura de origem dos alunos, como estratégia de convivência e de intervenção

pedagógica.

Lúcio, no seu lugar de professor de História e Geografia, fez uma reflexão

sobre a representação da cultura, percebida por ele, no projeto CRIAR:

Na oficina de dança Aruanda eu percebi que há uma maneira diferente de trabalhar. Como eu sou professor de História e de Geografia, seria não só interessante, mas seria mais rico para o aluno conhecer como é plural a nossa cultura brasileira, porque ele conhece apenas o funk, o hip-hop, que são culturas de outros países. Ele ainda não tem aquela idéia de como a nossa cultura regional é rica e importante na nossa formação. (LÚCIO, PEM)

O entrevistado demonstra perceber o projeto CRIAR como fonte de formação

cultural e estratégia didático-pedagógica para desenvolvimento dos conteúdos na

escola, contemplando uma visão multicultural.

Na posição dos educadores entrevistados, está implícita a importância do

multiculturalismo crítico, cuja perspectiva se baseia no reconhecimento das

diversidades, na mobilização política, que entende a diferença como produto da

história, da cultura, do poder, da ideologia, e considera que nenhuma cultura pode

se sobrepor a outras, num movimento de diminuição dos preconceitos com as

minorias culturais.

Cláudia, facilitadora da oficina de danças folclóricas, conceitua a cultura como

“cultivo” e justifica: “ela produz, ela também tem um retorno”.

Quanto à representação do projeto CRIAR como cultura, ela diz:

“É o caminho, porque eu acredito que cultura tem que estar agregada à

educação. Ela tem que ser uma cultura consciente e essa consciência tem que

passar pela educação, tem que chegar na base mesmo”. (CLÁUDIA, EFO)

A fala da entrevistada expressa uma tentativa de refletir sobre a construção

de uma Arte-educação democrática e multicultural, que é reforçada por Sousa

Santos (1999, p.62), quando trata da discussão sobre a construção multicultural da

igualdade e da diferença: “Temos o direito a sermos iguais sempre que a diferença

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nos inferioriza; temos o direito de sermos diferentes sempre que a igualdade nos

descaracteriza”.

A entrevistada complementa a idéia, referindo-se ao professor na relação

com o aluno e diz:

“A partir do momento que você questiona o que você recebe, que você dialoga, que você comunica, tem o que passar pro outro... É dentro da educação, que é onde está esse saber, saber erudito, o saber da classe dominante, os donos do saber... É esse o caminho da cultura, estar entrando e estar recebendo esse diálogo, esse refazer dos conceitos do saber... eu acho que é o caminho do multiculturalismo. (CLÁUDIA, EFO).

A entrevistada apresenta um discurso crítico e veemente em defesa do

diálogo por uma educação multicultural, defende a interação de cultura e educação e

enfatiza positivamente a realização do projeto CRIAR.

As práticas pedagógicas podem ser conduzidas por diferentes caminhos,

conforme entendimentos e apropriação que cada professor tem acerca do termo

multicultural. Nessa perspectiva, contemplar os fenômenos educacionais implica

redimensionar noções fundamentais sobre cultura, construindo propostas

curriculares emancipatórias, que incorporam elementos culturais e possibilitam a

formação de indivíduos críticos.

4.3.2 O Papel da Lei de Incentivo à Cultura

Tendo em vista que o projeto CRIAR foi patrocinado pela empresa LÓTUS,

sob os auspícios da Lei Estadual de Incentivo à cultura, foram consideradas nesta

análise as entrevistas da representante da empresa e dos empreendedores

culturais, pois apenas esses atores fizeram alusão ao assunto incentivo cultural.

Ilma, em nome da empresa patrocinadora, diz que o incentivo fiscal é uma

oportunidade que as empresas têm para desenvolverem seus projetos de

responsabilidade social nas comunidades e complementa:

Através do incentivo fiscal, a empresa, além de poder desenvolver os projetos, diminuindo os custos próprios para execução dos projetos e dar visibilidade a esses projetos, eu acho que é um grande passo do governo para a questão do mundo empresarial, de estar usufruindo de verbas que nem sempre o próprio governo destina para o social. (ILMA, RCE).

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O discurso da entrevistada aponta para o lugar do poder - social e econômico

- da empresa, no espaço das intervenções comunitárias, indicando ainda a sua fala

a existência de um benefício de via dupla: a empresa diminui os custos próprios para

viabilizar projetos, e o governo canaliza verbas que seriam desviadas do social.

Ilma mostra um tom de denúncia, quando fala:

A gente está vivenciando esse momento de crise política. E a gente percebe isso: de onde é que vem tanto dinheiro? Tanto, que as contas bancárias dos políticos estão recheadas. Então, a gente percebe claramente que a gente tem que influenciar mesmo. Através do incentivo fiscal, foi um passo, um passo importante para o dia-a-dia das empresas, para desenvolverem seus projetos. (ILMA, RCE).

Esta fala estaria insinuando uma disputa de poder da empresa com o Estado?

O discurso da entrevistada parece afirmar que as leis de incentivo abriram espaço

para a empresa controlar as questões sociais na comunidade.

Com referência ao envolvimento social da corporação, Levitt (1958) enfatiza

que “os negócios precisam sobreviver, e precisam de segurança contra ataques e

restrições do seu maior inimigo potencial, que é o Estado”, entendendo, ainda que o

”bem-estar e a sociedade não fazem parte do negócio das corporações”.

A entrevistada complementa a sua fala justificando que o projeto CRIAR está

vinculado à área de recursos humanos da empresa LÓTUS,

“o que limita muito a autonomia, em termos de valores a serem

disponibilizados para projetos sócio-culturais. Sobra uma fatia muito pequena do

bolo do grupo empresarial e a gente não tem poder para interferir. A estrutura

precisa mudar. A área de responsabilidade social deveria ser independente da área

de recursos humanos, para cumprir a sua função externa de manter e fomentar o

relacionamento da empresa com a comunidade”. (ILMA, RCE).

A fala da coordenadora de Comunicação da empresa é uma justificativa

individual, mas o conteúdo do discurso é caracterizado pelo contexto social em que

a empresa está inserida, o da valorização do lema de responsabilidade social pelas

corporações. Como agente enunciador, a fala da entrevistada é a de reprodução

inconsciente do dizer do seu grupo social, não sendo ela livre para dizer, mas

‘coagida’ pelo sistema empresarial a reproduzir o discurso incorporado na

organização. Segundo Srour (1994), é a busca de sintonia com o discurso

hegemônico no intuito de preservar a própria imagem.

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Elton, um dos empreendedores culturais que participaram com oficinas no

projeto CRIAR, diz que “as leis de incentivo à cultura têm evoluído bastante e são

fatos relativamente novos no nosso contexto sócio-cultural, que estão abertos a

novas constituições”. Em relação à “parceria” com empresa, o entrevistado mostrou

uma fala crítica:

“Eu acho que é sempre muito difícil, em nível da instituição, você alcançar

novos resultados, mas estabelecer um processo de discussão, de manifestação... as

pessoas estão chamando para militância cultural, a representação dessas idéias”.

(ELTON, EFO)

O discurso do entrevistado, de certa forma, denuncia a posição de

autoritarismo da empresa, na inflexibilidade para diálogos com os proponentes de

projetos e alerta para a necessidade de posicionamento da classe artística.

A própria lei estadual, agora, recentemente, já criou um fundo também. Eu acho que é até de se esperar, mesmo porque à medida que se caminha para uma sociedade onde a produção industrial e alimentar se torna mais eficiente, essa grande massa que está aí no ócio, precisa ser ocupada de alguma forma. (ELTON, EFO).

Pode-se extrair da fala do entrevistado a existência de uma responsabilidade

social do artista, que incorpora a crença na Arte como função cognitiva, ética e

estética, reconhecendo nele mesmo um instrumento de visão. O artista não

consegue devolver ao mundo uma imagem simétrica, uma cópia adequada, um

reflexo sem reflexão.

Elton complementa sobre a sua atuação, decorrente de projeto aprovado em

lei de incentivo:

Acho que tenho conseguido contribuir com o setor empresarial. Eu acho que hoje eu tenho mais capacidade de oferecer respostas sociais, que são as necessidades da empresa, com a minha forma de trabalhar interação social, alcançando meus objetivos culturais e os objetivos sociais, que seriam os desejos da empresa. (ELTON, EFO).

Percebe-se na sua fala um reconhecimento da lei de incentivo à cultura, como

um canal para a inserção da arte e da cultura em camadas sociais periféricas, e

ainda a colaboração com a empresa no seu papel socialmente responsável, quando

diz:

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Você tem o lado do entretenimento, que é uma versão crítica dessa existência, mas você tem por outro lado também avançando... isto me deixa feliz... a oportunidade de criação efetiva e participação efetiva, por exemplo, em áreas que estão à margem do mercado. A criança está fora do mercado de Arte. Hoje estou levando oportunidade de expressão e trazendo elementos do interior, do meio rural, que raramente têm acesso às leis de incentivo. (ELTON, EFO).

A fala do entrevistado encontra abrigo na premissa de Merquior - presente no

capítulo I - de que sendo,

[...] a arte por si mesma, uma responsabilidade social, a exigência de uma responsabilidade social por parte do artista é questão que se coloca à medida que uma sociedade, decidida a instaurar seus valores, age, até certo ponto, em nome de uma cultura onde há mais coisa a fazer do que coisa feita e acumulada, exatamente o caso das sociedades culturalmente (não só economicamente) subdesenvolvidas. (MERQUIOR, 1996, p.241).

Elton destaca na sua fala o papel do artista diante da abertura proporcionada

pela lei de incentivo à cultura:

Eu acho que essa é a ação efetiva do artista num momento de transição industrial, onde a agricultura familiar perde espaço para a agricultura industrial e é um fato que se impõe economicamente, e reconhecer que economia é fato vivo e primordial... Então, assim, como que podemos humanizar isso e fazer a nossa contribuição? Eu acho que existe um leque grande de coisas aí por serem descobertas e serem exercidas e que o artista deve buscar esse exercício efetivo. As leis estão contribuindo para isso e estão abertas para receber novas propostas e constituem hoje um desafio para a própria classe cultural e artística, porque elas oferecem o caminho. As leis de incentivos estão abertas a novas propostas e elas é que abrem o caminho. (ELTON, EFO).

Focalizando a fala da empreendedora cultural Carol, constata-se um tom

bastante crítico, quando declara ter uma ressalva, especialmente em relação à lei

estadual de incentivo à cultura, que,

[...] por um lado ela proporciona oportunidades de realizar os projetos e fazer o que a gente tem e não tinha possibilidade de fazer no passado, por outro lado, ela criou um círculo vicioso que se você não tem a lei de incentivo à cultura, você não sobrevive artisticamente no mercado. Criou um vício completamente destrutivo porque, especialmente no interior, que se acostumou mal a receber as atrações e os projetos de graça, se vai um grupo lá cobrando cinco reais que seja, eles não vão porque não é de graça. Se vai um cantor fazer um show sem patrocínio, acham ruim e ainda questionam: Por que fulano fez show de graça e esse tem que cobrar? (CAROL, ECP).

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Carol enfatiza ainda que isto,

[...] gerou um péssimo hábito, deseducou a platéia, formou uma platéia que não tira dinheiro do bolso para consumir a cultura. Formou muita platéia, sim, mas uma platéia preguiçosa e ‘pão dura’, que vai aos eventos, sim, mas que é incapaz de tirar cinco reais do bolso para ver uma novidade. (CAROL, ECP).

A percepção que a entrevistada demonstra sobre a lei de incentivos como

formadora de hábitos culturais da comunidade, é bastante polêmica, porque ela

desloca o foco de uma mobilização social, exclusivamente para a o foco da culpa

atribuída à lei de incentivo. Entende-se mobilização social, como um processo de

reflexão e tomada de consciência para definição de demandas sócio-culturais e

construção de uma dinâmica cultural participativa, com envolvimento dos diversos

atores da comunidade. Essa mobilização, no caso, partiria dos setores responsáveis

pela implementação dos projetos incentivados, ou seja, a empresa LÓTUS e sua

parceira SEMEC (Secretaria Municipal de Educação e Cultura).

Por outro lado, a questão da contrapartida das empresas não é fiscalizada da forma como deveria ser. Não é mesmo fiscalizada. Algumas empresas perceberam que pra elas ficaria muito mais interessante passarem o valor em dinheiro, porque elas estavam gastando com pessoal da parte interna e passaram a dar a contrapartida em dinheiro, o que foi uma grande evolução pra elas e uma vantagem pros artistas, que têm mais condição de gerenciar essa verba. São 25% do valor do projeto que o empreendedor recebe a mais, para gerenciar os custos. Esta questão da contrapartida é muito séria. A empresa tem que entender que ela está ali aparecendo, e que ela está deixando de pagar imposto pro governo, que os projetos não são dela, os projetos são do governo, do povo, do estado, porque é dinheiro público, não é dinheiro da empresa. Ela não pode manipular os projetos e mudar o teor artístico do projeto, o que costuma acontecer. Eu acho que a pessoa se vender e mudar o projeto por exigência de uma empresa, ela está acreditando, no fundo, que a empresa é que tirou o dinheiro do bolso. (CAROL, ECP).

A fala de Carol denuncia a intromissão da empresa na estrutura original de

um projeto cultural e na conivência de alguns proponentes/artistas com certas

práticas empresariais de ética duvidosa.

A contrapartida, aludida pela entrevistada, corresponde à taxa de co-

responsabilidade empresarial - no valor de pelo menos 20% do valor incentivado -

que deverá ser efetivada em moeda corrente, fornecimento de mercadorias,

prestação de serviços ou cessão de uso de imóveis, desde que necessários à

realização do projeto, em definição negociada entre empresa e proponente. A

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empresa incentivadora deve ter a perspectiva de investimento, no que se refere ao

projeto cultural. A obrigatoriedade de desembolso de recursos próprios força as

empresas a planejarem e avaliarem a importância do investimento em cultura como

uma estratégia de marketing com grande potencial de retorno.

Cláudia diz que na lei de incentivo à cultura existem duas facetas:

Uma é a questão de quem está pleiteando mesmo, de quem está buscando, de quem está atuando na área de cultura. Acaba sendo um caminho que você tem que percorrer para conseguir alguma verba, para você fazer alguma coisa, que não é só em prol de você, que é mais em prol do outro. Quem trabalha com cultura mesmo sabe que tem que passar por isso. E pra você continuar fazendo uma coisa que a gente entenda que seja na área de educação ou cultural, acaba passando por isso. Essa coisa é uma faca de dois gumes, porque aí tem um outro lado da empresa que patrocina, mas que a gente percebe que não está com os olhos preocupados com a cultura, principalmente com o segmento da cultura. Às vezes num ano ela patrocina um projeto, no outro ano patrocina outro, que não tem nada a ver [...] depois outro e não há continuidade. Como se a comunidade em que elas atuam fosse como um [...] balde que ela vai jogando migalhas assim: toma essa migalha de teatro, agora toma esse evento na área da música [...] agora outro [...] E como se dissessem: ‘Estamos dando’. Dá e não dá, porque o dinheiro é de imposto [...] Acho que o dar por dar, como fossem migalhas mesmo é complicado. (CLAÚDIA, EFO).

A fala da entrevistada mostra a sua percepção de que a empresa não tem

compromisso com um projeto de revitalização da cultura na comunidade, já que as

ações são fragmentadas e sem continuidade. A sua fala deixa perpassar, ainda um

descaso da empresa com a escolha dos projetos que incentiva, desconsiderando a

adequação com as necessidades e interesses da comunidade.

O interesse deles não é a comunidade, sabe? O interesse é exatamente abater no imposto. Vira o interesse financeiro atrás de outro interesse que é o da gente, da pessoa que corre atrás, que tá buscando, que tá promovendo, que está pleiteando. E o interesse da empresa que só quer mesmo passar como socialmente responsável dessa forma:’ Somos bons, estamos atendendo’[...] o interesse em passar boa imagem [...] (CLÁUDIA, EFO).

Aliada a esta fala crítica, a entrevistada expressa o seu questionamento,

como se não houvesse outra saída para o empreendedor cultural:

Eu não sei[...] será que era melhor sem ou é pior com. Essa é a questão. Mas se não tem outro caminho por enquanto, eu acho que é um, por que se não acontecer dessa forma não acontece de jeito nenhum. Aliás, será que não aconteceria de jeito nenhum mesmo????? É melhor a gente parar aqui. (CLÁUDIA, EFO).

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Cláudia, no seu lugar de proponente de projetos, expressa certa indignação

em relação à percepção que demonstra ter de como a empresa se apropria das

prerrogativas da lei de incentivos, principalmente para “abater no imposto” e “passar

boa imagem”. A sua fala deixa transparecer também um misto de angústia e

insegurança do empreendedor cultural diante da situação de dependência à lei de

incentivo aliada ao poder da empresa, como o único caminho para desenvolver

projetos culturais.

Há falta de conscientização de que você está recebendo uma coisa que é de direito seu e que é de dever do outro. A empresa não está fazendo favor aos artistas, nem à comunidade. É o mínimo! Pra entrar na sua casa, o mínimo é pedir licença. Às vezes a empresa entra, toma conta do espaço e até mesmo acaba gerenciando o que ela quer que a comunidade tenha como cultura ou não. Então você apresenta os projetos e a empresa vê o que ela acha interessante [...] Tem que ser o contrário: Ela deveria apresentar todos o projetos à comunidade e perguntar o que ela quer. Então [...] nós queremos isso, isso, isso. Nós não queremos isso. Aí então, eu acho que teria um retorno. Mas é um caminhar longo. Apesar dessa dependência, é uma oportunidade. (CLÁUDIA, EFO).

A entrevistada denuncia uma situação de autoritarismo da empresa e, ao

mesmo tempo, de submissão da classe artística, que desenvolve os projetos

incentivados pela empresa, e também da comunidade, que aceita ‘calada’ o que lhe

é oferecido.

Uma proposta de cultura para superar as desigualdades e as exclusões por

meio da democratização do acesso deverá proporcionar aos indivíduos, grupos e

comunidades instrumentos necessários para que, com autonomia, possam

desenvolver a sua vida cultural e participar nos processos sócio-culturais.

Outra coisa é a questão do Estado [...] que às vezes é uma coisa da Constituição, que é de direito, mas que joga pro privado uma coisa que o Estado, às vezes não dá conta. Ele passa pra empresa uma responsabilidade que deveria ser dele. Você paga os impostos, mas você não recebe o seu retorno e ao mesmo tempo tem que estar pleiteando, tem que bater na porta de outro, para conseguir um retorno que o Estado deveria estar dando. Mas de qualquer forma, o caminho é esse, por enquanto, então tem que ser trilhado. O mínimo que a lei de incentivos, que as pessoas que estão nesse controle precisam saber é se um projeto é bom para a comunidade ou não. É complicado, mas é um cana. (CLÁUDIA, EFO).

Assim como a empreendedora Carol, também Cláudia, apresenta um discurso

reivindicativo e crítico com relação à necessidade de fiscalização e controle dos

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projetos patrocinados pela empresa - pelos órgãos estaduais responsáveis -, desde

a escolha adequada às demandas da comunidade até a execução das ações.

4.3.3 Percepção Avaliativa Sobre o Projeto CRIAR – Ações e Resultados

Diante da indagação sobre objetivos do projeto CRIAR, suas ações e

resultados, Ilma inicia a sua fala se referindo à escolha de escolas públicas para

implantar o projeto CRIAR,

[...] que se justifica porque a gente queria abranger um número maior de escolas, e o município tem 20 escolas públicas, uma quantidade maior do que a de escolas particulares, que dispõem de mais recursos e têm ensino mais eficiente, exatamente porque elas têm recursos próprios para buscar um ensino com eficiência, com qualidade. Nós estamos abrangendo 10 escolas, mas o objetivo é que a gente consiga chegar ao total das 20. (ILMA, RCE).

Este discurso mostra uma restrição exercida de um agente sobre o outro, em

uma autêntica relação de poder: “a gente (a empresa) queria [...] nós estamos [...]” A

entrevistada fala a linguagem da empresa, demonstrando pensar do modo que o seu

grupo pensa, e complementa justificando o formato do projeto criar:

O projeto foi desenhado, foi escrito, e tinha como diretriz trabalhar o jovem e a educação. Então, casando esses dois focos, descobrimos a possibilidade de trabalhar em escolas. Esse é o maior objetivo. E aí ele se destrincha nas suas várias vertentes de educação, de mobilização, de infra-estrutura, de acompanhamento dos professores, de capacitação. (ILMA, RCE).

Ilma continua sua fala:

Mas eu acho que o grande objetivo é estreitar o relacionamento com a comunidade, ter ela mais próxima... Porque numa comunidade de 25 mil habitantes e uma empresa empregadora de média de 1000 funcionários, o número de filhos de funcionários nessas escolas é muito grande. Então é um retorno da empresa também para os funcionários, através de seus filhos na escola, aprimorando os estudos, buscando a eficiência no ensino público. (ILMA, RCE)

A fala da entrevistada é impregnada de uma estratégia empresarial que

explicita o benefício pretendido para os funcionários da empresa através dos seus

filhos nas escolas públicas, o que possibilita o aumento do nível de identificação dos

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funcionários com a empresa, além de uma imagem corporativa favorável.

Numa avaliação do projeto CRIAR, eu acho que hoje ele precisa de uma revitalização, ele precisa buscar novas alternativas, outras inserções nas escolas, e que essa demanda surja da própria escola. E ele é um projeto muito interessante, inovador, ele traz pilares que são fundamentais para as escolas da comunidade, que têm poucos recursos, mas o projeto precisa de revitalização. A gente tem que ouvir, precisa aprender a ouvir o que os professores, o que os alunos estão querendo realmente. E trabalhar dentro disso aí, porque o projeto quando surgiu, aconteceu uma pesquisa e aí definiram os pilares e eu acredito que deu certo o projeto, o formato é bom. A gente percebe isso nos resultados que nós tivemos. Todos estão aí fluindo, como os grupos de dança, os meninos que trabalham na rádio, e na descoberta desses alunos de potenciais que eles têm, nessas áreas que eles descobriram através do CRIAR. (ILMA, RCE).

A fala da entrevistada revela uma percepção positiva dos resultados obtidos

por meio das ações do projeto CRIAR, embora ela expresse a necessidade de

revitalização.

Mas eu acho que agora a gente precisa ouvir o que a comunidade quer, o que a escola quer para poder ter um resultado mais concreto, mais perceptível, de maior visibilidade. Eu acho que, para que isso aconteça, todas as partes envolvidas têm que estar comprometidas com o projeto. Tanto os proponentes, como a empresa, quanto a Secretaria de Educação, como os consultores têm que perceber o que é preciso ser mudado. Mas eu acho que o projeto precisa de uma mudança. (ILMA, RCE).

O discurso final da representante da empresa aponta para a necessidade de

comprometimento dos envolvidos no projeto, que pode significar uma iniciativa de

fortalecimento da ‘parceria’ e de tentativa de consolidação de uma imagem positiva

junto à comunidade.

Mauro, diretor de escola do ensino fundamental, disse perceber resultado

positivo do projeto CRIAR:

[...] uma nova maneira de pensar e perceber a educação, o que é ponto de partida para as mudanças na atitude dos professores. É mudança de cultura [...] uma cultura que não tivemos antes [...] A oficina ‘Caminho de Luzes e Pedras’ - de gestão participativa - foi fundamental para a gente aprender a se organizar, registrar, avaliar a nossa caminhada, com mais clareza, para transformar o que é preciso. Acho que é o caminho para mudar a cultura da equipe da escola, por isso é que proponho que as oficinas, principalmente esta de gestão participativa, devem ser feitas com todo mundo de cada escola. A gente faz um curso, uma oficina [...] e chega na escola todo entusiasmado, mas não consegue passar do mesmo jeito para os professores [...] Aí fica difícil colocar em prática.

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Outro ponto positivo que vejo é a organização dos professores, uma preocupação maior com os registros, a avaliação e um jeito mais criativo de preparar as aulas. Sinto melhor desenvolvimento dos alunos, embora estes ainda precisam melhorar muito, porém para que isto aconteça, tem que melhorar os educadores. (MAURO, DEF).

O entrevistado, na condição de diretor de escola, de líder, revelou na sua fala

a importância da oficina que abordou gestão participativa, como norteadora dos

profissionais da escola, na organização dos seus trabalhos e na interação dos

projetos artísticos com as disciplinas curriculares.

A abordagem teórica tem enfatizado a importância da apropriação cultural no

interior da escola, enfatizando que “a cultura escolar se efetiva, quando os sujeitos

se apropriam desse ambiente cultural e o reelaboram no seu cotidiano” (TURA,1999)

O entrevistado Mauro continua sua fala expondo que

[...] a partir do projeto CRIAR, já criamos projetos comunitários, grupos de dança e muitas atividades para valorizar a cultura de raiz e melhorar a convivência social na nossa escola... o entrosamento com as famílias e a motivação dos alunos. Fazemos tudo para melhorar a qualidade do ensino. (MAURO, DEF).

Mauro mostra na sua fala uma crença na valorização da cultura de raiz e na

validade do diálogo entre as várias linguagens que se constroem na escola, em

busca da qualidade do ensino.

Um ponto negativo no projeto CRIAR, apontado pelo entrevistado,

[...] é principalmente a pouca disponibilidade de tempo dos consultores, que são muito importantes para nós. Eles precisam ficar mais conosco para nos ajudar a superar as nossas dificuldades. Outro é a questão das oficinas em horários que não permitem todos os professores da escola participarem. E também a falta de visita e participação da empresa, para ver o que estamos fazendo, como já crescemos. (MAURO, DEF).

O discurso do entrevistado apresenta nuances de dependência, ao apontar a

importância dos consultores, que ajudam a superar dificuldades e, por outro lado, a

necessidade de a equipe escolar ser reconhecida pela empresa, que, pela sua fala,

tem sua ausência sentida pelos educadores.

O entrevistado Lúcio, professor de ensino médio, disse que,

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[...] em relação ao projeto CRIAR, no período de 2003 a 2005, constituiu-se de atividades que orientaram as escolas, os professores na questão da gestão das escolas e na questão de trabalhar, incentivar a arte dos alunos e professores. Eu acho que foi o ponto significativo do projeto. (LÚCIO, PEM).

Semelhante à percepção de Mauro, o entrevistado reconhece a gestão

participativa proposta como uma parte significativa do projeto, bem como as

orientações relacionadas à Arte-educação.

“Mas nem todos esses projetos, a princípio, alcançaram ou melhoraram de

fato o desempenho do professor, mas apenas deram uma orientação”. (LÚCIO,

PEM).

Porém, pela fala de Lúcio, os objetivos do projeto CRIAR não foram

totalmente alcançados, pois as atividades apenas serviram de apoio ao desempenho

do professor.

O entrevistado aponta pontos negativos no projeto, quando fala que,

[...] houve falta de uma comunicação entre o projeto CRIAR e a SEMEC, para uma melhor organização do cronograma. Porque também complica para a escola, faltar 03 ou 04 professores. Complica para o diretor da escola. Eu e os professores da escola em que trabalho sugerimos que o projeto ocorresse por escola. Por exemplo, segunda-feira o projeto aconteceria em uma escola só, e todos os professores teriam oportunidade de realizar. Naquele dia, naquele mês tal, seria em outra escola. Acho que seria mais harmônico e até para o projeto ter mais resultado. Quando eu fiquei sabendo da oficina do Uakti, já tinha passado [...] Puxa vida! Um grupo musical famoso aqui com a gente, conhecido internacionalmente [...] (LÚCIO, PEM)

Apesar de Lúcio demonstrar interesse pelo projeto, em sua fala pode-se

perceber um posicionamento crítico que tem unidade discursiva com a do diretor

Mauro, quanto à necessidade de organização das atividades para atender a todos

os educadores de uma mesma escola.

Marli expressa que,

[...] como são bons projetos, são projetos que auxiliaram bastante no caso da educação. Puderam despertar os professores para muitas coisas que estavam adormecidas, entretanto a gente também tem que analisar que a empresa tem que ter um pouquinho de calma na hora de querer os resultados, porque as escolas caminham devagar. A gente tem que respeitar o desenvolvimento e o aprendizado dos alunos porque eles não aprendem de uma hora para outra. A gente tem que dar o tempo para que cada um desperte sua habilidade. (MARLI, PEE).

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O lugar de que fala a entrevistada determina o teor do seu discurso. Marli fala

do seu lugar de facilitadora do projeto em sua instituição e professora de ensino

especial, que exige do professor competência para lidar habilidades e ritmos

diferenciados, na busca de resultados concretos.

Reportando-se às atividades artísticas do projeto CRIAR, a entrevistada

enfatiza na sua fala que

Não adianta a gente querer cobrar do aluno este desnudar do ser, soltar preconceitos, se ele mesmo, o professor, não conseguir em primeiro lugar se soltar, se livrar de preconceitos. Se o professor não venceu isto, como é que ele vai pra frente ministrar uma aula, se ele mesmo não se soltou? Quando a gente consegue que o professor faça isso, que ele se solte, que ele mostre uma outra face dele, o aluno adquire confiança e consegue se soltar. (MARLI, PEE).

Marli complementa sua fala buscando identificar as atividades mais

significativas do projeto CRIAR e a razão da sua importância:

Vários cursos foram muito bons, mas eu vejo que o primeiro que foi de Gestão participativa chegou num momento em que a gente precisava parar ou repensar as nossas atitudes aqui dentro. Então quando nós trabalhamos aquele caminho das pedras e que oportunizou que fossemos para uma reunião de conselho (da APAE) e fazer uma avaliação de como estava a escola naquele momento, ela fez com a gente buscasse novos caminhos, fez com que os profissionais abrissem o olhar para novas posturas [...] melhorasse aquilo que... não vou dizer que estava errado, mas aquilo que estava precisando de novo olhar nova postura dos profissionais de um modo geral. (MARLI, PEE). O primeiro curso de gestão participativa fez com que a escola abrisse, ela fez com que os cursos posteriores fossem bem recebidos, porque as pessoas estavam buscando melhora. Então nós agarramos os outros cursos com unhas e dentes, buscando essa melhora e, a partir daí a gente foi amadurecendo, adquirindo passo a passo, conquistando aquilo que a gente precisava. (MARLI, PEE).

A fala de Marli expressa que havia uma necessidade de transformação no seu

grupo, e o projeto CRIAR ofereceu o suporte, especialmente norteado pela gestão

participativa.

O conselho começou a ver a instituição com outro olhar [...] pêraí [...] a APAE, o que é houve? Foi visto que não era só a escola que tava olhando os meninos ali no sentido de dar abrigo para aqueles meninos que precisam. Não! Foi o momento de repensar que os alunos tinham possibilidade de ocupar outros espaços. Então hoje nós estamos aí com meninos no mercado de trabalho, os alunos sendo alfabetizados. A gente tá no início ainda, mas os alunos estão sendo alfabetizados. Isto tudo foi uma conquista. Mudanças de posturas aqui dentro que fez com que tudo se desenvolvesse. Porque se não fosse isto a gente ia estar na mesmice até hoje. (MARLI, PEE).

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Percebe-se entusiasmo e compromisso no discurso da entrevistada, que

relata resultados concretos junto aos alunos da escola especial, embora nada tenha

sido direcionado, especificamente, aos portadores de necessidades especiais:

O projeto trouxe contribuições, mas com relação à educação especial é tudo muito novo no país. As faculdades há muito pouco tempo é que têm disciplina de educação especial. Os cursos superiores não tinham isso. Hoje em dia a gente não encontra muito material adaptado pra educação especial. A gente vai adaptando para a realidade de cada criança. Em qualquer instância [...] a não ser cursos dentro da Federação das Apaes, mas tirando isto, qualquer curso que a gente faça, a gente tem que chegar aqui na APAE e adaptar para a nossa realidade, seja livro, seja curso, seja passos de uma dança... tudo tem que ser adaptado para a nossa realidade. Justamente por isso...na escola, a gente tem diversas deficiências, diversas síndromes e o que serve para um não serve para outro [...] a gente vai adaptando à realidade de cada aluno e atendendo à individualidade de cada um. (MARLI, PEE).

Marli finaliza a sua fala, identificando pontos positivos e negativos percebidos

no projeto:

Os pontos positivos que eu vi em todos os cursos foi esta busca de resgate da cultura, para levar aos alunos. O professor estar se vendo, valorizando e resgatando a cultura do seu município, teve que vivenciar, teve que sentir, para depois passar pro seu aluno. (MARLI, PEE).

Percebe-se na fala da entrevistada a valorização da cultura numa proposta de

vivência prática das oficinas.

Os pontos negativos foram ligados talvez às questões administrativas, de datas que foram muito apertadas. A questão de tirar professores da escola num momento em que ela não poderia ficar desfalcada de profissionais. Turmas que poderiam ter um número x de participantes foram menos do que o esperado. (MARLI, PEE).

Este ponto negativo tornou-se observação recorrente, pois de fez presente na

fala dos outros educadores entrevistados, bem como a referência à pouca

participação da empresa no desenvolvimento do projeto CRIAR, revertida em tom de

protesto, na fala de Marli:

Com relação a uma participação mais ativa da empresa, às vezes a gente tá nos cursos, tá participando ou vai fazer um encontro para apresentar um trabalho e a gente não vê ninguém da empresa. Quem que está sempre lá? Os pais, os alunos. Se ela está oferecendo os cursos, ela teria que estar junto, mais ativamente. Isto é que, na maioria das escolas, os profissionais sentem falta [...] ver as pessoas da empresa acompanhando mais de perto. (MARLI, PEE).

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O proponente de projetos, Elton, apresenta um discurso absolutamente

crítico, quando solicitada a sua percepção avaliativa acerca de ações e resultados

do projeto CRIAR:

Eu tenho um pouco de dúvida se a gente pode chamar isso de um projeto. Isso é uma composição de um mix de projetos. Mas, enfim, o projeto CRIAR eu não identifiquei, eu não tive essa informação, de identificar como um projeto. É uma oportunidade de somar um grupo de ofertas e realizar isto durante uma etapa. É uma estratégia de investimento. (ELTON, EFO).

E continua seu discurso:

Uma das questões que pontuei foi exatamente que poderia ter nessa oportunidade, um encontro com as diversas pessoas que estavam fazendo oficinas diferentes e realizar um intercâmbio entre eles. Tinha gente lá fazendo música, varal de poesias, vários assuntos que são do meu interesse, mas na prática...isso era feito de forma isolada. A gente ia lá, tantos dias e acabou, vai embora e tchau. Eu acho que isso ofereceria grandes oportunidades de conjugações, de somar ganhos nisso. Mas implicaria, por outro lado também em esforço, de avaliação, de articular, de se trabalhar isso. Um esforço da própria empresa [...] (ELTON, EFO).

A fala do entrevistado demonstra o seu reconhecimento do valor dos projetos

artísticos que participaram do CRIAR e, também, críticas às proposições que ele

teria para o enriquecimento das ações, de forma integrada.

Eu acho que a empresa não está preparada para trabalhar isto, na sua própria conceituação sobre estas questões, sobre esses valores que a gente leva para a realização do projeto... Então eu penso que a realização do meu projeto é quase que um fato isolado nesse contexto. Ele se deu por determinados atributos próprios na relação direta com a criança, com a mãe, com o professor, no conteúdo do trabalho e nos resultados [...] e também naquilo que a prefeitura se empenhou para vir a BH, (trazendo os alunos para a mostra dos desenhos no Palácio das Artes), houve essa coisa. Mas eu colocaria assim como uma ação do projeto Arte na Infância e alunos das escolas e professores das elscolas, não na sua interação no conjunto dos demais projetos, etc., não querendo me isolar, mas de fato não houve essa dinâmica. Eu vejo por essa ótica. (ELTON, EFO).

Elton mostra, na sua fala, um descrédito em relação à ação da empresa,

apontando para a fragmentação das ações do projeto CRIAR, que, na concepção

dele, é apenas uma estratégia de investimento da empresa.

O entrevistado complementa a sua percepção sobre os resultados do projeto

criar, dizendo:

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Eu considero que o meu objetivo foi alcançado, com resultados positivos... eu tenho também depoimentos registrados [...] que enriquecem a nossa própria existência particular, de um ideal pessoal e dessa realização da arte com a criança, dando oportunidade a ela, que está fora do contexto do mercado, de se expressar, de ser reconhecida no seu meio escolar, no seu meio familiar e cultural. (ELTON, EFO).

A fala de Elton, embora demonstre uma satisfação particular, expressa o

sentimento de isolamento no projeto CRIAR, que é complementado quando diz que

não teve nenhuma avaliação da empresa e denuncia que “o próprio espírito da

empresa é antagônico à questão social”. E continua seu discurso crítico:

Eu acho que para a empresa desenvolver um projeto contemplando essas questões sociais e de instrução, exigiria muito mais sensibilidade e conhecimento dessa matéria. E às vezes você tem na empresa administradores que estão com a visão num processo de produção, de lucro, de resultados [...] num ritmo, numa dinâmica, numa forma de relação completamente defasados da vida real, da vida dos ritmos, da vida das emoções, etc. Não se pode transportar esse modelo industrial e administrativo para um projeto artístico, dinâmico. Eu acho que aí está a essência da questão. (ELTON, EFO).

Percebe-se, na expressão de Elton, uma inquietação pela forma inadequada

como a empresa se relaciona com os projetos incentivados por ela mesma e, ao

mesmo tempo, um desejo de que houvesse uma dinâmica interativa entre a empresa

e os atores envolvidos no projeto CRIAR, confirmando as falas dos outros

entrevistados.

Passando para a entrevista de Carol, percebe-se também um posicionamento

crítico em relação ao projeto CRIAR, quando diz:

Eu considero que o objetivo do meu projeto foi alcançado em parte, porque a minha proposta era trabalhar com todas as escolas da rede pública, e atendemos somente a metade. Eu acho muito complicado um projeto de relacionamento com a comunidade trabalhar com 50% de um espectro da comunidade. Ele deveria atender não somente a todas as escolas, mas com todos os espectros da sociedade, com a classe trabalhadora, com os professores, com os estudantes, com donas de casa, com ações amplas, com ações direcionadas. Mas se você vai fazer um trabalho mais intenso com as escolas, isto gera uma baixa estima aos que não participam, gera competição desnecessária, gera um ciúme desnecessário, e o que pode ser produtivo, por um lado, pode agravar de outro lado, gera problema de outro lado. Acho que fica uma balança muito desigual. Tem que se tratar igualmente todas as escolas. Não há que se fazer amostragem de 50%, numa cidade com 20 escolas... Não tem sentido! Há que se dividir as ações com todas. Se fossem 200 escolas, trabalhar com 20, tudo bem, mas 20 [...] não tem por quê. (CAROL, ECP).

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A entrevistada também demonstra, na sua fala, o incômodo pela dificuldade

de comunicação com a empresa:

A empresa não se faz presente, o que causou estranhamento por parte de nós, empreendedores, já envolvidos no processo. Havia uma intermediação, que teve seu lado positivo: o cronograma já vinha arrumadinho. Você já ia sabendo qual faixa etária ia ser atendida, então você podia preparar melhor a atividade que você ia levar. Mas a gente não tinha nenhum contato com a empresa. (CAROL, ECP).

E, finalmente, Carol apresenta um discurso indignado pela ausência da

empresa nas ações do projeto CRIAR:

Já que ela se propõe a fazer um projeto pra comunidade, como uma empresa que atua junto à comunidade, nada melhor que mostrar a carinha, por meio dos funcionários, por meio das pessoas vinculadas à empresa, por meio de ações diretas. Na condição de proponente e facilitadora de oficina, Cláudia diz: do que eu presenciei do projeto CRIAR, eu achei fantástico. O projeto CRIAR foi um dos melhores projetos que conheci, quando estava pleiteando o incentivo. Qualquer projeto aliado à educação e à cultura só tem que dar certo. Eu acredito que se um dia a empresa deixar de patrocinar projetos, a comunidade, se ela tiver sido conscientizada, enquanto estava participando, ela vai pleitear, ela vai estar buscando. Se vierem com um projeto que não é de interesse, eles vão questionar. Você pode até sair, mas você deixou um pouquinho da transformação desses conceitos, que já vêm pré-estabelecidos. (CLÁUDIA, EFO).

Considerando que os objetivos do seu projeto foram alcançados, a

entrevistada reforça na sua fala que,

[...] muitos professores fizeram várias oficinas para ampliar seus conhecimentos e com interesse de reforçar o que já tinham aprendido. Ficamos sabendo que já há grupos de danças folclóricas formados por alunos das escolas, o que constata a nossa realização! (CLÁUDIA, EFO).

Cláudia, no papel de empreendedora, fala do seu relacionamento na

comunidade:

O relacionamento nosso com os alunos/professores foi fantástico e com a comunidade também. Mas com a empresa não houve nenhum contato. O contato foi mais com a Secretaria Municipal de Educação. A relação próxima com a empresa não houve. Eu não conheci ninguém da empresa. O nosso contato foi com os representantes da Secretaria de Educação. O que a gente percebeu foi a importância da SEMEC valorizar a Arte-educação, que aí agregou o Aruanda, agregou a dança e que levou a outras demandas que tinha dentro da educação. (CLÁUDIA, EFO).

A fala de Cláudia reconhece, também, o significativo papel da Secretaria

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Municipal de Educação e Cultura no desenvolvimento do CRIAR e, ao mesmo

tempo, demonstra estranhamento pela ausência de representante da empresa nos

eventos.

A partir das análises descritas anteriormente, pode-se chegar a conclusões

referentes aos universos abordados – a cultura, a Arte-educação e a escola pública -

muito significativos no norteamento de uma visão crítica de suas relações com o

programa de Responsabilidade Social Empresarial, da empresa LÓTUS.

As ações de parceria decorrentes da Responsabilidade Social podem

concretizar-se de diversas formas, apresentando diferentes tipos de engajamento

muitas vezes problemáticos, já que tais ações nem sempre são pautadas no direito à

escolha ou participação da comunidade, cabendo à empresa as definições,

conforme os seus próprios interesses, a exemplo do cenário em que foram situadas

as escolas participantes do projeto CRIAR, escolhidas pela empresa LÓTUS, assim

como os projetos culturais a elas oferecidos.

Embora os limites dos campos de atuação, possam ser considerados como

conflitos velados, numa relação de poder e submissão, os representantes das

escolas públicas se sentiram beneficiados pelo projeto de Arte-educação.

A oficina ‘Caminho de Luzes e Pedras’ - de gestão participativa - foi

mencionada por todos os educadores entrevistados, como fundamental para

aprenderem a se organizar, registrar e avaliar a caminhada, com mais clareza.

O caminho de Luzes e Pedras ajuda a transformar o que for preciso na escola. Acho que é o caminho para mudar a cultura da equipe da escola, por isso é que proponho que as oficinas, principalmente esta de gestão participativa, deve ser feita com todo mundo de cada escola. A gente faz um curso, uma oficina [...] e chega na escola todo entusiasmado, mas não consegue passar do mesmo jeito para os professores... Aí fica difícil colocar em prática. (MAURO, DEF).

Esta expressão representa uma dificuldade encontrada pelos educadores em

reeditar as atividades do Projeto CRIAR para os colegas, em suas escolas.

Esta fala de um diretor de escola traduz um efeito positivo da oficina de

gestão participativa, Caminho de luzes e pedras, na sua escola:

Um resultado positivo do Projeto CRIAR é a organização dos professores, uma preocupação maior com os registros, a avaliação e um jeito mais criativo de preparar as aulas. Sinto melhor desenvolvimento dos alunos, embora estes ainda precisem melhorar muito, porém para que isto aconteça, tem que melhorar os educadores. (MAURO, DEF).

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Uma das conclusões que se apresenta é que, apesar da ausência de

representação da empresa LÓTUS nos eventos do projeto - ausência denunciada e

sentida pela maioria dos entrevistados, tanto educadores quanto proponentes de

projetos - o desenvolvimento das ações inseridas no Projeto CRIAR foi percebido

como positivo pelos participantes.

O discurso ideológico da empresa - “o foco é estreitar o relacionamento com a

comunidade” - demarca incompatibilidade com a percepção dos referidos

entrevistados, que enfatizam a ausência e a falta de comunicação por parte da

empresa, em relação aos eventos por ela incentivados. Supõe-se que a insatisfação

manifestada pelos entrevistados possa se identificar com a necessidade de

reconhecimento, por parte da empresa, do valor das ações realizadas nas escolas,

em decorrência do Projeto CRIAR.

Ana Mae Barbosa defende que, sem conhecimento em arte e cultura, não é

possível uma consciência da identidade nacional, e a escola é o lugar adequado

para se exercer o princípio democrático de acesso à informação e formação estética

de todas as classes sociais, propiciando-se, na multiculturalidade brasileira, uma

aproximação de códigos culturais de diferentes grupos.

O que temos, entretanto, é o apartheid cultural. A sonegação de códigos

eruditos de arte predomina no gosto da classe dominante que, por ser dominante,

tem possibilidade de ser mais abrangente e também domina os códigos da cultura

popular.

O projeto CRIAR pode não ter conseguido superar tais desajustes, mas as

pesquisas mostram uma nova visão conceitual sobre a questão da identidade

cultural, assimilada pelos educadores participantes das oficinas artísticas, cujas

atividades, segundo os entrevistados, passaram a ser reeditadas junto aos alunos,

como a formação dos grupos de dança, os contadores de histórias e a expressão

poética.

Pode ser percebida, nas entrevistas, a valorização dessa abordagem nas

oficinas artísticas, levando os educadores a despertarem para uma nova consciência

pedagógica em sala de aula e para a possibilidade de abordagens mais criativas dos

conteúdos curriculares, conforme declaração da totalidade dos professores

entrevistados.

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5 CONCLUSÕES

No decorrer deste estudo, a pesquisadora tentou desvendar muitas questões

para responder qual é o significado da Responsabilidade Social Empresarial, na

percepção dos atores entrevistados, considerando a inserção da empresa LÓTUS

no espaço educacional público, por meio de projetos de Arte-educação.

Se o objetivo da empresa, conforme documento do projeto CRIAR, é

“colaborar para o aprendizado dos alunos e professores, propiciando-lhes um

crescimento pessoal e cultural, numa tentativa de suprir uma necessidade da escola

pública, enquanto traz um retorno da valorização da sua imagem institucional junto à

comunidade”, conclui-se, pela fala dos entrevistados, que os resultados foram

positivos. Na expressão dos educadores, o Projeto CRIAR não representou uma

“solução permanente” para as questões educacionais, mas sim um “grande apoio

para o professor aprimorar a sua prática pedagógica”, e muitos deles reconheceram

o benefício pessoal e cultural proporcionado por algumas oficinas.

Uma questão que ficou no ar, talvez pela subjetividade inerente à sua

natureza, é se a empresa obteve “retorno da valorização de sua imagem institucional

junto à comunidade”, com o programa de responsabilidade social oferecido às

escolas públicas do município.

O pilar Educando com arte, integrante das diretrizes operacionais do Projeto,

propôs “levar atividades culturais e lúdicas para as escolas, buscando oportunidades

para a comunidade escolar, focando também a capacitação dos professores, alunos

e a formação de multiplicadores. Todo o trabalho deverá ser desenvolvido através de

oficinas culturais”. Este objetivo de proporcionar projetos culturais incentivados pela

empresa LÓTUS foi um dos pontos positivos, acrescentando-se, ainda, o

depoimento dos participantes, que enfatizaram a competência dos facilitadores de

oficinas. Porém é preciso considerar que a prática não fala por si mesma. Para se

entender a eficácia de um projeto de Arte-educação, busca-se, em Kuenzer (2004),

a referência para uma prática educativa: os fatos práticos têm que ser identificados,

analisados, interpretados, já que a realidade não se deixa revelar pela observação

imediata; é preciso ir além da imediaticidade para compreender as relações, as

conexões, as estruturas internas, as formas de organização, a relação entre as

partes e a totalidade, as finalidades, que não são apreendidas no primeiro momento,

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quando se percebem os fatos vivenciados, muitas vezes superficiais, que ainda não

se constituem em conhecimento. Para que as escolas incorporem ao seu cotidiano

as ações desenvolvidas no Projeto CRIAR, como suporte “para o aprendizado dos

professores e alunos”, como pretendeu a empresa LÓTUS, torna-se fundamental a

continuidade e o aprofundamento dos conhecimentos e estratégias oferecidos.

Portanto o objetivo da empresa de “suprir uma necessidade da escola pública”

representa uma pretensão, cujo alcance exigiria um projeto duradouro e não apenas

temporário, como os patrocinados através das Leis de Incentivo à Cultura.

Os atores pesquisados reconheceram a importância da Arte-educação no

processo educativo escolar, bem como a sua restrita formação nessa área de

conhecimento. Enfatiza-se que, nas dez escolas integrantes do projeto CRIAR, não

há sequer um professor com formação em Artes. Esta é uma informação que

suscitaria novas discussões que, por sua vez, apresentariam questões paradoxais,

pois, sendo a Arte uma área de conhecimento inserida no programa curricular oficial,

ela continua, na escola, submetida a um tratamento absolutamente distanciado da

função de promover a alfabetização estética e cultural, fato que pode ser justificado

pela escassez de profissionais com formação na área.

Corroborando o que diz Ana Mae sobre as deficiências que contornam a Arte-

educação no Brasil, mesmo na universidade, supõe-se que não somente a falta de

professores de Arte é que agrava a questão, mas o despreparo dos professores de

Arte, especialmente no ensino público.

O Projeto CRIAR, de certa forma, representou uma contribuição para as

escolas, na falta do professor com formação específica em Arte.

O patrocínio privado reflete o movimento mundial iniciado nos anos 80,

quando os governos começaram a cortar seus financiamentos para as áreas sociais

e, mais particularmente, para a cultura, num cenário de crise econômica e busca de

soluções, dentro do chamado quadro neoliberal. Apesar dos problemas que trouxe

para a sociedade, este movimento tem um aspecto positivo no caso brasileiro, pois

resultou numa mobilização maior de artistas e produtores, que foram obrigados a

sair a campo em busca de patrocínio privado para o desenvolvimento das suas

atividades.

Mesmo sabendo que o objetivo da empresa não é destituído de interesses

corporativos, é fato positivo verificar que ela começa a considerar a cultura como

algo importante, graças ao esforço dos produtores culturais, às campanhas

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governamentais, à presença da mídia; um fator relevante são as comunidades mais

conscientes e mobilizadas para reivindicar ações sócio-culturais. Foi significativo o

índice de educadores entrevistados que atribuíram à empresa LÓTUS a obrigação

de “cuidar do entorno, devolvendo à comunidade o que ela tira para o seu benefício

comercial”. Por outro lado, a percepção de que o objetivo da responsabilidade social

da empresa é “ajudar, amparar, auxiliar, suprir necessidades” foi mais freqüente do

que o reconhecimento de seu interesse real - “divulgar a sua imagem” -, conduzindo

à suposição de um posicionamento ingênuo ou subalterno desses entrevistados, em

relação à empresa.

Os resultados levaram a pressupor que a prática da responsabilidade social

se situa, para os educadores, num contexto mais significativo que o mero discurso

empresarial.

Responsabilidade Social é uma questão complexa, levando-se em conta que

o patrocínio de projetos culturais é importante para a empresa, do ponto de vista de

estratégia, de mercado, e pode gerar conceito positivo para a sua imagem na

comunidade.

A arte cumpre um papel muito eficiente para a visibilidade da empresa na

comunidade, pela própria natureza de suas manifestações expressivas.

A Responsabilidade Social Empresarial, na percepção dos entrevistados,

apresentou várias facetas, e a percepção dos professores teve focos variados,

contemplando aspectos positivos e algumas ressalvas. O estudo possibilitou a

identificação de pontos positivos e pontos polêmicos no Projeto CRIAR, numa

perspectiva da Responsabilidade Social Empresarial.

Entre os pontos positivos destacaram-se:

1. Ser um projeto voltado para a área de cultura é um ponto positivo do

projeto de Responsabilidade Social da empresa LÓTUS, porque significou

uma oportunidade oferecida a educadores do interior do estado para o

contato com uma diversidade de linguagens artísticas, aplicáveis no seu

cotidiano escolar e na comunidade.

2. A destinação de recursos para a área de arte e cultura representa um

ponto positivo. Embora a empresa tenha se beneficiado da Lei Estadual de

Incentivo à Cultura, que lhe concede o direito de transferir as obrigações

fiscais para a área cultural, ela disponibilizou, de fontes próprias, 25% do

valor de cada projeto incentivado para o empreendedor cultural. Esta

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iniciativa é facultativa a cada empresa, podendo a contrapartida ser

revertida em infra-estrutura, transporte, hospedagem, etc. Conforme

depoimentos de empreendedores, é vantagem que eles mesmos

gerenciem esse recurso.

3. A oportunidade dada a grupos artísticos, de divulgarem seu trabalho, num

momento em que as medidas governamentais só prestigiam os grupos

que estão envolvidos em projetos culturais, aprovados em Lei de Incentivo

à Cultura, representa, talvez, para os artistas, a única forma de subvenção

e meio de sobrevivência.

4. Foi possível aos educadores vivenciarem atividades de arte e cultura,

abrindo novos horizontes para possibilidades de formação na área.

5. Em relação à qualidade do ensino, o projeto ofereceu aos professores um

vasto repertório de atividades culturais, lúdicas e criadoras, como

alternativas para o trabalho com os alunos.

6. O estímulo à cultura regional ocorreu nas oficinas que buscaram a

interação do seu conteúdo e as tradições culturais da região, entre elas as

danças, as brincadeiras, a literatura. Este aspecto se confirma como

positivo na identificação de 80% dos educadores que afirmaram ter sido a

“valorização da cultura local” contemplada no Projeto CRIAR.

Alguns aspectos significativos sobre os objetivos das ações de

Responsabilidade Social da empresa LÓTUS, indicados pelos educadores

apontaram para uma visão positiva do papel da empresa, considerando

que 48% perceberam como objetivo “estimular atividades culturais e

artísticas na escola”, e 32% disseram que é “incentivar a qualidade do

ensino público”, o que não exclui a atividade cultural. Significando o

reconhecimento da matriz cultural, 7% dos educadores indicaram como

objetivo da empresa “preservar valores culturais da comunidade”, e mais

7%, “resolver problemas sociais da comunidade”.

7. A qualidade dos projetos incentivados, segundo os entrevistados, foi

referência fundamental na valorização da Responsabilidade Social.

Estudos da área mostram que o relacionamento entre a esfera cultural e o

governo, iniciativa privada e sociedade, provocado, principalmente, pelas

Leis de Incentivo à Cultura, trouxe maior profissionalismo para o mercado

cultural.

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Os pontos polêmicos sobre o projeto de Responsabilidade Social,

identificados na pesquisa foram:

1. O próprio conceito de Responsabilidade Social Empresarial, que é

polêmico, considerando-se que, de um lado, a empresa não abre mão de

seus interesses estratégicos diante do mercado e da preservação da sua

imagem social. De outro lado, ela usa o espaço da comunidade e provoca

degradações no ambiente. Pode-se perceber que a visão das empresas a

respeito da Responsabilidade Social está em transformação, contudo são

inegáveis as suas iniciativas significando ações compensatórias.

2. O conceito de cidadania, para a empresa, resume-se em “levar educação

e cultura”, no entanto é um conceito de extensão muito mais ampla. O que

irá definir a cidadania é um processo onde se encontram redes de

relações, conjuntos de práticas (sociais, econômicas, políticas e culturais),

tramas de articulações que explicam as relações dos indivíduos e grupos

com o Estado e, ao mesmo tempo, sempre estão abertas para que estas

relações se redefinam. Nesta perspectiva, o Estado é sempre elemento

referencial definidor, porque é na esfera pública estatal que se asseguram

direitos e sanções cabíveis pelo descumprimento dos deveres. Cidadania,

nessas novas concepções, significa a luta por direitos, e não há espaço

para política compensatória. Os direitos culturais são parte integrante dos

direitos humanos e, portanto, são universais, indissociáveis e

interdependentes.

3. A adequação das atividades oferecidas às demandas das escolas públicas

figura entre os pontos polêmicos, pois a pesquisa indicou que 61% dos

educadores não foram consultados sobre projetos que melhor atenderiam

às necessidades de suas escolas. Outros dados da pesquisa podem ser

articulados com esta questão como, por exemplo, 48% dos entrevistados

indicaram espaços de esporte e lazer como necessidade das escolas, 22%

apontaram para a necessidade de biblioteca e 15% indicaram a falta de

equipamentos e materiais didáticos como um aspecto frágil nas escolas.

Questionados sobre aspectos não contemplados que deveriam ser alvo de

atenção no projeto, 72% dos educadores indicaram “orientações sexuais”.

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4. Ações de compensação por danos ambientais representam um ponto

polêmico em relação à empresa, confirmado nas entrevistas, que

mostraram significativo índice de comentários sobre a obrigação da

empresa em beneficiar a comunidade, “em troca do que ela tira da

comunidade, do que ela destrói no ambiente”.

5. O estudo mostrou que interesses corporativos sobressaem sobre o bem

comum da comunidade, notadamente na associação do investimento na

qualidade do ensino, proposto no documento do Projeto CRIAR, à

preparação de futuros empregados da empresa, que, na percepção de

vários atores entrevistados, destaca-se como um objetivo do projeto de

responsabilidade social.

6. Não foi contemplado, no projeto, um trabalho efetivo para associar-se aos

grupos já atuantes nas ações para preservar e valorizar a cultura local,

como o levantamento do patrimônio material e imaterial existentes no

município e na região.

7. Um outro ponto polêmico é o conceito de cultura que a empresa

demonstra ter, quando descreve no pilar Educando com Arte, do Projeto

CRIAR: “levar atividades culturais e lúdicas para as escolas...” Isto

significa que o Projeto de Responsabilidade Social considera que a

comunidade não tem cultura, contrariando o conceito de cultura como fator

de desenvolvimento, que valoriza as identidades individuais e coletivas

existentes e construídas no interior das relações sociais, num processo

dinâmico, enriquecido através do diálogo e trocas com outras culturas. Na

concepção adotada neste estudo, a educação poderia ser o mais eficiente

caminho para estimular a consciência cultural do indivíduo, começando

pelo reconhecimento e apreciação da cultura local.

Alguns aspectos significativos sobre os objetivos das ações de

Responsabilidade Social da empresa LÓTUS, indicados pelos educadores,

apontaram para uma visão positiva do papel da empresa. Dessa forma, os objetivos

das ações de responsabilidade social da empresa se configuram, na medida em que

grande parte das finalidades contidas no documento do Projeto CRIAR, foi percebida

pelos educadores entrevistados.

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Conclui-se que, embora o programa de Responsabilidade Social Empresarial

tenha tido aprovação dos educadores, há necessidades percebidas pelos

professores e não contempladas pelo projeto. Percebe-se que, em vez de um grupo

mobilizado pelos interesses comuns, há uma cultura de submissão na comunidade,

que aceita o que lhe é oferecido, pois é melhor que nada, como disse um educador

entrevistado.

Ponderando os pontos positivos e os polêmicos da Responsabilidade Social

Empresarial, a inserção do setor privado no espaço educacional público, analisada

do ponto de vista da percepção dos atores entrevistados, pode ser considerada

eficaz, pois 89% das respostas se situam na faixa de bom e muito bom e, apesar de

uma visão crítica em relação à empresa, os educadores foram unânimes em

manifestar a validade das ações de Arte-educação como enriquecimento do

processo educativo e formação cultural dos estudantes. Portanto, considerando os

dados da pesquisa, a inserção do setor privado no espaço educacional público, por

meio do Projeto CRIAR, foi uma alternativa positiva que enriqueceu o repertório

didático-pedagógico dos educadores e ampliou a sua visão crítica acerca de

importantes questões educacionais e sócio-culturais expostas no decorrer das

atividades.

Em breve não será mais aceita a possibilidade de uma empresa manter todos os parâmetros de qualidade, eficácia e foco em resultados, quando o assunto é produção e comercialização de seus produtos, e deixar que seus esforços institucionais e culturais sigam critérios abstratos e totalmente descomprometidos com a modificação dos cenários com os quais interage. (CORREA, 2004).

Em relação ao investimento em cultura, há algumas motivações que

marcaram o relacionamento da empresa com a comunidade. Seja por questões

mercadológicas de seus negócios (como a divulgação de sua marca e de seus

produtos e serviços), seja por questões institucionais (fortalecendo sua imagem junto

a públicos específicos, como acionistas, governo e mídia), seja por interesse em

participar de forma mais ativa das comunidades em que atua (e de onde saem seus

empregados, fornecedores e demais públicos que circulam em torno de sua

operação), o fato é que a empresa passou a ter uma atuação na área cultural, que a

torna alvo preferencial das ações culturais incentivadas para o desenvolvimento

dessa área.

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Por mais que se criem expectativas de uma exatidão de repostas para as

conclusões da pesquisa, talvez mais incertezas pairem nessa encruzilhada de

infindáveis descobertas, que poderão ser desdobradas em novos estudos.

A cultura, associada à responsabilidade social e baseada na formação, fomento e difusão cultural, é uma das possibilidades transformadoras do Brasil. A questão cultural, porém, é complexa, exigindo permanente esforço de análise e reflexão. São fundamentais o fomento e a criação de espaços democráticos para sua discussão, com a presença efetiva de todos os atores sociais e culturais envolvidos no processo. Redefinir formas de convívio social, explodir as matrizes do pensamento excludente e embrutecedor que sedimenta o secular pacto das elites no Brasil, garantir direitos constitucionais já existentes, criar novos direitos e eliminar privilégios são compromissos essenciais para uma gestão democrática, assumindo o cidadão como prioridade. (MAMBERTI, 2003).

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