A Inspeção Imobiliária e Os Movimentos Sociais Em São Paulo. - Trab Soc
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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP
Faculdade de Ciências Sociais
SOCIOLOGIA VII
A inspeção imobiliária e os movimentos sociais em São Paulo
São Paulo, 11 de junho de 2014
TURMA: CS0MA7
A inspeção imobiliária e os movimentos sociais em São Paulo
Lana Efraim e Bianca Fasano
O trabalho aqui apresentado tem como objetivo analisar um acontecimento que eclodiu no
centro da cidade de São Paulo no final do ano de 2013, motivado pelas jornadas de junho
momento em que a as manifestações realizadas na cidade passam a dar um novo significado
ao centro da metrópole, essa região se tornou passarela das manifestações, pois sua estética
e dinâmica serviram como estimulo e motivação para que os protagonistas jovens a
tomassem atitudes em relação aos encaminhamentos e desenvolvimentos da metrópole.
Entre estes movimentos, o que recebe aqui a nossa atenção, é a ocupação do Parque
Augusta, denominado por seus integrantes como: “exemplo de espaço vivo e
organicamente gerado” o parque fica localizado num terreno de 24.000 metros quadrados
entre as ruas Augusta, Caio Prado e Marquês de Paranaguá, possui uma área que abriga um
bosque tombado formado por mais de 700 árvores, a última área verde preservada na região
central da maior cidade do hemisfério sul do planeta. A briga por um projeto de parque
vivo e público ganhou força após a grande movimentação ocorrida na cidade depois de
junho de 2013, durante o mês seguinte, a discussão sobre o vencimento da Declaração de
Utilidade Pública, que sinalizava a intenção de desapropriação por parte do poder público e
garantia a Prefeitura à preferência de compra em uma eventual negociação, fomentou a
discussão política acerca do tema. Além disso, o início da construção de um muro sinalizou
a determinação das construtoras Cyrela e Setin em levar adiante a proposta das torres de
edifícios e o total descaso com o qual era tratado o tema por parte da administração pública.
O grupo que toma a frente diante do projeto organiza-se de forma horizontal e
autogestionária, onde as decisões acerca do que será realizado são tomadas em assembleias
abertas e grupo de trabalhos colaborativos. No site, http://www.parqueaugusta.cc/, espaço
dedicado ao debate e informações sobre o projeto, a sua forma autogestionária e seu sentido
público se mostram claramente através dos dizeres “Vivo porque é como se ele nos
conduzisse a todos, chamando em sua ajuda os mais diversos esforços e atores. Aqui as
mais diversas concepções políticas e existenciais convivem no espaço público; aqui a noção
de público, coisa pública, é também condição para que a Pluralidade possa criar raízes e ser
respeitada. Orgânico porque nasce naturalmente, sem decreto, sem adubo, sem inseminação
politiqueira, sem agrotóxicas negociatas… vem antes mesmo da lei, num processo
protagonizado diretamente pelos cidadãos, apresenta-se, pacífica e democraticamente
enquanto Parque e depois a normatização vem consagrá-lo. ”
Sendo assim, a partir de julho, os jovens passaram a ocupar o espaço, e ativa-lo com
produções culturais, artísticas e ambientais, o parque enfim, passou a ter mais vida, e seu
espaço passou a ser utilizado por todos que tinham interesse em compartilhar um ambiente
agradável, e verde no meio da cidade cinzenta. O parque, que se mostrou uma área verde
muito maior do que a imaginada, passou a ser o palco de muitos ativistas que tem a
intenção de melhorar a qualidade de vida no centro da cidade, mantendo o parque ao invés
de investir na construção de mais uma moradia privada de alto custo para os que ai
residirão. Durante os meses de luta, os organizadores realizaram desde festivais artísticos,
fóruns acadêmicos e debates abertos para a divulgação e utilização da área, desconhecida
pelo grande público, até mutirões de limpeza e conservação do bosque, abandonado pelos
responsáveis legais há 25 anos, que removera mais de 5 toneladas de lixo acumulado.
Simultaneamente, visitas aos gabinetes dos vereadores para apresentar e cobrar apoio ao
movimento, passeatas, vigílias, argumentação jurídica e ambiental bem fundamentada
criaram uma pressão política que culminou na aprovação em segunda instância pelos
vereadores do Projeto de Lei referente ao Parque Augusta, engavetado desde 2007 e a
sanção por parte do prefeito Fernando Haddad no dia 23 de dezembro de 2013, com sua
publicação no diário oficial no dia seguinte. Porem a Secretaria do Verde e do Meio
Ambiente, juntamente com a prefeitura de São Paulo alegam não ter dinheiro para a
realização do parque, o fato do terreno não ser da prefeitura e de necessitar de um processo
de expropriação do mesmo encarece demais o projeto. Após pesquisa realizada pelos
integrantes do movimento junto ao cartório de registro de imóveis descobriu-se que a
alegada transferência de título foi rejeitada pelas autoridades avaliadoras competentes,
justamente com base no direito de preferência assegurado ao poder executivo municipal.
Do ponto de vista jurídico, com a sanção da lei 345/2006, fica caracterizada a utilização do
direito de preferência por parte da prefeitura e extinta a propriedade do terreno, restando
aos antigos proprietários apenas a posse do mesmo, que se extinguirá na conclusão do
processo de desapropriação. Posse esta que impede o detentor de qualquer negociação
envolvendo a área. Apesar do decreto do prefeito tombando a área e legitimando sua
passagem como pública, no dia 23 de dezembro de 2013, o parque foi fechado devido a sua
compra pelas construtoras Setin e Cyrela, que tem a intenção de criar duas torres no espaço
para o uso privado dos indivíduos que tiverem capital para investirem na moradia ai
residida. A solução proposta pela construtora interessada na área é a de erguer duas torres e
manter a área de preservação do bosque, área essa tombada pelo patrimônio histórico. Tal
proposta foi negada pelos integrantes do movimento, que alegam querer um parque vivo,
público e orgânico.
Este trabalho, foca então nestes dois protagonistas do movimento conhecido como Parque
Augusta: os jovens ativistas que tem como intenção manter o parque uma área verde e
pública, e por outro lado, as construtoras que querem destruir a ultima área virgem do
centro da cidade para criar uma moradia privada para a classe média alta, elitista.
Para o levantamento das informações sobre o movimento, usaremos como fonte as páginas
online dos ativistas que tomam a frente nas demandas do organismo Parque Augusta, as
noticias divulgadas pelas mídias, jornais e revistas, além do livro “cidades rebeldes” e
textos utilizados em aula de sociologia dos autores José Machado Pais e Zygmunt Bauman.
Com isto procuraremos mostrar qual a situação do terreno, e o que levou o
desencadeamento do conflito entre os jovens (luta pelo público) e das construtoras (luta
pelo privado) colocando como recorte fundamental a elitização das decisões politicas,
influenciada pelos portadores de capital, a minoria, e não pelos membros da sociedade
como um todo, a maioria.
2º Parte
O século XX é um século de grandes mudanças, neste âmbito, o capital econômico passa a
ter um significado cada vez mais marcante, e com a globalização, as dinâmicas antes
conhecidas como: a demográfica urbana, ambiental, social e econômica passam por
drásticas alterações; padrões antes desconhecidos passam a ser aceitos. Ainda com
influencia do ajuste fiscal e do aumento populacional, a população da cidade sente na pele
os novos rumos que a metrópole toma.
A desigualdade social vai ganhando dimensões antes não imaginadas, separando a
sociedade em fragmentos. Os mais favorecidos são beneficiados pelos poderes públicos e
privados, enquanto as outras parcelas da sociedade sofrem com o recuo das politicas
publicas, são esquecidas à margem de uma sociedade globalizada. Zygmunt Bauman
discute esta desigualdade em seu texto “Danos colaterais, desigualdades sociais em uma era
global”, no qual explica que a sociedade é vista como uma estrutura, e “avaliada pela
qualidade média de suas partes”1, de forma que se uma pequena parte se mostrar negativa
ou abaixo da média, o todo não é afetado, e é por este motivo que o estado da sociedade é
avaliado pelos índices médios de rendimento, deixando de lado a variação de um dos
segmentos da sociedade para o outro, o grau e a distribuição de renda. Assim a
desigualdade é colocada apenas como um problema financeiro, analisada a partir dos bens
capitais dos indivíduos, e não pela qualidade da sua vida cotidiana e seus acessos aos
direitos universais.
Esta desigualdade social passa a ameaçar a “lei e a ordem”, pondo em risco os integrantes
da sociedade. A organização desta, se da desta maneira, pela divisão das classes, que
eclodem com a distribuição de renda, e são cada vez mais segmentadas devido às
classificações dos jovens como delinquentes, por não se enquadrarem na filosofia do
consumo, e terem cada vez menos opções e oportunidades de vida, entretenimento,
trabalho, educação ou saúde.
A leis, os direitos, a economia da metrópole voltam-se não para um bem comum, mas a um
bem capital, a sua proliferação, idealizando o Primeiro Mundo deixam de promover uma
qualidade de vida que atinja a todos os moradores, ao alterar a urbanização com o foco nos
automóveis, por exemplo, se esquece dos que transitam de transporte publico, bicicleta ou a
pé. Os benefícios das politicas publicas ao invés de serem distribuídos igualmente são
voltados para uma classe especifica.
Como demonstrado no texto “Liberdade da cidade”, o direito à cidade é o direito de
apropriar-se de seus espaços e suas ferramentas e molda-las de acordo com os desejos de
1 BAUMAN, Z, “Danos colaterais, desigualdades sociais numa era global”, ZAHAR, introdução, p. 8
seu coração. A sociedade deve ser ouvida, como um todo, deve moldar-se a partir de seus
habitantes, e não ao contrário. Nos encontramos em um momento onde os indivíduos
alteram-se para poder se identificar com os espaços em que transitam. Entretanto, a parcela
da população que sofre com o desdém das politicas, é posta no papel de marginal, são
excluídos da democracia da metrópole. A falta de direitos e de serviços públicos que
auxiliem a maioria da comunidade, proporciona um sentimento de revolta, que vai se
culminando na sociedade. Assim como demonstra Bauman em seu texto, estas pessoas se
tornam “vítimas da manutenção da ordem e do progresso econômico”2, sofrem os danos
colaterais das escolhas realizadas pela minoria capitalista que faz parte da alta elite da
sociedade. Aqueles que são criminalizados, são cada vez mais limitados em seus espaços
sociais e opiniões políticas. É como fator desta desigualdade expressa na sociedade
capitalista, que o movimento do parque augusta toma sua forma, uma atitude de jovens de
classe média e baixa que lutam pela ultima área verde no centro da maior metrópole do
país, com a intenção de torna-la pública, uma área de troca e conhecimento, aberta para
novas culturas e pesquisas, gerida horizontalmente por todos que tem a intenção de
colaborar para o todo, e não para uma pequena parcela da população que tem claramente
mais direitos. Trazendo este debate para dentro da perspectiva de espaço e lugar e a própria
relação entre cidadão e cidade é possível encontrar em diversas publicações do organismo
Parque Augusta a presença da cultura juvenil que encontram nos espaços públicos da
cidade os territórios que informam suas práticas cotidianas, seus valores e suas estéticas. De
modo a demonstrar que a metrópole é ao mesmo tempo do consumo simbólico e suporte da
expressão do imaginário e da visão de mundo dos jovens que a ocupam. Dessa maneira os
significados atribuídos à cidade são frutos da relação entre sujeitos e personagens e das
diversas produções de sentidos e diversidade que esses aplicam na metrópole. Grande parte
disso é ocasionada pelos jovens que através de suas vivencias na metrópole dão a ela mais
sentido e características de maneira a deixar de lado a produção industrial e as culturas
massivas e passa a assumir um papel de produtor de estilos, linguagens, e ideias de forma a
destacar a cultural juvenil em nível econômico, social, cultural e político. Como forma de
estudar e analisar essa nova forma de ser e estar no quotidiano, José Machado Pais em seu
livro, Vida Cotidiana, enigmas e revelações, expõe uma nova forma de fazer sociologia que
2 BAUMAN, Z, “Danos colaterais, desigualdades sociais numa era global”, ZAHAR, introdução, p.14
privilegia os conflitos e contradições das rotinas do dia a dia. Nas rotas do cotidiano,
capitulo um do livro anteriormente mencionado apresenta uma Sociologia “retratista” do
cotidiano, no sentido em que Simmel utilizava os seus snapshots. Exploram-se os caminhos
de encruzilhada entre rotina e ruptura, nos quais se revela a construção do social através das
rotas do cotidiano. Conclui-se que o trilhar sociológico das rotas do cotidiano não obedece
a uma lógica de “demonstração”, mas antes a uma lógica de “descoberta”, na qual a
realidade social se insinua, conjectura e indicia, através de uma percepção descontínua e
saltitada de um olhar que a Sociologia do Cotidiano exercita no seu vadiar sociológico.
A sociologia do cotidiano se importa em induzir o social através de observações insinuantes
e indiciosas, ao invés de criar à falsa fantasia sobre o monopólio do real. É exatamente tal
fantasia sobre propriedade daquilo que é real que impossibilita a condição necessária para
que se compreenda o quotidiano. Em conceitos gerais o quotidiano é concebido como
“aquilo que passa quando nada se parece passar”. Quando analisado pelo seu viés da
repetitividade e da normatividade, o quotidiano pode ser compreendido como um campo de
rotinas, sendo essas ações costumeiras e “inconscientes”, das quais não demandam tanta
concentração e cautela para ser executada. Desse modo a pratica da rotina, torna-se a
pratica de condutas seguras, confiáveis onde à realidade se mostra como aquilo que já se
esperava ser.
Essa sociologia do quotidiano se opõe a sociologia que privilegia os fatos e causalidades e
os compostos da repercussão das “causas estruturais” ao conceber a vida quotidiana como
uma trama de condutas diversas sobre “ser e estar”, de modo que coloca a si mesma o
desafio de revelar a vivência social através da conjuntura da rotina.
“(...) a alma da sociologia do quotidiano não está nos fatos – os fatos são o vistoso, a cauda
do pavão. A alma da sociologia da vida quotidiana está no modo como se acerca desses
factos, ditos quotidianos – o modo como os interroga e os revela. ” (PAIS, J. Machado.
2003, pág. 32)
A sociologia do quotidiano se qualifica através do fascínio sobre as dimensões encobertas
pelos pensamentos que privilegiam a posse da realidade, de maneira que não procura
obedecer a uma lógica demonstrativa a insinuar à da realidade, mas sim a recuperação das
características efervescentes, espontâneas e flexíveis da vida social. Procura assim por
aproximar os conceitos da realidade, através da curiosidade de encontrar aquilo que se
passa, mesmo quando nada parece passar. A aplicação de uma construção por partes utiliza-
se da etnografia, que valoriza a busca por detalhes do cotidiano, uma estratégia de pesquisa
que "vai por partes", fazendo da parte um caso (enigma). Viajando o cotidiano, como
flâneur, o pesquisador confronta-se com uma lógica de pesquisa diferente da lógica
demonstrativa que caracteriza o saber disciplinado dos modelos tradicionais de produção
científica. A lógica de descoberta que caracteriza a sociologia do cotidiano afasta-se da
lógica do "pré-estabelecido" que condena os percursos de pesquisa a uma viagem
programada, guiada pela demonstração de hipóteses de partida; a uma domesticação de
itinerários que facultam ao pesquisador a possibilidade de apenas ver o que seus quadros
teóricos lhe permitem ver. Nesta lógica de descoberta, o desafiante é enigmatizar as
indisciplinas do cotidiano, recorrendo à ironia, na certeza de que a obscuridade dos enigmas
é potencialmente clarificadora, reveladora. Os exercícios de hermenêutica que resultam do
"claro-escuro" dos enigmas são debatidos a pretexto dos relatos "obscuros" da etnografia,
mostrando-se que as tendências tropológicas da moderna etnografia incentivam uma
valorização dos detalhes do cotidiano, uma estratégia de pesquisa que "vai por partes",
fazendo da parte caso (enigma).
Tanto os textos do Bauman como os de José Machado Pais, colocam questões pontuais para
a construção sobre o momento que vivemos agora. A condição imposta sobre a concepção
do tempo-espaço atual e a implicações desses na sociedade requer uma análise da
sociologia do quotidiano, pois através disso é possível considerar as vivencias sociais sobre
a conjuntura da rotina. A partir dessa questão pode-se colocar em discussão o direito a
cidade, O direito à cidade é um conceito bastante utilizado nos últimos tempos. É comum
ouvir nas bocas dos gestores públicos, geralmente um discurso completamente separado da
prática. Os gestores públicos deixaram de lado outro elemento de grande importância ao
direito à cidade, faço referência às pessoas que fazem a cidade no seu cotidiano: As que
atravessam a cidade da zona sul ao norte para vender sua força de trabalho num chão de
fábrica ou as que fazem o trajeto da zona leste a oeste na intenção de catar materiais
recicláveis e, ainda, aquelas que passam o dia pelo centro, indo de uma agência de emprego
a outra.
A situação de descompasso entre o discurso e a pratica em relação ao direito à cidade, cabe
uma citação de David Harvey:
“É o direito de mudar a cidade mais de acordo com o desejo de nossos corações (...) A
questão do tipo de cidade que desejamos é inseparável da questão do tipo de pessoas que
desejamos nos tornar. A liberdade de fazer e refazer a nós mesmo e a nossas cidades dessa
maneira é, sustento, um dos mais preciosos de todos os direitos humanos. ” (HARVEY, D.
2013, pág. 28)
O fragmento de Harvey evidencia o direito à cidade como elementar, o envolvimento das
pessoas, identificadas nas classes exploradas ou vítimas de exclusão no espaço urbano, não
um discurso para os técnicos e os políticos profissionais. É como se ao sentarmos lado a
lado das pessoas, discutindo os problemas enfrentados na cidade, buscarmos a criação de
soluções, tomado para as nossas próprias mãos, fazendo um movimento político e social,
diferentemente das realizações dos parlamentos e dos gabinetes. O que teremos é a feito a
releitura de nós mesmos, tendo o entendimento de que a mudança é obra de todos e todas
que vivem nas cidades, de modo a aplicar a sociologia do cotidiano a nossas vidas, para que
assim possamos lidar melhor com a nova condição do tempo-espaço que somos sujeitados a
vivenciar hoje.
3º Parte
O Parque Augusta, foco do estudo aqui apresentado já existe há muitos anos, e tem uma
história um tanto interessante; O local, habitado desde 1907 pelo Colégio feminino francês,
Des Oiseaux, voltado para famílias afortunadas da cidade de São Paulo, foi demolido em
1974. Muito se pensou em fazer com ele, até que em 2004, o terreno que resiste com uma
área de mata atlântica foi tombado como patrimônio histórico, garantindo que a área de não
sofrer intervenções sem autorização da prefeitura e do Conpresp, na escritura do terreno
consta uma cláusula pétrea com a obrigatoriedade de se manter aberta ao passeio público
uma passagem que ligue o bosque à rua, com a intenção de torna-lo publico.
Segundo o site do Parque Augusta, há décadas, mobilizações populares buscam a
legitimidade do parque. Diversos grupos e iniciativas com tiveram conquistas
significativas. Em 2004, por exemplo, a pressão popular ajudou no tombamento do bosque.
Em 2008, o prefeito Kassab decretou utilidade pública à área, proibindo sua compra por
empresas privadas , entretanto o terreno nunca foi desapropriado. Em 2013, o responsável
pelas escolhas legais do estado, não mais Kassab, e sim Haddad, alegou não ter dinheiro
suficiente para tornar o terreno público, desapropria-lo e auxiliar na estruturação de um
parque público, a partir de julho de 2013, as incorporadoras Setin e Cyrela divulgaram o
projeto de construir um complexo imobiliário no terreno. A partir deste momento, as
mobilizações públicas para manter a área verde intacta se multiplicaram e passaram a
chamar a atenção de milhões de jovens que se uniram a causa, a percepção comum de que a
mobilização popular precisava se organizar para concentrar esforços em torno da causa,
levou os grupos e indivíduos que já lutavam pelo parque a se unirem e intensificar a
organização em reuniões e assembleias públicas.
Desde então os indivíduos interessados em lutar pela preservação do parque tem se
organizado para tanto. Foram convocados coletivos distintos com o intuito de chamar
atenção para o movimento que ali estava se iniciando. Desde o inicio o grupo se organizou
para ter um dialogo aberto e direto com todos que gostariam de participar e incentivar o
movimento de criação e implantação do parque, tanto por meio das mídias digitais, quanto
com reuniões presenciais realizadas todas as segundas feiras às 19 horas, a divulgação fora
feita de forma aberta e generalizada. As reuniões procuravam manter uma forma horizontal
de organização, deixando o dialogo aberto a quem quisesse participar ou opinar. Apesar de
a luta ter um motivo comum – a implantação do parque – existia muita dualidade nos
métodos de alcance deste fim; alguns eram contra as festas, outros viam sua importância
para aproximar o publico, a forma de gestão do parque foi o mais discutido, a auto gestão
que promove o movimento é muitas vezes criticada, pela falta de liderança, alguns dos
participantes tentam coloca-se a frente do movimento, porem o grupo mostra-se mais forte.
Os indivíduos foram separados em grupos de trabalho, cada um responsável por uma
função relacionada aos cuidados do parque e a luta para sua preservação, devendo estes
grupos estar em constante contato com o todo.
As reuniões seguiram sendo realizadas dentro do parque, até que no dia 29 de dezembro de
2013, os portões do parque foram fechados. As construtoras que compraram o terreno se
apossaram da área e colocaram os personagens ativos no movimento para fora do bosque.
Os jovens agora ao invés de lutar pelo parque dentro dele, o fazem sobre seus muros.
A questão do parque como um ambiente público foi levada a secretaria do meio ambiente, e
ao prefeito da cidade de São Paulo, os advogados ativistas participam incansavelmente do
movimento que vem se desdobrando a partir dai, entretanto a força das grandes empresas
acabam tomando frente na discussão. Nota-se ai claramente que a propriedade privada e o
capital são os grandes motivadores do desenvolvimento urbano, tomando posse de toda a
metrópole.
A Cyrela e a Setin ao perceberem que os jovens ativistas não desistiriam com facilidade
desta luta pacifica pelo parque, propuseram utilizar apenas uma área do terreno do parque
para construir um condomínio com duas torres, o restante seria disponibilizado para o
parque como uma entrada pública, entretanto, o que é colocado pelos manifestantes que
lutam em pról do parque é que se este projeto das construtoras realmente fosse executado, o
parque deixaria de ser um parque público no cetro da cidade, para ser uma praça, ou bosque
de um grande condomínio, que seria o responsável por sua gestão, impedindo assim que o
espaço seja utilizado por todos de maneira produtiva. Com esta situação em pauta, a luta
pelo terreno continua na justiça, e ele continua fechado.
O desejo e as propostas em torno da realização do projeto e espaço onde este se localiza
fazem referencia com o conceito encontrado em Certeau, onde o autor considera o espaço
enquanto vivenciado, ou seja, um determinado lugar só se torna espaço na medida em que
indivíduos exercem dinâmicas de movimento nele através do uso, e assim o potencializam e
o atualizam. Quando ocupado, o lugar é imediatamente ativado e transformado, passando à
condição de lugar praticado. O lugar praticado é algo fisicamente imóvel que depende das
dinâmicas de deslocamentos de um coletivo para se resinificar e atualizar-se
constantemente. A partir disso pode-se concluir que o desejo dos integrantes do movimento
projeto Parque Augusta de criar um lugar público e vivo socialmente, é também a
reivindicação por um espaço público não apenas no sentido de acesso, mas também no
conceito de que o público só adquire identidade quando praticado pelos indivíduos através
do contato físico, pressupondo um tipo de apropriação do lugar. As transições de um lugar
a outro, realizadas pelo coletivo de praticantes das cidades geram reverberações constantes
nas passagens de lugar para lugar-praticado, de anônimos para portadores de identidade.
Bibliografia:
BAUMAN Zygmunt. Introdução, in Danos colaterais. Desigualdades sociais numa era
global. Rio de Janeiro, Zahar. Ed 2013.
BAUMAN, Zygmunt e MAY, Tim. Tempo espaço e (des)ordem, in Aprendendo a pensar
com a sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2010.
CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.
HARVEY, David Harvey. A liberdade da cidade, in Cidades Rebeldes: Passe livre e as
manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo, Boitempo, 2013.
HARVEY, David. “A compreensão do tempo-espaço e a condição pós-moderna”.
Condição pós moderna. São Paulo, Loyola, 1994.
PAIS, J. Machado. Nas rotas do quotidiano,
_______________ À descoberta dos enigmas do quotidiano, in Sociologia da vida
cotidiana: enigmas e revelações. São Paulo, Cortez. 2003.