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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO A VEZ DO MESTRE A INTERFERÊNCIA DA CULTURA DA SOCIEDADE BRASILEIRA NA GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS Por: Viviane Gonçalves Ferreira de Oliveira Orientador Prof. JORGE VIEIRA Rio de Janeiro 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

A INTERFERÊNCIA DA CULTURA DA SOCIEDADE BRASILEIRA NA GESTÃO DE

POLÍTICAS PÚBLICAS

Por: Viviane Gonçalves Ferreira de Oliveira

Orientador

Prof. JORGE VIEIRA

Rio de Janeiro

2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

A INTERFERÊNCIA DA CULTURA DA SOCIEDADE BRASILEIRA NA GESTÃO DE

POLÍTICAS PÚBLICAS

Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do

Mestre – Universidade Cândido Mendes como

requisito parcial para obtenção do grau de

especialista em Gestão Pública.

Por: Viviane Gonçalves Ferreira de Oliveira

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, meu Senhor, Salvador e Autor da minha vida. Agradeço o apoio diário do meu marido e companheiro Themis. Agradeço a minha mãe, que supriu todas as minhas necessidades neste último ano em que estive me dedicando aos estudos. Agradeço ao meu chefe Gustavo, que, superando todas as minhas expectativas, viabilizou a realização de mais um sonho.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho ao meu pai, que, aos 60 anos, me deu mais uma lição de vida completando seu ensino médio com muita garra e força de vontade. Este exemplo me fez entender que há tempo para tudo na vida. Não importa a grandiosidade dos nossos sonhos, eles só se realizarão no tempo certo.

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RESUMO

A cultura é o conjunto de hábitos e comportamentos que refletem crenças, atitudes

e valores. Ela é capaz ordenar grupos distintos de pessoas, formando sua linguagem

própria a fim de seguir um referencial, além de fornecer esquemas de interpretação do

mundo e das dificuldades vivenciadas por um conjunto social. Se baseado nessa teoria,

vemos que uma cultura promove relevante peso na esfera política. Para entender a

cultura atual brasileira, devemos analisar o processo de formação da identidade de seu

povo, ou seja, fatos históricos ocorridos.

Outro ponto relevante para a construção da identidade de uma nação é a condição

propícia para que se exerça a cidadania, formada pelos direitos sociais, direitos civis e

direitos políticos.

Um ponto positivo para aspectos políticos é a questão da confiança, que deve ser

considerada desde o primeiro momento. O sistema político nunca deixou de demandar

uma boa dose de confiança, mesmo que a maioria entenda que esse critério esteja

demasiadamente distorcido. Não podemos ignorar que, no processo de eleição, existe a

busca da confiança do eleitor que, a partir do momento que passa a acreditar e confiar

naquela proposta, também irá dar seu voto de confiança nas urnas.

Um problema político no Brasil, grande impulsionador das irregularidades

existentes, é a impunidade, que também pode ser percebida pela morosidade forçada da

justiça em casos específicos e não se limita a políticos, gerando descrédito popular.

Considerando que, em determinada fase de nossa vida, estruturamos a construção de

circuitos lógicos do cérebro que se concretizam através da experiência, verificamos uma

deficiência justamente na confiança do eleitor ante tal impunidade. Ao passar do tempo

nossas atitudes tendem a entrar em certa inércia que reforça a dificuldade mudanças e

aumenta sua resistência. Com isso somos a uma postura de prudência nas decisões ou

até recusa em relação às inovações.

Outro problema identificado no cenário da política pública no Brasil ganha força na

condição de memória curta do eleitor, que faz com que os políticos procurem atender

demandas de curto prazo. O imediatismo do eleitor também reforça esse problema.

Uma característica de parte da população brasileira é não acreditar na sua própria

força política, não acreditar que seu voto ou sua voz ou talvez achar que esses atos

percorrem o caminho mais longo e difícil para alcançar seus direitos. O resultado disso é

deixar de agir em prol de seus interesses e se posicionar como o “coitado” que sempre é

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visto como vítima da sua própria condição.

Outro reflexo dessa característica é aceitar o caminho mais curto do conhecido

“jeitinho” para lograr êxito. Esta condição reflete em certa conformidade do indivíduo

diante da sua condição desprivilegiada. Dessa forma, a política pública acaba por “tapar

os buracos” da falta de atitude popular para mudar o estado em que se encontram. Este

problema não exime as responsabilidades do Estado, apenas “enxuga” seus excessos. O

“jeitinho brasileiro” é uma prática que implica em personalizar relações através da

descoberta de um interesse comum, uma característica comum ou uma pessoa em

comum.

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METODOLOGIA

O trabalho será baseado em pesquisas a livros, debates, sites da Internet e artigos

sobre políticas públicas, gestão pública. Será conduzido através de pesquisas

qualitativas, pois intentará estimular livre pensamento sobre o tema.

Realizado de forma descritiva, procura expor possíveis razões dos entraves

políticos.

Ao final do trabalho pretende-se fazer com que os leitores apreciem os aspectos

expostos e tenham percepções e entendimentos sobre a natureza geral da questão

abordada, facilitando sua interpretação.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 9

CAPÍTULO I – DILEMAS CULTURAIS E COMPORTAMENTO DO MODELO BRASILEIRO ...... 10

1.1 - A importância da cultura na interpretação de um cenário ....................................................... 12

1.2 - Individualismo x coletivismo .................................................................................................... 13

1.3 - A formação da identidade brasileira ....................................................................................... 14

CAPÍTULO II – POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL .................................................................... 17

2.1 - Problemas políticos ................................................................................................................ 18

2.1.1 - Política Fiscal: um exemplo prático de influência cultural ............................................ 21

2.2 – Cidadania no Brasil ............................................................................................................... 21

2.2.1 – Brasil Colônia ............................................................................................................. 22

2.2.2 – Choque cultural .......................................................................................................... 22

2.2.3 – Estado sem nação ..................................................................................................... 22

2.2.4 - República sem participação popular ........................................................................... 23

2.2.5 - 1930: surgimento de direitos sociais ........................................................................... 23

2.2.6 - O retrocesso dos direitos na Ditadura Militar ............................................................... 23

2.3 - Participação política .............................................................................................................. 24

2.4 - Governabilidade .................................................................................................................... 26

2.5 - Inversão de valores: Ladrão Estado x Estado ladrão ............................................................ 27

2.6. – Políticas Públicas no governo Lula ...................................................................................... 27

2.6.1 – Finanças públicas ....................................................................................................... 27

2.6.2 – Renda, investimento e emprego .............................................................................. 28

2.6.3 – Concepção hegemônica ......................................................................................... 28

2.6.4 – Bolsa Família ............................................................................................................. 30

2.2.5 – Alguns apontamentos ................................................................................................ 23

CAPÍTULO III – REFORMA CULTURAL ....................................................................................... 32

3.1 - Desenvolvimento social, uma questão de confiança .............................................................. 32

3.2 - Síndrome do “pobre coitado” ................................................................................................. 36

CONCLUSÃO ................................................................................................................................ 38

BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................. 40

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INTRODUÇÃO

O assunto política começa a ser abordado ainda na Grécia Antiga (séc. VII a VI

a.C), berço de nossa civilização. Nela surge a polis (cidade) onde, em praça pública

(ágora), se debatiam assuntos de interesse comum. O cidadão participava do destino da

cidade através da palavra dita à luz do dia, de maneira audível a todos. Porém criticar

políticos ao ponto de ocupar de fato o lugar de dono do poder originário, direito do

cidadão, é relativamente novo e, no Brasil, esse ato ainda não se encontra totalmente

amadurecido.

No século XX surge o acesso à informação com maior transparência, diversidade e

velocidade. Diante deste fato, o poder de governar teve seus horizontes limitados, da

mesma forma o poder do governado aumentou. Um ponto relevante e que deve ser

considerado é que esse desenvolvimento trouxe bagagens, histórias e experiências

culturais que possuem considerável peso. Tanto antes da participação efetiva do povo

quanto após sua gradual intervenção na política, a cultura teve relevante importância, e é

esse ponto que se pretende aprofundar.

O motivo da escolha do tema é que, no Brasil, ainda não houve tempo suficiente

para se concretizar uma postura política sólida proveniente dos direitos políticos por parte

do cidadão. Por outro lado, existe um setor público carente de requisitos básicos

necessários para gerir políticas públicas, o que gera um maior prejuízo ao cidadão

brasileiro. Considerando o pequeno espaço de tempo em que o Brasil construiu sua

identidade, relevando a forma com que foi colonizado e as discussões sobre o motivo de

haver tantos descontroles políticos, o trabalho ressalta a questão da cultura brasileira

mostrando sua relevância na gestão política.

Entende-se como importante um aprofundamento no universo político e a

exposição de ferramentas que facilitam e as que dificultam sua perfeita desenvoltura.

Todas essas abordagens trazem à tona a necessidade de se melhor compreender

a dinâmica da gestão de políticas públicas no Brasil, considerando também as

particularidades das raízes culturais do país. Com vistas a compreender as

conseqüências dessas relações tenta-se responder a seguinte questão:

A cultura brasileira pode influenciar a gestão de políticas públicas?

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CAPÍTULO I – DILEMAS CULTURAIS E COMPORTAMENTO DO MODELO

BRASILEIRO

A cultura se exprime através de hábitos e comportamentos que refletem crenças,

atitudes e valores. Ela é capaz ordenar grupos distintos de pessoas que formam sua

linguagem própria a fim de seguir um referencial e fornece esquemas de interpretação do

mundo e das dificuldades vivenciadas por um conjunto social além de dar sentido a elas.

Ressalta-se como característica da questão cultural o aspecto temporal, ou seja a

sua transitoriedade. A formação de uma cultura se desenvolve no decorrer do tempo, se

constrói em um espaço que não pode ser limitado no tempo, pois não é momentânea, e

sim algo em constante aprendizado e aperfeiçoamento.

A cultura e a sociedade não são coisas momentâneas. Saíram do passado, existem no presente e continuam no futuro. São o produto do que foram, sob a ação de condições e influências que encontram no momento. Serão o produto do que foram e do que são,sob a ação de condições e influências que as empenham hoje e as empenharão no futuro. (FROST e HOEBEL, 1999 p.11)

Além de não poder se limitar ao tempo e ao espaço, os aspectos culturais, são

reflexos de experiências vivenciadas por indivíduos dentro de um contexto, também não

estão ligados à questões congênitas, ou seja, por mais que a ligação familiar interfira em

parte nas futuras escolhas de uma pessoa, ela não pode ser considerada algo genético,

como frisa o autor do livro Antropologia Cultural e Social.

Cultura é o sistema integrado de padrões de comportamento aprendidos, os quais são características dos membros de uma sociedade e não resultado de herança biológica. A cultura não é geneticamente predeterminada; é não-instintiva. É o resultado da intervenção social e é transmitida e aprendida somente através da comunicação e da aprendizagem. (FROST e HOEBEL, 1999 p.4)

Para entender melhor a importância dessa transitoriedade cultural, pode-se pensar

em uma situação onde crianças estivessem em um local isolado (por exemplo, uma

floresta). Imaginando que elas sobrevivessem nas adversidades (o que seria praticamente

impossível devido ao frio, ao perigo de animais, à fome e etc.), elas não receberiam

informações de pessoas que já tiveram experiências anteriores e que poderiam ajudá-las

a lidar com suas dificuldades, muito pelo contrário, acabariam por desenvolver uma

cultura baseada nos seus próprios instintos, esses sim genéticos.

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Essas crianças passariam a se comunicar por sons e gestos, não haveria escrita e

sua linguagem seria específica do grupo. Iriam comer, beber, chorar e agir com impulsos

básicos, que não estariam em acordo com gosto ou limites que conhecemos. Cedo ou

tarde passariam a se movimentar com ajuda das pernas e talvez antes do período

aceitável ou do parceiro considerado ideal, teriam experiência de copulação sem nenhum

pudor.

No final das contas, estas crianças acabariam desenvolvendo um tipo de cultura

muito diferente da nossa, o que não significa que essa cultura seja menos ou mais

importante do que a que vivemos. Neste caso é possível identificar a importância da

transitoriedade como parte da formação cultural de um grupo. Essa transitoriedade é

definida pelo autores CESNIK & BELTRAME como cultura-transição:

“se define pelas formas em que as sociedades geram a transmissão de cultura. Esse conceito, cunhado por Wernier, baseia-se na definição da tradição, que se define como “o que persiste de um passado no presente em que ela é transmitida. Presente em que ela continua agindo e sendo aceita pelos que a recebem e que, por sua vez, continuarão a transmiti-la ao longo das gerações"” (CESNIK & BELTRAME, 2005 p.33)

Outro aspecto importante sobre a cultura é a predominância de um gênero

(feminino ou masculino) no grupo social, o que também é uma forma de analisarmos a

cultura de uma sociedade. Apesar de, até pouco tempo, a participação feminina não ser

um assunto que gerasse uma discussão, hoje já podemos considerá-la importante no que

tange ao assunto cultural. Esse aspecto ganha força no sentido e mensurarmos os

relacionamentos entre valores dominantes e a preocupação com o bem estar e qualidade

de vida.

Dessa forma, uma sociedade predominantemente feminina não teria grandes

problemas em lidar com mulheres que dirigem tratores e homens que cuidam da casa, o

que não é o caso do Japão, país predominantemente masculino que espera que as

mulheres permaneçam em casa. Já na Suécia, espera-se mais da participação feminina

do mercado de trabalho e quando nasce um filho, tanto o pai quanto a mãe podem pedir

licença para cuidar da criança.

Um desses aspectos é a forma de interpretação. Como se pode imaginar, a postura

ante um cenário específico também será puramente influenciada pelos aspectos culturais

de um indivíduo, o que será aprofundado adiante.

Cada sociedade tem a sua cultura própria, e o resultado lógico desse fato é que os

comportamentos que definem o membro dessa sociedade são significativamente

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diferentes dos comportamentos e idiossincrasias dos demais membros das outras

sociedades, em diversos aspectos.

1.1 – A importância da cultura na interpretação de um cenário

Como foi anteriormente citado, a cultura fornece ferramentas necessárias para a

interpretação do mundo. A percepção de uma realidade, uma situação, um cenário

político, social ou familiar pode variar muito de acordo com a cultura regional. Dessa

forma a estratégia definida para uma determinada situação acaba sendo direcionada pelo

contexto.

“Podemos compreender cultura como uma teia de significados em fluxo. Basicamente, isso significa que o ser humano é ao mesmo tempo um ser social e cultural, que compreende o mundo através das categorias da cultura que lhe foram ensinadas no processo de socialização. (...) é uma lógica classificatória que nos permite apreender e compreender uma realidade, fazendo sentido dela.” (MIGUELES, 2007 p.20)

Um exemplo claro seria a simples figura de uma vaca. Quando uma mãe diz ao

filho: “Filho, olha a vaca” isso pode ser claramente entendido por nós, porém, dependendo

da cultura em que se esteja incluído, esta frase surtirá efeitos muito diferentes devido às

interpretações.

Na Índia, essa frase pode significar a menção a um animal sagrado, que é o que

rege a cultura do local. Lá esse animal anda tranquilamente pelas ruas e mercados, sua

presença é motivo de alegria e as pessoas chegam a se aproximar e tocar no animal em

ritual de respeito. Com isso o efeito seria que aquela criança se aproximasse do animal

alegremente com intuito de tocá-lo e saudá-lo.

No Brasil, este animal seria visto por esse filho de maneira muito diferente, já que

aqui ele serve para prover o alimento (leite e carne), além de ser o sustento de muitas

famílias. Dessa maneira o efeito seria muito diferente do primeiro exemplo, seria possível

que aquela criança pudesse dizer “Mãe, eu quero beber leite!” ou “Vamos fazer um

churrasco!”.

Mas qual seria a importância dessa interpretação para a gestão de políticas

públicas, foco do presente trabalho? A resposta seria: Faz toda a diferença. Pois bem, a

interpretação de um ato político pelos eleitores influencia profundamente nas futuras

ações do mesmo. Uma prática corrupta pode ser facilmente esquecida pela população

após um discurso bem elaborado, isso faria com que esse candidato se elegesse

novamente e continuasse a praticar tais atos.

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1.2 – Individualismo x coletivismo

Fala-se em individualismo nas situações em que as pessoas se definem como

indivíduos que se importam apenas com elas mesmas e com pessoas mais próximas,

neste caso a rede social é difusa. A situação inversa, o coletivismo, é caracterizada por

redes sociais profundas, onde as pessoas fazem uma distinção entre seus próprios

grupos, que incluem parentes, grupos, organizações, entre outros. Neste espírito coletivo

espera-se que seus grupos dêem proteção e amparo aos seus integrantes, fornecendo

segurança em troca da lealdade.

A importância que cada conjunto de individuo atribui ao seu grupo pode afetar

definitivamente a forma de vida, governo e o rumo do próprio país.

No Japão a cultura é tipicamente coletivista, as pessoas já crescem sendo

instruídas de que têm uma grande dívida com seus antepassados, isto é, aqueles que

proporcionaram as condições necessárias para a sua existência. Isso faz com que o

espírito da coletividade se espelhe no cuidado com o próximo, um reflexo disso é a falta

de uma política direcionada à previdência social, uma vez que a própria família detém a

responsabilidade de cuidar dos mais idosos.

Os japoneses acreditam que o desejo do grupo precisa prevalecer sobre as

crenças e comportamentos dos membros individuais. O foco na capacidade de auto-

sacrifico e dedicação ao coletivo faz com que os pais entendam que seus filhos,

posteriormente, serão o amparo da sua velhice, serão as pessoas que darão condições

para uma vida tranqüila a longo prazo.

Outro ponto relevante é a importância dada aos anciãos, que são considerados

detentores do saber pleno. Por outro lado, esta cultura gera opressão social para que

todos se enquadrem no perfil estabelecido de bem estar comum.

Nos EUA, o perfil que predomina é o individualismo, onde a crença e o

comportamento são determinados por cada indivíduo. Uma pessoa detentora de grande

admiração é aquela capaz de passar por tudo e todos para demonstrar seu ponto de

vista, ou seja, o mérito se relaciona com a capacidade de uma pessoa chegar a

resultados através da pró-atividade e da autodeterminação. O foco é no resultado

individual.

Uma forma simples de entender a diferença entre as duas culturas é através de

filmes desenvolvidos em cada país. Os japoneses costumam expor as artes marciais

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ressaltando a disciplina com o corpo e o espírito através do ensinamento de um mestre

(geralmente idoso). A idéia é vencer a si mesmo em prol de uma vida mais saudável

espiritualmente e sustentável com os demais.

Em contrapartida, os americanos privilegiam enfatizam os mocinhos que detentores

de uma aparência escultural, pois o estereótipo acaba sendo o cartão de visita com maior

peso. As maiores tramas se desenrolam em meio a catástrofes onde o protagonista

procura defender seu ideal, sua verdade, custe o que custar. Muitas das vezes o êxito

demanda de grandes tragédias.

O Brasil é um país relativamente novo, talvez por isso ainda não exista uma linha

definida de individualismo ou coletivismo. Podemos, contudo, analisar aspectos

específicos, como na política e no turismo. Politicamente falando, não há dúvidas de que

ainda existe bastante individualismo. Por outro lado o nosso país, com destaque para a

cidade do Rio de Janeiro, é reconhecido mundialmente pela sua hospitalidade e

receptividade na área de turismo e hotelaria.

Alternando a incorporação da ideologia individualista e igualitária, típica das sociedades ocidentais modernas, e a adesão a uma ideologia coletivista e tradicional, o Brasil combina o individualismo e a impessoalidade requeridos pelo Estado moderno com o personalismo que predomina nas relações tradicionais. (MIGUELES, 2007. p. 95)

Cada um desses tipos de cultura exerce um determinado controle de seus

membros integrantes. O coletivismo, como já citado, traz a tona a pressão social como

fonte principal de controle, desta forma a desonra e a vergonha perante a sociedade têm

um peso grande, o que não ocorre na sociedade imediatista, que demonstra controle

através da pressão interna, sendo a culpa o ponto mais relevante. Enquanto os membros

das culturas coletivistas ressaltam a harmonia, os individualistas ressaltam o auto-

respeito. Quando se fala em cultura de país, é imprescindível ressaltar a forma como se

estabeleceu a identidade deste, o que, no caso brasileiro, será abordado no próximo

tópico.

1.3 – A formação da identidade brasileira

O que é uma identidade? Para um cidadão a identidade é um documento oficial

que o torna parte da sociedade, que o identifica. Esse registro detém suas características

pessoais, que não se repetem para outra pessoa, características essas formadas pelo

nome, data de nascimento, filiação e até mesmo o próprio número da identidade. Essa

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também é a idéia da identidade de uma nação, que se estabelece no decorrer dos anos e

leva em consideração inúmeros fatos ocorridos por fatores externos, como a colonização,

ou por fatores externos, como as revoltas sociais.

A relação entre a identidade de um país e a sua cultura é que esta é proveniente

daquela. Os fatos ocorridos marcam sua identidade e a cultura é a forma como esses

fatos refletem nos hábitos, comportamentos, crenças, atitudes e valores. Para

entendermos a formação da identidade brasileira devemos relembrar sua história.

A aceitação de uma entidade abstrata como a pátria como objeto de lealdade suprema, acima da família e de outros grupos primários, só pode constituir fator poderoso de criação de uma identidade nacional. A existência de uma identidade nacional, para além da simples titularidade de direitos, tem sido reconhecida como ingrediente indispensável da cidadania. (CARVALHO, virtualbib.fgv.br/ojs/index.php /reh/article/viewFile/2029/1168. Acesso em: 16/06/2010.)

Como já se sabe, o propósito da colonização no Brasil não era o povoamento,

como o que ocorreu com a América do Norte, e sim a exploração de riquezas naturais. A

concentração e terra, a escravidão e a produção para exportação ao mercado externo

foram traços que definiram a colonização portuguesa na América. Começa aqui uma

questão fundamental para começarmos a entender a identidade brasileira. Os

colonizadores do século XV tinham como objetivo, além de difundir sua fé, encontrar

riquezas que pudessem ser vendidas para Europa.

O Brasil não tinha capacidade para se equiparar às Índias e suas especiarias, a

princípio, se limitavam ao pau-brasil e em animais exóticos. Os índios, nativos da colônia,

não tinham uma produção rentável, já que era de subsistência. Com isso a eminência de

ataques de outros europeus fez com que a Coroa portuguesa inicializasse a colonização,

ocorrida após trinta anos de descobrimento.

Como os nativos da época não tinham a resistência necessária para suportar

trabalhos forçados, sendo estes abatidos por epidemias e guerras, a solução seria a

importação de escravos que vinham da África, que ocorreu a partir da metade do século

XVI.

Um reflexo do modelo da colonização era a educação. Inicialmente os jesuítas,

além de catequizar os índios, cuidavam também da educação. Até a chegada da família

real ao Brasil (22 de janeiro de 1808), não existia universidade, diante disso os

estudiosos, que eram parte da elite e também pensadores, formadores de opinião e

políticos, tinham precisavam procurar formação na Europa. As instruções recebidas eram

provenientes de idéias européias (baseadas nas respectivas ideologias européias). Uma

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delas defendia a idéia que a população negra era um empecilho para o desenvolvimento.

Resultado disso foi uma tentativa frustrada do “branqueamento” da população.

A composição inicial, basicamente de indígenas e escravos africanos, só se altera

a partir da abolição do tráfico de escravos (ocorrida em 1850) e da escravidão (1888).

Nesse momento cria-se a necessidade de buscar mão-de-obra em países europeus. Três

povos, três raças, três culturas completamente diferentes passam a dividir as terras

brasileiras. Outro ponto importante para a identidade brasileira, a miscigenação. Porém a

tão recente escravidão, que ainda carrega suas marcas até os dias atuais, tornava

inviável uma maior aproximação entre europeus, índios e africanos.

Pela maneira como se formou a população nacional, não se pode falar em cooperação de três raças, ou três culturas. Primeiro, porque houve um processo inicial violento de submissão, pela escravidão, de nativos e africanos, levado a cabo pelos conquistadores. Segundo, porque tanto o contingente europeu quanto o nativo e o africano incluíram diferentes grupos étnicos e culturais. A primeira razão ajuda a explicar os preconceitos e as desigualdades sociais baseados na cor das pessoas. A segunda revela maior riqueza cultural do que a pretendida pelo mito das três raças. Não há entre nós uma cultura branca europeus, mas várias, assim como várias culturas africanas. Além disso, a geografia também responde por boa parte de diversidade cultural. (AVELAR e CINTRA, 2007. p.20)

A base da cultura brasileira é o engenho, é o binômio encontrado entre a senzala e

casa grande. O senhor do engenho era um senhor absoluto em seus domínios, cabia a

ele administrar suas terras, seus animais, sua família e seus escravos. A distância social

era tão grande que pode tentar explicar a indiferença que a classe dominante atualmente

demonstra pelos menos favorecidos, diferente do que ocorre em alguns outros países

onde a noção de igualdade é mais forte. A noção de exclusão se constata quando da

oposição senhor - escravo.

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CAPÍTULO II – POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL

O que ocorreria caso um grupo de pessoas, após um naufrágio, sobrevivessem ao

encontrar uma ilha não habitada, longe de qualquer civilização, no meio do oceano? Com

certeza o alimento iria ser provido através da caça, da pesca, da colheita, os abrigos

seriam feitos pelas madeiras das árvores os por grutas e cavernas. As roupas

provavelmente viriam também dos animais e das plantas.

No primeiro momento as pessoas ficariam bastante assustadas, com medo do que

estaria por vir e da situação desconhecida e totalmente inesperada. Mas e a longo prazo,

o que ocorreria? Bem, considerando que a nova população já estivesse estabelecida na

ilha, surgiriam certos atritos perfeitamente normais da realidade humana.

Perguntas como: Quem decide com quem fica cada espaço de terra? Quem julga

um provável caso de roubo ou até homicídio? Quais as pessoas responsáveis pela

segurança da “tribo” contra prováveis ameaças de animais durante a noite? E tantas

outras questões que dizem respeito ao comum e não podem estar disseminadas dentre

todos os integrantes da comunidade.

Essas atribuições passariam a ser dadas as pessoas com perfil de liderança e que

tenham capacidade de discernir entre o que pode ou não ser o ideal para a comunidade.

Certamente esse personagem seria votado pelo grupo e ocuparia o cargo responsável por

externar a voz do povo. Com certeza uma escolha errada do líder colocaria em cheque a

segurança e o interesse de todo o grupo.

Da mesma forma como foi feito no capítulo sobre cultura, colocar uma variável em

evidência é uma forma mais eficiente para que seja possível estudá-la. Ante essa

história, fica mais fácil entender a importância dos políticos para a sociedade e o seu real

significado, tal como a importância da escolha certa na hora do voto e do

acompanhamento do candidato eleito no que diz respeito às suas promessas políticas.

Existem diversos tipos de lideranças dentro do sistema político que irão influenciar

a postura dos eleitores e que são também influenciados por eles.

Líder com concentração de poder: Este líder é formal que se enquadra em uma

estrutura totalmente hierarquizada e a submissão atende a expressão “manda

quem pode obedece quem tem juízo”. Outra frase que exemplifica bem este

modelo de liderança e que reflete o autoritarismo predominante do líder é “você

sabe com quem está falando?” ou “você sabe quem eu sou?” A postura do líder é

de uma pessoa que se julga com mais direitos e com leis especiais que o

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privilegiam (sendo que as lês gerais se aplicariam apenas às pessoas comuns) e

do seu liderado é de espectador.

Líder paternalista. Este líder está mais aberto às pessoas mais próximas com quem

tem algum interesse comum. É um modelo que mescla conceitos do personalista

com o da concentração de poder. É a figura do patriarca (que tudo pode) com a

lealdade do seu clã. Nesse modelo identifica-se a impunidade e uma certa

flexibilidade do liderado mais próximo.

Líder personalista. Este líder é mais fechado para conflitos com seus liderados e

assume uma postura com finalidade de evitá-los. Nesse modelo o líder ressalta a

importância de dar ao liderado o que convêm para que consiga receber em troca a

lealdade pessoal, que o proporciona conforto.

No Brasil, existem segmentos onde a cultura no topo se diferencia da base, o que gera

conflitos e dificuldade de comunicação.

2.1 – Problemas políticos

A cultura política brasileira sustenta certos pontos críticos. Um exemplo disso é o

fato de que um político, até pouco tempo, poder se eleger mesmo respondendo processos

que se referem a sua má gestão anterior. Esta e outras questões geram o que podemos

denominar de zona de conforto. Esta zona de conforto nada mais é do que uma

flexibilidade colocada à disposição do político de fazer algo errado e continuar no poder, o

que acaba refletindo negativamente tanto na credibilidade da própria política, quanto nos

serviços prestados à sociedade.

A existência de impunidade em proporções preocupantes agrava esta zona de

conforto, isso decorre da cultura cívica imatura e resulta no descrédito político e da

aplicabilidade das leis provenientes dele.

(...) devido à cultura cívica existente ser ainda débil demais para responder positivamente à regulação do poder público, o que ocorre é a deterioração da credibilidade da lei e, por conseqüência, do próprio Estado que permite a disseminação da impunidade. (YAMAUTI 2003 p.339)

A impunidade também pode ser percebida pela morosidade forçada da justiça em

casos específicos e não se limita a políticos, já que “beneficia” também poderosos do

poder paralelo e grandes empresários que detêm da força financeira para se defender de

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investidas processuais. Além do descrédito popular, a impunidade também é grande

impulsionadora das irregularidades existentes no Brasil.

No entanto, hoje já pode-se contar com leis que limitam a flexibilidade da

corrupção, tais como a lei de responsabilidade fiscal (promulgada em 2000) e a Lei da

Ficha Limpa (promulgada em 2010), lei esta que é tão importante quanto a primeira e

impede a candidatura de quem foi condenado em decisão colegiada por improbidade

administrativa, entre outros crimes.

Outro problema identificado no cenário da política pública no Brasil ganha força na

condição de memória curta do eleitor, que faz com que os políticos procurem atender

demandas de curto prazo. O imediatismo do eleitor também reforça esse problema.

Imediatismo é uma característica de individualismo, uma vez que o indivíduo tenta tirar

proveito da campanha para interesses pessoais.

Em uma campanha eleitoral, encontramos eleitores que vendem seus votos em

troca de obras públicas, favores pessoais, empregos e diversas outras recompensas que

se distanciam da finalidade política essencial que é o interesse público. Nesse cenário

vemos aspectos culturais negativos, com a garantia da fatia do bolo a curto prazo, sem

compartilhamento com o todo. Da mesma forma existem aspectos políticos negativos,

pois o político acaba aproveitando mais da zona de conforto existente.

Um governante em seu mandato passa por fases que direcionam suas escolhas e

decisões políticas. Estas fases ditam que atividades que demonstram maior trabalho do

governante (obras, inaugurações de escolas e tudo que possua um estereótipo positivo)

são bem aceitas em término de mandato. Porém estas mesmas medidas não são

cogitadas no início do mandato, devido aos seus custos altos não garantindo, com isso,

maior reconhecimento. Esta postura impossibilita projetos sérios e necessários ao

desenvolvimento nacional.

Na primeira fase é mais propícia à implantação de estratégias de ação com vistas a

resolução de problemas econômicos que poderão afetar os próximos anos. Observa-se

aqui o apoio recebido da opinião pública que tende a dar mais credibilidade no início de

mandato e também o apoio partidário. O autor demonstra abaixo esta fase na visão

específica do presidente da república.

O presidente não enfrentaria nesta fase grandes obstáculos de ordem política e corporativa, podendo, inclusive, desrespeitar normas constitucionais devido à grande confiança nele depositada pela sociedade em situações de crise grave. Os partidos, o Congresso, o Poder Judiciário e os grupos organizados se submetem à força da autoridade presidencial neste momento. É como se as decisões de governo

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estivessem exprimindo diretamente as expectativas da coletividade, assumindo, assim, supostamente, maior legitimidade que qualquer outro mecanismo regular de representação existente. (YAMAUTI, 2003 p. 345)

Na segunda fase pode-se ocorrer a corrosão da credibilidade ante a opinião pública

caso as estratégias apresentadas na primeira fase não obtiverem um expressivo êxito.

Esse descrédito levaria a uma maior segurança dos parlamentares, pois deixariam de se

sentir coagidos pelo político eleito, esse fato traria uma incapacidade do governo de obter

apoio dos partidos para aprovação de novas reformas.

Nesta fase o político já não tem mais a larga margem de autonomia para alocar

recursos, começa a demonstrar que não é capaz de reproduzir os resultados rápidos e

espetaculares que a população esperava e acabará, caso não consiga superar o seu

quadro negativo, enfrentando obstáculos e enfrentando responsabilidades excessivas,

mesmo se não possuir substância política suficiente para satisfazer as expectativas

fomentadas.

Os parlamentares e partidos deixariam de se sentir coagidos pela força política extraordinária que o chefe da Nação apresentava na primeira fase e passariam a barganhar o seu apoio ao governo, rejeitando projetos por este enviados que considerassem politicamente desgastantes, sem ter mais o receio de contrariar a opinião pública. (YAMAUTI, 2003 p. 345)

Finalmente, na terceira fase, se o governo não conseguir efetuar mudanças

positivas, fazendo com que possíveis problemas básicos se prolonguem por um tempo

mais longo que o aceitável, certamente ocorrerá uma corrosão da legitimidade da

autoridade política. Neste caso, provavelmente o líder político procuraria fazer alianças

políticas.

Como uma tentativa de obter fôlego para uma provável nova candidatura, muitos

políticos apelam para uma política assistencialista, evitando ao máximo as falhas e

equívocos aparentes. Nesta fase os políticos torcem para que não ocorram fatos

minimamente comprometedores e tentam recuperar a atenção da sociedade através de

trabalhos mais evidentes como já mencionado. Para se defender desse tipo de

politicagem, o cidadão deve praticar seu direito e participar mais dos processos políticos,

como, por exemplo, os debates.

Apesar de não ser ilegal ou irregular, a inauguração de obras em época de eleição costuma ser muito utilizada por governantes com a finalidade de beneficiar seus candidatos. Convém lembrar ainda que os governos não recorrem a artimanhas apenas nos períodos eleitorais, mas estão sempre se valendo de sua condição privilegiada para criar mecanismos e revesti-los de legalidade, com o objetivo de se manter no poder (TEIXEIRA, 2000 p 62)

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Governos que se preocupam com esse aspecto teriam condições de resistir a

pressões de grupos de interesses privados particularistas caso esses interesses

conflitassem com os interesses nacionais de caráter público.

O enfoque estratégico na política também é outro problema. O Brasil bate recorde

em desigualdade social, questão que passa longe das pautas políticas. Afinal de contas,

pessoas abaixo da linha de pobreza não votam.

2.1.1 – Política Fiscal: um exemplo prático de influencia cultural

Quando pensamos em gastos públicos, podemos concluir que existem diversos

fatores que interferem de maneiras diferentes a política financeira do governo. Tais gastos

são, de certa forma, complexos, pois englobam aspectos econômicos, políticos e sociais.

Na escolha de instrumentos da política fiscal/tributária, o governo se depara com alguns

trade-offs.

Ao escolher o caminho da progressividade (quanto maior a renda maior o tributo), é

possível esbarrar na falta de neutralidade tributária (prejuízo na eficiência do sistema), o

que pode ocorrer também com uma maior equidade (igual distribuição tributária entre os

diversos indivíduos da sociedade) que pode prejudicar a simplicidade tributária (fácil

compreensão para o contribuinte). Com isso, tais escolhas tendem a se pautar em

prioridades, ideologias, idiossincrasia, entre outros.

2.2 – Cidadania no Brasil

A cidadania é a maneira que o povo se relaciona com o Estado, é a conquista e

execução dos direitos dos cidadãos, que são: direitos sociais, direitos civis e direitos

políticos. Os direitos sociais são os coletivos, como: Saúde, educação, seguridade social,

segurança, cultura, meio ambiente saudável, lazer, esporte, etc. Os direitos políticos

dizem respeito a prerrogativa de votar e ser votado. Os direitos civis pregam a liberdade

de ir e vir, expressão, associação. Os três tipos de direito estão, de certa forma,

interligados.

As pessoas, por terem direitos civis, lutariam por direitos políticos e, conseqüentemente, conquistariam direitos sociais. Por serem a base da cidadania, a precariedade dos direitos civis dificultaria a conquista e a preservação dos direitos políticos e sociais, acarretando, conseqüentemente, dificuldades para a consolidação de uma sociedade democrática. (PANDOLFI, 1999 p. 48)

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2.2.1 – Brasil colônia

Destaca-se como uma das maiores dificuldades da construção da cidadania no

Brasil ao “peso do passado”, especificamente relacionado com o período colonial iniciado

em 1500 (descobrimento) até 1822 (independência). Nesse período o país era dotado de

território uno, assim como sua língua, cultura e religião construídas pelos colonizadores. A

falta de poder público sustentou, durante 322 anos, uma população analfabeta, uma

economia monocultora e uma população escrava em um Estado Absolutista

2.2.2 – Choque cultural

As contradições culturais são expressas desde o primeiro momento em que a

colônia foi descoberta, ou melhor, conquistada. O encontro da cultura européia com os

nativos foi trágico devido ao encontro não amigável entre ambas as partes sendo a

primeira desenvolvida em, conseqüentemente mais imponente que a segunda,

caracterizada pelo total desconhecimento das tecnologias da época e profunda intimidade

com a natureza. Outro imenso diferencial entre as duas realidades está pautado na

religião.

A imposição externa sobre a população nativa era pautada na ideologia cristã

européia (simbolizada na cruz) e na violência pela força da espada. Tanto o poder da

igreja como o poder da espada cooperaram para o extermínio da cultura de raiz do povo

que já habitava o Brasil. Essa mudança foi reflexo não só de ideologias cultural

completamente estranhas, mas também no extermínio pela guerra, pela escravidão e por

doenças que acabaram com milhões de nativos.

No período colonial não havia indícios de cidadania, sendo que até hoje a

população negra guarda marcas dessa carência de direitos. A abolição ocorre mais por

pressões externas, não tendo nenhuma relação com a consciência social, o que pode ser

confirmado pelo fato de que ainda ocorreram muitas importações de escravos após a

assinatura da Lei Áurea, em 1888, e ocorre, de maneira muito mais reprimida, ainda nos

dias de hoje.

Hoje a condição do negro continua sendo alvo de projetos de inclusão,

principalmente na educação, o que demonstra que ainda há muito que se fazer para que

seja emancipada a etnia negra no país.

2.2.3 – Estado sem nação.

A construção da cidadania se relaciona com a construção de uma nação e de um

Estado. "Isto quer dizer que a construção da cidadania tem a ver com a relação das

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pessoas com o Estado e com a nação. As pessoas se tornavam cidadãs à medida que

passavam a se sentir parte de uma nação e de um Estado" (CARVALHO, 2002, p.12). No

Brasil, o a formação do Estado ocorreu pela vontade da elite portuguesa que negociou

com a Inglaterra e com a elite brasileira a "independência" do país.

No período imperial, os partidos Conservador e o Liberal tinham ideologias

semelhantes. O conservador defendia os interesses da burguesía (dominio agrário), dos

donos das terras e senhores de escravos e o Liberal defendia os interesses da burguesia

progressista, representada pelos comerciantes (domínio urbano).

2.2.4 – República sem participação popular

Com a Proclamação da República e a emancipação política o povo ainda

permaneceu sem participar significativamente na política. Não havia um povo

politicamente organizado.

2.2.5 - 1930: surgimento de direitos sociais

Inicia-se, a partir dos anos 20, uma era de influências internas, como processos de

urbanização, industrialização. Em 1937 Vargas instaura uma ditadura apoiado pelo aval

militar (Estado Novo). O período do Estado Novo, terminado em 45, fez com que o país

passasse pela primeira experiência democrática. Influências externas e a Semana de

Artes Modernas acabam modificando relações econômicas e políticas no Brasil. A

aceleração das mudanças ficou visível, o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e

também a CLT (1943).

2.2.6 – O retrocesso dos direitos na Ditadura Militar

A experiência democrática não durou muito, se vendo mergulhado em um período

obscuro no que diz respeito aos direitos civis e políticos. Os AI’s (Atos Institucionais)

caracterizaram o governo, sendo que o AI I aboliu direitos políticos e o AI II as eleições

diretas para presidente. O mais radical de todos foi o AI V, o congresso fechou e o

general Costa e Silva passou a governar de maneira ditatorial. Além da suspensão e

habeas corpus, houve cassações e suspensões de direitos políticos e censura a

imprensa. Foi inserida a pena de morte.

Quanto aos direitos sociais, percebe-se sensível melhora na época dos militares,

sendo criados o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), Fundo de Assistência ao

Trabalhador Rural (Funrural), Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), Banco

Nacional de Habitação (BNH), e em 1974 o Ministério da Previdência e Assistência Social.

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Depois da pressão política da oposição, da opinião pública, de intelectuais, artistas

e da população em geral, o período da ditadura militar dá sinais de esgotamento. Os

militares deixam o poder no ano de 1985 e novos partidos são criados. Nova Constituição

Nacional foi promulgada em 1988, sendo considerada a Constituição mais liberal de

todas, a "Constituição Cidadã".

2.3 – Participação política

A participação do cidadão na política está intimamente ligada a democracia, ela

integra desde uma simples conversa entre amigos sobre acontecimentos políticos

internacionais, nacionais e locais até as atividades mais complexas: participar de

governos como político, mobilização social contra atos de autoridades políticas,

associação de grupos a fim de reivindicar seus direitos, votar, favorecer grupos mais

diversos, integrar partidos políticos, e muitas outras ações pertencentes ao universo

político. A participação política é uma ferramenta muito importante capaz de legitimar e

fortalecer as instituições democráticas, além de ampliar direitos aos cidadãos, porém nem

todo ativismo popular pode ser caracterizado como luta por direitos.

Participação é uma palavra cuja origem remonta ao século XV. Vem de participatio, participations, participa Tum. Significa “tornar parte em”, compartilhar, associar-se pelo sentimento ou pensamento. Entendida de forma sucinta é a ação de indivíduos e grupos com o objetivo de influenciar o processo político. (AVELAR & CINTRA, 2004. p. 263)

Os canais de comunicação e participação política variam ante o contexto histórico e

cultural da região. Além disso, essa participação varia de acordo com a situação social

dos que participam, ou seja, a forma de inserção política de membros da elite defere

daquelas decorrentes da não-elite. Não é difícil deduzir que os primeiros tiveram muito

mais êxito nesta inserção.

No contexto histórico, a participação política emerge na época dos movimentos

revolucionários europeus (séc. XVII e XIX), tal processo ocorreu lentamente a partir da

queda da aristocracia e a ascensão da burguesia, que incorporou a classe trabalhadora.

Porém, no Brasil, a emergência da participação política ocorreu mais tarde (meados do

século XX), quando a crescente urbanização transformou-se em uma sociedade rural em

urbana. Os movimentos sociais, com intuito de reivindicar mudanças no campo da justiça

redistributiva, foram essenciais para a expansão da consciência política no Brasil, apesar

das limitações provenientes da baixa escolaridade da população.

Ao configurar uma sociedade civil que se organiza para a defesa do interesse público e que constitui uma opinião pública que constrange cotidianamente os governantes, uma coletividade com razoável grau de emancipação deverá tornar-se capaz de compor autoridades com legitimidade suficiente para, quando necessário, exigir

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sacrifícios, apresentando razões que poderão ser bem compreendidas e admitidas por todos, de modo consciente e espontâneo. (YAMAUTI, 2003 p. 347)

As experiências históricas demonstram a falta de participação política eficaz. O

coronelismo praticava o voto de cabresto e o coronelismo tradicional, que combinou

elementos de política tradicional e moderna, baseava-se na troca de favores por voto,

aprofundando-se no período da ditadura militar. Até hoje a maioria da população é pouco

ativa, devido ao desencantamento político, além de ser conformista. Este

desencantamento se explica ora pela desqualificação para participação, ora pelo

ceticismo com os políticos.

Os motivos que levam os indivíduos a participarem da política são descritos pelos

autores AVELAR & CINTRA em três modelos:

Modelo da centralidade, esse modelo explica que a participação é mais intensa nos

indivíduos com maiores recursos materiais e simbólicos, ou seja, a intensidade varia

proporcionalmente a situação social do indivíduo. Estes indivíduos entendem que a

política é mais um atributo essencial de vantagens que possibilitam mudar situação

adversa a eles. Em contrapartida, indivíduos com baixa situação econômica têm acesso

limitado e com impeditivos que inibem a sua participação, participação essa que só se

estabelece através de mobilização social (da mesma realidade econômica deste) ou

mobilização partidária.

Modelo da consciência de classe, que evidencia a participação como forma de

conscientização da desigualdade em que o indivíduo se encontra. A maior consciência da

sua situação o impulsiona a participar e mudar sua realidade.

Modelo da escolha racional entende que as pessoas são capazes de pensar e

fazer sua própria escolha. Esta escolha é o resultado da relação entre os benefícios de

estar na política e os benefícios de não fazê-lo. Um grande número de pessoas que se

dispõem a buscar um mesmo objetivo aumenta as chances de que uma pessoa não faça

o mesmo, pois o resultado positivo irá ocorrer independente da sua participação política.

Participação como identidade, ou seja, a participação constrói a identidade de um

indivíduo devido a experiência dela advinda. O valor do reconhecimento na sociedade é

suficientemente motivador para que a participação ocorra e evidencie a sua existência.

A participação hoje do eleitorado brasileiro não tem características específicas

como em outros países. Apesar da abertura ao eleitorado de maiores de 16 anos e

analfabetos na Constituição Federal de 1988 (incluindo também os militares), o aumento

quantitativo pode ser relacionado com a obrigatoriedade do voto, porém, segundo

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AVELAR & CINTRA (2004), parte da população, mesmo com a obrigação de votar não o

faz, tornando-se mais marginalizados que os demais. Como já foi antes citado, a

participação política não se limita apenas ao voto, e da mesma forma o eleitores também

não marcam presença expressiva (a ponto de expressar a real necessidade da população

como fator comum) em campanhas eleitorais, associações.

É baixo, também, o grau de articulação ou estruturação ideológica do voto: especialmente as camadas populares mostram pouca ou nenhuma informação sobre as questões políticas relevantes nas campanhas eleitorais e não conhecem as propostas dos partidos nem a posição dos candidatos a respeito dessas questões; quando têm opinião sobre issues de tipo diverso, apresentam, muitas vezes em maioria, posições críticas e inconformistas que, entretanto, não se articulam de forma coerente com as suas opções eleitorais. (AVELAR & CINTRA, 2004. p. 354)

2.4 – Governabilidade

Governabilidade não diz respeito ao funcionamento e atuação do governo, mas é

um conceito que se refere às relações entre a sociedade, o Estado e o mercado. Dessa

forma, a governabilidade pode ser explicada pelo fato de o Estado ser capaz de manter a

ordem ante as situações de desordem que normalmente ocorrem, e também pela

capacidade de se adaptar às mudanças constantes, sendo elas internas ou externas.

A essência da governabilidade não está diretamente ligada a força partidária

relativa de um regime ou até mesmo da confiabilidade que o mesmo externa. Ela mede a

capacidade que o Estado tem de gerir políticas públicas, agir de acordo com as regras

previstas, além de garantir a ordem. Dessa maneira, a governabilidade não se orienta

através da democracia, contudo há muitos indícios de que a democracia possui condições

suficientes para proporcionar a estabilidade desta governabilidade.

Abaixo seguem algumas possíveis causas do problema da governabilidade:

1. Dificuldade do governo para identificar apoio político a fim de conseguir aprovar seus

projetos de lei no Congresso e para implantar medidas aprovadas em razão de fatores

de ordem institucional e políticos diversos.

2. Incapacidade do governo de atender às demandas incessantes que emergem da

sociedade devido a escassez de recursos fiscais e a inadequação dos recursos

técnicos e administrativos disponíveis.

3. Demasiada dependência de setores da sociedade civil em relação à ação

intervencionista do Estado.

4. Distorção no princípio constitucional de independência e harmonia entre os poderes

identificada através da interferência do Poder Judiciário em questões de ordem

política, que são de competência dos demais poderes da República.

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5. Redução da margem de ação de governos nacionais em decorrência do fenômeno da

globalização do mercado.

6. Obstáculos decorrentes do período de colonização do Brasil no que diz respeito ao

desenvolvimento econômico e à distribuição da renda.

7. Fatores externos de ordem econômica como as crises internacionais que influenciam

nas contas do governo e na balança de pagamentos.

8. Baixo grau de desenvolvimento socioeconômico e político da sociedade civil

brasileira.

2.5 – Inversão de valores: Ladrão Estado x Estado ladrão

O resultado de uma herança de fracasso de uma fatia da população, a resposta

acaba surgindo de uma voz inesperada. O poder paralelo toma para si, como parte de seu

escudo, a responsabilidade de prover, assistir e “proteger”. Eles ocupam o lugar dos

assistentes sociais de famílias desestruturadas, sem esperança, religião e amparo.

O foco muda, um traficante que anda pela comunidade armado, com seguranças

que, muitas das vezes, são os próprios policiais, com mulheres e todo o poder, são

exemplos para crianças que não tem perspectiva. Sem acesso a uma educação digna e a

um sistema de saúde eficiente, essas crianças passam a ocupar a nova camada da

população tomada pelo tráfico, pela violência e pelas drogas.

Essa camada da sociedade acaba, muitas vezes por falta de opção, a ter uma

mentalidade denominada por Nóbrega de “soma zero”, onde melhor é ter a sua fatia do

bolo garantida a curto prazo, sem compartilhamento com o todo. Neste caso vence quem

chega primeiro. O oposto é descrito pela mentalidade “soma não zero”, que diz que o bolo

existente hoje tem possibilidade de crescer à medida que houver colaboração e que a

vitória de um indivíduo não se dá à custa da derrota de outro.

2.6 – Políticas Públicas no governo Lula

2.6.1 - Finanças públicas

O governo Lula teve um cenário positivo da dívida pública devido a mudança do

cenário internacional e a acentuada melhora das contas externas e nas contas públicas

desde 2003. Isso é decorrente da manutenção e aprofundamento da política econômica

que vinha do período anterior.

No período 2003-2006, os superávits da balança comercial e a política de obtenção de superávits fiscais primários, agora acima de 4,25% do PIB, reduziram em 5,6 pontos percentuais (de 50,5% para 44,9%) a divida liquida total do setor publico como proporção do PIB. (FILGUEIRAS, 2007 p.105)

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A melhora das contas externas a partir de 2003 também afetou positivamente a

trajetória da divida publica total ao propiciar oferta excedente de dólares.

2.6.2 - Renda, investimento e emprego

Durante o governo Lula, o investimento e o emprego não foram tão positivos

apesar de uma conjuntura internacional bastante favorável a partir de 2003, o que

demonstra que o desenvolvimento poderia ser ainda pior caso não houvesse o impulso

proveniente do mercado externo. De fato, a trajetória instável e de baixas taxas de

crescimento do PIB estão associadas às taxas de investimento baixas e de desemprego

altas.

Os indicadores macroeconômicos mostram que, pelos padrões históricos

brasileiros, o governo Lula tem desempenho desfavorável quanto ao crescimento

econômico, hiato de crescimento, acumulação de capital e finanças publicas. Por outro

lado, tem desempenho favorável no controle da inflação e na redução do nível de

endividamento externo.

2.6.3 - Concepção hegemônica

Essa concepção tem por objetivo, entre outros, a distribuição (pessoal/ familiar) de

renda, a pobreza, os pobres e as políticas sociais focadas nestes aspectos e inclui

inúmeras armadilhas técnicas, conceituais e políticas.

O problema das desigualdades sai do âmbito da relação entre capital e trabalho - característica essencial da sociedade capitalista- para o âmbito exclusivo (interno) da classe trabalhadora e suas diferenças. Essa escolha técnico-metodológica não é explicitada de forma clara transparente. (FILGUEIRAS, 2007 p.143)

As principais características dessa lógica são identificadas nos seguintes pontos:

1. Desconsidera as razões e os mecanismos estruturais mais profundos, que

representam as desigualdades - associados à estrutura de propriedade e de poder,

característicos da sociedade brasileira, bem como a estrutura e dinâmica do modelo

de desenvolvimento capitalista em vigor e a política econômica a ele associado.

Assim, transforma a pobreza em uma variável exógena aos mecanismos

econômicos - sociais que moldam as relações presentes das classes sociais.

2. Entre indivíduos e famílias, é desigual a distribuição de educação, saúde,

instrução, escolaridade, qualificação. Também é desigual a capacidade dos

indivíduos e famílias em adquirí-Io. A desigualdade e a pobreza decorrem,

fundamentalmente, do maior ou menor acesso a educação e a saúde.

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3. A identificação das desigualdades, da pobreza absoluta e dos pobres se faz a

partir de informações sobre os indivíduos e as famílias. Elas são fornecidas por

pesquisas domiciliares que obtêm, fundamentalmente, dados sobre os rendimentos

do trabalho e as transferências da Previdência e da assistência social. Portanto,

deixam de fora os rendimentos do capital, principalmente os obtidos no âmbito

financeiro. Com isso, as análises da distribuição pessoal -familiar da renda dizem

respeito, essencialmente, as desigualdades existentes entre os trabalhadores, que

passam a ser classificados como muito pobres, pobres, não pobres e ricos (ou

privilegiados), segundo os seus níveis de renda pessoal ou familiar. Ao se restringir

as desigualdades ao âmbito dos rendimentos do trabalho, a busca de menor

desigualdade (pelas políticas publicas) se restringe a redução das disparidades

salariais e de outros rendimentos do trabalho.

4. As políticas publicas mais adequadas, eficientes e equânimes seriam os

programas sociais focalizados, dirigidos aos mais pobres entre as pobres. Estes, por

sua vez, são identificados por linhas de pobreza que subestimam as necessidades

mínimas de sobrevivência de uma família - reduzindo, dessa forma, o numero real

de famílias pobres e, conseqiientemente, o montante total dos valores a serem

transferidos a cada família e ao conjunto delas.

No Brasil,em 2005, segundo a PNAD, 101,7 milhões de pessoas tinham renda domiciliar mensal per capita inferior a um salário mínimo (57,3% do total da população do país),formando um enorme contingente em situação de vulnerabilidade social. No entanto, o numero total de pobres (incluindo os indigentes), identificados a partir da linha de pobreza utilizada (112 salário mínimo), se situava em 53,9 milhões de indivíduos (30,1% da população). Com a extinção de direitos, as políticas sociais universais, que exigem volume maior de recursos, são substituídas por políticas sociais focalizadas, que exigem recursos relativamente pequenos. O objetivo dessa operação e liberar mais recursos financeiros para obter superávits fiscais primários e pagar juros da divida publica. (FILGUEIRAS, 2007 p.145)

5. A proposta de cobrança de mensalidades para os estudantes das universidades

publicas, de modo a, teoricamente, redirecionar os recursos públicos para o

primeiro, o segundo graus e o financiamento as universidades privadas, tal como foi

adotado pelo governo Lula com O PROUNI. O governo Cardoso estimulou o

surgimento e a proliferação de faculdades e universidades privadas, que se

expandiram sem considerar adequadamente a demanda pelas vagas que estavam

sendo criadas. Isso resultou numa super - oferta de vagas, com elevada capacidade

ociosa nesses estabelecimentos. Como resposta a esse problema das instituições

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privadas, o governo Lula passou a financiar o preenchimento das vagas ociosas por

estudantes com menor renda, com renuncia fiscal dos tributos devidos por essas

instituições. Nesse ponto o debate sobre as desigualdades camufla as causas reais

(estruturais) da pobreza; ignora a existência de classes sociais e suas expressões

na realidade brasileira; esconde a responsabilidade da estrutura de propriedade e do

sistema financeiro na reprodução dessas desigualdades; confunde a classe media

com os ricos e esconde os ricos verdadeiros; ataca os direitos sociais e as políticas

universais.

2.6.4 - Bolsa família

O Bolsa Família tem aspecto central da política social do governo Lula por duas

razões.

Primeira: a preocupação com a política social de governo, no caso, com as

políticas que dependem de decisões do governo Lula, e não com a política social de

Estado. Esta última, apesar dos ataques e reformas implementadas a partir da década de

1990, vem conseguindo sobreviver a todos os governos, e ainda constitui a dimensão

mais importante das políticas sociais brasileiras, tanto em termos de abrangência e

impactos quanto do volume de recursos mobilizados.

Segunda razão: O Programa Bolsa Família, no conjunto das poéticas sociais de

governo, vem assumindo importância cada vez maior, tanto no que concerne a

abrangência do público ao qual é destinado quanto ao montante de gastos realizados.

Além disso esse programa transformou-se numa arma político-eleitoral e ideológica

importantíssima, dando um aparente viés progressista (social) ao governo Lula, que serve

para "compensar" a política econômica liberal-ortodoxa adotada e reforça o discurso

conservador do Banco Mundial sobre a pobreza, os pobres e as políticas sociais

focalizadas.

2.6.5 – Alguns apontamentos

O governo Lula, como o governo Cardoso, também tem dando nova legitimidade ao

modelo liberal periférico e a sua política macroeconômica.

O que esta em jogo é a mudança ou manutenção do modelo econômico atual, com

suas correspondentes políticas macroeconômicas e sociais.

Mudanças efetivas na sociedade brasileira tem como condição prévia a derrota

política do atual bloco de poder.

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O transformismo do governo Lula se expressa no prosseguimento da política

econômica implementada no segundo governo Cardoso, desde a crise cambial de

janeiro de 1999, e no reforço ao modelo dominante.

O governo Lula mantém em primeiro plano os interesses e a política econômica do

capital financeiro, ao mesmo tempo que valoriza o agronegócio exportador.

Durante o governo Lula assiste-se a crise das instituições políticas e de

representação política (dos sindicatos e partidos), que decorre tanto do processo

objetivo de redefinição da composição da classe trabalhadora.

O governo Lula tenta controlar politicamente as movimentos sociais e sindical par

meio da cooptação - material e ideológica - das suas direções com a objetivo de

reduzir as tensões e impedir a sua autonomia, de modo a dificultar as ações de

mobilização e a construção de um projeto democrático·popular alternativo ao do bloco

dominante. Ele renovou o patrimonialismo e o empreguismo na relação do governo

com as direções dos partidos que compõem a sua base de apoio e os dirigentes

sindicais.

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CAPÍTULO III – REFORMA CULTURAL

Em determinada fase de nossa vida, estruturamos a construção de circuitos lógicos

do cérebro que se concretizam através da experiência. Estes circuitos nos proporcionam

um sistema suficientemente eficiente para economizar a energia gasta para tomar

decisões em situações semelhantes e formar hábitos. Ao passar do tempo nossas

atitudes tendem a entrar em certa inércia que reforça a dificuldade mudanças e aumenta

sua resistência.

Devido a este fato, naturalmente somos levados a lidar com as novas fases da vida

considerando a mentalidade formada com traços das que as precedem. Esta posição

determina uma postura de prudência nas decisões ou até recusa em relação às

inovações. O autor Domênico de Masi define este aspecto como defasagem cultural e

mostra como ele uma pessoa “defasada culturalmente” se porta ante as mudanças:

A defasagem cultural é um mecanismo espontâneo de defesa nos confrontos com as mudanças, que atua com força tanto maior quanto mais medrosa for a natureza de cada um, quanto mais conservadora a sua formação, quanto mais rígidas as regras da organização e mais rápidas e profundas as mudanças. (MASI, 1999 p. 64)

Essa defasagem cultural pode refletir em pontos negativos diversos, como:

- A tendência de interpretação de fatos do presente com as características típicas

de fases do passado;

- Medo e receio do futuro;

- Posição extremamente crítica;

- Visão pessimista;

- Falta de expectativa do novo e

- Desinteresse em participar na inovação e construção de uma realidade mais

positiva para todos.

Muitas foram os exemplos, no Brasil, de fatos que podem ser considerados cortes

epistemológicos, isto é, uma visão totalmente inédita da sociedade, da vida, do progresso,

dos métodos, do conhecimento para compreender e agir.

3.1 – Desenvolvimento social, uma questão de confiança

O início de mudança cultural não ocorre unicamente de cima para baixo. Dentro de

uma pirâmide social é importante existir comunicação entre os extremos (poder público e

sociedade) e uma eventual mudança ocorre simultaneamente nos dois extremos da

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pirâmide (de cima para baixo e de baixo para cima). Porém uma requisito crucial para o

desenrolar de uma mudança cultural é a confiança.

Segundo Nóbrega (http://epocanegocios.globo.com/Revista), para que um país

seja inovador é necessário confiança, a certeza de um evento futuro ocorrer.

Nos países inovadores há um alto nível de confiança nas relações entre os indivíduos. Cooperação com base em reciprocidade é a norma mais arraigada nas relações sociais. Reciprocidade quer dizer: eu recebo proporcionalmente ao que dou. Alguém receber algo a que não faz jus não é tolerado, e não receber o que é justo em troca de uma contribuição legítima também não é. (NOBREGA, http://epocanegocios .globo.com/Revista)

A confiança ocorre principalmente pelo processo de comunicação, que podem ser

formais ou informais, a partir dela as tomadas de decisões serão possíveis. Na sociedade

as relações de confiança possibilitam que a gestão gere certo grau de cooperação. A

opção por um estilo de gestão baseado em confiança se relaciona diretamente com a

liberdade responsável e a autonomia saudável de ação política, o que está inversamente

relacionado ao estilo de gestão tradicional – burocráticos.

Percepções de políticas bem elaboradas e bem aplicadas, que trazem benefícios

tanto à sociedade quanto ao governo, geram confiança e motivação, além de criar uma

cooperação espontânea que inibe o oportunismo. Por outro lado, no Brasil, as

experiências políticas de desonestidade, corrupção e injustiça levaram à desconfiança,

fato esse que faz com que a sociedade acabe desenvolvendo estratégias de defesas

pessoais, a concepção de que todo político não presta e que política, religião e futebol

são assuntos que não se discutem são exemplos claros disso.

O sistema político nunca deixou de demandar uma boa dose de confiança. Mesmo

que a maioria entenda que esse critério esteja demasiadamente distorcido, não podemos

ignorar que, quando um candidato aparece em público disposto a expor sua agenda

política, se dispõem a aparecer em debates e em projetos sociais, na verdade ele está em

busca da confiança do eleitor que, a partir do momento que ele passa a acreditar e confiar

naquela proposta, também irá dar seu voto de confiança nas urnas.

Valores e atitudes frente ao sistema político e social constituem objetos típicos dos estudos sobre cultura política: moderação ideológica, tolerância política (mesmo com a oposição violenta), confiança na eficiência das instituições políticas e alta confiança interpessoal são normativa mente relacionadas nos estudos empíricos sobre a democracia como atributos típicos da cultura política democrática (CARNEIRO, L. P. Http://virtualbib.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/viewFile/2100/ 1239)

Pode parecer insignificante, mas eleitores insatisfeitos podem refletir

negativamente ao mandato do político, mesmo antes das eleições seguintes. Devido a

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isso devem direcionar as relações políticas de confiança a qualidade da comunicação, a

percepção de integridade e consistência na gestão, a transparência, e a percepção de

justiça nos processos e na qualidade de seus atos.

Um ponto crítico no Brasil é a herança de experiências desastrosas que colocaram

em descrédito a política, mostrando que a confiança é um elemento sensível. Sua

manutenção depende não só da qualidade das relações humanas, mas da continuidade

de projetos sérios que demandam grande responsabilidade de governantes.

O desempenho desses políticos pode resultar em dois ciclos: o vicioso e o virtuoso,

como mostra a figura abaixo.

Figura 2: OS CICLOS VICIOSO E VIRTUOSO. Fonte: Viviane G. F. de Oliveira.

Quando se muda uma cultura, objetiva-se alcançar um objetivo em longo prazo,

visto que uma organização (Estado) passa por diversos estágios de mudança até a que

sua cultura incorpore totalmente os valores defendidos, declarados e praticados pela sua

liderança. Além de ser complexa e demorada, a mudança de uma cultura demanda um

objetivo claro e preciso, pois a mudança de apenas uma ferramenta pode causar um

grande impacto.

A ênfase de um hábito ou prática faz parte do estágio natural da incorporação dos

valores na cultura. Aprender rapidamente regras de básicas de segurança ao não dirigir

alcoolizado depende da autodisciplina, da vontade individual, porém este mesmo fato é

complexo quando incorporada ao hábito coletivo, como cultura. Esse processo depende

de atuação em massa do governo no que diz respeito a programas de conscientização e

do clima de disciplina existente no contexto ou no ambiente.

O tempo para assimilar um novo hábito é diferente quando se considera um

indivíduo e quando do coletivo. O ideal para se aplicar nova cultura em uma sociedade é

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respeitar cada fase desta evolução. Assim comparamos a evolução do desenvolvimento

cultural ao de uma criança, que assimila aos poucos o mundo a sua volta. São quatro os

estágios:

Estágio da Anomia: Esse é baseado nos primeiros instintos. Quando uma criança

recém nascida está com fome, com dor ou sede ela chora, já no outro extremo, quando

ela sente prazer, ri.

Da mesma forma as pessoas se comportam diante de um fato que possa trazer dor

ou prazer. Essa experiências são incorporadas a valores e crenças. Quando uma pessoa

perde um ente querido em um acidente de trânsito que envolva uma terceira pessoa

alcoolizada passa a respeitar mais o projeto de Lei Seca, por exemplo.

Estágio da Heteronomia: O estado de direito e suas leis (Estágio Dependente) –

Pessoas incorporam valores pela existência de leis guardadas por um estado de direito

que transmite para as pessoas os valores daquela sociedade. Um exemplo típico foi a

adoção do cinto de segurança no Brasil.

Embora fosse de conhecimento de todos, o cinto só passou a ser um fato cultural

quando o Estado Brasileiro fez uma campanha Nacional para a divulgação e aplicação da

lei que já existia há muito tempo. Através das campanhas de conscientização pagas nos

meios de comunicação, houve a sensibilização dos motoristas. Através da aplicação

severa das leis, da dor no bolso em função do pagamento das multas, houve a

confirmação da disposição do estado em aplicar a lei.

Enquanto as pessoas não incorporarem os valores, uma redução na fiscalização,

quase que com certeza, produzirá aumento no número de acidentes. Aqui os hábitos não

foram incorporados. Dependem da aplicação da lei para serem práticas.

Estágio da Socionomia: Através da cultura e da moral (Estágio Independente) – O

grupo passa a desempenhar um papel importante, e a criança passa a adotar os valores,

as normas e as leis do grupo com o qual se identifica. Se as normas do grupo no qual a

criança está inserida são muito diferentes daquelas dos seus pais, os conflitos tornam-se

constantes. A criança/adolescente se liberta do domínio dos pais, pois não mais depende

somente dos seus instintos e daquilo que os pais lhe passam para poder escolher seus

comportamentos e atitudes. Para as pessoas, a cultura é outra fonte de valor importante.

O homem é extremamente influenciado pelo contexto.

O exemplo mais marcante da força da cultura e do contexto no comportamento

seja, talvez, o exemplo do brasileiro que aluga um carro nos Estados Unidos ou na

Europa. Influenciado pelo contexto, esse brasileiro respeita todas as normas do trânsito

local assim que pega o carro na locadora. No entanto, quando volta para sua cidade de

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origem, passa a desrespeitar os limites de velocidade. Nesse estágio, os hábitos são

praticados de maneira independente por cada pessoa, mas ainda não existe uma

consciência ética dos valores que os suportam.

Estágio da Autonomia: Através do conhecimento e da ética (Estágio

Interdependente) – Neste estágio, as leis são incorporadas por convicção pessoal, e as

pessoas passam a adotar as normas por convicção própria (daí o termo autonomia, que

significa dar a si a própria norma). As pessoas passam a avaliar os seus próprios

comportamentos através da ética. As normas e valores são incorporados pelas pessoas

através de todos os processos anteriores.

Hoje, nas grandes cidades brasileiras, quase todos os motoristas usam cinto de

segurança independentemente da fiscalização ou das campanhas na mídia, porque o

valor foi incorporado por cada motorista. Ou seja, o processo de dar a si a norma foi

consolidado através de todos os estágios anteriores.

3.2 – Síndrome do “pobre coitado”

É uma característica de parte da população brasileira não acreditar muito na sua

própria força, não acreditar que seu voto ou sua voz ou talvez achar que esses atos

percorrem o caminho mais longo e difícil para alcançar seus direitos. O resultado disso é

deixar de agir em prol de seus interesses e se posicionar como o “coitado” que sempre é

visto como vítima da sua própria condição. Outro reflexo dessa característica é aceitar o

caminho mais curto do conhecido “jeitinho” para lograr êxito.

A teoria do “pobre coitado” demonstra certa conformidade da pessoa diante da sua

condição desprivilegiada. Essa conformidade não reflete uma total imparcialidade, mas

sim uma cobrança exagerada e indevida da ação do poder público. Neste aspecto, a

política pública acaba por “tapar os buracos” da falta de atitude popular para mudar o

estado em que se encontram. Este problema não exime as responsabilidades do Estado,

apenas “enxuga” seus excessos.

A conformidade também “cega” esta sociedade, composta, na maioria das vezes,

de uma população marginalizada, sem instrução e sem condições financeiras. Esta

cegueira se explica pela falta da procura pelo conhecimento dos direitos merecidos.

“apesar de não saber formalmente quais são os principais direitos dos brasileiros, a

população parece questionar a ausência dos direitos.” PANDOLFI (1999)

O “jeitinho brasileiro” é uma prática que implica em personalizar relações através

da descoberta de um interesse comum, uma característica comum ou uma pessoa em

comum. Essa prática se aproxima da malandragem, porém todo jeitinho é uma forma

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“malandra” de driblar algo, mas nem toda malandragem pode ser vista como jeitinho. A

malandragem implica em uma predisposição para tirar vantagem enganosa, fazendo com

que alguém seja passado para trás. Um malandro é o que se passa por amigo, que é

sedutor e engana pelo discurso falso.

Grande parte da população brasileira não teria dificuldades nem receio de

descrever tal personagem na figura de um político. Já nos desenhos animados o

malandro brasileiro foi consagrado por Walt Disney no personagem de Zé Carioca. No

entanto é fatídico que o “jeitinho” corrompe normas, impedindo seu desenvolvimento e os

ajustes necessários, além de mascarar as diversas dificuldades existentes que não são

resolvidas da maneira correta. Nesse sentido, o “jeitinho”, motivo de orgulho para muitos

por acreditarem ser ele um sinônimo de criatividade e flexibilidade, estará sempre do lado

oposto ao “jeito” adequado para a solução.

Segundo HOBBES (2006), todas as pessoas têm condições de atingir os mesmos

objetivos considerando as faculdades do corpo e do espírito.

A natureza fez os homens tão iguais, quanto às faculdades do corpo e do espírito que, embora por vezes se encontre um homem manifestamente mais forte de corpo, ou de espírito mais vivo do que outro, mesmo assim, quando se considera tudo isto em conjunto, a diferença entre um e outro homem não é suficientemente considerável para que qualquer um possa com base nela reclamar qualquer benefício a que outro não possa também aspirar, tal como ele. (HOBBES, 2006 p. 78)

Neste pensamento não se pode falar em cidadãos que se julgam mais fracos, pois

todos têm as mesmas qualidades para atingir seus objetivos. Isso não exclui as

obrigações.

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CONCLUSÃO

No contexto tradicional, onde o Estado assumia o papel de protagonista, o

pressuposto da organização era tão somente o fortalecimento da política pública e dos

seus idealizadores. A liderança era caracterizada pelo poder, pelo comando e controle

dentro de um quadro claramente delimitado de chefes e subordinados.

Já no novo contexto, emerge a necessidade de fortalecimento não somente da

própria política em si, mas também de toda gama de personagens envolvidos, por mais

que aparentem não demonstrar relevante peso. Surgem novos tempos onde a liderança

vê a necessidade de promover um novo alinhamento, onde se inclui o redesenho do papel

da liderança. As metas passam a atingir objetivos mais horizontais, abrangendo um leque

de necessidades da sociedade e atendendo a programas muito mais estratégicos. Além

de um maior alcance horizontal, os governos se deparam com novas regras para o

wjogox.

De uma maneira geral, os estudos sobre cultura política procuram mostrar que a democratização, quando atinge apenas o sistema político-institucional e não se faz acompanhar de mudanças nos processos de socialização, tende a gerar regimes mais instáveis e de baixa legitimidade. Esse cenário, no qual se observam relações de incongruência entre a estrutura institucional e a cultura política, tem sido particularmente útil para a análise dos problemas que afetam as democracias contemporâneas da América Latina. (CARNEIRO, L. P. Http://virtualbib.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/viewFile/2100/ 1239)

As metas, métricas e ferramentas políticas precisam dar conta, mais do que nunca, da

necessidade dos cidadãos a fim de avançar rumo a uma agenda real de modernização

política, apesar dos entraves encontrados. Tais processos e métricas, para serem

seguidos, necessitam e leis regulamentadores sem as quais seria impossível evitar o

“jeitinho” político de se dar bem e alguns eleitores de se aproveitar disso, além da

corrupção proveniente dele e os reflexos de desigualdade social, resultado de todos

esses vícios.

Dessa forma, podemos visualizar algumas leis que limitam poderes e estabelece

parâmetros e diretrizes para a gestão pública e, como exemplos a Lei 8666/93 e a lei

complementar 101/00 (LRF – lei de responsabilidade fiscal) trazem a tona novos

parâmetros de transparência fiscal, orçamentária e de gestão, e, além de considerar

prevenção de riscos e correção de desvios, trazem equilíbrio às contas públicas.

A estratégia também muda. Depara-se com a discussão de estruturas de comando

de cima para baixo, onde a camada mais alta da pirâmide toma as decisões, e o comando

de baixo para cima, onde o poder originário (o povo) detém da força para guiar as

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decisões políticas.

Evidencia-se que o reforço do processo político (tático e estratégico) que guia e, de

certa forma, deixa ser guiado pela sociedade a valores diferentes, é uma forma de

adequação a realidade vivenciada hoje no Brasil e que se relaciona com a identidade e

com a cultura de seu povo.

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