A investigação em Gestão de Recursos Humanos em … · investigação em GRH tem vindo a...

18
REVISTA PORTUGUESA E BRASILEIRA DE GESTÃO 66 E S T U D O S José Neves e Sónia Gonçalves por José Neves e Sónia Gonçalves A investigação em Gestão de Recursos Humanos em Portugal Resultados e tendências RESUMO: A Gestão de Recursos Humanos (GRH) é um tema de estudo que evoluiu, quer do ponto de vista teóri- co, quer da aplicação ao longo do Séc. XX ancorado nas teorias organizacionais e teorias comportamentais. Tanto a definição dos conteúdos como a evolução das práticas foram influenciadas pela importância dos fac- tores de contexto, que, em cada momento, se revelaram como mais determinantes. Este movimento evolutivo acompanhou todos os continentes e países, embora com modos de ocorrência temporalmente desfasados, quer do ponto de vista da intervenção quer da investigação. Em Portugal, tais influências foram sendo sentidas da mesma forma, sendo hoje possível balizar fronteiras mais ou menos delimitadoras dos conteúdos evolutivos. Tendo por objectivo principal identificar os resultados da investigação científica em GRH em Portugal, este trabalho procura contribuir para a definição e evolução do conceito de GRH e para o levantamento das tendên- cias de investigação que a temática vem assumindo em Portugal. Uma análise de conteúdo aos temas dos eventos anuais promovidos pelo organismo que agrega profissionais de GRH, e que tiveram lugar nos últimos 40 anos, possibilita identificar quatro períodos evolutivos demarcados pelo tempo cronológico, pela função dominante solicitada àquela função, pela ênfase de dimensões da prática e pelos perfis profissionais e académicos mais solicitados para o desempenho da função. Uma análise quantitativa da produção científica portuguesa com base nos títulos de teses de mestrado e de doutoramento produzidas nos últimos 25 anos re- velou a incidência temática, a concentração temporal da produção científica e o local de produção. Os 176 tra- balhos utilizados para análise são maioritariamente dissertações de mestrado, distribuem-se assimetrica- mente por 15 instituições de ensino superior, concentram-se maioritariamente entre os anos de 1995 e 2005 e privilegiam os temas da formação profissional e da gestão estratégica de recursos humanos. O trabalho termi- na com uma discussão dos resultados encontrados e a sua articulação com os resultados de idênticos estudos internacionais, bem como com uma discussão sobre o grau de proximidade entre interesses práticos e moti- vações dos investigadores. Palavras-chave: Gestão de Recursos Humanos, Investigação em Portugal, Resultados e Tendências, Evolução Conceptual e Empírica TITLE: Human Resources Management in Portugal: results and trends ABSTRACT: Human Resources Management (HRM) research has evolved both theoretically and empirically throughout the 20 th century. The definition of its contents and the evolution of practices were influenced by the importance of contextual factors, each time proved as more decisive. This evolutionary perspective occurred across continents and countries although with different time lags. In Portugal such influences have been felt, being possible today to draw frontiers of its evolutionary contents. Aiming to identify the results of scientific HRM research in Portugal, this work intends to contribute to the definition and understanding of the evolution the concept and research on HRM had in Portugal as well as to identify research outcomes on this subject in

Transcript of A investigação em Gestão de Recursos Humanos em … · investigação em GRH tem vindo a...

Page 1: A investigação em Gestão de Recursos Humanos em … · investigação em GRH tem vindo a diminuir, o que significa que, em virtude dos sistemas de informação e tecnologia

REVISTA PORTUGUESA E BRASILEIRA DE GESTÃO66

E S T U D O S

José Neves e Sónia Gonçalves

por José Neves e Sónia Gonçalves

A investigação em Gestãode Recursos Humanos em Portugal

Resultados e tendências

RESUMO: A Gestão de Recursos Humanos (GRH) é um tema de estudo que evoluiu, quer do ponto de vista teóri-co, quer da aplicação ao longo do Séc. XX ancorado nas teorias organizacionais e teorias comportamentais.Tanto a definição dos conteúdos como a evolução das práticas foram influenciadas pela importância dos fac-tores de contexto, que, em cada momento, se revelaram como mais determinantes. Este movimento evolutivoacompanhou todos os continentes e países, embora com modos de ocorrência temporalmente desfasados, querdo ponto de vista da intervenção quer da investigação. Em Portugal, tais influências foram sendo sentidas damesma forma, sendo hoje possível balizar fronteiras mais ou menos delimitadoras dos conteúdos evolutivos.Tendo por objectivo principal identificar os resultados da investigação científica em GRH em Portugal, estetrabalho procura contribuir para a definição e evolução do conceito de GRH e para o levantamento das tendên-cias de investigação que a temática vem assumindo em Portugal. Uma análise de conteúdo aos temas doseventos anuais promovidos pelo organismo que agrega profissionais de GRH, e que tiveram lugar nos últimos40 anos, possibilita identificar quatro períodos evolutivos demarcados pelo tempo cronológico, pela funçãodominante solicitada àquela função, pela ênfase de dimensões da prática e pelos perfis profissionais eacadémicos mais solicitados para o desempenho da função. Uma análise quantitativa da produção científicaportuguesa com base nos títulos de teses de mestrado e de doutoramento produzidas nos últimos 25 anos re-velou a incidência temática, a concentração temporal da produção científica e o local de produção. Os 176 tra-balhos utilizados para análise são maioritariamente dissertações de mestrado, distribuem-se assimetrica-mente por 15 instituições de ensino superior, concentram-se maioritariamente entre os anos de 1995 e 2005 eprivilegiam os temas da formação profissional e da gestão estratégica de recursos humanos. O trabalho termi-na com uma discussão dos resultados encontrados e a sua articulação com os resultados de idênticos estudosinternacionais, bem como com uma discussão sobre o grau de proximidade entre interesses práticos e moti-vações dos investigadores.Palavras-chave: Gestão de Recursos Humanos, Investigação em Portugal, Resultados e Tendências, Evolução Conceptual e Empírica

TITLE: Human Resources Management in Portugal: results and trendsABSTRACT: Human Resources Management (HRM) research has evolved both theoretically and empiricallythroughout the 20th century. The definition of its contents and the evolution of practices were influenced by theimportance of contextual factors, each time proved as more decisive. This evolutionary perspective occurredacross continents and countries although with different time lags. In Portugal such influences have been felt,being possible today to draw frontiers of its evolutionary contents. Aiming to identify the results of scientificHRM research in Portugal, this work intends to contribute to the definition and understanding of the evolutionthe concept and research on HRM had in Portugal as well as to identify research outcomes on this subject in

2º Est. - José Neves 1/3/10 10:02 AM Página 66

Page 2: A investigação em Gestão de Recursos Humanos em … · investigação em GRH tem vindo a diminuir, o que significa que, em virtude dos sistemas de informação e tecnologia

OUT/DEZ 2009 67

E S T U D O S

A investigação em Gestão de Recursos Humanos em Portugal

Portugal. A content analysis of annual events taking place in the last 40 years promoted by the professional bodythat aggregates HR Portuguese managers allows identifying 4 periods of evolutionary time, marked chronologi-cally by the dominant function HRM was required to perform, by the emphasis on dimensions of practice and byacademic and professional profiles commonly required to be a HRM. A quantitative data analysis of Portuguesemasters and doctoral theses’ titles produced in the past 25 years, showed that there was a thematic concentra-tion, that the subjects were temporally and spatially distributed. The sample comprised of 176 documents usedfor analysis, comprehends mostly master dissertations that were asymmetrically distributed by 15 higher edu-cation institutions, and produced between 1995 and 2005. They were mostly focused on training topics andstrategic human resources management. This paper ends with a discussion of results against the background ofsimilar international studies and it discusses the degree of proximity between practitioner’ interests andresearcher’s motivations.Key words: Human Resources Management, Research in Portugal, Results and Trends, Conceptual and Empirical Evolution

TITULO: La investigación sobre la Gestión de Recursos Humanos en Portugal: resultados y tendenciasRESUMEN: La Gestión de los Recursos Humanos (GRH) es un tema de estudio que ha evolucionado desde el punto devista teórico, com en la aplicación al largo del siglo XX anclada en las teorías de organización y del compor-tamiento. Tanto el contenido como la definición, tales como cambios en la práctica influidos por la importancia delos factores de contexto, que en cada momento ha resultado ser más decisivo. Este movimiento evolutivo ha acom-pañado todos los continentes y países, aunque con diferentes momentos de aparición, tanto desde del punto de vistade la intervención como de la investigación. En Portugal, estas influencias se dejaran sentir de la misma manera,y hoy se puede marcar las fronteras más o menos limitantes del contenido de la evolución. Con el objetivo de iden-tificar los principales resultados de la investigación científica sobre la GRH en Portugal, este trabajo busca con-tribuir a la definición y evolución del concepto de GRH y de un estudio de las tendencias de la investigación que eltema ha resultado en Portugal. Una análisis del contenido de los temas de los eventos anuales promovidos por elorganismo que reúne a profesionales de GRH, y de se llevó a cabo en los últimos 40 años, permite identificar cua-tro períodos evolutivos marcados por el tiempo cronológico, por la función dominante solicitada a aquella función,por el énfasis en las dimensiones de la práctica y los perfiles académicos y profesionales más solicitados para eldesempeño de la función. Un análisis cuantitativo de la producción científica en Portugal, basada en los títulos delas tesis de maestría y doctorado producidos en los últimos 25 años pone de manifiesto el enfoque temático, la con-centración temporal de la producción científica y el local de la producción. Los 176 puestos de trabajo utilizadospara el análisis son en su mayoría tesis de maestría, que se distribuyen de forma asimétrica por 15 universidades,concentrada principalmente entre los años 1995 y 2005, y que hacen hincapié en los temas de la formación y lagestión estratégica de recursos humanos. La obra termina con una discusión de los resultados obtenidos y surelación con los resultados de estudios internacionales similares, así como una discusión sobre el grado de cercaníaentre los intereses prácticos y las motivaciones de los investigadores.Palabras-clave: Gestión de Recursos Humanos, Investigación en Portugal, Los Resultados y Tendencias, La Evolución Conceptual y Empírica

2º Est. - José Neves 1/3/10 10:02 AM Página 67

Page 3: A investigação em Gestão de Recursos Humanos em … · investigação em GRH tem vindo a diminuir, o que significa que, em virtude dos sistemas de informação e tecnologia

REVISTA PORTUGUESA E BRASILEIRA DE GESTÃO68

E S T U D O S

José Neves e Sónia Gonçalves

Tratando-se inicialmente de uma preocupação eminente-mente prática e escassamente ancorada do ponto de vistateórico, a gestão dos recursos humanos evoluiu um pouco àsombra das teorias organizacionais (taylorismo, burocracia,relações humanas, abordagens sistémicas e contingenciais,etc.) e das teorias comportamentais (motivação e satisfação,poder e liderança, trabalho em equipa e participação,equidade e implicação, etc.). Não admira por isso que aevolução da problemática de GRH partilhe as insuficiênciase os aspectos positivos inerentes às teorias que lhe serviramde apoio.

Apesar de, em termos de uso, os prós das teorias teremuma maior tendência de ênfase do que os contras por partedos utilizadores, os aspectos positivos para a GRH decor-rentes do contributo das teorias comportamentais relaciona-das com os processos de gestão, bem como as teorias orga-nizacionais de pendor sistémico e contingencial, referem-se

José [email protected] em Psicologia Social e Organizacional (ISCTE-IUL). Professor Associado com Agregação no ISCTE-IUL. Investigador do CIS (Centro de Investigação eIntervenção Social do ISCTE-IUL), Lisboa, Portugal.PhD in Social and Organizational Psychology (ISCTE-IUL – Lisbon University Institute). Associate Professor at ISCTE-IUL. Researcher at CIS (Research and SocialIntervention Center) from ISCTE-IUL – Lisbon University Institute, Lisbon, Portugal.Doctor en Psicología Social y Organizacional (ISCTE-IUL). Profesor Asociado del ISCTE-IUL. Investigador de la CEI (Centro de Investigación Social y deIntervención ISCTE-IUL), Lisboa,Portugal.

Sónia Gonç[email protected] em Psicologia no ISCTE-IUL. Investigadora no Centro de Investigação e Intervenção Social do ISCTE-IUL, Lisboa, Portugal.PhD student of Psychology at ISCTE-IUL – Lisbon University Institute. Member of CIS (Research and Social Intervention Center) from ISCTE-IUL – Lisbon UniversityInstitute, Lisbon, Portugal.Doctora en Psicología Social y Organizacional (ISCTE-IUL). Profesora Asociada del ISCTE-IUL. Investigadora en la CEI (Investigación Social y el Centro deIntervención) del ISCTE-IUL, Lisboa, Portugal.

Recebido em Setembro de 2009 e aceite em Dezembro de 2009.Received in September 2009 and accepted in December 2009.

campo de estudo da temática da Gestão de Recur-sos Humanos (GRH) evoluiu ao longo do séculopassado, quer em termos de teoria quer de aplica-

ção, ancorado em linhas de força que acabaram porcontribuir para a delimitação de fronteiras balizadorasda evolução neste campo. Foi assim no início do Séc. XX,com a influência das relações laborais e dos movimen-tos sindicais que influenciaram os conteúdos de investi-gação de GRH, as designações da actividade e as ênfas-es das próprias práticas de gestão. É assim no tempoactual, com a globalização das actividades e negóciosem que a contingencialidade das opções teóricas e deintervenção revelam o peso determinante dos factoresde contexto.

Ora, esta ancoragem é transversal aos diferentes con-tinentes e países, muito embora desfasada temporalmenteem termos de ocorrência. Por exemplo, enquanto nos EUAo início do Séc. XX marca o início da evolução, em Portugalsó 50 anos mais tarde se observa tal evolução. Contudo,este desfasamento temporal na evolução do campo dainvestigação em GRH tem vindo a diminuir, o que significaque, em virtude dos sistemas de informação e tecnologiaassociada, a evolução é global, muito embora em termosde intervenção se encontre ainda desfasada devido a fac-tores de contexto como a produtividade e a competitivi-dade. Assim, é importante ter em consideração tais ele-mentos, quando queremos compreender o que ocorre emmatéria de tendências de investigação e de intervenção emGRH.

O Apesar de, em termos de uso, os prós das teoriasterem uma maior tendência de ênfase

do que os contras por parte dos utilizadores,os aspectos positivos para a GRH decorrentesdo contributo das teorias comportamentaisrelacionadas com os processos de gestão,

bem como as teorias organizacionais de pendorsistémico e contingencial, referem-se a consideraremimplícita ou explicitamente a relevância do elemento

humano no contexto de outros factores que igualmentecontribuem para a eficácia organizacional.

2º Est. - José Neves 1/3/10 10:02 AM Página 68

Page 4: A investigação em Gestão de Recursos Humanos em … · investigação em GRH tem vindo a diminuir, o que significa que, em virtude dos sistemas de informação e tecnologia

OUT/DEZ 2009 69

E S T U D O S

A investigação em Gestão de Recursos Humanos em Portugal

a considerarem implícita ou explicitamente a relevância doelemento humano no contexto de outros factores que igual-mente contribuem para a eficácia organizacional. Mas, destainfluência, decorrem também insuficiências que questionamos modelos de investigação e as teorias que os suportam.

De uma forma sintética, dois exemplos são ilustrativosdeste raciocínio.

O primeiro relaciona-se com a teoria da gestão por objec-tivos (Locke e Latham, 1990; 2002), segundo a qual estessão fundamentais dado o seu carácter de farol sinalizador elegitimador para todas as actividades do gestor e motivadordos desempenhos. Contudo, alguns aspectos perversos douso da teoria enfraquecem por vezes os aspectos positivosda mesma (Schweitzer et al., 2004; Ordóñez et al., 2009).Constitui um exemplo ilustrativo a definição menos realistados objectivos, entendida quer por excesso, tornando-osirrealistas, quer por defeito, tornando-os escassamente in-centivadores. Ou, também, os casos de uma capacidademotivacional reduzida quando excessivamente simples, ouaumentada quando os objectivos são elevados mas realistas.Refira-se, ainda, a fácil alienação a que conduzem os alvosquando se faz dos meios a razão de ser para simplesmentecumprir ou superar o atingir de um dado objectivo.

Outro exemplo relacionado com a forma de definir as pro-porções entre parte fixa e parte variável das recompensasilustra também as insuficiências das teorias e dos modelosde análise na superação da tentação da linearidade dosmodelos, o que deixa de fora aspectos de contexto cujosefeitos só abordagens metodológicas e teóricas mais com-plexas, como os modelos de moderação e de mediação,possibilitam dar conta.

Assim se explica o debate a que presentemente se assistesobre a forma de recompensar os gestores financeiros, nabase da qual a antiga fórmula de associar uma parte variá-vel ao lucro ou aos resultados se revela perversa em virtudedo excesso de risco induzido nos actos de gestão por partedeste tipo de profissionais. Algo parecido à prática de re-compensar o trabalho de uma equipa de vendas com baseem uma percentagem das vendas efectuadas, independen-temente da cobrança, dos produtos em stock ou da margemde lucro do produto. O incentivo para a acção, estimuladopela comissão de vendas, poderá induzir efeitos negativos

em termos do resultado final e contribuir para a menor sus-tentabilidade da organização ao não controlar o factor derisco financeiro associado ao cliente, ao desequilibrar agestão de stocks de produto acabado, privilegiando a vendados produtos de maior rotação e ao vender tendencialmenteos produtos de valor mais elevado em detrimento dos demenor preço.

Estas e outras insuficiências tornam a GRH objecto de estu-do de crescente interesse, verificando-se nas últimas déca-das um esforço de compreensão e de teorização do conjun-to das práticas de gestão, de que a grande proliferação decursos de formação de cariz académico (licenciaturas, pós-graduações, mestrados e doutoramentos) e de naturezamais profissional (acções de aprendizagem, formação técni-ca e reciclagem sobre práticas de GRH) constitui uma evidên-cia objectiva.

É este o enquadramento para o contributo deste trabalho,ao referir as tendências emergentes nos trabalhos de inves-tigação sobre esta temática, produzidos entre os anos de1986 e 2009 em instituições de ensino e investigação por-tuguesas e ao mapear as grandes influências na evolução econsolidação das práticas de GRH expressas nas temáticasdos Encontros APG (Associação Portuguesa dos Gestores eTécnicos dos Recursos Humanos) que, ao longo dos últimos40 anos, vêm ocorrendo em Portugal, e as respectivas impli-cações na problematização teórica desta temática.

A nossa reflexão apoia-se em quatro tópicos: as dimen-sões associadas ao conceito de GRH; a evolução da GRH emPortugal; a análise da produção científica em Portugal; efinaliza com um ponto sobre conclusões.

Dimensões associadas ao conceito de GRHNa base da explicitação do conceito de GRH, o que se

encontra? Um modelo ou vários modelos? Dimensões

Assim se explica o debate a que presentementese assiste sobre a forma de recompensar os gestores

financeiros, na base da qual a antiga fórmulade associar uma parte variável ao lucro

ou aos resultados se revela perversa em virtudedo excesso de risco induzido nos actos de gestão

por parte deste tipo de profissionais.

2º Est. - José Neves 1/3/10 10:02 AM Página 69

Page 5: A investigação em Gestão de Recursos Humanos em … · investigação em GRH tem vindo a diminuir, o que significa que, em virtude dos sistemas de informação e tecnologia

REVISTA PORTUGUESA E BRASILEIRA DE GESTÃO70

E S T U D O S

José Neves e Sónia Gonçalves

efectivos, gestão administrativa e jurídica, etc., dimensõesestruturadas na base de escolas de pensamento, as quaisfornecem os alicerces de natureza teórica para se estruturaro conjunto de dimensões da GRH.

Relacionada com esta problemática, é útil referir a estru-tura dimensional de GRH subjacente aos modelos de certifi-cação dos profissionais de GRH americanos asseguradospelas instituições Society for Human Resource Management eHuman Resource Certification Institute1, patentes nos Manuaisde certificação de 1995 e 2009. As dimensões integram con-teúdos de natureza estratégica e de natureza operacional evariam em termos de importância, quer do ponto de vista decada dimensão, quer da exigência de qualificação do profis-sional de Recursos Humanos.

Como se constata da análise do Quadro I, a estruturaassenta em seis dimensões que são transversais aos diferen-tes níveis do exercício da profissão (profissional – Profes-sional in Human Resources; profissional sénior – Senior Pro-fessional in Human Resources; e profissional global – GlobalProfessional in Human Resources), mas com ponderaçõesdiferenciadas em termos de importância para o nível profis-sional, ponderação essa que igualmente varia entre 1995 e2009 para os níveis profissional (júnior) e sénior de exercícioda profissão.

Mais recentemente, foi criado um terceiro nível de profis-sionalização: o profissional global para dar resposta aosrequisitos da globalização. As seis dimensões e respectivospesos em termos de importância, em função dos níveis decertificação profissional pretendidos, são resumidos noQuadro I.

Uma das escolas de pensamento que mais marcou aevolução do conjunto de conhecimentos e práticas rela-cionados com a GRH foi a abordagem sistémica do fun-cionamento organizacional. A literatura sobre gestãoestratégica de recursos humanos sugere que, para se poderanalisar o impacto das práticas de GRH no desempenhoorganizacional, se deve adoptar uma perspectiva sistémicadada a forma conjunta e simultânea de influência dos com-portamentos individuais e grupais por parte das diferentespráticas.

A influência das práticas de GRH sobre o desempenhoindividual ou organizacional ocorre em termos de conjunto e

estratégicas (com impacto a médio ou longo prazo) ou me-ramente operacionais (com impacto a curto prazo)? Qual oimpacto das diferentes dimensões na satisfação individual ena produtividade e competitividade organizacionais?

Uma das principais dificuldades em responder a estasquestões resulta da insuficiente investigação empírica exis-tente no domínio da GRH e no conhecimento frequente-mente impressionista da realidade, o qual torna difícil deli-mitar conceptualmente as práticas de gestão em termos dedimensões e dos respectivos conteúdos. Igualmente constituiuma dificuldade o gap persistente entre os conteúdos de in-teresse dos práticos e os conteúdos de interesse para osteóricos, como sugere o trabalho de Deadrick e Gibson(2004). Dado este gap de interesses, os veículos divulga-dores do conhecimento com origem nos práticos e do con-hecimento com origem nos teóricos, a disseminação e apli-cação do conhecimento sobre práticas de GRH, limita o con-hecimento gerado em matéria de GRH como um todo, ouseja, quer na sua componente de investigação quer de apli-cação. Igual contributo para incrementar a dificuldade ante-riormente referida resulta da perspectiva dominante de osinvestigadores usarem modelos universalistas nas suas inves-tigações, menosprezando a inclusão de perspectivas contin-genciais e contextuais, como sugere o trabalho de Martin-Al-cázar et al. (2007).

A GRH é simultaneamente um conjunto de conhecimentose uma actividade, estruturando-se cada um em estreita inter-dependência. Frequentemente rebaptizada em virtude demaiores exigências de integração na estratégia da organiza-ção, a GRH enquanto saber é algo bastante heterogéneoque visa conseguir resultados, influenciando os comporta-mentos e atitudes das pessoas mediante um sistema degestão definido aprioristicamente.

Uma análise aos manuais de GRH revela um conjunto deteorias implícitas a propósito do modo de funcionamentodas organizações, dos grupos e dos indivíduos e um conjun-to de práticas apelidadas de GRH, cujas designações sãofrequentemente referidas por dimensões como recrutamentoe selecção, formação e desenvolvimento, remunerações erecompensas, relações sociais, higiene e segurança, análisee descrição de funções, avaliação do desempenho, comuni-cação e integração, gestão de carreiras, planeamento de

2º Est. - José Neves 1/3/10 10:02 AM Página 70

Page 6: A investigação em Gestão de Recursos Humanos em … · investigação em GRH tem vindo a diminuir, o que significa que, em virtude dos sistemas de informação e tecnologia

OUT/DEZ 2009 71

E S T U D O S

A investigação em Gestão de Recursos Humanos em Portugal

das outras e os seus impactos operam em termos de influên-cia conjunta e não individual ou isolada, influência que é ba-lizada pelas políticas organizacionais (Boselie et al., 2005).Tal não significa que, apesar de entendidas como sistémicas,as práticas de GRH não possam gerar efeitos aditivos (duaspráticas podem originar um efeito maior do que uma práti-ca isolada, mas os efeitos de duas práticas conjuntaspoderão não ser superiores aos efeitos de duas práticas indi-viduais), de substituição (o efeito de uma prática pode sersubstituído pelo efeito de outra, pelo que usar duas práticaspoderá não originar efeitos maiores quando comparadoscom os de cada prática de per si) ou de interacção (os efeitosde umas práticas reforçam os de outra).

Políticas e práticas de GRH, apesar de conceptualmentedistintas (enquanto as primeiras são as intenções organiza-cionais declaradas sobre a forma de gerir as actividades deGRH, as segundas são a actividade actual e em funciona-mento, observável e experienciada pelo sujeito), quandomedidas, carecem de ser entendidas e dotadas de importân-cia e significado pessoal ou organizacional atribuído pelos

em simultâneo e não tanto na base de práticas isoladas, i.e.,sem ligação de umas com as outras. Na perspectiva de sis-tema, e do ponto de vista conceptual, as práticas de GRHpodem funcionar como complementares ou em interacçãopara produzirem impactos no desempenho, pelo que a suadefinição e sistematização constitui um passo fundamentalpara prosseguir os estudos sobre esta temática.

A este propósito partilhamos a opinião de autores comoWright e McMahan (1992) e Delery e Doty (1996), segundoa qual a GRH deverá ser conceptualizada como um sistemaglobal, integrado num sistema mais vasto, em que a estraté-gia de negócio, a globalização das actividades e a culturaorganizacional constituem os principais condicionantes àdefinição, evolução e funcionamento dos outros subsistemasou dimensões.

Nesta perspectiva, as práticas de GRH representam umpadrão em termos de uso e de funcionamento de actividadesque ajudam a organização a alcançar os seus fins medianteuma planificação concertada dos seus objectivos e con-cretização. Por isso, as práticas não são independentes umas

Quadro IDimensões de GRH no modelo de certificação americano

2º Est. - José Neves 1/3/10 10:02 AM Página 71

Page 7: A investigação em Gestão de Recursos Humanos em … · investigação em GRH tem vindo a diminuir, o que significa que, em virtude dos sistemas de informação e tecnologia

REVISTA PORTUGUESA E BRASILEIRA DE GESTÃO72

E S T U D O S

José Neves e Sónia Gonçalves

indivíduos, sob pena de se misturar retórica com realidade(Boselie et al., 2005). Apesar de não estar resolvida a ques-tão de saber que práticas e que políticas deverão ser agru-padas para formar um sistema (Lepak e Snell, 1999), combase na análise da literatura sobre o tema (Beaumont, 1993)e sobre as práticas americanas de certificação da actividadeprofissional nesta área, sistematizámos, para efeitos deoperacionalização e de estruturação conceptual, a plurali-dade de práticas e de políticas de GRH (com impacto imedi-ato ou a prazo) nas dimensões seguintes: • estratégia de GRH – estratégia de GRH, periodicidade de

revisão da estratégia, estatuto do responsável pela GRH,influência na formulação da estratégia do Instrumento deRegulamentação Colectiva do Trabalho;

• gestão do emprego – planeamento quantitativo e qualitati-vo dos RH, definição dos requisitos básicos, evolução dascarreiras profissionais, afectação e desafectação de RH aospostos de trabalho, avaliação dos desempenhos, auditoriaà GRH;

• recrutamento e selecção – pesquisa e análise de mercado,formas de recrutamento, técnicas de selecção, critérios deescolha, plano de integração;

• formação e desenvolvimento – plano de formação, planode informação e comunicação, avaliação da eficácia;

• manutenção – política salarial e de benefícios, ambiente econdições de segurança no trabalho, acção social,relações de trabalho. Na base destas dimensões, elaborámos um questionário

com o qual validámos empiricamente a estrutura dimen-sional, que revelou bons resultados relativamente à capaci-dade discriminativa em termos de níveis hierárquicos, deorganizações e de sectores de actividade (Neves, 2000),pelo que a utilizaremos para estruturar a análise dos temasque de seguida apresentaremos.

A evolução da GRH em Portugal A temática da GRH tem sido objecto de teorização e de

análise empírica por duas razões fundamentais: uma denatureza teórica, que se prende com a necessidade de con-ceptualizar a grande diversidade de práticas desta área e asua relação com a competitividade; e outra de naturezaprática, ligada à necessidade de controlar os efeitos das

suas práticas em cujo processo a cultura organizacional, aestratégia de negócio, a internacionalização e a globaliza-ção das actividades e a respectiva influência na competitivi-dade e produtividade organizacionais desempenhem a prin-cipal influência no desenvolvimento e evolução deste con-ceito.

Um dos conceitos mais associados ao desenvolvimento datemática é talvez o da estratégia (Huselid, 1995), a ponto de,quer a teoria quer a prática, terem incorporado o conceito,como o atesta a pluralidade de estudos e publicações. Nabase deste conceito, as intenções de desenvolvimento, queuma organização desenha para definir o seu futuro, afectamas actividades de GRH que asseguram o adequado compor-tamento e esforço dos indivíduos para a concretização dofuturo e, desta forma, contribuem para o desempenho orga-nizacional (Schuler, 1992).

Assim, no conceito de GRH, as pessoas são entendidasna base de outro significado, deixando de ser

encaradas como um factor custo, para passarema ser encaradas como um factor investimento,

ou seja, um dos activos mais determinantesda competitividade.

Por isso, um planeamento e afectação de recursos em quan-tidade e qualidade, de acordo com as ideias de evolução donegócio, e uma motivação dos comportamentos necessários àrealização das actividades previstas carecem de um alinhamen-to com os objectivos organizacionais e os planos de acçãocom horizontes temporais diversificados (Armstrong, 2002).Assim, no conceito de GRH, as pessoas são entendidas nabase de outro significado, deixando de ser encaradas comoum factor custo, para passarem a ser encaradas como umfactor investimento, ou seja, um dos activos mais determi-nantes da competitividade.

O saber e as competências devem ser desenvolvidos comoforma de a organização criar valor em termos individuais,organizacionais e sociais. Este valor, apesar de intangível,possibilita a que a organização ganhe reconhecimento enotoriedade, motive a atenção dos investidores e contribuapara assegurar a sua sustentabilidade. Esta influência daestratégia de negócio sobre a GRH generalizou mesmo o

2º Est. - José Neves 1/3/10 10:02 AM Página 72

Page 8: A investigação em Gestão de Recursos Humanos em … · investigação em GRH tem vindo a diminuir, o que significa que, em virtude dos sistemas de informação e tecnologia

OUT/DEZ 2009 73

E S T U D O S

A investigação em Gestão de Recursos Humanos em Portugal

uso das expressões «estratégia de recursos humanos» e «ges-tão estratégica de recursos humanos» (Tyson, 1995). E, nestesentido, cada vez mais, as estratégias global e sectorial seinterpenetram e condicionam, tornando os recursos humanosum factor de continuidade entre a herança cultural da orga-nização e o desenvolvimento colectivo das suas competên-cias, numa perspectiva de desenvolvimento face ao futuro.

A utilização das práticas de GRH reflectem os ambientesorganizacionais onde se inserem, particularmente naspressões relativas à competitividade. Tal ambiência de com-petitividade reflecte-se na gestão das organizações em ter-mos da sua estruturação e funcionamento, obrigando-as auma reaprendizagem permanente da capacidade delidarem com as exigências da sua envolvente. Desta reapren-dizagem faz parte a necessidade de, em permanência, alinhara gestão das pessoas com as exigências da envolvente sociale de negócios.

Numa organização, tal como é necessário existir uma es-tratégia externa que a capacite a ser competitiva no merca-do, igualmente se necessita de uma estratégia interna que aoriente no sentido do desenvolvimento, da motivação e docontrolo dos recursos humanos. Esta forma de conceptua-lizar o funcionamento organizacional, para além do imedia-to temporal, implica a necessidade da estratégia externa eda estratégia interna se articularem, dado o condicionamen-to mútuo e a necessidade de as diferentes actividades esta-rem integradas e serem consistentes.

Por exemplo, uma estratégia que baseie a sua competitivi-dade em produzir ao mais baixo custo, ou uma estratégiaque faça da inovação a sua principal fonte de competitivi-dade, implicam diferentes políticas e práticas de GRH emtermos de recrutamento e selecção, da formação e desen-volvimento do potencial humano, da remuneração e benefí-cios, das relações laborais, etc. Também, a título de exemplo,na fase de início de uma organização, a dimensão recruta-mento e selecção tem por política principal atrair os me-lhores, política que se modifica na fase de crescimento pararecrutar o número adequado de trabalhadores, depois, nafase de maturidade para fomentar a rotação e minimizar odespedimento, e, finalmente, na fase de declínio, a ênfaseda política assenta na redução de efectivos e no acentuardas recolocações.

Assim se compreende a cada vez maior necessidade deflexibilidade dos recursos tecnológicos e organizacionais e acrescente pressão sobre as barreiras do legado cultural elegal herdado do passado, no sentido da renovação daspráticas de GRH capazes de tornarem motivados e adequa-dos os comportamentos de trabalho que garantem a con-cretização e a satisfação das necessidades do cliente(Milliman et al., 1991).

De idêntica forma, e no que se relaciona com a globaliza-ção e o impacto na GRH, a diversidade de factores compe-titivos, a fragmentação dos mercados, as formas de aliançaestratégica, que implicam modalidades diferentes de cola-boração, sugerem que no futuro a GRH irá transformar-senuma temática de extrema importância em termos de inves-tigação empírica e teórica. Questões como o ciclo de vidaorganizacional (iniciação, crescimento funcional, controlo decrescimento e integração estratégica) e as ênfases diversifi-cadas relativamente a dimensões e prioridades de GRHserão objecto de intensa investigação nos próximos anos(Adler, 1991).

No actual contexto de globalização, a pressão da competi-tividade é talvez o factor que maior influência exerce sobre aevolução conceptual e o conteúdo das práticas da GRH. Quepreocupações revelam os profissionais portugueses sobre aforma como a GRH evolui e se adapta às tensões e dilemas,com que forma crescente é confrontada e se repercute naexpressão e tendências de exercício da actividade de gestorde recursos humanos?

Um contributo para responder a esta questão consistiu naanálise de conteúdo aos temas (designação genérica e decartaz) escolhidos pelos dirigentes da APG para promoção edivulgação dos encontros anuais de reflexão promovidospela Associação Portuguesa dos Gestores e Técnicos deRecursos Humanos desde 1967 até ao presente. O ano deocorrência e respectivo tema dos encontros de reflexãoanualmente promovidos pela APG, é apresentado no Qua-dro II (ver p. 74).

Uma análise de conteúdo aos temas dos encontros per-mite evidenciar algumas tendências que reflectem aevolução da designação e conteúdos da função de GRHe a influência dos ambientes político-sociais na diversifi-cação das temáticas discutidas. Assim, é possível distin-

2º Est. - José Neves 1/3/10 10:02 AM Página 73

Page 9: A investigação em Gestão de Recursos Humanos em … · investigação em GRH tem vindo a diminuir, o que significa que, em virtude dos sistemas de informação e tecnologia

REVISTA PORTUGUESA E BRASILEIRA DE GESTÃO74

E S T U D O S

José Neves e Sónia Gonçalves

guir quatro períodos de tempo em relação aos quais sepodem balizar fronteiras em termos de tendênciasdefinidoras da evolução das práticas e do conceito de GRHem Portugal.

O primeiro período vai desde o início em que os encontroscomeçam a ser promovidos até final da década de 1970.A designação para a temática é a de Gestão de Pessoal e osconteúdos discutidos reflectem quer temáticas relacionadas

com a função e com o titular, quer temas que evidenciammuita da influência político-social (luta de classes, transiçãodo socialismo, conflitos sociais) do período da Revolução deAbril de 1974. Uma análise às ofertas de emprego publici-tadas na altura refere com frequência a necessidade de umperfil jurídico para desempenhar funções relacionadas coma GRH e o perfil da função estava muito associado a práti-cas de natureza jurídico-administrativas.

Quadro IITemas dos Encontros Nacionais promovidos pela APG

Fonte: Dados fornecidos pelo APG

2º Est. - José Neves 1/3/10 10:02 AM Página 74

Page 10: A investigação em Gestão de Recursos Humanos em … · investigação em GRH tem vindo a diminuir, o que significa que, em virtude dos sistemas de informação e tecnologia

OUT/DEZ 2009 75

E S T U D O S

A investigação em Gestão de Recursos Humanos em Portugal

O segundo período corresponde à década de 1980. Estecaracteriza-se pela utilização da expressão GRH para desig-nar o tratamento dos assuntos de Pessoal nas organizaçõese por reflectir nos temas as ideias da modernização e dacompetitividade (transformação, desafio da integraçãoeuropeia, modernizar organizações, transformar o traba-lho), as quais passaram a ser fonte de preocupação em vir-tude da nova realidade que representou o Mercado ÚnicoEuropeu e do questionar da exclusividade da funçãoeconómica da empresa por oposição à nova função social.A GRH é o equivalente da planificação de efectivos e análisedas funções e dos sistemas de trabalho, da afectação depessoas aos postos de trabalho, da higiene e segurança notrabalho, da gestão de incentivos, da avaliação do desem-penho, gestão de carreiras, formação, desenvolvimento dopotencial humano, etc. Os perfis profissionais requeridospara o desempenho da actividade relacionados com asCiências Sociais e Humanas são os mais valorizados nesteperíodo.

O terceiro período tem início no final da década de1980 e caracteriza-se pela utilização em simultâneo deambas as designações (GRH e Gestão de Pessoal) para sereferirem aos assuntos de Pessoal. Tendo o ano 2000como horizonte e o acentuar da pressão da competitivi-dade, os temas reflectem igualmente a preocupação emdesenvolver e formar o potencial humano, bem como ainfluência das preocupações sociais do momento: desem-prego e formação profissional. Os fundos comunitários deapoio à formação profissional que se disponibilizaramneste período de tempo terão contribuído fortemente paraa ênfase da dimensão formação e desenvolvimento.Capacidade de definir e de gerir sistemas de formaçãoera um dos requisitos mais valorizados para o desempe-nho da função.

Um quarto período inicia-se na segunda metade da déca-da de 1990, prolongando-se até aos dias de hoje e focaliza-sena gestão das competências e do conhecimento e no papelactivo dos recursos humanos na competitividade e naexcelência. As pessoas são colocadas no centro das preocu-pações como resultado da aceitação em definitivo da crençano elemento humano como o factor que faz a diferençacompetitiva. Denota-se uma preocupação com a conciliação

do desempenho da organização com a felicidade e bem--estar das pessoas. O futuro mutável das empresas e a com-plexidade das suas interacções estão em destaque, comosugerem as temáticas dos dois últimos anos (projecção para2020, através do atrevimento das pessoas e da ousadia dasorganizações).

Um acentuar da especialização requerida aos profissionaisde GRH já iniciada no período evolutivo anterior amplifica-se neste, passando os perfis profissionais a estarem maisrelacionados com a formação académica em Psicologia eem GRH. A par da gestão técnica e administrativa dos recur-sos humanos, emergem como requisitos desejáveis para odesempenho da função, aptidões estratégicas e de desen-volvimento organizacional, bem como a capacidade paragerir competências e o fomento da aprendizagem organiza-cional.

E de que forma se expressam as pressões da competi-tividade ao nível das práticas de GRH? Caetano e Tavares(2000), num estudo empírico efectuado com uma amostrade 30 empresas portuguesas integradas em diferentes sec-tores de actividade, avaliam as mudanças organizacionaise a respectiva implicação na gestão das pessoas e cons-tatam a existência de um conjunto de tendências na formacomo as pressões da envolvente se traduzem na gestãodas competências, da motivação e da implicação das pes-soas.

Assim, para aumentar a competência das pessoas, asorganizações tendem a usar a flexibilidade numérica (al-teração do número de empregados), a flexibilidade tem-poral (aumento do período de tempo de trabalho) e a fle-xibilidade funcional (comportamentos extra-papel). Paraaumentar a motivação das pessoas, as organizações ten-dem a utilizar a flexibilidade financeira (aumento da com-ponente variável da recompensa) e temporal (individualiza-ção das recompensas e das promoções e vinculação destasmatérias à produtividade e ao desempenho individual).Para aumentar a implicação organizacional, as organiza-ções fazem uso do sistema de comunicação interna, da par-ticipação formal e colectiva e da participação informal eindividualizada.

O estudo revela também que a forma como as organiza-ções enfrentam os dilemas e tensões na GRH originados

2º Est. - José Neves 1/3/10 10:02 AM Página 75

Page 11: A investigação em Gestão de Recursos Humanos em … · investigação em GRH tem vindo a diminuir, o que significa que, em virtude dos sistemas de informação e tecnologia

REVISTA PORTUGUESA E BRASILEIRA DE GESTÃO76

E S T U D O S

José Neves e Sónia Gonçalves

pelas pressões sectoriais e organizacionais no incremento dacompetitividade e da produtividade está relacionada comfactores pressionadores oriundos das envolventes externa einterna.

teca Nacional de Portugal; RCAAP – Repositório CientíficoAcesso Aberto de Portugal; Colcat; Base Lusíada Portal doConhecimento), utilizando como palavras-chaves «gestão derecursos humanos» e «teses». Como resultado, encontrámosum total de 176 teses, sendo 137 de mestrado e 39 dedoutoramento, realizadas entre os anos de 1986 e 2009,cuja distribuição pode ser encontrada no quadro III.

Enquanto as primeiras fases da GRHem Portugal apresentam um desfasamento

temporal mais dilatado em relação ao ocorridoem outros países, as últimas fases acompanham quase

em tempo real as tendências de evolução ocorridas,como o demonstram estudos empíricos realizados.

Assim, constata-se maior uso das flexibilidades funcional efinanceira associadas a situações de mudança tecnológicae estrutural e maior uso da flexibilidade numérica e da par-ticipação formal associado a situações de reduzidamudança nos produtos/serviços. Resumindo, as práticas deGRH tendem a acompanhar as pressões decorrentes dosprocessos de evolução e de mudança interna e externa daorganização. Torna-se, por isso, fundamental uma análisecuidada do binómio custo-benefício associado às impli-cações para as pessoas, para as organizações e para asociedade do uso de tais respostas às pressões sentidas emcada momento.

Em síntese, as influências sentidas em outros países emdécadas anteriores estão presentes, embora temporalmentedesfasadas nas preocupações dos práticos da GRH, como sepôde constatar na análise de conteúdo aos temas dosencontros nacionais promovidos pela APG desde o ano de1967. Enquanto as primeiras fases apresentam um desfasa-mento temporal mais dilatado em relação ao ocorrido emoutros países, as últimas fases acompanham quase emtempo real as tendências de evolução ocorridas, como odemonstram estudos empíricos, como o anteriormentereferido.

Análise da produção científica em Portugal Com a finalidade de conhecermos a produção científica

em Portugal sobre a temática de GRH, efectuámos um le-vantamento dos títulos das teses de mestrado e doutora-mento, a partir da consulta a um conjunto de bases dedados de bibliotecas e universidades (e.g., PORBASE – Biblio-

Quadro IIIDistribuição da amostra por tipos de trabalho

Cerca de 70% da produção científica reporta-se a duasinstituições: 36,9% provém do ISCTE-IUL e 32,4% da Univer-sidade Técnica de Lisboa, o que pode ser constatado noquadro IV (ver p. 77). Globalmente, verifica-se uma taxa deprodução bastante reduzida (média de 7,5 unidades entreteses de mestrado e de doutoramento por ano), se tivermosem conta a quantidade de instituições (15) que, com oscritérios de pesquisa utilizados, apareceram nas bases dedados consultadas.

No período de 1996 a 2005, produziu-se um volume signi-ficativo (cerca de 80% da amostra) de trabalhos científicos sobrea GRH, como se constata observando o quadro V (ver p. 77).

Como se distribui esta produção científica ao longo desteperíodo de tempo em termos de tipo de trabalho, de ênfasetemática e de instituição? Para a análise da produção cientí-fica em termos de dimensão de GRH, construímos um di-cionário de categorização baseado no nosso trabalho ante-rior (Neves, 2000) cuja tabela síntese (Quadro VI) revela ograu de associação das dimensões e respectivo índice de fia-bilidade (ver Quadro VI, p. 78).

Esta estrutura dimensional de GRH permitiu classificar atemática subjacente a cada título de tese, que se reproduz noQuadro VII. Com o objectivo de garantir a qualidade do sis-tema de categorias, dois juízes independentes categorizaramos títulos das teses (Kappa de Cohen para o acordo inter-juízes= 0.97) (ver Quadro VII, p. 78).

2º Est. - José Neves 1/3/10 10:02 AM Página 76

Page 12: A investigação em Gestão de Recursos Humanos em … · investigação em GRH tem vindo a diminuir, o que significa que, em virtude dos sistemas de informação e tecnologia

OUT/DEZ 2009 77

E S T U D O S

A investigação em Gestão de Recursos Humanos em Portugal

enquadram-se maioritariamente no tema da formação edesenvolvimento, enquanto os de doutoramento se focali-zam na estratégia de recursos humanos. Quando considera-dos em conjunto os trabalhos de mestrado e de doutora-mento, a dimensão estratégia de GRH enquadra maiornúmero de trabalhos (67) do que a dimensão formação edesenvolvimento (55). A dimensão recrutamento e selecçãonesta amostra de trabalhos é escassamente apelativa para ointeresse dos investigadores.

Numa tentativa de mapear a temática categorizada, porano e tipo de trabalho, realizou-se uma análise de corres-pondências múltiplas, cujo resultado se pode observar naFigura 1 (ver p. 79).

As variáveis estruturam-se em dois eixos, um que agregaos anos e o tipo de trabalho; o outro agrupa as temáticasestudadas. Assim, é possível visualizar que, até 2000, ainvestigação se debruçou especialmente ao nível da forma-ção e desenvolvimento em teses de mestrado e que, a partirde 2006, há uma mudança temática para a estratégia deRH. Entre 2001 e 2005, não há uma temática de investi-gação marcante. Também ao nível dos doutoramentos nãose configura uma temática específica. As temáticas de manu-tenção, recrutamento e selecção e gestão de emprego são,de alguma forma, transversais em termos de tipo de traba-lho e ano.

Como pode observar-se no Gráfico 1 (ver p. 80), em ter-mos da instituição onde o trabalho está registado, nos doisprimeiros períodos temporais, os trabalhos de mestrado sãooriundos maioritariamente do ISCTE-IUL e nos dois períodosseguintes da Universidade Técnica de Lisboa. Globalmente,a partir de 2000, nota-se um decréscimo no número de tra-balhos de mestrado produzidos.

Relativamente às teses de doutoramento, observando oGráfico 2 (ver p. 80), constata-se um acréscimo significativode produção a partir de 2001. Também neste tipo de tra-balho científico, uma vez mais o ISCTE-IUL e a UniversidadeTécnica de Lisboa lideram o número trabalhos de doutora-mento na área da GRH.

Discussão e conclusõesComo forma de mais facilmente estruturar a discussão

sobre as tendências da investigação sobre GRH em Portugal,

Quadro IVDistribuição da amostra por instituição

Quadro VDistribuição da amostra por anos

A partir da classificação efectuada aos trabalhos de inves-tigação considerados, resultou uma distribuição por tipo detrabalho, por dimensões de GRH objecto da investigação epor agrupamento temporal (ver Quadro VIII, p. 79).

Da análise do Quadro VIII constata-se que o número detrabalhos de mestrado é muito superior aos de doutoramen-to em todos os agrupamentos temporais, com excepção doperíodo 2001-2005, em que o número de trabalhos dedoutoramento supera os de mestrado. Observa-se tambémque, em termos de temática, os trabalhos de mestrado

2º Est. - José Neves 1/3/10 10:02 AM Página 77

Page 13: A investigação em Gestão de Recursos Humanos em … · investigação em GRH tem vindo a diminuir, o que significa que, em virtude dos sistemas de informação e tecnologia

REVISTA PORTUGUESA E BRASILEIRA DE GESTÃO78

E S T U D O S

José Neves e Sónia Gonçalves

Quadro VICorrelação e alfa de Cronbach das dimensões de GRH

Quadro VIIDicionário de categorização

recorremos a quatro blocos de questões afins do tema emanálise e ao contributo de outros autores que as têm investi-gado.

Primeiro bloco: Os objectivos de teóricos e de práticos deGRH estão em consonância ou estão desfasados? São oscontributos teóricos usados para facilitar a aplicação daspráticas ou são ignorados pelos práticos? Porque divergemos interesses entre teóricos e práticos?

No caso português, esta clivagem de interesses é pouconotória em virtude de a investigação científica significativater ocorrido apenas nos últimos 20 anos, período de tempodurante o qual os factores de contexto exerceram forteinfluência na definição e evolução da temática em estudo,como o comprova o resultado encontrado em relação àênfase das temáticas objecto de teses e as pressões contex-tuais de cada momento temporal. Contudo, em outros paí-

** p< .01

2º Est. - José Neves 1/3/10 10:02 AM Página 78

Page 14: A investigação em Gestão de Recursos Humanos em … · investigação em GRH tem vindo a diminuir, o que significa que, em virtude dos sistemas de informação e tecnologia

OUT/DEZ 2009 79

E S T U D O S

A investigação em Gestão de Recursos Humanos em Portugal

Quadro VIIIDistribuição temática e anual dos trabalhos de investigação

Figura 1Temáticas investigadas

2º Est. - José Neves 1/3/10 10:03 AM Página 79

Page 15: A investigação em Gestão de Recursos Humanos em … · investigação em GRH tem vindo a diminuir, o que significa que, em virtude dos sistemas de informação e tecnologia

REVISTA PORTUGUESA E BRASILEIRA DE GESTÃO80

E S T U D O S

José Neves e Sónia Gonçalves

Gráfico 1Distribuição dos trabalhos de mestrado por ano e instituição

Gráfico 2Distribuição dos trabalhos de doutoramento

por ano e instituição

ses, com uma maior tradição de investigação e mais trabalhode investigação publicado, o desfasamento entre os interes-ses dos práticos e os interesses dos teóricos em matéria deinvestigação sobre GRH é mais notório, como o comprovaum trabalho de Deadrick e Gibson publicado em 2007.

Na sequência de tal trabalho, os autores concluem que,devido à extensão temporal de tais desfasamentos (20 anos)e à pluralidade de influências disciplinares que comprome-tem a existência de uma identidade comum, como o atestama tendência para a segmentação de vários grupos de inte-resses sobre GRH ou a forma de agrupamento estrutural oufuncional do funcionamento académico ligado ao ensino e

investigação de GRH (escolas de negócio, departamentos depsicologia, centros de estudo de sociologia das relaçõesindustriais, centros de estudo de relações laborais, etc.), ospráticos desconhecem muitas vezes os trabalhos dosacadémicos e, por isso, não os aplicam na prática, e osacadémicos desconhecem as necessidades dos práticos einvestigam outros temas de menor interesse para os práticos.Como minimizar tais desfasamentos? Através de mais e me-lhor comunicação entre práticos e teóricos sobre temas deinteresse mútuo e actualização dos programas da formaçãoacadémica e profissional, integrando nos conteúdos cur-riculares o conhecimento oriundo dos práticos.

O segundo bloco de questões: São os modelos de análiseusados nas investigações apropriados para retratar a reali-dade? Como são tratadas as variáveis de contingência e decontrolo? Em termos metodológicos, que desafios se colo-cam aos investigadores relativamente à recolha e tratamentoda informação? Como operacionalizar o conceito de GRH?

A resposta a estas questões contribui igualmente paraminimizar os desfasamentos referidos nos conjuntos dequestões anteriores.

Desde logo, a primeira preocupação dos investigadoresdeverá ser a de terem conceitos e operacionalizações dosmesmos, para, de uma forma métrica, poderem dar contadas realidades em estudo, e para que os respectivos resulta-dos possam ser replicados e os impactos possam ser medi-dos. Neste contexto, assumem particular importância as for-mas de medir a presença, a extensão, a intensidade e aeficácia das práticas de GRH, o que aconselha ao uso deuma diversidade de escalas de medida (dicotómicas, con-tínuas de proporção, contínuas de grau, etc.) e a qualidadedos dados recolhidos, independentemente do método derecolha ser qualitativo ou quantitativo.

São igualmente necessários desenhos e modelos de inves-tigação que, para além de associações lineares e simples,aprofundem um pouco mais a complexidade de tais relaçõesentre variáveis. Para tal, importa atribuir estatutos bemdefinidos às variáveis nos modelos de análise (variáveisindependentes ou preditoras, variáveis critério ou depen-dentes, variáveis moderadoras, variáveis mediadoras, variá-veis de controlo, etc.), e ajustar o uso das técnicas de análisenecessárias ao tratamento da informação.

2º Est. - José Neves 1/3/10 10:03 AM Página 80

Page 16: A investigação em Gestão de Recursos Humanos em … · investigação em GRH tem vindo a diminuir, o que significa que, em virtude dos sistemas de informação e tecnologia

OUT/DEZ 2009 81

E S T U D O S

A investigação em Gestão de Recursos Humanos em Portugal

Neste contexto, avaliar por exemplo o impacto de umaprática de GRH no desempenho pessoal ou organizacional,obriga a que se diferenciem os níveis de análise e a que setenha em consideração a influência de variáveis de contexto– como por exemplo a estratégia, a cultura, a internacionali-zação, a estrutura, etc. – reservando-lhe, por isso, um esta-tuto de moderadoras no modelo de análise. Ou que se te-nha, também, em linha de conta na explicação dos impactosdas práticas de GRH a influência de variáveis de controlo decariz grupal (tamanho da organização, sector de actividade,actuação sindical, etc.) e de cariz individual (idade, género,ocupação, formação escolar, etc.), não esquecendo, ainda,a importância mediadora exercida pelas variáveis de proces-so (motivação, negociação, gestão de conflito, equidade,etc.).

O terceiro bloco de perguntas: Que tendências observa-mos na investigação em GRH? Qual o peso da estratégia eda globalização no desenvolvimento de novas dimensões ena alteração das ênfases de dimensões já conhecidas?

Martin-Alcázar e colaboradores (2008) fornecem algumaspistas de resposta a estas questões, sintetizando o estado daarte na investigação em GRH como sendo caracterizado poruma multiplicidade de objectivos, de abordagens teóricas,de níveis de análise e de metodologias empíricas.

Na tentativa de conhecerem como está a ser construída ainvestigação em GRH e como está a ser testado o conheci-mento, os autores identificam tendências que revelam apreferência pelas teorias comportamentais como base dereferência para construir e testar conhecimento em GRH,descrevendo, explicando e predizendo impactos, que acen-tuam a presença da estratégia e da internacionalizaçãocomo moderadoras importantes das relações. Estes mesmosautores preferem as metodologias qualitativas quando oobjectivo é descrever, e as metodologias quantitativas,baseadas em dados obtidos através de questionários, quan-do a finalidade é predizer impactos futuros das variáveis outestar a teoria.

Quer a literatura quer os dados permitem vislumbrar atendência, por parte dos investigadores, em se abandonar aideia de que os temas de GRH devem ser abordados apenasnuma perspectiva de função e de prática isolada. Os inves-tigadores passaram a inserir em simultâneo nos modelos de

análise as implicações da estratégia e da internacionaliza-ção. Assim, é necessária mais investigação que esclareça aforma de as actividades de GRH serem usadas estrategica-mente e/ou sistemicamente, de lidarem com a complexidadeinternacional e com as dinâmicas internas associadas aofuncionamento organizacional e aos desempenhos individu-ais.

Por último, o quarto bloco de questões: O que se investigaem Portugal sobre GRH? Onde se investiga? Que dimensõesda GRH mais se investigam? De que forma as preocupaçõesda envolvente se reflectem nos temas de estudo? Comofomentar a articulação entre os interesses dos teóricos e aspreocupações dos práticos nos temas estudados?

Relativamente à investigação sobre a temática da GRH emPortugal, os dados recolhidos e analisados, que serviram dereferência para esta reflexão, revelam um número médioreduzido de trabalhos, se tivermos em consideração onúmero de instituições onde se investiga esta temática.Revelam também um desequilíbrio entre dimensões investi-gadas, colhendo a dimensão estratégia de recursoshumanos a preferência maioritária dos investigadores,seguida da dimensão formação e desenvolvimento.Contudo, uma análise mais detalhada em relação ao tipo detrabalhos evidencia que os investigadores se interessampreferencialmente por temas de GRH relacionados com aformação e desenvolvimento para desenvolverem trabalhosde mestrado e privilegiam a dimensão estratégia de GRHpara os trabalhos de doutoramento. Se cruzarmos estastendências com a ocorrência temporal, constata-se umarelação entre os interesses dos investigadores e as influên-cias dominantes da envolvente da GRH.

Até 2000, os trabalhos de mestrado revelam o interesse naformação e desenvolvimento, fruto da influência que atemática da formação profissional teve em Portugal naevolução da GRH, pela existência de abundantes recursosfinanceiros comunitários de apoio e promoção da formaçãoprofissional. Ensino industrial, formação profissional e políti-cas públicas de qualificação receberam a preferência e inte-resse de uma grande parte dos investigadores que realizaramtrabalhos de mestrado.

Ao nível do doutoramento, o interesse dos investigadores,maioritariamente reflectido nos trabalhos enquadrados na

2º Est. - José Neves 1/3/10 10:03 AM Página 81

Page 17: A investigação em Gestão de Recursos Humanos em … · investigação em GRH tem vindo a diminuir, o que significa que, em virtude dos sistemas de informação e tecnologia

REVISTA PORTUGUESA E BRASILEIRA DE GESTÃO82

E S T U D O S

José Neves e Sónia Gonçalves

dimensão estratégia de recursos humanos, é reflexo das preo-cupações que, em Portugal, a partir de 2000, se colocaram.A competitividade das organizações, por influência da inter-nacionalização, a produtividade organizacional, por influên-cia da pressão dos custos, a pressão da qualidade e daexcelência do desempenho e a filosofia preponderante daimportância de satisfazer o cliente, colocaram desafios aofuncionamento organizacional com impactos significativosna forma e conteúdo da GRH. Questões como estratégia denegócio e estratégia de desenvolvimento de recursoshumanos, formas organizativas e de funcionamento daestrutura de GRH, requisitos e estatuto do profissional deGRH, novos contextos de trabalho e regulamentação colecti-va de trabalho, cultura organizacional e impacto na GRH,etc., figuram, a partir de 2000, na agenda das preocu-pações dos práticos de GRH e motivaram o interesse dosteóricos no aprofundamento destas problemáticas.

A complexidade dos temas em estudo, e o tempo neces-sário para desenvolver tais estudos, explica a distribuiçãodos trabalhos pelos vários períodos de tempo, muito embo-ra o período de 2002-2005 concentre a maioria dos traba-lhos, talvez por reflexo da saliência da agenda e preocupa-ções dos práticos da GRH.

Esta correspondência temporal entre preocupações dospráticos e interesse dos teóricos é talvez reflexo de uma outratendência que igualmente se observa no estudo de muitosdos temas relacionados com a estrutura e funcionamentoorganizacionais e que consiste no facto de serem os proble-mas e preocupações de natureza prática a fomentarem oestudo e desenvolvimento teórico. É a articulação destes doisinteresses que carece de ser mais trabalhada, para que ospráticos possam encontrar nos resultados dos estudos teóri-cos âncoras teóricas para as suas práticas, para além dosteóricos serem capazes de se interessar e de compreender osproblemas dos práticos, produzindo e divulgando estudosacessíveis e estimulantes para os práticos.

Mais e melhor comunicação entre práticos e teóricos sobrepreocupações e interesses mútuos, uso acrescido dametodologia investigação-acção e actualização dos progra-mas da formação académica e profissional, integrando nosconteúdos curriculares o conhecimento oriundo dos práticos,afiguram-se medidas necessárias à concretização da máxi-

ma lewiniana, segundo a qual nada há de mais prático doque uma boa teoria.

Em síntese, a estratégia de negócio, a cultura organiza-cional e a globalização constituem os pilares fundamentaisda construção, evolução e transformação do conceito emodelo de aplicação de GRH.

A estratégia de negócio, na medida em que fornece osindicadores fundamentais à formulação e implementação depráticas de GRH consistentes e coerentes. A cultura organi-zacional, em virtude de poder contemplar a pressão dasnovas realidades sociais, quer do ponto de vista dos valorese comportamentos individuais, quer do ponto de vista dosvalores e comportamentos grupais. A globalização, porquea evolução dos conteúdos funcionais do profissional derecursos humanos e os problemas de adaptação das diver-sidades transculturais postas pela gestão do emprego, obri-gam a considerar os RH uma variável importante na expli-cação diferenciada dos índices de produtividade individual ede competitividade organizacional.

Por isso, qualquer que seja a dominância de perspectivade abordagem associada ao conceito de GRH – quer a queencara as pessoas como um recurso organizacional queimporta ser gerido ao mais baixo custo e com o máximobenefício, quer a que encara os recursos humanos como umrecurso estratégico e um investimento devido ao seu valor eelevada escassez –, a investigação nessa área em Portugalcarece de mais incentivo, dado o seu impacto na qualidadede vida destes recursos enquanto seres inseridos em organi-zações e na sociedade.

Como em qualquer trabalho desta natureza, tambémneste ocorrem algumas limitações que impossibilitam umamaior generalização dos resultados e que importa referir.

Desde logo a deficiente disponibilização dos dados (ele-vada dispersão de fontes, informação repetida, classificaçãodeficitária da informação, etc.), que torna estes dados comque se trabalhou, neste artigo, escassamente representativosdo universo deste campo de estudo. Associada a esta defi-ciência, o significativo atraso na actualização de algumasbases de dados, o que deixou de fora trabalhos já feitos masnão considerados porque inexistentes em base de dados.Depois, é de referir, ainda, a reduzida preocupação dealguns investigadores em fazerem corresponder os títulos ao

2º Est. - José Neves 1/3/10 10:03 AM Página 82

Page 18: A investigação em Gestão de Recursos Humanos em … · investigação em GRH tem vindo a diminuir, o que significa que, em virtude dos sistemas de informação e tecnologia

OUT/DEZ 2009 83

E S T U D O S

A investigação em Gestão de Recursos Humanos em Portugal

conteúdo estudado, o que amplifica a impossibilidade depretensão de representatividade destes trabalhos.

O uso dos resumos, em lugar dos títulos, possibilitariauma análise mais aprofundada do tema. Alguns dos títulosdos trabalhos por nós avaliados foram aqui e ali exploradosmais aprofundadamente, tendo alguns dos casos reveladoreduzida correspondência entre o título do trabalho queserviu de base à catalogação na base de dados e os temasrealmente abordados. De referir igualmente que a catego-rização utilizada para estruturar a produção científica encon-trada, apesar de se basear numa estrutura conceptual pornós já validada empiricamente, carece de mais validação.

Resumindo, podemos afirmar que a investigação sobreGRH em Portugal apresenta já alguma expressão numéricae qualitativa mas carece de maior divulgação e de mais es-treita articulação com os interesses dos profissionais. A sazo-nalidade temática, associada aos interesses dos investiga-dores, poderá nem sempre estar em consonância com osinteresses dos gestores de GRH ou com as necessidades evo-lutivas das organizações e da sociedade. Mais comunicaçãoentre investigadores e gestores de recursos humanos sobrenecessidades e interesses comuns parece ser algo arecomendar. �

Nota1. Na web em: http://www.shrm.org/.

Referências bibliográficasADLER, N. J. (1991), International Dimensions of Organi-

zational Behavior. 2.ª ed., Kent Publishers Company, Boston,EUA.

ARMSTRONG, M. e BARON, A. (2002), «Strategic HRM: the keyto improved business performance». Developing Practice, CharteredInstitute of Personnel and Development, Londres, Reino Unido.

BEAUMONT, P. B. (1993), Human Resource Management:Key Concepts and Skills. Sage Publications, Londres, ReinoUnido.

BOSELIE, P.; DIETZ, G. e BOON, C. (2005), «Commonalities andcontradictions in research on human resource management and per-formance». Human Resource Management Journal, 15(3), pp. 67-94.

CAETANO, A. e TAVARES, S. (2000), «Tendências na mudançaorganizacional e tensões na gestão das pessoas». In A. Caetano(Coord.), Mudança Organizacional e Gestão de RecursosHumanos, Observatório do Emprego e Formação Profissional,Lisboa, Portugal.

DEADRICK, D. L. e GIBSON, P. A. (2007), «An examination of theresearch-practice gap in HR: comparing topics of interest to HR aca-demics and HR professionals». Human Resource Management Re-view, 17, pp. 131-139.

DELERY, J. E. e DOTY, D. H. (1996), «Modes of theorizing instrategic human resource management: tests of universalistic, con-tingency and configurational performance predictions». Academy ofManagement Journal, 39(4), pp. 949-969.

HUSELID, M. A. (1995), «The impact of human resource man-agement practices on turnover, productivity and corporate financialperformance». Academy of Management Journal, 38(3), pp. 635--672.

LEPAK, D. P. e SNELL, S. A. (1999), «The human resource archi-tecture: toward a theory of human capital allocation and develop-ment». Academy of Management Review, 24(1), pp. 517-543.

LOCKE, E. A. e LATHAM, G. P. (2002), «Building a practically use-ful theory of goal setting and task motivation». AmericanPsychologist, 57, pp. 705-717.

LOCKE, E. A. e LATHAM, G. P. (1990), A Theory of GoalSetting and Task Performance. Prentice-Hall, Englewood Cliffs,NJ, EUA.

MARTÍN-ALCÁZAR, F.; ROMERO-FERNANDEZ, R. e SÁNCHEZ--GARDEY, G. (2008), «Human resource management as a field ofresearch». British Journal of Management, 19, pp. 103-119.

MILLIMAN, J.; VON GLINOW, M. A. e NATHAN, M. (1991),«Organizational life cycles and strategic international humanresource management in multinational companies: implications forcongruence theory». Academy of Management Review, vol. 16,n.º 2, pp. 318-339.

NEVES, J. G. (2000), Clima Organizacional, Cultura Orga-nizacional e Gestão de Recursos Humanos. RH Editora,Lisboa, Portugal.

ORDÓÑEZ, L. D.; SCHWEITZER, M. E.; GALINSKY, A. D. e BAZER-MAN, M. H. (2009), «Goals gone wild: the systematic side effects ofover-prescribing goal setting». Academy of Management Perspec-tives, 23(1), pp. 6-16.

SCHULER, R. S. (1992), «Strategic human resource management:linking people with the needs of the business». OrganizationalDynamics, vol. 21, n.º 1, pp. 18-32.

SCHWEITZER, M. E.; ORDÓÑEZ, L. e DOUMA, B. (2004), «Goalsetting as a motivator of unethical behaviour». Academy ofManagement Journal, 47(3), pp. 422-432.

TYSON, S. (1995), Human Resource Strategy. PitmanPublishing, Londres, Reino Unido.

WRIGHT, P. M. e McMAHAN, G. C. (1992), «Theoretical perspec-tives for strategic human resource management». Journal ofManagement, 18(2), pp. 295-320.

2º Est. - José Neves 1/3/10 10:03 AM Página 83