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- 1 de 298 - A IRMANDADE DE CRISTO (Die Bruderschaft Christi- 2012) Ulrich Hefner Dedicado a todas aquelas pessoas que possuem una forte crença Que Cristo morreu por nossos pecados, conforme as Escrituras; e que foi sepultado, e que ressuscitou no terceiro dia, conforme as Escrituras; e que apareceu para Cefas, e depois aos doze. Depois apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma única vez, dos quais muitos ainda vivem, e outros já dormem. Depois apareceu para Jacó; e em seguida a todos os demais apóstolos. CORINTOS 15,3-4 PRÓLOGO TERRA SANTA NO FINAL DO DIA O fogo dos acampamentos havia se extinguido. A escuridão se inclinava sobre a empoeirada terra. No monte Gólgota retornara a tranquilidade. A multidão havia se retirado, desaparecendo por entre a impenetrável confusão de ruelas e caminhos entrelaçados da cidade próxima. Os soldados ocupavam seus postos e olhavam com receio para o céu que escurecia. Ali, onde há umas horas os espectadores se amontoavam para seguir o macabro espetáculo, reinava um sombrio vazio. Só aqui e ali podiam se vislumbrar ainda algumas pessoas dispersas que seguiam seu caminho, dando olhares para as três cruzes que se levantavam por cima do Gólgota. Ao redor do monte, bem ao lado da guarnição, os legionários haviam montado suas barracas. Reforços das regiões próximas que Pôncio Pilatos, o prefeito de Jerusalém, havia mandado

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A IRMANDADE DE CRISTO (Die Bruderschaft Christi- 2012)

Ulrich Hefner

Dedicado a todas aquelas pessoas que possuem una forte crença

Que Cristo morreu por nossos pecados, conforme as Escrituras; e que foi sepultado, e que ressuscitou no terceiro dia, conforme as Escrituras;

e que apareceu para Cefas, e depois aos doze.

Depois apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma única vez, dos quais muitos ainda vivem, e outros já dormem.

Depois apareceu para Jacó; e em seguida a todos os demais apóstolos. CORINTOS 15,3-4

PRÓLOGO TERRA SANTA NO FINAL DO DIA

O fogo dos acampamentos havia se extinguido. A escuridão se inclinava sobre a empoeirada terra. No monte Gólgota retornara a tranquilidade. A multidão havia se retirado, desaparecendo por entre a impenetrável confusão de ruelas e caminhos entrelaçados da cidade próxima. Os soldados ocupavam seus postos e olhavam com receio para o céu que escurecia. Ali, onde há umas horas os espectadores se amontoavam para seguir o macabro espetáculo, reinava um sombrio vazio. Só aqui e ali podiam se vislumbrar ainda algumas pessoas dispersas que seguiam seu caminho, dando olhares para as três cruzes que se levantavam por cima do Gólgota. Ao redor do monte, bem ao lado da guarnição, os legionários haviam montado suas barracas. Reforços das regiões próximas que Pôncio Pilatos, o prefeito de Jerusalém, havia mandado

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chamar para manter a ordem. O Nazareno havia morrido, crucificado ante os olhos do povo e não havia acontecido nada. Quando o legionário cortara suas costas com a lança, o sangue saíra aos borbotões. Sangue vermelho e espesso. E nenhum exército de anjos armados com espadas descera do céu, não começara nenhuma tempestade e nenhum dilúvio varrera a terra. Só pouco antes que o Nazareno exalasse pela última vez, uma nuvem negra escurecera o céu, submergindo o monte Gólgota em uma mortiça luz. Mas a nuvem se dissipou, espalhada pelo suave vento. Ninguém poderia se opor ao Império. Ninguém, nem sequer o autodenominado Deus dos judeus. — Missão cumprida, suspirou Pôncio Pilatos. — O povo manteve a calma. Preocupou-se em vão. Marco Aurélio, o comandante das Forças de Proteção, esvaziou sua taça de vinho. — Foi um grande perigo para nós enquanto estava vivo, respondeu Marco Aurélio, — E continuará sendo depois de sua morte. O Nazareno conseguiu juntar ao seu redor uma grande multidão. E a sua morte não mudará nada. Venerarão seu corpo e transmitirão sua palavra. — A não ser que não tenham nada para venerar, respondeu Pôncio Pilatos. — O que quer dizer com isso? — Vamos negar para a mãe do Nazareno a entrega do cadáver de seu filho. Não descansará na terra de Jerusalém. Será retirado da cruz e queimado, suas cinzas voarão com o vento. São minhas ordens. Marco Aurélio olhava com assombro para o prefeito de Jerusalém. — Os judeus nunca o perdoarão, é tradição... — Não me importa a tradição, apostrofou Pôncio Pilatos ao comandante da Legião. — Suas cinzas voarão com o vento em todas as direções e seus pensamentos não perdurarão. Irão esquecê-lo, nada nem ninguém se lembrará do Nazareno. Marco Aurélio fixou seus preocupados olhos em Pôncio Pilatos. — Você ainda está com medo! É um governador romano com duas legiões que o respaldam e sente medo. Medo de um único homem que nem sequer se atreveu a lutar. Por Júpiter, ainda se consegue sentir este medo. Mesmo que aparente despreocupação ainda treme como uma criança. Eu vejo, eu sinto. Por todos os deuses, o medo entrou até os ossos... — Cale-se! Ordenou Pôncio Pilatos ao comandante. — Nota-se que tantas batalhas e matanças afetaram o seu juízo. Como homem de luta nunca entenderá o poder que possui a palavra. Lembre-se de quando chegou à cidade. Mobilizou milhares de pessoas. Só um sinal dele teria bastado para que a cidade se banhasse de sangue. Poderia ter sido o nosso sangue que hoje tivesse empapando o pó. — Admira esse homem, a essa simples pessoa, filho de um carpinteiro de Nazaré, replicou Marco Aurélio. Pôncio Pilatos se sentou em um divã. — Sim, era muito mais que um simples homem, era uma pessoa especial, uma das poucas que se podem encontrar sob o sol. E tinha algo, algo que nós perdemos há tempos. Marco Aurélio se inclinou até o prefeito. — Diga-me então: O que o fazia se destacar entre os demais? O que ele possuía que nós não possuímos? — Tinha fé, respondeu com aridez Pôncio Pilatos.

* * * Afastados do lugar da execução, ao oeste da cidade, no bairro dos peleiros e curtidores, haviam se reunido ao redor das oficinas sob a proteção dos muros de adobe. Deviam serem cautelosos, a cidade estava cheia de espiões, legionários e todo tipo de gente que, por um par de animais,

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venderiam até seus próprios filhos. Mas os legionários e os lacaios das autoridades romanas pouco se deixavam ver, entre as tortuosas ruelas do bairro dos curtidores, onde o fedor envolvia tudo, inclusive à noite. Estavam sentados ao redor de uma fogueira. Dois homens e uma mulher com a cabeça coberta por um lenço cinzento. — Aos esbirros romanos não basta matá-lo, afirmou Cefas no terrível silêncio. — Querem aniquilá-lo e exterminar seu corpo da face da terra. Mas não permitiremos. Não é direito. — E o que quer fazer para evitar, Cefas? Perguntou Jonas. Cefas olhou ao seu redor. — Precisamos começar a agir. Não podemos lhes deixar seu corpo. A mulher deu um forte grito. — É meu filho e não posso deixá-lo para os romanos. Precisa descansar na terra, como reza a tradição, até que o Pai o chame. Jonas se levantou de repente. — Mas, como? Os romanos estão ocupando seus postos. O vigiam. São numerosos, mais que nunca. Patrulham em cada esquina da cidade. Estão armados até os dentes. Jesus não disse que neste dia não se deveria derramar sangue? Ainda não chegou a nossa hora. — Está errado, interrompeu Cefas. — Nossa hora chegou sim. Tudo está preparado. Precisamos partir, não há tempo a perder. Magdalena entrou no aposento. Sentou-se junto de Maria lhe passando o braço por seus ombros. Cefas se levantou, apanhou um bastão e se dirigiu para a porta com Jonas. — Nos veremos no final do dia de amanhã no monte de Belém, na bifurcação do caminho para Besch Hamir, informou Cefas se dirigindo a Magdalena. — Leve a Maria consigo e a esconda. Não se preocupem, não vamos deixar Jesus sozinho. No caso de que demorem, esperaremos no lago junto das covas. Tenham cuidado para que ninguém as siga e partam assim que nossos passos se desvaneçam. Nesta cidade imediatamente começarão um motim. Vão para o este, evitem o monte Gólgota e levem provisões suficientes. Precisaremos nos esconder por um longo tempo. Magdalena se levantou. — Tenham cuidado, respondeu. — Hoje não pode se derramar nem mais uma gota de sangue judeu. Cefas concordou antes de sair da casa. Jonas o seguia de perto. Sob sua folgada vestimenta se escondia um machado de guerra.

* * * Eram sete. Um grupo pequeno para evitar chamar a atenção. Suas tochas brilhavam na escuridão. O latido dos cachorros da cidade vizinha subia até o monte. No restante, reinava a calma. A multidão havia se retirado para descansar. Alguns foram embora para esquecer. Outros, com os olhos húmidos, ainda pensavam sobre o dia anterior, o dia em que todas as suas esperanças haviam se desvanecido. O vento começara a soprar. Um vento quente do deserto que fazia tremeluzir as chamas das tochas. Entre a tenebrosa penumbra retiraram a cruz da terra e a deixaram cair ao chão. Podia-se ler INRI em uma tabuleta sobre a cabeça do cadáver. Branco, da cor da pedra, se via o corpo sem vida do rei dos judeus. Não se esforçaram muito para separar o corpo inerte da cruz. Os pregos sanguentos continuaram presos na madeira. Numa maca o transportaram até o vale,

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pela sombra do monte. De novo um cachorro latiu, mas desta vez se notava que ele estava mais próximo. Gotas de suor corriam sobre a fronte dos legionários. Seu comandante, dava as ordens em voz baixa. Deviam se apressar. Escondidos em um desvão esperavam outros dois legionários. Um carro puxado por burros estava preparado. — Levaremos para bem dentro do deserto, anunciou o comandante. Um legionário se inclinou sobre o corpo descoberto. — Se dizia que era o Deus dos judeus, murmurou ao seu acompanhante. — Um Deus que sangra? Brincou o interlocutor apontando a mão sangrenta do cadáver que saía para fora do lençol. — Silêncio! Reclamou o comandante. — Ninguém pode nos ouvir. Ainda nos resta um longo caminho. Devemos ficar alertas.

* * *

O pequeno grupo avançava para o norte. Pelo poeirento caminho para Jabá só podiam andar com o carro lentamente. Com receio olhavam ao seu ao redor mas ninguém parecia ter reparado na sua saída. Não se via nem uma alma. A lua começou a aparecer pelo sudoeste no céu limpo. Apagaram as tochas. Só os cachorros da cidade pareciam sentir a presença da carne morta. O latido dos cachorros da rua cada vez ficava mais próximo. O comandante desembainhou a espada, não gostava de senti-la próxima da sua pele. Supostamente era o Senhor dos judeus, descendente de seu Deus. Supostamente tinha poderes que transcenderiam a sua morte. Falavam-se de milagres: cegos que haviam recuperado a vista, paralíticos e leprosos que o Nazareno havia curado, inclusive mortos que haviam ressuscitado. De vez em quando, olhava para o fardo que jazia sobre o carro. Por que o seu comandante havia escolhido precisamente a ele para esta missão? Teria preferido ficar na cidade e participar nos jogos de dados da taverna, bebendo vinho do vale do Jordão. Um vinho tinto pesado e frutado da região de Escitópolis que o fazia esquecer facilmente a longínqua cidade natal e o tempo que ainda faltava, fazendo-o suportar mais facilmente a solidão, nesta quente e empoeirada terra. — Amaldiçoados animais! Maldisse um dos legionários quando o latido de um cachorro ressoou muito mais próximo. — Sentem o cheiro da carne do morto, respondeu um camarada. — Estão famintos e rastreiam a presa. — Entende agora por que precisamos retirar o corpo da cidade? — Silêncio! Ordenou de novo com voz rouca o comandante. — Calem-se de uma vez! Os legionários emudeceram. Silenciosamente seguiram junto ao carro. Sob a pálida luz da lua, a paisagem transformava seus rostos. O caminho que começava a se encher de arbustos baixos, levava até um pequeno cerrado. O balido das ovelhas irrompeu no silêncio. Um rebanho cruzava o caminho. O comandante fez um sinal para seus homens e estes obedeceram. — Dois homens à frente! Exigiu rapidamente em voz baixa. Os dois legionários junto ao burro se moveram para frente, sacaram as espadas e temerosos observaram seu entorno. Tão longe como podiam chegar a divisar na penumbra, só distinguiam as ovelhas que bloqueavam o caminho. De repente, um assobio encheu o ar. Antes que os

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legionários pudessem reagir, uma avalancha de pedras atingiu-os. Um forte grito se ouviu na noite. Um dos legionários desmoronou. Outro foi alcançado na cabeça e sua espada caiu ao chão. — Uma emboscada! Gritou o comandante. — Lutem, romanos, lutem para salvar suas vidas! Uma nova chuva de pedras voava pelo ar. Com um forte barulho metálico, uma delas golpeou a armadura torácica do comandante. Se não tivesse conseguido se apoiar no carro também teria caído ao chão. De repente, se ouviu uma forte e estridente gritaria. Por todos os lados se aproximaram deles figuras envoltas em apertadas túnicas. O comandante os olhava horrorizado. Os assaltantes levantavam ao ar seus porretes e machados, se lançando sobre os romanos. Era impressionante a superioridade de forças. Apesar dos legionários tentarem se defender, por todos os lados havia alguém que sucumbia ante os golpes. Gritos de morte retumbavam na noite, agitadas respirações se extinguiam em um forte gorgolejar. Em grupos de quatro, em grupos de cinco, por todos os lados os atacantes se arrojavam sobre o comandante. O primeiro golpe ele escorou com sua espada, mas o segundo impacto atingiu-o no ombro. Resistiu ao ataque com as últimas forças. Uma vez mais levantou a espada, justo antes que um machado afundasse profundamente entre as suas omoplatas. Um dor atroz percorreu todo seu corpo. Sentiu frio e calor ao mesmo tempo. Ao seu redor iam se extinguindo os gritos e alaridos. O sangue do moribundo fluía pela areia. A batalha durou pouco tempo mais. Rapidamente caiu o último legionário ferido de morte e o balido das ovelhas emergiu de novo sobre o clamor da batalha. Cavaram um profundo buraco na terra solta e ali colocaram os corpos dos mortos. Antes que o fechassem, inspecionaram todas as impressões que os pudessem delatar. Um punhal no chão, um capacete de um legionário morto. Jogaram tudo no profundo buraco, antes que fosse fechado pelas pás cheias de areia, a areia do esquecimento. Ao amanhecer já nada havia para lembrar o que havia acontecido à noite.

* * * O poeirento caminho brilhava com o sol da amanhã. Nos secos e extenuados campos circundantes, pastavam as ovelhas de um judeu que estava sentado em uma pedra e com grande parte do rosto coberto por um amplo capuz. Ainda se encontrava ali, nesta mesma postura, quando um grande grupo de legionários a cavalo apareceu no caminho. Armados até os dentes avançaram com suas montarias. Suas armaduras metálicas resplandeciam com os raios do sol. Puxando as rédeas frearam os cavalos. — Ei, pastor! Berrou o líder. — Há quanto tempo está sentado nessa pedra? O pastor levantou o olhar. — Responda se não quiser que lhe corte a língua! Ameaçou o comandante. — Estou sentado aqui desde que o sol apareceu na montanha, murmurou o ancião. — Viu uma tropa romana passando por este caminho? Prosseguiu o chefe dos cavaleiros. O ancião negou com a cabeça. — Só as ovelhas me acompanham. Desde esta amanhã, não vi nenhum romano. Não, desde que me sentei aqui para que meus animais pastem.

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— Vou acreditar, respondeu o comandante bruscamente. — Agora sabe que se estiver mentindo vai ter muitos problemas. O cavaleiro golpeou com as esporas o seu cavalo e o restante do batalhão o seguiu. As ovelhas temerosas se afastaram rapidamente para os lados enquanto os cavalos passavam através do rebanho. O cachorro latiu com força, mas quando o batalhão desapareceu pela colina, voltou a se deitar aos pés de seu dono. — Deveriam ter perguntado a vocês, brincou o ancião se dirigindo com um sorriso para as ovelhas. — Teriam contado uma história bem diferente. Mas não são mais que ovelhas, não mais que umas bobas ovelhas que balem.

MONASTÉRIO DE ETTAL EM OBERAMERGAU, BAVIERA, ALEMANHA.

MAIS DE DOIS MIL ANOS MAIS TARDE

A pálida luz lunar submergiu o vale, ao sudoeste de Oberamergau, em uma ilusória luz prateada. Na aparente tranquilidade noturna, à sombra do Notkarspitze de quase dois mil metros de altura, se encontrava a suntuosa abadia beneditina. Uns passos ressoaram pelo claustro. Apressados passos, agitados passos, passos que pareciam fazer retumbar o medo do fugitivo em todos os muros do monastério. Como uma sombra a figura escura voava pela noite. A negra túnica de monge se fundia com o fundo e só quando a prateada luz da lua acariciava a ondeante túnica, se podia vislumbrar que escondia um homem por baixo. Um homem a quem a morte fora sentenciada, um homem que temia a morte, uma morte da qual não tinha escapatória. O latido de um cachorro irrompeu na escuridão e retumbou pelos veneráveis muros. Sua respiração se acelerou, seu coração palpitava a toda velocidade quando se viu forçado a se deter em uma escura esquina da capela. Suas forças se esgotavam. Olhou temeroso ao redor e aguçou seus ouvidos nas trevas. Quem o seguia, teria desistido? O latido do cachorro emudecera. Havia voltado a calma. Todos dormiam, só as duas luzinhas em frente ao grande portão emitiam uma atenuada luz. Inalou profundamente e lentamente recuperou a respiração. Quando há várias semanas se reunira com aquele velho homem, próximo de Garmisch, não imaginava que rapidamente temeria pelar vida. O ancião, de vigilantes e cristalinos olhos azuis revoluteava vivaz e, às vezes, perspicazmente, de um lado para outro; mostrava a grande força e energia que ainda residia em seu corpo apesar de sua avançada idade. Sabia que havia se implicado em um jogo perigoso, mas não chegara a discernir a dimensão real do perigo em que se encontrava ao ter levado consigo os dois fragmentos. Em muito tenra idade havia oferecido sua vida a Deus e mudara sua roupa pelos hábitos de monge beneditino. Durante muito tempo Deus e a fé nele, constituíram parte essencial de sua vida até que os anos na Faculdade Eclesiástica de Erlangen despertaram uma sede insaciável na busca da verdade, e a fé já não lhe bastava mais. Queria saber, conhecer realidades que se desenvolveram há mais de dois mil anos no outro extremo do mundo. Muitas viagens o levaram até as cidades em que Jesus de Nazaré vivera. Como missão da Cúria, procurara impressões, artefatos, respostas para todas as suas perguntas. Em troca, os achados provocaram nele mais perguntas e intensificavam suas dúvidas. Sabia que havia pecado, havia pecado frente a seus irmãos, frente à Igreja, frente a Deus, o Todo-poderoso a quem antes havia servido fielmente.

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Mas Deus o castigara. Caíra e Deus não o protegera. Uma complicada fratura óssea que não curara bem e dificultava a sua capacidade de andar, colocara fim a pecaminosa busca da verdade. Por isso regressara ao lugar onde há numerosos anos atrás havia selado seu enlace sagrado com Deus. Queria encontrar a paz, mas o desassossego e a busca de respostas às suas perturbadoras e incessantes perguntas nunca o deixaram descansar. Sabia que a ferida de sua perna era um estigma que Deus havia preparado para ele. Sua respiração ficou mais profunda, o coração batia tranquilamente com um ritmo mais compassado. Havia se passado quase meia eternidade. Já não conseguia escutar os perseguidores. Deu um passo para frente e saiu de seu esconderijo. Um ruído metálico o fez se retrair. Nesse instante sentiu como se sua cabeça explodisse num cegador raio de luz. Chegou a sentir o golpe quando caiu no frio chão de pedra pouco antes que a escuridão o envolvesse. Quando recuperou a consciência as articulações doíam muito. Pouco a pouco abriu os olhos. A luz da vela tremulava. Tentou se concentrar mas a dor o atrapalhava. Sem nenhuma fé fechou os olhos. O mundo todo havia se virado contra ele.

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PARTE 1 OCULTO NO VALE DO CEDRO

Por minha vida, oráculo do Senhor Yahveh,

Que eu não me satisfaça com a morte do criminoso, Pois quero esperar que o criminoso modifique a sua conduta e viva.

CAPÍTULO 1 JERUSALÉM, A ESTE DO MONTE DO TEMPLO, UM DIA MAIS TARDE

— Devem ter mais cuidado! Aconselhou Jonathan Hawke a seus dois companheiros que tentavam colocar uma pesada e larga escada de madeira através do escuro fosso. — Já conseguimos, professor, objetou Tom Stein. — Mas devemos evitar que a escavação venha abaixo. Precisamos um suporte seguro para poder aplicar o madeiramento. — Já sei, respondeu o professor, — Precisamente por isso digo que tenham cuidado. Não quero que o buraco desmorone, temos um estrito cronograma para cumprir. Moshav Livney sorriu. — Pensei que você se preocupava conosco, brincou, piscando um olho. Os acampamentos se encontravam ao redor da velha cidade de Jerusalém, próximo da Porta do Leão na autoestrada para Jericó. Durante as tarefas de pavimentação, se encontraram armas e artefatos romanos que datavam da época do nascimento de Cristo, bem conservados graças ao chão de adobe. Bem por baixo do antigo muro da cidade se iniciaram as primeiras escavações. O Instituto de Arqueologia da Universidade Bar-Ilam de Telavive encarregara para este trabalho, o professor Chaim Raful e o perito americano em história romana, o professor Jonathan Hawke da Universidade de Princenton. Junto aos estudantes da Universidade de Bar-Ilan, participavam arqueólogos e cientistas de todo o mundo. Supostamente os trabalhadores toparam, sem saber, com os restos de uma guarnição romana. E agora desenterravam objetos da época, quase a cada hora. Não obstante, a equipe tinha certeza que deviam escavar mais profundamente para trazer à luz os tesouros. O sol assolava com força a cidade. A camisa de Tom se agarrava na sua pele empapada de suor. — A que profundidade acredita que se encontre a verdadeira construção? Perguntou ao seu colega israelense. — Estimo que pelo menos a mais de quatro metros de profundidade, respondeu Moshav olhando a delgada e escura fossa. — Não é possível continuar sem estabilizar previamente as paredes laterais, objetou Tom. — Precisamos mais material: barras e pranchas de madeira estáveis. — Comunicarei a Yaara para que informe a Aaram de que precisamos mais tábuas de madeira e armações, anunciou Moshav e se afastou para o depósito principal. Tom se deitou pensando sob a sombra de uma oliveira. Até o momento haviam executado quatro escavações em todo o recinto que se estendia ao longo da autoestrada de Jericó, a oeste do monte do Templo. Junto a este lugar se achavam as primeiras descobertas, no meio do olivar. Do outro lado da autoestrada foram perfurados outros três buracos de onde retiraram

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armas, equipamentos, joias e vasilhames. Sem dúvida, aqui fora encontrado um depósito romano que se estendia pela sombra do templo romano na direção norte. Os primeiros achados, artefatos de cerâmica e argila, haviam sido datados por Gina Andreotti, perita em arqueometria, mediante a classificação temporal de restos e medições cronológicas. Procediam da época do nascimento de Cristo. Os cálculos de Gina foram posteriormente ratificados pelas comprovações radiométricas levadas a cabo na Universidade de Telavive. Em troca, para os historiadores estes achados ainda não tinham revelado nenhuma surpresa. Era evidente que uma grande quantidade de artefatos ainda dormitava nas profundezas da terra, à espera de serem descobertos. Repicaram as campanas da igreja da Magdalena. Tom bebeu um grande gole da garrafa de água e olhou a seu ao redor. Dois mil anos de história sob seus pés e que ainda não conseguia ver. Havia dormido mal, não podia afastar de sua cabeça a discussão com Yaara. Tom havia se apaixonado pela atraente arqueóloga, mas não sentia que o seu amor fosse correspondido. Desde a briga de ontem, ela se esquivava. Há só dois dias, dormiam entrelaçados na sua tenda de campanha. — Está muito pensativo, pronunciou o professor Hawke, a quem todos chamavam John, retirando-o de seus taciturnos pensamentos. Tom levantou o olhar. — Eu... Eu... — É Yaara? — Yaara? Por que Yaara? Hawke sorriu. — Vamos, é algo gritante que existe algo entre os dois, manifestou em um tom paternal. — Não podem continuar escondendo. Ao menos, não na minha frente. Sabe que é minha especialidade desvelar segredos bem guardados. Tom olhou para o brilhante céu azul. — Não sei... — Todo terminará bem, tranquilizou-o o professor. — As mulheres às vezes têm mudanças de humor. Em todos os cantos do mundo é assim. Dê-lhe um tempo. — Talvez tenha razão, respondeu Tom de um modo reflexivo. — E como está avançando por aqui? Perguntou Hawke mudando de tema. Apontou o buraco para Tom. — O fundo é frágil. Não poderemos entrar ali até que as paredes não estejam escoradas. Moshav saiu agora mesmo para pedir o material. — Creio que aqui se encontravam a cozinha e o refeitório, conjecturou o professor. — Desta escavação já desenterramos muitas peças de argila. Se pudéssemos escavar um pouco mais fundo! — Acho que com mais um par de vigas e tábuas podemos escorara a escavação. Talvez tenhamos que encher primeiro os lados com um pouco mais de terra. Hawke pousou sua mão sobre o ombro de Tom. — Só entre quando estiver completamente certo de que as paredes aguentarão. Não podemos nos arriscar. Estou convencido de que posso confiar no meu engenheiro. Por segurança lhe enviarei o Aaron. Tom rechaçou a proposta. — Não é necessário, precisam dele na primeira escavação. Aqui nós nos ajeitaremos.

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TELAVIVE, UNIVERSIDADE DE BAR-ILAN

Na pequena sala da Universidade Bar-Ilam de Telavive, o professor Chaim Raful apresentava com orgulho a uma pequena comissão de jornalistas estrangeiros, as peças encontradas nas escavações sob o monte do Templo, limpas e parcialmente reconstruídas. Pedaços de jarras de cerâmica, espadas com empunhadura de aro dos legionários romanos em bom estado de conservação, várias moedas de prata com a esfinge do imperador Tiberius Claudius Nero, uma caçarola de bronze, frascos de perfume, pontas de flechas e lanças, joias, diminutas figuras de bronze, passadores e grampos para o cabelo das mulheres romanas. Quatro grandes mesas estavam ocupadas com todos os artefatos da área de trabalho junto à autoestrada de Jericó. — Esperamos encontrar rapidamente os restos do assentamento romano, sublinhou o professor Chaim Raful. — Já que encontramos uma rica variedade de armas e objetos de uso diário, assim como joias das mulheres romanas, partimos do fato de que estamos ante o achado de um encravamento romano, melhor dito, uma guarnição. Como ali também viviam esposas romanas e só os oficiais de maior patente tinham o privilégio de serem acompanhados por suas famílias na área de ocupação, imaginamos que dentro da guarnição romana também existiam moradias. Esperamos com grande expectativa o progresso de nosso trabalho. — Quantos anos têm as descobertas? Inquiriu uma jornalista com o logotipo de AP em sua blusa. Chaim Raful tossiu. — Segundo a datação de nossos peritos, estamos ante achados do século do nascimento de Cristo. O mais antigo tem uns três mil e quinhentos anos mas a maioria de objetos, especialmente os mais superficiais, tem uns dois mil anos. — Conhecemos achados muito mais antigos, afirmou um jornalista inglês. — Porque estas escavações são consideradas tão especiais? Em Israel a cada mês se desenterra num lugar diferente. Chaim Raful sorriu. — Tem razão, senhor. Em troca, estas peças indicam que encontramos um assentamento romano ocupado por legionários quando Yeshua morreu na cruz. É possível que ali inclusive vivessem os soldados responsáveis pela crucificação. — Refere-se a Jesus Cristo, protestou o inglês. — Refiro-me ao filho do carpinteiro de Nazaré, replicou Chaim Raful. — Ele recebeu muitos nomes, alguns até o chamam de salvador do mundo. Não desejo prometer muito, nem levantar grandes expectativas, mas estas escavações podem contribuir para que tenhamos uma nova visão daquela época. Inclusive uma nova imagem do mesmo Yeshua. Um grupo de suspiros perpassou a audiência de jornalistas. — Agora, prestem atenção nestes objetos, solicitou Chaim Raful aos presentes. — Deve ser a nossa principal preocupação e não a minha modesta existência. O decano Joshua Ben Yerud, chefe do Departamento de Arqueologia da Universidade Bar-Ilam estava de pé junto ao professor Raful. — Não brilhe tanto, Chaim, sussurrou dissimuladamente. — Já estão concedidos os fundos para todos os trabalhos de escavação. Não precisamos de mais publicidade. Chaim sorriu. — Não nos prejudicará ser um pouco o centro de atenção da imprensa. Nós dois sabemos que o Ministério pode mudar rapidamente de opinião.

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Os jornalistas iluminaram com suas câmeras as peças de exposição. A jovem da agência AP se voltou de novo e com inquisidores olhos se aproximou de Chaim Raful. — Não falava sério, não é? O professor voltou a tossir. — Nunca poderemos saber em que aventura nós embarcamos, quando escavamos a terra e, por consequência, a nossa história. Mas temos alguns ligeiros indícios de que poderemos adicionar um par de aspectos novos à história de Yeshua. A mulher sorriu com ceticismo. — Mais que indícios são esses? Na mesa pudemos observar artigos comuns dos que se encontram quase em qualquer escavação. Ao fim e ao cabo o Império romano se estendeu por quase meio mundo. O professor Chaim colocou a mão no bolso de seu casaco. — Na realidade queria examinar mais detidamente este tesouro encontrado, comentou o professor mostrando uma foto. — O que é isso? Perguntou a jornalista depois de estudar um pouco a imagem. — É uma espécie de aplique, um retrato em forma de prato de parede. Seu diâmetro é de aproximadamente dez centímetros, explicou o professor. — É de argila e estava quebrado em três pedaços. — É a cena da crucificação, não é? — Foi o achado número três, continuou o professor. — Segundo as primeiras análises, tem quase dois mil anos. A crucificação de Cristo deve ter sido um fato tão espetacular que os artistas romanos quiseram gravá-lo para a posteridade. — Um artista romano? — Romano com certeza, respondeu o professor apontando a representação da figura sobre a cruz de Cristo. — E quem está sobre a cruz? Perguntou a jornalista. — Deus, respondeu com secura o professor. — Por isso sabemos que deve ter sido um romano. Os judeus tinham proibido criar uma imagem de Deus. — Então, podemos deduzir que poderá se descobrir mais sobre a morte de Cristo? — Pode ser que até encontremos indícios sobre a localização do cadáver, disse o professor baixando a voz. — Eu acreditava que a igreja do Santo Sepulcro... — Esqueça tudo o que tenha lido ou escutado até o momento, se expressou Chaim Raful em um tom sério. — Naquela época Jesus foi um revolucionário, um inimigo das autoridades. Não acredita que os romanos se contentaram em matá-lo, não é? A jovem deu de ombros. — Tinha se convertido em um símbolo de resistência, explicou Raful. — Isso os romanos não podiam permitir. Existem indícios de que retiraram o corpo de Cristo da cidade. — Quer dizer que Jesus não foi enterrado no monte Gólgota? O professor torceu o rosto. — Veremos o que nos revelam as escavações. Dê-nos um pouco de tempo. — Mas agora não pode me despachar assim, objetou energicamente a jornalista. — Primero me mostra uma foto e depois me pede que tenha paciência. — Tudo a seu devido tempo, comentou Chaim Raful. — Examine com intensidade nossos achados, só isso já vale a pena. A mulher desejava replicar algo quando o professor se virou e abandonou apressadamente o local.

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JERUSALÉM, ACAMPAMENTO NA AUTOESTRADA DE JERICÓ

— Com isso nos fez um favor, manifestou com irritação Jonathan Hawke. — Não só não se ateve ao acordado, mas, além disso, comentou as suas duvidosas teorias e os jornalistas as engoliram encantados. É uma insolência infundada. Não tem a menor ideia das consequências de seus atos. Dentro de pouco tempo, tudo isso aqui estará cheio de caçadores de tesouros. Poderia... — Só tentou nos dar um pouco de publicidade, interrompeu Aaram Schilling. — O Governo nos prometeu novos fundos, mas se seguirmos neste ritmo com os achados e o nosso campo se ampliar, então não haverá dinheiro suficiente no financiamento recebido. Hawke golpeou com o punho a instável mesa de camping. — Não precisaria ter dito isto, replicou. REALMENTE ENTERRARAM JESUS NAS ENCOSTAS DO MONTE DO TEMPLO? Versava o título na primeira página do Haaretz na sua edição da tarde. A jornalista informava sobre os acampamentos na autoestrada de Jericó e a sensacional descoberta de um prato de parede romano que representava a cena da crucificação. Citavam-se os comentários do professor Chaim Raful sobre a tumba de Jesus e um desenhista elaborara uma imagem do prato que era exibido junto ao artigo. — Ao menos a jornalista tinha boa memória, afirmou Tom Stein depois de observar o desenho. — Falta um par de detalhes, respondeu Moshav. Depois do jantar conjunto, haviam se reunido na tenda de Jonathan Hawke que havia lhes mostrado a manchete no jornal da tarde. Estavam presentes todos os responsáveis pelas escavações: o professor Hawke, diretor do acampamento; Aaram Schilling, diretor técnico; o doutor Jean Marie Colombare, especialista em técnica de medição e informática; a doutora Gina Andreotti, perita em datação; o doutor Moshav Livney, estudioso do passado romano de Israel; a doutora Yaara Shoam, perita em tradução de textos antigos; e Tom Stein, o arqueólogo e engenheiro civil que atuava quase como ajudante técnico de Aaram Schilling. O professor Hawke convocara apressadamente a reunião. No pequeno acampamento criado com as tendas sob o monte do Templo, prevalecia uma agitada atividade. Hawke ordenou que se instalassem luzes para poder iluminar os acampamentos à noite. — Precisamos dividir os guardas, pronunciou. — Além disso, ao redor do recinto se levantará uma cerca protetora. Precisamos estar preparados para tudo. — Estamos em Jerusalém e não no meio de Nova Iorque, protestou Yaara. — Não acredito que tenhamos algum problema. — Como pode estar tão certa disso? Perguntou Tom. — Nosso povo já aprendeu os valores da disciplina e da obrigação, argumentou Yaara. — Há muitos anos vivemos numa ilha, rodeados de inimigos. Em 1967 e 1973, assim como ao longo de todas as décadas, tentaram nos exterminar. No norte explodem todos os dias mísseis do Hesbolah, mas continuamos existindo. Sobrevivemos porque nos sentimos obrigados ante a tradição de nosso Pai a permanecemos unidos.

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— Certo! E você quer dizer que isso é suficiente? Refutou Tom. — Não precisamos de nenhuma cerca, porque vocês são as melhores pessoas do mundo e porque na nossa sociedade só existe inveja e ânsia de riqueza e poder? — Precisamente um alemão não pode nos criticar nisso, respondeu irritada Yaara. Tom, confuso, baixou o olhar para o chão. — Senhoras e senhores, este não é o momento de discutir sobre a cerca, interveio Jean com voz calma. — John tem razão. Precisamos estar preparados ante possíveis aventureiros e caçadores de tesouros que tentem levar algo. Precisamos estar protegidos ante qualquer evento. De repente, escutaram uns fortes gritos que vinham do exterior. Todos se levantaram de um pulo e se apressaram em sair. Ariel, o responsável pelos estudantes, entrou precipitadamente na tenda. — Venham depressa! Gritou. — Pegamos dois intrusos, quando iam entrar na escavação quatro. Creio que um caiu dentro dela. Tom e Moshav correram na direção indicada. A escavação número quatro se encontrava junto à autoestrada. A lua minguante indicava timidamente o inicio da noite. As luzes iluminavam o muro próximo da cidade. Ainda que para uma temperatura de 25 graus no verão, não chegava a refrescar de verdade à noite. O acampamento de tendas ficara para trás. Um grupo de estudantes e trabalhadores que colaborava nas escavações rodeava o fosso. Tom e Moshav chegaram imediatamente. — Rápido, ele caiu, gritou um do grupo. Tinham pegos dois indivíduos. Pela estatura podia se deduzir que eram meninos, adolescentes talvez. Tom pulou na margem da profunda escavação. De um dos estudantes circundantes apanhou uma lanterna e iluminou o escuro buraco. No fundo jazia o corpo inerte de um jovem. — Vou descer, afirmou decididamente. — Rápido, uma corda e chamem uma ambulância! Rapidamente lhe jogaram uma corda que ele amarrou na cintura. — Tenha cuidado, as paredes ainda não estão firmes, pronunciou Moshav lhe dando uma palmada no ombro. — Já sei, assegurou. Colocou o pé na pesada escada de madeira que haviam colocado pela amanhã. Moshav era o primeiro que segurava a corda de segurança. — Amarre a ponta naquela árvore lá atrás, gritou aos estudantes. Quando a corda estava esticada, Tom começou a descer pela escavação de quase três metros de profundidade. Pouco a pouco Moshav ia soltando mais corda. — Tudo bem? Gritou para o fosso. — Um pouco mais depressa, respondeu Tom. Finalmente chegou ao fundo. Inclinou-se para o ferido. Com a lanterna que havia colocado no bolso da calça iluminou o jovem. Não devia ter mais de dez anos. Seus olhos estavam fechados mas o peito subia e descia.

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— Está vivo! Exclamou olhando para cima e prosseguindo a sua checagem superficial. Quando apalpou a perna do ferido notou a fratura. — Quebrou uma perna gritou. — Precisaremos carregá-lo. Em seu interior se maldizia, porque nessa amanhã não tinham colocado a roldana como estava previsto. Mas ele havia mandado Aaram para a cidade com o caminhão apanhar as barras de madeira e o material de construção. — Não temos nenhuma maca, respondeu um dos trabalhadores. Tom seguiu se maldizendo. Com cuidado levantou o jovem. Um suspiro saiu dos lábios do ferido que estava pendurado entre os braços de Tom. — Puxem com cuidado, ordenou. A corda foi esticada. Sentiu a tração em seus quadris. Mas, como iria se apoiar nas paredes? Com o braço esquerdo abraçou o corpo do garoto. Quando perdeu o contato com o chão, se apoiou com a mão direita na parede. Devagar, mas com firmeza, se movimentava para cima, cada vez mais próximo da margem da escavação. O suor saía por todos os poros de seu corpo, pela testa desciam gotas. Os segundos pareciam se passar em câmera lenta. Ao longe se escutava o ruído de uma sirene. O corpo pesava cada vez mais. Teve que voltar a apertá-lo, mas estava bem agarrado, como um náufrago a um flutuador. Quando já não lhe restavam mais forças, sentiu um forte braço que o agarrava e o puxava junto com o garoto. Sem respiração se jogou ao chão, bem ao lado das pernas de Yaara. Conseguiu ver seus olhos assustados. — A escavação poderia ter desmoronado, exclamou preocupada. — Está ferido? — Como está o garoto? Perguntou quase sem poder articular palavra. — O pessoal da ambulância já está aqui, respondeu Yaara se inclinando para ele. Carinhosamente limpou o rosto do exausto Tom com seu lenço. — Está bem, já recobrou o conhecimento, anunciou Moshav que se aproximara silenciosamente. — Os outros dois garotos estão tremendo de medo. Queriam se divertir e procurar secretamente alguns artefatos, mas parece que o plano foi por água abaixo. — Entende agora porque precisamos isolar o recinto? Tom se dirigiu a Yaara. Ela concordou com a cabeça enquanto lhe secava o suor da testa.

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CAPÍTULO 2 ROMA, A CIDADE SANTA

O cardeal Giuliano Borghese colocou o jornal dobrado sobre a mesa maciça de caoba e com a mão coçou o seu barrete escarlate. Com um olhar inquisidor comentava suas impressões ao homem que estava sentado do outro lado da mesa. — O professor Raful publicou suas teorias há três anos em uma revista de arqueologia, explicou Padre Leonardo de Michele, secretário do Santo Oficio. — Já o conhecemos. É um ateu reconhecido. Ninguém leva mais a sério as suas perturbadas ideias. O cardeal negou com a cabeça. — Eu não ficaria tão certo disso. Este aplique encontrado nas escavações pode ser perigoso. Além disso, ele afirma que espera encontrar mais material que reforce a sua teoria e demonstre que Jesus Cristo não foi enterrado em Jerusalém. — Se isso for verdade, interrompeu o secretário, — Nossa Igreja já sobreviveu a ataques maiores. O que vai poder fazer um homem só? Irmão Giuliano, existe tantas histórias e conspirações em circulação que já não importa uma a mais ou a menos. Maçons, sociedades secretas... Todos estes mitos e lendas vêm aparecendo e desaparecendo ao longo dos séculos, mas não conseguiram derrubar a nossa santa mãe Igreja. — Independentemente disso, devemos ser precavidos, objetou o cardeal Borghese. — Precisamos dirigir agora toda nossa atenção a Jerusalém, a tudo o que esteja acontecendo no monte do Templo. Precisamos ser os primeiros a saber, para assim poderemos reagir a tempo e com contundência. Padre Leonardo se levantou e se dirigiu para a janela. Do lado de fora brilhava o céu do meio-dia. Olhou para o exterior e, pensativo, observou o escudo do Vaticano que decorava o jardim bem aparado do parque em frente ao Palácio do Governo. — Devo admitir que sinto simpatia por esta ideia, disse Padre Leonardo. —Recomendarei ao cardeal prefeito que envie um espião a Jerusalém. — Seria interessante que pudéssemos participar nas escavações, sugeriu o cardeal Borghese. — Deste modo, nosso enviado não perderia nenhum detalhe e poderíamos implantar as medidas necessárias com tempo suficiente caso fosse necessário. O padre sorriu. — E, em que medidas estará pensando cardeal Borghese? O cardeal franziu a testa. — A qualquer momento devemos poder reagir devidamente e a intensidade de nossa reação dependerá da periculosidade dos achados que ainda se escondem na Terra Santa. Padre Leonardo girou e voltou a sua mesa, passando pela pesada figura. — Só conheço uma pessoa que pode acompanhar esta situação de acordo com nossos interesses. — E, porque espera, Padre? — Esta decisão não deveria ser tomada pelo prefeito? O cardeal Borghese negou com a cabeça. — Só perderíamos mais tempo. Ainda falta uma semana para que o prefeito esteja de volta a Roma e não me parece uma boa ideia informá-lo por telefone. Como membro do Conselho eu considero uma imperiosa necessidade que possamos introduzir as medidas necessárias a tempo. Por favor, padre, entre em contato com seu homem e marque uma conversa com ele o mais rápido possível.

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Padre Leonardo pensou por um momento. Finalmente concordou e se dirigiu ao telefone. Pausadamente discou o número enquanto o cardeal Borghese golpeava impacientemente com os dedos sobre a mesa. A conversa foi breve. Depois de desligar, o cardeal olhou com inquietude para o Padre Leonardo. — E aí, conseguiu algo? Perguntou veementemente. — Você me apoia neste assunto e suponho que também acatará as ordens do prefeito, questionou o Padre Leonardo ardorosamente. O cardeal Borghese se levantou. Era uma imponente figura. Com quase seus dois metros de altura e seus cento e trinta quilos de peso parecia como uma rocha entre as ondas. — Não teria me dirigido a você se não levasse a sério esta questão, respondeu com frieza. O padre concordou com a cabeça. — Parto dentro de uma hora para o aeroporto. — Ficará em Jerusalém? — Não é uma boa ideia. Meu contato me espera em Paris, respondeu o padre. — Se dedicarmos muita atenção a essa questão faremos com que se converta em um assunto realmente importante. E isso é precisamente o que devemos evitar. Não acredito que precisaremos tomar alguma posição quanto às teorias de Raful e as escavações. Encontraremos de algum outro modo uma forma de proteger nossos interesses. — Confio em que sua influência seja suficiente, suspirou o cardeal. — Pode confiar nisso, replicou o padre Leonardo de Michele. JERUSALÉM, ACAMPAMENTO NA AUTOESTRADA DE JERICÓ

O resto da noite transcorreu com tranquilidade. Os três intrusos, jovens da área, sentiram curiosidade pelas escavações. O garoto que havia caído, de apenas onze anos de idade, se chamava Jacob e tivera sorte. Além de uma fratura na perna e uma pancada na cabeça, só precisava suportar um par de dolorosas contusões que não tinham gravidade alguma. — Poderia estar morto, disse Gina, enquanto aproximava de Tom um prato de rosquinhas. Ao redor do recinto, os trabalhadores levantavam cercas de madeira para poder proteger o espaço com uma cerca. Aaram havia conseguido naquela mesma amanhã que tivessem material suficiente. A agitação da noite anterior ainda podia se ler no rosto dos membros da equipe de arqueólogos. — Mas não está morto, respondeu Tom. — Não precisamos sempre ficar imaginando tudo o que poderia ter acontecido. Quebrou uma perna e precisará ficar engessado uns dias. Tem dores na cabeça. Pode ser que o ajudem a pensar um pouco na bobagem que fez. O professor Hawke se aproximava da tenda, na companhia de um oficial de polícia. — Maldito seja e por cima agora isso, maldisse Tom enquanto apertava as porcas da roda. — Agora perderemos mais tempo, gostaria de acabar o madeiramento esta noite, antes que comece a chover. Gina olhou para o brilhante céu azul. — Chuva! Não seria nada mal.

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Ainda que faltasse muito para meio-dia, as temperaturas já haviam alcançado trinta graus. — Bom dia Tom e Gina, cumprimentou Jonathan Hawke e apontou para o seu acompanhante. — Este é o tenente Halutz da Delegacia de Polícia Local. Está encarregado do caso de ontem e gostaria de lhe fazer algumas perguntas Tom. Tom concordou com um sorriso e secou o rosto com o braço que estava empapado de suor. — Bom dia, senhor Stein, disse formalmente o policial com certa distância. — Você é o chefe de obras responsável por estes acampamentos, certo? — Bom, na realidade faço de tudo, respondeu Tom. — Você é alemão? Tom olhou com certa preocupação ao oficial de polícia. — Isso tem alguma importância? O policial retirou o chapéu e negou com a cabeça. Depois, sorriu. — Não, nem é o que você está pensando, respondeu com um tom reconciliador. — Minha irmã mora na Alemanha, próximo de Stuttgart. E você, de onde é? Tom relaxou. — Sou de Gelsenkirchen no olho do Ruhr. — Sim, eu sei, disse o policial israelense. — Meus avós viveram em Leverkusen... Antes de... Mas isso não importa agora. Só queria lhe dizer que teve muita coragem ao pular no buraco, eu soube que ainda estava sem proteção, para salvar a vida do garoto. Falei com a família. Teve sorte e está se recuperando. Devo lhe agradecer da parte da mãe. Tom estava um pouco surpreso. — Está bem, respondeu brevemente. — Vamos fechar o caso, prosseguiu o policial. — Os jovens receberão uma admoestação, mas realmente não são ladrões. Foi simplesmente uma brincadeira de adolescentes. Quando for construída a cerca, não voltará a acontecer algo assim. — Esperamos isso, manifestou Tom. O policial colocou de novo o chapéu. — Não quero atrapalhar mais, têm muito trabalho, justificou antes de virar e se afastar na companhia do professor Hawke. MONASTÉRIO DE ETTAL EM OBERAMERGAU

O Inspetor-Chefe da Polícia Judiciária, Stefan Bukowski, saiu para o ar livre, colocou a mão no bolso do seu casaco e apanhou um maço de cigarros junto com um isqueiro dourado que haviam lhe presenteado na sua despedida como chefe de Coordenação da Europol em Haia. O cadáver crucificado de bruços, cravado em umas barras de madeira dentro da despensa do antigo monastério, não fora uma imagem agradável. Por todos os lados, o corpo do padre assassinado estava cheio de cortes e queimaduras. Sem dúvida, fora torturado antes de lhe cortarem a garganta. As mãos, separadas do corpo, haviam sido cravadas nas barras. Grandes pregos de madeira haviam atravessado seus pulsos quando ainda vivia. O sangue das feridas mostrara que o coração da vítima, cruelmente mutilada, ainda batia. O chão de pedra da câmara estava banhado de sangue. "Como um porco que se mata para cortar", pensou Bukowski ao ver pela primeira vez o morto. Mas o nobre entorno não coadunava com estes atos.

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— Foi torturado antes de ser assassinado, acentuou a voz aveludada de uma mulher nas costas de Bukowski. Bukowski jogou a guimba do cigarro em uma canaleta próxima e se virou. — Já sei, tenho olhos no rosto, replicou com brusquidão. Lisa Herrmann, a colega de Bukowski, torceu o rosto. — Ninguém notou nada, continuou informando a inspetora Lisa Herrmann. — Seus irmãos dormiam. Encontraram-no nesta manhã quando um de seus companheiros veio à despensa apanhar batatas. — Refere-se a um de seus irmãos, não é? — Pouco importa. Irmãos, colegas, padres, companheiros. Chame-os como quiser, respondeu irritada. — Já terminaram com a obtenção de provas? — Não, ainda vão demorar um bocado, esclareceu Lisa Herrmann e começou a sair. — Aonde vai? — O abade quer falar conosco, replicou Lisa secamente. Bukowski tossiu. — Eu também vou. — Está nos esperando no refeitório. — E onde fica isso? Lisa apontou para um grande edifício, do outro lado dos muros do convento. Bukowski se apressou. Na grande sala do refeitório se via uma longa mesa no centro. Ali onde os irmãos costumavam a comer, reinava uma lúgubre tranquilidade. O abade estava sentado presidindo a mesa, com o rosto escondido entre as mãos. Só levantou o olhar quando Bukowski retirou da mesa uma cadeira e se sentou com um forte suspiro. — É espantoso, balbuciou o irmão Anselmo, abade do monastério. — O irmão Reinhard era para todos nós um querido companheiro. Quem se faria algo tão terrível? Bukowski deu de ombros. — Fale-me sobre ele, respondeu. O abade levantou a cabeça. — O irmão Reinhard era membro de nossa ordem há 36 anos. Começou aqui em Ettat, na nossa companhia. Mais tarde ensinou História Eclesiástica em Erlangem na Faculdade de Teologia e Arqueologia. Conheceu o mundo e viajou muito. Colaborava em escavações e era um especialista em línguas antigas, fosse latim, grego, aramaico ou hebreu. Era um homem muito bem considerado no Vaticano e todos nós estávamos muito orgulhosos de que vestisse o hábito beneditino. Há três anos sofreu um grave acidente nas montanhas da Galileia. Caiu dentro de uma profunda escavação no monte Meron. Como consequência sofreu uma complicada fratura na perna que o impedia de andar. Então voltou para nossa ordem e permaneceu aqui para reencontrar a paz com Deus. Já vira muito deste mundo. — Tinha inimigos? Perguntou Bukowski. — Somos irmãos de uma mesma religião, replicou o abade. — Não temos inimigos. Levamos uma vida restrita segundo as regras de São Benedito. A porta do refeitório se abriu de repente e Lisa entrou no refeitório, acompanhada de um monge. O monge ocultava o rosto com o capuz de seu hábito e mantinha a cabeça baixa. Nas mãos trazia um rosário. — O que aconteceu? Demandou Bukowski.

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— É o irmão Francisco, tem algo importante para nos contar, explicou Lisa. Levou o monge até ao inspetor. — Irmão Francisco? Interpelou Bukowski. O monge levantou a cabeça. A branca pele de seu rosto estava cheia de rugas. O olho direito estava tapado. — Que Deus o acompanhe, começou o monge na sua desassossegada narração. — O assassino está entre nós. Foi pouco antes da oração da amanhã. Escutei um ruído e me levantei. Dirigi-me à porta e o vi. Seus olhos estavam acesos, seu semblante marcado pelo fogo da maldição. Estava vestido de negro e se virou brevemente quando saía da cela de nosso irmão. Fechei de novo a porta e me ajoelhei para rezar a Deus. — De que local saiu o homem? Inquiriu Bukowski. — Não era um homem, era Belzebu, o adversário de Deus. Saía do aposento de nosso irmão Reinhard depois de ter lhe roubado sua alma. O abade se levantou e se dirigiu ao irmão Francisco. Colocou-lhe a mão sobre o ombro e o monge se ajoelhou. Suavemente, inclusive com carinho, o abade acariciou a cabeça do irmão. — O irmão Francisco com frequência se confunde. Vê coisas que não são próprias deste mundo, entendem? Bukowski concordou e se dirigiu a sua colega. — Inspecionou o local do assassinado? — Parece que revistaram o aposento. A obtenção de provas está sendo feita neste momento.

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CAPÍTULO 3 JERUSALÉM, ACAMPAMENTO NA AUTOESTRADA DE JERICÓ

O sol continuava oculto atrás das nuvens. Ainda dava sombra nas escavações da colina ocidental mas já podia se presenciar um grande movimento. Tom havia realizado todo o trabalho com sua equipe. Todo o recinto dos acampamentos estava cercado com uma cerca protetora. Pranchas se elevavam pelos lados segurando a terra solta das empinadas paredes. Duas amplas tábuas de madeira formavam uma ponte através das escavações. Mais além, fora montada a roldana sobre uma base elevada. Um cesto pendia da corda. Em ambas as laterais, escadas desciam até o chão da escavação. — Isto é pedra pura, afirmou Tom depois de ter golpeado o chão com seu cinzel. — Neste lado está fofo, respondeu Yaara. — Chão de adobe. Tom franziu a testa. — Olhe que estranho. As pedras estão lavradas. Moshav, que se encontrava na quina oposta ocupado com a extração de provas, olhou para Tom. — Eu também estou topando com pedra. Estimo uns trinta centímetros, não consigo escavar mais profundo. Tom examinou a pedra talhada que apanhou do chão. Formava quase um quadrado e parecia um ladrilho. Moshav levantou e se dirigiu a Tom. — O que acha? Perguntou. Tom deu de ombros. — Pode ser algo assim como uma parede, murmurou. — Talvez aqui se encontrasse um edifício. Em todo caso, estas pedras foram trabalhadas. — Olhe aqui, exclamou Yaara e apontou uma peça de cerâmica incrustada no chão de adobe. — Utilize o pincel, aconselhou Moshav. Os escuros olhos de Yaara se acenderam. — Acaso pensa que vou utilizar o martelo de ar comprimido? Protestou com aspereza. — Não é a primeira vez que faço isso. Moshav levantou as mãos em um gesto de defesa. — Parece que hoje está um pouco sensível, observou . Tom havia retirado mais terra com a espátula. Uma segunda pedra saiu à luz. — Com certeza que aqui tinha um edifício, informou. — As pedras se alinham uma junto a outra, parece como se fossem cimento. O som de uma forte sirene irrompeu em todo o recinto. — Por fim, o café-da-manhã, exclamou Yaara e limpou o rosto com o reverso da mão. Seu negro cabelo ela havia recolhido para trás em um rabo de cavalo. — Não é má ideia, murmurou Moshav. — Talvez assim fique de melhor humor. Yaara enrugou a testa, lhe deu a língua e fez uma careta. — Vem Tom? Perguntou. Tom estava ajoelhado no chão soltando a segunda pedra. — Só quero retirar esta... Escutou-se um barulhão. De repente, a terra começou a tremer. Yaara foi para as escadas e se segurou com força. Moshav deu um grande pulo. — Cuidado Tom! Advertiu. O tremor era cada vez mais forte. Tom tentou se levantar. — O que é isto? Gritou quando notou que o chão sob seus pés se abria e ele caía. Gritou com todas as suas forças. MUNIQUE, UNIDADE DE CRIME ORGANIZADO DA BAVIERA, BRIGADA 63

— Não tenho nada claro, manifestou Lisa Herrmann e leu uma vez mais todas as suas notas. — Não existe nenhum indício que nos possa revelar quem perpetrou o crime. O assassinado não havia discutido com ninguém e desde que voltou ao monastério levava uma vida retraída. Só de vez em quando abandonava a abadia. O resto do tempo se dedicava aos textos antigos e

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trabalhava ocasionalmente na imprensa do convento. Coxeava pronunciadamente e incessantes dores na perna não o deixavam descansar. — Talvez fosse homossexual e um amante tenha se vingado, imaginou um jovem colega da técnica. — Ultimamente está se escrevendo muito sobre isso. — Não foi um único assassino, foram dois ou mais, prosseguiu Lisa. — Talvez um ritual satânico de morte, propôs de novo o colega. — Ao menos isso é o que indicam o tipo de tortura e a crucificação. — Qual o significado da crucificação com a cabeça para baixo? Deve ter um significado especial perguntou Lisa. — O que quer dizer com isso? O jovem colega franziu a testa. — Bem, é possível que seja um tratamento simbólico com um profundo significado litúrgico. Com isso poderia ir se fechando o círculo de suspeitos. Stefan Bukowski, em um canto da sala de reuniões, escutava atentamente sem participar na conversa enquanto acariciava o bigode. — O que acha de tudo isto? Perguntou Lisa. Bukowski deu de ombros. — Não sei por que nos colocaram neste caso. Achava que esta era a Unidade de Crime Organizado e agora precisamos tratar de casos totalmente profanos. A delegacia responsável também podia ter se encarregado deste assunto. Lisa olhou incrédula para o chefe de sua brigada. — Isso é tudo o que tem a dizer? Bukowski continuou penteando o bigode com certo ar de enfado. — Provavelmente seja como acaba de comentar nosso colega. Possivelmente foi vítima de um amor frustrado. — Pedro foi crucificado com a cabeça para baixo, observou Lisa. — Não sabia que era uma apaixonada pela Bíblia, disse Bukowski com certo sarcasmo, — Mas já que estamos nisso, Espártaco também morreu assim depois de que os romanos acabaram com a rebelião dos gladiadores. Pelo visto, os romanos se divertiam fazendo sofrer as suas vítimas. Com traidores não tinham melindres. Lisa se levantou. — Um momento. Pedro traiu Jesus e o seu credo. Espártaco era um grande gladiador de reconhecida fama, muito considerado pelos romanos antes que se convertesse no líder da rebelião. — E no filme se converteu ao cristianismo pelo amor de uma mulher, se não me lembro mal, acentuou Bukowski. — Notou? É sempre o amor quem ferra as pessoas. Por isso estou só e pretendo seguir assim. — Então, Espártaco também foi um traidor, pensou Lisa ensimesmada. — E, a quem haverá traído este irmão? Perguntou Bukowski. — A Deus, talvez, respondeu Lisa com ar relaxado. JERUSALÉM, ACAMPAMENTO NA AUTOESTRADA DE JERICÓ

Moshav e Yaara se agarravam fortemente nas escadas. Yaara gritou aterrorizada quando viu Tom desaparecer nas profundezas junto com boa parte do chão. O tremor parou. Um escuro buraco de apenas um metro de largura se encontrava agora no lugar onde há apenas uns segundos Tom estava ajoelhado.

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O chão parou de se mover e uma incompreensível tranquilidade reinou dentro da escavação. Consternados Yaara e Moshav continuavam de pé junto as escadas. Passaram-se uns segundos até que puderam recobrar as energias suficientes e reagir. Moshav foi o primeiro que conseguiu se mover. Foi até o buraco e se jogou no chão. Respeitou os últimos centímetros do chão de adobe. Poderia voltar a aparecer outro buraco no chão. Haviam dado com uma espécie de cova. Ao extrair as duas pedras, Tom havia desestabilizado a abóboda de pedra provocando o afundamento. — Tom! Gritou agitadamente Moshav na borda do buraco. — Tom, você está bem? Moshav não obteve nenhuma resposta. Examinou a perfuração na escuridão mas não conseguiu ver muito. — Precisamos retirá-lo daí, soluçou Yaara. — Mas com cuidado, recomendou Moshav. — Nem sequer sabemos se na antiga edificação existe oxigênio. Traga-me uma lanterna. Yaara escalou com as duas mãos as escadas para o exterior. Ninguém estava próximo. No final da semana começariam a trabalhar na escavação mais recente das quatro do olivar. Por isso estavam agora trabalhando ali somente Moshav, Yaara e Tom. Pretendiam introduzir as primeiras medidas de segurança e executar as escavações de prova iniciais. — Socorro! Exclamou Yaara ao se aproximar do pequeno acampamento. — Ajudem! Tom caiu num buraco! Todos os trabalhadores e ajudantes estavam reunidos ao redor da mesa de café-da-manhã em uma grande tenda. — Tom caiu! Gritou de novo Yaara. — Precisamos de ajuda. O professor Jonathan Hawke deu um pulo quando viu Yaara entrar na tenda. O ligeiro vento trouxe suas palavras até ele. — Maldito seja! Sentenciou e se dirigiu apressadamente para ela. — Rápido! Apanhem todo o necessário para o resgate, ordenou. — Não esqueçam das máscaras de oxigênio. Para resgate, no caso de acidentes, existia o correspondente plano de emergência em cada escavação, assim como o equipamento de proteção. É verdade que quando os arqueólogos iniciam as tarefas de escavação a terra pode ceder ou podem se abrir entradas de covas ou corredores. Dois membros da equipe eram formados em primeiros socorros para atender a possíveis feridos. Quando Yaara alcançou a tenda, desabou extenuada. — Rápido! Gritou quase sem respiração. — A terra se moveu e Tom caiu numa cova ou algo assim. Rápido, uma lanterna... Rápido, Moshav está lá. O professor Hawke se inclinou para Yaara. Abraçou-a. — A equipe de resgate já está a caminho, tentou tranquilizá-la lhe esfregando os ombros. As lágrimas corriam pelo rosto de Yaara. — Precisam salvá-lo, chorava fortemente. — Vamos conseguir, afirmou com firmeza Hawke para que se acalmasse. — Acalme-se.

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STEINGADEM EM PFAFFENWINKEL, ALTA BAVIERA

A noite estava escura, lua nova. Nem sequer a clara fachada da Wieskirche se discernia entre a escuridão. Se a luz da casa do sacristão não tivesse interrompido a escuridão, ninguém teria podido imaginar que sobre aquela pequena colina, bem no final da extensa pradaria, se escondia uma verdadeira joia. Os dois homens de negro ocultavam suas cabeças sob um capuz negro se fundindo com a noite. Conheciam exatamente a localização da igreja e de que lateral podiam entrar sem ser vistos pela pequena porta da sacristia sob a torre das campanas. Já havia passado da meia-noite. A luz da casa do sacristão ficava acesa durante toda a noite. Os dois intrusos que se encontravam na área desde o dia anterior e como haviam visitado a igreja durante o dia já sabiam disso. A Wieskirche de Steingadem havia se convertido em uma das atrações turísticas mais visitadas da Alta Baviera, não em vão fora declarada Patrimônio da Humanidade pela Unesco. A obra de arte do rococó alemão atraía diariamente centenas de pessoas quando fazia bom tempo, inclusive no inverno apareciam visitantes em Pfaffenwinkel para poder realizar uma visita à pequena igreja. Mas isso pouco valia para aqueles dois indivíduos. Não tinham sensibilidade alguma para poder apreciar a ornamental construção da igreja, nem sequer a beleza, tranquilidade e bem-estar do entorno. Tinham um objetivo bem definido, uma tarefa da máxima prioridade e só por isso estavam ali. A porta de madeira da sacristia não ofereceu nenhuma resistência. Tinham uma chave que abria qualquer porta ou portão desta construção. Não falavam entre si, se entendiam só com um olhar. Cada um conhecia bem a tarefa que tinha assignada e a importância do dito trabalho. Uma vez que entraram silenciosamente no edifício, sacaram suas lanternas. Sigilosamente cruzaram o aposento e penetraram no interior da igreja. Para a sagrada obra de arte não dirigiram nem um olhar. A única coisa que lhes interessava era o púlpito de predicação. Com as lanternas buscaram o pedestal de madeira até que descobriram o lugar exato. O maior se ajoelhou no chão e introduziu um estilete nos orifícios que se desenhavam na madeira lacada. Levou um tempo para conseguir abrir o pequeno compartimento secreto. Surgiu uma caixinha. O intruso ajoelhado apanhou-a para abri-la. Era um pequeno ataúde. Uma pequena chave de madeira se encontrava no interior. Não muito maior que seu dedo polegar mas profusamente ornamentada. Na empunhadura se distinguia um escudo. A cruz azul de Jerusalém resplandecia no centro do escudo. De repente, a luz se acendeu. — Nenhum movimento em falso! Gritou bruscamente uma voz grave. Um homem idoso, junto à porta da sacristia, apontava uma arma para os dois intrusos. — A polícia já está a caminho, disse o homem. — A arma está carregada e se se moverem eu atiro. Agora, mãos para cima, para que as possa ver bem. O homem idoso tremia, gotas de suor desciam por seu rosto. O que estava de joelhos se levantou pausadamente com o estilete escondido na palma da mão. Enquanto o seu companheiro elevava os braços, se voltou um pouco e também começou a levantar lentamente os braços mas, repentinamente, fez um rápido movimento com o braço direito. Como um raio, quase imperceptível, a faquinha voou desde a mão do intruso. Ao atravessar o ar, se escutou um assobio. Antes que alcançasse seu objetivo, os dois homens recobraram as posições. Rodando com grande precisão se moveram pelo chão até que se puseram a salvo. Não se escutou

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nenhum disparo, tão só um som gutural. Com os olhos bem abertos de surpresa e dor, o homem idoso caiu de joelhos. A arma escorregou das mãos e caiu no chão de pedra. Na igreja este som se escutou como um infernal barulho. Os dos intrusos se ergueram com ajuda das mãos. — Vamos! Ordenou o mais alto a seu companheiro. Apressaram-se para a porta da sacristia. Quando passaram junto ao homem que acabara de cair, o primeiro se inclinou para o corpo e lhe deu meia volta. Um charco de sangue se expandia à altura de sua cabeça. Com os olhos abertos olhava para o teto. O mais alto arrancou o estilete da garganta do morto e saiu correndo seguindo os passos de seu cúmplice. Quando ressoou o queixoso som da sirene do carro de polícia, já há tempos que ambos os intrusos haviam desaparecido. O sacristão jazia banhado em sangue.

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CAPÍTULO 4 JERUSALÉM, ACAMPAMENTO NA AUTOESTRADA DE JERICÓ

Tom acordou. Sua cabeça parecia um formigueiro, ou uma colmeia onde centenas de abelhas voassem de um lado a outro. Abriu os olhos. Com a vista enevoada olhou cuidadosamente ao seu redor. Estava deitado dentro de uma tenda com a luz acesa. Apesar da escuridão do exterior um amortecido ruído de maquinaria chegava até seus ouvidos. Um lenço frio esfriava a sua testa. Junto à maca, Yaara lhe segurava a mão. — O que... Que aconteceu? Perguntou com tom dissonante. Yaara humedeceu seus lábios cortados com um lenço úmido, se inclinou para ele e lhe deu um doce beijo na face. — Está, vivo. Graças a Deus, estou tão feliz, disse. Sua voz ressoou frágil como um cristal. — A cabeça me dói, se queixou Tom e tocou a testa com a mão livre. — O médico disse que pode ter sofrido uma ligeira concussão cerebral, explicou Yaara. — Mas os ossos estão intatos. É um milagre. Caiu em uma cova de uns dois metros de profundidade. — Uma cova? Perguntou Tom. — Tivemos que resgatá-lo com uma corda, contou Yaara. — Moshav e o professor desceram até ali. Por sorte havia suficiente oxigênio. É uma tumba, estão deixando abrindo-a. — Uma tumba? Repetiu Tom Stein. — Como pode existir uma tumba debaixo do muro de uma guarnição romana? É de origem judia ou romana? Yaara negou com a cabeça e seu encaracolado cabelo negro se agitou de um lado a outro. — Não é uma tumba do tempo dos romanos. Segundo as primeiras estimativas, data da primeira parte da Idade Média. O professor Hawke está convencido de que se trata da tumba de um importante cavaleiro. A tumba contém um sarcófago de pedra em vez de um ossário. Aaram estabilizou a cobertura. O professor Raful também está aqui. Estiveram trabalhando toda a noite. Tom fez um gesto de se levantar, mas Yaara o impediu com uma ligeira pressão para trás. — Precisa descansar ou prefere que o leve ao hospital de Hadassa? Se quiser posso chamar a ambulância. Tom se deitou e tentou sorrir. — O doutor mandou você repousar, disse Yaara com firmeza. — E se não o fizer chamarei o hospital. Tom levantou os braços em sinal de rendição. — Bom, está bem. Farei o que a minha enfermeira ordenar. O acesso à tenda se abriu, uma fria corrente soprou dentro da húmida tenda. Moshav entrou, olhou para Tom e sorriu. — Não podemos deixá-lo nem um minuto só, brincou. — Yaara está cuidando bem de você? Tom concordou. — É um pouco rígida. O que encontraram na tumba? Moshav aproximou uma cadeira para o seu lado. — É uma maravilha, respondeu. — Pelo menos o descoberto até o momento. — Não me deixe assim intrigado e me conte já o que contém a tumba e como o seu conteúdo chegou até ali. — Aloja um cavaleiro. Esperamos poder abrir amanhã a pesada tampa do sarcófago. Aaram e seus homens estão trabalhando nisso. Encontramos restos de armas e artefatos de cerâmica, uma espada e a ponta de uma lança. Tudo indica que são do século XI. Gina e o professor

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traduziram parte das inscrições do sarcófago, estão em latim. Segundo ela, se trata de um personagem principal dos Cavaleiros Templários quem conquistaram parte da cidade. — Um templário, repetiu Tom, abstraído e pensando no que significava este termo. — Mas, que faz a tumba de um templário aqui? Sob as ruinas de um bastão romano quase mil anos mais antigo? — Descobrimos uma parte do sepulcro, explicou Moshav. — O professor argumenta que os templários escolheram este lugar porque aqui existia suficiente material para a construção de uma cripta. Pedras, entendeu? Utilizaram os restos da guarnição romana que então estavam espalhados por aqui. Do depósito romano que se prolongava para o oeste. Quem construiu a tumba teve muito cuidado para que seu venerado não fosse encontrado com facilidade. — Que estranho! Murmurou Tom reflexivo. — A tumba de um templário no meio de Jerusalém e, além disso, aqui fora, na frente das portas da cidade. É muito estranho. — Precisaria ter escutado Chaim Raful falar. Parecia uma criança pequena que encontrou os presentes debaixo da árvore de Natal, mas que ainda não o deixam abrir. Depois de que Moshav saiu da tenda voltaram a se abrir as cortinas da entrada. O professor Chaim Raful entrou no habitáculo. — Soube do acidente que sofreu e queria saber como se encontra, explicou. Mas antes que Tom tivesse tempo de responder, soou o celular de Chaim Raful. O professor fez um gesto de desculpas com a mão e iniciou a conversa. Foi breve. — ... Veremo-nos então no meu quarto do King David, digamos em torno das nove. Concluiu a conversa, desligou o telefone e se dirigiu para junto de Tom. — Apesar do lamentável acidente que sofreu, graças ao seu trabalho contamos com uma grande descoberta para a história de nosso país. É uma pena que tenha se machucado nesta tarefa. Espero que se recupere rapidamente. Tom, desejo agradecer o seu esforço em nome de toda a comunidade científica que estuda a Antiguidade. O professor estendeu a mão a Tom. — Eu... Eu... Eu só cumpri com a minha obrigação, respondeu Tom, algo aturdido. WIESKIRCHE EM STEINGADEN, BAVIERA

— A ligação chegou à central as 01:26 h, explicou um policial uniformizado. — O carro da polícia demorou apenas 20 minutos para chegar, mas já era muito tarde. O chefe de polícia local decidiu informar à LKA, já que se trata do segundo assassinato de um clérigo em questão de três dias. O Comissário-Chefe da Unidade de Crime Organizado do Estado de Baviera, conhecida entre os polícias como LKA, concordou e lançou ao seu colega um mal-humorado olhar. Estavam de pé em frente as escadas do altar. O cadáver do servente da igreja estava coberto com uma lona negra. Um charco de sangue seca manchava as lousas de mármore. Não longe dali, jogada no chão, se via uma escopeta. — De quem é? Perguntou Bukowski. — Deve ser dele, sublinhou o polícia. — Não foi disparada. Ainda não foi concluída a obtenção de provas. Não quisemos mudar nada no lugar do crime até que vocês o inspecionassem em detalhe. Bukowski concordou.

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— E o que se sabe do morto? — Uma estocada na garganta cortou sua artéria carótida, adicionou o legista. — Como se fosse um punhal afiado. Foi cravada com grande força, pode ser inclusive que tenha sido atirada. — O que disse exatamente o homem quando fez a ligação? Dirigiu-se de novo ao seu colega uniformizado. O policial procurou em seu bolso e apanhou um bloco de notas. — Rápido! Venham a Wieskirche, leu o funcionário em voz alta. — Uns ladrões entraram aqui. Deu o seu nome e disse que podia ver a luz de uma lanterna pela janela da igreja. — Morava sozinho aqui? Prosseguiu Bukowski com o interrogatório. — Também mora um casal na casa da frente, respondeu o uniformizado. — A faxineira da paróquia e seu esposo, também funcionário. Mas a vítima sim, morava sozinha. Bukowski se dirigiu à sua colega, Lisa Herrmann que estava examinando a porta. — Vamos ver se este casal tem algo a dizer. Lisa concordou. — Onde posso encontrá-los? O policial apontou na direção de uma casa junto à igreja. Bukowski se encaminhou para o altar e olhou ao redor. — Não tocaram em nada aqui? O policial negou com a cabeça. — A brigada de obtenção de provas já passou por aqui mas o deixaram intato. — Falta algo? — Estamos esperando o pároco, explicou o policial. — Está vindo de Fussen, demorará um pouco a chegar. — Achava que estávamos no mais profundo do catolicismo de Baviera, ironizou Bukowski. — Não tem um pároco nesta localidade? O policial negou. — Foi uma trágica noticia para a comunidade de fiéis, mas o pároco daqui faleceu há apenas três semanas em um acidente de trânsito. Vinha de Garmisch. Bukowski franziu a testa e observou o cadáver. — As desgraças nunca vêm sozinhas, suspirou e colocou a mão no bolso. Apanhou um cigarro do maço e ia colocá-lo nos lábios quando seu colega uniformizado lhe advertiu. — Comissário-Chefe! Bukowski se virou. — Está bem, balbuciou e voltou a colocar o cigarro no maço. — Então não temos indícios de roubo. E aparentemente todas as figuras e objetos sagrados estão em seu lugar. Possivelmente os criminosos ficaram tão surpresos com o aparecimento do ancião que, sem mais, fugiram. — É possível, agregou o policial uniformizado. — Ainda vão precisar de mim? Perguntou o legista. — Coincide a hora da ligação com a hora da morte? O médico concordou. — Após uma estimativa superficial e levando em conta as baixas temperaturas da igreja, podemos chegar a essa conclusão. A autópsia revelará mais informações. — Então, voltaremos a conversar depois da autópsia, replicou Bukowski e apanhou um bloco e uma caneta do bolso da calça. O policial uniformizado o observou preocupado. — Creio que é o primeiro assassinato nesta região em mais de cinco anos. Bukowski ignorou as palavras do colega. — Quero que aqui se faça uma minuciosa busca de provas, manifestou com brusquidão. — Pode chamar até cem policiais se for necessário. Pode ser que encontremos a arma do lado de fora. Ou marcas de pneus. Esta gente precisa ter chegado de algum modo até este inóspito lugar. Além disso, gostaria que nossa brigada científica inspecionasse também o lugar. — Mas nós já fizemos isso. — Não importa, nossa equipe da LKA tem outros modos de trabalhar. — Algo mais? Perguntou o uniformizado com irritação. Bukowski apalpou de novo o bolso de seu casaco.

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— Sim, tem fogo? PARIS, FRANÇA, RUA DE RIVOLI PRÓXIMO DO MUSEU DO LOUVRE, UM DIA MAIS TARDE

— O cardeal está fora de si, informou Padre Leonardo enquanto passeava pela Praça do Carrossel rumo à orla do Sena. Jean Michel Picquet fez uma careta. — Debilitou-se tanto a Igreja ao longo destas décadas? — A Igreja não se debilitou e não tem nada a temer ante as descobertas históricas, explicou Padre Leonardo. Vestia um traje negro e só uma pequena cruz no reverso de seu casaco mostrava que se tratava de um homem vinculado à Igreja. — Alguns realmente se assustaram com a teoria de Raful. Simplesmente devemos reconhecer que a tradução dos escritos no Corão, não é um agradável capítulo em nossa história contemporânea. Se tivéssemos tratado de uma forma mais aberta os achados e os arqueólogos, este assunto teria sido muito mais digerível, estou convencido. Por isso lhe peço este favor, faça valer todas assuas influências. A todo o momento devemos seguir os acontecimentos da nova escavação frente às portas da Terra Santa. Devemos nos manter informados sobre o desenvolvimento do projeto. Jean Michel Picquet não pertencia à Igreja. Era cristão às vezes, ou crente, quando era mais proveitoso. Mas, sobretudo, era um homem de negócios e contava com contatos privilegiados em Jerusalém e em todo o mundo, que ainda conservava de sua época como adido comercial no Ministério de Assuntos Exteriores francês. E, além disso, era um bom amigo do Padre Leonardo. — Meu querido amigo, confirmou Picquet. — Verei o que posso fazer por você. Mas, não seria melhor que exercesse a sua influência através da École Archéologique Française? — Já conhece Raful, argumentou Padre Leonardo. — Não permitirá que nossos homens se aproximem das escavações. Tem poder e influência. Por outro lado, nos interessa que a Igreja não apareça diretamente relacionada com esta questão. Você tem muitíssimas mais possibilidades que Roma. Além disso, seria... Digamos, menos problemático, se ninguém pudesse relacionar a Cúria com as investigações em Jerusalém. O que pensariam de nós, se em Roma levassem a sério as loucuras de Raful? — Entendo, respondeu Picquet, e se sentou em um banco à orla do Sena. Padre Leonardo o seguiu. Contemplou a esverdeada água do amplo rio. Nesse momento um barco turístico cheio de visitantes passou e frente a eles. — Padre, pode confiar plenamente em mim, comunicou Picquet depois de uma silenciosa pausa. — Posso convidá-lo para jantar nesta noite? — Duchase ou Le Grand Véfour? — Duchase, respondeu Picquet. — Reservarei uma mesa. Às oito? — Será um prazer, prosseguiu Padre Leonardo. — Sempre vale a pena visitar Paris.

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WIESKIRCHE EM STEINGADEN, BAVIERA

A jovem mulher soluçava. — Josef era um bom homem, de coração nobre. Quem poderia ter feito algo assim? — Por isso estamos aqui, respondeu a inspetora Lisa Herrmann. — Queremos descobrir. Formularei de novo a minha pergunta. Notou algo diferente ontem à noite que lhe parecesse suspeito? A jovem mulher limpou as lágrimas das faces. — Há uma semana tomo comprimidos para dormir, ainda que somente seja para poder conciliar o sono. Faz três semanas que nosso pároco morreu. E agora Josef. Às vezes penso que não Deus existe. — Ontem visitaram a igreja muitas pessoas? A mulher continuava chorando. — Se faz bom tempo, podemos ter centenas de visitantes. Ontem pudemos contar facilmente com uns duzentos turistas. Esta igreja é muito bonita. De fato, foi declarada patrimônio histórico da Europa. Lisa Herrmann concordou. — Na semana passada, aconteceu algo diferente do habitual? A jovem mulher olhou com os olhos muito abertos à agente. — Tudo é diferente desde que nosso pároco, nosso querido Johannes, faleceu. — Entendo, respondeu Lisa mostrando compaixão. — Mas desejamos esclarecer o assassinato do sacristão. Para isso precisamos de sua ajuda. É importante que encontremos algum ponto de referência. Na teoria não foi roubado nada da igreja. A fechadura não foi forçada. Tem alguma explicação para isso? — O que significa isto? Agitou-se a jovem mulher. — Significa que devemos supor que o assassino ou os assassinos tinham uma chave da igreja, a não ser que a porta não estivesse fechada à chave. A mulher se levantou. — Impossível, afirmou com brusquidão. — Todas as noites depois das oito meu marido vai de novo à igreja e faz uma ronda. Fecha à chave todas as portas. Ontem também fez isso, estou completamente certa. Lisa concordou. — Existe mais alguém que tenha uma chave da igreja? A jovem mulher pensou por um momento. — Meu marido e eu temos uma, Josef o sacristão, Padre Johannes tinha uma e na paróquia existe outra no caso de que se perca alguma. — Onde está a sua chave? — Meu marido sempre a leva consigo, respondeu a mulher cravando os olhos com certa incredulidade em Lisa. — Então veja se a chave da paróquia ainda está em seu lugar. — Não pensará que meu marido... — Isto é pura rutina, explicou a agente. A jovem mulher se dirigiu à porta. De repente parou e deu meia volta. — Anteontem ligou um homem que queria falar com nosso pároco, que em paz descanse. Disse que era urgente, que era realmente importante e que era uma questão de vida ou morte. Eu disse que o pároco não estava aqui, mas ele insistiu em se encontrar com ele. Queria informar ao Padre Johannes que Jean-Luc havia despertado do coma. — Do coma? — Sim, não sabia ao que se referia este homem. Contei que Deus havia levado a alma de nosso querido pároco, que havia falecido em um acidente de trânsito. — E então?

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— O homem simplesmente desligou. Não sei se isso é importante mas a ligação me pareceu muito estranha. Conhecia o Padre Johannes há vários anos e não sabia que tivesse um conhecido na França. — Na França? — O homem era francês, ao menos assim soava seu acento, explicou a jovem mulher. Lisa anotou esta informação em seu bloco de notas. — Mencionou o nome? — Não, só disse que Jean-Luc havia despertado do coma, não disse nada mais. — E a chave do pároco que morreu? Apareceu depois do acidente? A jovem mulher concordou. — A polícia nos entregou todo o molho de chaves dele e nós a entregamos ao seu substituto. — O cura de Fussen? — Sim, até que nos enviem um novo cura para esta localidade, ele se encarregará de realizar os ofícios. — Entendo, respondeu Lisa Herrmann e olhou de novo para a mulher enquanto saía do pequeno e cálido aposento.

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CAPÍTULO 5 JERUSALÉM, ACAMPAMENTO NA AUTOESTRADA DE JERICÓ

Grandes faróis iluminavam a escuridão. Os arqueólogos e ajudantes trabalhavam para desvendar o sepulcro do desconhecido cavaleiro. Com cuidado retiraram as distintas capas de terra e deixaram a descoberto a abóboda, segura com várias tábuas e barras. Com afinco, Gina Andreotti documentava cada passo, já que fora designada diretora de seções. Haviam documentado, medido e resgatado com grande esmero os primeiros achados. Jean Colombare fotografou cada detalhe e elaborou uma rede de coordenadas com ajuda de um teodolito, assim poderia registrar com precisão a posição e dimensão do sepulcro. Encontrava-se sob a primeira seção e a quase dois metros do restante da escavação. Com sumo cuidado, os peritos da escavação retiraram pedra por pedra até que, depois de vários séculos, saiu de novo à luz o amarelado sarcófago. A inscrição na tumba ainda podia se ler bem. As letras latinas gravadas na pedra calcárea haviam suportado em bom estado os longos anos na escuridão subterrânea. Podia se reconhecer facilmente o antigo escudo dos templários sobre a cabeceira da tumba; dois cavaleiros a cavalo, com lanças e escudos. Abaixo estava inscrito o lema da ordem e bem ao lado, outro escudo sob o qual podia se ler o nome do cavaleiro. — Renaud de Saint-Armand, murmurou silenciosamente Jonathan Hawke. — Falecido no ano 1128 depois de Cristo. — O escudo sob a insígnia do templário pode ser a representação de um leão que segura em suas mãos uma bandeira, prosseguiu Gina Andreotti. — Desgraçadamente se descoloriu um pouco, mas estimo que poderemos recuperar a estrutura superficial. O escrito está em latim medieval, utilizado do ano 900 a 1500 depois de Cristo. A frase da tumba está escrita em maiúsculas sem espaços, o que corrobora a autenticidade paleográfica. O professor Chaim Raful estava de pé à margem da cripta. Em silêncio e reflexivo observava o ataúde de pedra. Seus olhos se iluminaram. Jonathan Hawke subiu as escadas e se colocou junto a Raful sacudindo o pó da roupa. — O ataúde está em bom estado, disse. — Creio que amanhã pela manhã já teremos estabilizado bem as paredes laterais da cripta de modo que poderemos começar com as investigações no interior. É uma verdadeira casualidade ter se encontrado, justo aqui, a tumba de um templário. Nas cercanias dos limites da cidade, no meio de nenhum lugar. Raful se dirigiu ao seu colega americano. — A afortunada coincidência do destino, adicionou. Hawke olhou seu ao redor. Ao longe, as luzes de Jerusalém iluminavam a noturna escuridão. — Parece que foi conscientemente que este cavaleiro tivesse sido sepultado aqui, no meio do deserto para proteger a tumba dos ladrões de tumbas. Raful concordou. — Gostaria ver o mais rápido possível o interior do sarcófago. Precisaremos de uma roldana para levantar a pedra da tumba. — Não queremos nos precipitar, ninguém nos exige, respondeu Hawke. — As barras ainda não estão suficientemente fortes para segurar a abóboda. Precisamos agir cuidadosamente. Ou acaso se trata de uma escavação de urgência? Chaim Raful se inclinou com ar de intriga para Hawke. — Pode ser, se o governo descobrir. — Não entendi, replicou Hawke.

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— Nosso Governo é às vezes bastante irritante quando se trata de prorrogar autorizações. Aqui temos quase trinta trabalhadores da área. Não poderemos ocultar durante muito tempo o achado. Hawke franziu a testa pronunciadamente. — Que razões podem ter para proibirem os trabalhos posteriores da escavação? Tão pouca influência tem a Universidade de Bar-Ilan? — Jonathan, Raful começou a explicação em um tom paternal, — Você não conhece realmente a situação de nosso país. Estamos rodeados de inimigos e, por isso, precisamos da amizade e apoio do mundo ocidental. De certo modo, também a aceitação da igreja romana. É possível que este seja o primeiro achado bem conservado de um cavaleiro que partiu há quase mil anos, com a missão da Cúria de resgatar da destruição e da barbárie os lugares sacros e a tumba de Cristo. Não quero que dentro de um par de dias estejam fuçando por aqui enviados da Igreja, peritos da antiguidade, e levem para seu campo os trabalhos. Isso já me aconteceu a quase cinquenta anos, quando apareceu o padre De Vaux em Khirbet e se encarregou da direção das escavações, instruído pela igreja romana. Finalmente isso fez com que depois dos achados ficaram muitas mais perguntas sem respostas. A Igreja não permitirá que venha à luz nada que possa prejudicar seus interesses. Hawke negou com a cabeça. — Esta é a tumba de um cavaleiro que morreu aqui há novecentos anos. Que segredos relacionados com Jesus Cristo ele pode ter em sua tumba e que a Igreja precise ocultar? Chaim Raful não dissimulou seu rosto sério. — Os templários não eram precisamente amigos de Roma. Lembre-se de outubro de 1307, argumentou. — Não deixaremos que cheguem tão longe. Enquanto estivermos seguros de que podemos trabalhar na cripta, inspecionaremos tudo muito bem e levaremos imediatamente todos os achados ao museu Rockefeller mais próximo. — Você é o diretor desta escavação, respondeu Jonathan Hawke. — Farei isso inclusive se não estiver de acordo com seus procedimentos. Segundo a minha opinião, deveríamos retirar primeiro o sarcófago e levá-lo antes de abri-lo. No laboratório teríamos oportunidades de... — Quando digo todos os achados, também me refiro ao conteúdo do ataúde de pedra, interrompeu-o Chaim Raful. WIESKIRCHE EM STEINGADEN, BAVIERA

Os homens de branco recolheram seus utensílios e ferramentais dentro de suas maletas e foram embora no ônibus VW. Havia sido concluída a obtenção de provas levada a cabo pelos especialistas da LKA. Algumas unidades da Polícia Científica haviam revistado o entorno junto com seus cachorros, mas não haviam encontrado nada, nem um mínimo indício. O superior da Polícia Judicial, Stefan Bukowski, estava sentado em um banco de madeira próximo da entrada lateral e contemplava o cenário. Mexia no seu maço de cigarros. — Stefan, já terminamos, anunciou um dos agentes retirando o guarda-pó branco. — Já vi, respondeu Bukowski. — Já podem dizer algo? O colega da perícia fez um gesto negativo. — Encontramos muito poucas impressões. Estes rapazes foram muito cuidadosos e estavam de luvas. O estranho é que não encontramos nenhum indício de que tenham forçado a porta de trás. Desmontamos a fechadura e a analisaremos no laboratório. A simples vista parece que não foi forçada. — E isso o que quer dizer? Perguntou Bukowski.

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— Ou não estava fechada ou os intrusos tinham uma chave. Bukowski acendeu mais um cigarro. Diante de seus pés já estavam amontoadas seis guimbas. — Quando receberei o relatório? — Quando terminemos com a análise microscópica. Isto requer um tempo. — Ótimo, então vou esperar mais de uma semana, protestou Bukowski. Lisa Herrmann apareceu na esquina. Com suas mãos ajeitava a roupa. Apesar de que amanhecera um dia primaveral, de manhã cedo ainda fazia frio. Bukowski examinou a sua companheira, que estava realmente atraente com seu longo cabelo dourado e os jeans que delineavam sua bela figura. — Stefan, eu estou lhe procurando há tempos. Achava que queria examinar a área e agora o encontro aqui sentado em um banco tomando sol. — Se tivesse procurado aqui, teria me encontrado, respondeu Bukowski irritado. Lisa se sentou junto a Bukowski e apanhou seu bloco de notas. — Algo novo? Perguntou o chefe. — Sabia que o pároco de Wieskirch morreu em um acidente há três semanas? — Já sabia, respondeu Bukowski secamente. — A única coisa que eu não sei, é por que estamos aqui. Não acredito que isso tenha nada a ver com o caso do monastério. — Estamos aqui porque se supõe que nos notificam todos os casos relevantes relacionados com a Igreja, respondeu Lisa com firmeza. — E acho que a morte de um sacristão é bastante relevante, não lhe parece? Bukowski ignorou a pergunta de natureza polêmica de Lisa. — Agora temos dois assassinatos sobre a mesa e, sinceramente, eu não encontro nenhuma relação, renegou o oficial. Lisa se mostrou confusa. — Quer que me compadeça ou prefere saber o que descobri? Bukowski jogou fora o cigarro fazendo um grande arco. — Dispara. Lisa informou sobre o que havia lhe contado a mulher da casa contigua. Com enfado Bukowski escutou a história. As chaves da igreja estavam disponíveis exceto as do pároco. — Isto não é grande coisa, afirmou. — De qualquer maneira, não parece que se trate de crime organizado. Aqui alguém queria roubar objetos sagrados e o sacristão o surpreendeu. É assim simples. Na realidade deveríamos passar o caso aos nossos colegas locais. Este não é nosso lugar. — E assim a sua mesa ficaria vazia de novo, protestou Lisa. — O que quer? Somos da LKA e isso não é assunto nosso ou, por acaso, está vendo alguma relação com o caso de Ettal? Antes que Lisa pudesse responder, se aproximou um veículo e estacionou em frente à igreja. Um homem idoso de cabelo cinzento desceu do carro. Usava uma roupa preta e olhou ao seu redor procurando algo. — Este deve ser o pároco substituto, disse Bukowski e se levantou para se aproximar dele.

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JERUSALÉM, BAR SHONKE, REHOV HASOREG

Do lado de fora já havia amanhecido mas o bar ainda estava bem cheio. Gideon Blumenthal havia trabalhado toda a noite e bebia uma gelada cerveja. Gideon era pedreiro, mas há alguns anos não exercia sua profissão, pois procurava escavações nos jornais locais e anúncios das universidades e institutos. Oferecia-se sempre que um arqueólogo procurava ajudantes para sua escavação. Aqui em Jerusalém e em todo Israel, conhecido como Terra Santa pelo resto do mundo, sempre estava se investigando ou escavando algo. O negócio era lucrativo, os investigadores da antiguidade pagavam bem e quase sempre em dólares. Três, quatro meses de trabalho duro e se obtinha o salário de todo um ano. Deste modo, Gideon tinha tempo para si no resto do ano e para a sua grande paixão, as mulheres que habitavam no bairro cristão. Com certeza não era rico, não possuía uma suculenta conta bancaria, não dirigia nenhuma veículo luxuoso e radiante. Morava no ático de uma habitação, no assentamento ao norte do bairro cristão, à sombra da Nova Porta. Tinha uma velha picape Toyota, onde armazenava todas as suas ferramentas em uma caixa com dupla fechadura. Pagava o aluguel pontualmente e tinha o suficiente para viver. Estava de pé há quatorze horas e estivera trabalhando nas escavações da autoestrada de Jericó. Agora, desejava uma cerveja bem gelada e um bom sono até que tivesse que voltar às escavações sob a Porta do Leão à tarde, quando começaria seu novo turno. Justo agora havia muito movimento ali. Mas já havia se acostumado ao longo dos anos. Sempre que os arqueólogos encontravam algo importante tinham que fazer turnos extras e trabalhar, às vezes, até a extenuação. O garçom colocou a cerveja à sua frente e encheu o copo. Gideon agradeceu e esvaziou o copo de um gole. — Está com sede, comentou o pesado homem ao seu lado no balcão. Gideon radiografou o homem que parecia um mercenário da Rua Ben-Yehuda e não podia ocultar seu ligeiro acento da Europa do Este. — Estive trabalhando até agora e engoli muito pó seco, respondeu Gideon. O estranho fez um gesto ao garçom. — Convido-o a outra rodada, disse e estendeu a mão a Gideon. Duvidou um pouco, mas finalmente a apertou. — Solomon Pollak se apresentou o desconhecido. — Sou comerciante e às vezes também preciso trabalhar até tarde, ou talvez seja melhor dizer melhor cedo. Gideon olhou através da porta aberta e observou como a manhã despertava. — Sim, o mais correto seria dizer cedo, respondeu. O estranho não lhe era antipático. Ainda que estivesse cansado e realmente não tivesse vontade de conversar, começaram a falar disso e daquilo, de Deus e do mundo, da situação, dos políticos, do país e de todos os segredos que ainda se ocultavam, acompanhados de um copo cerveja que o desconhecido mandava encher, sempre que Gideon esvaziava o seu. Solomon Pollak lhe contou que nascera realmente em Lodz e que só há quatro anos havia ido viver em Israel. Na Polônia era redator de um pequeno jornal e aqui em Israel escrevia sobre as novidades da vida. — Achei que era comerciante, disse Gideon com palavras que cada vez vocalizava pior como consequência do álcool.

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— Sim, eu sou comerciante, afirmou Solomon Pollak. — Não comercio com objetos, meu negócio são as novidades e, na maioria das ocasiões, elas pagam bem, se você sabe a quem podem interessar. — Novidades? Repetiu Gideon. — E pode se viver disso? — Por exemplo, nos acampamentos da Porta do Leão, explicou Pollak, — Foi construída uma grande cerca ao redor. O diretor do projeto, o professor Raful, acabava de fazer umas declarações em uma reunião de imprensa, que despertou o interesse de certas pessoas e agora se calou. A grande cerca impede o olhar dos curiosos. Existe uma grande recompensa para aqueles que informem sobre os avanços das escavações. Gideon olhou para o homem com os olhos bem abertos. — E não é ilegal se um dos trabalhadores da escavação fale, adicionou Solomon Pollak. — É o destino de Deus, balbuciou Gideon com um sorriso. — Casualmente eu trabalho nesta escavação. Inclusive me atreveria a dizer que sou a mão direita do professor. Mas não vou falar. Tudo tem um preço. Já sabe, oferta e demanda. Solomon Pollak introduziu a mão no bolso de seu casaco e apanhou um maço de notas. Quinhentos dólares. — Isto seria só o inicio, disse secamente. — E cem dólares por cada informação adicional. Gideon umedeceu os lábios enquanto Pollak segurava as notas debaixo de seu rosto. — O que preciso fazer? Perguntou. Sua voz se aclarou como se simplesmente tivesse jogado fora todos os copos de cerveja. — Já disse, reafirmou Pollak. — Trata-se de informação. Nada mais nem nada menos. Gideon pensou só um instante antes de agarrar as notas. — O que querem saber seus clientes? — Comecemos com a seguinte resposta: Tudo o que foi descoberto até agora. Uma hora mais tarde Gideon regressou para casa com cinco notas de cem dólares no bolso. Estava satisfeito. Amanhã se encontraria com Pollak à mesma hora. Não havia nada de mal nisso. Com certeza não seria o único que falava sobre as escavações da autoestrada de Jericó.

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CAPÍTULO 6 WIESKIRCHE EM STEINGADEN, BAVIERA

— É incrível, exclamou o pároco de Fussen. Mostrara-se afetado depois de que Bukowski se identificara como policial. — Minha governanta me contou o que aconteceu. Você já deve saber que tão só há três semanas me encarrego desta paróquia, depois que Padre Johannes sofreu aquele terrível acidente. A Diocese me indicou temporalmente para os serviços desta igreja. É espantoso se ver diretamente relacionado com este cruel assassinato. Josef se ocupou desta igreja durante mais de trinta anos e agora entregou sua vida a ela. Bukowski apontou um banco e sentou. Lisa estendeu a mão ao pároco. Olhando para Bukowski disse: — Desculpe-me, preciso informar os serviços responsáveis sobre nossos achados. Bukowski concordou e silenciosamente seguiu Lisa com o olhar enquanto sua figura desaparecia entre as sombras da igreja. — Mmm... Tossiu o cura. — Para onde levaram o corpo de Josef? Devo começar os preparativos do enterro. — Não tão rápido, senhor pároco. Ainda está com o legista. Creio que em um ou dois dias a promotoria autorizará a sua livre disposição. O cura concordou com compreensão. — Senhor pároco, continuou Bukowski. — O que pode ter aqui de interessante que valha a pena roubar? O pároco pensou por um momento. — Além das taças de ouro, a custódia feita em folhas de ouro e algumas valiosas joias. Com certeza existem algumas esculturas que podem serem atraentes para os ladrões. A escultura do Salvador Açoitado é conhecida no mundo inteiro e tem mais de trezentos anos. Existem outras figuras de santos no altar. Não nos enganemos, o mundo está cada vez pior e cheio de ímpios. Colecionadores criminosos e amantes destas figuras pagariam uma fortuna por elas. Por isso nosso querido Josef fechava a igreja quando escurecia. — Não tem sistema de alarme? — Não que eu saiba, respondeu o pároco. — Josef e o esposo da faxineira, o senhor Dischinger, se encarregavam da segurança. Desde que os conheço, e conhecia Josef há muito tempo, sei que sempre foram muito cuidadosos e que protegiam a igreja como se fosse sua própria casa. Bukowski apontou a porta lateral da igreja. — Os assassinos entraram na igreja por essa porta. O pároco seguiu a direção que apontava o indicador de Bukowski. — Devem ter pensado que por este lado poderiam roubar sem serem incomodados. — Isso é o estranho, prosseguiu Bukowski enquanto se colocava de pé. — A porta não estava fechada. Não encontramos nenhum indício de arrombamento. O pároco franziu fortemente o cenho e seu confuso olhar cravou no superior da Polícia Judicial. — Muito estranho, pensou em voz alta. — Nosso querido Josef e o senhor Dischinger eram muito meticulosos, levavam seu trabalho muito a sério. Os dois homens se dirigiram lentamente à entrada lateral. — Existem mais chaves? O pároco apertou seu molho de chaves. — Josef tinha uma, os Dischinger utilizam outra, eu tenho uma e a quarta que ficava na paróquia, não existe mais. — Quando seu predecessor sofreu o acidente, levava a chave consigo? O pároco apontou a pequena chave em seu chaveiro. — Esta era a chave de Padre Johannes. A polícia me entregou poucos dias do acidente. — Poderia me emprestar sua chave para fazer algumas verificações? O pároco concordou. — Claro, se isso ajudar a esclarecer os fatos.

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Quando chegaram à entrada lateral, o pároco examinou a porta da qual haviam desmontado a fechadura. Bukowski notou a sua inquietação. — Precisamos retirar a fechadura. Deveria instalar uma nova, orientou enquanto abria a porta. Seus passos retumbavam ao caminhar pela fria igreja. O cura olhou ao redor e se dirigiu diretamente ao altar. Ajoelhou-se e se santificou brevemente. Quando pisou os degraus que levavam ao altar seu olhar caiu sobre o desenho do perfil do assassinado e da mancha de sangue. Santificou-se de novo e murmurou um par de incompreensíveis palavras. — Pode nos dizer se falta algo? Perguntou Bukowski. O pároco assentiu. Ficou parado em frente ao altar e abriu o santuário de ouro. Após uma exaustiva verificação se dirigiu à sacristia. Bukowski se sentou com um suspiro na primeira fila de bancos e esperou que o cura acabasse com a checagem do altar e da sacristia. O pároco regressou até ele com um gesto de negação. — Nada, confirmou. — Não falta nada, tudo está em seu lugar. Bukowski assentiu. — Isso concorda com nossa teoria de que os assassinos fugiram quando foram surpreendidos. O pároco se sentou junto a Bukowski que se moveu ligeiramente para um lado. — É espantoso. Nosso querido Josef assassinado na casa do Senhor, o acidente sem sentido do Padre Johannes, e, além disso, a só uns quilômetros daqui, no monastério de Ettal, um louco assassinou um irmão beneditino. Com certeza ouviu falar disso. Parece como se Deus tivesse se afastado dos homens. — Sim, conheço o caso do assassinato do monastério, respondeu Bukowski. — Também me encarrego desse caso. — Os caminhos do Senhor, às vezes, são insondáveis e tortuosos, manifestou o cura. — Sabia que Padre Johannes também pertencia à Ordem dos Beneditinos, assim como o assassinado de Ettal? Bukowski aguçou os ouvidos. — Conheciam-se? — Inclusive trabalharam juntos durante muito tempo na Agência Eclesiástica para a Antiguidade antes que Padre Johannes se retirasse e se encarregasse desta localidade. — Trabalharam juntos? Repetiu Bukowski. — Padre Johannes era especialista em escritos antigos hebreus e armênios. Esteve trabalhando cinco anos em Israel e no Oriente Médio. Bukowski bateu com a palma da mão na testa. — O que aconteceu? Perguntou assustado o pároco. Bukowski se levantou. — Muito obrigado, senhor pároco. Ajudou-me muito. Bukowski se apressou a sair da igreja e quase se chocou com Lisa Herrmann que estava de pé na frente da porta. — Onde estava? Gritou Bukowski para a sua companheira. — Mau humor? Defendeu-se Lisa. — Estava falando com o senhor Dischinger, o marido da faxineira. Acaba de chegar. Pedi a ele que me mostrasse a chave da igreja. Estão disponíveis todas as chaves, exceto a do cura. Mas acho que isso não lhe interessa, se vai deixar o caso.

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Quer que chame Garmisch e diga aos companheiros da inspeção que venham aqui? Bukowski colocou a mão no bolso de seu casaco e apanhou a chave que havia lhe dado o cura e que guardara em uma pequena bolsa de plástico. — Este caso é nosso, respondeu Bukowski. — E da próxima vez me conte de todas as diligências que realizou. Ou lhe parece bom que façamos a mesma coisa duas vezes? — O quê? Perguntou Lisa confusa. — Refiro-me as chaves, não entendeu? Lisa olhou perplexa para Bukowski. — Mas, o que aconteceu? Bukowski lhe mostrou a chave. — Leve-a ao laboratório para que a analisem. Quero saber se fizeram uma cópia dela. — E o que você vai fazer? Perguntou Lisa sarcasticamente. — Vou me ocupar do acidente do Padre Johannes. JERUSALÉM, ACAMPAMENTO NA AUTOESTRADA DE JERICÓ

Sobre o buraco número quatro, onde no princípio supunham que seria a cozinha ou o refeitório da guarnição romana e finalmente se descobriu a tumba do cavaleiro, fora levantada uma enorme tenda fechada em todas as suas laterais. Chaim Raful havia mandado instalá-la. Não tanto porque temesse que a chuva impedisse a realização das tarefas, mais sim para proteger a escavação do restante dos curiosos ajudantes. Na cripta só trabalhava um selecionado grupo. Ajudantes escolhidos considerados de confiança. Instalou-se uma grande polia com uma força tratora de quase doze toneladas para poder elevar a pesada tampa do ataúde. Chaim Raful não se separava da equipe de Hawke. Apenas podia dissimular a emoção e curiosidade. Impaciente esperava que a tampa descobrisse finalmente a tumba. Já era quase meio-dia e o calor se concentrava sob a tenda. Um grande caminhão esperava junto à escavação. Jonathan Hawke havia analisado bem a sepultura. As capas de pedra, com uma profundidade de até três metros, podiam se classificar cronologicamente na mesma época da qual procediam o restante dos objetos romanos. Mas tudo estava misturado. A cripta fora construída sob a guarnição à quase três metros de profundidade e, por sua vez, se estendia por outros dois metros de profundidade. Jonathan Hawke imaginava o que havia acontecido aqui. Há apenas mil anos levantaram o chão para erigir a tumba do cavaleiro. Posteriormente a terra se moveu e misturou todo. Do ponto de vista estratigráfico isso não era incomum. Este tipo de fenômenos acontecia com frequência quando o chão continua em movimento ou quando se escava para construir novas fundações séculos mais tarde. As capas estratigráficas da terra também se movem entre si durante os séculos. Sobretudo nas proximidades das grandes cidades que não paravam de crescer e onde seguiam construindo novos edifícios. — Pronto, notificou Aaron, retirando o absorto professor de seus pensamentos. Jonathan Hawke entrou no buraco e observou a grossa corda de aço ligeiramente tensionada. — Alegro-me de ter chegado a tempo, disse Tom às costas dos dois arqueólogos. Gina e Jonathan se viraram imediatamente. — Tom! Exclamou Hawke surpreso. — Pensava que estava na cama, onde deveria ficar em repouso. Tom sorriu. — Yaara e Moshav foram até a cidade, e eu estou muito melhor. Quero saber de uma vez por todas que está acontecendo aqui. — Queremos abrir o sarcófago e inspecionar a sua descoberta, respondeu Hawke.

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— Mas não acha que seria melhor subir o sarcófago e analisá-lo na sua totalidade dentro do laboratório? Aqui podemos danificá-lo. Hawke deu de ombros. — Chaim quer que seja assim e ele é o diretor deste projeto. Eu sou responsável só pela execução técnica de suas decisões. — Não pode esperar, levaria muito tempo, adicionou Gina. — Então, comecemos já, decidiu Jonathan Hawke, e fez um sinal para Aaron. FRIBURGO, SUÍÇA, CONVENTO SAINT-HYACINTHE DOS DOMINICANOS NA RUE DO BOTZTET

Até onde levará aos seres humanos este mundo liberal? Inclusive no Santo Oficio se encontram almas liberais que lentamente se propagam como um câncer. Se a Igreja continuar sorrindo para estes inimigos e não lutar contra eles de corpo e alma, então algum dia eles nos destruirão. O Cardeal Borghese continuava sem poder entender a ligeireza com a qual Padre Leonardo soubera das notícias das escavações em Jerusalém. Como secretário do Santo Oficio, tinha o dever sagrado de fazer todo o possível para evitar os possíveis perigos à Cúria, à fé e a alma dos crentes. E, o que respondia Padre Leonardo? Que se ocuparia disso, mas que não via perigo algum nos trabalhos de Chaim Raful. A Igreja já havia sobrevivido a ataques piores. Sim, certo, havia sofrido tormentas mais fortes, mas para assegurar sua continuidade tivera de pagar um elevado preço em sangue. Chaim Raful, este ateu, este conspirador judeu, que fazia o possível para atacar a Igreja romana ali aonde ela é mais sensível. Este demônio em forma de homem voltara a abrir uma grande brecha entre os crentes, dos que ainda ficaram, exceto os mais desesperados. E Padre Leonardo simplesmente sorri e rechaça o ataque deste inimigo da Igreja com um só gesto de sua mão. Como se nós pudéssemos retirar Raful de cima como se retira uma mosca. O Cardeal Borghese fervia por dentro cada vez que voltava a pensar nisso. Em que se convertera esta Igreja? Cada vez existem mais bancos vazios nas missas e cada vez menos pessoas se dirigem à casa de Deus para se entregar ao Senhor. E a que se dedicam os altos cargos em Roma? A dormir e a continuar sonhando com suas ilusões de poder e influência enquanto que pessoas como Raful ou este alemão, Drewermann, fazem todo o possível para derrubar a casa que Pedro levantou há dois mil anos. O Cardeal Borghese estava sentado em silêncio em seu escritório, com o olhar perdido dirigido à janela onde se via um chuvoso dia cinzento. Uma ligeira batida na porta o fez voltar ao presente abandonando seus lúgubres pensamentos. — Sim! Pronunciaram bruscamente seus lábios. Um irmão dominicano com uma túnica de monge abriu a porta. — Sua eminência, Monsieur Benoit já chegou e o espera na biblioteca. O cardeal se levantou. — Obrigado Jacques, já estou indo. Prepare-nos um chá. Com certeza Monsieur Benoit está cansado. Precisa uma cela para dormir, se encarregue disso. O dominicano fez uma reverência antes de fechar a porta. O Cardeal Borghese colocou a sotaina. Por fim poderia falar com alguém com quem pudesse dividir suas preocupações.

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CAPÍTULO 7 WEILHEIM EM PFAFFENWINKEL, DELEGACIA DE POLÍCIA, MEISTERANGER

— Aconteceu no meio da noite, informou o jovem policial. — Segundo as provas que recolhemos, estava se dirigindo de Rottenbuch para Steingaden pela autoestrada. Num campo de arroz, após um pequeno bosque, o carro saiu da autoestrada, bateu numa árvore, num muro e em seguida capotou. Um motorista de ônibus o descobriu na manhã seguinte. — Por que saiu da autoestrada? Perguntou Bukowski ao policial, enquanto olhava as fotos do lugar do acidente. — Temos impressões de uma força centrífuga, afirmou o funcionário. — Imaginamos que tentou evitar atropelar algum animal e perdeu o controle do veículo. Às noites, numerosos cervos passam por ali. — Não encontraram testemunhas? — Ninguém presenciou, respondeu o policial. — O acidente deve ter sido em torno da meia-noite. — Como chegaram a determinar a hora? Perguntou Bukowski. O funcionário olhou entre as atas do caso. — O pároco vinha de uma reunião em Schongau. Havia conversado com membros da paróquia dali para tratar de um evento que seria celebrado na Wieskirche. A reunião terminou em torno das onze e meia. Então o pároco foi de carro dali para casa. Para esta distância se necessitam aproximadamente de uns vinte e cinco minutos. O presidente do Conselho da paróquia o acompanhou até seu carro e ali se despediu. Bukowski apanhou um mapa. — Tem algo que não entendi, disse. — Por que foi por Peiting e não pela autoestrada de Fussen que leva diretamente a Steingaden? É muito mais rápido. O policial uniformizado deu de ombros. — Deveria ter seus motivos. — Foi feita autópsia? O funcionário da polícia afirmou serviçalmente. — O legista o viu. Lesão cerebral traumática foi o diagnóstico. Isto concorda com nossos indícios. Alcançou a árvore pela lateral e provavelmente bateu a cabeça no para-brisa do automóvel. — O que quer dizer com "o viu"? Perguntou Bukowski. — Foi feita uma autópsia não é? O funcionário titubeou. — Não havia nenhum indício da culpa de terceiros e o tipo de lesão era o habitual neste tipo de acidente. Contra um impacto lateral não existe proteção suficiente e o automóvel não era muito novo. Um velho Opel sem proteção contra impactos laterais e sem airbag. — Quero saber se foi feita uma autópsia ou não, repetiu imperativamente Bukowski. — Digamos que foi feito um exaustivo exame do cadáver, replicou o policial. — É o habitual quando não existe nenhuma dúvida da causa do falecimento. A promotoria aprovou. Isto evita aumento de custos desnecessários, nosso legista é um profissional com muita experiência. — Isto quer dizer que o pároco pode ter se lesionado de qualquer outro modo, balbuciou Bukowski. — Foi um acidente, disso não há dúvida, repetiu rotundamente o funcionário. — O pároco se encontrava ainda preso ao cinto de segurança. Este tipo de acidente se repete nas áreas de bosque. De repente, aparece um cervo na frente da luz dos faróis, o motorista se assusta e tenta se esquivar do animal, perdendo o controle e inclusive capotando. Com má sorte, o pároco se esquivou do animal pela esquerda e se chocou contra a árvore. Se tivesse ido para a direita, não teria acontecido nada mais do que um simples amassado.

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— Entendo. Poderia se pensar que um pároco tivesse um apoio especial nestas situações, respondeu Bukowski. — O legista que examinou o cadáver, onde posso encontrá-lo? O policial olhou para Bukowski com os olhos muito abertos. — O caso está fechado, respondeu. — Talvez para você, querido companheiro, mas sou eu quem tem que decidir se preciso considerar este caso fechado ou não. E levarei o processo comigo, se não tiver nada contra. Ou é necessário que fale com seu chefe? Por uns instantes sentiu certa resistência, finalmente ele engoliu saliva e colocou o processo sobre a mesa. Bukowski se levantou. — Poderia me levar rapidamente à estação de trem? Perguntou. — A estação de trem? Falou surpreso o policial. — Minha colega me deixou aqui. Ela precisava do carro, por isso voltarei de trem para Munique. — Não se preocupe, vamos levá-lo até lá, respondeu o policial com fingida amabilidade. JERUSALÉM, ACAMPAMENTO NA AUTOESTRADA DE JERICÓ

Agora, por fim, havia chegado o momento de elevar a tampa da tumba. Tinha um aspecto firme e sólido, sem nenhum tipo de fissura. Mas não podia se descartar que a placa de pedra com dois metros de longitude, um metro de largura e quase dez centímetros de grossura pudesse quebrar com a mínima força. Jonathan Hawke convenceu ao impaciente Chaim Raful, de tomar todas as medidas de segurança necessárias para poder elevar a placa de pedra em uma peça. No caminhão tudo estava preparado para colocar de forma segura o artefato. As mantas macias, as placas de espuma de polietileno e o acolchoado estavam bem colocados em seu lugar. Aaram Schilling segurava na mão o comando à distância da polia e estava à espera de que Gina Andreotti lhe desse o sinal para subir. Quando, da primeira vez, se elevou ligeiramente a tampa para introduzir uma rede de tecido metálico unida ao gancho da polia, Jonathan Hawke pôde dar uma fugaz olhada no interior do sarcófago. Sob a luz da lanterna se desenhava um reluzente metal escuro, mas a brecha de uns três centímetros só lhe permitiu imaginar o que se encontrava no ataúde. Um olor a velho lhe chegou ao olfato. Os dois trabalhadores que fixaram o tecido metálico no gancho, verificaram uma vez mais a fixação e fizeram um gesto de afirmação se dirigindo a Gina. O ruído do gerador dissipava cada palavra. Gina levantou a mão para indicar que a ancoragem resistia. Aaram pressionou para baixo a pequena tecla amarela e, em câmera lenta, foi se elevando a tampa do sepulcro, centímetro a centímetro. Os rostos, cheios de assombro, olhavam para o sarcófago que em poucos segundos revelaria um segredo oculto durante mil anos. Um dos ajudantes presentes enfocou uma lanterna para o interior da tumba. — Não pode ser verdade, suspirou Chaim Raful. Definitivamente esta observação pouco pode ser escutada por causa do forte barulho do gerador. No sarcófago se encontrava um cavaleiro. Sua pele, que parecia um escuro pedaço de couro, havia adotado quase a mesma cor que a sua armadura de ferro. O cavaleiro tinha as mãos cruzadas à altura do peito. A armadura lhe cobria a parte superior do corpo e das pernas, assim

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como uma camisa de malha metálica. Na cabeça tinha um toucado sob o qual assomava um longo cabelo dourado. À direita do cadáver jazia a lâmina de uma espada cujo punho de madeira sucumbira ao passar dos séculos. À sua esquerda se encontrava um recipiente de argila, similar a uma alta e delgada ânfora que abarcava desde o joelho do cavaleiro até a cabeça. — Fantástico! Gritou Gina. Jonathan Hawke concordou enquanto examinava a tampa da tumba que já pendia a uns dois metros e se afastava pela margem esquerda da cripta. O resto fluiu sem problemas. Aaram dirigia o braço giratório da grua diretamente sobre o caminhão onde quatro ajudantes receberam a tampa e a orientaram para que aterrissasse suavemente sobre a acolchoada base. Na câmera aberta da tumba reinava um atônito silêncio. Aaram desligou o gerador e desceu à cripta pelas escadas. Ficou de pé junto a Tom. — Isto é incrível, disse em voz baixa para não interromper a reflexão. — Não se corrompeu e está muito bem conservada. Tom concordou. — O quente e salgado ar do interior, secou o seu corpo e o mumificou. Um emaranhado de fibras envolvia o corpo do morto. — O abrigo não resistiu à passagem do tempo, comentou Tom ante o olhar curioso de Aaron. — A armadura está furada e oxidada. Precisamos ter muito cuidado quando a separarmos do corpo, pode ser que se desfaça em pó. — Quanto pesará a tumba aproximadamente? Tom observou de novo o sarcófago. — Estimo que próximo de uma tonelada. — E, que tipo de vaso é esse que temos à esquerda do cadáver? Tom deu de ombros. O professor Chaim Raful que se encontrava ao lado de ambos se dirigiu a eles. — É um recipiente de argila, uma vez encontrei algo parecido, explicou. — Um tipo de local de armazenagem de várias coisas para a longa viagem ao paraíso. — Quer dizer que lá dentro podia ter alimentos? Em um cristão, professor? Anotou Tom. — Sim, pode ser, respondeu Raful e pisou na borda da tumba. Apanhou um pedaço de madeira que se encontrava junto à tumba. Com cuidado retirou os restos escuros que haviam servido antes como abrigo para o cavaleiro. Apareceu uma parte de um disco de argila. Com cuidado, Chaim Raful liberou o aplique. Parecia-se com a peça que há pouco havia apresentado à imprensa em Telavive. Estava quebrada pela metade e ele juntou as duas metades. Os presentes soltaram um forte murmúrio. O disco mostrava, na parte superior, o céu dividido em dois como se tivesse aberto as suas portas. Uma figura repousava sobre uma nuvem com uma longa vara na mão. Debaixo desta representação, em uma montanha, uma pira expulsava as chamas que o céu engolia. — Rápido, um pincel! Ordenou Chaim Raful. Gina se apressou e lhe deu um pincel com uma suave cerda. Chaim Raful esfregou o pincel cuidadosamente sobre o pequeno prato redondo. Na pira podia se ver uma figura com as mãos alçadas para o céu. — Esta é a prova definitiva, disse Chaim Raful em voz alta. — Esta figura é Jesus que se queima em uma fogueira. Não ascendeu aos céus. Seu corpo nunca ficou em uma tumba já que o queimaram. Jonathan Hawke se dirigiu para o lado de Raful e lançou um olhar inquisidor.

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— Sabia o que encontraríamos aqui, disse com tal segurança que não deixava espaço a nenhuma réplica. Chaim Raful sorriu. — Roma não gostará nada do que tenho em mãos. JERUSALÉM, BAIRRO CRISTÃO JUNTO À PORTA NOVA

Gideon olhava ao redor e esperava impacientemente. Onde estaria Pollak, ele havia lhe prometido que o esperaria aqui. Ainda estava impressionado por todo o acontecido durante a sua jornada de trabalho nas escavações. Havia olhado no rosto de um homem enterrado há 878 anos em Jerusalém. Um cavaleiro que entregou sua vida a uma fé, que cada vez era mais questionável e polêmica após o achado do prato. Com certeza que sempre existiram pessoas que duvidaram da ressurreição de Jesus. Crer não significa conhecer. Mas se o corpo de Jesus de Nazaré foi realmente queimado pelos romanos, como pode ter se levantado da tumba? Todos os evangelistas afirmavam em seus escritos que Jesus, o filho de Deus, foi enterrado e aos três dias ressuscitara. Mas, como poderia ter acontecido isso se seu corpo foi calcinado pelas chamas e suas cinzas se dispersaram pelo vento em todas as direções? Solomon Pollak teria que coçar bem o bolso se queria ter esta notícia. Gideon olhava a seu ao redor. As luzes da autoestrada iluminavam uma cidade, aparentemente pacífica, que não havia se acalmado durante milhares de anos. Cristãos, muçulmanos, armênios, judeus, turcos. Jerusalém era um cadinho de culturas. Gideon, judeu de nascimento, havia se afastado cada vez mais da sua religião. Pensava em Chaim Raful, o irascível professor da Universidade de Bar-Ilan. O achado do sarcófago provocaria um grande mal-estar entre os cristãos. Raful se alegrava muito com isso. Tentava ocultar a satisfação, mas Gideon que estava junto dele, podia notar o regozijo e o secreto prazer do professor. — Olá Gideon, disse uma forte voz que o retirou de seus pensamentos. — Um duro dia de trabalho? Gideon se virou e olhou a sorridente expressão de Solomon Pollak. — Dez horas de duro trabalho, respondeu Gideon. — Mas vai se interessar muito pelo que aconteceu hoje nas escavações. Solomon tentou se mostrar indiferente, mas Gideon notou, da mesma que naquela manhã havia sentido na pele do professor Raful, que o seu recém-conhecido morria de curiosidade. — A notícia que vou lhe dar custará bem mais, prosseguiu Gideon. — O que pode ser tão interessante? — Digamos que pode ser o final de uma velha lenda contada há dois mil anos neste país e em quase todo o mundo. — Do que está falando? Gideon sorriu. — Do que contam os que creem no filho de Deus. — Quanto? Perguntou Solomon. — Mil! Solomon rechaçou com a mão. — Está louco! Gideon se virou. — Bom, então nada. Com certeza que existirão outros que se interessarão mais por minhas notícias. Apenas havia dado três passos quando Solomon o puxou pela camisa. — Aprendeu muito rápido, disse Solomon com uma obstinada expressão. — Quinhentos.

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— Mil, sem negociações, replicou Gideon. — Talvez esta seja a última notícia que lhe poderei trazer dos acampamentos. Solomon olhou Gideon contrariado, suspirou e introduziu a mão no bolso de seu casaco. Quando voltou a aparecer a sua mão, tinha um punhado de notas dentro. — Novecentos, regateou um pouco mais. — Não tenho mais. Espero que o relato mereça cada um dos cêntimos que estou pagando. Gideon contou as notas e as guardou. Então começou a narração sobre a tumba e os achados do sarcófago, do cavaleiro mumificado, do prato quebrado e da longa ânfora que acompanhava o morto. — Está me contando tudo não é? Perguntou Solomon uma vez que Gideon concluíra seu relatório. — Juro que é verdade tudo o que lhe contei, afirmou Gideon. — E para onde levaram a tumba e seu conteúdo? Gideon deu de ombros. — Talvez para o museu Rockefeller ou para Telavive. Ali, o professor tem um laboratório. Mas não me disseram. Solomon pensou por um momento. — Dois mil dólares se descobrir, mas quero saber até amanhã à noite. Gideon sorriu. — Pode confiar em mim. Veremos-nos amanhã aqui, em frente à porta, à mesma hora. Solomon concordou. — Estarei esperando.

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CAPÍTULO 8 MUNIQUE, UNIDADE DE CRIME ORGANIZADO DA BAVIERA, BRIGADA 63

Stefan Bukowski estava sentado atrás de sua mesa e olhava através da janela aberta. Contra o seu habitual costume, havia fechado a porta que conectava sua sala com a de sua colega Lisa Herrmann. A torre da catedral da cidade expunha seus reluzentes telhados ao céu, mas Bukowski não estava observando. Do exterior chegava o movimento diário da vida da cidade, mas ele pouco percebia. Pensava na época quando seu escritório se encontrava sobre os telhados de Haia, dividido com Maxime de Paris e Willem de Rotterdam no Centro de Coordenação da Europol. Então seu trabalho era muito mais fácil, não precisava examinar nenhum corpo ensanguentado, só precisava mexer com papéis. Solicitava as diligências às áreas responsáveis. A maioria dos crimes de evasão de divisas era na Alemanha ou em algum estado membro da União Europeia. No princípio só se encarregava de analisar as diligências e colocá-las à disposição das autoridades alemãs no estrangeiro ou, inversamente, para as autoridades estrangeiras na Alemanha. Passara dez anos lá e trabalhara no modelo de uma organização policial europeia. Mas na maioria das ocasiões o resultado fora insatisfatório, já que os interesses nacionais dos estados membros impediam uma aberta e intensa colaboração. Ainda irão se passar gerações até que possa se falar de uma verdadeira cooperação. Apesar de tudo, Stefan Bukowski se sentira bem na Europol e se arrependera mais de uma vez de seu retorno à Alemanha. — Agora toca aos mais jovens demostrar seu valor, sugeriu seu chefe ao se despedir. O Ministério do Interior da Baviera simplesmente não havia prorrogado sua comissão de serviço e já o considerava muito velho para ser transferido à Europol. Deste modo, precisou retornar a Munique e se encarregar da direção da brigada 63. Não porque ele tenha se esforçado para isso, mas porque era o único posto disponível que correspondia à sua experiência. Até há um ano, só precisava ficar sentado em sua mesa e designar os casos aos seus colegas, acompanhar seu trabalho e dirigir a seção. Estava liberado do trabalho de campo, já que se aplicava o velho lema: "Quem dirige deve estar livre de trabalho". Quando aconteceu a grande reforma que sofrera a polícia, onde se desmontaram a maioria dos comandos inferiores e médios, precisou voltar para as investigações nas ruas. E justo neste momento transferiram Lisa Herrmann para aquela brigada. Uma mulher emancipada, com a ambição e a tenacidade de um corredor de maratona. Dia após dia pisava em seus calcanhares, sabia tudo e, com frequência, fazia sentir que seus métodos não a convenciam. Ainda lhe restavam quatro anos. Stefan Bukowski fez uma careta, se levantou e fechou a janela. Haviam assassinado brutalmente o padre no monastério de Ettal. Crucificado, torturado e apunhalado. O que saberia este homem? O que queriam dele? Acaso os torturadores eram pessoas horrendas que se divertiam com o sofrimento da vítima? Por que ninguém do convento se dera conta deste fato? O padre deve ter gritado quando o ferro em brasa selara seu corpo ou quando lhe rasgaram o peito com o afiado punhal. O relatório da autópsia deixava tudo muito claro. O legista estimou em quase duas horas o sofrimento da vítima. Alguém bateu à porta. Bukowski emitiu um vacilante "sim?". Lisa Herrmann entrou na sala. — Não consegui o pedido para a exumação, informou Lisa. — A promotoria não considerou as provas suficientes. Acham que são simples suposições e não existem indícios tangíveis para

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isso. Talvez você possa voltar a tentar. O promotor responsável se chama Flegler. Bukowski olhou-a com olhos inquisidores. — Você também não acredita que o pároco de Wieskirch foi assassinado? Com o olhar para baixo ela respondeu: — Com o que aconteceu nos últimos dias, tudo é possível. Se simplesmente tivéssemos uma prova... Mas não de nenhuma. Bukowski segurou com as suas mãos a pasta do processo que se encontrava no centro de sua mesa. — O padre de Ettal morreu após duas horas de martírio e ninguém do monastério ouviu alguma coisa. Ainda que quisesse, não consigo acreditar. — Acha que seus irmãos o assassinaram? Bukowski franziu profundamente o cenho. — Não é impossível, mas não temos nenhum indício. Estou completamente certo de que sabem muito mais do que nos contaram. — Devo iniciar uma nova investigação? — Não, eu mesmo farei. Algo não está certo, pressinto isso, interrompeu Bukowski. JERUSALÉM, BAIRRO CRISTÃO, PRÓXIMO DA CÚPULA DA ROCHA

Yaara repousava carinhosamente no peito de Tom e o olhava no rosto com seus olhos escuros. Seu longo cabelo negro ondulado descansava sobre seu regaço. O entardecer havia chegado em Jerusalém e cada vez mais se acendiam as luzes na cidade. A Cidade Santa entrava pacificamente no crepúsculo. Yaara e Tom haviam trocado a sua triste tenda por um aposento num hotel no bairro cristão. Estavam sentados na varanda e na frente deles se levantava imponente a Cúpula da Rocha, com sua abóboda dourada profusamente iluminada. Tom estava sentado em uma cadeira desmontável e dava longas tragadas em um grande puro. — Como cheira mal! Exclamou Yaara. — Raful me presenteou por ter encontrado o cavaleiro. Disse que é um autêntico Havana. Só existe um vendedor aqui em Jerusalém que o consegue. — De qualquer maneira cheira mal, atacou Yaara. Tom murmurou algo incompreensível antes de apagar o puro no cinzeiro. Reclinou-se e olhou para o céu. — É tudo tão pacífico aqui, disse Yaara com voz profunda. — Oxalá fosse sempre assim. Tom se inclinou para ela e lhe deu um beijo nos lábios. Ela pousou as mãos ao redor de seu pescoço e o abraçou fortemente. —Não conseguiria suportar que lhe acontecesse algo quando caiu dentro da cripta. Amo-o. Tom a beijou de novo. — Eu também a amo Yaara e gostaria que este instante nunca acabasse. — Por outro lado, o acidente levou a uma grande descoberta para a arqueologia, brincou Yaara. — O que sabe sobre os templários? Tom olhou o azul do céu. — Os cavaleiros não são precisamente a minha especialidade. Tratava-se de uma ordem secreta muito polêmica no seio da Igreja. Até onde eu conheço, chegaram a ser muito poderosos junto ao papa da época e quase todos morreram nas mãos de assassinos contratados numa sexta-feira treze. Diz-se que vieram a Jerusalém, movidos pela fé, para encontrar um tesouro: o Santo Graal ou a Arca, mas isso não são mais do que especulações. Em todo caso, desde então se deve ser precavido na sexta-feira treze para não ter má sorte. — O professor sabe de algo mais? — Raful? — Não, me refiro a Jonathan. Tom deu de ombros.

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— Que eu saiba ele é especializado em história romana. Uma estrela fugaz cruzou o céu desaparecendo pelo Este. — Peça um desejo, disse Tom. — Não diga nada, desfrutemos deste momento, respondeu ela. Ele a puxou para si. — Precisei escavar por quase todo o mundo até encontrá-la. Não vou lhe soltar nunca mais. O crepúsculo deu passagem à noite mas em Jerusalém nunca escurecia totalmente. Por todos os lados havia refletores que iluminavam os incontáveis monumentos e igrejas que se espalhavam por toda a cidade. Yaara se soltou suavemente dos braços de Tom. Só vestia uma camisa que lhe chegava até as coxas, deixando descobertas suas longas e morenas pernas. Tom lançou um suave assobio enquanto ela se dirigiu para o quarto. — Agora entendo por que há dois mil anos deixavam os romanos loucos, disse. — As escravas da Judéia eram muito desejadas. Yaara se virou. — Quer que seja escrava de você esta noite? Tom concordou. — Isso você queria, respondeu com uma impetuosa risada. Tom estendeu seus braços. — Venha aqui. Só desejo abraçá-la sem parar. Estreitou-a fortemente e a beijou, não queria que esse momento tivesse fim. JERUSALÉM, MUSEU ROCKEFELLER, RUA SULEIMAN

Jonathan Hawke se inclinou para o ataúde de vidro e olhou o cadáver mumificado. Sua pele parecia quase negra ante a artificial luz vermelha. Todos os achados da cripta tinham sido transferidos para um laboratório da ala oeste do museu Rockefeller. O caminho até Telavive teria sido muito longo para o cadáver, a seca pele do templário não resistiria a viagem sem se danificar. Por este motivo, o professor Chaim Raful alugara um pequeno laboratório e depósito no museu, que distava apenas um quilômetro da escavação. — Jonathan, chamou Raful. — Esta imagem é espetacular. Mesmo depois de mil escavações, sempre se converte em um evento único. — Este cadáver é totalmente especial, respondeu Jonathan Hawke irritado. O tom de sua voz deixou Chaim Raful perplexo. Dirigiu-se ao colega americano. — Como devo receber este comentário? — Não dissimule mais Chaim, replicou Hawke. — Não continue fazendo como se isso tudo fosse uma casualidade. Os restos de argila, a guarnição romana, os acampamentos sob o monte das Oliveiras. Tudo isso não passa de uma fachada. Chaim Raful deu de ombros. — Não entendi nada. Hawke apontou ao cadáver. — Este é o motivo pelo qual escavamos ali e você sabia. Sabia que encontraríamos essa sepultura. Pude confirmar em seus olhos. Está aqui só pela tumba do templário. E tudo para chegar até este infernal prato e poder assestar um novo golpe doloroso em Roma. E aí? Quando chegará esse momento? Quando convocará a conferência de imprensa com os jornalistas? Amanhã ou talvez seja melhor esperar uns dias? Chaim Raful se aproximou do professor e tentou pousar a mão sobre seu ombro, mas foi ele se esquivou.

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— Usou-me, prosseguiu Hawke. — Fui uma ferramenta a mais. Com falsos pretextos me trouxe até Jerusalém para que encontrasse esta tumba, que você tanto estivera procurando sem nenhum resultado até agora. Chaim Raful levantou a mão como pedindo desculpas. — Só tinha um par de fragmentos, nada decisivo. Só um par de vagos indícios. Jonathan, você é um dos melhores arqueólogos do nosso tempo e a sua equipe realizou um trabalho excelente, estou em dívida com vocês. Mas não lhe contei nada que não fosse a mais pura verdade. Há dois mil anos existiu realmente uma guarnição romana aos pés do Monte das Oliveiras. Considere a tumba do templário como um presente. Deste modo ambos estaremos satisfeitos. Você pode continuar escavando e deixar a guarnição a descoberto. E eu também consegui o que desejava. Não valeu a pena para ambos? — Você me utilizou para atacar a Igreja romana. De onde vem este profundo ódio para com Roma? Raful voltou a elevar suas mãos para se desculpar. — A Igreja romana é uma prostituta, se deita com os poderosos, respondeu bruscamente Raful. As veias de seu pescoço se incharam mostrando toda a sua raiva. —Traiu a minha família. Jonathan Hawke não entendia ao que ele se referia. — Meu pai, minha mãe e minhas duas irmãs morreram em Bergen-Belsen, só eu consegui escapar do campo de concentração. A Igreja romana presenciou impassível aos acontecimentos e deixou Hitler agir. Ao contrário, inclusive o apoiaram para que continuasse com seu sanguinário regime. Acalmaram o povo. Celebraram missas sagradas sobre o sangue dos mortos. Para isso é que serve esta Igreja dita Santa. Não tem nada de humano, destroem a vida daqueles que não a seguem. Só aceitam a sua única verdade. Jonathan Hawke negou com a cabeça. — Isso aconteceu há muitos anos e não podemos dedicar nossa vida ao ódio. O presente é hoje e devemos dirigir nosso olhar ao futuro. — Diz isso com muita facilidade meu amigo, interrompeu Chaim Raful. — Naquela vez que se encontraram os escritos no Mar Morto eu fazia parte da equipe de jovens cientistas que trabalhava ali. Conseguimos a autorização do Governo jordaniano para continuar procurando em mais cavernas. Mas então Roma apareceu e enviou o seu esbirro, o Padre De Vaux. A biblioteca École, este engendro dominicano de Paris nos roubou e tivemos que ficar olhando quando estranhos levavam a nossa própria história das cavernas. Então eu jurei que nunca mais deixaria que me excluíssem. — Mas já faz muito tempo que foram publicados os resultados das escavações, comentou Hawke. Raful deu uma forte gargalhada. — Não querido, você não é tão inocente. Não vai acreditar que mostraram todos os documentos. Não encontrará nenhum escrito, nem sequer um fragmento, que seja crítico à Igreja. Ocultaram aqueles escritos que demonstram que Jesus nunca existiu, ao menos na forma onde a Igreja romana nos quer fazer acreditar. — E por que está tão certo disso? Perguntou Hawke. — Eu sei por que precisamente vi esses escritos com meus próprios olhos, antes que nos roubassem todos os objetos que possuíamos, explicou Raful. — Entendeu? Senão, onde eu teria ouvido falar deste aplique? Hawke franziu a testa. — O que tem de especial estes pratos de parede que você tanto aprecia? Raful deu um passo para trás e se sentou em uma cadeira. — É uma longa história, afirmou. — Mas não quero ocultá-la de você querido amigo. Há quinze anos comprei de um mercador árabe, em um bazar de Haifa, o fragmento de um papiro. Estava escrito em hebreu antigo e vinha de uma das cavernas de Qumran, isso era o que me garantiu o mercador. Efetivamente parecia um escrito muito antigo. Paguei quase quinhentos dólares, mas a inversão mereceu a pena. Continha as indicações de outra caverna que devia se

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encontrar a oeste das cavernas descobertas até o momento e do assentamento. Procurei-a durante quase dois anos. Por fim encontrei a entrada, junto a Kalya, em uma parede de grande altura. Estava oculta e coberta pelo pó de séculos. Na caverna se encontravam as mesmas jarras de barro que em Qumran, mas esta área é mais sensível à humidade. O conteúdo dos recipientes já havia se corrompido. Mas, ainda assim pude encontrar algo: um rolo de cobre que suportara o passar do tempo. Não foi fácil decifrar o rolo escrito em latim. Precisei fazê-lo fragmento a fragmento, mas consegui. O autor, chamado Flavio o Velho, era um artista e escritor romano muito impressionado com um tal Yeshua, cuja vida seguiu com interesse. Flavio confeccionou seis apliques no total. Pertenciam a uma série de joias decorativas de parede que representam a vida de Yeshua. Só encontrei quatro na caverna. Mas, anos mais tarde, descobri um escrito medieval com indicações sobre um dos dois apliques restantes. Jonathan Hawke inalou profundamente. — E, agora, onde se encontram esses artefatos e o que se sabe do sexto prato? — O sexto prato foi destruído mas não é importante. Era o quinto prato o que eu procurava. — O prato da tumba do cavaleiro, murmurou Jonathan Hawke. Chaim Raful sorriu. — Tudo se encontra em um lugar seguro e depois poderá vê-lo, inclusive o rolo que está disponível em distintas tiras. Agora, por fim, completei a minha coleção. — Estes pratos, o que representam, que descobertas trazem que você tanto deseja nos apresentar? Perguntou Jonathan Hawke com desconfiança. — Mostram o batizado de Yeshua, mostram como se dirigia as pessoas, quando entrou em Jerusalém, também a cena com seus apóstolos. Mas não só se veem os doze, mas existe uma décima terceira pessoa que se senta junto a ele. Os outros dois pratos você já os conhece. A crucificação de Yeshua e a incineração de seu cadáver. Creio que isso não vai agradar muito a Roma. — Por quê? Perguntou Jonathan Hawke. — Porque o queimaram depois da sua morte? — A imagem não deixa lugar a dúvidas. Mas como diz na Carta aos Coríntios que Cristo morreu por nossos pecados; foi sepultado e ressuscitou no terceiro dia segundo as Escrituras; que apareceu a Cefas e logo aos doze; em seguida apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez, a maioria dos quais ainda vivem, e outros já dormem. Depois apareceu a Jacó, depois a todos os apóstolos. Resumindo, se queimaram o corpo dele não poderia existir nenhuma tumba, nem aconteceu a ressurreição, com o qual toda esta farsa se desmorona. Jonathan Hawke negou com a cabeça. — Não está simplificando muito? Perguntou. — Deus não só controla a alma, mas também é o Senhor da matéria. Acaso não podia Jesus atravessar paredes e entrar em habitações fechadas? Raful sorriu. — A história não fez mais do que começar. Fantasmas existem em toda mitologia. Mas, espere um momento, uma pequena observação quando à sua tese: segundo o Evangelho de São João, Tomás, o incrédulo, não colocou o dedo na chaga porque não acreditava na ressurreição? Pode se fazer isso num fantasma? Não Jonathan, eu lhe mostrarei as provas, e você se assombrará velho amigo. E o seu nome estará para sempre vinculado ao legado dos templários. Estou eternamente agradecido, Jonathan. Tudo isso me demostra que não me enganei na escolha de você para que realizasse as escavações com a sua equipe. Com uma forte negação Jonathan Hawke tomou a palavra interrompendo Raful. — Estou aqui para descobrir uma guarnição romana e não para seguir escutando este enredo. Não quero saber nada desta história dos templários e não quero que me relacione com eles. Entendido, Chaim? Esse conflito com a Igreja é assunto unicamente seu.

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— Jonathan, meu velho amigo, sinto muito. Não entendo por que se irritou tanto. Qual o motivo de não se poder vincular o seu nome com o achado mais importante do Jerusalém atual? O mundo deve agradecer à sua minuciosidade que agora possamos dispor agora de mais conhecimentos. Jonathan Hawke inalou o ar profundamente em seus pulmões. — Porque sou cristão e não me envergonho disso, respondeu bruscamente e se virou. — Mas você também é um cientista e a única obrigação dos cientistas é a de descobrir a verdade. Por isso buscamos impressões de nosso passado. Só quando possamos saber de onde viemos, poderemos entender o nosso destino. Jonathan Hawke já havia fechado a porta do laboratório. As palavras de Raful ressoaram sem serem escutadas. MONASTÉRIO DE ETTAL EM OBERAMERGAU

A declaração dos irmãos do monastério não trouxera nenhuma nova prova. Ninguém se deu conta de nada relacionado com o assassinato. Ninguém, exceto esse peculiar monge que imaginava ter se encontrado pessoalmente com o mesmíssimo demônio. Depois de que o prior da abadia voltara a explicar que o lugar do assassinato se encontrava longe das celas e de que o som se perde pelo amplo espaço do monastério, Bukowski se fechou por um momento com Lisa no local do assassinato. Efetivamente os gritos de Lisa não chegaram até as celas onde os irmãos dormiam. — Por esse motivo, alojamos as oficinas e estábulos naquela área, explicou o prior. — As ondas do ruído não ultrapassam os muros e ninguém se irrita. Lisa olhou para Bukowski com grande ceticismo. — Além disso, as portas também são blindadas, agregou o prior. — Muito obrigado Respondeu Bukowski. — Se tiver mais notícias que nos possam ser de ajuda, ligue para mim diretamente. Bukowski deu ao prior seu cartão de visita e se despediu. Quando se sentou no carro junto a Lisa, maldisse em voz baixa. — Então não se confirmaram os seus pressentimentos, ironizou Lisa. — Ficaram nisso, pressentimentos. Uma pena realmente, com certeza que uns monges assassinos e sedentos de sangue o teriam levado a algum cabeçalho de jornal. Bukowski ignorou a ironia dos comentários de Lisa. — Ao menos, com isso podemos excluir objetivamente um complô dos monges, murmurou. — Além disso, um bom criminalista considera em primeiro lugar todos os indícios e possibilidades até que posteriormente possa ir separando a palha do trigo graças as laboriosas pesquisas. — Então, isso foi uma simples tentativa? Perguntou Lisa. Bukowski se acomodou no assento do carona e apoiou a cabeça sobre a janela. — Se quiser chamar assim, respondeu antes de fechar os olhos.

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CAPÍTULO 9 JERUSALÉM, ACAMPAMENTO NA AUTOESTRADA DE JERICÓ

— Latim medieval, maiúsculas sem separação, a linguajem da Igreja e do Ocidente cristão, no meio de Jerusalém, narrou Gina Andreotti observando a brilhante foto que se encontrava na frente dela, na mesa. — E por sorte uma inscrição muito limpa e escrita com clareza, adicionou Jean Colombare. — O escrevente se esforçou bastante. Gina passou as folhas de um livro que documentava escritos e fotografias de achados, também realizados em latim medieval do século XII. Uma obra de referência paleográfica para poder fazer a determinação temporal de um escrito mediante a caligrafia, a execução do escrito, a deformação das distintas letras e a expressão linguística. Apontou a foto de uma tumba descoberta há sete anos em Roma e que já fora classificada temporalmente. — Os arcos e a forma das letras são quase idênticos, disse. — Esta tumba é do ano 1141, e com isso podemos deduzir a data de nosso ataúde. Colombare concordou. — Tem razão. Encontramos um cavaleiro da época da primeira cruzada que permaneceu aqui em Jerusalém. — Não estou especialmente informada das questões dos templários, mas durante muitos anos mantiveram aqui em Jerusalém um posto, observou Gina e soltou o livro de fotos. — Segundo a inscrição da tumba, estamos na frente de um cavaleiro de alto posto, inclusive talvez um grande mestre entre os templários. Já traduzi a maior parte do texto. — E o que está escrito na tumba de nosso solitário templário? Gina procurou entre suas anotações. Finalmente encontrou o documento. Aqui descansa com Deus nosso irmão, o nobre Conde Renaud de Saint-Armand, que faleceu no ano 1128 depois de Cristo na Terra Santa. Um dos nove que juraram servir ao filho de nosso único Deus, cuja tumba deve ser protegida dos saqueadores e ímpios pagãos. Morreu nesta vida, mas seu juramento sagrado perdurará na eternidade até o último dia. Cumprirá seu dever igualmente como nós, irmãos de Cristo, que nos obrigamos a servir ao nosso irmão eternamente. Este juramento se anuncia a todos aqueles que se atrevam a quebrar a tranquilidade de nosso irmão, pelo que serão queimados no fogo do inferno eterno. A sombra da pior morte os alcançará.

— É isso o que está escrito? Perguntou atônito Jean Colombare. — Esse é o sentido, respondeu Gina. — Sabe que certas palavras não podem ser traduzidas literalmente. Mas esse é o conteúdo da inscrição da tumba, com toda segurança. — Se está certa, é isso o que está escrito, ratificou Jean Colombare com um sorriso. — Você é a nossa especialista. Já informou Jonathan? Gina respondeu com um gesto de mão de negação: — Jonathan foi ao Rockefeller. Queria se encontrar ali com Raful. Está muito irritado porque Raful nos enganou. Jonathan está convencido de que Raful sabia da tumba e utilizou como pretexto a escavação da guarnição romana. Jean Colombare passou as mãos por seu escuro e espesso cabelo negro e secou a testa coberta de suor. Na tenda fazia muito calor. — Pois eu penso que; de qualquer maneira as nossas escavações valeram a pena. Não se descobrem muitas tumbas bem conservadas dos cavaleiros europeus em Israel e no Oriente Médio, e menos ainda de templários. A maioria dos sepulcros já foram saqueados e destruídos. A autoridade dos cavaleiros não teve muita continuidade aqui na terra do deserto.

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— Jonathan me pediu que investigue a origem do cavaleiro, informou Gina. — Se tiver tempo poderá me ajudar. Suponho que um conde francês pode ser localizado facilmente. Jean Colombare segurou as fotos que foram tiradas, para serem provas documentais do estado do achado. — Seus irmãos, repetiu pensativo. — Um dos nove. Pelo visto era muito importante para eles esconder bem a sepultura de seu irmão. Escavaram muitos metros para ocultar bem a cripta. — E deixaram uma ameaça para os que se aproximassem dela, adicionou Gina. — Quase em todas as sepulturas de um personagem relevante, podem se encontrar frases que anunciam o inferno no caso de que alguém se atreva a irritar o descanso do morto. Mas não tem servido de muito, nem aos antigos egípcios com suas pirâmides, nem aos celtas, nem a ninguém no mundo. — Esconderam tão bem este panteão que ele permaneceu durante muitos anos sem ser descoberto, respondeu Gina. — A única coisa que me preocupa são os objetos que se incluem no sepulcro, prosseguiu Jean Colombare. — Uma espada é compreensível quando se enterra um cavaleiro. Mas, o que fazem um prato quebrado e uma ânfora em seu sarcófago? — Alguém os colocou ali porque tampouco podiam ser descobertas, anotou Gina. — Claro, mas por quê? E, além disso, o prato é da época da crucificação de Jesus Cristo. Isto quer dizer que é uns mil anos mais antigo. — Quase tanto tempo quanto o dessa ânfora, comentou Gina. — Esta figura eu já a vi alguma vez. Grega, se me perguntar. — Sim, eu também acho. Onde a viu? Gina levantou e se dirigiu a uma estanteria de livros, improvisada com caixas de fruta onde guardava seus livros e obras de referência. Não precisou procurar muito até encontrar o livro. Buscou uma página com imagens e aproximou o livro de Jean Colombare. Compararam a fotografia com a litografia do sepulcro que se representava no livro. — Certo, tem razão, afirmou após um momento. Depois fechou o livro e leu o título. — Os manuscritos das cavernas de Qumran. — Exato, exclamou Gina. — Qumran traz cada vez mais incógnitas. E o que tem dentro da ânfora? Gina deu de ombros. — Chaim Raful se apressou em retirar daqui o seu conteúdo. Não acredito que vá nos dizer o que se encontrava ali. — Eu diria que eram víveres. — Víveres na tumba de um cristão? Repetiu Gina. — Preciso reconhecer que estava tão impressionado pelo cadáver que o professor poderia ter me contado qualquer coisa, admitiu o francês. — Precisamos falar imediatamente com Jonathan, isso é muito suspeito. — O que acredita que Jonathan está fazendo agora mesmo?

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— E não tem nenhuma dúvida? Perguntou Bukowski olhando para Dorn da Polícia Científica por cima do ombro. — Porque não vê você mesmo? Atacou Dorn. Bukowski se inclinou e olhou pelo ocular do microscópio. — Não vejo nada, respondeu. — Então está cego. Bukowski se levantou de novo. — Você é o especialista em impressões e se me diz que o cilindro da fechadura mostra pequenas estrias eu acredito. Bukowski se sentou em uma cadeira. — Quero o relatório para amanhã. Dorn olhou para o seu relógio de pulso. — Está maluco, saio as três e não vou ficar mais tempo por sua causa. Conforme-se com que lhe disse, que a fechadura da Wieskirche foi aberta com uma cópia da chave. Bukowski sorriu e apalpou o maço de cigarros no bolso de sua camisa. — É incrível tudo o que consegue determinar, respondeu Bukowski e acendeu um cigarro. — Agradeceria que não fumasse aqui, pediu Dorn. Bukowski se levantou e se dirigiu à janela. Abriu-a e jogou a fumaça para fora. — E se entendi bem, foi feita uma cópia da chave do pároco falecido. Uma cópia que deixou estas pequenas marcas na fechadura. — Na maioria das vezes a cópia não encaixa cem por cento, começou Dorn com suas tentativas para explicar. — Como a fechadura cede depois de um longo uso, uma nova chave deixa marcas finas e impressões microscópicas no miolo da... — Está bem, está bem. Só me interessa que alguém fez uma cópia da chave, interrompeu Bukowski. — E o resto como vai? Você já se se acostumou com a nova colega? Dorn mudou de tema. Bukowski jogou o cigarro pela janela. — O que quer dizer com isso? — Dizem que ela não compartilha em nada com seus velhos costumes. — Quem disse isso? Perguntou irritado Bukowski. — Você deve saber, titubeou Dorn. — As notícias voam pelos corredores, mas tem razão. As mulheres nos confundem bastante. A nova diretora de serviço mudou Berger de posto. Agora está no presídio. — Escute bem, recomendou Bukowski olhando seriamente para Dorn. — Esses rumores são bobagens. Em nosso departamento tudo está caminhando bem. Bem, no princípio houve alguns atritos, mas é normal sempre que chega alguém novo. Lisa precisou se situar primeiro, mas tem um chefe que a apoia em todo momento. A única coisa que precisa saber é como tratar as mulheres, entende? Bukowski piscou um olho. Bateram à porta. — Sim! Gritou Dorn. Lisa Herrmann entrou no pequeno laboratório. Cumprimentou rapidamente Dorn. — Precisa ir rapidamente à chefia, anunciou Lisa a Bukowski. Não soou nada amável. —Hagedorn está irritada. E da próxima vez que escapulir por entre as salas me diga aonde posso encontrá-lo. Tenho mais coisas para fazer do que ficar lhe procurando. Bukowski deu de ombros. — O que ela quer comigo? — Pergunte a ela você mesmo, respondeu Lisa cortante e desapareceu tão rápido quanto havia aparecido. Dorn sorriu ironicamente.

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— Agora entendo ao que se refere quando afirma que sabe tratar as mulheres. Bukowski negou com um gesto. — Amanhã quero o relatório na minha mesa, está claro? — Desejo-lhe boa sorte e que passe bem com Hagedorn. Com certeza vai conquistá-la. JERUSALÉM, MUSEU ROCKEFELLER, RUA SULEIMAN

Jonathan Hawke se apressava pelos corredores do museu Rockefeller em direção à saída. Estava irritado e profundamente chateado pelo comportamento de Chaim Raful. Ele não era uma marionete para ser levado de um lado e para o outro. Sempre estimara Chaim Raful como cientista e arqueólogo, mas os sentimentos que este homem professava à Igreja eram doentios. O que mais gostaria nesse momento seria fazer as malas e ir embora, não podia suportar o comportamento do seu colega. Por outro lado, ele era o diretor das escavações de todo o complexo e, sob a terra do Vale do Cedro, a este do monte das Oliveiras, continuavam se escondendo os restos de uma guarnição romana de dois mil anos de idade. — Jonathan, espere! Ressoou pelo corredor. Jonathan prosseguiu invariável seu caminho. Não tinha vontade de continuar conversando. — Jonathan, por favor, espere, ressoou de novo. — Não precisamos brigar. Dê-me outra oportunidade, eu peço. Jonathan Hawke diminuiu o passo. Parou à altura de uma janela e olhou para fora. A seus pés, no vale, se encontravam as pequenas casas da Cidade Velha de Jerusalém. Ao longe, brilhava a abóboda dourada da Cúpula da Rocha. Toda a cidade parecia tão pacífica e idílica. Respirou profundamente. O professor Chaim Raful se apressou para alcançar Jonathan. — Desculpe-me, se arrependia Raful de suas cruas palavras. — Não quero destruir suas crenças. Não pretendo roubar as ilusões de ninguém, mas me sinto obrigado com a verdade. A única verdade é a demonstração científica. E não gosto de quando as pessoas da fé tentam implantar um coração estranho, como um cirurgião em seus pacientes. Hawke se virou. — Tenho a impressão de que é uma luta pessoal sua contra a Igreja. — Claro, querido amigo, respondeu Raful. — Pode ter razões pessoais, mas encontrei indícios de que Jesus Cristo não era aquele homem que levou a vida que a Igreja quer fazer acreditar. Yeshua era, sem dúvida, um profeta. Era um homem sábio, muito inteligente e transmitia uma ideologia muito humana. Profetizou a bondade e a compaixão. Mas era um homem, não era o filho de Deus. — Pode ser, replicou Hawke. — Mas quase um terço da população mundial é cristã. Quer sejam católicos, protestantes, ortodoxos ou outras comunidades livres. O cristianismo determina a nossa visão do mundo. É uma crença base que não se pode destruir. Ninguém tem o direito de fazê-lo. — Mas, querido amigo, disse Chaim Raful enquanto pousava a mão no ombro de Hawke. — Uma mentira não se transforma em uma verdade só porque tenha se convertido na crença de milhões de pessoas, transmitida por instruídos eclesiásticos. Não podemos construir essa história selecionando pilares que mais nos convenham e porque se adaptam melhor a nossa concepção do mundo. — Refere-se aos cânones da Igreja?

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— Exato, estimado amigo e companheiro, confirmou Raful. — Pode-se selecionar de uma série de escritos, aqueles que têm significado normativo para os padres da Igreja e se desfazer de outros que não interessam, outorgando um carácter secundário como conversas, canções ou apócrifos? — Não é preciso se decidir em algum momento? Perguntou Hawke. — É falso que dos numerosos escritos do Novo Testamento só se escolheram quatro evangelhos que não se contradiziam. Não se esqueceu de nada, não se ocultou nada. O resto dos escritos foram igualmente avaliados e publicados, mas se contradiziam em parte ou eram, simplesmente, extratos insuficientes do Evangelho existente sem o carácter oficial da publicação. — O que aconteceu com o Evangelho de São Tomás? Perguntou Chaim Raful. — O homem é de origem divina, quer dizer, incerto. Criado a semelhança de Deus. Portanto, todos nós somos filhos de Deus, como Yeshua. E em Tomás, não encontramos nenhuma ressurreição, mas encontramos palavras que nos levam fortemente a Qumran. Mas Tomás não se adequava as expectativas que o convento de Triest determinou há 460 anos, como o cânone definitivo do Novo Testamento da Igreja católica romana. Simplesmente foi esquecido. Mas o homem, às vezes, erra. Não se pode extrair isso também dos ensinamentos? — Deveria fazer estas perguntas ao papa e não a mim. — Acaso a verdade não interessa a todos nós? Replicou Chaim Raful. — Quem nos diz que é a verdade quando tão só encontramos algumas peças soltas? Só descobrimos algumas pequenas gotas de um imenso oceano. E daí cada um tentará criar suas próprias ideias? Preenchemos os furos com teses, suposições e conotações que não tem nada de científico, cuja origem reside única e exclusivamente em nosso mundo de fantasias? Isto é o que você chama de verdade, querido colega? Raful retirou a mão do ombro de Jonathan Hawke. Com um sério rosto falou: — A verdade que eu conheço é muito perigosa, já que destrói a força dos poderosos deste mundo. Jonathan Hawke se deu por vencido. Chaim Raful era um caso perdido. — Você me dá pena, professor, interrompeu Jonathan Hawke o silêncio de uns segundos. — Fique com a sua descoberta e se conforme com isso. Mas me mantenha à margem. Estou aqui para descobrir uma guarnição romana e não para ficar escutando suas ideias sem sentido. Raful olhou fixamente para Jonathan, depois sorriu artificialmente e lhe ofereceu a mão. — De acordo, disse misteriosamente. — Você procure a guarnição e eu fico com o cavaleiro e tudo o que seu sepulcro contém. Não o irritarei mais. Ao contrário, seguirei ajudando em suas tarefas como sempre. Jonathan Hawke estendeu titubeante a mão ao professor. — Fique com o cavaleiro, não tenho nenhum interesse nele. E nunca apoiarei em público suas teses, deve ficar bem claro. O professor Chaim Raful concordou. — Hoje ficou muito claro, querido amigo.

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CAPÍTULO 10 ROMA, PALÁCIO DO SANTO OFÍCIO

O cardeal prefeito Lukasec estava indignado. Padre Leonardo se sentou no sofá de couro debaixo da janela. A majestosa sala de reuniões do palácio em que residia o Santo Oficio, era muito fria. As janelas estavam fechadas e cobertas. O cardeal prefeito Lukasec vestia uma sotaina negra, o solidéu grená e ao redor de sua grande barriga, atado, o cingulum vermelho. Estava de pé frente à janela, suas brancas e enrugadas mãos rodeavam seu corpo. — Sabe realmente o poder que possui o cardeal Borghese? Questionou irritado o cardeal prefeito. — Ele possui todas as honras, meu filho. E você está aprendendo a dar seus primeiros passos agora. Se ele se dirige ao nosso oficio com algum assunto urgente, então espero que me informe imediatamente. O Cardeal Borghese se considera um homem de confiança do Vaticano. Não só a Igreja está eternamente agradecida a ele, mas também a sua influência ultrapassa estes limites e alcança o âmbito político e econômico. Merece que você o leve muito a sério, mas ao contrário, você recebeu suas preocupações e medos com um simples sorriso e o tratou como um noviço. Padre Leonardo fez um gesto de mão como desculpa. — Não é verdade, levei a sério suas inquietações. — E agiu em seguida? Roubou-lhe a palavra o cardeal prefeito. — Não entendo estes jovens. Saem de uma universidade, fazem mestrado e aí acham que sabem tudo e não devem levar a sério o resto do mundo. — Eu pensava... Tentava se justificar Padre Leonardo. — Você pensava... Repetiu sarcasticamente o cardeal prefeito. — Mas, o que você pensava? Acha que o mundo não levará a sério esse professor judeu? Pensa que não pode atacar a nossa Igreja? Quanto tempo faz que não vai a uma santa missa? Refiro-me a uma fora do Vaticano, no mundo, em um povoado ou uma pequena cidade. Bancos vazios, pessoas idosas, nenhum adolescente ou adulto. Esta Igreja tem problemas na hora de mobilizar os cidadãos. Esta Igreja enfrenta um grave problema, querido. E este não é o momento de julgar nada. É o momento de atuar e não só reagir ante o que fazem os nossos inimigos e sorrir ante seus atos. — Utilizei meus contatos, eminência, respondeu Padre Leonardo elevando ligeiramente a voz. — Temos um homem em Jerusalém que acompanha em detalhe os trabalhos nos acampamentos no monte das Oliveiras. — Ah, sim! Replicou o cardeal prefeito, alargando a expressão para que seu sarcasmo não passasse despercebido. — Então saberá com certeza o que encontraram nas escavações. Padre Leonardo maldisse em seu interior, por não ter se posto em contato com a pessoa de sua confiança em Paris, antes do regresso do cardeal prefeito. Talvez tivesse subvalorizado a importância e periculosidade desses trabalhos. — Os arqueólogos encontraram os restos de uma guarnição romana que se remonta à época de Jesus Cristo. O professor Raful dirige as escavações. Aparentemente foi encontrado um aplique que representa uma cena da vida de nosso Senhor: a crucificação. Mas isso não é argumento para sustentar a tese desse professor. O cardeal prefeito interrompeu com um gesto o discurso de Padre Leonardo. — Não é argumento! Ridiculizou com irritação. — Nem sequer considerou importante se informar corretamente sobre o estado das escavações. Padre Leonardo fez um gesto de mea culpa e deu de ombros. — Encontraram a tumba de um cavaleiro do século XII, instruiu o cardeal

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prefeito ao seu secretário. — Aparentemente esse sepulcro contem indícios que podem ser realmente perigosos para a Igreja se pararem nas mãos de um fanático herético. O Cardeal Borghese me informou. Não confia em você e ele mesmo se encarregou que se fizessem certas averiguações. Pensando bem, acho que a decisão foi muito acertada. — Eu não sabia... — Efetivamente, continuou o cardeal prefeito a seu subordinado, — Você não sabe de nada, porque não deu importância a esta situação e considera que o Cardeal Borghese é um medroso e nervoso bruxo. Você lhe faltou ao respeito. Padre Leonardo se levantou. — Peço desculpas por minha impertinência, eminência. — Terá ocasião de consertar a sua despreocupação. Voará diretamente a Jerusalém e ali se reunirá com Padre Philippo. Ele o esperará no convento dos franciscanos em Jerusalém. O apresentará a um influente senhor que tem muito poder dentro do atual Governo. Em primeiro lugar quero que parem essas escavações imediatamente e posteriormente que sejam concluídas por pessoal eclesiástico, entendeu? Padre Leonardo fez um gesto de mão de reverência. — Entendi perfeitamente seu desejo, eminência. Completamente. — Então, se ponha a trabalhar, replicou o cardeal prefeito e estendeu a mão ao seu secretário. Padre Leonardo segurou a mão do cardeal e beijou seu anel antes de sair da sala. Uma vez que a porta se fechou pode respirar profundamente. Efetivamente, não dera o devido valor ao cardeal Borghese. Mas todas as tormentas passam cedo ou tarde e depois sempre chega a calmaria. MUNIQUE, UNIDADE DE CRIME ORGANIZADO DA BAVIERA, BRIGADA 63

O superior da Polícia Judicial, Stefan Bukowski, odiava quando estava fechado no elevador. Odiava quando não sabia o que se esperava dele em uma reunião. Odiava quando precisava subir ao andar mais alto, o andar da chefa. E não suportava a sua chefa, a presidenta do Escritório Estatal de Criminologia. Essa mulher que ocupava a cadeira de chefe há apenas dois anos não era mais que uma figura política, uma marionete movida pelos fios de quem ostentava o poder no Ministério de Interior, amamentada pelos lobos com a ideologia do grande partido. Com certeza, não tinha a menor ideia do fosse o trabalho policial. Na realidade, Stefan Bukowski ansiava o momento de sua aposentadoria, já que depois de todas as mudanças que haviam feito no corpo policial durante as últimas décadas, cada vez ficava mais longe a esperança da situação melhorar. Justo o contrário. De ano em ano, de reforma em reforma, cada vez piorava mais. Com um sobressalto o elevador parou no quarto andar. Sob o teto só havia salas de processos e um par de laboratórios para os técnicos. A porta rangeu ao se abrir e Bukowski partiu para o corredor. O escritório da presidenta, a doutora Annemarie Hagedorn-Seifert, se encontrava ao final do corredor. A porta de entrada estava, como sempre, fechada. O único caminho para o centro do poder passava pela sala da recepcionista. Bukowski, às vezes, chamava a essa parte do andar de "a sala das ferramentas", já que ali podiam se encontrar os utensílios mais pesados. Bateu à porta. Escutou secamente: — Um momento. Bukowski torceu o rosto. Respirou profundamente e sentou em uma cadeira colocada no corredor em frente à porta, como na sala de espera de um dentista.

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Passaram-se dez minutos até que a recepcionista, uma mulher quarentona com um penteado que recordava a Bukowski um mocho de peito amarelo, assomou a cabeça pela porta. — Senhor Bukowski, disse com tom nasal, — A presidenta lhe espera. — Como eu, suspirou e se levantou. A recepcionista fez Bukowski entra em seu reinado e o introduziu na espaçosa sala da senhora Hagedorn-Seifert. A presidenta estava sentada detrás de sua mesa e levantou o olhar muito brevemente enquanto ele entrava na sala. Bukowski sabia que o sobrenome Seifert era referência ao presidente do Tribunal Superior de Justiça e esposo. Sempre o colocava atrás de seu sobrenome como um predicado. Era mais um contrato acadêmico do que um casamento, já que a importante senhora Hagedorn vivia então a maior parte do tempo em Berlin, quando trabalhava como secretaria no Ministério de Baviera, dedicada aos assuntos federais e europeus. Bukowski radiografou a sua interlocutora, uma pequena e gorda mulher de escuro cabelo encaracolado e soube imediatamente por que nunca havia dado nenhuma importância à vida marital e por que continuava solteiro. — Sente-se, comissário chefe da Unidade de Crime Organizado, ordenou a presidenta com sua metálica e impessoal voz. Bukowski se sentou na acolchoada cadeira em frente à pesada mesa de caoba e esperou pacientemente até que a senhora terminasse a análise de alguns processos. Elevou o olhar. — Recebemos uma queixa de você, comissário chefe, e reconheço que também considerei seus procedimentos estranhos como o diretor da Inspeção policial de Weilheim. — Chame-me simplesmente de senhor Bukowski, respondeu Bukowski. — Não dou nenhuma importância aos títulos. O rosto da presidenta mostrou a sua irritação. — Como você bem sabe, senhor Bukowski, existem títulos aos que se deve outorgar a importância que merecem. Bem, como pode explicar seu comportamento tão pouco corporativo? Bukowski deu de ombros. — Talvez possa me informar primeiro do que se trata. Então explicarei o meu comportamento. A senhora Hagedorn-Seifert pegou um papel na pasta de processos e o aproximou de Bukowski. — Tentou a exumação de um padre e para isso se baseou em graves erros dos colegas responsáveis em Weilheim. Não é necessário contar com razões jurídicas penais e suspeitas fundadas para levar a cabo este passo? — Estou trabalhando em dois assassinatos do círculo eclesiástico e existem suficientes suspeitas fundadas de que o cura em questão também foi assassinado. Os colegas de Weilheim e o legista competente trabalharam incorretamente e o caso, melhor dito, o cadáver só foi examinou superficialmente. — Não podia somente ter explicado seus motivos e não sujado o nosso nome ante o Tribunal de Justiça? Comissário chefe, nós não trabalhamos assim, não julgamos o trabalho de nossos colegas, mas nos submetemos ao direito e a ordem. Peço que se submeta às nossas diretrizes e a minha direção interna. Do contrário me verei obrigada a começar um recurso disciplinar contra você. — Senhora Hagedorn, respondeu Bukowski em voz alta. — Sé perfeitamente quando algo cheira mal e odeio quando nossos colegas não trabalham direito e não executam devidamente as investigações necessárias. Não sou eu que deve constar em um recurso disciplinar, mas sim

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os nossos colegas e, sobretudo, o inteligentíssimo legista que faz tempo que já deveria ter se aposentado. — Se me permite, eu sou a doutora Hagedorn-Seifert e em minha sala não se fala alto. Já lhe disse o que precisava dizer. Tenha cuidado Bukowski, não é a primeira vez que lhe avaliam negativamente. Seus métodos são bastante questionáveis e não tem nada a ver com os tempos atuais. Ou, acaso acha que lhe retiraram de Haia e o colocaram aqui por ser tão bom companheiro? Você teve bastante sorte de que lhe prometessem que na sua volta poderia selecionar seu novo posto de trabalho. Mas não esqueça a sua categoria e tenha bem claro onde se encontre. Do contrário me conhecerá bem. Bukowski se levantou. — Olhe senhora presidenta, sei perfeitamente onde me encontro. Ainda me restam três anos e você não pode me mandar embora. Além disso, sou solteiro e desejo continuar sendo. Não me interessa conhecê-la melhor. A presidenta olhou para Bukowski desconcertada enquanto ele saía. — Que tenha um bom dia, desejou à recepcionista que havia ficado sem palavras, sentada atrás de sua mesa. Com certeza havia escutado tudo. No caminho de volta desceu pelas escadas. Sentia-se liberado e seu animo ia melhorando a cada degrau. Há tempos tinha vontade de dizer a sua chefa o que pensava dela e hoje havia aproveitado a ocasião para isso. Com um sorriso entrou em seu escritório no segundo andar. Lisa Herrmann estava sentada atrás de sua mesa e elevou o olhar quando Bukowski passou ao seu lado. — O que? Não lhe caiu bem o encontro? Comentou. — Me sinto maravilhosamente bem, respondeu Bukowski ao passar. — Sempre disse que o lugar das mulheres é na cozinha, não no escritório. Desapareceu e fechou a porta de sua sala. Lisa Herrmann ficou perplexa sem dar crédito aos seus ouvidos. Meia hora mais tarde escutou o fax que chegava com a resolução judicial para a exumação do pároco morto de Wieskirch. Lisa Herrmann se levantou e apanhou o papel da bandeja de entrada. Com os olhos bem abertos olhou para o documento. — Não entendo... Este homem... Como conseguiu? Tartamudeou. — Quando faço algo, faço bem, afirmou Bukowski que havia saído de seu escritório. Tomou a decisão judicial das mãos de sua colega. — Informe à técnica, quero um fotógrafo na tumba, ou preciso fazê-lo eu mesmo? Lisa Herrmann estava admiradíssima. Seu rosto adotou um tom avermelhado e sem palavras concordou. — Amanhã pela amanhã às dez no cemitério e com pontualidade, ser for possível, ordenou Bukowski antes de voltar a desaparecer em sua sala. Envergonhada Lisa Herrmann se sentou atrás do telefone. Havia sido capaz de ter subvalorizado este pesado e colérico idoso homem?

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JERUSALÉM, ACAMPAMENTO NA AUTOESTRADA DE JERICÓ

— ...E continuaremos nos encarregando das tarefas de escavação da antiga guarnição romana, concluiu Jonathan Hawke a sua explicação ante seus colegas mais próximos. Tom olhou para Yaara quem lhe respondeu com um piscar de olhos. — Eu, da minha parte, considero que este acordo é inaceitável, objetou Jean Colombare. — Sem nosso trabalho o professor Chaim Raful não teria descoberto o sepulcro. Como agora pode pretender um direito exclusivo do achado? Creio que este direito nós todos ganhamos e merecemos uma honra igual à dele. Jonathan Hawke protestou: — É isso realmente um honra? Estive falando com Raful e ele me expos suas razões. O ódio que sente para a Igreja romana é patológico e não tem nada a ver com direitos reservados. Senhoras e senhores, se me perguntarem eu responderei que o professor Chaim Raful está doente e cego. Seu ódio para a Igreja, tão prolongado durante anos, lhe roubou qualquer percepção objetiva da realidade. Não está interessado nas realidades históricas, só continua com um único objetivo: derrubar os pilares do Vaticano. Não quero que ele me associe a isso. Isto não tem nada a ver com uma investigação séria. Gina concordou compreensiva. — Entendo suas reservas mas continuo dando a razão a Jean. É nosso achado. Não nos pode excluir dele. Ao contrário, temos todo o direito a continuar trabalhando nesta descoberta. Considero isso mais necessário do que nunca para poder alcançar conclusões objetivas e neutras. — Para mim é muito tarde, não vou participar das tarefas de investigação relacionadas com esse cavaleiro. É sua decisão a postura que tenham a respeito. Eu continuarei onde paramos. Estamos no meio dos restos de uma guarnição romana. Os presentes se olharam entre si. O silêncio reinou durante uns instantes. Moshav tossiu. — Eu vim aqui para trabalhar na escavação de uma guarnição romana, manifestou. — Levantamos quatro áreas e ainda temos muito trabalho para fazer. Eu, da minha parte, concedo o cavaleiro a Raful e que seja feliz com ele. Eu fico aqui. — Moshav tem razão, afirmou Tom. — Estamos só no princípio e as escavações estão asseguradas para os próximos seis meses. Eu também fico. Yaara concordou. — Eu fico também. Jean se virou com olhos interrogantes para Gina. Gina mordia os lábios. — Falarei outra vez com Raful. Está em dívida conosco. Não entendo que possa nos tirar tão facilmente disso. Sabem que o recipiente que se encontrava no sepulcro do cavaleiro se parece muito com as jarras de Qumran? Creio que dentro se deve achar um rolo. Jean concordou. — Arqueólogos, buscadores de tesouros e aventureiros furaram quase a Escócia toda para encontrar o citado tesouro dos templários. Nós encontramos um templário e um escrito em sua tumba. Quem nos assegura que neste rolo não se encontrem as indicações do legado dos templários? — O Santo Graal? Brincou Moshav. — Jean, não está falando sério, não é? Respondeu Yaara. Jean deu de ombros. — Enquanto não soubermos o que se encontrava no sepulcro, considero que tudo pode ser possível. Talvez Raful não odeie tanto à Igreja como disse e esse ódio seja uma simples fachada. Poderia ser. Jonathan sacudiu a cabeça. — Não está indo muito longe? Perguntou. — Não, respondeu Jean Colombare. — Juntos achamos a sepultura e agora quero saber o que contém no seu interior. Ponto. Jonathan concordou. — Estão no seu direito e não posso dizer o que deverão que fazer. Da minha parte já tomei a decisão. Vocês podem falar com Raful por sua conta. Gina concordou.

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— Eu farei isso, com certeza, respondeu firme.

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CAPÍTULO 11 JERUSALÉM, MUSEU ROCKEFELLER, NOROESTE DA CIDADE

A noite havia caído sobre as casas e as ruas da cidade. As vacilantes luzes só iluminavam a Via Dolorosa. As pessoas se retiravam para suas casas em busca de tranquilidade e do merecido descanso depois de um dia quente. Na afastada ala oeste do museu Rockefeller, ao noroeste de Jerusalém, a luz ainda estava acesa. O professor Chaim Raful trabalhava com muito afã no resgate dos escritos que se encontravam no interior da ânfora da tumba do cavaleiro. A figura estava selada com uma massa para proteger o interior da humidade, ar e outras influências do clima. A ânfora era de características similares aos típicos recipientes da época helênica. E os documentos haviam se conservado do mesmo modo que os escritos de Qumran. Chaim Raful se lembrava perfeitamente de quando se investigaram as cavernas com os rolos nas ruinas de Qumran, próximo do Mar Morto. Então tinha dezoito anos e participava em duas expedições. Por ser um jovem cientista ficou totalmente surpreso e fascinado quando se abriu a primeira jarra e apareceu o rolo de Isaias. Então a École Archéologique Française se encarregou de prosseguir com as escavações uma vez que a administração jordaniana para a antiguidade confiscara todos os achados obtidos até o momento. A École não era mais que um simples ramal da Igreja católico-romana que tanto odiava por ser a culpada da morte de seus pais. Chaim Raful pode reviver sem dificuldade como os soldados do Governo jordaniano se lançaram contra eles em seu acampamento, os trataram como animais e os jogaram em caminhões para abandoná-los como perigosos delinquentes no meio do deserto. Acusaram o grupo de Chaim Raful de ter roubado tumbas e realizado escavações não autorizadas. Quase o processam se não fosse pela intermediação diplomática do cônsul britânico. Havia sido expulso da terra de seus pais como há anos expulsaram seu povo da Europa, haviam lhe roubado seus achados e a identidade. Isaias fora um profeta de sua religião e ninguém tinha o direito de se interpor entre ele e seu único deus. Nesta ocasião não iria permitir que chegassem tão longe. Voltou de novo ao trabalho e com os dedos assentou de novo os óculos corretamente sobre seu nariz. Sem dúvida era o mesmo tipo de fechadura que a da ânfora de Khirbet. A massa estava endurecida de modo que temia que as margens do selo se estragassem ao raspar. Uma gota de suor correu por sua testa. Pensativo olhou a hora no relógio pendurado em cima da porta fechada. Faltava pouco para meia-noite. Utilizou de novo uma faquinha no selo da ânfora. Com um pouco de pressão pode retirar parte da massa endurecida composta por alcatrão e resina. A este ritmo levaria toda a noite para poder trazer à luz o segredo do recipiente. Mas, com certeza, iria levar todo o tempo necessário já que necessitava que a ânfora ficasse intacta para que se falasse tanto de seus achados como quando apresentara o primeiro prato a vários cientistas selecionados. O aplique foi catalogado como uma má falsificação. Nesta ocasião iriam acreditar nele. De novo voltou a retirar com um pequeno golpe parte da massa que fechava a ânfora. Meticulosamente recolheu o pó e as finas farpas em uma bandeja. Já tinha material suficiente para poder datar o achado e poder convencer os últimos incrédulos. De repente, todos os seus músculos se retesaram. Escutara um forte barulho no corredor. Prestou atenção. Quem poderia

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estar lá fora? Nesta parte afastada do museu Rockefeller não havia nenhum vigiante. A parte ocidental só incluía alguns laboratórios e a garagem para o pequeno parque móvel do museu, composto por uma cortadora de jardim e um pequeno caminhão. Com essa intenção, Chaim Raful se ocultara nesta parte do museu. Ali poderia trabalhar sem ser incomodado. De novo, um rangido. A mão de Raful apertou com força o cinzel. Lentamente se dirigiu até a porta. Fechou-a por dentro. Ninguém poderia entrar facilmente. Colou o ouvido à porta e escutou atentamente. Por um momento acreditou ter percebido passos pelo corredor. Estaria o vigiante dando uma volta? Os passos desapareceram. Chaim Raful respirou profundamente. De repente, escutou um sussurro em frente à porta. Apressadamente se virou e recolheu tudo o que havia espalhado sobre a mesa. Com as duas mãos segurou bem a ânfora. Por um pequeno corredor foi para o aposento contiguo. Então, com um forte barulho a porta do laboratório caiu ao chão. Raful começou a correr como nunca havia corrido na sua vida. Por uma porta lateral conseguiu sair para o exterior. O coração batia apressadamente e o sangue golpeava fortemente as suas veias. Só se virou uma vez antes de desaparecer na escuridão através de outra porta lateral. Correu e correu até onde as suas forças permitiram. Escondeu-se em uma escura esquina entre duas casas. Já haviam chegado, antes do que esperava. Sabia que a caçada só acabaria quando o pegassem. FUSSEN, CEMITÉRIO, MANHÃ DE UM DIA CHUVOSO

Chovia, toda a semana havia feito bom tempo e justo hoje chovia. Maldizendo o tempo Stefan Bukowski subiu a gola de seu casaco. — O céu se pôs a chorar inclusive antes que comecemos, observou Lisa Herrmann sob seu guarda-chuva enquanto olhava as escuras nuvens. Os dois trabalhadores do cemitério olharam interrogadoramente para Bukowski que indicou que começassem o trabalho. A tumba do Padre Johannes se encontrava ao final de uma fila de sepulcros, bem debaixo de uma árvore. Uma pequena pá pintada de amarelo estava preparada para remover a terra. — Se tivermos sorte o ataúde não terá quebrado ainda, explicou o diretor da empresa funerária à quem haviam encarregado a exumação. — Quanto tempo pode aguentar inteiro um ataúde? Perguntou Bukowski. — Depende da qualidade, respondeu o chefe. — Aqui a terra é fofa e o cura jaz em um ataúde de carvalho autêntico. Boa qualidade, asseguro. Os irmãos não economizaram em nada. Com certeza ainda não quebrou. Quando a pequena pá se colocou sobre a tumba fazendo retumbar a terra, Bukowski se moveu para um lado e se colocou debaixo da árvore para se resguardar um pouco da chuva. Acendeu um cigarro e deu uma profunda tragada. Reflexivo olhou ao seu redor. Seu olhar se fixou em uma lápide. Uma jovem estava enterrada ali. Tinha dezessete anos quando o destino a surpreendera sem contemplações. O chefe dos serviços funerários se colocou ao lado de Bukowski. Também acendera um cigarro. — Estranho, interrompeu seus sombrios pensamentos. — O que... Que quer dizer?

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— A jovem, respondeu o chefe da funerária. — Foi atropelada por um carro. Voltava de bicicleta da escola. Não teve escapatória. O motorista de um Porsche a atingiu mortalmente. Não era uma bonita imagem. Uma lesão cerebral traumática aberta. Mas conseguimos recompor a jovem. — Recompor? Repetiu Bukowski. — Quero dizer que pode ser velada, ainda que não seja costume aqui, informou o chefe da funerária. — Existem familiares que para se despedir de seu ser querido precisam vê-lo pela última vez. Se não, não ficam tranquilos. Bukowski jogou a guimba em um monte de terra que havia se formado junto à tumba do pároco. — Lembra como foi o velório do cura? Houve familiares que desejaram vê-lo antes que... — Antes que o enterrássemos? Terminou o chefe da funerária a pergunta de Bukowski com um gesto de mão de negação. — Não, ficou em paz dentro do ataúde. Foi um grande enterro. Mais de trezentas pessoas assistiram. O cura tinha muitos amigos e conhecidos. Creio que veio uma irmã dele da América expressamente para a cerimônia mas não a conheci. Os irmãos do convento pagaram o enterro. O ruído da pá cessou. — Já terminamos, anunciou um dos trabalhadores e colocou uma prancha de madeira no buraco. O chefe da funerária segurou Bukowski pelo braço e o soltou na frente do ataúde. Tinha razão, continuava intacto. — Retiraremos o ataúde e o limparemos aqui antes de transportá-lo até Munique. Lisa Herrmann se colocou ao lado de seu chefe. — Agora estou na expectativa, se você tiver razão se armará um bom conflito, afirmou. — Esperemos para ver o que dizem os legistas, respondeu Bukowski. — Mas aposto meu isqueiro de ouro de que tenho razão. JERUSALÉM, ACAMPAMENTO NA AUTOESTRADA DE JERICÓ

Sem se deixar perturbar pelo achado do cavaleiro, os trabalhos das escavações continuaram sem interrupções. Tom, Yaara e Moshav tinham se encarregado da escavação número quatro. Rapidamente puderam ratificar as suposições dos arqueólogos. Sobre a cripta, a terra havia se misturado. Em vez de encontrar restos de cerâmica, ossos ou pedras em uma disposição lógica, a seção havia se convertido em um verdadeiro caos. Os pequenos fragmentos e a argila arenosa demostravam que a área em torno do sepulcro do cavaleiro não estava seu estado original. Soaram as campanas da próxima igreja da Magdalena. Tom secou o suor da testa. Armado com uma pá de pedreiro e um pincel, tentava romper cuidadosamente a seção peça a peça e retirar o barro sem estragar nada, nem algum objeto que tivesse escondido entre os torrões. Infelizmente, nesta seção só pode encontrar argila moída que ressaltava dentre a terra marrom por sua cor avermelhada. — Se esforçaram muito, murmurou. — Podemos esquecer esta seção. Retiraram toda a terra e depois a voltaram a encher. Moshav se colocou a seu lado e olhou os torrões. — Da minha parte eu também acho que é assim, suponho que não vamos encontrar algo interessante no meio desta confusão. Tom jogou a pá de pedreiro no chão e se colocou de pé.

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— Penso que escavaram toda a área no momento de construir a cripta. As pedras são do mesmo material e estão talhadas como as dos muros de outras secções. Yaara se penteou e recolheu o cabelo em uma trança. — Por que iriam trazer até aqui outro material? Queriam enterrar um dos seus e construir um mausoléu. Tinham as pedras ao seu alcance. Para que trabalhar em vão? E finalmente cobriram a cripta com a terra que haviam removido. Pouco se importavam com o que opinássemos deles mil anos mais tarde. — E o que faremos agora? Perguntou Moshav. — Falaremos com Jonathan, propôs Tom. — Estamos escavando em vão, acho que deveríamos seguir para oeste, em direção à autoestrada. Se aqui foi levantado um edifício, nossos antecessores... De repente, estridentes gritos e um ensurdecedor estrépito abafaram as palavras de Tom que se virou para ver que havia acontecido. Na segunda escavação, só a uns cem metros, reinava um febril alvoroço. — O que aconteceu? Perguntou Yaara. Tom correu até segunda escavação. Moshav e Yaara o seguiram. — O que aconteceu? Gritou para Jean Colombare, a quem conseguiu reconhecer entre o enxame de trabalhadores. — A terra cedeu e afundou. — Dois homens estão presos sob os escombros, gritou um dos trabalhadores e apanhou uma pá antes de desaparecer no buraco. — Maldição! Exclamou Tom e procurou igualmente uma pá antes de abrir caminho entre todos os presentes e poder descer para a escavação junto de Moshav. A cabeça de um dos trabalhadores enterrados assomava entre os escombros, mas não podia se ver o segundo trabalhador. — Onde está? Perguntou Tom a uma das testemunhas. Aparentemente se encontrava ainda sob os efeitos do impressionante desmoronamento, estava pálido e não pronunciava nenhuma palavra. Simplesmente apontou para o monte de terra. Tom fincou a pá e começou a retirar energicamente a terra, mas com cuidado para não machucar o desaparecido. Moshav e outros dois trabalhadores o ajudaram enquanto que os demais resgatavam o companheiro que havia ficado com a metade do corpo enterrado. Parecia a Tom que havia se passado uma eternidade até que topou com algo fofo. Jogou a pá para um lado e continuou escavando com as mãos. De repente apareceu a parte superior do desaparecido. Moshav e os trabalhadores se apressaram e começaram também a retirar a terra com as mãos. Quando deixaram a descoberto a parte superior do corpo puxaram com todas as suas forças retirando-o dos escombros e o deitaram cuidadosamente sobre o chão. Tom se inclinou para ele e o observou enquanto lhe tomava o pulso. — Respira, graças a Deus! Exclamou. — Não tem nada na boca. — Vamos subi-lo, propôs Moshav. Tom concordou. Juntos o levaram até a borda da escavação onde os presentes os ajudaram e o deitaram no chão. Uma ambulância chegou do acampamento. Tom observou o segundo ferido do acidente. O homem estava consciente e sentia uma dor imensa em sua perna esquerda. Tom apalpou a coxa

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e o homem emitiu um forte grito. Tom se levantou. Gina Andreotti, Aaram Schilling e Jonathan Hawke haviam se aproximado. — Que aspecto tem? Jonathan perguntou com muita preocupação e olhou fixamente para Tom. Tom apontou ao ferido que se encontrava em frente a ele. — Creio que só quebrou a perna, mas seu companheiro perdeu o conhecimento. A ambulância parou e os enfermeiros saltaram fora do veículo. — Esta escavação se encontra sob a influência de uma negativa constelação, suspirou Hawke. Aaram Schilling olhou preocupado para a escavação. — Como pode ter acontecido algo assim? Murmurou. — Os parafusos devem ter se soltado, respondeu Gina. — Os parafusos estão fixados com porcas, não podem se soltar tão facilmente. — Então pode ser que não estivesse bem aparafusado, conjecturou Jean Colombare. Aaram olhou irritado para o francês. — Eu mesmo coloquei e aparafusei. Sei bem o que pode acontecer se a terra desmoronar. Não responderam. Em silêncio olhavam como os enfermeiros transferiam os dois feridos para a ambulância.

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CAPÍTULO 12 JERUSALÉM, AEROPORTO BEN-GURION, MEIO-DIA

O sol brilhava com todas as suas forças quando o Airbus A310 da British Airways, conforme o previsto, aterrissou na pista do aeroporto de Ben-Gurion, próximo a Telavive, em torno do meio-dia. Quando Padre Leonardo saiu do avião teve a sensação de que lhe faltava o ar. Apesar de ter substituído o negro hábito por uma roupa mais leve, o calor era insuportável. O vento soprava sobre a pista. Os trabalhadores do aeroporto executavam pesadamente suas tarefas. Odiava ter que viajar pelo mundo contra a sua vontade, mas o cardeal prefeito era seu superior e não lhe restara outra opção. No controle de passaportes, Padre Leonardo se identificou com o passaporte diplomático do Vaticano o que lhe evitou o controle de segurança. Desde o ataque às torres gêmeas nos Estados Unidos não paravam de aumentar os controles de segurança. Uma razão a mais pela qual o Padre Leonardo não gostava de viajar além das fronteiras europeias. A Polícia Fronteiriça levou o padre através de uma cancela reservada exclusivamente para o pessoal consular e diplomático com direitos especiais. Sua bagagem foi a primeira que viu sobre a fita transportadora. O pessoal da alfândega desta seção também ficou impressionado pelo passaporte vermelho de diplomata e por isso ele foi o primeiro a recolher suas bagagens e sair através das portas corredeiras automáticas, para a climatizada sala de chegada. Colocou a suas malas no chão e olhou ao redor. Padre Phillipo do convento dos Franciscanos havia lhe prometido que o apanhariam. A sala de chegada estava repleta de gente, mas não conseguia reconhecer em nenhum lugar alguém com vestimenta eclesiástica. Apanhou de novo suas malas e através do tumulto de viajantes se dirigiu à saída. Parou de novo na frente da saída e olhou ao redor. Finalmente deu de ombros e saiu para o exterior onde o sol brilhava. — Padre Leonardo de Roma? Perguntou um homem junto à saída que contemplava chateado aos passageiros. Padre Leonardo se surpreendeu. Este homem de grande barba negra e longos cabelos escuros, parecia mais um vagabundo que o encarregado de Padre Phillipo para receber um convidado. Padre Leonardo colocou as malas no chão e respondeu com um temeroso "Sim". — O padre me mostrou uma foto sua, explicou o barbudo. — Devo levá-lo até o convento. Padre Phillipo não pôde vir apanhá-lo. Siga-me, o carro está no estacionamento subterrâneo. Padre Leonardo ficou pensativo por um momento. Finalmente suspirou, concordou e apanhou as malas. — Espero que o carro tenha ar acondicionado. JERUSALÉM, ACAMPAMENTO NA AUTOESTRADA DE JERICÓ

— Não entendo, não consigo localizá-lo, exclamou Jonathan Hawke enquanto colocava o celular sobre a mesa. — Já tentei umas sete vezes hoje. — Como estão os feridos? Perguntou Tom. — Uma perna quebrada e uma contusão pulmonar, mas os dois estão se recuperando bem, respondeu Jonathan Hawke. — Tiveram muita sorte de que a segunda escora aguentasse. Toda a escavação poderia ter vindo abaixo.

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— Não entendo como pôde acontecer algo assim, observou Yaara. — Aaram trabalha muito bem, podemos confiar nele. Disse que ele mesmo apertou os parafusos. Alguém deve ter mexido neles depois. — Quer dizer sabotagem, observou Gina. — Chame como quiser, mas isso não parece ter sido um simples acidente. — Bobagem! Meteu-se na conversa Jean Colombare. — Talvez uma falha do material, ou carga excessiva. Sobre as paredes são exercidas enormes pressões. Esta capa de terra tão solta pode se deslocar com facilidade e aumentar a pressão. Moshav, com um gesto de mão de negação, disse: — Se Aaram disse que as escoras eram suficientes, então não existe discussão. É a quarta escavação aonde trabalho com ele e nunca aconteceu nada. Jonathan apanhou de novo seu celular, discou o número de Raful e esperou um momento. Todos os olhares estavam fixos nele. Irritado desligou o celular uma vez mais. — Não atende. — Deve ter outras coisas para fazer, disse Gina ironicamente. — Continua sendo o diretor responsável por esta escavação, afirmou secamente Jonathan. — Precisa ser informado do acidente. — Já tentou no Rockefeller? Perguntou Tom. Jonathan concordou. — Não está lá, o laboratório está vazio. Ali só se encontram o ataúde e o cadáver. Faltam o aplique e a ânfora. Gina lançou um olhar de cumplicidade a Jean Colombare. — Está colocando seus troféus a salvo, ironizou e apanhou um pequeno bloco de notas do bolso de sua calça. — Por sorte, fiz um desenho em minha caderneta. — Seus troféus? O que quer dizer? Perguntou Yaara. — A ânfora é similar aos recipientes que foram encontrados nas cavernas de Qumran, explicou Gina. — Aposto meu Porsche que ela contém um escrito. Um rolo procedente da época de Qumran ou inclusive da época onde Jesus Cristo passeava por este vale e nos jardins de Getsemani. — Ou um escrito da época dos templários com indicações do suposto tesouro, adicionou incredulamente Jean Colombare. — Estão malucos, protestou Moshav. — Sabem perfeitamente que não existe nenhum indício fundamentado sobre a existência do tesouro dos templários. Não somos cavaleiros, somos arqueólogos. Ou acaso começaremos a caçar fantasmas agora? — Moshav tem razão, afirmou Tom em defesa de seu companheiro e amigo. — Os templários foram aniquilados por sua própria Igreja. Perderam tudo, até a vida. Só uns poucos puderam escapar para um lugar seguro. Levaram uma vida discreta na pobreza, já que seus perseguidores não paravam de procurá-los. Quem conseguisse esconder um tesouro no meio desta agitação, teria sido muito afortunado, não acham? Gina quis rebater a teoria de Tom. — Não parece suspeito que Raful desapareça assim, deixando o ataúde e o cadáver? Tem alguma coisa que não bate. Jonathan Hawke negou com a cabeça. — Agora sejamos realistas. Raful está cego, é um velho obcecado. Com certeza pensa que deve existir uma prova dentro do recipiente que confirme suas retorcidas teorias. Até ele se dar conta de que as suas suposições não são nada prováveis, continuemos com as escavações. Nosso contrato ainda está em vigor. Eu já investi de forma segura parte do pagamento que me adiantaram. Não é que realmente esteja me fazendo bem, pois estes dias na Terra Santa são

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cada vez mais quentes. Mas pretendo cumprir o contrato e vamos prestar mais atenção à nossa segurança. — Apesar de tudo, não estou disposta a que me excluam da descoberta da tumba do templário, objetou Gina irritada. — Quero ver o que encontramos, estou no meu direito. Jonathan elevou as mãos apaziguando-a. — Eu não sou Raful. Fale com ele. Enquanto isso eu preciso de você aqui. Gina se levantou e se dirigiu à saída da tenda. — Não entendo como se deixam despachar tão rápido por Raful. Se ele não entrar em contato conosco até amanhã, eu mesma irei procurá-lo. Não se vai livrar de mim assim tão facilmente. Isso eu garanto. Jean Colombare também se levantou. — Gina tem razão, disse. — Ao menos no que respeita a mim. — Ela fala sério, murmurou Tom. — E, pelo que a conheço, o professor não se sairá bem se não fizer o que ela quer. MUNIQUE, UNIDADE DE CRIME ORGANIZADO DA BAVIERA, MAILLINGERSTRASSE

— O pároco de Wieskirche também foi vítima de um assassinato muito bem dissimulado como acidente de trânsito, afirmou Bukowski com decisão. — Inclusive se o legista tivesse agido corretamente e realizado os exames rotineiros, não poderia determinar a causa real da morte. Só quando conseguimos as fotos o professor Stuck pode reconstruir o acidente. A lesão do pescoço que provocou claramente a morte dele não pode se imputar ao acidente. — Mas tem algo que não entendo, respondeu Lisa Herrmann. — Se os três casos estão relacionados, como não quiseram também dissimular a morte do irmão Reinhard? Bukowski apagou seu cigarro e apalpou de novo o maço de cigarros. Lisa retirou com as mãos a cortina de fumaça, se levantou e abriu a janela. — Deveria fumar menos. Cada vez que chego em casa preciso lavar a roupa, fede a cigarro, como se tivesse passado o dia num bar, reprovou. Bukowski sorriu. — Não me importaria muito. Há tempo quis ter um bar, mas não consigo ficar muito tempo de pé. — Então, por que se quis exibir o irmão Reinhard depois de ter sido torturado? Bukowski acendeu um cigarro. — O primeiro assassinato foi o de Padre Johannes. Aparentemente para conseguir a chave da igreja. Tiveram cuidado com ele porque não queriam despertar nenhuma suspeita. O irmão Reinhard foi exibido, como diz, porque imagino que sua morte deve ter sido uma advertência. E o sacristão, simplesmente, teve má sorte. Lisa olhou pensativa para a Marsplatz. Numerosas pessoas passavam por ali para se dirigir ao hospital ao lado. — Com todos os meus respeitos, respondeu. — Um bom chaveiro com uma gazua teria aberto em poucos segundos a porta traseira da Wieskirche. E a quem precisavam advertir com o assassinato do irmão Reinhard? Não entendo. Bukowski deu uma forte tragada no cigarro, se reclinou e deixou que o ar saísse lentamente por seu nariz. — Bem, a fechadura da igreja não teria sido um grande inconveniente para um profissional, ratificou a objeção de Lisa. — Talvez o pároco soubesse de algo importante para os assassinos. Ou que ninguém devia saber o que haviam roubado da igreja... — Então descartemos ladrões de igreja, adicionou Lisa. Bukowski concordou com reconhecimento.

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— Muito inteligente. Deveríamos inspecionar de novo a igreja. Em todos os filmes policiais existe um corredor ou esconderijo secreto dentro das igrejas. Talvez passamos por alto algum detalhe. Lisa sorriu perspicazmente. — A Polícia Científica já inspecionou a igreja, assim como nosso pessoal, e agora pensa que pode encontrar algo que os especialistas não viram? Não está se valorizando muito, senhor? — Procuraram impressões, respondeu Bukowski. — Além disso, parece que não fizemos as perguntas certas. Gostaria de saber se o padre fez alguma obra quando chegou à igreja. Soou o telefone. Bukowski se levantou e atendeu a ligação. Após uma breve conversa, desligou enquanto Lisa o olhava com curiosidade. — Nossos colegas encontraram um pastor que viu algo perto da igreja na noite anterior ao assassinato. — O que ele viu? — Você dirige, e eu conto no caminho. — Para onde? — Para Steingaden, respondeu Bukowski. — Ou não se interessa pelo que o pastor tem para nos contar? JERUSALÉM, ACAMPAMENTO NA AUTOESTRADA DE JERICÓ

Apesar do insuportável calor, o homem vestia um escuro traje. O botão do pescoço da camisa estava bem fechado e a gravata não mostrava nenhuma imperfeição no centro de seu peito. Apareceu pouco antes do jantar com um oficial da polícia, trazia uma pasta de couro negro sob o braço, pressionada fortemente contra seu corpo, como se dentro escondesse as joias da coroa britânica. Sem muito interesse perguntou pelo professor Raful. Tom lhe deu a entender que há vários dias não via Chaim Raful e que o professor Jonathan Hawke era o encarregado da direção das escavações in situ. — Então, me leve até ele, respondeu o oficial de polícia. Tom os levou até a grande tenda onde normalmente se reunia com a sua equipe e foi procurar o professor. Encontrou-o junto a Aaram na segunda escavação. — Um policial e um funcionário? Repetiu Hawke pensativo quando Tom anunciou a visita. — Disseram o que desejam? Tom negou com a cabeça. — Nem uma palavra. Hawke olhou uma vez mais ao seu redor antes de entrar na tenda. O homem do traje escuro estava de pé em frente a grande parede, sobre a qual haviam pendurado uma foto aérea das escavações. Virou-se e olhou para Hawke. — Você dirige a escavação? Perguntou. Hawke concordou. — Efetivamente. O que deseja? — Sou Benyamin Yassau do Escritório Estatal para a Antiguidade. Estou encarregado de acompanhar as disposições de segurança das escavações. Houve um acidente, certo? Hawke concordou. — Precisamos verificar os procedimentos, prosseguiu Yassau. — Tal e como escutei não foi o único acidente. — Escute senhor Yassar, respondeu fortemente Jonathan Hawke. — Yassau, Benyamin Yassau.

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— Bem, senhor Yassau, continuou Hawke. — Tivemos um acidente porque a placa do madeiramento cedeu por motivos inexplicáveis. Dois homens ficaram feridos. Afirmo-lhe que aqui damos muita importância à segurança de nosso pessoal e ninguém entra nas escavações sem adotar previamente todas as medidas de segurança. — Mas apesar de tudo aconteceu um acidente, objetou o funcionário. — Sim, desgraçadamente, respondeu Jonathan Hawke muito irritado. — Ainda não conseguimos descobrir como aconteceu. — Talvez as suas medidas de segurança sejam insuficientes. Gostaríamos de ver as escavações. Enquanto isso deve interromper os trabalhos. Temos nossos procedimentos. O rosto de Jonathan se iluminou de raiva, mas teve de morder a língua para não fazer nenhum comentário hostil. Os modos deste homem, seu olhar de desprezo e o tom de desaprovação de seus comentários lhe ferviam o sangue. Respirou profundamente. Inclusive quando as palavras de Yassau mereceram uma resposta, sabia que só malgastaria suas energias. Este homem era um funcionário e, tal como se apresentou, considerava a verificação dos procedimentos uma missão divina. Nada o faria mudar de opinião. Hawke suspirou e abriu para o lado a cortina da entrada da tenda.

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CAPÍTULO 13 CONVENTO DOS FRANCISCANOS DE FLAGELATIO, NA CIDADE VELHA DE JERUSALÉM

— Com certeza que aqui também se fala das escavações sob o monte das Oliveiras no Vale do Cedro, explicou Padre Phillipo. — Há tempos se imagina que nas proximidades dos acampamentos devem se encontrar mais utensílios da época da ocupação romana. Segundo escutei encontraram a tumba de um cavaleiro cristão. Até agora não se confirmou nada oficialmente, mas existem rumores. Às vezes, Jerusalém parece um povoado. — Roma se preocupa, tomou a palavra Padre Leonardo, — Porque o tal professor Raful procura provas que possam derruir os pilares da Igreja. Por que estará tão obcecado com este tema? Padre Phillipo sorriu com compaixão. — Chaim Raful é um velho cego e amargurado. Responsabiliza a Cúria pela morte de seus pais que sucumbiram no holocausto. Diz-se que sua família se refugiou dos nazistas junto com um grupo de judeus em um asilo da Igreja, mas o bispo de então enviou todos para um campo de concentração onde morreram. Ele foi o único que sobreviveu. — Isso aconteceu em outra época, respondeu Padre Leonardo. — Então a escuridão caíra sobre a Terra afetando, sobretudo, a comunidade judaica da Alemanha nazista. Não acredito que os esbirros de Hitler teriam parado ante a resistência da Igreja. Alguns bispos e párocos colaboraram com o regime para se livrarem eles mesmos da destruição. Padre Phillipo prosseguiu: — Para ele não existe nenhuma outra razão. Considera que a Igreja é culpada da morte de sua família. Ignora qualquer outro motivo. Padre Leonardo se levantou e olhou pela janela que dava diretamente à Rua da Nova Porta. Um grupo de turistas japoneses, armados com câmeras fotográficas, que caminhava pela rua, parara. Olharam e fotografaram o convento, as imediações e a Nova Porta antes de prosseguir e desaparecer entre as ruelas da próxima esquina. — O cardeal prefeito deseja que alguns de nossos cientistas da École participem nas escavações, informou Padre Leonardo. — A Cúria outorga a estas escavações um grande significado e quer que lhe relatem qualquer avanço dos trabalhos do monte das Oliveiras. — Já soube, respondeu Padre Phillipo. — Pode ajudar? — Cada vez se torna mais difícil, respondeu Padre Phillipo. — Com a anexação do este de Jerusalém a Israel e à mão protetora dos Estados Unidos, a influência da Igreja na Administração Pública foi perdendo força. Mas sempre existem formas e contatos. Não obstante, vejo uma possibilidade através do Escritório Estatal para a Antiguidade que autoriza e supervisiona todas as tarefas de escavação em e ao redor de Jerusalém. O escritório já exerceu sua autoridade no passado. Esta noite depois da missa nos reuniremos com um funcionário do alto escalão para apresentar a nossa petição. — Nesta noite? — Não temos mais tempo a perder, replicou Padre Phillipo. — Aparentemente o professor encontrou algo realmente importante que sustém sua teoria. Não esperará muito para se dirigir à opinião pública. JERUSALÉM, ACAMPAMENTO NA AUTOESTRADA DE JERICÓ

O sol da tarde continuava esquentando com força a terra. O funcionário do Escritório para a Antiguidade continuava ocupado com a segunda escavação. Ao menos, havia concordado com

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que não se interrompessem os trabalhos das outras três secções, após ter se assegurado de que estavam sendo cumpridas todas as medidas de segurança regulamentares. Nesse período haviam colocado a descoberto um muro de uns cinquenta centímetros de altura junto a um canal de água. Encontraram-se algumas lousas procedentes de uma terma romana. — Se imaginarmos que aqui ficava a entrada, então ali seria o apodyterium, deduziu Moshav e apontou para uma parte do muro. — Aqui se encontrava o tepidarium, que mais atrás se conectaria com o caldarium. Lá ainda precisaremos continuar escavando mais um pouco. — Um pouco! Respondeu Jean Colombare. — Quase um terço de toda a construção está ainda sob os escombros. Aaram precisa nos conseguir uma grande quantidade de madeira. — Prosseguiremos amanhã cedo, propôs Tom e bocejou. — Estou muito cansado e tenho fome. — Talvez devesse dormir de noite, riu Moshav. — O que quer dizer? — Se não pode descansar à noite, diga-o a Yaara. Tom beliscou Moshav quem soltou um pequeno resmungo. Jonathan Hawke se dirigiu ao acampamento com passos pesados através do poeirento caminho. Gina e ele estiveram no museu Rockefeller para falar com Chaim Raful e informá-lo sobre o acidente e as inspeções. Estivera tentando por telefone durante vários dias, mas não havia conseguido localizar Raful. — Encontraram-no? Perguntou Tom sem rodeios. Jonathan Hawke negou. — Não o veem há dois dias. Gina está fora de si. O sarcófago, o cadáver do cavaleiro, seu equipamento, tudo está guardado ali, só faltam o aplique e a ânfora. Com certeza Chaim os levou. — Com toda probabilidade se retirou para preparar a grande aparição, presumiu Moshav. — Talvez tenha razão, respondeu Jonathan pensativo. — É estranho que ninguém saiba onde está. Em Telavive não se sabe nada dele. — E onde está Gina? Perguntou Tom. — Ficou na cidade, respondeu Jonathan Hawke. — Queria comprar um par de coisas. Jean Colombare apontou para as escavações. — Sei que agora não é um tema prioritário, mas precisamos de mais material. Teremos que ampliar o buraco uns dois metros. Creio que Aaram deveria conseguir material de construção para que possamos começar amanhã. Jonathan virou a cabeça e olhou em direção à segunda escavação onde Aaram e o funcionário do Escritório Estatal para a Antiguidade continuavam as inspeções. — Espero que Aaram tenha tempo. Este Yassau é muito meticuloso. A inspeção pode durar bastante e dentro de um par de horas escurecerá. — Deus meu! Protestou Jean Colombare. — O passado já não tem conserto. Aaram não tem nenhuma culpa. Todos nós sabemos que podemos confiar nele. Com certeza que foi só uma má jogada do destino. — Diga isso a Yassau e não a mim, respondeu Jonathan Hawke. — Nos veremos no jantar.

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HYÈRES, SUL DA FRANÇA, NA PRAÇA MASSILION

Respirava com dificuldade. A subida lhe solicitara um grande esforço e sentia suas pernas muito pesadas. Há anos não praticava nenhum esporte, podia se reconhecer claramente pelo estado de sua barriga. O Cardeal Borghese usava calças escuras, uma leve camisa quadriculada e um chapéu de palha. Com esta vestimenta ninguém poderia imaginar que se tratava de um representante eclesiástico de alta posição. — Faz muito calor hoje, meu querido pérre, suspirou o cardeal Borghese. O acompanhante de Borghese, pérre Benoit, usava uma calça bege e camisa branca. Um chapéu de palha também o protegia dos raios do ardente sol do sul da França. — Então, vamos fazer uma parada, respondeu Benoit e apontou para uma das numerosas varandas repletas de cadeiras e grandes sombrinhas em frente à igreja dos templários. — Boa ideia, respondeu Borghese e procurou um lugar livre sob a sombra. Quando se sentaram apareceu uma jovem garçonete com uma camiseta que deixava o umbigo aparecendo. Borghese ficou observando-a insistentemente. Benoit olhou como Borghese pediu um capuchino com muita teatralidade. — A carne fresca atrai os mais velhos, disse após pedir um copo de água. A jovem se afastou apressadamente e desapareceu dentro de uma das cafeterias do lugar. O Cardeal Borghese sorriu. — Não, querido pérre. Há anos a renúncia é o meu credo. A única coisa que me surpreende é o descaramento com o que a juventude se exibe hoje em dia. — Descaramento é uma coisa, mas o que realmente me preocupa é que nossa juventude desdenha cada vez mais os valores religiosos. A garçonete apareceu de novo com uma bandeja. Com uma amável sorriso colocou na mesa o pedido. — O único vicio em que caí é o da pintura vermelha e o poderoso motor do meu carro. — Fez outra vez esta longa viagem no carro esportivo? O Cardeal Borghese sorriu. — E adorei. Pierre Benoit olhou para a semicircular torre da igreja dos templários. — As últimas impressões de uma grande sociedade, que entregou sua vida a Deus e a uma crença, pensou em voz alta. — Uma sociedade de guerreiros que não enfrentou a decadência e o paganismo no mundo. Ao final perderam seu lugar e se regozijaram no mal. Há mil anos, como poderiam imaginar algo assim? O Cardeal Borghese bebeu um gole de sua xícara. Torceu o nariz. — Amargo, amargo e fraco. O creme por cima, muito ruim. Os franceses nunca aprenderão a fazer um bom capuchino. Um capuchino deve ser forte mas não amargo. Deve ter um pouco o gosto do cacau e o café deve se misturar com a espuma láctea, para que se converta em um aroma com a naturalidade do leite e da brisa do mar. Assim nós os italianos tomamos o capuchino. Não o batemos com nata artificial, nem enchemos a xícara até a borda. — Então, deveria ter pedido outro café, observou Benoit. — O café francês é diferente. — Está bem, querido amigo, concluiu Borghese. — Como andam as coisas em Jerusalém? Benoit se aproximou se inclinando sobre a mesa. — As coisas estão andando devagar, murmurou, — Mas no bom caminho. — Alegro-me escutar isso. Israel é um país dividido e Jerusalém é uma bomba que a qualquer momento pode explodir. — O que Jesus diria se voltasse a nascer hoje? Santificou-se pérre Benoit. — Galileia, a terra de seus pais, foi destruída pela guerra civil. Os cristãos foram perseguidos e os islamitas

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preparam dali os seus ataques a Israel. Diariamente morrem mulheres e crianças, inocentes e culpados. — "Por minha vida, oráculo do Senhor Yahveh, que eu não me satisfaça com a morte do criminoso, pois quero esperar que o criminoso modifique a sua conduta e viva". — As citações servem de pouco. Os dias sem Deus apareceram há muito e o Senhor não nos dá nenhum sinal. O Cardeal Borghese colocou para um lado a sua xícara de café. — Tem razão, querido amigo. Agora gostaria visitar a casa do Senhor e rezar. Deseja me acompanhar? Pierre Benoit colocou uma nota debaixo de seu copo e se levantou. — Rezemos juntos. Cada voz que se elevar será de grande utilidade para que Deus escute. — Nunca poderemos abandonar Jerusalém, disse o cardeal e seguiu pérre Benoit até a igreja. JERUSALÉM, RUA BEN-YEHUDA

Queria se sentir de novo como uma mulher. Por este motivo havia se separado de Jonathan Hawke após a visita conjunta ao museu Rockefeller e estava na Rua Ben-Yehuda, em frente das portas ocidentais da Cidade Velha. Aqui Jerusalém era uma cidade como podia ser qualquer outra. Com suas lojas, bares e cafeterias quase se esquecia do barril de pólvora em que se achava imersa. Gina estivera comprando em três lojas. Além de um par de produtos básicos como pasta de dentes e sabonete, procurou um perfume adequado para a sua pessoalidade, em uma das numerosas perfumarias. Dolce & Gabbana Feminine a convenceu. "Por fim poderei cheirar como uma mulher", pensou, "e não ao suor do duro trabalho sob o sol". Depois de ter adquirido dois frascos, iniciou o caminho de volta. Sentou-se em uma cafeteria próxima do hospício alemão. Olhou ao redor. A rua estava repleta de pessoas. Gina bebeu seu expresso e olhou o relógio. Já era hora de procurar um taxi do outro lado da abarrotada área. Amanhã a esperava um duro dia de trabalho. Levantou-se e se misturou entre a multidão em direção à Rua King George até que finalmente, em Ben-Hillel, pode entrar no Parque da Independência. De repente se virou e uma vez mais, seu olhar pousou em um homem alto, em torno dos trinta e cinco, que a seguia a pouca distância. O homem era de tez morena e cabelo negro. "Poderia ser perfeitamente um italiano", pensou. Fazia muito tempo que não ficava com um homem e, sinceramente, este era seu tipo. Olhou-o fixamente antes de desaparecer na esquina. Quando atravessou o parque, deixou atrás de si o barulho e movimento da Rua Ben-Yehuda. Com certeza encontraria um taxi na Rua David-Hamelech.

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CAPÍTULO 14 STEINGADEN EM PFAFFENWINKEL

Fronreitem se chamava o pequeno povoado na localidade de Steingaden, composto por não mais de algumas casas e umas granjas dispersas entre um espesso verde. Ali ao meio-dia chegou Stefan Bukowski para se encontrar nas proximidades com o pastor Alois Higl, no meio de um prado. — Siga na direção de Schobermuhle, havia lhe dito Higl no telefone. — Onde encontrar as ovelhas também me encontrará. Lisa dirigia o escuro BMW e já era a quarta vez que tentava encontrar a rua que levava a Schobermuhle. Nervosa olhou de lado para Bukowski que descansava junto a ela, com os olhos abertos e sem participar. — Precisaria ter lhe pedido que descrevesse o caminho um pouco melhor, protestou. A estreita autoestrada havia dado passassem a um caminho sem asfaltar. — Continue dirigindo, ordenou Bukowski. Lisa fez um gesto de mão e pisou o acelerador. O BMW deu um pequeno salto. Chegaram até um pequeno bosque que acabava logo após uns cem metros. No prado que o seguia pastavam um par de vacas. — Ligue de novo, rogou Lisa Herrmann. Bukowski apontou com o indicador para o lado oposto, onde se veiam dezenas de ovelhas. — O que me diz? Presumiu. — Vire à direita. — Não posso cruzar pelo meio do prado, contradisse Lisa. — Então me deixe descer, replicou Bukowski. Lisa freou o carro para que Bukowski pudesse descer sem problemas. — Por favor, chefe. E quando ele desceu, acelerou e partiu a grande velocidade. Bukowski balançou a cabeça. — Os jovens de hoje, só pensam em correr, disse uma voz a suas costas. Bukowski se virou. O pastor estava de pé a margem da autoestrada seguindo o carro com o olhar. Um grande cachorro negro estava deitado a seus pés e olhava para as ovelhas. — Foi procurar um estacionamento, explicou Bukowski. — O mais próximo fica na B17, a um par de quilômetros daqui, respondeu o pastor. — Você é o senhor Bukowski? Bukowski concordou. — Senhor Higl, se não me engano. — Exato. Você então deseja saber o que eu vi naquela noite próximo da Wieskirche. — Precisamente por isso estou aqui. — O mundo como está doente, o pastor recuperou a palavra. — Os ladrões já roubam até na casa de Deus. Mal, muito mal e hostil. — Então você viu um carro, interrompeu Bukowski o falatório do homem.

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— Sim, confirmou o pastor. — Estava com as ovelhas no prado, a este de Wies. Já era de noite quando fiz a minha ronda. Então vi um carro parado no meio do caminho e não havia ninguém dentro. — Se lembra de que carro era? O pastor procurou no bolso superior de seu casaco azul. — Um momento, disse Higl. — Sou muito ruim para me lembrar de números por isso eu anotei. Era um Mercedes negro. Um carro caro. A matrícula era amarela, não era alemã. — Amarela? — Ah, aqui está. A matrícula é 347 HG 13. Fundo amarelo. Levava uma lanterna comigo. Deve ser da França. Ao menos, havia um F bem ao lado dos números. — França, repetiu Bukowski reflexivo. — Está certo disso? — Totalmente, respondeu Higl. — Já tenho sessenta e quatro anos, mas sei perfeitamente o que vejo. Além disso, me pareceu muito estranho ver o carro aqui e, por isso, anotei a matrícula. Nunca se sabe. — Fez muito bem. Quando viu o carro exatamente? — Duas vezes, respondeu. — A primeira vez ao redor das dez e a segunda vez uma hora mais tarde. Na manhã seguinte já havia desaparecido. — A que horas da manhã seguinte? — As oito. — Gostaria de ver exatamente onde se encontrava o veículo, prosseguiu Bukowski. — Tem tempo? Pode nos mostrar o lugar? Higl apontou para as ovelhas. — Podem ficar sem mim durante uma hora, mas não tenho carro. — Nós o levamos. Lisa Herrmann vinha andando pelo caminho. Secava o suor da testa. — Maldição, precisei ir até quase até o final do caminho para poder estacionar. — Pois pode ir de novo apanhar o carro, respondeu Bukowski. — Já terminamos aqui. A cara de Lisa avermelhou de irritação. JERUSALÉM, AO ESTE DO MONTE DO TEMPLO

O decano Yerud sorriu amavelmente quando estreitou sua mão com a de Jonathan Hawke, que não pode ocultar a surpresa ante a inesperada visita noturna. — Não sabia que... — Está bem, respondeu o decano e apontou para seu acompanhante. — Apresento o Padre Phillipo. Ele também é arqueólogo e ficaria encantado de poder participar nos trabalhos que estão se realizando aqui. O Escritório Estatal para a Antiguidade nos avisou de sua visita, mas não conseguimos entrar em contato com o professor Raful. Jonathan Hawke ofereceu assento aos seus dois visitantes. Padre Phillipo observou a espaçosa tenda. — Nós tampouco sabemos onde se encontra o professor Raful. Desde há dois dias é como se a terra o tivesse engolido. O decano Yerud concordou. — Assim é ele algumas vezes. Um pouco diferente, mas um bom cientista. Ainda que não fique precisamente contente com sua presença, honorável Padre. Padre Phillipo fez um gesto de rechaço com a mão.

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— Conheço suas reservas com relação a Roma. Mas não estou aqui como representante da Igreja, mas como cientista e investigador da antiguidade como você. Para mim é um grande privilégio poder ser informado sobre os avanços das escavações. Diz-se que aqui foi descoberta a tumba de um cavaleiro. Hawke sorriu. — Um cavaleiro das Cruzadas de princípios do século XI. Chamava-se Renaud de Saint-Armand. Uma colega pôde determinar que seu nome pertencia a uma família nobre de Hautefort. Era membro da Ordem dos Templários e participou da primeira Cruzada. Pode ser que inclusive tenha sido um dos primeiros nove templários que se congregaram ao redor de Hugo de Payens. Diferentemente de muitos de seus companheiros de luta, ele permaneceu aqui, na Terra Santa. — Parece extremadamente interessante, expressou o padre. — Dizem que já levaram o sarcófago para o museu Rockefeller, certo? Hawke concordou. — O professor Chaim Raful desejava se encarregar pessoalmente da investigação derivada deste achado casual. Nós continuamos com nosso trabalho aqui colocando a descoberto a guarnição romana da época de Jesus Cristo. — A herança dos romanos é muito grande nesta terra, ratificou o padre. — Em troca, não havia se encontrado nenhuma tumba de cavaleiro em bom estado. Já que a minha investigação se dedica às Cruzadas e, para isso Roma me autorizou, suponho que seja uma excepcional ocasião poder participar em seu achado. Que fique muito claro que se trata de uma investigação da Universidade Bar-Ilam e não da École ou do Escritório para a Antiguidade. Peço que não se oponha a este pedido. Hawke pensou nas palavras de Raful sobre a Igreja e as escavações nas ruínas de Qumran. — Eu sou só o encarregado da execução in situ, respondeu diplomaticamente. — Chaim Raful é o diretor e devem falar com ele. O decano Yerud levantou a mão em gesto de mão de calma. — Estimado senhor Hawke, a Universidade Bar-Ilam é a casa do conhecimento e não o serviço secreto. Pode, tranquilamente, deixar de se preocupar com o professor Raful. Eu acredito que os dentes deles rangerão, mas finalmente aceitará esta decisão. Padre Phillipo é um colega e não trabalhamos com rivalidades. Não seria nada bom. Hawke deu de ombros. — Da minha parte, Padre Phillipo pode participar das nossas escavações. Alegra-nos receber qualquer tipo de ajuda. Cada pessoa da equipe tem uma tarefa bem definida. Phillipo sorriu. — Acatarei suas instruções, professor Hawke. Não será nenhum problema. — Então, benvindo à equipe, respondeu Jonathan Hawke. JERUSALÉM, CONVENTO DE FLAGELATIO, NA NOVA PORTA

Padre Leonardo se sentou no cômodo sofá e apanhou o auricular do telefone aproximando-o de seu ouvido. — Tudo marcha a nosso favor, eminência, anunciou com um sorriso de grande satisfação. — Pois a mim chegaram notícias bem diferentes, replicou o cardeal prefeito. — Me disseram que o professor desapareceu. O sorriso do rosto de Padre Leonardo se esfumou rapidamente. Surpreendeu-se enormemente, mas procurou dissimular. Como o cardeal prefeito sabia que Chaim Raful desaparecera? — Padre Phillipo... Vai participar imediatamente nos trabalhos de escavação, informou Padre Leonardo. — Com certeza que o professor aparecerá rapidamente. É questão de tempo.

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— Também o dia do Juízo Final é questão de tempo, protestou o cardeal prefeito. — Quero saber onde Raful se esconde e em que está trabalhando. Deve ter algo no sarcófago extremadamente importante para Raful e pode arranhar consideravelmente a nossa Igreja. Raful precisa aparecer imediatamente. Entendeu? Padre Leonardo esfregou o pescoço com a mão. Apesar do frescor que reinava nos aposentos de teto alto do convento, se sentia com muito calor. Uma gota de suor desceu por seu pescoço. — Me ocuparei disso imediatamente, sua eminência. — Você se ocupa de tudo, mas sempre se apresenta a mim com as mãos vazias, recriminou-o o cardeal prefeito. — Preciso poder confiar em meus colaboradores. A Igreja não pode se permitir a continuar perdendo fiéis. Quero que faça tudo o que esteja em suas mãos para encontrar o professor e nos contar o que está tramando. Espero que tenha me entendido de uma vez por todas. Não podia ignorar a contundência das palavras do cardeal prefeito. — Afirmo-lhe, sua eminência, que me encarregarei deste problema com todas as forças que estejam em minhas mãos. — Assim espero, concluiu o cardeal prefeito a conversa telefônica. Padre Leonardo permaneceu sentado no sofá durante um tempo sem parar de pensar. Como poderia encontrar o professor neste país estrangeiro? Precisaria pensar numa maneira. STEINGADEN, AO REDOR DA WIESKIRCHE

— É tarde e já deveria ter terminado há um bom tempo, se irritou o colega de Bukowski da Polícia Científica. — Primero a obrigação e depois a devoção, respondeu Bukowski e deu uma tragada em seu cigarro. O colega de Bukowski torceu a cara, apanhou a maleta e desapareceu atrás da fita vermelha e branca que isolava o lugar. O pastor encontrou imediatamente o lugar onde havia visto o carro na noite do assassinato. De fato, como não havia chovido nos últimos dias ainda podia se ver uma impressão de pneus. Depois de ter inspecionado superficialmente a área, Bukowski ordenou a Lisa que solicitasse os serviços da científica para a obtenção de provas no pequeno bosque a apenas um quilômetro da igreja. Antes que Lisa levasse de novo o pastor para seu rebanho, o homem contou que havia um atalho pelo bosque que levava diretamente ao prado junto à igreja. É possível que os assassinos tivessem utilizado este caminho para escapar. Bukowski esperava que os cachorros pudessem percorrer esta rota. Talvez encontrassem algum indício, alguma prova, talvez a arma ou qualquer outro detalhe que o aproximasse dos assassinos. Ainda faltavam três horas para que escurecesse, antes que o sol desaparecesse pelas colinas. Bukowski olhava de um lado o movimento de seus colegas. Lisa Herrmann já havia deixado o pastor com suas ovelhas e já havia voltado. — A Europol verificará a matrícula disse. — Os dois últimos números...

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— Já sei, correspondem ao departamento Bouches-du-Rhône do sul da França, terminou Bukowski. — Estive ali de férias um par de vezes. Um policial uniformizado com um cachorro pastor se dirigiu a Bukowski. Trazia um pequeno saquinho de plástico em suas mãos. — Encontramos isso a menos de cem metros daqui, bem ao lado do atalho, em um arbusto, informou o funcionário. Bukowski apanhou o saco de plástico. Lisa se aproximou e olhou o saco por cima dos ombros de Bukowski quando a elevava. — É um envoltório de balas, observou Lisa. — Sim, respondeu Bukowski. — Pode ser que esteja há muito tempo aqui, não é? Deduziu Lisa. Bukowski negou com a cabeça. Elevou o saco para a luz do sol. — Sucreries, Le Mule, leu em voz alta. — Doces do Moinho. — Francês? Murmurou Lisa. — Certamente. Leve-o ao serviço de análises de provas.

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CAPÍTULO 15 EM ALGUM LUGAR AO SUL DE JERUSALÉM

Despertou de sua piedosa inconsciência. Um véu vermelho cobria seus olhos. Uma dor insuportável havia se apossado de seus pulsos, pernas e de todo seu corpo. Estava nua. Haviam lhe arrancado toda a roupa antes de iniciarem a tortura. — Fale de uma vez por todas! Ordenou o homem de cabelo escuro. — Fale e terá uma morte simples! Gina gemia. Seu rosto estava rubro de raiva. De novo, uma onda de dor lhe invadiu o corpo quando o punho do homem a alcançou. — Pelo amor de Deus, pare, gritou. Era um aterrador pesadelo. Suas pernas se dobraram mas não caiu ao chão, a dor de seus pulsos se intensificou. De novo, gemeu de dor. — Não... Não sei, disse sem forças. — Não, não sei. Repetiu várias vezes estas palavras antes que o homem de tez morena lhe esbofeteasse o rosto. — Diga o que queremos saber, disse o torturador em voz baixa, quase com suavidade. — Por que sofre em vão? Acaso vale a pena? — Não... Não sei, saiu de novo dos lábios de Gina. O homem de cabelo negro se virou e olhou para o outro homem que se encontrava no aposento. Gina piscou, mas por muito que se esforçasse, a figura no outro extremo do aposento permanecia como uma sombra escura. Olhou para o teto. Deveria ser uma velha fábrica. Por que estava lhe acontecendo isto? Sabia que rapidamente morreria. De novo, uma série de socos alcançou seu corpo. — Vamos, filha da puta! Gritou o homem como possuído. — Abra de uma vez a boca! Quando ele se aproximou, Gina lhe cuspiu no rosto. — Bem, afirmou com decisão. — Não quis que fosse de outra forma. Com a outra mão lhe tapou os olhos. No reflexo do fogo ela pode ver o ardente metal. Gritou ao sentir uma aterradora dor na parte superior de seu corpo. A dor lhe roubou a razão. Gritou, mas o homem lhe tampava a boca com a mão. Perdeu o conhecimento e a dor acabou com um indulgente desvanecimento. MONASTÉRIO DE ETTAL, ALTA BAVIERA

Lisa Herrmann se dirigiu bem cedo para o monastério da pequena localidade de Ettal, que ficava a apenas a dez quilômetros de Garmisch-Partenkirchen. Acompanhava-a um policial desenhista. Bukowski tinha de novo algo melhor a fazer, do que tomar a declaração do irmão do monastério que supostamente vira o assassino do irmão Reinhard e de quem já falara confusamente na primeira visita. — Vá você ao monastério, ordenou Bukowski. — Com certeza você entende o louco melhor do que eu.

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Irritada Lisa entrou no carro. "O que estaria pensando esse velho", se perguntava pelo caminho. Bukowski costumava reservar para si suas ideias e conhecimentos, e Lisa não gostava nada disso. Supõe-se que um policial moderno trabalhe em equipe, e um bom trabalho em equipe só pode ser possível se todos os membros do grupo conhecem todos os detalhes. Bukowski era um policial da velha escola, o tempo havia passado por ele sem deixar impressão. E, por cima, era seu chefe. Lisa foi conduzida, junto ao policial desenhista, a uma espaçosa sala da administração, dentro do enorme recinto do convento. Ali esperou impaciente que aparecesse o prior da abadia, enquanto seus pensamentos não cessavam. Quando a porta se abriu, dando passagem ao abade acompanhado pelo irmão Francisco, Lisa se levantou e olhou brevemente para seu relógio de pulso. — Desculpe-me, cumprimentou o abade e lhe estendeu a mão. — Agora temos muito trabalho. Estamos programando o próximo curso acadêmico, pois brevemente nossos alunos do internado voltarão das férias. Na atualidade, um homem da Igreja precisa se ocupar de tantos assuntos terrenos que pouco resta de tempo para si e para a oração. Lisa concordou. — Entendo, o recinto monástico é enorme. — Sim, a escola, o internado, nossa destilaria, a fábrica de cerveja e o hotel. A tudo isso se juntou a grande confusão surgida pelo assassinato de nosso irmão. Quase todos os dias pais preocupados me ligam, pois querem saber se seus filhos internos estão realmente entre os muros de nosso monastério. Por este motivo, estamos muito interessados em que este assunto se resolva rápida e discretamente. — Lamentavelmente, até agora não contamos com nenhuma prova decisiva, respondeu Lisa. — Por isso é importante que o irmão Francisco tente se lembrar exatamente do homem que viu na frente dos aposentos do irmão assassinado na noite do crime. Nosso policial desenhista vai tentar fazer uma imagem desta descrição. E quanto melhores sejam os detalhes, maiores probabilidades nós teremos de identificar o homem. O abade concordou. — O irmão Francisco está consciente disso. Falei muito tempo com ele. Deve ter compreensão. Como antes, sente medo e acredita ter visto o demônio em pessoa na frente dele. Já conversamos anteriormente sobre a sua enfermidade. O irmão Francisco ficou todo o tempo à sombra do abade, cabisbaixo e com as mãos em posição de reza. — Então, irmão Francisco, disse o abade com ternura e indicando ao monge uma cadeira junto ao desenhista. — É a vontade de Deus que os pecadores também se arrependam de seus fatos em vida. Assim que, irmão, tente se recordar da noite do crime. Lembre-se do homem que viu. Ajude o policial em tudo o que puder. Suavemente o abade acariciou a face do irmão Francisco.

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JERUSALÉM, ACAMPAMENTO NA AUTOESTRADA DE JERICÓ

— Não está aqui, disse Yaara surpresa. — Procurei-a em todos os lados, não está nem na tenda, nem em nenhuma escavação. Ninguém a viu nesta amanhã e sua cama está intacta. Parece que não voltou da cidade. Jonathan Hawke arqueou pronunciadamente as sobrancelhas. — Só iria comprar algo e voltar de táxi. — E se ela encontrou alguém? Tom deu de ombros. — Creio que deveríamos chamar a polícia. Todos nós conhecemos Gina. É casada com seu trabalho. Isto não é próprio dela. — Talvez tenha encontrado um homem, comentou Jean Colombare. — Uma aventura amorosa. Ao fim e ao cabo é uma mulher. Moshav lhe lançou um olhar depreciativo. — Gina é, em primeiro lugar, uma arqueóloga profissional e, em segundo, uma mulher. Mesmo se tivesse conhecido alguém, chegaria pontualmente ao seu trabalho. Eu também penso que devemos informar à polícia. Jonathan Hawke respirou profundamente. — Não temos outra opção. Neste momento Padre Phillipo entrou na tenda. Olhou ao seu redor e observou os preocupados rostos das pessoas sentadas à mesa. Fazia bastante tempo que o café-da-manhã já havia terminado e os trabalhadores já haviam saído da tenda para se dirigirem as tarefas de escavação. Só restavam ali o professor e sua equipe. — Espero não estar atrapalhando, disse Padre Phillipo quando ficou de pé em frente à mesa. Hawke se levantou do banco e estendeu a mão ao padre. — Uma de nossas colegas desapareceu, explicou. — Ontem foi à cidade e ainda não voltou. O padre franziu a testa. — Não têm nenhum conhecido na cidade? Jonathan Hawke negou com a cabeça. — Já se pôs em contato com a polícia? — Acabamos de pensar nessa ideia, respondeu Jean Colombare. — Jerusalém é um coquetel molotov, explicou o padre. — De dia suas ruas ficam cheias de turistas, mas de noite se convertem em um pântano. Esta terra é perigosa. A paz que reina aqui é fictícia. Liguem para a polícia, é melhor que a procurem. Hawke concordou e colocou a mão no bolso de seu casaco. Com o celular na mão saiu da tenda. Padre Phillipo seguiu Hawke com o olhar. Então se dirigiu aos demais sentados junto à mesa. — Talvez não seja o momento mais adequado, mas gostaria de me apresentar. Meu nome é Phillipo e venho do convento dos franciscanos de Jerusalém. O decano da Universidade Bar-Ilam me autorizou a colaborar um pouco com vocês. É uma pena que o professor Raful já tenha levado o sarcófago com o cavaleiro. Estava muito interessado, mas parece que vou ter que esperar para poder ver o cavaleiro. Continua sob a custódia do professor Raful? — O professor Raful também desapareceu há vários dias, respondeu Jean Colombare. Yaara olhou com receio a seu companheiro. Colombare deu de ombros. — O que aconteceu? É verdade, o professor ficou invisível desde que encontramos o que estávamos procurando para ele. — Jean! Exclamou Tom furioso. Jean Colombare mostrou a sua inconformidade e apanhou sua xícara de café.

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— Desculpem, não queria ser indiscreto. Padre Phillipo tentou distender a situação. Tom apontou o assento vazio que estava disponível. Padre Phillipo concordou agradecido e se uniu ao pequeno grupo. — Eu sou Tom Stein. Apresento-lhe Jean Colombare, Yaara Shoam e Moshav Livney. Fazemos parte da equipe do professor Hawke. — Eu sei, me informei muito bem antes de vir para aqui, respondeu Phillipo. — Doutora Shoam, talvez não se lembre de mim, mas há um ano nos conhecemos na Itália, na Faculdade de Arqueologia e História Eclesiástica de Roma. E, você, senhor Stein, também tenho referências suas. Esta é a quarta grande escavação onde participa como engenheiro. — Se informou realmente bem sobre nós, observou Moshav. — Eu li sua documentação sobre as escavações do patrimônio cultural romano em Israel, respondeu Padre Phillipo se dirigindo a Moshav. — Um trabalho muito interessante. — E que interesse tem um monge franciscano na escavação de uma guarnição romana? Perguntou Yaara. O padre sorriu. — Querida amiga, eu pertenço à Igreja como se pode ver facilmente, mas não atuo como predicador ou missionário. Sou um investigador da antiguidade, como você. — Então você também é arqueólogo? Perguntou Moshav. — Estudei Arqueologia e participei de numerosas expedições quando era mais jovem. Abandonei a investigação ativa e agora me dedico ao ensino. Mas ainda me emociona muito este tipo de imponentes achados como o que vocês acabam de fazer, quase em frente da porta do meu convento. — Você sabia que quem realmente dirige estas escavações é o professor Raful? Padre Phillipo sorriu. — Conheço o professor Raful e também conheço a sua oposição à Igreja Romana. Por esse motivo vim aqui, para me informar diretamente in situ. Este tipo de achado não pode ser propriedade de um único homem. Pertence a toda a comunidade científica e, por extensão, também à Igreja. Naturalmente que só em parte. — Você sabe que o professor Raful já contava com a presença da Igreja e que por isso levou daqui o sarcófago? Perguntou Jean Colombare com ironia. — Imaginava. — Não confia na Igreja, prosseguiu Colombare. — Falou-nos das escavações que levou a cabo nas ruínas de Qumran. Esteve ali até que a École se encarregou da direção das escavações. Pensa que a Igreja ainda não publicou todos os escritos que se descobriram nas cavernas. Os textos críticos contra a Igreja desapareceram nos arquivos secretos de Roma. Padre Phillipo riu em voz alta. — Os arquivos secretos do Vaticano deveriam ter o tamanho de um grande aeroporto para que pudessem desaparecer ali todos os achados que os inimigos da Igreja e infiéis falam. Se esses documentos existem realmente, quanto tempo podem se manter em segredo? Nas escavações de Qumran participaram arqueólogos e especialistas de todo o mundo. Cristãos, muçulmanos e judeus. Imagine o tempo que se poderia manter segredo sobre um achado de tal calibre... Hawke entrou na tenda. Seu rosto refletia uma grande intranquilidade e preocupação. — Falou com a polícia? Perguntou Yaara ao se dar conta de que algo não estava bem. Hawke concordou. — Um de vocês pode me acompanhar? Disse ainda impactado. — Precisamos ir ao depósito de cadáveres. — Deus meu! Gina? Hawke deu de ombros.

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— Ainda não se sabe nada, mas nesta amanhã cedo foi encontrado o corpo sem vida de uma mulher na autoestrada de Telavive. Estava em um latão de lixo. Tom se levantou. — Eu o acompanho, se ofereceu.

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CAPÍTULO 16 CENTRO FORENSE DE JERUSALÉM

O silêncio reinava nas salas tão próximas da morte. Tom tiritava de frio ao passar pelos longos corredores iluminados com as gélidas luzes de néon. Jonathan e ele, acompanhados por um oficial da Delegacia da Porta do Leão, seguiam o robusto e barbudo homem vestido com um folgado avental branco. — Don’t be afraid, it’s very cold down here, disse o médico em inglês. Abriu uma porta cinza metálica e esperou a que entrassem seus três acompanhantes. A penumbra apenas deixava reconhecer os verdes azulejos das paredes. No meio do aposento se encontrava uma maca metálica coberta por um lençol branco sob o qual podia se intuir o corpo de uma pessoa. O médico se colocou junto à maca e olhou para o policial, que concordou quase imperceptivelmente. Quando o médico retirou a lençol e mostrou a martirizado rosto do cadáver, Tom inalou profundamente. — Deus meu! Gina! Exclamou Hawke. — Está certo? Perguntou o oficial de polícia. Hawke se afastou. — Não tenho nenhuma dúvida, respondeu. — O que aconteceu? Perguntou Tom. O policial apontou para a porta e agradeceu ao médico. Juntos saíram da gelada sala. — Encontramos o cadáver em um depósito de lixo próximo de Givat Shaul. Estava nua e não portava nenhuma objeto. Hawke esfregou os olhos com as mãos. — Foi... Foi estuprada? — Até agora ainda não sabemos muito. Hoje ao meio-dia será feita a autópsia. Tudo o que podemos dizer no momento é que foi torturada e assassinada . — Como a assassinaram? Perguntou Tom. — Foi apunhalada, respondeu o oficial de polícia. — Peço que se mantenham disponíveis, no caso de que os necessitemos. A Polícia Judicial se encarregará do caso. Devem querer falar com vocês. — Certo, disse Hawke, quem tentava se recompor lentamente. O policial os dirigiu para o exterior, para o ar livre. Inclusive quando já se deixava sentir o dia quente, Tom continuava com a pele arrepiada. O que teria acontecido? Gina não era uma jovem inocente e despreocupada, estava na flor da vida. Impossível que fosse facilmente com um desconhecido, certo que a teriam forçado, mas, por quê? Não levava muito consigo. Uma carteira com umas quantas moedas e notas. Não tanto para ser assassinada. Quando ia a cidade nunca levava consigo cheques ou cartões de crédito. — Nunca andava com mais de cem dólares, murmurou Tom. — O que quer dizer? Perguntou Jonathan quando subiam ao carro. — Sempre dizia que nunca andava com mais de cem dólares quando ia a cidade e que deixava os cartões em casa. — Pensa que queriam roubá-la? — Roubar, estuprar, eu não sei, comentou Tom. — O estranho é que o policial afirmou que a torturaram.

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— Com certeza existem pessoas perversas em Jerusalém, como em qualquer outra cidade. Tom concordou. — Espero que a polícia encontre o porco que... Hawke saiu com o carro. — Espero que pague pelo que fez. JERUSALÉM, ACAMPAMENTO NA AUTOESTRADA DE JERICÓ

O restante das termas romana ainda se encontrava a quase dois metros de profundidade, sob os escombros, na seção ocidental da escavação. Na parte exterior, Aaram colocou os postes de marcação. A julgar pela extensão do restante de muro descobertos até o momento, todo o complexo devia se estender até a pronunciada descida para a autoestrada de Jericó. Nesta área de escavação, não podia se descartar o deslizamento da capa solta de terra para a autoestrada. Seria preciso fixar o madeiramento suficiente. O estudo estratigráfico das termas demostrara que havia se formado uma colina artificial sobre a verdadeira superfície. Moshav, Jean e Yaara continuavam trabalhando, não sabiam o que fazer. O trabalho os entretinha e os afastava um pouco das preocupações. Tom e o professor ainda não haviam voltado do depósito de cadáveres. — Utilizaremos a pequena escavadora e começaremos pelo extremo ocidental, anunciou Aaram e apontou para a pá escavadora. Moshav concordou e cobriu seu musculoso corpo com uma camisa. Olhou para o sol. — Hoje também vai fazer muito calor. Deveríamos fazer uma pausa mais longa ao meio-dia e colocar iluminação para a noite. Aaram rechaçou a proposta. — Não, sem iluminação. Devemos colocar as escoras na plena luz do dia, nunca se sabe como a terra irá reagir. Na superfície só cresceu uma fina camada de mato. Contaremos que a terra pode ceder. Quero ver bem as primeiras ranhuras que possam ser abrir. Moshav respirou profundamente e secou o suor da testa. Reflexivo, olhou os maciços postes quadrados que saíam quase um metro do caminhão. — Bom, comecemos então, aproveitemos a luz do dia, ratificou. Moshav subiu ao caminhão e ligou o motor. Aaram ia na frente com a pequena pá escavadora. Os trabalhadores estavam esperando ao redor da escavação onde teriam que descarregar vinte postes de quase quatro metros de comprimento. O trabalho duraria até a noite. Aaram esperava que seus cálculos estivessem corretos. MUNIQUE, UNIDADE DE CRIME ORGANIZADO DA BAVIERA, BRIGADA 63

— França, repetiu Bukowski. — A chave para solucionar nosso caso se encontra na França, acredite. — Se conversasse comigo com mais frequência... respondeu Lisa ironicamente. — Para você é como se trabalhasse só, não é? Bukowski mordeu os lábios. — Como foi o desenho? Lisa abriu a pasta que portava e apanhou o desenho. Bukowski tentou dissimular o riso mas não conseguiu. — Não é sério! Disse. — Hoje levarei para os jornais. — Bobagem.

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— Assim é o nosso assassino, não é bonito, pois assim o descreveu o irmão Francisco. — Isso é o que acontecesse quando se faz caso aos malucos, riu Bukowski. — Pois eu não acho engraçado. — Sabe a quem me recorda este tipo? Perguntou Bukowski tentando ficar um pouco mais sério. Lisa o olhou irritada e colocou energicamente o papel sobre a mesa. — Este tipo se parece com o tal... O tal Jason... Ou como se chamava? — Jason? — Viu alguma vez sexta-feira treze? Lisa preferiu não falar o que pensava e saiu bruscamente da sala. Bukowski apanhou de novo o papel. O demônio que o desenhista havia pintado sobre o papel podia ser uma máscara. Talvez o assassino também tivesse visto o filme sobre Jason e se equipou com uma máscara correspondente. Em todo caso, devia evitar a publicação do desenho antes que rissem dele e de sua brigada. Apanhou o auricular e se colocou em contato com o serviço de imprensa. A conversa foi breve, pois eles tampouco deram crédito ao que viam, quando Lisa enviara o desenho e pedira que o publicassem. — Teria ligado antes de qualquer maneira, disse o diretor de imprensa quando Bukowski lhe ordenou a cancelamento do pedido. Com um suspiro se reclinou em sua cadeira e acendeu um cigarro. Colocou os pés sobre a mesa e exalou lentamente a fumaça. Lisa entrou irritada na sala, completamente ruborizada. — Cancelou a nota da imprensa! Reprovou-o. — Não vamos passar ridículo, respondeu impassível. — Sabe o que? Continuou com as suas reprovações. — No futuro você pode fazer o que quiser. Vou a pedir à chefa que me troque de departamento. Não suporto mais trabalhar com você. Bukowski se levantou, apanhou uma pasta azul e aproximou-a de Lisa. — O que é isso? — Leia. — Pode... — Leia e acalme-se de uma vez. Lisa abriu a pasta. Era o relatório da científica. Lisa leu rapidamente. — DNA, disse reflexiva. — Sim, encontraram DNA no papel de bala. Provavelmente saliva. Suponho que o tipo tem o costume de retirar o papel da bala na boca. Uma sorte para nós, não acha? Lisa torceu os lábios. — Talvez tenha um perfil dele arquivado. Bukowski lhe deu umas palmadinhas nos ombros de Lisa. — Com certeza está arquivado, não se preocupe. — Por que está tão certo? — Pressinto, acho que sim. Esta é a grande diferença entre nós dois. Lisa olhou-o confusa. — O que que dizer com "grande diferença entre nós dois"? — Continuamente você tenta resolver as questões policiais de vida cotidiana através de conhecimento teórico e eu, em troca, confio em meus sentimentos. — E nunca falharam essas sensações? Bukowski sorriu. — Mais de uma vez. — O que faremos com o desenho?

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— Quer publicar? — Quer que eu confie em suas sensações, mas, o que acontecerá se lhe falharem de novo? Bukowski colocou a cinza no cinzeiro. Um ataque de tosse o paralisou. Segurou um lenço na mão e o levou até a boca. — Fuma muito advertiu Lisa. — Me engasguei, disse Bukowski ao retirar o lenço. Dobrou e voltou a colocar o lenço no bolso da calça, antes que Lisa pudesse notar a mancha de sangue, enquanto colocava a pasta sobre a mesa. Bukowski lhe piscou um olho. — Por agora, esperemos. JERUSALÉM, MUSEU ROCKEFELLER, RUA SULEIMAN

Padre Phillipo olhou pesaroso para o sarcófago do cavaleiro que jazia inerte em uma sala na ala oeste do museu Rockefeller. Vários especialistas do museu e da Universidade Bar-Ilam haviam se encarregado do achado nos acampamento da autoestrada de Jericó. — Não posso acreditar que o professor Raful pretendesse ocultar esta descoberta do resto do mundo, disse. — O velho Raful é uma pessoa estranha, reconheceu o decano da Universidade, — É muito experiente. Suas capacidades no âmbito da arqueologia são obviamente indiscutíveis. Mas você tem razão, nesta ocasião foi muito longe. — Seu ódio contra Roma o tem cegado. O decano sorriu. — Até agora não ainda reapareceu. Ninguém sabe onde está. Por desgraça, existe um par de artefatos que está com ele e que também vieram da tumba do cavaleiro. Não poderá se esconder eternamente, mas a nossa paciência se esgotou. Uma escavação destas caraterísticas não é de propriedade particular. Por isso, o Conselho da nossa Universidade decidiu entregar a Chaim Raful a carta de demissão. Entra em vigor imediatamente e afeta a todos os seus cargos. Não poderá dar mais nenhuma aula aos nossos alunos. — E o que acontecerá com o cavaleiro? Perguntou Padre Phillipo. — Nos encarregamos disso, respondeu o decano. — As tarefas de restauração avançam adequadamente. O cavaleiro Renaud encontrará seu lugar aqui, nas salas deste museu. Passou quase mil anos enterrado em Jerusalém e ninguém tem o direito a levá-lo para fora desta cidade. Permanecerá aqui e a ele dedicaremos um pequeno espaço. A história deste cavaleiro é também a história de Jerusalém, mesmo que tenha sido um amargo capítulo de nossa história, banhado de sangue e lágrimas. Padre Phillipo estendeu amavelmente a mão ao decano. — Uma inteligente decisão. Deste modo, devolverá ao mundo o que sempre lhe pertenceu.

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CAPÍTULO 17 JERUSALÉM, ACAMPAMENTO NA AUTOESTRADA DE JERICÓ

Aaram dirigia a pá escavadora amarela sobre o terreno da escavação. Parou enquanto na frente dele Moshav e um par de ajudantes carregavam o pesado poste de madeira que haviam descarregado do caminhão. — A cada três metros, gritou Aaram para Moshav. Moshav elevou o polegar para mostrar que havia entendido. Ele e seus ajudantes carregaram e colocaram o primeiro poste de sustentação no lugar marcado. Aaram girou com grande destreza a escavadora ao longo da colina em direção ao primeiro poste que Moshav e seus ajudantes tinham acabado de colocar. Movimentou o braço giratório, colocou a parte inferior da pá sobre o poste orientando-o bem e cravou-o na terra com ajuda do sistema hidráulico, de modo que a parte a fronteira da pequena escavadora se elevou um pouco. Aaram mantinha o controle, cuidadosamente dosava a pressão e lentamente o poste de madeira ia se cravando no terreno até que só ficasse a um metro acima da superfície. — Se conseguirmos colocar o resto tão facilmente na terra, acabaremos em uma hora, disse Aaram para baixo desde a pá escavadora, enquanto Moshav e seus funcionários retiravam o segundo poste do caminhão. O sol queimava e os homens suavam pelo grande esforço. Em pouco tempo já haviam colocado todos os postes ao redor do recinto. Aaram cravou uma após outra com a pá escavadora. Segundo suas estimativas, a montagem do madeiramento evitaria o deslocamento da terra na colina. Ainda restavam três para cravar no chão, mas o calor e o duro trabalho haviam secado sua garganta como um poeirento rio africano em pleno verão. Aaram fez um pequeno sinal de pausa, desceu, bebeu um grande gole de água e olhou para o acampamento no meio das escavações. — Já se sabe algo de Jonathan ou Tom? Moshav negou com a cabeça. — Acha que Gina morreu? Aaram deu de ombros. — Só sei que há um tempo vem acontecendo coisas estranhas. Algumas vezes tenho a impressão de que alguém está tentando sabotar conscientemente nosso trabalho. E acho que sei quem é. — Raful. — Desde que encontramos a cripta ele mudou totalmente. Converteu-se em uma pessoa retorcida e obstinada. — Não foi sempre assim? Aaram lançou despreocupadamente a garrafa vazia ao chão e subiu na escavadora. — Continuemos, gritou e ligou o motor. Com as ruidosas correntes avançou para a colina onde lhe esperava o antepenúltimo poste. Moshav o seguiu com o olhar. Após a máquina seguiam três musculosos trabalhadores, com a bronzeada parte superior de seu corpo descoberta. De repente, se ouviu um espantoso barulho e ali, onde há apenas uns segundos se movimentava a escavadora, uma enorme bola de fogo cegou Moshav antes que a onda expansiva da explosão o jogasse ao chão.

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MUNIQUE, UNIDADE DE CRIME ORGANIZADO DA BAVIERA, BRIGADA 63

— Esperarmos sentados aqui. É isso tudo o que lhe ocorre? Perguntou Lisa Herrmann profundamente irritada. — Precisamos ter paciência, replicou Bukowski. — Queremos caçar ao mesmíssimo diabo. Um diabo que assassina padres e inclusive os tortura previamente. Um diabo que com a escuridão entra em uma igreja e é capaz de matar se o pegam. Um diabo que dirige um Mercedes desde a França e depois do assassinato chupa friamente uma bala. Lisa se sentou e olhou pela janela. Umas nuvens brancas se moveram pelo céu azul, na direção este para onde soprava o vento. Bukowski olhou pensativo para cima. — Suponhamos que o cura de Wieskirch tenha sido a primeira vítima, isso quer dizer que o assassino estava procurando algo. Algo que segundo o assassino o cura estava de posse. Como não encontrou o que procurava se apoderou das chaves da igreja. Além disso, se esforçou enormemente em fazer com que parecesse um acidente verdadeiro. Em troca, no segundo assassinato do convento deixou o cadáver como um sinal de advertência. Torturou previamente o irmão de uma forma cruel e o crucificou com a cabeça para baixo. Assim se trata aos traidores. Lisa pousou a mão sobre seus lábios. — Mas, para quê? — Não para quê, pois a pergunta é: a quem ele precisava advertir? Aos seus irmãos, aos seus amigos, conhecidos ou toda a Igreja? Corrigiu Bukowski. — E o que procura o nosso assassino? — Algo que imagino estava na igreja, por isso estava ali quando o sacristão o surpreendeu. — Ainda não encontrou o que procurava, continuou Lisa. Bukowski golpeou a mesa com a palma da mão. — Agora encontramos a solução. Justamente. Por trás do cura de Wieskirche e do padre do convento existem outras pessoas. Aliados, cúmplices, camaradas. Não estavam sós e nosso assassino sabe disso. Lisa abriu a boca. — Isso significaria que... — Sim? — ...Podem acontecer mais assassinatos. — Garota esperta, anotou Bukowski. — Nosso diabo continua aqui em baixo, na Terra, no meio de nós. Ainda não encontrou o que procurava. Atacará de novo. — Mas, o que o tipo procura? Perguntou Lisa. Bukowski se aproximou uma cadeira. — Ambos os irmãos de credo tinham algo em comum. Dedicavam-se à investigação eclesiástica da Antiguidade. Eram formados em línguas antigas. Talvez seja esta a chave. — O que pode ser tão ruim para precisar matá-los? — A pergunta é, a que se dedicavam pouco antes de sua morte? Vamos de novo ao convento. Precisamos reconstruir as últimas semanas de vida dos dois eclesiásticos. Então saberemos o que precisamos encontrar. — E o assassino? Publicamos o desenho? — Procuremos a Mercedes, o desenho só daria lugar a mais confusão. Se tiver outros cúmplices, por certo desaparecerá. Não sabe que nós sabemos que aspecto tem. Esse e é o nosso trunfo.

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JERUSALÉM, ACAMPAMENTO NA AUTOESTRADA DE JERICÓ

Desconcertado, Moshav olhou para o monte de metal retorcido em que havia se convertido a pequena pá escavadora da marca Caterpillar. Com um lenço retirou o sangue da testa. Não acreditava. Os bombeiros já tinham encontrado quatro cadáveres. As ambulâncias já haviam levado ao hospital mais próximo os três ajudantes que ficaram gravemente feridos. Temia-se pela vida de dois deles. A força da explosão lhes arrancara as pernas. Os caminhões do exército e os carros de polícia que andavam pelo recinto das escavações faziam vibrar o chão. Moshav continha as lágrimas. Com o olhar perdido contemplava a fita azul e branco que o vento ondeava. Yaara estava junto a ele. Ela também tinha lágrimas nos olhos como podia ver Moshav. Aaram já não existia. Havia se derretido com o fogo, junto com o material plástico e metálico da escavadora. — Não... Não consigo entender... Tartamudeou Moshav. — Este lugar está amaldiçoado. — Venha comigo, vamos embora daqui, respondeu Yaara. Moshav se negou. — Quero saber o que aconteceu. Yaara concordou compreensiva. Virou-se ao ver ao longe a picape Toyota branca que havia parado em frente à tenda. Reconheceu Tom que saía do carro. — Espere aqui! Disse a Moshav antes de sair correndo. Quando Tom a reconheceu foi ao seu encontro. Ela caiu nos braços de Tom sem parar de chorar. Tom olhava atônito para os veículos do exército, da polícia e ambulâncias junto das escavações. Ainda se levantava um pequeno fio de fumaça para o céu. — Deus meu! O que aconteceu aqui? Perguntou Tom. — Aaram morreu, soluçou Yaara. — Ninguém sabe o que aconteceu. Existem outros mortos e feridos graves. A escavadora explodiu. Tom acariciou o cabelo de Yaara. Ela olhou ao redor e perguntou: — Onde está o professor? — Está no consulado. Gina está morta, foi assassinada. — Não! Deus meu! Yaara voltou a romper em lágrimas. Tom a abraçou fortemente. Fechou os olhos e só os pode abrir quando sentiu que alguém lhe tocava o ombro. Olhou a seu ao redor. Jean Colombare e um oficial de polícia estavam por trás dele. — Encontraram uma mina, informou Jean sem rodeios. — Uma mina? — Uma mina antitanques, modelo soviético, uma mina plana com uma elevada carga, confirmou o polícia. — Uma grande força destruidora. — Isso foi uma mina? Perguntou Tom estupefato. — Mas, como pode ter uma mina aqui, dentro do recinto? — A terra fora colocada lá há uns meses. Vinha dos trabalhos do monte do Templo. Achamos que a mina estava misturada na terra. Um fatal acidente. — Um acidente? Repetiu Tom.

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— Este terrível acidente custou a vida de seu colega, confirmou o oficial de polícia. — Naquela época havia muitas agitações e imaginamos que os grupos radicais planejaram um ataque as obras que estavam se realizando no monte do Templo. De algum modo, as minas então colocadas não explodiram. Sinto muito. O policial pousou sua mão no gorro de seu uniforme para se despedir e saiu. Tom seguiu-o com o olhar até que desapareceu pela grande tenda. — Sabe algo de Gina? Perguntou Jean. Tom esfregou os úmidos olhos com os dedos. — Gina morreu, foi assassinada. Jean inalou profundamente. — Que horror. — Sim. Precisamos informar o professor. JERUSALÉM, PRÓXIMO DO BAIRRO RUSSO

Gideon introduziu a mão no bolso de sua camisa e apanhou o celular. Era um celular com câmera de fotos de última geração. — Tive sorte, afirmou quando mostrou a foto do campo de escavações. Na borrada imagem podia se distinguir a grande labareda de fogo. — Quatro mortos e vários feridos, dizem as notícias, afirmou Solomon Pollak. — Se a mina explodisse uns minutos mais tarde teria me pegado. Não voltarei nunca mais a pisar nessas escavações. — Já não é mais necessário, respondeu Pollak. — Por agora, vão ser canceladas as tarefas de escavação. A área será bloqueada. — Foi um acidente. A terra vinha do monte do Templo. Pelo visto, as minas também. — Então, convido-o a uma cerveja. Creio que a partir de agora você comemorará também o aniversário neste dia. — Tive muita sorte. — Então brindemos à boa sorte. Gideon olhou inquisidor para Pollak. — Já não preciso mais dos seus serviços, assim perderá uma importante fonte de dinheiro. E também vai perder o trabalho das escavações. — Ainda tenho uma novidade para contar. — Fale. Gideon olhou com receio a seu ao redor, mas na pequena ruela não podia se ver nem uma alma. Estavam sós. — Quanto pagará? Perguntou Gideon com um sorriso nos lábios. — É uma notícia importante? — Eu diria que vale ao menos uns quinhentos dólares. Solomon Pollak introduziu a mão em seu casaco. — Estou na expectativa, disse ao retirar as notas. — Encontraram Gina Andreotti assassinada, ela era da equipe do professor, sussurrou secretamente Gideon. Solomon guardou de novo as notas em seu casaco. — isso eu já sei, só pago por novidades. Entendeu? Gideon olhou assombrado para Solomon. — Como soube? — Me disseram, respondeu Pollak.

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— Não pode ser, salvo o professor e sua equipe de confiança ninguém mais sabe até agora. Eu ouvi casualmente quando estavam conversando entre eles. Não querem que ninguém saiba até que o consulado informe a família da falecida. Como conseguiu descobrir? A não ser que... Gideon interrompeu a observação na metade da frase. — Uma pena, disse Solomon Pollak. — Uma pena... Por quê? Balbuciou Gideon. — Agora você não vai poder comemorar o próximo aniversário, respondeu friamente Solomon Pollak. Tinha uma pistola na mão. Escutaram-se dos disparos cujas balas acabaram seu percurso nas fachadas das casas da solitária ruela, nas proximidades do bairro russo.

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CAPÍTULO 18 JERUSALÉM, ACAMPAMENTO NA AUTOESTRADA DE JERICÓ

Tom tinha seu olhar na xícara que segurava com as duas mãos, imerso em seus pensamentos. Na grande tenda, normalmente repleta de pessoal esfomeado e sedento à hora do almoço, reinava um lúgubre silêncio. O professor Jonathan Hawke e Jean Colombare tinham seus rostos afundados entre as mãos. Moshav havia enviado os trabalhadores para suas tendas ou para casa. Hoje não se trabalharia mais. No recinto das escavações continuavam as forças de segurança do exército israelense inspecionando o chão na busca de possíveis minas. Yaara se serviu de mais café. Seus lacrimosos olhos estavam vermelhos de tanto chorar. — Foi um acidente, Jean Colombare interrompeu o silêncio. — Um estúpido acidente. Ninguém poderia evitar. Acho que deveríamos fazer as malas e desaparecer daqui. Estas escavações se encontram sob uma má sorte. — Assassinaram Gina. Isso não foi casualidade, respondeu Moshav. — Claro que não, ratificou Jean. — Espero que a polícia encontre esse assassino e o jogue no buraco mais profundo que exista em Israel. Mas o assassinato não tem nada a ver com nosso trabalho. — Está realmente certo disso? Perguntou Tom. — O que quer dizer? Não pensará que...? — Sim, acho que querem nos tirar daqui, disse Tom. — Desde que começamos as escavações não param de acontecer coisas. Ninguém sabe onde está Raful. Talvez esteja morto. — Não está falando sério. Quem quer nos tirar daqui? Tom olhou Jean Colombare nos olhos. — Raful disse que não confiava na Igreja Romana e que temia que usasse a sua influência para evitar que continuássemos com as escavações? Pode ser que tenha razão. Jean negou com a cabeça. — Isso são alucinações. É a cisma que Raful tem com a Igreja. É doença e ninguém o leva a sério. Moshav se levantou e olhou para fora da tenda. — Continuam procurando mais minas. Jean se levantou também e se dirigiu a Moshav. — A terra que foi depositada aqui está contaminada, veio da Cidade Velha. Israel não é precisamente uma terra pacífica. Não estranharia que encontrassem outras minas. O professor Jonathan Hawke tossiu. — A principal questão é: se continuaremos trabalhando aqui ou não. Após o que aconteceu não posso exigir de ninguém que fique. Eu mesmo estou duvidando sobre que é o mais adequado. Tom colocou a xícara para um lado. — Eu já tenho bem claro. Viemos para aqui desenterrar uma guarnição romana. Ainda não acabamos as escavações. Jean se virou. — Raful nunca se interessou pela guarnição. Para ele, este trabalho consistia só e exclusivamente em descobrir a cripta do cavaleiro. Não sei onde obteve a informação de que nesta área jazia um cavaleiro, mas o que ficou bem claro é que nos utilizou para seus próprios interesses. — A Universidade Bar-Ilam nos encarregou das escavações, introduziu Moshav. — Financia o trabalho e nos paga. Raful é simplesmente um empregado da Universidade. Não precisamos sobrevalorizar a sua posição. — Acho que Moshav tem razão, adicionou Tom. — Quem nos encarregou deste trabalho foi a Universidade e não o professor. A mim já me pagaram o salário então continuarei trabalhando. Yaara estava de acordo. O professor Jonathan Hawke pediu a palavra.

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— Eu já tomei a decisão no que a mim respeita. A morte de Aaram comoveu a todos nós e o assassinato de Gina foi um crime absurdo, mas Tom tem razão. Trabalhamos para a Universidade Bar-Ilam e o que aconteceu com Aaram, Gina ou Chaim Raful não muda este fato. Precisamos ter muito mais cuidado e contar com a existência de mais minas no recinto. Mas ainda falta muito para alcançar o objetivo de nossa missão. Creio que Gina e Aaram teriam desejado que continuássemos trabalhando nas escavações. Eu ficarei aqui, mas não me aborrecerei se alguém for embora em vista das circunstâncias. Yaara, Moshav e Tom mostraram seu acordo. — Nós ficaremos, respondeu Yaara. Jean Colombare respirou profundamente com o olhar posto no brilhante céu azul. — Está bem, também fico. Continuaremos escavando no assentamento romano e rezaremos para que os acidentes tenham acabado, suspirou Jean. Jonathan Hawke concordou olhando para Jean. — Amanhã falarei com o decano Yerud e transmitirei a nossa decisão. JERUSALÉM, ESCRITÓRIO ESTATAL PARA A ANTIGUIDADE

— Por favor, se sente, ofereceu o funcionário e apontou atentamente à acolchoada cadeira. Padre Leonardo agradeceu e sentou. — Alegro-me com a sua visita, começou o funcionário. — Durante os últimos anos não apareceram muitas visitas de Roma. O padre sorriu. — O cardeal prefeito me pediu que o cumprimente de sua parte. Ainda que a Igreja Romana se dirija pouco a você, estamos perfeitamente conscientes de que esta é a Terra Santa onde viveu e atuou Jesus de Nazaré. As impressões de seus atos ainda está tão presente aqui que se pode sentir a sua existência, inclusive estando tão longe de Roma. O funcionário concordou com total reconhecimento. — Em que posso ajudá-lo? Padre Leonardo se reclinou em sua cadeira. — Roma se interessa muito pelas escavações do Vale do Cedro. Já me coloquei em contato com o decano Yerud da Universidade Bar-Ilam que solicitou as escavações. O achado de um cavaleiro levantou uma grande expectativa em Roma. É parte do legado de nossa Igreja e pertence indissoluvelmente à história da Santa Sé. Resumindo, gostaríamos de participar nas tarefas de escavação. O funcionário se mostrou muito surpreso. — Não soube que aconteceu um grave acidente lá? Padre Leonardo negou com a cabeça. — Parece que explodiu uma mina. Várias pessoas morreram e outras estão gravemente feridas. Não se descarta que ainda existam minas no recinto. Decidimos parar as escavações no momento. Só quando os peritos militares digam que a área está segura voltaremos a autorizar o recomeço dos trabalhos. Padre Leonardo ficou confuso. — Não sabia de nada disso, respondeu. — Há um par de meses se realizaram tarefas para melhorias no Monte do Templo e foram criados novos espaços. Este projeto encontrou uma grande resistência entre os grupos radicais. A terra excedente retirada dali foi descarregada temporariamente em frente das portas da cidade. Imaginamos que a mina que explodiu era dirigida à paralização das obras do monte do Templo. Por algum inexplicável motivo não explodiu. Uma grande sorte então, mas com consequências fatais para o chão das escavações. Parte desta terra se amontoou na área ocidental do recinto. Antes que nos asseguremos de que não existe mais nenhum artefato explosivo na terra, não podemos autorizar os trabalhos dos arqueólogos. Com certeza o senhor entenderá. Padre Leonardo concordou.

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— É claro que ante estas circunstâncias a máxima prioridade é proteger a vida das pessoas. Mas acho que meu pedido não deixa de ser válido. Ao fim e ao cabo, ali estão enterrados tesouros do passado. Em algum momento estou certo que se retomarão os trabalhos, o que também interessa a você. Então a Universidade Bar-Ilam e a Igreja Romana dividirão as tais tarefas, assim como os custos. Não será a primeira vez que escavaremos em sua terra. — Se vocês já se acertaram com a Universidade de Bar-Ilan, nosso escritório não colocará nenhuma objeção. Não se trata de interesses pessoais, mas de conservar a história para nossos filhos e os filhos de nossos filhos. Padre Leonardo se levantou e estendeu a mão ao funcionário. — Disso pode estar certo. Agradeço muito o tempo que gastou para me receber. — Não se preocupe, respondeu o funcionário. — Sempre agradeceremos a colaboração de Roma. MUNIQUE, UNIDADE DE CRIME ORGANIZADO DA BAVIERA, BRIGADA 63

Bukowski assoviava uma canção alegre quando se sentou à sua mesa e procurou o maço de cigarros. — De bom humor? Perguntou Lisa Herrmann. — Sempre estou, respondeu Bukowski. — Não sei por quê, mas há uns dias tenho a impressão de que não leva o trabalho a sério. Estamos procurando um assassino que já matou em três ocasiões e ainda estamos como no princípio. Bukowski acendeu um cigarro. — Se eu estivesse amargurado e obstinado não teríamos mais informação do que temos. Prefiro seguir o conselho de Mark Twain. — Mark Twain? — "Dê a cada dia a oportunidade de se converter no melhor dia de sua vida, mesmo se estiver trabalhando". Lisa torceu a cara com desinteresse. — Bom, se quer assim. Alguma novidade? Bukowski olhou o relógio de pulso. — Acaba de passar das três horas. Os prussianos nunca dispararam tão rápido. Estou esperando a ligação de um velho amigo que pode nos ajudar. — Outra vez um amigo do estrangeiro? — O comissário chefe da Polícia Nacional, respondeu Bukowski. — Maxine e eu trabalhamos juntos muitos anos. No ano passado regressou a Paris. Dávamo-nos muito bem. — E acredita que poderá nos ajudar? — Se se tratar de diligências na França é a pessoa adequada. Dentro da Polícia Nacional dirige o Escritório de Assuntos Exteriores e teve melhor sorte que eu. Na sua idade não precisa sair à rua e perseguir criminosos. Inclusive o promoveram quando voltou a Paris. Em troca eu, em agradecimento ao meu trabalho, me deram um bom chute no rabo. Bom, o mundo é assim injusto. — Seja injusto ou não, se vê que seu amigo Maxine não tem muito tempo para você. — Tem tempo sim, mas eu tampouco não jogaria um pau na água durante minhas férias. Está na Martinica desfrutando do sol, mas na segunda-feira retornará a Paris. Então nos reuniremos com ele, em seu escritório. — Vamos para a França? A chefa já sabe? — Às vezes é bom ter amigos influentes. Recebi um convite para duas pessoas. Oficialmente um intercâmbio de experiências.

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— Quanto tempo? — Dois dias. — E eu posso ir? Perguntou Lisa com os olhos bem abertos. — Convidaram-me expressamente, o segundo ainda não foi decidido, mas se está interessada proporei você. Lisa sorriu. — Posso fazer algo por você? Quer que faça um café ou que lhe traga um sanduíche do bar? — Dê a cada dia a oportunidade de se converter no melhor dia da sua vida, respondeu Bukowski. — Creio que este dia vai indo num bom caminho. Mas que uma coisa fique bem clara, vamos lá para trabalhar. — Claro! — Somente temos um problema, adicionou Bukowski com um gesto irônico. O sorriso de Lisa se extinguiu. — Qual? — Teremos que dividir o quarto.

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CAPÍTULO 19 JERUSALÉM, ACAMPAMENTO NA AUTOESTRADA DE JERICÓ

Benyamin Yassau deu um desconfiado olhar ao professor Hawke e sua equipe. — São disposições de segurança que não podemos ignorar, afirmou. — Não fui eu quem aprovou esta lei, mas sim o povo de Israel. Eu só me encarrego de executá-la. Vocês devem lembrar que não há muito tempo estive aqui. Tom negou com a cabeça. — Você quer parar o trabalho que estamos fazendo aqui, ainda que falte muito por acabar. Ainda jazem muitos tesouros sob esta terra. E agora nos vêm com estas normas. — Senhores! Exclamou o decano Yerud. — Em vista dos acontecimentos no recinto das escavações, o Escritório Estatal para a Antiguidade não tem outra opção. Só será possível retomar as tarefas de escavação depois que uma equipe perita em detecção de minas tenha inspecionado a área e a declare segura. Não estamos em posição de cobrir gastos adicionais e o tempo de parada. Não nos podemos permitir mais acidentes. Jonathan Hawke concordou resignado. — Isto significa o final de nosso trabalho. Todo o que conseguimos até agora foi em vão. — Em absoluto, em absoluto senhores, se intrometeu Padre Phillipo na conversa. — Seu trabalho recomeçará. Após conversas com a Santa Sé consegui convencer Roma da importância de seus achados. Senhores, vocês fizeram um trabalho excelente. Não poderemos esquecê-lo. Tom lançou a Moshav um olhar cúmplice. — Raful tinha razão, lhe sussurrou ao ouvido. — Os arqueólogos eclesiásticos se encarregarão de nossas escavações. Moshav tossiu e interveio. — Quer dizer que este projeto continuará? Padre Phillipo sorriu. — Com certeza será recomeçado. Encarregou-se uma equipe de inspeção de minas para que reviste a área. Quando tivermos luz verde, prosseguiremos sem demora. — E nós estaremos lá. O sorriso de Padre Phillipo se extinguiu. — Na realidade nós traremos nossos especialistas. Além disso, somos obrigados a utilizar os recursos que nos proporciona a Santa Sé. Temo que não existe pressuposto para contratar pessoal externo, mas podem estar completamente certos de que ao final o projeto chegará a bom porto. Seria imperdoável deixar que se perca esta guarnição. — Quer dizer, o Escritório Eclesiástico para a Antiguidade se encarregará das escavações e recomeçará o trabalho com o pessoal eclesiástico, precisou o decano Yerud após a explicação do padre. — Sua implicação neste projeto já foi concluída. Evidentemente que podem ficar com os pagamentos de seus serviços. Renunciaremos à devolução já que os responsáveis futuros nos asseguraram que a Universidade participará nos achados. — Vamos, senhores, adicionou Padre Phillipo. — Vai muito mais além do beneficio próprio. Vocês encontraram o lugar e deram os primeiros passos que resultaram tão valiosos. Nós só terminaremos o que vocês começaram. Finalmente alcançaremos nosso objetivo comum. Reviveremos nosso passado. — ... E assim impediremos que certas testemunhas vejam, no caso de que se ache algo que não concorde com a história da Igreja, sussurrou Tom a Moshav no ouvido. Jonathan Hawke tocou com a mão o rosto, marcado pela resignação. O que podia fazer? A Universidade Bar-Ilam o havia encarregado deste trabalho e, portanto, devia se submeter as instruções do decano.

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— Faremos as males, disse finalmente com uma frágil voz. — Não temos nada mais que fazer aqui. Uma hora mais tarde a escuridão havia se estendido pelo recinto arqueológico. Tom, Moshav, Yaara e Jean se reuniram com o professor na grande tenda. Estavam sós, os ajudantes universitários e os trabalhadores que haviam participado nas escavações já haviam voltado para casa. — Foi uma trama maliciosa, opinou Tom. — Querem que nós desapareçamos. Chaim Raful tinha razão. Jonathan Hawke deu de ombros. — Eu sei, mas, na teoria, as autoridades tem razão. Por um lado, é bastante provável que o padre tenha se aproveitado da situação, mas, por outro lado, não podemos ignorar a probabilidade de que aconteça outro acidente. O melhor é que façamos as malas e demos passagem aos arqueólogos da Igreja. Têm mais influência que a Universidade. — Não se dá conta de que estão nos retirando no meio? Persistiu Tom em suas suspeitas. — Talvez as minas ten... — Está maluco, interrompeu-o Jean Colombare. — Este simples pensamento me parece inconcebível. Estamos falando da Igreja e não de uma organização da máfia. Creio que é melhor que outros se encarreguem das escavações do que parar com elas. — E se Tom tiver razão? Disse Moshav. — Pensem bem. Primero, estes misteriosos acontecimentos. Depois, aparece repentinamente este padre em cena; o acidente. Aqui tem algo que não cheira bem. Jonathan Hawke fez um gesto de mão de rechaço. — Amigos. Não! Estão indo muito longe. Tom, eu entendo que esteja muito chateado, mas não devemos nos perder em suspeitas infundadas. Assassinaram Gina, Raful desapareceu e Aaram morreu em um acidente fatal. Antes que aconteça algo a mais, é melhor recolhemos nossas coisas e cairmos fora. Existem outras escavações no mundo. Tom suspirou, mas antes que pudesse responder, do lado de fora se escutou o ruído de um motor que se aproximava. Yaara se dirigiu à porta e olhou. — A polícia, anunciou. — O que quererão agora de nós? Em seguida um oficial da polícia entrou na tenda. Outro a paisana o seguia. O policial se identificou e apresentou o seu companheiro como Dov Gluski da Polícia Judicial de Jerusalém. — Escutei que vão parar as escavações. É verdade? Perguntou o oficial de polícia. — É, respondeu o professor Jonathan Hawke. — Devido às investigações que iniciamos em relação ao assassinato de sua colega, me vejo obrigado a pedir que permaneçam a nossa disposição, prosseguiu o policial. — Sim, e o que quer dizer isso? Perguntou Yaara. — Preciso pedir a todos vocês que permaneçam no país. Precisamos confiscar seus passaportes. Ainda não concluímos as investigações. — E agora acha que nós assassinamos a nossa colega, respondeu Tom com vontade de arrumar confusão. — Enquanto não obtenhamos nenhuma impressão, todos são suspeitos, replicou o funcionário a paisana. — Reservamos quartos para vocês no hotel Reich de Beit HaKerem. O hotel se encontra nas cercanias da cidade. Deverão ficar lá enquanto durarem as nossas investigações. Não podem

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permanecer aqui, vai se isolar todo o recinto. Amanhã espero você e a sua equipe na delegacia. Precisamos conversar. ROMA, IGREJA DE JESUS, PIAZZA DE GESÚ

No suntuoso ouro do altar se refletia o sol que entrava através da luminosa cúpula e seguia para o interior da igreja de Jesus. A nobre e fria construção ocultava o movimento da vida cotidiana de Roma e cobria a casa de Deus com uma aura de tranquilidade e veneração. Só algumas pessoas idosas se ajoelhavam nos bancos, imersas em suas orações. O cardeal prefeito, sumido em seu recolhimento, observou no outro lado do coro o pacífico jogo de raios solares no polido metal nobre que havia resistido intacto o passar dos séculos. — Cristóvão Colombo foi um grande homem que rechaçava a Deus, sussurrou o cardeal Borghese. — Mas a Igreja tem muito a lhe agradecer. Não só o ouro, mas também grandes partes de nosso rebanho vive na terra que ele descobriu. O cardeal prefeito sussurrou silenciosamente.— Escutei que as escavações de Jerusalém vão parar no momento, prosseguiu o cardeal Borghese. — Aconteceu um terrível acidente, respondeu o cardeal prefeito. — Jerusalém é uma cidade perigosa, um paiol de pólvora. É a cidade de nosso Senhor, mas rodeada de muitos inimigos. — As escavações não continuarão, prosseguiu o cardeal prefeito. — A Universidade de Telavive já retirou o seu pessoal. Parece que o recinto das escavações está salpicado de minas antitanque. Antes que se possa continuar trabalhando ali, vai ser preciso inspecionar a área. Do contrário, não se poderá oferecer nenhuma garantia aos trabalhadores. O cardeal sorriu. — Creio que nossa Igreja não terá nenhum problema em recomeçar os trabalhos. Talvez este acidente tenha sido um sinal do destino. — Meu querido Borghese, ao falar assim até se poderia pensar que caiu muito bem este acidente. Pense que várias pessoas morreram. O sorriso de Borghese se extinguiu. — É espantoso que se tenha chegado tão longe e que houvesse necessidade de se derramar sangue. Creio que é justo e está justificado que participemos nas escavações. A Santa Sé não deve ser uma mera parte observadora quando outros estão trabalhando na história de Jesus Cristo, o salvador dos homens. O cardeal prefeito se ajoelhou. — Agora oremos pela bondade de nosso Senhor. Estou convencido de que Padre Leonardo representará bem os nossos interesses em Jerusalém. Além disso, não está só. Podemos confiar no irmão Phillipo e nos franciscanos. O professor Chaim Raful não poderá se esconder eternamente. Aparecerá em algum momento para difundir suas loucas teorias, mas não se sairá melhor do que nós. O cardeal olhou com assombro ao prefeito. — O que quer dizer com isso, reverendo padre? O cardeal prefeito sorriu antes de colocar suas mãos em oração. — Não será escutado, respondeu laconicamente.

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JERUSALÉM, HOTEL REICH EM BEIT HAKEREM

Tom olhou pela janela do quarto de seu hotel para a tranquila autoestrada que levava ao centro. O hotel Reich se encontrava a uns dez quilômetros da Cidade Velha em um tranquilo bairro nas cercanias de Jerusalém. Depois que os polícias saíram do recinto das escavações, Tom e seus companheiros se dirigiram nos veículos de serviço ao hotel, onde haviam alugado para eles cinco quartos no terceiro andar. Os quartos eram pequenos, mas muito agradáveis. Tom se virou. Perdido em seus pensamentos olhou para a mala, ainda sem desfazer jogada em cima da cama. Essa mala, junto com sua caixa de ferramentas, era tudo o que levava consigo. Sabia que nunca voltaria aos acampamentos. Haviam acontecido muitas desgraças, haviam se perdido demasiadas vidas. Chaim Raful continuava desaparecido, sem rastro, quase havia se convertido em um vago sonho. Gina e Aaram estavam mortos; ela, assassinada por um louco desconhecido e ele, transformado em poeira por uma mina. Agora se encontrava retido no país junto com os outros e eram considerados suspeitos. Teve que entregar seu passaporte e lá fora, em frente ao hotel, estava estacionado um carro da polícia. Seu trabalho em Jerusalém havia terminado. Como continuaria a sua relação com Yaara? Iria com ele e abandonaria seu país natal? Havia se apaixonado desta jovem morena para sempre e seu amor era correspondido, mas a situação se complicara. Tom se sentou na cama e suspirou. Algo não batia. Pressentia que os acontecimentos nos acampamentos não haviam sido casuais. Mas, como poderia demonstrar? A Igreja se escondia por trás de tudo? Queria evitar que saíssem à luz fatos que questionariam a história do cristianismo e a existência de Roma? A Igreja seria capaz de matar por isso? Inalou profundamente antes de abrir o zíper de sua mala e se levantar. Tinha vontade de tomar um banho quente. Havia marcado que desceria em uma hora para jantar com o resto da equipe no restaurante do hotel. Apanhou sua nécessaire e se dirigiu ao banheiro. A água quente o faria se sentir melhor. Fechou os olhos e desfrutou do momento.

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PARTE 2 A BUSCA DA VERDADE

... Na época atual não pode ter um segundo ganhador,

somente existe um ganhador e perdedores, quem chegar tarde praticamente já perdeu...

CAPÍTULO 20 DELEGACIA CENTRAL DE POLÍCIA, RUA DEREKH-SHEKHEM

A segurança era uma questão de importância vital nesta cidade já que, apesar de todos os anúncios de paz, prevalecia uma guerra civil. Tom, Yaara e o resto da equipe tiveram que passar por três controles antes de poder entrar no edifício da Rua Derekh-Shekhem, rodeado de altos muros, um alambrado e várias torres vigias. Já haviam passado das oito, Tom não havia conseguido dormir bem na cama macia do hotel Reich. Um funcionário da Polícia Judicial esperava ao professor Hawke e a sua equipe. Ao chegar, os distribuíram por várias salas. Tom estava sentado em um pequeno aposento da ala ocidental do edifício, vigiado por um jovem policial. Impaciente contemplava os quadros das paredes. Duas pinturas abstratas em acrílico unidas em um conglomerado de sombrias cores. De algum modo, esta imagem representava exatamente seu estado de ânimo. Esperou mais de vinte minutos até que finalmente apareceu uma mulher gorda com uma roupa azul e uma trança de cabelo cinza. Cumprimentou-o brevemente com a cabeça e se sentou, se queixando, na cadeira em frente. — Meu nome é Devorah Karpin, a juíza instrutora do caso e estou investigando o assassinato de sua colega, se apresentou a mulher. Tom estimou que teria uns cinquenta anos. — Tom Stein, respondeu. — Thomas Stein, nascido na Alemanha em 1970, formado em Engenharia de Estradas e Arqueologia pela Universidade de Ruhr em Bochum. Na atualidade é solteiro e reside em Gelsenkirchen. Certo? Tom não gostou do tom severo e impessoal da mulher. — Correto, respondeu. — Meu pai queria ser minerador, mas pensou que se ele não havia conseguido ao menos seu filho poderia escavar a região do Ruhr. — Seu pai foi professor e já está aposentado. Do mesmo modo que sua mãe, que exerceu a profissão de enfermeira. Tom respirou profundamente. — Está bem informada, replicou. — É nossa miss obrigação saber com quem estamos tratando, respondeu a juíza com frieza. — É a segunda vez que trabalha com o professor Hawke? — Exato, respondeu Tom sem gostar nada do tom da pergunta. — Há dois anos realizou uma escavação no Canadá junto com o professor. Também a senhorita Andreotti participava na equipe de então? — Aquele trabalho consistiu na escavação de um antigo assentamento na região de Inuit, no Lago do Grande Urso, foi uma tarefa totalmente diferente. — Agradeceria que me respondesse com um sim ou não, esclareceu a juíza. — Acaso sou suspeito de ter assassinado a minha colega? Perguntou Tom. A juíza torceu o rosto por um momento. — Nesta fase das diligências todos os que tinham algo a ver com ela são suspeitos.

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— Escute! Bramou Tom. — Gina era minha amiga. Dedique-se a procurar e encontrar o assassino e... — Estamos fazendo isso, replicou a juíza Karpin com frieza e interrompendo o protesto de Tom. — Conhece bem o professor Hawke? — O que quer dizer com que se o conheço bem? Trabalhamos juntos. — Isso significa que não sabe muito de sua vida privada? — Escute-me, quando trabalhamos em um projeto vivemos durante meses tenda com tenda, passamos juntos mais de dez horas por dia e também pelas noites. Creio que chegamos a nos conhecer muito bem. — Como descreveria sua relação com a senhorita Andreotti? Tom franziu a testa. — Não entendi o sentido da pergunta. O professor é uma pessoa correta. Valorizava muito Gina. Ela é... Era muito competente. — Sabe que o professor abandonou seu departamento da Universidade de Berkeley há anos? Tom olhou incredulamente para a mulher. — Há dez anos foi denunciado por acossar sexualmente duas estudantes. Sabia disso? Tom mostrou insegurança. — Não sabia... Não sabia nada, mas, não acha seriamente que o professor teve algo a ver com a morte de Gina? — Precisamos seguir qualquer indício. Ante as acusações não se apresentou nenhuma demanda. O professor simplesmente se demitiu e abandonou seu cargo. Tom insistiu. — Já lhe disse que o professor é uma boa pessoa e um excelente investigador. Não tem nada a ver com a morte de Gina, posso por a mão no fogo. — Ele foi a última pessoa que a viu com vida. Parece-lhe normal que deixasse a senhorita Andreotti sozinha na cidade? Tom não acreditava. — Não pode ser, foi brutalmente assassinada e você considera que o professor é um assassino. Está muito errada, acredite. — Conhece Gideon Blumenthal? Tom pensou por um momento e finalmente negou com a cabeça. — Quem é? A juíza torceu o rosto. — Trabalhou para você. Tom olhou fixamente as fotos. — Em nossa equipe havia um Gideon, mas não conheço seu sobrenome. Aaram se encarregava de contratar os ajudantes e trabalhadores das escavações. — Encontraram Gideon com duas balas no peito. Tinha um par de moedas antigas no bolso. Pode ser que viessem dos acampamentos? — Claro que sim, descobrimos uma guarnição romana. Com certeza poderia existir ali este tipo de moedas. Mas, o que isso tem a ver com Gina? — Gideon Blumenthal também foi assassinado, pouco depois da senhorita Andreotti. Poderia ter alguma relação? Tom deu de ombros. — As moedas romanas deste tipo podem alcançar um valor de dez mil dólares no mercado negro. Uma bonita soma que se pode obter se se tiver os contatos certos. — Outra de suas obtusas teorias, adicionou Tom, — Pensa que Gina e Gideon foram assassinados pela mesma pessoa? Não faz sentido. — Muito obrigado. Isto é tudo no momento, a juíza concluiu a declaração. — Onde você se encontrava no momento do assassinato da senhorita Andreotti?

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MUNIQUE, UNIDADE DE CRIME ORGANIZADO DA BAVIERA, BRIGADA 63

Lisa corria furiosa pelos corredores iluminados com tubos alongados de néon. A todos que encontrava, perguntava por Bukowski, mas ninguém sabia onde ele se encontrava. Já havia procurado sem êxito na cantina. Do lado de fora, na pequena calçada onde gostava de tomar sol e fumar um cigarro, tampouco estava. Nem na sala dele, nem na sala de reuniões, nem em toda a brigada... Stefan Bukowski desaparecera. Fora ele quem a havia mandado a seu computador para que investigasse sobre os dois clérigos assassinados e agora havia sumido. — Viu Bukowski? Perguntou à secretária da seção técnica judicial, mas a mulher ruiva só fez um gesto de negação com a cabeça. — Que ódio, soltou com irritação. Voltou a seu escritório. Abriu a porta e se sobressaltou ao ver a seu chefe em frente a ela. — E eu pensando que estava trabalhando duro, ele recebeu a sua colega. Lisa se ruborizou de raiva. — Eu estava procurando-o por todos os lugares. Onde havia se metido? — Estava comendo e depois vim para aqui diretamente, mas você não estava em sua mesa. Lisa deu um golpe no chão com o pé. — Agora a culpa é minha. Bukowski levantou as mãos. — Mas quem está lhe acusando? Lisa lhe mostrou as fotos que trouxera todo o tempo nas mãos. — Os dois padres se conheciam, disse. Bukowski colocou os óculos que trazia no bolso de sua camisa. — Como sabe? — E há muito tempo, respondeu Lisa. — É do arquivo da Chrismon-Magazin de 1977. Uma revista cristã que publica temas sobre a Igreja. Em 1977 foi realizado em Salzburgo um congresso sobre Arqueologia Eclesiástica. Participaram pessoas de todo o mundo. Girava em torno da vida de Jesus Cristo. Bukowski observou detalhadamente as fotos. — Sabe quem são os outros dois da foto? Lisa apontou o homem idoso à esquerda do Padre Reinhard. — Este é o professor doutor Yigael Jungblut da Universidade de Munique. Estive procurando no Google. Há um par de anos sofreu um grave infarto e ficou paralítico. Provavelmente já não viva mais. Bukowski concordou. — E o outro? Lisa deu de ombros. — Não consegui descobrir. JERUSALÉM, HOTEL REICH EM BEIT HAKEREM

Estavam sentados na varanda do hotel, ainda petrificados pelos acontecimentos. Só faltava o professor Hawke. Fora visitar o decano Yerud. Não podiam continuar assim, precisavam de um advogado. — É inaceitável, disse Jean Colombare. — Estão nos tratando como criminosos. — O que disse Jonathan? Perguntou Moshav. Tom deu de ombros. — Perguntei o porquê daquelas acusações na Universidade e ele me contou que as duas estudantes o destruíram. Eram duas jovens de famílias com muito poder e influência. Expulsaram as duas garotas da Universidade porque ele as descobriu fumando maconha. Depois

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contaram que o professor queria se aproveitar delas e não lhe restou outra opção. Simplesmente deixou seu posto porque não suportava mais a campanha suja que se forjara contra ele. — Conheço o professor, acho, respondeu Yaara. — É absurdo pensar que tem algo a ver com a morte de Gina. Tom olhou reflexivo seu copo. — O que houve? Perguntou Yaara. — Gideon Blumenthal, o nome lhes diz algo? Olharam-se entre si com ar inquisitivo. — Foi um de nossos ajudantes nas escavações. Encontraram seu cadáver. Também foi assassinado. — Aaram se encarregava de contratar o pessoal, manifestou Moshav. — Trazia algumas moedas com a esfinge de Tiberios. Com certeza que as encontrou e as guardou no bolso. — Queria ganhar um dinheiro extra, declarou Jean. — Não é tão estranho assim, acontece com frequência. — Não sei, pensou Tom. — Os acidentes das escavações, o desaparecimento de Raful, o assassinato de Gina e Gideon, o brutal acidente de Aaram. Foi preciso parar as escavações e, de repente, aparece esse franciscano. Penso que tudo é uma trama bem tecida. — O que quer dizer? Perguntou Moshav. — Tenho um mau pressentimento. Lembram de quando abrimos a cripta? Raful queria que ocultássemos o achado. Tinha muita pressa. Ele já sabia o que encontraríamos ali, estou convencido, e temia que a Igreja Romana aparecesse e nos expulsasse de nosso trabalho. Agora, nos expulsaram literalmente e Raful continua desaparecido. Para mim tudo isso não é casualidade. — Pensa que a Igreja tem algo a ver? Perguntou Yaara. Tom esvaziou seu copo de um gole e o colocou com um golpe na mesa. — Precisamos encontrar Chaim Raful e perguntar o que achou. — Já sabemos o que encontrou, respondeu Jean Colombare. — Nós estávamos presentes. Tom rechaçou com um gesto essa afirmação. — Não sabemos o que havia dentro do recipiente, desapareceu com ele. Creio que era muito importante levá-lo para um lugar escondido. — E por onde quer começar a procurar? Perguntou Yaara. — Não poderemos abandonar Jerusalém. — Sei que morava em um quarto do hotel King David. Moshav olhou assombrado para Tom. — Como sabe disso? Tom sorriu. — Escutei quando falava no telefone. Creio que deveríamos começar por lá.

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CAPÍTULO 21 ORLA ORIENTAL DO RIO JORDÃO, À SOMBRA DO MONTE NEBO

— Agradeço que tenha me trazido até aqui, irmão Phillipo, disse Padre Leonardo, fechando os olhos e respirando profundamente. — É uma imagem impressionante. O monte Nebo, o Rio Jordão, o lugar em que foi batizado nosso Salvador. É como se ainda vivesse. — É um lugar sagrado exceto pela bandeira jordaniana e as instalações de retenção, respondeu Padre Phillipo. — Mas também é uma terra de luta que a cada dia cobra novas vítimas. — Galileia, a terra do Salvador, afirmou com entusiasmo Padre Leonardo. — Nazaré, Cafarnaum, Tabgha, o Monte das Bem-aventuranças e a Montanha Tabor. Roma está tão longe daqui... — ... Longe e, ao mesmo tempo, tão próxima, interrompeu-o Padre Phillipo. — O cardeal prefeito está orgulhoso de você, meu honrado irmão. As escavações recomeçarão dentro de um mês. Foi uma jogada muito inteligente visitar Benyamin Yassau e pedir seu apoio. Desgraçadamente aconteceu este fatal acidente e o processo foi acelerado, mas finalmente é justo que a Igreja participe das escavações. — O problema é que continuamos sem notícias do professor Raful. É como se ele tivesse descido para as cavernas do demônio. O amigo do prefeito, o Cardeal Borghese, acha que o professor pode nos infligir graves danos. Parece que o achado do cavaleiro está confirmando de novo a sua absurda teoria. O Cardeal Borghese já vê como nossa Igreja será prejudicada. Borghese é um amigo muito influente do prefeito. Por isso não vou poder voltar a Roma até que tenha encontrado o professor. Padre Phillipo concordou compreensivamente. — Acredito que Chaim Raful já está há muito tempo em outro país. Do contrário, já o teríamos encontrado. — Desfrutemos um pouco mais desta vista, respondeu Padre Leonardo. — Não é tão ruim assim deixar para trás durante um tempo, os muros da Santa Sé. Só temo que o cardeal prefeito se impaciente. — E se for assim? Não acaba de dizer eminência, que Roma está muito longe? Respondeu Padre Phillipo com um sorriso. HOTEL REICH, NAS CERCANIAS DE JERUSALÉM

Estavam no quarto de Tom. O professor Hawke tinha sentado na borda da cama e pensava sem pronunciar palavra e olhando para o chão com uma expressão inerte. — Vejam por mim, confiscaram o meu passaporte e me proibiram de viajar, anunciou secamente. — Preciso ficar disponível! Perguntaram por mim inclusive ao decano. Pensam que eu assassinei Gina mas juro que não fiz isso. Apesar de tudo, me sinto culpado por sua morte. Não deveria tê-la deixado na cidade sozinha. — Bobagem, replicou Tom. — Todos nós já estivemos alguma vez sozinhos na cidade e não foi a primeira vez que Gina ficou lá. Aqui é Jerusalém e, ainda que com frequência aconteçam agitações, se considera que a Cidade Velha é um lugar certo para turistas. — De qualquer maneira... Recriminou o professor a si mesmo. — O caso é que precisamos fazer algo, apontou Moshav. — E o quê? Objetou Jean Colombare.

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— Precisamos encontrar Chaim Raful, disse Tom com determinação. — Precisamos descobrir o que se esconde por trás dos assassinatos. Não é casualidade. — E em que nos ajudaria isso? Questionou Yaara. — O mesmo Chaim Raful disse, após o achado do cavaleiro, que já não confiaria em ninguém e que temia a influência da Igreja. Lembram-se, na cripta? Moshav e Yaara assentiram. — O que Gina descobriu realmente? Perguntou Yaara se dirigindo a Jean Colombare. — Sei que junto a você investigou sobre o achado mais detidamente. Jean deu de ombros. — Não muito, só o nome do cavaleiro e que provinha de uma casta nobre do sul da França. Então tivemos que parar o assunto. Raful disse que iria continuar se ocupando das demais tarefas. — Onde estão as suas anotações? Olhou para Moshav e para o professor. O professor elevou a cabeça e olhou para Jean, levantando as mãos como se justificando. — Não havia anotações. — Sei que tinha um bloco onde anotava tudo o que descobria, informou Yaara. — O bloco de notas não estava entre suas coisas, repetiu o professor. — Talvez a polícia... — Eu mesmo elaborei a lista das coisas que a polícia requisitou. O professor interrompeu Jean. — Não havia nenhum bloco. — Não podia ter escrito muita coisa nele, objetou Jean. — Talvez o levasse consigo quando foi assassinada. Tom aguçou seus sentidos. — Talvez esse bloco de notas tenha sido o motivo de seu assassinato. — Está louco, ninguém sabia, rebateu Jean. — Se o mostrou a Yaara, provavelmente outras pessoas também o viram. Já contei de Gideon, pois ele roubou um par de moedas romanas. Pelo visto nas escavações nem todos os ajudantes são honestos. Eu aviso, tudo é um complô bem tramado. — E quem se esconde por trás de tudo? Perguntou Jean incredulamente. — O que lhe parece a Igreja? Moshav retirou as palavras da boca de Tom. Jean Colombare rechaçou a ideia. — Se sairmos daqui será quase como culpar a nós mesmos. A polícia suspeita que temos algo a ver com a morte de Gina. E se cometemos algum erro nos colocarão entre as grades. Não estou disposto a isso. Não tenho nada a esconder. Além disso, mais tarde ou mais cedo desaparecerá esta suspeita. Tom lançou um profundo olhar ao professor. — Acho que Jean tem razão, respondeu Jonathan Hawke. — Se sairmos daqui, podemos estar certos de que nos deterão. Não podemos fazer outra coisa a não ser esperar. Tom suspirou. — Quanto tempo? Uma semana, meses, anos? Não quero ficar aqui de braços cruzados sem saber o que existe detrás de tudo isso. Jean disse friamente: — Um psicopata assassinou Gina. Aaram morreu ao passar por uma mina e Chaim Raful se escondeu em algum lugar e continua pensando que a Igreja o persegue. As autoridades pararam as escavações porque é perigosa, a polícia leva a cabo as diligências e suspeita de nós porque não tem nenhum outro indício relevante. E se alguém imaginar algo diferente, então deveria receber um tratamento psiquiátrico junto com Chaim Raful. Jean Colombare abandonou o aposento batendo fortemente a porta. — Me encarregarei de conseguir um advogado, disse o professor Hawke depois de um tempo. — Espero que o decano nos apoie.

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JERUSALÉM, ESCRITÓRIO ESTATAL PARA A ANTIGUIDADE

Benyamin Yassau abotoou o colarinho da camisa, tossiu e apanhou o selo depois de tê-lo procurado na ordenada gaveta de sua mesa. Olhou o documento que tinha na frente dele. Ratificava definitivamente que a Universidade Bar-Ilam paralisara as escavações no Vale do Cedro por causas externas devido à periculosidade. No entanto, o escritório eclesiástico já fazia a solicitação para recomeçar o trabalho. Comprometiam-se a realizar a inspeção do recinto para evitar que explodissem mais minas, levariam-na a cabo com seus próprios especialistas e se encarregariam dos custos. Os responsáveis políticos outorgavam a máxima prioridade a esta solicitação que Yassau acabava de retirar da gaveta. Na próxima semana deveria começar o seu trabalho a equipe de inspeção de minas. Benyamin Yassau estava contente. Era um funcionário extremadamente correto e conhecia todos os regulamentos e requisitos; a presente solicitação cumpria com todos eles. Só algo lhe surpreendia. Normalmente se demoravam semanas para autorizarem as permissões de escavação, pois precisariam verificar todos os aspectos: disposições de segurança, impacto ambiental, impacto social, assim como consequências políticas. Com certeza, na solicitação da Igreja já haviam analisado positivamente todas as questões. Além disso, o pedido já trazia a assinatura e o selo do chefe do Escritório Estatal para a Antiguidade assim como o do técnico, em cuja competência se encontrava o Vale do Cedro e a Cidade Velha, e ele só precisaria assinar o documento. Apanhou a sua caneta com a tinta oficial para documentos. Energicamente assinou na parte inferior do documento e chamou a sua secretária. — Que fique pronto ainda hoje, ordenou. — A permissão foi requerida com urgência.

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CAPÍTULO 22 MUNIQUE, UNIDADE DE CRIME ORGANIZADO DA BAVIERA, BRIGADA 63

— Está nervosa? Perguntou Bukowski depois de ter apanhado as malas de viajem. Lisa estava sentada do outro lado da mesa e olhava para tela. — Espero que tenha colocado na mala alguma roupa bonita. Os franceses são atraídos pelo feminino, mas com esses jeans não há nada a fazer. — Não procuro marido, respondeu Lisa sem despregar o olhar da tela. — Luta contra o crime organizado dentro de uma Europa sem fronteiras, sussurrou Bukowski. — Espero que tenha preparado este tema. — Eu só lhe acompanho. Do resto você é o responsável. Bukowski colocou a mala no chão. — Duas noites em Paris, genial! — Não se alegre antes de tempo, respondeu Lisa. — E não tenha ilusões. — Termine, pois nós precisamos ir! Advertiu Bukowski olhando para o seu relógio de pulso. — É horrível, não consigo identificar a quarta pessoa da foto. — Deixe, eu já me encarreguei disso. Mittermaier vai ligar para o editorial da revista. Quando retornarmos, teremos o resultado na minha mesa. Vamos. Esperam-nos um par de horas de viajem, não quero chegar muito tarde. Maxine nos espera em torno das três. Lisa se dirigiu à porta. — Vamos, então. Paris nos espera. Três belos dias na cidade do amor. — Vamos a trabalho e precisamos nos concentrar no caso. Não é uma viajem de prazer. JERUSALÉM, HOTEL KING DAVID

Por cima da Cidade Velha de Jerusalém, sobre uma colina, reinava a imponente construção do nobre Hotel King David. A reluzente fachada amarela brilhava a plena luz do dia. A sombra do seu portal circulavam pessoas de todas as nações. Os empregados do hotel, uniformizados com libré, atendiam aos hóspedes. Carregavam malas, abriam as portas dos flamantes veículos o acompanhavam aos recém-chegados ao grande portal de entrada. Yaara observou surpresa a cena. — Isto não é barato, opinou. — Trezentos dólares por dia, respondeu Tom. — O professor não economizou nada durante a sua estadia em Jerusalém. — Há já quase uma semana que desapareceu. Pensa de verdade que ainda conserva seu quarto? Perguntou Moshav. — Já descobriremos, respondeu Tom e se dirigiu decidido para a entrada. Yaara e Moshav o seguiram. O jovem porteiro de libré azul os olhou receosamente enquanto entravam ao hotel. Tom parou um momento. — Como nós combinamos, sussurrou a Yaara antes de se encaminhar até a recepção. Yaara e Moshav esperaram um pouco, depois seguiram Tom a certa distância. Tom chegou até o balcão da recepção e esperou pacientemente até que uma das empregadas pudesse atendê-lo. Uma jovem de cabelo negro lhe sorriu amavelmente enquanto dizia: — May I help you?

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— Gostaria de saber se o professor Chaim Raful continua hospedado neste hotel, inquiriu Tom. A mulher olhou fixamente para Tom. — Um momento, por favor. Virou-se ficando de costas para Tom e submergiu o rosto em frente à tela do computador. Pouco depois voltou a aparecer. — Se hospeda aqui, mas neste momento não está, informou. — Em que quarto está hospedado? — Sinto muito, mas nosso hotel dá uma grande importância à discrição, respondeu a jovem, ao mesmo tempo em que seu sorriso desaparecia. — Posso, pelo menos, deixar uma mensagem? Sou arqueólogo e trabalhamos juntos. É urgente. A mulher olhou ao seu ao redor. Atrás dela podiam se contemplar numerosos escaninhos. — Você não é o único que procura o professor. Tom tentou fazer o mesmo percurso que seu olhar, mas não pode reconhecer exatamente para que escaninho ela olhou. — Ontem também perguntou por ele um senhor idoso, prosseguiu a jovem enquanto lhe dava uma caneta e um bloco de notas. Tom fez um gesto de agradecimento. — Uma meia cabeça mais alto do que eu, de cabelo cinzento, ao redor dos sessenta anos, ele comentou. — Com certeza é o diretor de nossas escavações. Estamos tendo alguns problemas e precisamos com urgência falar com o professor Raful. A jovem ajeitou corretamente sua blusa branca. — Não. Era baixo e gordo, respondeu enquanto recolhia a nota. — Muito obrigado, se despediu Tom. — E como lhe disse, é muito importante que receba esta nota o mais rápido possível. — Verei o que posso fazer por você, mas não prometo nada. O professor está há vários dias fora do hotel. Tom fez um gesto de mão de despedida e se virou. Ela devolveu o cumprimento e o seguiu com os olhos por um tempo até que desapareceu entre o bulício da entrada. — Vamos! Sussurrou Yaara que se encontrava ao fundo junto de Moshav. — Gostou de como ela olhou para Tom? Brincou Moshav. — Não é seu tipo, respondeu Yaara. — Atenção, cuidado! A empregada atrás do balcão de recepção se virou e foi diretamente aos escaninhos dos hóspedes do hotel e colocou a nota de Tom em um deles. — Viu? Perguntou Yaara. — Estamos muito longe, respondeu Moshav. — Então vamos! Yaara segurou Moshav pelo braço e se apresentaram frente à recepção. A empregada olhou para Yaara, adotou de novo o serviçal sorriso de trabalho e perguntou amavelmente o que desejavam. — Queremos falar com o senhor Colombare, respondeu Yaara. A mulher se desculpou e dirigiu de novo seu olhar para a tela. Teclou o sobrenome antes de regressar em breve com um gesto negativo. — Em nosso hotel não está registrado nenhum senhor Colombare. — Então ter se hospedado no Hotel Palast, respondeu Yaara. — Muito obrigado! — Não tem de quê.

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Depois de ter se retirado da recepção Yaara perguntou a Moshav: — Conseguiu ler? — Quarto 311, respondeu Moshav. — Bem, e o que faremos agora? Moshav deu de ombros. Tom estava esperando a ambos na saída. — Em que quarto? Perguntou. — 311, repetiu Moshav. — O que faremos agora? — Precisam me ajudar, respondeu Tom. — Cubram-me. LA CROIX VALMER, PROVÍNCIA DE VAR, CÔTE D’AZUR

Pierre Benoit havia organizado uma festa em sua residência de verão, na região de Croix Bleu, próximo da Croix Valmer. Todas as pessoas com certo nome e prestigio compareceram. O estacionamento junto à imponente mansão senhorial estava repleto de luxuosas limusines e carros esportivos de todas as ostentosas marcas: Bentley, Mercedes, Ferrari e Porsche. Com os veículos em frente à porta se poderiam financiar outra propriedade destas características. Benoit a havia adquirido há tempos por apenas um milhão de dólares. A construção era antiga e havia sido remodelada em parte. Em oito anos havia se convertido em uma verdadeira joia. Três hectares e meia rodeavam a mansão. Ainda que se encontrasse na encosta do Monte Jean, a área se dividia em três partes e fora aplainada. Por cima da casa senhorial havia uma pequena capela do século XVII que Benoit renovara até o último detalhe. À esquerda, um amplo estábulo e diversas construções auxiliares completavam o imóvel. Uma das criações de cavalo mais conhecidas de Europa se encontrava ali, Benoit adorava cavalos. Com uma simples olhada podia se deduzir que Pérre Benoit nunca passaria fome, pois era presidente do conselho diretor de vários consórcios bancários e filho único de uma influente e endinheirada família. Sem falar, claro, do enorme iate de sua propriedade, chamado Silent Knight, que estava docado no porto de Saint-Tropez. Só as taxas de estadia da cidade portuária, poderiam ter financiado uma vida sem dificuldades a uma família de oito membros, sem precisar trabalhar. Apesar de tudo, Pérre Benoit podia ficar tranquilo. Sua mulher morrera há quatro anos sem deixar descendentes. Pérre Benoit era um homem muito religioso e quando morresse transferiria todas as suas propriedades para uma selecionada parte da Igreja. Já que não ocultava esta intenção, era compreensível que entre os convidados dessa noite se encontrassem representantes eclesiásticos de alto posto. O cardeal Borghese, velho amigo de Benoit, estava de pé na varanda e contemplava o mar que se divisava ao final do bosque da colina. Ao meio-dia havia chovido e Benoit temera que a festa tivesse que se realizar no interior da casa. Mas finalmente, o Senhor do Céu foi compreensivo com seu amigo terreno e deixou brilhar o sol. Apenas a uns minutos que umas espessas nuvens cobriram o céu. — Espero que não chova, estimado amigo, comentou Benoit e olhou com ceticismo para cima.

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No fundo tocava um quarteto de cordas, enquanto que a maioria dos convidados haviam se reunido fora da sala bebendo champanhe e conversando tranquilamente. Benoit apontou para um homem idoso usando um terno azul. — Lord Withington deseja conhecê-lo, anunciou ao cardeal. O cardeal se virou, a expressão de seu rosto ficou petrificada. — Por que ficou tão nervoso estimado amigo? Perguntou Benoit. — Tudo sairá bem. Tendemos a nos preocupar muito sem motivo algum. O cardeal tossiu. — Apareceram complicações. — Complicações? Repetiu Benoit. — Voltamos a perdê-lo de vista, suspirou o cardeal. — Já encontrarão, é só questão de tempo. O cardeal olhou muito sério para Benoit. — Um tempo que nós não temos.

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CAPÍTULO 23 PARIS, POLÍCIA NACIONAL, CITÉ ÎLE DE FRANCE

A viagem de trem de Munique a Paris, que havia durado quase sete horas, fora muito cansativa. Quando o taxista parou o Peugeot no estacionamento da Inspetoria Principal da Polícia Nacional, Bukowski deu um forte suspiro. Abriu a porta do carro e saiu para o exterior enquanto Lisa retirava o casaco e observava o entorno. — Ah, Paris! Estamos em pleno centro de Paris, é fantástico. Esta cidade é um sonho. — Não esqueça que estamos aqui por questões de trabalho, Bukowski devolveu-a bruscamente à realidade. O edifício em que ficava a Polícia Nacional parecia um palácio do passado feudal. Duas poderosas torres flanqueavam o grande arco do portão, e sobre este, o vento ondeava a bandeira francesa. Mesmo que já tivessem alcançado, com toda segurança, os vinte e cinco graus, Bukowski colocou seu claro casaco de verão, apanhou a mala e pagou o taxista. — Entremos! Maxine nos espera. Demoramos mais do que eu esperava. Se não tivéssemos nos atrasado... — Também poderíamos ter viajado num veículo oficial, assim não teríamos nos atrasado. Bukowski mostrou seu desacordo. — Entre estes loucos eu não dirijo nem um metro. Nossa vida estaria em perigo. Frente ao portal, Bukowski mostrou sua identificação a um policial de uniforme azul, se dirigindo a ele em um perfeito francês. Lisa estava perplexa. — Não tinha ideia de que falasse tão francês bem. — E inglês, espanhol, um pouco de dinamarquês e, também, árabe. Ao menos eu me defendo e não morreria de fome nem sede. — Policial internacional! Ironizou Lisa. O colega francês os levou pelo edifício e ofereceu cadeiras em uma sala de espera. O claro aposento de altos tetos era decorado com todo tipo de cartazes e fotos que representavam o trabalho policial cotidiano. Publicidade para recrutar novos agentes. Antes que se passassem cinco minutos, Maxine Room entrou na sala. O alto e moreno francês estava vestido com um uniforme azul. A insígnia prateada em seu ombro reforçava a imponente aparição. Galantemente se aproximou a Lisa, lhe pegou a mão e deu um suave beijo. — É um prazer, mademoiselle, disse em alemão com perfeito acento. — Stefan me falou muito de você. — Espero que tenha falado bem de mim, respondeu. Bukowski havia se levantado. — Calma, é só uma colega de trabalho, resmungou. Room se virou, se dirigiu a Bukowski e lhe deu um forte abraço. — Não mudou nada, continua sendo o mesmo velho resmungão de Haia. Como aguenta, mademoiselle?

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Maxine conduziu seus convidados pelo edifício. Longos e largos corredores, por todos os lados, numerosas salas, onde policiais se movimentavam ocupados. A Polícia Nacional só se diferenciava no estilo arquitetônico, do Escritório Geral da Polícia Judicial em Munique. O escritório de Maxine Room se encontrava no terceiro andar. Na porta de vidro podia se ler "Serviço Internacional". Quando a atravessaram, por fim Bukowski pode se sentar em um cômodo sofá. Primero conversaram um pouco sobre os tempos passados, antigos companheiros dos que há tempos que não sabiam mais nada e demais recordações. Lisa esperou com paciência até que diminuísse a alegria do reencontro e Bukowski pudesse se centrar no verdadeiro motivo da visita. — É uma história interessante, opinou Maxine depois de que seu amigo lhe informou sobre os assassinatos dos dois irmãos, o sacristão e o roubo da Wieskirche. — As impressões nos trazem claramente até a França, Lisa concluiu a exposição depois de que Bukowski mencionou a placa do carro e o envoltório da bala. — E por que não solicitaram através da Direção Geral da Polícia Judicial de Munique...? — Já conhece as formalidades e a burocracia, interrompeu-o Bukowski. — Se tivéssemos dirigido um pedido para as autoridades francesas, nossa investigação estaria criando pó em algum lugar de Wiesbadem ou Paris. Eu conheço como funcionam e não podemos esperar, precisamos destas informações o quanto antes. Já sabemos que o veículo possivelmente terá sido alugado. Mas precisamos de sua ajuda para saber quem o alugou no dia do assassinato. Além disso, conseguimos o DNA de um dos suspeitos. Tenho o perfil aqui. Stefan Bukowski colocou a mão em sua bolsa de viagem e apanhou a pasta com o sumário. Entregou-o a Maxine Room que o folheou. — Le Mule, murmurou. — São de Aix-en-Provence. Uma pequena empresa familiar. — Conhece estas balas? — Não são tão famosas quanto o nosso Bordeaux ou o Champanhe, mas estas balas são uma pequena especialidade francesa. Eu também as como de vez em quando. — Seria bom se pudesse... — Me encarregarei das diligências, mas agora os deixarei livres para que os levem ao hotel. Esta noite iremos jantar e depois lhes mostrarei a cidade. Amanhã, em torno do meio-dia, voltarão de novo aqui para trocarmos opiniões. — Onde fica o hotel? Perguntou Lisa. — Reservei um quarto para vocês no Hotel Lescot, respondeu Maxine. — Muito bem. Um de meus homens os levará. — Um quarto só? Perguntou Lisa boquiaberta. Maxine sorriu. — Mademoiselle, nunca faria algo assim. Conheço Stefan e não gostaria que caísse em suas garras. À noite, ele é insaciável. Sabe ao que me refiro? Lisa olhou para Maxine com os olhos bem abertos. — Só sei que se cansa rapidamente, sabe a que me refiro? JERUSALÉM, HOTEL KING DAVID, QUARTO 311

Tom esperou até que a faxineira com o carrinho desaparecesse pela quina do corredor. Yaara havia sentado numa cadeira em uma pequena mesa junto aos elevadores, enquanto Moshav fazia a segurança no outro extremo do corredor. Uma vez que a faxineira saiu do andar, vibrou o celular de Tom, era o sinal combinado.

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— Já pode começar. Informou Moshav. — Certo, respondeu Tom. Havia apanhado as ferramentas necessárias e estiveram esperando quase uma hora na entrada, até que se atreveram a ir até o terceiro andar do King David. Subiram de um em um, pelas escadas e pelo elevador. Tom caminhou ao longo do corredor e parou em frente ao quarto 311, um quarto no final do corredor. O grosso tapete amortecia seus passos. Bateu à porta, mas não aconteceu nada. Outra tentativa, esperou um pouco e só quando teve certeza de que não se ouviria nenhum tipo de ruído do quarto, colocou mãos à obra. Havia apanhado de sua caixa de ferramentas um moderno jogo de chaves e ganchos de fechadura. Nas escavações era sempre possível topar com algum recipiente fechado ou portas. Testou um gancho após outro, enfiando-os na fechadura, fez pressão e tentou de todas as formas, mas a porta não queria se abrir assim tão facilmente. Finalmente a fechadura emitiu um rangido. Tom entrou no aposento. Cheirava a humidade, como se há muito tempo ninguém entrasse nele para ventilar. No armário colocado bem atrás da porta se via uma maleta marrom fechada sobre uma prateleira, além de um par de sandálias. Olhou rapidamente dentro do banheiro. No lavabo havia um copo com escova de dentes e creme dental. O apartamento parecia estar habitado. Tom prosseguiu cuidadosamente e chegou até o quarto em si. Era grande, acolhedor e bem mobiliado, mas não estava sendo utilizado. Tudo estava limpo e a cama intacta. Por um momento passou pela cabeça o que faria se encontrasse o cadáver de Chaim Raful. Devia ter contado com essa possibilidade depois de todos os acontecimentos. Pouco a pouco se colocou em ação e inspecionou o aposento. A mesinha-de-cabeceira estava vazia. Sob a cama e junto a ela não havia nada, sobre a mesa só o controle-remoto do televisor. Junto ao bar, um jornal, um exemplar do Washington Post com a data do dia em que Raful desaparecera sem deixar rastro. Tom abriu as gavetas da cômoda, apalpou as almofadas dos dois sofás e levantou o tapete, mas não encontrou nada e voltou à entrada. As sandálias eram sem dúvida do professor, Tom as reconheceu em seguida. Já as havia colocado várias vezes para ir as escavações. Os armários da entrada estavam vazios. Tom se dedicou à maleta, virando-a sobre o chão. Exceto um estojo de óculos, rotuladores e uma caixa vazia de Havana Club Original, não continha mais nada. Tom ia colocar de novo a maleta em seu lugar quando descobriu um pedaço de papel que havia ficado enganchado entre o rodapé e o chão do quarto. Cuidadosamente apanhou-o, se tratava de um cartão de visita. Tom leu o texto. Pertencia a um mercador de antiguidades da Rua Lunz de Jerusalém. O homem se chamava Mohamad al Sahin. Tom colocou o cartão de visita no bolso e voltou a inspecionar a maleta até que teve certeza que não havia mais nada dentro. Em seguida, voltou a colocar tudo dentro da maleta antes de se dirigir ao banheiro. Não encontrou nada interessante, o creme dental já estava seco. Parecia que Chaim Raful não aparecia por ali há muito tempo. Já haviam se passado três quartos de hora quando saiu do quarto. Sentou-se junto a Yaara. — Achei que iria passar a noite ali, disse ironicamente. — Encontrou alguma coisa? — Há muito tempo que Chaim Raful não vem no seu quarto, respondeu Tom ao mesmo tempo em que que mostrava a Yaara o cartão de visita. — Conhece? — Mohamad al Sahin, leu em voz baixa. — Não me diz nada. — Então precisaremos fazer uma visita a ele, e se possível, imediatamente. Yaara concordou.

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— E não encontrou mais nada? Tom deu de ombros. — Uma caixa vazia de seus charutos favoritos. Com certeza se hospeda aqui, mas parece que não pisa no quarto há pelo menos uma semana. Yaara franziu a testa. — Os quartos daqui não são precisamente baratos. — Já sei e é isso o que me intriga, respondeu Tom. PARIS, HOTEL LESCOT, RUE PÉRRE LESCOT

Bukowski não parava de rir, brincar. Estava adorando a noite. Maxine Room havia organizado algo muito especial. Após um jantar no restaurante Michel Rostang da Rua Rennequin, levou seus convidados até o bairro do prazer. Visitaram os clubes mais famosos e no final acabaram no Chez Michou tomando champanhe e comendo pastis. Lisa usava um bonito vestido negro com um grande decote e com certeza teria se oposto a visitar estes lugares se estivesse sóbria. Mas o champanhe havia lhe subido tanto que Bukowski de vez em quando precisava pará-la. Maxine e Bukowski se davam muito bem, falavam bastante e apreciavam a noite. Lisa parecia que também estava adorando o ambiente. Apoiara a cabeça no ombro de Bukowski e depois que começou o show de travestis no pequeno cenário e que a sala tivesse escurecido, acariciou suavemente suas coxas. Stefan Bukowski colocou aquela mão sobre a sua e ela lhe respondeu com um carinhoso beijo na face. — Estou... Lisa, balbuciou. — Oh, lá, lá, a mademoiselle está atacando, brincou Maxine, que estava sentado junto de uma bela morena com quem se divertia magnificamente. A noite continuou sua marcha. Era pouco mais das três da madrugada, quando Maxine deixou seus dois convidados no hotel. Bukowski segurava uma garrafa de champanhe nas mãos, enquanto cambaleava junto a Lisa pelo corredor do segundo andar. — O que diz, seremos capazes de acabá-la? Perguntou, mas a língua ficou pregada na boca. — Claro que sim, respondeu Lisa. Entraram no quarto de Bukowski e aterrissaram sobre a cama. A rolha da garrafa saiu lançada e Bukowski encheu as duas taças que havia encontrado no minibar. Lisa tomou um longo gole. — Prosit! Riu Lisa. — Você tampouco vem de má família, respondeu Bukowski e olhou profundamente para dentro do decote. — Gosta? Perguntou ao se dar conta de para onde ele dirigia o olhar. Ele acariciou seu cabelo ruivo, recolhido em uma trança. Ela respondeu soltando o cabelo. — É muito bonita, sussurrou Bukowski. — E você, um velho, sorriu maliciosamente. Lisa abriu o vestido e deixou que as alças deslizassem pelos ombros e braços. Seus seios eram muito bem formados. Bukowski a beijou apaixonadamente nos lábios.

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— Poderia ser o meu pai, falou fortemente. — Mas não sou, ele replicou enquanto desabotoava as calças. — Não sei... Não... Sei... Balbuciou. — Não fale mais nada, respondeu ela docemente.

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CAPÍTULO 24 JERUSALÉM, RUA LUNZ

Era um pequeno e escuro antiquário escondido, afastado das grandes e espaçosas lojas que com suas chamativas vitrines tentavam captar a atenção dos turistas que passavam. Tom, Yaara e Moshav estavam parados em frente a espartana vitrine, onde apenas se mostravam uns quantos artigos. Principalmente pedaços de recipientes de cerâmica, empilhados sem muito cuidado e jarras de latão ou cobre. A loja dava a impressão de abandono. Tom empurrou a porta que se abriu com um rangido. Entraram no pequeno aposento de baixos tetos. Um móbil de madeira soou fortemente ao ser golpeado pela porta. Cheirava a lixo e pó. As estanteria das paredes estavam repletas de todo o tipo de inutilidades. Viam-se pendurados no teto, cestos cheios de poeirentos trastes. Uma mesa carcomida fazia às vezes de balcão. Tom olhou ao seu redor. — Pensam que isso pode vir de alguma escavação? Yaara apanhou uma pedra de um dos cestos. — É uma simples pedra espelhada, como uma outra qualquer. Não sei quem pode comprar algo assim. Moshav sorriu. — Talvez alguém que esteja fazendo uma casa e só precise de um par delas. Tom se dirigiu ao balcão enquanto Yaara observava as estantes. — Insignificâncias, disse com espanto. — Há muito tempo que ninguém passa por aqui. — Pergunto-me se aqui dentro existe vida, brincou Moshav. — Gostaria saber daqui o que interessou ao professor, perguntou Tom na escuridão. — Alô! Chamou de novo. Atrás da mesa da loja havia uma porta sobre na qual se via pendurado um grosso tapete. Tom rodeou a mesa. — Não sou surdo, exclamou uma voz grave vinda de um canto da loja. Uma fúnebre luz se acendeu. A luminária deveria ser tão velha quanto o homem que estava sentado em um sofá envolto em mantas. Tom se sobressaltou. — Perdoe não queríamos importuná-lo, disse ao ancião. — Sobre essas pedras pisou Mohamed, o profeta, comentou e olhou para o cesto de onde Yaara havia tirado a pedra. — Você é Mohamad al Sahin? Perguntou Tom. — Quem quer saber? Replicou bruscamente o ancião. — Procuramos o professor Chaim Raful. Conhece? — Não são os únicos que procuram o professor. É um homem bastante solicitado. — Conhece? — E quem não o conhece? Nesta casa entram e saem muitas pessoas. Quem tem um coração puro é benvindo, mas quem está carregado de ódio eu ordeno que vá embora. O ancião se levantou e se movimentou com dificuldade até eles. Media pouco mais de um metro e meio e já deveria ter mais de oitenta anos. Usava uma túnica branca e por cima um casaco negro e ao redor de sua cabeça havia amarrado um lenço estampado, que na penumbra parecia ter sido feito de retalhos amarelos e azuis. Ficou parado bem em frente a Tom e o olhou nos olhos. — Vosso coração está limpo? Tom suspirou. — Escute, estamos procurando o professor. Trabalhamos para ele, no Vale do Cedro, nos acampamentos. Com certeza que já terá ouvido falar. O ancião não se impressionou. Passou um

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bom tempo antes que retornasse para o balcão. O olhar de Tom o seguiu sem esconder seu desconcerto. — Sou Mohamad al Sahin. Desde o meu nascimento este é o meu nome e o meu destino. — Meu nome é Tom Stein, trabalho para o professor Chaim Raful. O ancião observou minuciosamente Yaara que se encontrava a um par de metros e sorriu. — Oh, pérola do deserto! Você irradia tanta beleza como raios dourados e desde que entrou faz resplandecer minha casa, disse se dirigindo a Yaara. — Eu o agradeço, sábio homem, respondeu Yaara. — Suas palavras me honram. — É sua presença quem honra esta casa, flor do deserto, replicou o homem. — Se procura aqui quem espera encontrar, sois como a lua que procura o sol. Tom olhou inquisidor para Yaara. — Está aqui? Perguntou Yaara. — Partiu há vários dias, riu o ancião. — Já não vai mais encontrá-lo aqui. Deu as costas ao deserto e fugiu da maldição. Conhece a verdade e por isso deve se proteger. Os ímpios se lançarão sobre ele quando o Senhor o abandonar, já que achou um dos Nove. Um dos Nove que partiram de sua cidade natal para servir ao seu criador e encontrar a verdade. — O que ele quis dizer? Perguntou Tom se dirigindo a Yaara enquanto o ancião desaparecia por trás da cortina. PARIS, HOTEL LESCOT, RUE PÉRRE LESCOT

Estavam sentados em silêncio na sala de café-da-manhã. Sempre que Bukowski a olhava, Lisa se esquivava de seu olhar. Bukowski não teve outra opção a não ser ficar calado e se dedicar ao seu café com torradas, já que Lisa, a quem visivelmente incomodava ter que dividir a mesa de café-da-manhã com Bukowski. Os empregados do hotel haviam preparado a mesa para dois, pois as restantes estavam ocupadas. Bukowski apanhou o pote de marmelada que estava vazio. Levantou-se. — Quer alguma coisa? Perguntou. Lisa um gesto de mão de negação sem dizer palavra. Hoje usava jeans de novo e uma ampla camiseta azul que dissimulava seu corpo. Bukowski acabava de retornar à mesa quando Maxine Room entrou na sala de café-da-manhã e olhou a seu ao redor procurando-os. Bukowski levantou a mão para chamar sua atenção. Maxine aproximou à mesa, uma cadeira livre que apanhou em um canto. — Bonjour, coment allez-vous? Perguntou. — Ça va, merci, respondeu Bukowski. Uma garçonete se aproximou e perguntou se desejava comer também. Maxine concordou e deu uma olhada no relógio. — Na realidade já poderia almoçar. A noite foi longa, não é? Bukowski sorriu. Maxine esperou a que a garçonete colocasse o prato e o guardanapo em frente a ele, e pediu café. — Enquanto vocês se recuperavam, eu estive trabalhando no escritório, comentou. O café fumegava na sua frente. Seus colegas de mesa estavam calados. Assombrado olhou seus rostos. Podia-se sentir a tensão que reinava entre ambos. — O que aconteceu com vocês dois? Estamos em Paris, não na frente do muro das lamentações. Bukowski tossiu. — Descobriu algo? Mudou de tema.

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— O Mercedes foi alugado na FTI, no departamento Bouches-du-Rhône. É uma empresa de aluguel de carros que opera em toda França. Em Marselha se encontre a sucursal do sul da França, explicou Maxine. — Isso é tudo? Perguntou Bukowski enquanto Lisa se levantava para apanhar outro pão no bufê. — Andaram discutindo? Sussurrou Maxine. Bukowski negou com a cabeça. — Mulheres! Respondeu depreciativamente. — Mas não lhe demos importância. Diga, o que mais descobriu? — O carro foi alugado em Arlês. Identificou-se como um tal Paul Maillot. Registrado na bodega Domaine de Val Vert em Roseloun. — Bem, então pode fazer com que seja detido este Mallot. — Maillot, corrigiu Maxine Rouen. — Lamentavelmente não é tão simples. Lisa regressou à mesa. — Maxine descobriu que o Mercedes foi alugado em Arlês. Um tal de Maillot. Acho que isso nos faz avançar bastante. Só precisamos encontrar este tipo para que nos conte tudo o que sabe. — Ótimo, respondeu Lisa com aparente desinteresse. — Lamentavelmente não é tão simples, repetiu Maxine Rouen. — Paul Maillot está morto. — Morto? Perguntou Bukowski decepcionado. — Assassinado? Maxine negou com a cabeça. — Paul Maillot é o filho do proprietário da bodega. Morreu em um acidente de moto há quatro anos. — Há quatro anos, repetiu Bukowski. — Está certo? — Alguém copiou a carteira de motorista do falecido, reafirmou Maxine. — Merda! Soltou Bukowski. — Com isso então não avançamos nada. — Ainda nos resta o DNA. Meus homens estão trabalhando nisso. — Só espero que esta impressão não se esfume, disse Bukowski. Maxine se levantou. — Nos veremos em uma hora na minha sala, um motorista os recolherá. — Não me encontro muito bem, ficarei aqui, se apressou Lisa a responder. — Mas que pena, mademoiselle! Respondeu Maxine. — Sua presença aportaria um pouco de cor a nossas tristes dependências. Uma vez que Maxine tinha saído, Bukowski se dirigiu a Lisa. — Escute o passado, no passado ficou. Não podemos voltar atrás. Lisa olhou irritada para Bukowski. — Estava bêbada e, sem nenhum tipo de vergonha, você se aproveitou da situação. — Eu! Respondeu Bukowski alterado. — Eu não havia bebido menos que você. Os olhos de Lisa lançaram furiosas chispas. — Poderia ser meu pai. Bukowski concordou. — E você minha filha, mas não é. É uma mulher livre. Eu também poderia dizer que se aproveitou da situação. Já não raciocinava e se me lembro bem, foi você quem começou. Eu... — Cale-se, ordenou Lisa com tal efusão que alguns clientes ficaram olhando. Bukowski sorriu timidamente aos outros comensais. — Apaguemos essa noite de nossa memória, de acordo? O tom da conversa era cada vez mais forte. Bukowski levantou as mãos para acalmar a situação. — Não aconteceu nada, entendido?! — Sim, maldito seja! Respondeu Lisa. — Vai me acompanhar para ver Maxine? Respirou profundamente.

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— Vou, disse decidida. — Ótimo! Adicionou Bukowski. — Viemos aqui para trabalhar. JERUSALÉM, HOTEL REICH EM BEIT HAKEREM

O professor Jonathan Hawke estava sentado em seu quarto no Hotel Reich, olhando fixamente para o teto. Fora interrogado longamente por Devorah Karpin. Sem dúvida, a juíza tinha se convencido de que ele estava implicado na morte de Gina. Como podia mostrar que ela estava errada? Estava cansado e sem energia. Sua conversa com o decano da Universidade Bar-Ilam também não fora de grande ajuda. — Lamento muito a sua situação, professor, lhe respondera o decano, — Mas tenho as mãos atadas. Deve procurar um advogado você mesmo. Não me leve a mal. Estimo muito seu trabalho e estou convencido de que é um cientista muito competente, mas a acusação de um assassinato é, obviamente, outro tema. E nisso a Universidade não o pode apoiar. Jonathan Hawke entendia o decano mas, por outro lado, era surpreendente ver como se afastavam. Suspirou e levou as mãos ao rosto. Onde estariam os outros? Agora mesmo gostaria de falar com Tom, Yaara e Moshav. Sentia que só eles confiavam nele incondicionalmente. O único que estava presente era Jean, os outros haviam saído do hotel à horas. Com certeza estavam procurando Chaim Raful. Jonathan Hawke despertou de seus pensamentos quando seu celular soou. Olhou para a tela, o número era oculto. — Alô, respondeu. — Professor Hawke? Escutou uma temerosa voz feminina. — Com quem falo? — Isso não importa, digamos que sou uma amiga, respondeu a desconhecida. — Sei quem assassinou a sua colega de trabalho, tenho provas. — Provas? É você, você...? — Não, não, que Deus me salve. Não tenho nada a ver. Sei quem foi. Tenho medo. Me matarão. — Por que não vai à polícia? — A polícia não acreditará. — O que quer? — Só quero que prendam esse tipo, por mim que apodreça na prisão. Ele é muito perigoso, tenho medo. — Diga-me quem foi! Exigiu o professor. — Não por telefone, proponho que nos encontremos. Assim poderei lhe entregar as provas. Existe um escrito que demonstra quem assassinou a sua colega. — Onde nos encontraremos? Perguntou Jonathan Hawke. — Nesta noite, às nove, em frente ao campo das escavações no Vale do Cedro. Esperarei ali. Se não vier só eu desaparecerei e não voltará a saber mais nada de mim. Entendeu, professor? — Como conseguiu este número? — Eu o tenho e isso é o suficiente, respondeu a mulher. — Se não confiar em mim, ficará só e não nunca saberá quem assassinou a sua amiga. A polícia nunca o deixará em paz. O professor Hawke pensou por um momento.

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— Irei, suspirou. — Esperarei somente dez minutos, anunciou a mulher.

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CAPÍTULO 25 JERUSALÉM, VALE DO CEDRO

O professor Hawke não se encontrava a vontade. Uma profunda escuridão cobria o Vale do Cedro como um negro lenço de seda. As sombrias luzes, salpicadas ao longo da afastada autoestrada, centelhavam como celestiais pontos de luz na lonjura. Olhou a hora. Já estava próximo da hora marcada. Antes de ter entrado no carro e saído, procurara seus amigos, mas Tom, Moshav e Yaara continuavam na cidade. Nem sequer Jean Colombare estava em seu quarto. Assim decidiu ir sozinho. Mas não se encontrava totalmente desprotegido. Trouxera uma Browning, calibre 7,65 m, escondida em seu casaco. Em Jerusalém não era difícil conseguir uma arma se se tivesse do dinheiro suficiente. Se a polícia não acreditava nele, precisava se encarregar ele mesmo de demostrar sua inocência. De novo olhou a tela iluminada de seu relógio e depois para a escuridão ao longe. Não podia se ver uma alma ao redor, não havia nenhuma luz próxima. Já haviam passado cinco minutos da hora acordada. Havia vindo em vão até aqui? Estariam rindo dele? Jonathan Hawke suspirou. Abriu a porta do carro e saltou. Com a mão apalpou o bolso do casaco. O frio aço da arma carregada lhe trouxe certa sensação de segurança. Antes de fechar a porta de seu veículo, ressoou a voz de uma mulher às suas costas. — Veio só? Jonathan Hawke estremeceu. Apavorado se virou e olhou para a cegadora luz de uma lanterna. — Veio só? Voltou a perguntar a voz. O professor distendeu os músculos. — Sim, respondeu. — Está bem, professor, respondeu a voz feminina. — Muito bem. De repente apareceu uma pessoa na penumbra da lanterna. Parecia uma figura fantasmagórica, Hawke pode detectar imediatamente que se tratava de um homem alto e magro. — O que, que é isto...? Disse-me que estaria só, protestou debilmente. — Professor Hawke, disse o homem com uma voz grave e acento do sul de Europa. — Onde está seu companheiro, o velho Chaim Raful? Hawke deu um passo atrás, a luz da lanterna lhe seguiu e cegou seus olhos. — Será melhor que fique quieto, ameaçou o homem. — Uma arma está apontando para você. Assim responda: onde está Raful? Hawke pensou por um momento. "O que está acontecendo aqui?". — Não, não tenho ideia, respondeu vacilante. — Não diga bobagens, respondeu o homem bruscamente. — Fizeram um dos achados mais importantes do século e permitiu que seu colega desaparecesse com ele? Não acredito. Fale e prometo que não lhe acontecerá nada. Jonathan Hawke continuava com a mão dentro do bolso de seu casaco, com a Browning bem apertada. — Sou um cientista, respondeu firmemente. — A Universidade Bar-Ilam me encarregou de destapar os restos de uma guarnição romana. O professor Raful era o diretor, mas lamentavelmente desapareceu. Ninguém sabe onde se esconde. A mim só me chamaram para a execução técnica dos acampamentos. Esta foi a minha única missão aqui. O que querem mais de mim? — Quero os rolos do templário. Na realidade pouco me importa onde se encontra o velho Raful. Mas os rolos são muito valiosos. Não acho que você simplesmente aja sob as instruções de seu colega. Sabe onde está. E se quer continuar vivo é melhor que fale.

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— Assassinou Gina. Foi você, isso é o que eu queria saber. — Sofreu muito até morrer. Também deseja morrer assim? Pode escolher entre uma morte rápida e simples ou um martírio como nunca poderia imaginar. Fale professor! Jonathan Hawke tencionou todos os músculos. Precisaria tentar, só tinha uma oportunidade. Rapidamente apanhou a Browning do bolso e sem apontar disparou em direção à lanterna. Uma estridente maldição quebrou o silêncio noturno ao se apagar a luz. Virou-se e abriu a porta do carro. Antes que pudesse subir, ressoaram uns espantosos ruídos. E ele caiu. PARIS, POLÍCIA NACIONAL, CITÉ ÎLE DE FRANCE

Nos espartanos corredores do terceiro andar da principal inspetoria da Polícia Nacional, não se via nem uma alma. Os passos ressonavam até as paredes. Silenciosamente Lisa seguia Bukowski que se dirigia decididamente até a porta de vidro. Parou e bateu à porta. — Entre, gritou Maxine do interior. Levantou-se de sua maciça mesa de caoba quando Bukowski entrou na sala com Lisa a reboque. Room beijou galantemente Lisa na mão. —Temia não voltar a vê-la, mademoiselle. Lisa tentou sorrir, mas foi muito artificial. — Deixe-a Max, se justificou Bukowski. — Hoje não está de bom humor. Temos algum novo indício? — Estamos procurando o veículo, respondeu Maxine. — Ainda não foi entregue, nem o farão. Em todo caso, enviei dois homens até a empresa de aluguel de carros. Talvez possam fazer um desenho da pessoa que alugou o veículo. — E o DNA? — Stefan, você não é novo na polícia. Já sabe que isso demora. Não tem mais alguns indícios aos que possamos nos agarrar? Bukowski negou com a cabeça. — Temos uma vaga descrição, Lisa tomou a palavra. Bukowski fez um gesto de rechaço. — De um louco que acha ter visto o demônio, quando assassinaram o irmão no convento. Lisa olhou para Bukowski com um olhar furibundo. — Um monge disse ter visto uma pessoa que saía do quarto do morto na noite do crime. De fato, descreveu-o de forma que parecia um demônio, mas também poderia se tratar de um homem com uma cicatriz ou uma queimadura no rosto, algum tipo de desfiguração que, a um monge, poderia parecer o demônio. Maxine Room a escutou atentamente. — Uma desfiguração, sim, seria possível. Procurarei em nosso computador para ver se temos um tipo de pessoa assim. Creio que até meados da semana que vem não conseguirei nenhuma informação de nosso laboratório. Aqui acontece como em todo o mundo. Os políticos pensam que temos pessoal suficiente e não param de fazer cortes. Cada vez contamos com menos recursos. Bukowski sorriu. — Por que seria melhor que nós? — Vamos jantar nesta noite? Sugeriu Maxine Rouen. — Posso mostrar uns quantos locais da cidade. A Torre Eiffel, a Praça da Bastilha, Notre-Dame ou Montmartre. Jantaremos e depois passaremos a noite junto ao Sena. O que acham? Bukowski concordou. — Encantado. Lisa fez um gesto de rechaço. — Obrigado, não é necessário. Maxine sorriu com compaixão. — Paris é uma cidade para ser apreciada. Não se têm muitas oportunidades para isso. — Na realidade queria...

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— E se me ajoelhar a seus pés? Lisa inalou profundamente. — Bem, suspirou. — Mas esta noite só beberei água, é muito mais saudável. — Apanhá-los-ei as sete, respondeu Rouen. — Agora será melhor que nos integremos entre os participantes do seminário. Estamos aqui para avançar na colaboração da Polícia Europeia. — Certo, não acontecerá nada se se deixarem ver por ali, confirmou Maxine Rouen. — A sala de conferências fica aqui ao lado, eu os levarei. JERUSALÉM, RUA BEN-YEHUDA

Depois de que o ancião desapareceu após a cortina, Tom, Yaara e Moshav esperaram um tempo mas al Sahin não regressou. Juntos abandonaram a loja e chegaram até a rua central de Jerusalém. — Odeio quando alguém fala de forma enigmática, disse Tom. — Metáforas e comparações, respondeu Yaara. — As pessoas idosas adoram se expressar assim. O oriente é cheio de segredos. — A que haverá se referido o velho com "O outro lado"? Yaara parou e ajeitou o cabelo. — Em todo caso, sabemos que não está no país, isso ficou claro. — E está fugindo de alguém, adicionou Tom. — Ao menos, assim eu entendi. — Não deveríamos tê-lo deixado desaparecer assim tão facilmente, opinou Moshav. — O que poderíamos ter feito, amarrá-lo para que confessasse? Respondeu Tom se queixando. Moshav suspirou. — Retornamos ao hotel? Talvez o professor saiba onde possa se encontrar Raful. Eu também acho que já está no estrangeiro. Na Europa. Se quiser continuar trabalhando nos rolos da tumba precisará de um laboratório e especialistas. — Também existem nos Estados Unidos, contradisse Yaara. Tom olhou reflexivo para o céu. — Se não está no deserto, então já saiu do país, possivelmente utilizando um avião. — Creio que deveríamos ir ao aeroporto, disse Moshav. — Desapareceu repentinamente. Muito rápido, diria eu. Os acidentes, o assassinato de Gina. O que aconteceria se tudo estiver relacionado? — Por que alguém iria matar Gina? Respondeu Yaara. — Os rolos da tumba do templário são tão importantes para algumas pessoas que inclusive matariam por ele. Tom olhou ao seu redor com receio e empurrou seus acompanhantes até uma estreita rua. — Pode parecer uma loucura, mas existem certos segredos ominosos que rodeiam esta Ordem dos Templários. Moshav pode ter razão, eu já não acredito em casualidades. Talvez os assassinos não saibam que não tenhamos visto os artefatos da tumba que acompanhavam o templário. Talvez inclusive pensem que somos cúmplices de Raful. — Isso não é totalmente verdade, contradisse Moshav. — Antes que Raful pudesse levar o achado ao museu Rockefeller, Gina e Jean estiveram ocupados com os artefatos na tenda do laboratório. Creio que o professor também esteve lá. Yaara soltou silenciosamente ar entre seus dentes. — Se tiver razão, então Jonathan também está em perigo. Tom concordou. — Precisamos retornar imediatamente ao hotel.

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— E devemos nos dedicar mais intensamente à história dos templários neste país, adicionou Moshav. Apressaram-se rua abaixo e entraram num táxi que os deixou em frente ao hotel. Depois de descer, Tom olhou uma vez mais ao seu redor. Segurou Moshav pelo braço. — Não se vire, mas ali em frente tem um garoto parado junto à cabine de telefones. Creio que ele também nos seguiu quando visitamos a loja do ancião.

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CAPÍTULO 26 JERUSALÉM, VALE DO CEDRO

Dor, uma intensa dor, um ardente fogo percorria todo o seu corpo. A bala entrara por baixo da omoplata esquerda. Mas Jonathan Hawke não era capaz de localizar o lugar exato, pois em todo o corpo sentia uma incessante dor. Haviam ido embora. O homem lançara numerosos insultos, gritando com seu colega. Falavam em italiano. Jonathan pode perceber isso antes de mergulhar numa profunda escuridão. Através da imensa dor que se propagava por todo o corpo, recuperou a consciência. Quanto tempo ficara inconsciente? Que horas seriam? Encontraria alguém aqui, tão longe das moradias da cidade? Seus pensamentos retornavam a Chaim Raful. Ele teria razão? Chegaria a destruir a Igreja de Roma? Seus torturadores também haviam assassinado Gina. O homem falava italiano. Que segredo Chaim Raful teria descoberto que levara a tantas mortes? Seria realmente o enigmático legado dos templários? Havia escutado e lido muito sobre a ordem. Inclusive a literatura científica se ocupava prolixamente dos templários. Também novelas policiais cheias de intriga tratavam deste tema. Agora, de repente, estava no meio de uma trama dessas. Tentou mover as pernas, mas não respondiam. O frio inundava lentamente suas extremidades. Deus meu! Oxalá acabe com esta dor infernal. Quem o velaria? Deveria rezar, rezar a um Deus em que não acreditava realmente? Existiria realmente o paraíso? Descobriria rapidamente? Estes foram os últimos pensamentos de Jonathan antes que o frio alcançasse seu coração. O professor Hawke morreu no meio da noite, próximo da Terra Santa, não muito longe do lugar onde o filho de Deus fora traído com um beijo por Judas, um de seus apóstolos. PARIS, POLÍCIA NACIONAL, CITÉ ÎLE DE FRANCE

Bukowski cabeceava de sono. O oficial da polícia holandesa, Landelijk Politie, estava há mais de duas horas informando sobre a cooperação em casos de perseguição dentro da Europa. A palestra era realizada em uma grande sala e à qual assistiam quase cem colegas. Bukowski havia afrouxado um pouco os auriculares e tinha o queixo apoiado nas mãos. Lisa prestava atenção na exposição do coronel e fazia anotações em seu caderninho. Bukowski olhou-a, mostrando seu enfado e se ajeitou melhor no assento. — Deveria prestar um pouco mais de atenção, ela sussurrou. — De fato, agora está trabalhando em um caso de investigação criminal dentro da Europa. Seria muito bom nos informarmos sobre o tema. — É um coronel e, além disso, da polícia holandesa de guarda, explicou Bukowski. — Ele não trabalha diretamente nos casos, só dirige. — Dirige? — Como a nossa diretora, passa o dia mexendo em papéis, garatujando assinaturas, algumas linhas e entre os descansos do café-da-manhã pensa como nos irritar melhor. — Trabalha no escritório da Interpol, replicou Lisa irritada. — Sabe do que fala. — Talvez na teoria, mas, sabe o que é teoria? Lisa negou com a cabeça. — "Teoria" significa pensar como poderia funcionar algo que na prática não funciona assim. — Sempre com suas citações ocas, objetou Lisa. — Pergunto-me, se, já que não tem mais vontade de trabalhar, por que não se aposenta logo? Bukowski sorriu.

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— Porque preciso do dinheiro. — Então, só trabalha por dinheiro. — Não totalmente, só faço aquilo que não me pareça muito difícil. — Às vezes penso que este sistema não funciona bem. Eu ralo na rua, enquanto você passa todo o santo dia sentado à sua mesa. E no final do mês mete quase o dobro de dinheiro no bolso. Que senvergonhice! Bukowski mostrou seu desacordo. — Tem razão, isso não funciona bem. Sou seu chefe, por isso às vezes preciso lhe dirigir e pensar por você. Ao fim e ao cabo, eu sou o responsável. Meu posto é superior ao seu e por isso ganho mais. Minhas responsabilidades são maiores e meu salário é correspondente. Não posso ficar dirigindo e trabalhando na rua ao mesmo tempo. Precisa entender. Lisa rechaçou o comentário e olhou muito irritada para Bukowski. Enquanto isso o coronel mostrava na tela um par de diagramas de barras com ajuda de um projetor. Bukowski suspirou e voltou a deixar cair o queixo nas mãos. Sobressaltou-se quando alguém lhe tocou no ombro. Virou-se surpreso. Maxine Room estava atrás dele. — Por que me despertou? Protestou Bukowski em voz baixa. — Venha comigo, por favor, sussurrou Maxine. — Creio que identificamos o seu demônio. Bukowski retirou os auriculares e se levantou. Lisa queria fazer o mesmo, mas ele a empurrou suavemente para que permanecesse sentada. — Não quero que perca nada, poderá ser muito importante. Ao fim e ao cabo, estamos procurando um assassino dentro da Europa. JERUSALÉM, HOTEL REICH EM BEIT HAKEREM

Yaara estava deitada na cama enquanto Tom, por trás da cortina, olhava à rua pela janela. — Continua ali? Perguntou Yaara. Tom concordou. — Talvez seja um policial, e estejamos sob vigilância. Tom negou com a cabeça. — Não acho que seja policial, não tem jeito. — Mas, por que alguém iria nos vigiar? — Não esqueça que muita gente está procurando Raful. Bateram à porta. Yaara se levantou, mas Tom lhe fez gestos para que voltasse a deitar. Silenciosamente deslizou até a porta e grudou a orelha na porta. Bateram de novo. — Quem é? Perguntou Tom. — Tenho medo, sussurrou Yaara. — Sou eu, gritou a voz de Moshav de fora. Tom abriu. Moshav e Jean Colombare entraram no quarto. Tom fechou imediatamente a porta à chave. — E Jonathan? Perguntou. — Não está no hotel, respondeu Moshav. — O que aconteceu? Perguntou Jean ao observar o rosto de preocupação de Tom e Yaara. — Sabe onde está Jonathan? Jean negou com a cabeça. — Não sei. — Esteve aqui?

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— Hoje não o vi, respondeu Jean. — O que aconteceu? — Tom pensa que estão nos seguindo, explicou Yaara. — Não penso, sei com certeza, corrigiu. — Olhe lá fora, na cabina telefônica. Jean se dirigiu à janela e olhou para fora. — Não tem ninguém lá. Tom se colocou a seu lado e, realmente, já não havia ninguém na rua. — Lá fora havia alguém, se justificou Tom. — E na cidade também nos seguiram. Alguém quer acabar conosco. — Por que iriam querer nos assassinar? Respondeu Jean irritado. — Gina, o acidente nas escavações, Aaram e Raful, respondeu Tom. — É casualidade? Já não acho. Encontramos um templário que escondia um segredo. E existem pessoas que querem conhecer esse segredo, custe o que custar. — Está ficando maluco, isso não faz sentido, disse Jean. — Raful levou consigo o templário e tudo o que escondia em sua tumba. Por que vão querer algo de nós? — O que sabe dos templários? Jean franziu a testa. — É uma ordem cristã fundada ao redor de 1100 depois de Cristo para proteger o caminho dos peregrinos para a Terra Santa. Duzentos anos mais tarde acabaram com a ordem porque seus irmãos haviam se pervertido. Cometiam roubos e veneravam um ídolo. Muitos dizem que foram aniquilados, porque a ordem havia se convertido em muito poderosa para Roma. Existem muitos mitos e lendas, mas pouco se pode demostrar. Um verdadeiro filão para especulações de aventureiros e escritores. — Então não sabe muito mais do que nós, respondeu Tom e deu a Moshav um demandante olhar. — Está vendo? Precisamos de um especialista. — Precisamos estudar a fundo este tema, ratificou Moshav. — Uma vez conheci um professor em Paris. Chamava-se Molière. Ensinava na Sorbone. Era um maníaco pelos templários. Mas não sei se ainda vive, quando o conheci tinha mais de sessenta anos. Tom olhou para Yaara que deu de ombros. — Tentemos, talvez encontremos Raful em Paris. Jean rechaçou a ideia. — Mas não podem abandonar o país. Ainda estamos sob vigilância. A polícia israelense nos deteria no aeroporto. Assim seriamos realmente suspeitos. Tom respondeu: — Você pode ficar aqui e esperar. — Esperaremos até que o professor retorne, interveio Yaara. Tom suspirou e se deitou atravessado na cama. — Bem, então esperemos.

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CAPÍTULO 27 PARIS, POLÍCIA NACIONAL, CITÉ ÎLE DE FRANCE

Bukowski observava uma foto. — Se cruzasse com ele no meio da noite, certamente diria que é um demônio, murmurou Bukowski. Maxine Room sorriu com ar de satisfação. — Sobretudo se estiver rodeado pelos muros de um convento sob a lua e o tipo se dirige a você no meio da penumbra. — Fabricio Santini, leu Bukowski em voz alta. — Curiosamente, alias Diavolo. Maxine apanhou uma pasta. — Procurado em todo o mundo, acusado de seis assassinatos, várias lesões físicas graves e outros crimes. Natural de Nápoles, se criou no bairro Secondilgiano, refém da Máfia. Trabalhou para a família Manzoni, completamente extinta em um ataque à bomba há cinco anos. Imaginamos que nos últimos anos ganhou a vida como assassino a soldo. No outono passado atirou no diretor de um banco em Cannes. O caso foi resolvido rapidamente. A mulher do banqueiro contratou, junto com seu novo amante, o assassino, para acabar com o marido. Os dois estão na prisão, mas não existem pistas do Diavolo. — Isso quer dizer que ele também trabalha na França. — Trabalha em todo o mundo. Inclusive o FBI também está procurando-o, já que há dois anos atirou em um membro da Máfia em Chicago. Procuram-no em todo o mundo. Estes seis assassinatos são a ponta do iceberg. Há dois anos tivemos um caso em Cevennen, Arreche. Achamos que se podem atribuir a ele os dois assassinatos. Depois que foi detido e antes de extraditá-lo, se descobriu que havia cometido mais de vinte e oito assassinatos. É como um diabo e agora o procuram em todo o mundo. Bukowski não acreditava. — É incrível, um tipo com esse rosto não ser capturado. Maxine deu de ombros. — Parece que não é tão fácil. Deve ter dinheiro suficiente para se equipar perfeitamente. Passaportes falsificados, refúgios certos, endereços de contatos, e talvez uma máscara facial feita sob encomenda. Bukowski olhou para a foto. — E esse rosto de diabo, é uma marca de nascimento? Maxine levantou as mãos para explicar. — Problemas do ofício, digamos. Salpicou-lhe gasolina quando jogavam um coquetel molotov em um bar de Nápoles. O bar era inimigo dos Manzoni. Bukowski se reclinou no sofá e olhou para o teto. — Em que está pensando? — Como um mafioso italiano se encaixa no assassinato de um monge no meio da idílica região da Alta Baviera? — E no de um inocente sacristão? — Tem material em seus arquivos para poder comparar o DNA? Maxine mexeu na pasta e finalmente concordou. — Bastante. — Não me surpreenderia que o DNA no envoltório da bala fosse o dele. Se contamos também o do cura da Wieskirche, então se podem lhe imputar nove assassinatos. — Agora surge a pergunta seguinte: Porquê? — E quem lhe paga? Não acredito que seja algo pessoal entre ele e os assassinados. — Alguém o encarregou. Prosseguiu Maxine Rouen. — Por dinheiro e se o preço for bom ele mata qualquer um. O cura e o monge são a chave para solucionar o caso. — Quem o poderia encarregar, em nome de Deus, o assassinato de dois padres?

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— Isso é o que precisamos descobrir, deveríamos investigar bem a vida deles. Bukowski sorriu. — Levantavam-se cedo, rezavam, se punham a trabalhar, voltavam a rezar e depois trabalhavam de novo. E à noite, depois da missa iam para a cama. — Não me contou que os dois investigavam no âmbito da arqueologia antes de um se encarregar da paróquia e o outro se retirar para o convento? Bukowski concordou. — Eram especialistas em línguas antigas. — Então precisa descobrir em que trabalharam no final de suas vidas. Informá-lo-ei sobre o resultado do teste de DNA, quando chegar do laboratório. Bukowski colocou as mãos no rosto. — Deus meu, agora estou procurando um assassino da máfia e eu queria esperar tranquilamente para poder me aposentar. — Esta Lisa, é... É... Boa? Bukowski rechaçou o comentário com as mãos antes de sair da sala de Maxine Rouen. JERUSALÉM, HOTEL REICH EM BEIT HAKEREM

Depois das sete bateram à porta. Yaara se levantou assustada e olhou o despertador. Tom dormia, sua regular respiração era o único som que se escutava no escuro aposento. Tocou-se no seu negro cabelo. Teria sido um sonho? De novo bateram à porta, mas desta vez com mais força. Sacudiu o ombro de Tom. Sentou-se na cama. — O que aconteceu? — Tem alguém na porta, respondeu Yaara. — Senhorita Shoam, por favor, abra a porta, somos da polícia, se escutou do exterior. — A polícia? Perguntou Yaara surpresa. Tom jogou o cobertor para trás, apanhou as calças e colocou-as enquanto Yaara jogava por cima o robe. — O que a polícia estará querendo de nós há esta hora? Perguntou. Tom se apressou para a porta. — Saberemos em seguida, respondeu. Ao abrir, quatro policiais uniformizados entraram no aposento. Com desconfiança olharam ao seu redor. Seguia-os um policial vestido à paisana que mostrou a Tom sua identificação. — A juíza Karpin determinou que fossem levados para a delegacia de polícia, informou o funcionário. — Por favor, se vistam. — Agora? Perguntou Yaara. Tom moveu a cabeça sem entender nada. — O que aconteceu? O funcionário lhes mostrou um documento. Tom olhou por cima o que estava escrito, mas como se encontrava em hebreu passou-o a Yaara. — Trata-se de uma ordem de comparecimento, disse surpresa. — Uma ordem de comparecimento? A que vem isto? Repetiu Tom com vontade de enfrentá-los. — Essa mulher não nos larga? Não sabemos quem assassinou Gina, maldita seja! O funcionário lhe indicou que se acalmasse. — Trata-se da violenta morte do professor Jonathan Hawke, respondeu sobriamente o policial. Tom não podia acreditar no que estava escutando. Suas pernas afrouxaram e uma onda de calor percorreu seu corpo.

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— O professor Hawke está morto? Perguntou sem dar crédito. — Encontraram-no morto nesta madrugada próximo das escavações no Vale do Cedro. Atiraram nele. A juíza quer falar com vocês. Moshav entrou precipitadamente no aposento. Um dos funcionários se interpôs no seu caminho e o segurou pelos ombros. — Escutaram? Atiraram em Jonathan! Gritou para seus colegas. — Pedimos novamente que se vistam e nos sigam, voltou a dizer o funcionário com mais afinco. — Sabia que aconteceria algo assim, murmurou enquanto colocava a camisa. JERUSALÉM, CONVENTO DOS FRANCISCANOS DE FLAGELATIO

— Encontraram seu corpo nesta manhã, informou Padre Phillipo. — Acharam-no próximo das escavações. Atiraram nele. Padre Leonardo estava de pé em frente a uma mesa auxiliar e lavava o rosto com água fria retirada de uma bacia de porcelana. Durante um momento reinou um confuso silêncio no espartano aposento de teto baixo, com uma cruz de madeira pendurada na parede como única decoração. — Atiraram? Perguntou Padre Leonardo depois de secar o rosto com uma toalha. — A bala entrou pelas costas, respondeu Padre Phillipo. — Não acredita nos rumores que diziam que era o responsável pelo assassinato de sua colega? — Só Deus se atreve a olhar no interior de uma pessoa e só no mais profundo da alma se encontrará a verdade. — Amém! Respondeu Padre Phillipo. — Rezarei por sua alma, mas mais tarde. Agora precisamos nos assegurar de que as escavações prossigam. Não podemos perder mais tempo. — Está tudo preparado. A equipe começará na escavação número quatro. Se encontrarem mais tesouros escondidos, ninguém nos poderá ocultar. Padre Leonardo sorriu suavemente. — Estou tranquilo, irmão em Cristo, sei que posso confiar em você. Mas precisamos ter cuidado, a morte do professor provocará mais perguntas. — Ninguém terá nada a dizer da Igreja de Roma. — Roma fica muito longe, querido irmão, e nós somos feitos de carne e osso.

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CAPÍTULO 28 DELEGACIA CENTRAL DE POLÍCIA, RUA DEREKH-SHEKHEM

Levaram Tom à sala de tomada de declarações. Estavam tratando-os como criminosos. Levaram-nos separadamente até a delegacia central de polícia. Tom sentia um enorme vazio. Sem motivação nem interesse algum, deixou que os funcionários o levassem até ao verde aposento. Não sabia quanto tempo já se passara. Não entendia nada. Haviam assassinado o professor Jonathan Hawke. Morrera com um tiro nas costas junto às escavações. Tom estava convencido de que as mortes e os acidentes do acampamento estavam relacionados. Sentia-se responsável, fora ele quem havia aberto a caixa de Pandora e liberado os demônios do passado, deixara que saíssem de sua escura cripta. Fora ele quem encontrara a galeria da tumba do templário. Por isso se sentia responsável pela morte do professor. — Sabe o que aconteceu ontem à noite no Vale do Cedro? Tom concordou. — Encontramos o carro do professor próximo da tumba de Jacob, informou a juíza. — Parece que se encontrou ali com alguém. Tem ideia de quem e por quê? Tom suspirou. — Não sei, não o vimos durante o dia todo. Estivemos na cidade, mas isso você já sabe. — Por que iria saber? — Porque sua gente nos seguiu até a cidade, respondeu Tom bruscamente. A juíza instrutora fez um gesto de mão de rechaço. — Nós não lhe seguimos. Só vigiamos o professor, mas ontem à noite escapou por entre a multidão e meus homens o perderam de vista. — Continua pensando que o professor assassinou Gina Andreotti? A juíza Karpin negou com a cabeça. — Apareceram novos indícios. Achamos que o professor e sua colega estavam implicados com criminosos. — Por quê? — Pense, senhor Stein. Todos os anos são extraídos da terra tesouros de centenas de anos de antiguidade. Mas, se recebe exclusivamente o salário e os tesouros se perdem em algum museu. As empresas dos museus fazem milhões com estes tesouros e os descobridores só recebem uma milésima parte do que realmente valem os seus achados. Você não pensa que o ser humano é fraco e que pode cair na tentação dos desvios que este mundo oferece? O professor era idoso e sua conta bancária estava vazia. Como a de sua colega. Tom negou com a cabeça sem poder entender nada e protestou: — O que está dizendo é uma completa bobagem. Uma loucura. — Temos provas de que o professor visitou um mercenário em Telavive, Sheik al Ramzi. É um criminoso sem escrúpulos e vende objetos de arte e outros artefatos roubados. Isto não é uma conclusão da polícia, é um fato. Tom levantou as mãos em gesto de mão de defesa. — Não... Não pode ser. É impossível. Todo o mundo sabe a importância que o professor dava em esclarecer a história da humanidade. — Encontramos uma mensagem, com o que ficou claro que o professor e Gina Andreotti estavam envolvidos em negócios escusos com Ramzi. E quem se atreve a enganar Ramzi, está literalmente morto. — E por que não o prendem? — Não conseguimos pegá-lo. Tem seu domicilio próximo de Ramala. Age sempre através de intermediários e pessoas de contato. Montou ao seu redor uma rede difícil de penetrar. Tom olhou para juíza, diretamente nos olhos.

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— Nunca lhe passou pela cabeça que estes assassinatos tenham algo a ver com a descoberta do templário? A juíza Karpin franziu a testa. — O que quer dizer? — Pense bem, Tom começou a explicação. — Encontramos casualmente nas escavações um templário do século XI ou XII e pouco depois começam estranhos acontecimentos. As contenções da escavação cedem e assim sucessivamente até que Chaim Raful desaparece repentinamente sem deixar rastro, com o conteúdo da câmara do sepulcro. Então assassinam Gina, Aaram Schilling morre ao passar por cima de uma mina de tanque que estava jogada ali e agora, por cima, assassinam Jonathan Hawke. Em minha opinião, tudo isso é um complô. A juíza se reclinou na cadeira e observou com curiosidade a Tom. — Soa interessante. Esqueceu-se que houve outro assassinato. Um de seus ajudantes, Gideon Blumenthal, também foi morto a tiro. Gideon Blumenthal também estava relacionado com a organização de Ramzi. Provavelmente passara detalhes sobre o achado das escavações. Creio que tudo isso faz sentido. — Acho que desta vez também erra, replicou Tom. — Não se trata de um par de objetos insignificantes que se vendem secretamente. Creio que se trata de algo bem diferente. A juíza sorriu ironicamente. — Me explique. — A chave para solucionar o caso está nos bens que estavam na tumba. A juíza instrutora deu de ombros. — Refere-se a Raful e suas retorcidas teorias de que Jesus é uma mera invenção? — Talvez o sarcófago contivesse uma espécie de mapa do tesouro. Era um templário e ainda não se esclareceu o tema do legado dos templários, a lenda diz que suas riquezas são de incalculável valor. A juíza tocou a testa. Por um momento seus olhos mostraram certa insegurança. Em seguida, colocou a mão no bolso de seu casaco e jogou o passaporte de Tom na pequena mesa de madeira. — Todo mundo sabe o que pensar de Chaim Raful quando se trata da cristandade. Ninguém o leva a sério. Creia-me, Sheik ao Ramzi é o responsável pela morte de seus amigos. Algum dia pagará por todos seus crimes, pode ficar tranquilo. Tom apanhou seu passaporte. — Quer dizer que já podemos viajar livremente? Deborah Karpin se levantou. — Lamento muito ter lhe causado inconvenientes, mas não poderia ser de outra forma. Podem ir para onde quiserem, o caso está fechado. AUTOESTRADA DE L’EST, PRÓXIMO A ESTRASBURGO

Perderam o trem. Lisa estava fora de si quando Bukowski chegara de sua reunião com Maxine uma hora mais tarde do que o previsto. O trem para Munique já havia saído e o último transporte disponível requeria passar a noite em Metz, mas Lisa queria chegar em casa, não se sentia muito bem. Maxine sugeriu alugar um carro. Após uma longa discussão optaram por um Opel. — Depois podem entregar o veículo em Munique, afirmou a funcionária da locadora, — Por isso vivemos em uma Europa unida.

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— Oxalá que na Europa tudo funcionasse tão bem, murmurou Bukowski enquanto se sentava ao volante. Só haviam avançado um par de quilômetros quando Lisa perdeu a paciência. Bukowski tinha várias vezes errado o caminho informando a autoestrada incorreta, ela esteve a ponto de provocar dois acidentes e, finalmente, quando avançou um semáforo vermelho no meio de um cruzamento de várias estradas, Lisa explodiu. Desde que pegaram a autoestrada, Lisa não havia articulado nem meia palavra. Bukowski apoiou a cabeça na janela lateral e cabeceava. — Merda, este idiota, insultou Lisa repentinamente e pisou fortemente o freio. Na frente deles um carro tinha ficado atravessado e bloqueava o caminho. Bukowski abriu completamente os olhos e se segurou fortemente. Olhou para o velocímetro. — Aqui o limite de velocidade é de 130, reclamou. — Na França a velocidade que se pode circular na autoestrada é limitada. Lisa deu uma guinada à esquerda para evitar o carro da frente. Bukowski respirou profundamente. Um acidente é a última coisa que precisavam agora. — Dirija você se pensar que faria melhor, respondeu Lisa friamente. — Ao menos, me alegro de que tenha recuperado a fala. — Embebedaram-se também esta noite, você e seu querido amigo? — Fomos jantar e depois tomamos algo em um bar. Teve vontade de vir conosco de repente? — Para que se aproveitasse de mim outra vez? Passei a noite sozinha visitando a cidade. — Espero que tenha se divertido. — Fiquei bem, respondeu Lisa. A placa de um restaurante da autoestrada passou voando a seu lado. — Pare, tenho fome e, além disso, preciso ir ao banheiro. Lisa olhou os quilômetros que faltavam para Alemanha. — Só faltam cinquenta para chegar, suponho que poderá esperar. — Preciso ir ao banheiro, merda! Respondeu Bukowski. — Na minha idade eu preciso disso para viajar sem problemas. — Há dois dias não tinha nenhum problema, respondeu Lisa, se surpreendendo com suas próprias palavras. Imediatamente deu outra guinada. — Está bem, se precisa ser assim. Bukowski suspirou. — Olhe, Lisa. Já passou e precisamos conviver com isso. Simplesmente precisamos esquecer daquela noite. — Esquecer! Pode esquecer assim tão facilmente? Que tipo de pessoa você é? — Mas, o que quer? Perguntou Bukowski. — O que tal um pedido de desculpas? Aproveitou-se da situação, é um verdadeiro... — O que sou? — É... É um velho. — Não passe a entrada, recomendou Bukowski. Lisa se dirigiu a área de descanso e estacionou o carro no amplo recinto com destreza, entre dois trailers. Bukowski olhou pela janela e fez um gesto de negação. A distância para abrir a porta era de vinte ou trinta centímetros. — Como quer que eu desça? — Emagreça, Lisa brincou e soltou o cinto de segurança.

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Sem dizer mais nada desceu rapidamente do carro e fechou a porta batendo-a. Bukowski olhou-a enquanto cruzava o estacionamento se dirigindo para o restaurante. Estava quase correndo. Inalou profundamente. Com grande esforço saiu pela porta do motorista. Descansou um instante antes de fechar do mesmo modo a porta do carro. Entrou no restaurante e procurou o banheiro. Quando regressou ao refeitório Lisa estava sentada junto de uma janela. Bukowski pediu um sanduíche, uma cerveja e se sentou junto a Lisa que nem sequer levantou o olhar. Sem dizer nada bebeu um gole de seu copo de água. — Não quer comer nada? — Não tenho fome, respondeu Lisa olhando exageradamente pela janela. — Sinto muito, disse Bukowski. — Você sente, eu também, mas não serve de nada, gritou de tal modo que algumas pessoas ficaram olhando. — Poderia ser meu pai. — Por Deus, respondeu Bukowski. — O que mais quer? Não se machucou. Passamos uma boa noite e isso é tudo. — Passamos! — Bem, Maxine andou depressa, Bukowski mudou de tema. — O laboratório comparou a amostra de DNA com a de Santini. Coincidem cem por cento. Ficou claro que Santini estava na Wieskirche, e com certeza é o assassino. O retrato falado acelerou o assunto. — E você riu do retrato falado, respondeu Lisa. — Graças a ele também sabemos que cometeu o assassinato de Ettal. Bukowski deu de ombros. — Errei. — Está errando com frequência. Bukowski lutava contra uma incipiente irritação. — Se quiser mudar de seção, não impedirei. Lisa olhou-o com os olhos bem abertos. — Claro, agora que chegamos tão longe. Já entendi, o senhor quer comemorar sozinho o êxito enquanto que eu me dedico a retirar pó de velhas pastas. Não obrigado, senhor superior da Polícia Judicial. — Posso deduzir por essa resposta que deseja continuar trabalhando no caso. — Pode colocar a mão no fogo por isso. JERUSALÉM, HOTEL REICH EM BEIT HAKEREM

Reuniam-se de novo no quarto de Yaara. — Não sei, falava Jean Colombare. — Se a juíza tiver razão, então estamos procurando um louco e todos nossos esforços serão inúteis. Tom colocou as mãos em frente ao peito. — Ninguém o obriga. Já estamos livres, cada um recebeu seu passaporte e pode ir para onde quiser. Moshav fez um gesto de mão de negação. — Ninguém pode saber exatamente o que acontece no interior de outra pessoa, mas me surpreenderia muito que Gina e o professor tivessem realmente se envolvido no comércio ilegal de antiguidades. É absurdo, eu os acompanho. Tom deu um suplicante olhar para Yaara. — Eu também vou com vocês, ela disse. Os três olharam para Jean. Ele respirou profundamente. — Vamos para o aeroporto, mas acho que estamos iremos dar muitas voltas em vão. — Isso nós só saberemos depois de tentar, respondeu Tom. Moshav se levantou.

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— Vou retirar o carro da garagem, nos encontraremos em cinco minutos na frente ao hotel. — Em cinco minutos, ratificou Tom.

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CAPÍTULO 29 JERUSALÉM, ACAMPAMENTO NA AUTOESTRADA DE JERICÓ

Estavam de pé em frente à grande tenda branca no final do acampamento e observavam o movimento dos ajudantes das escavações. — No caso de se encontrarem outros artefatos no acampamento já não poderão mais ocultá-los, afirmou Padre Antônio Carluci, a quem o Escritório Eclesiástico para a Antiguidade havia encarregado pelo recomeço dos trabalhos no Vale do Cedro. Viera com todos os seus especialistas, que pertenciam igualmente ao escritório de Roma, para se encarregar da direção das escavações. Padre Leonardo olhou expressivamente para o irmão Phillipo. — Deve ficar na Igreja o que à Igreja pertence, disse com grande fervor. — Desculpe-me, irmãos, tenho muito trabalho, se despediu Padre Antônio e desapareceu na tenda. — Aproxima-se o final de minha estadia aqui, na terra do Senhor, comentou Padre Leonardo. — Roma me espera. Desgraçadamente só posso comunicar um êxito parcial. Raful continua desaparecido. — Já não está mais no país, respondeu Phillipo. — Mas onde posso encontrá-lo? — Raful deslizou como uma serpente sob a pedra, mas voltará a aparecer quando retornar sua fome de ódio e destruição. — Então poderá ser muito tarde, replicou Padre Leonardo. — Não sei que provas pode ter para reafirmar sua teoria, mas temo que possa dar um poderoso golpe na nossa casa. Preciso encontrá-lo antes que encha o mundo com seu ódio. Preciso achá-lo e convencê-lo de que destruiria a esperança de milhões de pessoas. Padre Phillipo concordou. — A carga que lhe impôs o cardeal prefeito é muito pesada. Não vai ser fácil fazer com que um maluco mude de ideia. — E como vou fazer isso, quando nem sequer sei onde começar a procurar! — Se descobrir algo aqui em Jerusalém informarei. Padre Leonardo olhou para o céu. — Já é a hora, o avião não me esperará. ROMA, BASÍLICA SANTA SABINA NO MONTE AVENTINO

Et in Spiritum Sanctum, Dominum et vivificantem, Qui ex Patre et Filioque procedit. Qui cum Patre et Filio simul adoratur Et conglorificatur: qui locutus est per prophetas. Et unam, sanctam, catholicam et apostolicam Eclesiam. Confiteur unum baptisma in remissionem pecatorum. Et expecto resurrectionem mortuorum, et vitam venturi saeculi. Amen.

O Cardeal Borghese se santificou e levantou. Durante um momento permaneceu em recolhimento antes de se virar e desaparecer por trás de uma coluna. Só uns poucos visitantes perambulavam pela luminosa igreja do monte Aventino, uma das sete colinas de Roma. O

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Cardeal Borghese olhou uma vez mais para a pintura do teto; Jesus Cristo rodeado pelo povo após sua ressurreição. A igreja fora dedicada à mártir Sabina, que entregara sua vida por seu credo no ano de 125 depois de Cristo. Segundo a tradição, a basílica se encontrava no lugar onde há quase 1900 anos ficara a sua casa. "Muitas pessoas já entregaram sua vida ao Senhor", pensou o cardeal Borghese. A defesa da religião era uma luta eterna. Ainda hoje havia numerosos crentes que entregavam a sua vida ao único e verdadeiro Deus. O Cardeal Borghese saiu da igreja, atravessou a praça e se dirigiu à Via Raimondo Di Capua onde o esperava o seu secretário com o carro. Ainda tinha um pouco de tempo. Faltava uma hora para estar no Santo Oficio. O secretário saltou do carro e abriu rapidamente a porta traseira. Borghese entrou sem dizer nada. — Durante sua ausência, lhe telefonaram, informou o secretário. — Monsieur Benoit pediu que retorne a ligação. Borghese se acomodou no assento de trás e apanhou o celular. NA AUTOESTRADA DE JERUSALÉM, AEROPORTO BEN-GURION

— Deve ter partido um dia mais tarde, disse Tom e estacionou o carro em uma das grandes praças de estacionamento em frente ao terminal do aeroporto. — Pouco importa se foi um dia antes ou depois, será como procurar uma agulha num palheiro, protestou Jean Colombare. — Nenhuma companhia aérea vai dar a um curioso como você as suas listas de passageiros. — Eu me encarregarei disso. Precisamos ter cuidado, acho que continuam nos seguindo ainda que não tenha visto ninguém. Utilizaram a entrada subterrânea para adentrar o enorme terminal. Tom olhava constantemente para trás. Não tinha a menor dúvida de que os perseguidores não os haviam abandonado. — Vou com Yaara ao balcão e verificarei os voos. Vocês procurem um lugar com boa visão. Observem principalmente as pessoas que se interessem especialmente por nós. Moshav se virou. Junto à grande coluna da entrada, onde ficavam as escadas rolantes, havia um grupo de viajantes. Os carrinhos, carregados de malas, rangiam com o peso. — Nós ficaremos ali, decidiu Moshav apontando para o grupo. Segurou Jean pelo braço e o levou consigo. Tom e Yaara olharam ao seu redor. Tinham à pouca distância um balcão de informações. Era de manhã cedo e a chegada de passageiros permanecia sob controle. Tom se dirigiu ao balcão e olhou por trás. Era o que estava procurando. — O que faremos agora? Perguntou Yaara. — Vamos analisar o plano de voos, respondeu Tom e pegou de uma caixa do balcão um folheto resumo das companhias aéreas do aeroporto.

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Estudaram em silêncio. Tom tinha uma caneta na mão e riscou os possíveis voos em que o professor poderia ter viajado. — Se voou mais tarde, não servirá de nada o que estamos fazendo, murmurou Yaara e voltou a se concentrar no plano de voo. — Paris, Roma, Nova Iorque, Stuttgart, Londres, Amsterdam, enumerou Tom depois de um tempo. — Por agora podemos descartar Nova Iorque e não acho que tenha ido para Roma, ao coração da besta. — Então nos restam Paris, Londres, Amsterdam e Stuttgart. — Eu aposto em Paris, um lugar ideal para desaparecer. Bom, vejamos se temos sorte. — O que vai fazer? — Venha comigo, respondeu Tom. Dirigiram-se a outro balcão de informações mais central, em frente à entrada das companhias aéreas, que estava ocupado. Uma jovem com um uniforme de casaco azul atendia a um grupo de turistas japoneses. Tom esperou pacientemente na fila até chegar a sua vez. — Good morning, may I help you? Perguntou a jovem. Com um idioma internacional sempre pode se comunicar bem em um aeroporto. — Desculpe, estou procurando o posto de reclamação de bagagem, se trata de uma mala extraviada, respondeu Tom. A jovem concordou e apontou para as escadas rolantes. — Segundo andar, nível 2, sala 288. Suba pelas escadas rolantes, vire à direita e siga pelo corredor. A última sala à esquerda. Tom agradeceu. Yaara seguiu-o pelo caminho indicado. Quando passaram pelo grupo de viajantes, Tom olhou de soslaio para Moshav quem fez um gesto de negação com a cabeça. Pelo visto, não havia chamado a atenção dele que alguém tivesse seguindo-os. Tom e Yaara utilizaram as escadas rolantes e finalmente pararam em frente a uma porta de vidro que junto à inscrição em hebreu se lia "Bagaje-Investigation". Tom bateu brevemente na porta e entrou. Atrás de uma mesa havia um jovem sentado de cabelo ruivo encaracolado. "Weizmann" podia se ler na placa sobre a mesa. De novo, o jovem os cumprimentou em um perfeito inglês. — Perdoe-me, não sei se é aqui, mas estou procurando o posto de armazenagem de malas. O homem sorriu. — Não é aqui. Deve voltar ao nível 1 e na entrada, à direita, ali se encontrem os armários. Tom agradeceu educadamente e voltou para trás. Do lado de fora, no corredor, Yaara o olhou com um olhar inquisidor. — O que está fazendo? — Verá em seguida, respondeu Tom. Na entrada da terminal, Tom se dirigiu rapidamente outra vez ao balcão de informações que estava fechado na parte noroeste do terminal. Apanhou o plano de voos que havia colocado dobrado no bolso da calça. — Tenha cuidado, Yaara. Se alguém se aproximar me faça um sinal.

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Yaara concordou, enquanto Tom se inclinou por cima do balcão e apanhou às escondidas a lista telefônica e o telefone e discou o número interno do balcão da Air France. — Bom dia, meu nome é Sharan da Lloyd de Londres, sede exterior de Telavive, disse Tom ao telefone. — Um de seus passageiros contratou um seguro de bagagens conosco. Voou há duas semanas. Esqueceu-se de colocar na sua reclamação de indenização por danos o número do voo. Notificou-nos a perda de um valioso quadro. O número do lote é 23647. Estima-se que o valor do quadro seja de cem mil dólares. Lamentavelmente não posso processar a indenização sem o número do voo. Passou um tempo até que a mulher ao outro lado da línea telefônica perguntou: — E o que quer dizer esse número de lote? — Indicou esse número na notificação de indenização, mas eu tampouco sei o que significa. Estive falando com o senhor Weizmann do posto de reclamação de malas, mas ele também não soube me informar e aconselhou que me dirigisse à sua companhia aérea. — Como se chama o passageiro? — Chaim Raful partindo de Telavive, respondeu Tom. Yaara olhou-o sem poder acreditar. — Disse quinta-feira ou sexta-feira há duas semanas? — Sim. — Posso retornar a ligação? Levará um tempo. — Estou no aeroporto, só precisa discar 14 e eu atenderei. Tom desligou. — Parece que conhece todos os truques, sussurrou Yaara quando se virou para ela. — Algumas vezes é preciso improvisar, respondeu Tom. Esperaram quase vinte minutos até que por fim retornaram a ligação. Desgraçadamente, a empregada da Air France não podia ajudá-lo. Não conseguiu encontrar na lista de passageiros o tal Chaim Raful. — Então descartamos Paris, disse Tom e discou o número seguinte. Desta vez foi o balcão da British Airways. De novo repetiu a história e voltaram a pedir que esperasse, mas desta vez teve êxito quando retornaram a ligação. Tom desligou e olhou com um grande sorriso para Yaara. — Bem, Chaim Raful voou sábado, há quinze dias, no voo BA 7089 para Stuttgart. Ia só e não despachou bagagem. — Para Stuttgart? — Sim, Stuttgart, repetiu Tom. — Acho que deveríamos comprar as passagens imediatamente.

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CAPÍTULO 30 JERUSALÉM, HOTEL REICH EM BEIT HAKEREM

Iam sair de novo do aeroporto, mas antes de alcançarem a saída, Padre Phillipo entrou nele acompanhado de outro padre. Brevemente cruzaram os olhares. Padre Phillipo sorriu amavelmente ao passar ao seu lado. — Esperem. Sabem quem é o acompanhante de nosso amigo da Igreja? Perguntou Tom. — Não, nunca o vi. — Vai para o balcão da Alitalia, disse Yaara. — Um momento, gostaria ver para onde voará nosso irmão, respondeu Tom desaparecendo por entre a multidão. Yaara, Moshav e Jean saíram do aeroporto e pararam em frente à entrada. Não precisaram esperar muito, Tom retornou em seguida. — Nosso irmão trouxe ao aeroporto um visitante de Roma, informou Tom. — Não é muita casualidade? — Falou com ele? Perguntou Yaara. — Contei-lhe o que aconteceu a Jonathan. Mostrou-se muito afetado. Disse que estamos preparando nossa viagem de volta. Seu acompanhante se chama Padre Leonardo, um dominicano de Roma. — Deve ser casualidade, disse Jean. — Constantemente vêm para Jerusalém religiosos do Vaticano, não podemos esquecer que estamos na Terra Santa. Não é nada anormal. — Para você parece tudo normal? Increpou-se Tom. Jean se dirigiu a Moshav. — Viu alguém hoje que nos perseguisse? Moshav negou com a cabeça. — Está vendo! Outra imaginação, prosseguiu Jean. — Nos faz crer em algo que não existe. Aceite as coisas tal e como são. Por que policial israelense iria ocultar que nos vigia? Com certeza que quem nos observa não é um policial. Isso no caso de ser verdade que viu alguém e não seja uma de suas invenções. Tom não pode ocultar sua irritação, queria responder como ele merecia, mas reconheceu na expressão de Yaara que ela desaprovava uma briga. — Talvez tenha razão, suspirou Tom. — Oxalá fosse assim, mas sou arqueólogo como você. Não me basta acreditar em algo, eu preciso ver provas e não acredito na bobagem que a juíza nos contou, para explicar as mortes de Gina e do professor. No caminho de volta ao hotel ficaram em silêncio. Até chegarem ao corredor do hotel, Tom não voltou a se pronunciar. — Precisamos pensar em como queremos continuar agindo. Jean Colombare torceu a o rosto. Estou cansado de tanto teatro. — Vou para o meu quarto descansar. Preciso pensar. E sem esperar resposta alguma, saiu. Tom, Moshav e Yaara se olharam sem dizer nada, e em seguida foram juntos para o quarto de Tom. — É compreensível, comentou Yaara. — Veio aqui para trabalhar nos acampamentos de uma guarnição romana e, de repente, está no meio de uma trama criminosa. Moshav se sentou no sofá dando um suspiro. — O que faremos agora? — Precisamos encontrar Raful, respondeu Tom decidido. — Há quase duas semanas que voou para Stuttgart. Até aqui está tudo bem, mas... Como quer encontrá-lo na Alemanha? Pode estar em qualquer lugar. Yaara concordou.

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— Vou à Universidade a falar com o decano, decidiu Tom. — Penso que tem os escritos e vai querer traduzi-los. Precisa material e um laboratório se não quiser danificá-los. Talvez tenha pessoas de contato na Alemanha. Alguém que lhe ajude? Moshav brincava com um fio que havia arrancado do sofá. — E se procuramos na internet? Tom concordou. — Podem se encarregar disso? — Claro que sim, respondeu Yaara. — Não a vejo muito convencida, disse Tom e olhou Yaara nos olhos. — Sinceramente não sei o que pensar de toda esta história. Às vezes acho que Jean tem razão. — E você? Perguntou Tom se dirigindo a Moshav. Moshav deu de ombros. — Não sei o que pensar. Estou como Yaara, dividido. Mas apoio-o, nisso não há dúvida. A única coisa que pode acontecer, se você estiver errado, é que precisaremos reconhecer isso. É possível. Já escavei em vários locais pensando que encontraria algo e ao final todo o esforço foi em vão. MUNIQUE, UNIDADE DE CRIME ORGANIZADO DA BAVIERA, BRIGADA 63

— Fabricio Santini é um perigoso assassino da máfia, espero que as autoridades francesas o prendam rapidamente, disse a chefa de Bukowski e lhe golpeou ligeiramente no ombro. — Foi um bom trabalho e valeu a pena a viagem a Paris. Ainda que nem sempre esteja de acordo com seus métodos, neste caso devo expressar meu reconhecimento. — Falta-nos ainda conhecer o motivo e as pessoas que estão por trás dos assassinatos, explicou Bukowski. — Sobre quem os executou já temos provas suficientes. — Como vê a possibilidade de resolver completamente o caso? — Existe uma conexão entre os dois religiosos assassinados. Ambos estudavam línguas antigas. Conheciam-se, isso foi demonstrado por uma foto de internet onde aparecem junto de um professor de Munique e outro de arqueologia de Israel. Com exceção da morte da Wieskirche, que não foi premeditada, acho que poderemos deduzir o motivo. A morte do sacristão foi casualidade, certo. Creio que os assassinos esperavam encontrar algo na igreja, mas foram surpreendidos pelo sacristão e por isso ele precisou morrer. — O que poderia ser? Perguntou a diretora. — Já mandou revistar a igreja. — Não tenho ideia, na segunda vez tampouco encontramos algo, ainda que tivéssemos sido muito meticulosos, respondeu Bukowski. — Talvez seja um escrito, ou o mapa de um tesouro, algo que fosse fácil de esconder. — Isso quer dizer que deveremos esperar mais indícios quando se capturar o assassino. — Pelo menos, por agora. Mas Santini não estava só, nosso suspeito tinha um cúmplice. A diretora sorriu satisfeita. — Encaminharei o processo para a Direção Geral da Polícia Judicial. Estão procurando-o há vários anos. Escreverei uma nota para a imprensa e transferiremos o caso. É o melhor nesta situação. Talvez os companheiros da direção federal, a BKA, tenham mais sorte. — Eu preferiria esperar mais um pouco, contradisse Bukowski. — Os colegas franceses estão realizando os trâmites com muita urgência. Ainda nos falta o veículo com o qual agiram na Wieskirche. Não deveríamos... — Meu caro colega Bukowski, interrompeu pacientemente a diretora. — Realizou um bom trabalho, mas já é hora de tranquilizar a opinião pública e nos dedicarmos a outras coisas. O caso

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chegou a um ponto em que não podemos avançar mais. Escreva o relatório e envie-o. No caso de que surja algo novo, sempre poderemos voltar ao caso. Bukowski sabia que neste momento já não podia esperar mais apoio. A diretora tinha razão. De Santini, mesmo no caso que o prendessem, não obteriam mais nenhuma informação e duvidava muito que conseguissem identificar o cúmplice. Em que pese a tudo, tinha uma sensação ruim. Deixar um caso sem ter posto sobre a mesa todos os fatos não era o seu estilo. TELAVIVE, UNIVERSIDADE DE BAR-ILAN

Quando Tom deixou o carro próximo do campus e caminhou através do amplo estacionamento, lhe chegou uma fresca brisa marinha. O ar do mar próximo conseguia chegar até ele, apesar das emissões da autoestrada, as casas e os complexos industriais. Nessa manhã Tom havia ligado para o decano Yerud e marcara uma reunião. O decano não se alegrara muito, pois parecia queria fechar o capítulo Raful. Mas, Tom insistiu e justificou a visita por causa de outros assuntos relacionados com as escavações e os pagamentos pendentes, de maneira que o decano Yerud precisou aceitar. As dez tinha meia hora para atendê-lo, mas depois devia retomar à suas obrigações. O Joseph-Carlobach Institut inaugurava uma nova seção de informática e não podia faltar ao evento oficial. "Meia hora será suficiente", pensou Tom. O edifício administrativo se encontrava no centro do campus, próximo de um arvoredo. Tom entrou no moderno edifício. Milhares de estudantes assistiam aulas aqui, na segunda maior Universidade do país. O culto à religião judaica se encontrava na primeira linha. Junto à ciência moderna, esta fé abriria a todos os estudantes as portas do passado, presente e futuro do país e da existência humana. O número crescente de estudantes nesta Universidade ratificava esta filosofia concebida pela direção. Tom anunciou sua chegada na secretaria e se sentou em um banco do corredor. Passou um tempo até que aparecesse o decano Yerud. Usava um smoking negro, uma camisa branca e a correspondente gravatinha. — Desculpe, senhor Stein, cumprimentou a sua visita. — Tenho muita pressa. A imprensa já está lá, peço pois que seja breve. — Para mim também será melhor assim, replicou Tom. — Sim, é espantoso o que aconteceu nas escavações. Ainda não consigo acreditar. — O professor Hawke e Gina Andreotti não estavam implicados em negócios escusos, senhor decano. A polícia está errada. Não sei como provar, mas posso colocar a mão no fogo pelo professor. — Sinto muito, respondeu o decano Yerud. — Não conseguimos ainda saber o que vai dentro das pessoas. Eu também considero que o professor era uma pessoa íntegra e um excelente cientista, mas não me permito duvidar sobre o resultado da investigação de nossa polícia. Tom concordou. Yerud tossiu enquanto se dirigia até a sua sala em frente à secretaria. — Sente-se. O que o trouxe até aqui, senhor Stein? — Depois que pararam as escavações, não recebemos mais nenhum pagamento pelos nossos serviços, explicou Tom. O decano Yerud torceu o rosto. — É impossível, transferimos o valor completo para a conta do professor Raful. Ele assinou os contratos com o pessoal, é tudo o que sei. Tom concordou compreensivo. — Desgraçadamente o professor desapareceu.

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— Sim, sim. Infelizmente não sei onde se encontra. Não se pôs em contato comigo. — Não lhe comunicou que viajaria para a Alemanha para investigar os escritos? Perguntou Tom de passagem. — Para a Alemanha? — Para o sul da Alemanha, confirmou Tom. — Pensei que você sabia. O decano contemplava pensativo as unhas. — Não me comunicou o que pretendia fazer. — Deve entender que se trata do pagamento do meu trabalho e o de meus colegas. Não é fácil a vida sem dinheiro. — É verdade. — A dívida já está em vinte mil dólares, prosseguiu Tom. — Não estamos falando de uma dívida pequena. — Eu entendo, mas não sei como posso ajudar. Já fechamos o centro de gastos das escavações e transferido a soma restante. Desgraçadamente, o orçamento de nossa Universidade é reduzido. Deve esclarecer esta questão com o professor Raful. — Gostaria de saber onde ele se encontra. O decano olhou o relógio em cima da porta. Finalmente se levantou. — Eu estou com pressa e não tenho ideia de onde pode se encontrar o professor. — Ao menos pode me dizer onde poderia estar. Deve ter conhecidos lá. O decano moveu a um lado a cadeira. — Sinto não poder ajudar mais. Lembro-me que houve um professor dedicado à antiguidade na Universidade de Munique. Nos trabalhos prévios das escavações, Chaim Raful se reuniu com ele em algum lugar dos Alpes. — Não se lembra do nome? Perguntou Tom. O decano se apressou à porta. — Só sei que há uns anos dava aulas na Universidade de Munique, mas não me lembro de seu nome. O decano Yerud abriu a porta. Tom se levantou e o seguiu. Estendeu a mão. — Muito obrigado de qualquer maneira, ainda que não tenha podido ajudar. O decano lhe sorriu artificialmente. — E se Raful se colocar em contato comigo, me encarregarei pessoalmente de que pague seus salários. — Muito obrigado. Tom Ficou parado um momento no corredor. Não sabia como interpretar esta notícia que havia obtido do decano.

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CAPÍTULO 31 JERUSALÉM, CENTRO DE INFORMAÇÃO DIGITAL

Próximo do Campus de Mount Scopus, ao este de Jerusalém, se encontrava o Centro Hebreu de Informação Digital, no qual, além dos serviços normais da internet, podiam se encontrar inumeráveis escritos, tratados, relatórios científicos de instituições e universidades de todo o mundo. Uma fonte indispensável para estudantes universitários, professores e colaboradores científicos. Yaara e Moshav o utilizaram com frequência no passado. Uma vez que Tom fora para Telavive com o carro, Moshav e Yaara saíram de táxi. Jean Colombare preferiu uma vez mais ficar no hotel. O centro de informação era formado por uma única enorme sala, cheia de numerosos computadores sobre as mesas. Os estudantes povoavam a sala, sentados junto das telas ou conversando entre si. Junto com as roupas habituais dos estudantes, alguns traziam o tradicional chapéu e traje negro dos grupos sionistas. Yaara e Moshav tinham conseguido a permissão para trabalhar ali como arqueólogos. Depois do controle da entrada, procuraram um lugar tranquilo da grande sala e se sentaram junto de uma grande mesa de trabalho sobre a qual havia um terminal. Também tinham a opção de imprimir os arquivos necessários. — O que procurarei? Perguntou Yaara depois de ligar o terminal e digitar a sua senha. — Chaim Raful, claro! — Era o que estava pensando, respondeu Yaara antes de digitar o nome de Raful no formulário de busca e apertar a tecla enter. Uma pequena janela na tela indicava que o modo de busca estava ativo. Passou-se um tempo até aparecer uma lista com os arquivos disponíveis em que o nome de Chaim Raful era relevante. — É muito, protestou Moshav. Haviam aparecido mais de três mil entradas. — Posso aplicar uns quantos filtros, respondeu Yaara. — O que acha de Alemanha? Yaara escreveu "Deutschland" em um dos campos livres. Matching... O número de entradas se reduziu a seiscentas e na tela apareceu uma lista de apenas vinte artigos com estas palavras chave. — Olhe, um trabalho sobre templários, disse Yaara. — Não é casualidade. Acedeu ao documento. Tratava-se de um trabalho de quase cem páginas do professor sobre a vida dos templários na Terra Santa. Escrito há apenas dez anos. — Raful está há muito tempo se dedicando a este tema, mas, por que aparece este documento relacionado com a Alemanha? Moshav deu de ombros. Juntos leram por cima o documento dedicado aos primeiros templários e ao primeiro grande mestre, Hugo de Payens, que fundara a ordem com o nome de Ordem dos

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Pobres Cavaleiros de Cristo do Templo de Salomão no ano de 1119. Chegara a Jerusalém junto com outros oito cavaleiros para servir ao Senhor. — Vou imprimir, disse Yaara. — Acredito que poderá ser importante para nós. Yaara ativou o menu de impressão e continuou lendo. Pensativa olhou para o monitor. — Sabe o que disse aquele antiquário da Rua Lunz? Moshav negou com a cabeça. — Não disse que encontramos um dos nove? — Um dos nove, murmurou Moshav pensativo. — Estou certa disso. Isso quer dizer que o cavaleiro que encontramos pertenceu ao grupo do grande mestre Payens. — Segundo eu sei, morreu em 1128, quer dizer, nove anos mais tarde. — Viveram muito próximo do lugar em que se levantou o templo de Salomão. — Mas tudo isso continua sem justificar a relação deste estudo com a Alemanha. Yaara continuou lendo. Cento e quatro páginas mais a frente encontraram a resposta. Raful escrevera o artigo mas se baseara nos dados de um tal de professor Yigaal Jungblut que trabalhava na Faculdade de Estudos Culturais e Arqueologia da Universidade de Munique. — Adicione o nome de Jungblut na busca, sugeriu Moshav. A busca obteve mais de duzentas entradas, mas o primeiro resultado da lista já valia a pena. Tratava-se de um trabalho sobre os documentos de Qumran, escrito pelo professor Yigaal Jungblut e pelo professor Chaim Raful. Yaara entrou no documento e deu uma olhada. — Conheciam-se, anunciou Yaara. — Trabalharam juntos em Qumran antes que a École assumisse os trabalhos de arqueologia. Analisaram os documentos seguintes e chegaram à conclusão de que, nos últimos anos, Raful e Jungblut deviam ter ficado em contato. Ambos trabalhavam intensamente em investigar criticamente a vida de Jesus Cristo. — Por isso é possível que Raful tenha ido para a Alemanha traduzir junto com Jungblut os rolos do sarcófago do templário. Seu colega também é especializado em línguas antigas. Yaara concordou. — Estou intrigada. O que informação nova Tom haverá encontrado? Quando saíram da grande sala, levavam consigo quase mil páginas de ensaios, relatórios e artigos. MACIÇO WATZMANN EM BERCHTESGADEN, ALEMANHA, A UNS OITOCENTOS METROS

O pequeno grupo de alpinismo de Vogtlande, Turíngia, havia partido de manhã cedo para alcançar em boa hora o refúgio conhecido como Watzmannhaus. A montanha continuava imersa na neblina de um sombrio dia que acabava de começar. O grupo de cinco amigos, duas médicas e três médicos de Gera, se propuseram alcançar em oito horas os quase mil e trezentos metros de altura. Tinham certa experiência e iniciaram a caminhada pouco depois das sete na

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ponte de Wimbach. Planejaram a primeira grande pausa em Mitterkaser Alm. Uma vez que já tinham deixado para trás a garganta de Wimbachklam, começaram a escalada pela montanha através de um frio bosque na direção este. Peter Seigfert dirigia o grupo. Havia caminhado nesta rota em quatro ocasiões e gostava de passar seu tempo livre nas montanhas. Também já fizera percursos mais longos e havia obtido o título de guia pela Thuringer Alpenverein. Esta ocasião seria apenas uma agradável excursão com seus companheiros. — Vamos, não deixemos que o cansaço nos alcance! Animava a seus companheiros de rota. Hanna Schutterwald esfregou a testa com o reverso da mão. Para ela esta era a primeira grande rota nas montanhas. — Por favor, um pouco mais devagar! Queixou-se. — Não é uma competição. — Depois de Mittelkaser Alm a colina será mais pronunciada, mas para isso ainda nos faltam uns dois quilômetros. Hanna respirava como uma locomotiva a vapor. Fumava bastante e havia imaginado que a rota seria um pouco mais agradável. Sem dizer nada seguia o cabeça do grupo. Faltava pouco para as dez, Stuben Alm ainda ficava um pouco longe, quando Hanna se sentou sobre uma pedra em uma clareira do bosque para beber de seu cantil. — Vamos! Se nós paramos não chegaremos nunca, demandou Peter para a sua colega de caminhada. — Não estamos trabalhando no hospital, respondeu Hanna, — Preciso de um descanso. Tenho sede e quero ir ao banheiro. Monika, a outra mulher do grupo, se sentou junto a ela. — Eu também acho que está exagerando um pouco. Daqui até a noite temos muito tempo. Para que nós precisamos chegar em Watzmannhaus antes das três da tarde? De qualquer maneira passaremos a noite ali. Peter não estava de acordo. — Perderemos a melhor hora do dia. Lá em cima tem uma vista espetacular. Se chegarmos muito tarde talvez não reste nenhuma área livre no albergue e precisaremos passar a noite a céu aberto. — Mais dez minutos, pediu Hanna. Peter lançou um demandante olhar a sua companheira de rota. Finalmente concordou. — Bom, está bem. Dez minutos de pausa. Depois de dar um grande gole trago no cantil, Hanna soltou a mochila e olhou ao seu redor. A clareira do bosque se estendia por várias centenas de metros até uma caverna, com apenas dez metros de largura. A certa distância se encontrava algumas árvores. — Preciso fazer xixi, anunciou Hanna. — Faça no mato, respondeu Peter. Hanna negou com a cabeça. — Não tenho vontade de que um mosquito me pique a bunda. — Então vá na caverna, propôs Peter. — Lá ninguém a verá. — Que tipo de caverna é essa? Suponho que dentro haverá palha. Levantou-se e se dirigiu pela clareira até a pequena caverna. — Se continuar assim precisaremos de todo o dia para chegar lá em cima, protestou Peter enquanto observava como Hanna desaparecia.

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Nem sequer havia se passado um minuto quando Hanna saiu correndo da caverna como se lhe tivesse picado uma tarântula. Gritava como uma louca. — Agora sim, acho que foi picada por um mosquito na sua grande bunda, riu Peter. Apressadamente Hanna se aproximou ao grupo. Seu rosto havia estava cinzento. — Lá... Lá dentro... Tem um homem morto... Gaguejou sem respiração. — Ficou maluca? Respondeu Peter. — Vá lá e olhe você mesmo se não estiver acreditando, gritou desconcertada antes de se deixar cair tremendo na pedra. — Tem homem morto lá dentro. De bruços. O corpo está esquartejado e arrancaram a pele do rosto. Nunca poderia imaginar algo assim. Existem moscas por todos os lados, sangue seco e vísceras. Monika a abraçou enquanto Peter e seus companheiros se dirigiram à caverna. Voltaram em seguida com os rostos petrificados. — Precisamos chamar à polícia. Alguém tem o celular operativo? MUNIQUE, UNIDADE DE CRIME ORGANIZADO DA BAVIERA, MAILLINGERSTRASSE

Bukowski estava preparando um café enquanto Lisa estava sentada no computador escrevendo um relatório. — Quer um também? Lisa concordou sem levantar o olhar da tela. — Sempre odiei isso, comentou Bukowski. — Os policiais melhor qualificados e pagos passam a maior parte de seu tempo realizando atividades de pouca exigência. E tudo porque o Estado não para de cortar gastos. — Os relatórios precisam ser escritos, respondeu Lisa sem se irritar. Bukowski encheu uma xícara com fumegante café. — Claro que precisam ter relatórios, mas bastaria que os pudéssemos ditar em uma gravação. — Até há dois anos havia pessoal de secretariado. Mas agora precisamos fazer tudo nós mesmos. Não podemos fazer nada, estamos passando por um momento de corte de gastos. — Se ao menos realmente economizássemos com isso, mas, lamentavelmente, este país economiza um marco com um posto e paga dez para que outra pessoa de maior posto o faça. — Deveria ser político e, além disso, o marco já não existe mais. Bukowski colocou a xícara na mesa de Lisa. — Que Deus me livre, disse rechaçando a sugestão. — Fiz um juramento profissional, não posso me envolver com cortadores de cabeças, não posso ser político. — Já vi que tem uma boa opinião dos representantes do povo. Bukowski se sentou em sua cadeira enquanto bebia o café. Lisa olhou nervosa para Bukowski antes de prosseguir dedicada ao seu trabalho. Não disse mais nada. — Preste atenção, é muito simples. O representante do povo vende o seu povo. Bukowski riu em voz alta de sua própria piada. — Escute, eu não consigo me concentrar se não parar de me atrapalhar com suas piadas. Queixou-se Lisa. — Por que não vai para o bar e fica ali até que eu tenha terminado?

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O telefone soou. Antes que Bukowski pudesse se levantar, Lisa já havia atendido. Da expressão de seu rosto pode deduzir que não eram boas notícias. Após uma breve troca de palavras, desligou. — O que aconteceu? Lisa respondeu. — Eram nossos colegas de Berchtesgaden. Encontraram um cadáver mutilado. Próximo de Ramsau, na Wimbachklam. — E o que nós temos a ver com isto? — Próximo dali tem um restaurante. No estacionamento encontraram o nosso Mercedes francês. Além disso, crucificaram o cadáver de bruços e ele foi torturado. Bukowski colocou a sua xícara de café tão bruscamente na mesa que ela virou. — Nosso Mercedes? Lisa concordou. — Sabem quem é o morto? Lisa negou com a cabeça. — Um homem de uns setenta anos, totalmente desconhecido. Bukowski se levantou de um salto. — Vamos, o que está esperando?

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CAPÍTULO 32 JERUSALÉM, HOTEL REICH EM BEIT HAKEREM

— Dedicou-se a este tema por mais de vinte anos, explicou Yaara e levantou uma lista interminável com os trabalhos do professor Chaim Raful. — Com certeza ele sabia que encontraríamos o templário durante as escavações, afirmou Tom em voz alta. Yaara se levantou e andou pelo aposento de um lado a outro. — Vieram depois da primeira cruzada, após os cristãos terem conquistado Jerusalém. Eram nove no total. Nove buscadores da sorte, vindos da nobreza empobrecida, da terceira ou quarta geração de famílias nobres e que já não tinham mais o que conseguir em casa. Seu líder era Hugo de Payens, um conde da Champangne e se autodenominavam os Pobres Cavaleiros do Templo de Salomão. O rei Balduino, o dirigente desta terra naquela época, lhes indicou onde podiam se alojar próximo do monte do Templo, ali viveram nove anos. — Nove cavaleiros! Não parece pouco para defender o país contra os inimigos? Interveio Tom. — Não lutavam, respondeu Yaara. — Chegaram a um acordo com os grupos árabes e judeus, apenas saíam de Jerusalém. — Não entendi, replicou Moshav surpreso. — E para onde iam esses tipos todo santo dia? — Escavavam, respondeu Yaara secamente. — Escavaram os corredores retorcidos do monte do Templo, como mineiros que extraem minérios. Nove anos. Depois alguns deles retornaram a Roma. Surpreendentemente, após a sua visita ao papa, lhes concederam direitos extraordinários e se converteram em uma ordem poderosa e muito rica. O mesmo papa era o único senhor ao que tinham que prestar contas. Foram inclusive mais poderosos que os reis de alguns países. A partir desse momento deixaram entrar mais cavaleiros interessados na ordem, até chegarem a ser um temido exército. Tom concordou pensativo. — Devem ter encontrado algo debaixo do monte do Templo que trouxe poder e influência dentro da hierarquia eclesiástica. Mas o que pode ter sido? — Existe todo tipo de especulações, prosseguiu Yaara. — Alguns falam no legendário tesouro de Salomão, outros acreditam que foram os restos mortais de Jesus, outros a arca de Moisés ou os rolos com a representação da vida de Jesus Cristo. Moshav tocou a testa. — Nosso templário possuía um rolo em seu sarcófago e era um dos nove. Agora está nas mãos de Chaim Raful. — Surpreendentemente não encontrei nenhum Renaud de Saint-Armand entre os primeiros nove cavaleiros. Encontrei uma lista de nomes. Hugo de Payens era o comandante do pequeno grupo, os outros cavaleiros são: Godofredo von Saint-Omer, André de Montbard, Gundomar, Gundfried, Roland, Payen de Montdidier, Godofredo Bistol e Archibald de Saint-Armand. Não se menciona em nenhum lugar um Renaud. — Talvez seja uma confusão ou um erro ortográfico. Tom tentou dar uma explicação. — Em todo caso é muito interessante. Chegou realmente o momento de falar com o professor Chaim Raful. Moshav olhou à rua pela janela do hotel. — Pode ser aquele ali o tipo que nos persegue? Tom se dirigiu à janela. — Sim, é ele! É o tipo que nos seguiu desde a cidade. — Vamos descobrir o que quer de nós, respondeu Moshav com disposição de entrar em ação.

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REGIÃO DE BERCHTESGADEN, POR CIMA DA GARGANTA WIMBACHKLAM

Bukowski que se encontrava no idílico prado na base do maciço Watzmann, por cima da garganta Wimbachklam, levantou a cabeça para respirar o ar fresco enquanto fumava. — Que tipo de besta é capaz de cometer uma atrocidade dessas? Lisa comentou enquanto segurava fortemente um lenço na mão. Seu estômago havia se revoltado. Apesar de toda a sua experiência como policial, nunca vira uma morte assim. O corpo fora esquartejado. Amputaram as mãos do cadáver e retiraram a pele do rosto. — Foi o mesmo diabo, respondeu Bukowski e exalou a fumaça pelo nariz. Ao longo da pequena clareira, fitas vermelhas e brancas ondeavam com o vento. Perto da caverna havia parado um helicóptero já que não havia nenhuma autoestrada que permitisse fazer chegar até ali o material da Polícia Científica para a obtenção de provas. Esta clareira se encontrava a uns oitocentos metros de altura. Lisa olhou ao redor, só havia bosque, prado e um par de caminhos. — Como o trouxeram até aqui? O legista saiu da caverna e andou cuidadosamente ao longo de um atalho sinalizado. — Nunca vi algo assim, suspirou enquanto colocava o casaco. — Nunca presenciei tanta brutalidade. — Já pode nos dizer algo? Perguntou Lisa. O legista ajeitou bem o casaco. — Posso dizer que se trata de um cadáver masculino, de uns setenta anos, com um pouco de barriga. Está morto há uns quatro ou cinco dias. — Causa da morte? Perguntou Bukowski. — Está brincando, Bukowski. Como acha que ele pode ter morrido? — Sim, já sei que foi torturado brutalmente mas, poderia me dizer como morreu? — Pela quantidade de feridas é muito provável que tenha sido pelo sangramento. — Quando terá uma informação mais precisa? O legista torceu a cara. — Não vai ser fácil identificar o morto. Não só desapareceram as mãos e o rosto, também quebraram os dentes. — Queriam ter certeza, respondeu Lisa. O legista concordou e olhou ao redor. Havia chegado até ali no helicóptero da polícia. O piloto estava sentado na grama e observava com aparente indiferença o cenário. — Como consigo sair daqui? Perguntou finalmente. Bukowski apontou um caminho próximo. — Vinte minutos, se se apressar. Esse comentário lhe proporcionou um mal-humorado olhar de Lisa. Em troca, o legista não se deixou impressionar. — Este pequeno passeio cairá bem depois de tudo o que vi. Que tenham um bom dia e passem bem com o cadáver! Lisa esperou até que o legista não pudesse escutá-la. — Algumas vezes você é realmente antipático, reprovou Bukowski. — E a que vem essa absurda pergunta sobre o motivo da morte? Ninguém sobreviveria a tanta brutalidade. — Não quer saber se os assassinos conseguiram o que estavam procurando? Replicou Bukowski e deixou Lisa ali sozinha. Teve que morder a língua. Às vezes Bukowski tinha uma visão mais ampla que ela, precisava reconhecer. Olhou afetada para o chão. De repente um forte grito a assustou.

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— Encontramos uma chave! Exclamou um técnico da Polícia Científica, que estava inspecionado o chão com um detector de metais. Lisa correu para ele, já que Bukowski havia se afastado a uma certa distância para satisfazer suas necessidades fisiológicas, apoiado numa árvore. O técnico já havia colocado a chave em um pequeno envelope transparente. Era a chave de segurança da porta de uma casa. Estava pendurada em um chaveiro em forma de moeda de prata. Sobre esta havia se inscrito um grande olho. De repente, uma mão segurou o pequeno envelope. Lisa se assustou. — É um hieróglifo egípcio, explicou Bukowski. — Melhor dito, se trata do olho de Hórus. Lisa deu de ombros. — Acha que a chave pertencia ao morto? — Ou a um dos assassinos, ou talvez a um inocente turista que passou por aqui para mijar. — Jogado de bruços, crucificado e mutilado até a desfiguração, murmurou Lisa. — Talvez a chave seja a única possibilidade de identificar o cadáver. — Então, se encarregue disso, respondeu Bukowski. — E quando descer pergunte se já trataram do Mercedes. — E você? Bukowski apontou o helicóptero. — Alguém precisa se encarregar de que tirem o cadáver daqui. ROMA, SANTO OFÍCIO

Padre Leonardo havia retornado de sua missão a Roma e estava sentado em seu escritório no Santo Oficio, estudando os processos que haviam se acumulado em cima da mesa, durante a sua ausência. Ao se abrir repentinamente a porta se sobressaltou. — Ah! Escondeu-se aqui! Bramou o cardeal prefeito. — Estive toda a manhã procurando-o. Não recebeu o meu recado? Padre Leonardo se levantou e fez um gesto de mão de inclinação. — Sua eminência, eu acabo de chegar. Ainda não vi as mensagens... — Não é normal que o primeiro de tudo seja dar respostas? Interrompeu-o o cardeal prefeito. — Mas não, eu precisei vir procurá-lo e o encontro sentado em sua mesa sonhando acordado apesar de tudo que ficou por fazer. A expressão do rosto de Padre Leonardo falava por si só. — Não o encarreguei de resolver duas questões para a Santa Sé? — Já recomeçaram as escavações, explicou o padre. — Esse foi um encarrego, mas não lhe encomendei também que encontrasse aquele maldito? Padre Leonardo suspirou. — Saiu da Terra Santa, foi para a Europa mas ninguém sabe onde está. — Pois descubra. Estão chegando tempos negros para nossa mãe Igreja. O Cardeal Borghese está muito intranquilo, toda a Irmandade de Cristo está em jogo. Você não tem muita consciência da relevância da situação. Sua juventude é muito despreocupada para entender o que está acontecendo neste momento. Encontre Raful e consiga o legado desse templário antes que esse herético faça alguma loucura. Padre Leonardo inspirou ar profundamente. — Eu sou um homem da Igreja, sua eminência, o que o Sr. precisa é de um detective. — Pois se transforme em um detective e resolva a assunto de uma vez por todas, respondeu o cardeal prefeito entregando um envelope ao padre. —Tem plena liberdade para

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agir e todas as instituições o apoiarão. Vá logo, pois é urgente. Onde o viram pela última vez? O Padre titubeou, mas o forte olhar do prefeito se cravara sobre ele. Padre Leonardo suspirou. — Informaram-me que voou para a Alemanha. O cardeal prefeito concordou. — Encontre-o, ordenou energicamente.

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CAPÍTULO 33 GARGANTA WIMBACHKLAM, NA BASE DO WATZMANN

— Bloqueamos todas as entradas, informou o comissário chefe da Polícia Judicial. — Os agentes começaram a inspecionar os restaurantes. A Polícia Científica vai levar o carro à inspeção da Polícia de Traunstein. Bukowski jogou a guimba do cigarro na grama, a uns metros de distância. O helicóptero já havia transportado o cadáver. A reserva de cigarros de Bukowski estava se acabando. Além das impressões de três solas de sapato distintas, a científica não havia podido obter mais provas. — Quero que inspecionem as pensões e hotéis da área até o último. — Acha que esses tipos ainda estão por aqui perto? Perguntou o comissário chefe da Polícia Judicial. — Se não estivessem, o carro não estaria aqui. E ainda por cima, devemos contar com dois ou mais assassinos, um deles tem cicatrizes de queimaduras no rosto e se parece ao mesmíssimo diabo. E seus homens devem ter cuidado, dispararão para abrir caminho se for necessário. Moosacher, o comissário chefe concordou. — A busca já está em andamento, mas esses tipos podem estar em qualquer lugar. — Poderia ser mas... Por que o carro iria estar aqui? Creio que ainda andam por aqui. Não devem ter encontrado o que estão procurando. Moosacher franziu a testa grunhindo. — Espero que saiba do que está falando. Do contrário vamos deixar as pessoas malucas sem necessidade, pois o homem morreu há só alguns dias. Bukowski observava como os especialistas da científica empacotavam seus utensílios na grande caixa metálica. De novo, colocou a mão no bolso da camisa, apanhou um cigarro e acendeu. Lentamente se dirigiu para o funcionário. — Suponho que nos recolherão daqui, disse a um de seus colegas que guardava sua pasta de papéis. — O material sim, respondeu o funcionário. — Mas nós precisaremos descer andando. Bukowski olhou o caminho de descida que desaparecia no meio do bosque. Suspirou e deu mais uma tragada no cigarro. JERUSALÉM, HOTEL REICH EM BEIT HAKEREM

Saíram do hotel apressadamente e se dividiram em dois grupos; Tom e Yaara foram para a direita, enquanto que Moshav e Jean continuaram o caminho para a esquerda. Os homens continuavam no outro lado rua. Quando reconheceu os quatro, um deles se virou rapidamente e disparou rua abaixo. O pequeno homem da frente já não pode fazer nada frente à velocidade de Tom. Tentou abrir a porta de um velho Citroën, mas Tom foi muito mais rápido e o segurou pelo casaco de verão. — O que é isto? Protestou. — Eu mesmo gostaria de saber. Por que nos persegue? — Eu... Eu... Eu não estou perseguindo ninguém... Estou aqui casualmente, o que é isto?

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Cravara seus olhos no homem que haviam pego, quase calvo e com uma folgada roupa cinza. Tom revistou os bolsos de seu casaco e apanhou uma pequena pistola de prata. — O que temos aqui? Perguntou ao homem e colocou a arma sob o nariz dele. — Por que nos persegue? Yaara exigiu uma resposta. — Não estou perseguindo ninguém... Tom interrompeu-o com um gesto. — Tente não brincar comigo, se não vai lhe acontecer alguma coisa. Para mostra sua intenção levantou a arma apontando à testa do tipo. — Se não falar imediatamente... — Está bem, disse. Por sua testa corriam gotas de suor. — Quem é você? Perguntou Yaara. Enquanto isso Moshav e Jean já haviam chegado. — Solte-me, vou falar, suplicou o homem. Tom afrouxou o punho. — Sou Solomon Pollak, explicou. — Eu... Todo o mundo sabe o que retiraram da terra junto à cidade. Tom levou Pollak consigo a uma rua lateral. — O que quer dizer? O que acha que retiramos da terra? — Não é nenhum segredo, toda a cidade fala disso. Vocês encontraram o último templário, o cavaleiro que guardava o legado. Tom olhou demoradamente para Yaara. — Que legado? Pollak sorriu. — O último grande segredo de nossa civilização. Muitos escavaram a terra em vão, não encontraram nada, mas vocês tiveram a honra de desenterrar o legado dos templários. — Encontramos e o perdemos, replicou Yaara. Pollak olhou confuso. — O que significa isso? Tom soltou o suarento homem. — Está perseguindo as pessoas erradas, seus esforços foram em vão. Não temos esse tesouro e tampouco sabemos onde se encontra. Pollak torceu o rosto. — Ofereço dez milhões de dólares pelos escritos. Tom olhou Pollak de cima a baixo. — Dez milhões. De onde vai retirar? Perguntou. — Não vai acreditar mas tenho clientes ricos que pagariam qualquer valor. — Quem são? O que querem de nós? Pollak esticou um pouco a roupa amassada. — Digamos que sou um mecenas da arte. Tom lhe mostrou a pistola. — Um mecenas que anda armado? — Nesta cidade o mal se esconde atrás de cada canto. Quase todos aqui andam armados, não é tão estranho assim. — Nós escavamos uma guarnição romana, explicou Moshav. — O achado do cavaleiro foi pura casualidade. Não sabíamos que sua cripta se encontrava nos acampamentos. O professor levou consigo tudo o que encontramos no sepulcro. Desapareceu sem deixar rastro. Entretanto morreram três pessoas de nossa equipe. Você está por trás disto, mercenário? Pollak levantou as mãos para se defender. — Acaso tenho pinta de assassino? Sou um comerciante. Espero poder fazer negócio com vocês. Mantenho a minha palavra. Dez milhões para cada um. Pollak colocou a mão no bolso de seu casaco. Tom apontou a pistola. — Pare! Exclamou e apanhou um cartão. — Não esqueçam, dez milhões de dólares para cada um. Mantenho a minha palavra. Estendeu a mão solicitando a pistola. Tom duvidou. — É melhor eu ficar com ela, respondeu. — Você poderá conseguir uma nova. Para um comerciante deste nível não será difícil. Pollak concordou e foi embora. Tom o observou-o durante um tempo. — É um tipo perigoso, precisamos ter cuidado com ele. Jean Colombare concordou. — Por valores muito menores já se matou. Tom colocou a pistola na calça.

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— Precisamos encontrar Raful, é mais que evidente. Do contrário, nunca nos deixarão em paz. SCHÖNAU AM KÖNIGSSEE, REGIÃO DE BERCHTESGADEN

O entardecer caía sobre o idílico e retirado lugar junto ao Königssee. Um ardente sol avermelhado se escondia lentamente por trás das montanhas ocidentais. O burburinho dos turistas continuava, desciam pela autoestrada do lago e nas lojas compravam souvenires, as típicas saias Dirndl e os chapéus Gamsbart. O último barco chegaria no porto em menos de uma hora. No estacionamento em frente ao desfiladeiro restavam estacionados numerosos carros. O veículo civil da polícia, um Audi cor bege, se movimentava a reduzida velocidade ao redor das filas dos veículos estacionados. Uns atentos olhos radiografavam os visitantes que passavam pelo estacionamento. O Audi parou. Dois homens de roupa negra, um alto e outro baixo, estavam de pé junto a um Mercedes verde escuro. Usavam óculos de sol e de longe pareciam inofensivos turistas. Mas alguma coisa chamou a atenção do policial que o fez girar o carro. Bateu no braço de seu colega. — Vamos dar uma olhada naqueles dois, disse. Abriu a porta do motorista e enquanto seu colega abria o cinto, o agente já estava na rua e se dirigia para os dois homens. — Boa tarde! Cumprimentou. De repente, o mais alto se movimentou e um forte barulho acabou com o idílico entorno. O comissário chefe de polícia caiu, um doloroso grito saiu de sua garganta antes de alcançar o chão. As mulheres e as crianças gritaram e se jogaram no chão. A porta do Mercedes se abriu repentinamente e o menor deslizou para o assento. O outro agente apontou com sua pistola, mas, antes que pudesse reagir voltou a se escutar um disparo. O comissário permanecia caído junto ao carro. — Holger, por amor de Deus! Gritou. O comissário chefe se levantou e com dificuldade chegou até a parte posterior do carro para se proteger, e em seguida o mais alto voltou a disparar. A bala zumbindo entrou na lateral do carro de polícia. O policial que ficara no carro se agachou e apontou a sua arma, gritando. — Policia, jogue a arma! O homem nem se perturbou. Escutou-se o motor do Mercedes sendo acelerado. Com as rodas derrapando, o veículo saiu de marcha-a-ré do estacionamento. O policial disparou, mas falhou e o tipo mais alto se dirigiu para a porta do carro que se abriu. Disparou de novo em direção ao policial. O comissário chefe apontou brevemente e disparou. Por um momento, o maior cambaleou, mas se deixou cair dentro do carro que saiu disparado em direção à autoestrada do lago. — Merda! Gritou o comissário chefe. — Peça reforços!

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Seu colega desapareceu no carro e chamou pelo rádio. Depois de comunicar a mensagem, se apressou até o ferido. — Onde foi atingido? Perguntou preocupado e o observou pelo corpo para descobrir a ferida. Sua camisa mostrava um pequeno buraco à altura do esterno. A mão esquerda sangrava. Abriu a camisa e mostrou seu protetor antibalas. — E o que aconteceu na sua mão? Perguntou seu colega. — É só um arranhão. Creio que acertei o mais alto. Dez minutos depois do incidente, todas as patrulhas estavam informadas. Quando Bukowski soube do ocorrido em Schönau, golpeou suavemente Lisa no ombro. — Eu sabia, ainda estão aqui. Não encontraram o que estavam procurando.

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CAPÍTULO 34 JERUSALÉM, HOTEL REICH EM BEIT HAKEREM

— Vamos nos separar, disse Tom com uma expressão séria. — Precisamos tentar descobrir o máximo possível sobre os templários e seguir o rastro de Chaim Raful. Por isso, Yaara e Moshav irão a Paris e nós a Stuttgart. É preciso acabar com esse segredo. Jean Colombare sorriu. — Continuo pensando que, como sempre, se trata de um dos típicos malandros que ficam ao redor das escavações e que só esperam que tenham algo para ele. Pollak é um deles, mas, Tom, tem razão. Precisamos fazer todo o possível por encontrar Chaim Raful. — E o que quer que façamos quando o encontremos? Perguntou Yaara. — Publicaremos tudo o que foi encontrado na tumba do templário. Quando a opinião pública estiver informada já não terá sentido que nos ataquem. Moshav mostrou seu acordo com um ligeiro murmúrio. — Mas Chaim Raful não vai colaborar tão facilmente, objetou Yaara. — Eu me encarregarei de que assim seja. Precisaremos obrigá-lo de alguma forma. Não tenho vontade de continuar sendo Diana das sombras, que é perseguida por todos os lados. Estou certo de que Pollak é só um deles, inclusive um dos mais inofensivos. Lembre-se de Jonathan. Jean tossiu. — Eu também assisti a algumas aulas na faculdade e conheci o professor Molière de que Moshav falava. Além disso, conheço bem Paris e tenho amigos que podem nos ajudar. Será melhor eu encontrar Molière, antes que aconteça alguma coisa. — Vou acompanhá-lo, disse Yaara e levantou a pasta cheia de manuscritos com a informação sobre os templários que estivera compilando. — Já sou uma perita. Jean se levantou. — Então, vamos a Paris! Disse a Yaara. Tom olhou a hora em seu relógio. — Não temos tempo a perder! Comparemos as passagens de avião agora mesmo. Tom se alegrava de deixar Jerusalém para trás, ainda que tivesse certeza que devia contar que podiam segui-los também na Alemanha. Talvez, por isso, havia conservado a pistola de Pollak, mas, como iria poder passar com ela amanhã pela alfândega? Havia férreos controles e com certeza os detectores de metais a descobririam. A não ser que pudesse ocultá-la. No meio da noite apanhou a caixa de ferramentas que guardara debaixo da cama. Era arqueólogo e já havia participado em algumas escavações do país. MITTERBACH AM KÖNIGSSEE, REGIÃO DE BERCHTESGADEN

Toda a região ao redor do Königssee estava cheia de policiais. Em cada cruzamento, nas estradas e nos campos havia patrulhas policiais com coletes à prova de balas. Dois helicópteros voavam sobre uma área de bosque perto de um pequeno povoado chamado Mitterbach. Há apenas meia hora, uma patrulha havia encontrado próximo do cemitério o carro abandonado com o que os assassinos haviam fugido. Alguns membros da polícia com cachorros e comandos de operações especiais inspecionavam a área do bosque ao sul do cemitério. Pelo visto os cachorros haviam descoberto alguns rastros. — Por sorte nosso colega não foi ferido com gravidade, informou o comissário uniformizado. — O colete à prova de balas salvou a vida dele.

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No interior do carro haviam descoberto sangue no assento do acompanhante. Tudo indicava que alguém ficara ferido no tiroteio com a polícia. Bukowski estava na autoestrada de Oberschönau. Colocou a mão no bolso e apanhou o maço de cigarros. Maldizendo retorceu-o, pois estava vazio e o jogou na autoestrada . Já não tinha mais cigarros. Lisa, que estava parada junto a ele, negou com a cabeça. — Está completamente viciado, observou imediatamente. — Pare de fumar de uma vez. Bukowski respirou profundamente. O comissário uniformizado levava o rádio pendurado na frente de seu peito. Uns ruídos com interferências saíam do auricular. Bukowski aguçou o ouvido. — O que disseram? Perguntou ao uniformizado. — Talvez estejam escondidos na parte sul. Bukowski olhou ao bosque próximo e concordou. — Estes tipos são extremadamente perigosos. Precisamos ser precavidos e levar em conta que dispararão para abrir caminho. Um deles é um assassino procurado da máfia. O outro ainda não foi identificado mas não acho que seja mais inofensivo. — Estão caçando-os com helicópteros, cachorros e o grupo de operações especiais, mais não podemos fazer, respondeu o uniformizado comissário. — Eu preferiria peritos em explosivos que estendessem um tapete de bombas pelo bosque, disse Bukowski com sarcasmo. — Nas margens do bosque, a polícia está bloqueando os acessos. Com certeza não podemos afirmar que estes tipos continuem no bosque. O motor do carro estava frio, mas os cachorros reagiram e estão seguindo os rastros. Bukowski atravessou e se dirigiu ao carro onde os especialistas utilizando jalecos de papel branco se encarregavam da obtenção de provas. Reconhecia-se com facilidade a impressão de sangue no assento cinza do carro. Um dos colegas da Polícia Científica estava fumando um cigarro junto ao ônibus VW. Havia retirado o jaleco e estava fazendo um croquis da situação com as impressões do veículo. — Tem um cigarro? Perguntou Bukowski. O funcionário largou o lápis, colocou a mão no bolso e apanhou um maço de cigarros. Bukowski pegou com ansiedade. — Encontraram alguma coisa? Perguntou enquanto soltava a fumaça. — Pode-se dizer que sim, respondeu o funcionário. — Impressões datiloscópicas, tecidos, cabelos, sangue, de tudo um pouco. Estamos fazendo uma comparação de impressões com o proprietário do veículo. Mas demoraremos bastante até que possamos classificar as impressões e tirar conclusões. E se não contamos com esta informação, previamente informatizada e registrada, então não saberemos muito mais. — Estou certo de que encontrarão impressões no sistema de criminosos procurados. Encontraram muito sangue no carro? Pensa que foi gravemente ferido? O funcionário deu de ombros. — Depende do tamanho do tipo. Existe relativamente pouco sangue e segundo a localização poderíamos dizer que se trata de uma ferida no ombro, levando em conta que o tipo seja de um tamanho médio. Bukowski concordou. Lisa se aproximou devagar. Olhou dentro com ceticismo. — Já inspecionaram a parte sul do bosque. Pelo visto os cachorros perderam o rastro.

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— Merda! Exclamou Bukowski. — Já podem estar em qualquer lugar. Bukowski olhou seu relógio. Fazia apenas duas horas que acontecera o tiroteio com seus colegas. — Ainda estão aqui em algum lugar e um deles está ferido. Isso os faz mais perigosos. — Mas não podem se ocultar em uma pensão ou em um restaurante simplesmente. Qualquer um suspeitaria de um hóspede que sangra. O rádio não para de informar sobre nossa busca desde a troca de tiros com os assassinos. Acho que aqui já não tem ninguém que não saiba o que está acontecendo. Bukowski torceu o rosto. — É isso o que me preocupa. ROMA, CIDADE DO VATICANO PRÓXIMO DA PRAÇA SÃO PEDRO

— Parece que cada vez escapa mais das nossas mãos, murmurou o cardeal Borghese. Estava irritado com este jovem padre que acabava de voltar de Jerusalém e não havia conseguido nada. Haviam assegurado que, a partir de agora, a École, tão próxima da Igreja, seguiria com as escavações junto à autoestrada de Jericó como devia ter sido desde o princípio. Mas isso não era muito. Há dias que não recebia nenhuma notícia. Tanto Benoit como Roma estavam calados. O cardeal prefeito estava fora do país e em algum lugar do mundo se encontrava este herético trabalhando na derrubada dos pilares da Igreja católica. O poder dos templários era inquebrantável. Não haviam servido de nada todas as mortes e sacrifícios que aconteceram em mais de setecentos anos. O legado desta perigosa ordem continuava ameaçando a Santa Sé como a espada de Damocles. E ninguém, nem sequer o papa, sabia. Só a irmandade podia imaginar as consequências que poderiam ter os achados de Jerusalém. A época dos templários não estava completamente acabada. Muitos fugiram. Em todos os lugares podiam se observar suas impressões, inclusive no dinheiro desta nação que em parte vinham do legado desta ordem de cavaleiros. Naquela época enganaram todo o mundo. Ao abrigo de uma irmandade crente que temia a Deus, teceram uma infâmia, movidos pelo desprezo à palavra de Deus. Exigiam poder, influência e riqueza. Levantaram seu castelo a base de ameaças e mentiras que, pelo visto, continuavam se estendendo ao longo do tempo. O Cardeal Borghese suspirou. Olhou pela janela, os raios do sol se refletiam nos vidros das casas vizinhas. — Meu Deus! Por que permites que nos ataquem pela base? Por que não mandas teus anjos com espadas em chamas, teus querubins e serafins? Tu, pastor de Israel, escute-nos, nós que pastamos os descendentes de Jacó como um rebanho! Você que reinas no Céu por cima de nós, apareça! O cardeal escutou o silêncio, com as mãos cruzadas. Doía-lhe a pressão dos dedos, mas não recebeu nenhum sinal de Deus. O cardeal se levantou. Era hora de se preparar para a missa vespertina. Estava colocando bem a sotaina quando soou o telefone celular. Atendeu. — É hora de nos vermos imediatamente, disse uma grave voz através do telefone. O cardeal suspirou. — Já vou, respondeu.

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CAPÍTULO 35 MITTERBACH AM KÖNIGSSEE, REGIÃO DE BERCHTESGADEN

A jovem mulher estava petrificada. Com os olhos abertos como pratos pelo terror, olhava fixamente os dois homens que haviam entrado em sua cozinha. Um pequeno e forte, parecia um boxeador, ou talvez um personagem de um filme de terror ruim. O outro, alto e fibroso, tinha o mesmo rosto do diabo. Estivera todo o dia observando os numerosos carros de polícia que patrulhavam pela autoestrada de Schönau, do outro lado de Königssee Ache. Desde a manhã cedo havia escutado o ruído dos helicópteros e na rádio haviam informado sobre o tiroteio entre a polícia e um par de criminosos. Ainda estavam procurando os criminosos que agora mesmo se encontravam na frente dela, em sua cozinha. Ainda que tivesse fechado bem a porta dos fundos, haviam conseguido entrar na casa. Tinha medo, um medo atroz. O demônio exerceu pressão com a mão em seu pescoço. Estava ferido. O boxeador apontava com uma arma de grande calibre para a sua cabeça. — Silêncio! Ordenou o boxeador com uma voz que refletia um acento do sul. — Quem está na casa? A jovem mulher tremia. O boxeador se dirigiu para ela. Repetiu a pergunta com veemência e apoiou o cano da pistola na testa da mulher. — Ninguém, disse com medo. — Só eu e minha mãe. — Onde está sua mãe? A jovem mulher apontou para cima. — Está doente, na cama, não pode se levantar. Entretanto o demônio havia aproximado uma cadeira e se sentado com um gemido. — Pode ajudá-lo? Perguntou o boxeador. Pouco a pouco voltou a sentir como retornava a alma a seu corpo. Apareceu alguma esperança. Talvez fossem embora se não se negasse. Olhou brevemente o relógio junto ao armário de cozinha. Numa hora seu filho voltaria da natação, até então precisava conseguir que estes tipos saíssem. Assentiu tremendo. — Sou... Sou enfermeira, respondeu debilmente. — Bem, disse o boxeador enquanto o outro calava. O boxeador abaixou a arma e deixou o caminho livre. Ela rezou e se inclinou para o ferido, que retirou titubeante a mão do pescoço. O pescoço do demônio havia se levantado pelo lado direito, mas a ferida não sangrava muito. Pelo visto não havia atingido nenhuma artéria. Provavelmente uma bala que passara de raspão, ainda assim a ferida era considerável. — Preciso de álcool e ataduras, disse a jovem mulher. O boxeador concordou. Quando a mulher se virou e se dirigiu à porta, ele se interpôs em seu caminho. Parou e o olhou fixamente nos olhos. Finalmente o boxeador foi para a um lado. — Onde está seu marido? Perguntou enquanto a seguia pelo corredor. — Foi embora, assim são os homens, respondeu. O acento do boxeador lhe recordava a do garçom da pizzaria de Bischofswiesen. — Se obedecer não acontecerá nada, tranquilizou-a o homem. — Farei o que me pediram, mas precisam ir embora, pediu. — Prometa-me. O boxeador sorriu.

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— Iremos quando chegar o momento. De um armário do corredor ela apanhou um frasco de álcool e várias ataduras. — Vivo aqui sozinha com minha mãe que teve um infarto. Meu filho virá em breve da natação. Vou ajudá-los, tenho carro, podem levar. Mas não nos faça nada, por favor. Eu... Eu posso... — Silêncio! Ordenou o boxeador. Retornaram à cozinha. Quando voltou a se inclinar sobre o ferido, as lágrimas saíam de seus olhos. — Precisa ser forte, disse enquanto limpava suavemente a ferida com um pedaço de algodão embebido em álcool. O demônio nem se mexeu, ainda que ela soubesse que era um dor infernal. SCHÖNAU, REGIÃO DE BERCHTESGADEN

A revista no bosque não dera resultado nenhum. Lisa e Bukowski haviam regressado para Schönau junto com o chefe dos SEK a nível regional, um comissário da direção geral. Ali havia se instalado uma unidade celular para coordenar a ação. A região ao redor do Königssee continuava fechada pelas patrulhas policiais. Paravam e inspecionavam cada canto e cada veículo que se movimentava entre o lago e Berchtesgaden. Um helicóptero sobrevoava a área. — É incrível! Exclamou Bukowski em voz alta depois de que o helicóptero informara que precisava retornar a seu aeroporto base para reabastecer. Bukowski golpeou uma mão na outra. — Temos soltos lá fora uma dupla de assassinos perigosos e nós ficamos aqui parados porque não temos gasolina. Os presentes, o comissário chefe e dos funcionários, se olharam entre si. Bukowski abriu a porta de um golpe e abandonou a unidade celular montada sobre um caminhão Mercedes parado nos estacionamentos, onde há apenas umas horas tivera lugar o tiroteio. O comissário chefe olhou para Lisa longamente. — Ele é sempre assim? Lisa deu de ombros. — Estes homens são extremadamente perigosos. Bukowski teme que possam tomar alguém como refém. Então teremos um sério problema. — Estamos transmitindo informações pelo rádio, a gente daqui está informada e tem suas casas bem fechadas. Se notarem algo suspeito, solicitamos que informem imediatamente à polícia. Não podemos enviar policiais de casa em casa, espero que isso tenha ficado bem claro. Bukowski havia acendido um cigarro e exalava a fumaça. Sentia-se impotente. Esses tipos não tinham escrúpulos. Aqui havia uma grande quantidade de casas, e um deles estava ferido e precisava de ajuda. Era muito pouco provável que se ocultassem em algum lugar isolado. Ele supunha que procurariam um lugar onde pudessem receber ajuda e onde também tivessem a possibilidade de sequestrar alguém. Depois de vários assassinatos, este era um delito insignificante. Lisa abriu a porta e desceu pelos degraus metálicos. — O que está pensando? Perguntou a Bukowski, que estava meditando preocupado por trás de uma cortina de fumaça.

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— Se ficarmos esperando aqui, vão escapar, respondeu. — A cada minuto que passa, eles ficam mais perigosos. Quanto mais tempo se passar, mais vantagens conseguem. Não tenho vontade de encontrar mais cadáveres. — E que podemos fazer segundo a sua opinião? Bukowski deu de ombros. — Não sei o que é melhor. Temos o que na academia se denomina uma "situação estática". E esta situação trás para todos os implicados e não implicados um grande perigo. Creio que nossa espera piora a situação. Talvez devêssemos começar a revistar as casas ao redor do bosque. Ao menos, assim conseguiríamos algum movimento em nossa operação e se reforçaria a pressão. O comissário chefe havia saído da unidade celular e se dirigira até eles. — O que você pensa, Bukowski? Perguntou. Bukowski repetiu a sua análise da situação. O comissário chefe negou com a cabeça. — Creio que com isso só aumentaríamos o potencial de perigo. Se estreitarmos o cerco aos assassinos será pior. Além disso, nas próximas horas não contaremos com ajuda do ar. O helicóptero precisa de revisão e não temos outro disponível. Deveríamos continuar com o bloqueio. — Mas vai escurecer rapidamente, replicou Lisa. O comissário de polícia olhou para o céu. — Ainda nos resta uma hora de luz. Eu sou o responsável pelos efetivos implicados. Se revistarmos casa por casa é certo que iremos ter outro tiroteio. Bukowski torceu o rosto. — Então seria melhor retirar os nossos homens por completo e deixar esses tipos escapar. Isso seria o menos perigoso para todos os implicados. — É uma brincadeira, não é? Bukowski acendeu outro cigarro. — Tenho cara de estar brincando? AEROPORTO BEN GURION, ISRAEL

Tom estava suando, levara a caixa de ferramentas ao aeroporto e ali a entregaria à companhia aérea. — Mas o que vai fazer com essa caixa de ferramentas? Perguntou Moshav. — Não vamos para uma escavação. — As minhas ferramentas são a única coisa de valor que possuo. Acaso pensa que vou deixá-las aqui? Respondeu Tom — Eu pensava que íamos procurar o professor. — E é o que vamos fazer, confirmou Tom. Tom passou quase meia hora no balcão do aeroporto antes que voltasse a se encontrar com Moshav, que o esperava sentado em um banco. Moshav dava goles em um café num copo de papel. Centenas de pessoas cruzavam pela ampla sala do aeroporto. Os pilotos, junto com suas tripulações, se apressavam para as saídas com suas malas, e à frente das portas de embarque se amontoavam os viajantes à espera de seus voos. Jean e Yaara haviam viajado para Paris no avião de Air France das três horas. Na realidade, já deveriam até ter chegado. Pouco antes de sua partida, Jean Colombare entregara a Tom umas folhas que havia impresso dos arquivos on-line de uma biblioteca arqueológica de Frankfurt. Um escrito sobre os cavaleiros e as cruzadas. Como autores apareciam dois nomes. Junto a Chaim Raful, então ainda doutor, se encontrava o nome do professor da Maximilians-Universität de Munique, o doutor Yigaal

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Jungblut. Por outro lado, um amigo contara a Jean que depois de sua aposentadoria, Jungblut tinha comprado uma pequena casa próximo de Bischofswiesen, na região de Berchtesgadem, para passar ali seus últimos dias. Jungblut já tinha mais de oitenta anos, disfrutava de uma boa saúde e não havia morrido, tal como anunciara uma revista de arqueologia há alguns anos. Para Jean já não pareciam bobagens as suposições de Tom. Pelo visto, o encontro com Pollak o fizera pensar. Jungblut morava, portanto, em Berchtesgaden. Tom conhecia muito bem a região ao redor de Königssee. Estivera ali várias vezes durante sua adolescência e também como jovem adulto para explorar o maciço Watzmann de todas as perspectivas. Como engenheiro de estradas e arqueólogo de renome, há muito tempo que não subia numa montanha em seu tempo livre, mas se surgisse a ocasião ainda se sentia muito capaz. Na vida existem coisas que nunca se desaprendem. — Onde vamos primeiro? Perguntou Moshav enquanto amassava seu copo de papel antes de jogá-lo em uma lixeira à mais de três metros de distância. — Jungblut é nossa única pista, respondeu Tom. — Creio que os dois continuam em contato. Têm as mesmas ideias, a mesma história e, sobretudo, a mesma opinião sobre a Igreja, se confiamos nos artigos que Yaara pegou na internet. Por que não iria se refugiar com seu amigo de toda a vida? Com certeza estão bem a gosto traduzindo tranquilamente o último legado dos templários. Pelo alto-falante soou pela primeira vez a informação do voo da British Airways com destino a Stuttgart. — Espero que não precisemos procurar por muito tempo, disse Moshav depois de se levantar. — E eu espero que o professor saiba o que está em jogo. Vai precisar nos dar uma boa explicação. Ele tem a culpa de tudo, pois se não fosse por ele, Gina, Aaram e Jonathan continuariam vivos. — De qualquer maneira, não acho que entregará seu achado com facilidade. — Encarregarei-me de que o faça, respondeu Tom friamente. NAS PROXIMIDADES DE SAINT-MAXINE, NO SUL DA FRANÇA

— Vamos resgatá-los ainda nesta noite, disse o homem de cabelo escuro ao de barba. — Mas até agora eles não nos serviram de nada, ainda temos as mãos vazias. — Mesmo assim, o assunto é muito perigoso, disse o homem de cabelo escuro. — Precisamos esperar que o tema esfrie, não podemos nos arriscar a que os detenham e isso teria consequências fatais. — A polícia bloqueou toda a passagem. — Eu sei, mas não contam conosco. Acham que eles estão sozinhos. Além disso, encontramos outra possibilidade de chegar até os escritos. Os arqueólogos estão a caminho. O alemão é muito inteligente. Manteremos-nos a seu lado e esperaremos. Na situação atual é o melhor. Encarregue-se, por favor, de que nossos homens regressem inteiros. — E como vou fazer? Precisaria pelo menos um avião, replicou o homem de barba. — Ordens de cima, faça o que precisar fazer. A polícia não pode pegá-los sob nenhum conceito.

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CAPÍTULO 36 MITTERBACH AM KÖNIGSSEE, REGIÃO DE BERCHTESGADEN

O garoto chegou pontualmente em casa depois da aula de natação. Agora se agarrava temeroso à mãe, sentada junto dele no sofá da sala de star. Na cadeira em frente a eles havia se sentado o homem com a cicatriz de queimadura no rosto. Uma pistola de grande calibre estava em seu colo. A atadura do pescoço estava manchada de vermelho nas bordas. O garoto olhava com os olhos bem abertos para o homem com cara de demônio. — Vai nos matar? Perguntou a jovem mulher. O demônio olhava meditativo pela janela. — Se ficar calma não acontecerá nada, respondeu sem mover o olhar. Ele também tinha acento ao falar. O cúmplice havia ficado na cozinha, mas sua voz podia ser ouvida de vez em quando. Pelo visto estava falando ao telefone. — Precisa de uma atadura nova; a mulher tentou romper o pesado silêncio, mas o homem com cara de diabo só resmungou algo incompreensível. Finalmente a porta se abriu de um golpe e o boxeador entrou no aposento. Trocou um par de palavras estrangeiras com o ferido que concordou. Do lado de fora começava a anoitecer. O boxeador se sentou na poltrona que estava livre e sorriu para a jovem mulher. — Desde quando mora aqui sozinha? Perguntou. A mulher tentou dissimular seu tremor. — Há dois anos, respondeu brevemente. Ele apontou para o pequeno. — E seu marido? — Foi para Munique, não suportava viver aqui. É um urbanita, a vida aqui parecia muito monótona. O boxeador se levantou e riu ironicamente. — Então, faz tempo que não fica com um homem. O tremor se fez mais forte, o pequeno se segurou ainda com mais força à mãe. — Talvez até goste. Onde fica seu quarto? Prosseguiu o boxeador. — Stai cito! Reprendeu o cúmplice. — Non e in tempo! O boxeador perdeu o sorriso e voltou a sentar. Respondeu no idioma estrangeiro. Falaram brevemente entre eles e o homem de rosto desfigurado se dirigiu à jovem mulher. — Onde está o carro? Perguntou. — Na garagem, respondeu a mulher apontando em direção a janela. — Precisamos um par de cubos, mas precisam ser de metal. — Talvez tenha algum lá. O diabo deu uma ordem ao cúmplice. Grunhindo o boxeador levantou e se dirigiu à porta. — Não nos farão nada, não é? Voltou a perguntar a mulher com preocupação. O demônio negou com a cabeça. AEROPORTO DE STUTTGART, SUL DA ALEMANHA

O avião da British Airways aterrissou pontualmente as 17:00 horas no aeroporto de Stuttgart. Uma vez que Tom e Moshav concluíram todas as formalidades, ainda precisaram permanecer um bom tempo na recolha das malas até que entregaram a Tom sua grande caixa de ferramentas. — Por que não a deixou no hotel? Perguntou Moshav enquanto Tom se esforçava em colocar a maleta no carrinho. Juntos chegaram até a sala de chegadas.

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Através de um longo corredor chegaram até o edifício contiguo ao aeroporto onde se encontrava a maioria de balcões das linhas aéreas turcas e iugoslavas. Só umas quantas pessoas estavam sentadas ao redor das mesas onde era permitido fumar. Tom olhou com desconfiança ao seu redor. Finalmente apanhou a caixa do carro e desapareceu atrás duma quina. Moshav queria segui-lo, mas Tom o deteve. — Fique ali e vigie para que não apareça alguém, disse. Quando regressou em poucos minutos, Moshav o olhou fixamente. — O que está fazendo? Tom apanhou de seu casaco a pequena pistola prateada. — Não será ruim um pouco de segurança. — Ficou maluco! Respondeu Moshav desconcertado. — Se na alfândega tivessem encontrado a pistola, agora estaríamos entre as grades. — Mas não encontraram, respondeu Tom. Cruzaram a sala de chegada e saíram da construção de vidro. Numerosos táxis esperavam na frente das portas que, por sua vez, estavam rodeadas por uma enorme obra. — O que faremos agora? Perguntou Moshav. — Espere um pouco, respondeu Tom enquanto se dirigia a um dos taxistas. — Que surpresa apresentará agora? Brincou, mas Tom já desaparecera. Moshav se virou e com um suspiro se sentou em um banco próximo. Passou-se quase meia hora até Tom voltar a aparecer. Havia ido de taxista em taxista falando com eles. Quando regressou, sorriu satisfeito e se sentou junto a Moshav no banco. — O que fez? Perguntou Moshav. — Agora já sei que estamos no caminho certo, respondeu Tom satisfeito. — No caminho certo? Tom apanhou um papel dobrado do bolso de seu casaco, abriu-o e estendeu para Moshav. Era uma foto do professor Chaim Raful. — Imprimi ontem da internet, disse. — Não pretende me fazer acreditar que um taxista ainda se lembrava dele. — Dele só talvez não, mas sim junto a sua bagagem. Moshav franziu fortemente o cenho. — Pense por um momento. Suponhamos que trouxesse consigo os antigos escritos que tem mais de mil anos e são muito delicados. Com certeza não armaria tudo isso, para em seguida deixar que fossem destruídos no caminho. Na cabeça de Moshav se acendeu de repente uma luz. — Levava-os em uma alijava. — Exato, confirmou Tom. — E quando alguém leva algo assim sob o braço, é certo que chamará a atenção. Levava duas, de um metro de comprimento, estimou o taxista. Aterrissou aqui há quatorze dias e foi diretamente para a estação de trem. — Para onde iria? Tom levantou e se dirigiu diretamente à porta de entrada. Justo ao lado do anúncio publicitário da Lufthansa estava colado os horários dos trens da Deutsche Bahn. Tom procurou na coluna das horas de saída. — As dezessete e dez para Munique e as dezessete e doze para Koblenza, leu em voz alta. — Munique, deve ter ido se hospedar com seu companheiro da Universidade. Tom concordou. — Jean tinha razão, vamos até Munique visitá-lo.

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SCHÖNAU, NA REGIÃO DE BERCHTESGADEN

Stefan Bukowski se apoiou relaxadamente no carro de polícia e jogou a guimba marcando um pronunciado arco. "Número dezessete", pensou e seguiu com o olhar o resto da guimba ainda acesa que voava como um vagalume vermelho através do incipiente anoitecer, e que, ao se chocar contra o asfalto, lançou uma pequena explosão de chispas. O helicóptero da polícia se retirara de novo da área de busca. Durante toda à tarde, policiais com cachorros estiveram rastreando o bosque limítrofe, assistidos pelo helicóptero com uma câmera de calor, mas sem êxito algum. Ao escurecer, a busca fora encerrada. Algumas patrulhas ainda se encontravam nos pontos nevrálgicos, como cruzamentos e desvios, controlando o trânsito . Nas casas da área se acendiam luzes que iluminavam as escuras janelas. Abriu-se a porta da unidade móvel, Lisa apareceu na penumbra e parou junto a Bukowski. — O que está fazendo aqui afora? Perguntou Lisa. — Estava esperando, respondeu Bukowski. — O chefe da operação quer falar consigo, vai retirar seus homens e deixar só um par de patrulhas. Pensa que faz tempo que os assassinos já estão em algum outro lugar. Bukowski franziu a testa. — Deve fazer o que achar melhor, mas da próxima vez jogaremos com outras cartas. Não tenho vontade de ser o segundo posto nesta competência de posições de comando. Bukowski se irritara muito com decisão do comissário chefe mas havia ficado totalmente claro que a direção regional da polícia era a responsável por esta operação. — Talvez tenha razão, pensou Lisa em voz alta. — Quando encontramos o carro, o motor já estava frio. Poderia ter passado mais de uma hora e eles terem conseguido outro carro e saído da área. — Foi notificado o roubo de algum carro? Lisa negou com a cabeça. — Não houve nenhuma notificação. — Pois aí está, respondeu Bukowski. — Esses tipos estão aqui. Esconderam-se em alguma casa onde vivem pessoas com cuja vida eles não se importam. E a culpa disso é desse estúpido careca que pensa que sabe o que faz. Mas eu lhe digo uma coisa, não tem nem a menor ideia de como são perigosos estes assassinos. Matarão a sangue frio quem ficar em seu caminho, seja mulher ou criança. De novo, acendeu um cigarro e tossiu. — Deveria fumar menos, advertiu Lisa como de costume. — Seus pulmões já devem estar pretos como o alcatrão. — E quem se importa? — Eu, respondeu Lisa. Bukowski jogou o fumegante cigarro e se afastou do veículo em que se apoiava. — Vou a dizer a esse palhaço que pode fazer as malas. Lisa o seguiu e pensou por um momento: Bukowski teria razão? MITTERBACH AM KÖNIGSSEE, REGIÃO DE BERCHTESGADEN

Os ponteiros do relógio marcavam dez horas. A jovem mulher, seu filho e os dois criminosos estavam sentados em silêncio na sala de estar. A janela estava aberta. A jovem mulher havia

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trocado a atadura do ferido. A hemorragia havia parado, só restavam algumas sangrentas estrias nas bordas. O boxeador havia aberto uma lata de salsichas e comia com pão como se há dias não comesse nada, enquanto seu cúmplice de rosto infernal tinha na frente dele uma garrafa de água. O boxeador aproximou do garoto um pedaço de pão com uma salsicha que ele recusou. — Coma, disse o boxeador com a boca cheia. Com teimosia voltou a oferecer o pão ao garoto. A tímida criança estendeu a mão e o apanhou. Continuava sentado temeroso junto da mãe. O boxeador deu uma forte gargalhada quando o pequeno mordeu o pão. — Olhe como ele gostou! Disse rindo fortemente e deu um longo gole no seu copo de cerveja. Os olhos do demônio se dirigiram à janela. Disse algo ao boxeador mas este fez um gesto negativo. A jovem mulher acreditou entender algo assim como "Polizia". Dois italianos armados com uma pistola de grande calibre na sua sala de estar... Nunca teria imaginado que lhe aconteceria algo assim e agora... De repente, soou o celular do boxeador. Atendeu e respondeu. A conversa foi breve. — Andiamo, disse a seu cúmplice, deu um último gole na cerveja e levantou. O diabo o seguiu. Um forte ruído entrou pela janela. O boxeador apanhou a pistola de sua calça e apontou para a mulher e o filho. — Por favor, a criança não... Suplicou a mulher. O pequeno estava branco como a neve. Com os olhos bem abertos olhava para a negra pistola. Então, o demônio se aproximou e com a mão colocou para um lado o braço do boxeador que segurava a arma. O boxeador o olhou sem entender nada. Depois de uma breve troca de palavras, o diabo ordenou a seu companheiro que saísse. O ruído ficava cada vez mais forte. Um helicóptero sobrevoava a casa. O diabo apanhou a arma. — Venham comigo, ordenou. — Por favor, a criança não... Suplicou chorando mais uma vez a mulher. De repente lá fora, ficara tudo iluminado. — Venham! Voltou a exigir com impaciência. A jovem mulher se levantou e puxou seu filho atrás dela.

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CAPÍTULO 37 AEROPORTO CHARLES DE GAULLE, PARIS, FRANÇA

Yaara se sentia perdida no futurista labirinto de escadas rolantes. Uma enorme superfície de vidro a envolvia quando, junto a Jean, abria caminho entre a multidão para ir à estação de trem subterrânea. Trazia consigo pouca bagagem, mas era muito difícil seguir Jean, que corria sempre na frente dela e lhe dizia constantemente que se apressasse. Precisavam ir da estação Roissy-Charles de Gaulle até a estação Gentilly atravessando toda a cidade. O trem já estava esperando ali. Yaara seguia arfante seu companheiro de viagem enquanto uma gota de suor descia por sua face. — Apresse-se! Gritou Jean. — Só temos dois minutos e os trens não esperam. Yaara suspirou e desceu os degraus de dois em dois. Quando finalmente na plataforma 4 chegaram até o vagão escutaram um apito. Jean lançou sua bagagem no interior e quando subiram, as portas automáticas se fecharam. Yaara exalou profundamente. — Paul nos esperará dez minutos e depois irá embora se não chegarmos. Teremos perdido o dia todo. — Está bem, respondeu Yaara e se sentou em um dos assentos de emergência, secando o suor da fronte. Através de um subterrâneo emaranhado de túneis a viagem começou cruzando várias vias. O trem balançou com força. Jean se teve que segurar bem em uma barra. — Sente-se! Sugeriu Yaara, mas Jean rechaçou a proposta. — Dentro de uns minutos precisaremos descer, respondeu e olhou pela janela. Pouco a pouco o trem emergiu até a superfície como uma baleia depois de atravessar uns canais subterrâneos. Espessas nuvens escuras cobriam a cidade. Chovia. O entorno concordava com o tempo. Ao longo das vias se levantavam uns tristes edifícios cinza. Yaara olhou pensativa pela janela suja. Jean a olhava. — Cinza, tudo cinza. Achava que Paris era a cidade do amor. Um pouco de cor não cairia mal. — Estas são as cercanias, ainda falta um pouco para chegar a Paris. Yaara concordou com um sorriso. Uma autoestrada acompanhou-os durante um tempo. Centenas de carros e caminhões tentavam avançar a passo lento. Finalmente a autoestrada ficou para trás e um enorme centro comercial deslizou rapidamente ao seu lado. Yaara ficou assombrada ao ver o estacionamento repleto de veículos. A imagem mudou e ao longe apareceram as altas árvores de um parque. Desapareceram os blocos de modernas moradias e agora em seu lugar apareciam casas nobres de cidade com fachadas carregadas de história. Passaram rapidamente por um letreiro que tinha escrito "Le Bourget". De novo, o vagão cambaleou ao passar por cima de uns ressaltos. — Agora veremos a verdadeira Paris, disse Jean. — Passamos pela Torre Eiffel? — Precisará olhar na direção oeste, mas o dia não está muito limpo para poder vê-la. — Que pena!

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— Depois que tivermos nos encontrado com Paul, e este nos leve até o professor, poderá vê-la. Precisará esperar até amanhã. Depois, eu prometo que farei um passeio exclusivo pela cidade. Morei oito anos aqui em Paris quando estudei na Universidade. Conheço lugares que não os turistas não conhecem. Yaara sorriu. — Não acho que queira conhecer esses lugares. Ele adorava o rosto dela quando sorria, se formavam umas pequenas covinhas nas faces quando o olhava com seus grandes olhos negros. MITTERBACH AM KÖNIGSSEE, REGIÃO DE BERCHTESGADEN

Bukowski estava sentado em uma das cadeiras da unidade celular com os olhos fechados. Lisa, a não muita distância dele, cabeceava. O aparelho de rádio do computador principal da operação não emitia nenhum som. Esporadicamente entraram algumas notícias, em sua maioria indicações de posição dos postos de controle e patrulhas. Fazia apenas dez minutos quando perguntara se o helicóptero voltaria à operação, já que saíra da área há meia hora para retornar a Munique. A escuridão já havia caído sobre os Alpes e o vento trazia do oeste algumas nuvens que pressagiavam chuva. Já haviam se acabado os dias quentes para o resto da semana. — Rei 100 de 104, estalou repentinamente o aparelho de rádio. O operador de rádio se identificou. —Descobrimos fogo no jardim de uma casa. Pelo visto alguém acendeu vários pontos de fogo. Bukowski acordou em seguida. — Já chegou o helicóptero? Perguntou ao operador de rádio. O funcionário o olhou desconcertado. — Pergunte à patrulha se um helicóptero está sobrevoando a área, ordenou Bukowski. O comissário chefe se levantou. — Não acredita realmente que um helicóptero vai recolher esses tipos, perguntou com sarcasmo o chefe da operação. — Não estamos em um filme de James Bond. Bukowski saltou energicamente da cadeira de modo que esta chocou contra a parede, emitindo um forte ruído. Empurrou o operador de rádio para um lado e apertou a tecla para falar. — 104 nos dê a sua localização exata. — Estamos à altura de Mitterbach, direção Faselsberg. A casa fica a oeste de nós, próximo da autoestrada de Königssee. Há pouco passou pelo nosso lado um helicóptero a baixa altura. Estimo que na direção sul. Bukowski confirmou a recepção. — Envie imediatamente o comando da operação para essa casa. — Bukowski, não acha que está exagerando? Com certeza alguém está queimando seu lixo ou estão fazendo um churrasco no jardim. Lisa levantou a cabeça enquanto esfregava o rosto cansado. Como um touro, Bukowski se lançou sobre o comissário chefe e o levantou da cadeira. — Ignorante, ainda não entendeu com quem está tratando. Não são uns ladrõezinhos. Esses tipos acabaram com mais pessoas das que você já viu mortas na sua merda de vida. Se encontrar um só cadáver na casa, eu mesmo me encarregarei de chutar o seu traseiro. Mande agora mesmo a cavalaria antes que precise usar uma prótese ortopédica. Bukowski soltou para o policial uniformizado e olhou para Lisa. — Levante, vamos para Mitterbach. O superior da polícia olhou para Bukowski com vontade de brigar. — Terá, terá... Consequências, gaguejou.

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— Para você, só para você, senhor presidente da polícia, não para mim, respondeu Bukowski com brusquidão antes de deixar junto com Lisa a central de operações. O operador de rádio olhou para o chefe da operação que estava pondo a gravata. — Tenho que...? — Envie de uma vez o comando de operações especiais, o 104 precisa instruir o comando, soltou o superior irritado. Chegaram na casa em poucos minutos. Tudo estava escuro. Só os cubos e os recipientes que ainda estavam em chamas iluminavam a fachada principal. — Parece uma cruz, sussurrou o chefe do comando a Bukowski, que havia colocado um colete à prova de balas e um casaco do grupo de operações. Protegeram-se atrás de uma cerca enquanto que os policiais do grupo especial se moviam para a casa. — Este é um sinal para helicópteros, respondeu Bukowski. — Seus homens precisam ter cuidado. Provavelmente estes tipos já terão fugido, mas nunca se sabe. O líder do primeiro grupo anunciou sua disponibilidade para a ação. Quando o chefe do comando recebeu esta notificação de todos os efetivos, deu o sinal de avançar. — Protejam-se bem, ordenou o chefe do comando antes de dar a ordem. A partir desse momento tudo aconteceu muito rápido. Duas granadas atravessaram os vidros e explodiram na casa e os comandos avançaram. Um grupo ocupou o jardim, outro cercou o edifício, enquanto um terceiro entrou na casa. A madeira rangia e os vidros ainda balançavam, então escutaram os primeiros gritos no interior. Bukowski precisou esperar dois minutos inteiros até que os comandos anunciaram "Seguro". Lisa havia ficado para trás, no carro. — Vamos! Berrou o chefe do comando para Bukowski. Com grande esforço se levantou fazendo ruído. — Três pessoas: uma criança e duas mulheres. No andar de cima, ala ocidental, anunciou um policial do comando de operações especiais pelo rádio. — Pergunte se ainda estão vivos, disse Bukowski e sacudiu a poeira do casaco. — Não estão feridos, mas se encontrem em estado de choque, anunciou brevemente o policial. A luz da casa acendeu. Ao pouco, todo o recinto foi iluminado com uma forte luz amarela. Bukowski entrou com o chefe do comando na casa. Todas as portas estavam abertas. Um homem do grupo, armado e mascarado, guardava as escadas que levavam ao andar de cima. — Precisamos de uma ambulância, disse Bukowski. — Já está a caminho, confirmou o chefe do comando. Diante do quarto também havia se postado um policial do comando armado. Haviam destruído a porta. — Lá dentro. Estavam amarrados, anunciou o agente. Na cama havia uma mulher idosa que dormia pacificamente sem notar o que acontecia, enquanto uma jovem mulher soluçava em um canto. Tinha uma criança abraçada a ela. As lágrimas corriam pelas faces. Bukowski se dirigiu até ela e lhe acariciou o cabelo.

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— Já está segura, disse suavemente Bukowski. — Não vai acontecer mais nada. Uma ambulância já está a caminho. — Entraram pouco antes que escurecesse, soluçou a mulher. — Um deles estava sangrando, pensei que iam matar a todos. MUNIQUE, LUDWIGSSTRASSE, LUDWIG-MAXIMILIANS-UNIVERSITÄT

"Fakultät fur Klassische Archäologie", dizia o letreiro de latão junto ao imponente portal. Tom e Moshav decidiram se informar primeiro sobre o professor Yigaal Jungblut, antes de viajar para a região de Berchtesgaden. Como arqueólogos de uma escavação não despertariam suspeita alguma pedindo informação em uma Faculdade de Arqueologia clássica. De qualquer maneira, precisavam ter cuidado. Tom e Moshav chegaram até a fresca sala atravessando o portal. Reinava uma prazerosa tranquilidade em contraposição ao movimento das ruidosas ruas cheias de veículos em Munique. Caminharam pelo longo corredor, seguindo as indicações até a recepção. Nas paredes se viam penduradas grandes fotografias de escavações. Tom bateu na porta. Escutaram um atenuado "Entre!" que saiu da sala. Entraram. O luminoso aposento era amplo e acolhedor. Esperaram na frente de um balcão de madeira até que uma das mulheres sentada em uma das mesas levantou o olhar e lhes sorriu cordialmente. Levantou-se. — Bom dia. Em que posso ajudá-los? Tom decidiu colocar todas as cartas na mesa. — Sou Tom Stein, arqueólogo. Acabo de chegar de Israel. — Foi convidado para alguma palestra? — Não, estou procurando um colega, o professor Chaim Raful. — Professor Chaim Raful? Tom concordou. — Não tenho notícia de que ele dê aula aqui, talvez seja de línguas... — Não, interrompeu Tom. — Veio se encontrar com o professor Jungblut. A mulher sorriu. — O professor Jungblut já não dá aulas aqui há mais de oito anos, é emérito. Neste momento a porta se abriu. Um homem idoso com um traje escuro se dirigiu à recepção. Seu despenteado cabelo grisalho o fazia parecer um retrato vivo de Albert Einstein. — Oh! Professor Haag, cumprimentou a mulher. — Estes dois homens estão procurando o professor Jungblut. — Professor Jungblut? Há muito tempo que ele não vem aqui. — Eu sei, respondeu Tom. — Acabo de dizer que estamos procurando o diretor de nossas escavações, o professor Raful. Viemos de Jerusalém de uns acampamentos. — Estavam nos acampamentos da autoestrada de Jericó? Perguntou Haag. Tom concordou, surpreso de que conhecesse as escavações. — Então, foram vocês que encontraram o templário? — Como sabe disso? O professor Haag sorriu. — Só se fala disso em nosso âmbito. — Foi uma casualidade, estávamos trazendo à luz uma guarnição romana quando topamos com a tumba do templário. — Diz-se que era um dos nove, um seguidor de Hugo de Payens. Tom deu de ombros. — Como disse, foi um achado fortuito. Os templários não são precisamente a minha especialidade. O professor Raful já investigou muito este tema. Sofremos alguns acidentes, por isso estamos procurando-o. Deve ter se alojado com o professor Jungblut.

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— Diz-se que no sepulcro do templário se achavam alguns rolos de escritos. Você sabia que o professor Yigaal Jungblut falava do legado dos templários? Creio que era o único grande enigma arqueológico pelo qual realmente se interessava. Tom torceu a cara. — O professor Jonathan Hawke, o diretor técnico de nossas escavações foi assassinado. Precisamos falar imediatamente com Raful. É muito importante. — Trata-se de uma questão de vida ou morte, interveio Moshav. — Acreditamos que estes rumores dos templários são o motivo do assassinato. O rosto de Haag ficou petrificado. Mostrou-se profundamente chocado. Dissera aquela especulativa afirmação sem pensar, havia se comportado mais como um curioso do que como um cientista competente. — Perdoe-me, me deixei levar, respondeu com uma frágil voz. — Está bem! Disse Tom. — Temos urgência de... — Elisabeth, se dirigiu à secretaria. — Olhe no computador. O endereço do professor deve estar em nossa base de dados. A secretaria concordou. — Senhores! Despediu-se o professor Haag. — Desejo êxito na sua busca. Quando Moshav e Tom saíram do edifício meia hora mais tarde, levavam o endereço do professor Yigaal Jungblut no bolso. AIX-EN-PROVENCE, BOUCHES-DU-RHÔNE, FRANÇA

O homem de roupa preta sorriu. — Nossos homens foram resgatados sãos e salvos. Estão em um refúgio. Além disso, os arqueólogos apareceram na Alemanha. Creio que encontrarão Jungblut. O homem de cabelo cinza suspirou. — Espero que tudo corra bem. Estamos nos movendo em terras pantanosas. — Podemos confiar em nossos homens. Até agora cumpriram todas as tarefas. — Que Deus nos acompanhe, respondeu o homem de cabelo grisalho.

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CAPÍTULO 38 ROMA, BIBLIOTECA VATICANA

Após a nova reprimenda do cardeal prefeito, Padre Leonardo havia focado de novo nesta tarefa, em que pese ter preferido dar a sua opinião. Mas na Igreja não havia espaço para as réplicas. Só mediante o estrito respeito da hierarquia podia se manter vivo nesta enorme instituição. Padre Leonardo dedicara o dia anterior a analisar alguns estudos. A internet também era para ele uma fonte inesgotável de sabedoria. Ainda que de vez em quando não pudesse se fiar de alguma entrada, podia encontrar com rapidez muito material útil e enriquecedor. Encontrou mais de três mil registros em que se citava o professor judeu. Deste modo, soube que Raful participara nas primeiras escavações de Qumran antes que a École se encarregasse das mesmas, sob o comando do Padre Roland de Vaux. O professor Chaim Raful era um de tantos que criticavam a Igreja mas, por que seria tão perigoso? Utilizar os quadros como a única prova da incineração do corpo de Jesus Cristo não seria suficiente. Poderia se tratar de falsificações ou simplesmente representações de cenas de uma execução interpretada erroneamente. Há alguns anos um arqueólogo americano publicara o livro secreto das profecias, supostamente previsões de Juan de Jerusalém, um dos primeiros templários na Terra Santa. Em troca, o elogiado livro acabou patinando, já que ninguém continuava acreditando nele. Padre Leonardo concluiu seus estudos de Teologia com honra, mas nunca se interessara especialmente pela história fora da Igreja. "Quem dirige seu olhar só ao passado, não tem visão para o futuro", dizia seu antigo mentor e a isso se apegou. Em mente tinha o futuro e não o passado. Mas desde o dia de ontem, esta citação já não trazia descanso. Estava se informando muito sobre Chaim Raful e os templários. Pelo visto, o professor encontrara efetivamente um dos nove primeiros cavaleiros, ainda que em nenhum lugar podia se ler o nome do cavaleiro. Padre Leonardo entrou na enorme sala. As estantes estavam repletas de livros que chegavam até os altos tetos. Para alcançar a última fila de livros, justo por debaixo do enorme afresco, havia uma escada que se movimentava por guias. A biblioteca continha mais de um milhão de livros, escritos e tarjetas. Também se custodiavam aqui, escritos internos da Igreja que só eram acessíveis para aquelas pessoas com alto cargo eclesiástico ou quem possuíam uma autorização. O mesmo cardeal prefeito lhe outorgara o arbitratus generalis. Em meio da grande sala se encontrava o balcão de recepção, atrás do qual um padre com uma túnica marrom de monge lia ensimesmado uma revista ilustrada de vela. — Saúdo-lhe, irmão, disse Padre Leonardo e sorriu à espera na frente do balcão. O monge elevou rapidamente o olhar. — Sim? Murmurou desinteressadamente. — Sou Padre Leonardo da Congregação do Credo... Apressadamente o monge jogou para um lado a revista e se levantou. — Sim, já sei, falamos por telefone, interrompeu-o. — Siga-me irmão. O monge levou o Padre Leonardo até uma escada em caracol de ferro forjado que levava a uma cripta ao final da sala. Quando chegaram, uma maciça porta de ferro bloqueava a passagem. O

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monge apalpou seu cinto e apanhou uma moderna chave de segurança que enfiou no cadeado junto à porta. Uma luz vermelha ficou verde e a porta se abriu chiando. — Aqui se amontoam os séculos, uns sobre outros, murmurou Leonardo. — Na realidade, é uma moderna caixa forte, respondeu o monge. — As pastas aqui de dentro estão submetidas a uma proteção especial, mas do escritório do bibliotecário me disseram que permitisse a sua entrada. De qualquer maneira, nenhum documento pode sair destes muros. Tampouco se permite fazer alguma reprodução. Nem sequer tomar notas. O olhar deve bastar. Padre Leonardo sorriu. — Este é o famoso arquivo secreto da Igreja onde dormitam os mistérios. O monge interrompeu sua risada. — Sim, dizem isso, mas diretamente sob a sede de nosso Santo Padre existe um arquivo muito mais interessante. Aqui dentro se encontram, sobretudo, protocolos de fundações, certificados de propriedade, ou documentos de beatificação. Além disso, alguns documentos são tão velhos que aqui só se citam os títulos nas atas. Os originais estão guardados em uma caixa forte. Juntos entraram no frio corredor. Escutava-se o zumbido de um climatizador. Três portas indicavam outros cômodos ainda que duas delas estivessem fechadas. Na sala aberta havia uma simples mesa e uma cadeira. Sobre a mesa um arcaico telefone. O monge abriu o cadeado das outras duas salas que tinham as paredes cobertas de estantes. Também estavam climatizadas. — Espero que aqui encontre o que procura, disse o monge. — Quando quiser voltar a sair das salas, só precisa levantar o telefone. Desejo-lhe muita sorte. O índice se encontra na pasta junto da mesa. O padre Leonardo perguntou. — Não existe nenhum índice informatizado? — Se fecharmos as portas e retirarmos o telefone, estaremos em plena Idade Média, respondeu o monge. — Por certo, existem câmeras nos tetos, não se podem tomar notas. As infrações são severamente castigadas. STRUB, REGIÃO DE BERCHTESGADEN

Depois de conseguir o último endereço conhecido do professor Jungblut, Tom e Moshav alugaram um carro no balcão de Hertz da estação de trem de Munique. As conexões de trem a Berchtesgadem eram escassas e de Berchtesgadem a Strub-Bischofswiesen não haviam encontrado nenhuma combinação. O prateado Ford Focus tinha um potente motor diesel que lhes permitiria uma cômoda viagem pela autoestrada. Moshav aproveitou para dormir uma pequena sesta enquanto Tom estava sentado ao volante e seguia as instruções do navegador. O professor Yigaal Jungblut residia em Strub, próximo de Bischofswiesen. Vivia em uma casa unifamiliar no caminho de Dachlmoosweg. Morava só e depois de ter um infarto era bastante provável que tivesse ido para uma residência para idosos, segundo havia lhes contado a secretária da Universidade. Escutou que muitos até pensavam que havia morrido, pelo que não podia prometer que o professor ainda se encontrasse em Strub.

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Tom tinha a profunda esperança de que Jungblut ainda estivesse vivo e continuasse morando em sua casa. Se realmente tivesse morrido, sua viagem até a Alemanha teria sido em vão. Não conheciam outro endereço nas proximidades de Munique onde Chaim Raful pudesse se alojar. Na altura de Piding, Tom entrou na autoestrada nacional em direção a Berchtesgaden. Já era noite e Moshav dormia. Em Bad Friedrichshall Tom virou à esquerda. Atravessaram uma área de bosque e subiram pela autoestrada até Bischofswiesen. Tiveram que parar inesperadamente. Um controle policial bloqueava o caminho e foram rodeados por policiais bem armados. Tom seguiu as indicações de um policial e parou o carro. As luzes dos faróis e das lanternas se dirigiram ao veículo. Moshav acordou e olhou subitamente ao redor. — O que... Que aconteceu? Perguntou sonolento. — Um controle da polícia, respondeu Tom. Moshav se levantou e teve que fechar os olhos por causa das luzes das lanternas. Tom abriu a janela. — Controle de veículos e pessoas! Disse o policial. O companheiro que havia a seu lado apontava a arma para o carro. — Acenda por favor a luz do interior do carro. Tom procurou o interruptor pelo teto do veículo mas não o encontrou imediatamente. — Desculpem, posso abrir um pouco a porta? O carro é alugado e não sei onde fica o interruptor. O policial concordou e foi para o lado. Tom abriu a porta. — Por favor, os documentos do carro, sua carteira de motorista e seus documentos! Tom e Moshav apanharam a documentação e a entregaram ao policial. Quando teve na mão o passaporte de Moshav, pediu que descessem do carro. — O que aconteceu? Perguntou Tom. — Agora é habitual este tipo de controle? — Houve um roubo e os criminosos fugiram, respondeu o policial depois de entregar a documentação a um companheiro. — Acabamos de chegar de Munique, respondeu Tom. — Por que motivos vieram até aqui? — Para visitar um familiar. O policial começou a inspecionar o veículo. Tom começou a suar, gotas desciam por seu rosto. Em seu casaco estava a pequena pistola que havia tomado do homem que os perseguia em Jerusalém. Se os polícias descobrissem a pistola, havia acabado a diversão. Mas tiveram sorte, depois de receber seus papéis lhes deram permissão para seguir viagem. No caminho encontraram mais carros da polícia. Quando chegaram a Strub e estacionaram em frente da casa de Jungblut, os dois respiraram profundamente. MITTERBACH, REGIÃO DE BERCHTESGADEN

A jovem mulher estava sentada no sofá da sala de estar enquanto que os especialistas da Polícia Científica empacotavam seus utensílios. Rechaçou passar a noite no hospital. A mãe, que após sofrer um infarto ficara parcialmente paralítica e precisava ficar acamada, não sabia de nada do que acontecera no andar de baixo. Lisa estava cuidando do garoto junto com uma policial da brigada responsável pela operação; estavam no aposento onde o garoto mostrava orgulhoso sua caixa de aparelhos químicos.

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— Senhora Hauser, se encontra com disposição de falar sobre isso? Perguntou Bukowski compassivamente. A senhora Hauser, como se chamava a jovem mulher, segurava um lenço. Concordou sem pronunciar palavra. Constantemente esfregava as faces com o lenço. — Lembra-se quando esses tipos entraram em sua casa? — Um pouco antes das seis. De repente, estavam na cozinha. Quase sempre tenho a porta dos fundos destrancada. O mais baixo, me colocou uma pistola sob o nariz. O outro, tinha uma ferida no pescoço. Sou enfermeira, você sabe? Agora estou de licença porque cuido da minha mãe. — Falaram com você? A jovem mulher secou algumas lágrimas do rosto. — Falavam alemão com acento, acho que eram italianos. Precisei cuidar do homem da cicatriz no rosto. A ferida parecia como a de uma chicotada. Não era profunda mas sangrava. Bukowski franziu a testa. — Um tiro de raspão, provavelmente. — Enquanto cuidava dele, o outro falava pelo telefone. Foi para o corredor. Falava em um idioma estrangeiro, não entendia. — O que aconteceu então? — Depois de que meu filho retornou da natação, nos sentamos em silêncio na sala de estar. Comeram algo. Então o que parecia um boxeador queria que o acompanhasse ao quarto. Tive muito medo. Era muito perigoso. Se o outro não estivesse aqui, acho que ele mataria a todos. — Entendo, respondeu Bukowski. — Então me perguntaram se tinha carro. Além disso, precisavam de recipientes de metal. Pensei que queriam escapar com o carro, mas ficaram aqui até a noite. Nesse momento receberam uma ligação. O alto se dirigiu ao jardim e acendeu um fogo. Quando regressou começamos a escutar um forte zumbido. Bukowski comentou. — Então chegou o helicóptero e fugiram. A mulher negou com a cabeça. — O boxeador regressou. Sacou a arma e me apontou, mas o mais alto, o da cicatriz no rosto, lhe afastou o braço que segurava a arma e disse algo. Depois, nos levou para cima e nos prendeu no quarto. De fora vinha um estridente ruído, toda a casa vibrava. Pouco depois chegaram os policiais. Por fim tudo havia acabado. Abaixou a cabeça e chorou. Bukowski se sentou junto a ela no sofá e tentou acalmá-la, lhe esfregando as costas. — Acabou, disse. — Jamais voltarão. A senhora Hauser se tranquilizou. Bukowski apanhou uma foto de seu casaco. — Era este o tipo com as cicatrizes de queimaduras no rosto? Ela deu uma olhada na foto e concordou. — Amanhã enviarei um desenhista para que possamos fazer um retrato falado do menor, o boxeador como você diz. À noite deixaremos uma patrulha fora da sua casa. — Mas pensei que não iriam voltar, soluçou. — Não, por certo que não, mas acho que se estivermos próximo, você e seu garoto poderão descansar melhor. A mulher olhou-o agradecida. Bateram à porta. — Sim? Disse Bukowski. O superior de polícia assomou a cabeça. — Podemos falar um momento? Bukowski concordou e foi para o corredor. Silenciosamente fechou a porta da sala de estar. — Nossos colegas conseguiram recolher umas impressões datiloscópicas no veículo em que fugiram e que, afortunadamente, a Polícia Federal tinha previamente registrada. Trata-se das impressões do polegar de um tal Marcel Mardin, francês. Há um par de anos esteve implicado no roubo de carros luxuosos. Em Saint-Louis disparou em um comerciante albanês na perna, para que lhe desse o segredo da caixa forte que depois roubou.

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— Temos alguma foto? O comissário chefe concordou e lhe passou uma cópia impressa de fax. Bukowski agradeceu e regressou à sala de estar. — Pode ser este homem, o cúmplice do homem com o rosto desfigurado? Perguntou à jovem mulher estendendo o fax. Ela o observou durante um bom tempo. — Sim, é ele. Tinha o cabelo mais curto, mas estou certa de que era ele. — Fabricio Santini e Marcel Mardin, murmurou Bukowski em voz baixa. GENTILLY, FRANÇA

Este bairro, nas cercanias de Paris, parecia sujo e triste, nessa nublada e chuvosa tarde. Jean e Yaara chegaram a tempo na estação. Paul, um colega e amigo de Jean, estava esperando. Depois da sua conjunta carreira universitária, Paul havia ficado em Paris trabalhando em vários projetos de investigação na Sorbone. Conhecia pessoalmente o professor Molière. — Converteu-se em um ermitão e raramente recebe visitas, advertiu. — Para isso contamos com você, respondeu Jean. — Com certeza convencerá o velho. Paul sorriu. O professor Molière vivia afastado em um apartamento da Rue Robert Marchand. Paul estacionou o carro na frente do edifício e desceu primeiro. — Falarei primeiro um pouco com ele. Paul desapareceu no edifício. Após uns minutos regressou e fez sinais a Jean e Yaara para que se aproximassem. Jean suspirou. — Creio que o professor está pronto para receber uma visita. Yaara concordou. — Se for como imagino será uma longa noite. Jean franziu a testa. — Por que diz isso? — As pessoas idosas que vivem afastadas se aproveitam e começam a falar quando recebem visitas. Sobretudo, se se tratar de um tema que as afete.

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CAPÍTULO 39 ROMA, BIBLIOTECA VATICANA

Padre Leonardo esperou até que a porta se fechasse, mas não sem avisar antes ao monge de que provavelmente passaria toda a noite na catacumba. O cardeal prefeito havia lhe encarregado de uma importante missão. O monge resmungou um par de incompreensíveis palavras antes de sair da sala. A biblioteca permanecia aberta para as almas noite e dia, custodiada vinte e quatro horas pelos monges franciscanos e pela Guarda Suíça. O padre começou a estudar as pastas. A estrutura podia ser analisada rapidamente. Os distintos documentos se classificavam sob um hiperônimo: bens imóveis da Igreja, acordos da Santa Sé, assuntos de pessoal, carta dos pastores para as comunidades de todo o mundo, entre outros. Padre Leonardo colocou de lado a primeira pasta. A segunda pasta resultou ser muito mais interessante, incluía os acordos da Igreja com outras instituições. Encontrou escritos sobre o acordo secreto com os iluminatti, de Prieuré de Sion, sobre a Ordem de San Juan, a Ordem de Rosacruz e a Irmandade da Tumba de Cristo. Também se falava do acordo com a Opus Dei. Padre Leonardo se levantou e entrou na espaçosa sala contígua. Todos os armários estavam numerados. Procurou o número oito e o abriu. Nas estantes havia numerosos livros, atas, pastas, assinaladas com letras maiúsculas e números romanos. Imediatamente encontrou a pasta I/VIII-GB XXI que retirou do armário. O pó encheu o ar frio da sala, mas a pasta em si estava limpa. Voltou ao escritório e continuou procurando no índice alguns indícios que pudessem lhe servir. Uma entrada interessante fazia referência aos documentos sobre as escavações de Qumran. Também apanhou esta pasta e a colocou na mesa. Outra pasta despertou seu interesse. Encontrava-se no aposento II e tratava dos templários, mas os últimos registros eram recentes. Começou por essa pasta. Tratavam-se de documentos e escritos, todos em latim, que continham a fundação da ordem e a intercessão do influente abade Bernhard von Clairvaux no ano 1129 depois de Cristo. O primeiro grande mestre templário, Hugo de Payens, exigiu para a ordem a soberania ilimitada do papa. Não podia existir nem dominar nenhuma outra ordem por cima desta ordem: Pauperes commilitones Christi templique Salomonici Hierosalemitanis, como a chamaram seus fundadores naquela época. Só se reconhecia o papa como superior. Assim, Hugo de Payens recebeu o que ambicionava, um poder ilimitado. Aumentara rapidamente o número dos membros da Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo do Templo Salomônico. Ingressaram nesta ordem ricos cavaleiros e nobres que entregaram grande parte de sua fortuna à causa. Inclusive a Cúria contribuiu para a riqueza da ordem, colocando em seu nome terras e propriedades em todas as partes do mundo então conhecido. Os cavaleiros negociaram com os infiéis, fundaram bancos e levaram a cabo um sistema de crédito que ainda existiria um par de séculos mais tarde. Em poucas palavras, a Igreja, incluído o papa, entregara grande parte de sua soberania, mesmo com as advertências que o arcebispo de Avignon expressara sobre os primeiros fundadores da ordem. Numa carta mencionava a ordem como uma reunião de pobres diabos, elementos saqueadores e hereges. Ressaltava especialmente a dos cavaleiros declarados fora da lei, como consequência de seus delitos contra condes e autoridades. Mencionava-se um cavaleiro chamado Renaud de Saint-Armand. Padre Leonardo esfregou os olhos com as mãos. Pensou. O templário que encontraram nas portas de Jerusalém se chamava Renaud, Renaud de Saint-Armand. Seria este? Mas parecia que

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o papa não estimava muito as reservas do arcebispo. No Concílio de Troyes fixou o regulamento da ordem e o mesmo papa legalizou a Ordem dos Templários. Quando decifrou a carta fundacional com os nomes dos primeiros nove templários, se comoveu. Não existia o tal Renaud de Saint-Armand, mas entre os fundadores da ordem aparecia um cavaleiro que chamavam Archibald von Saint-Armand. Teria mudado o nome porque o haviam proscrito na França? Padre Leonardo deu de ombros e continuou a leitura. As entradas eram cada vez mais escassas. A bula papal Omne datum optimum era o último documento procedente do primeiro período. Suas atividades eram diversas, mas eram ocultas à Igreja. Do ano 1305 datavam outros documentos. Todos eram da França e continham acusações de blasfêmias que derivavam até as práticas homossexuais entre os cavaleiros da ordem. O último documento era uma carta secreta ao rei francês Felipe, escrita pelo papa Clemente em setembro de 1307. Anulava com uma canetada o poder dos templários e confiscava sua fortuna para que pudessem serem processados. Como justificativa, o papa Clemente argumentava heresia, inversão sexual e escárnio ao cadáver de Cristo. Deste modo, foi fechado o capítulo dos templários na Europa e perderam relevância, ainda que nem todos os templários caíssem nas redes de seus perseguidores. Isso o Padre Leonardo já sabia, pelas longas horas de História que precisara estudar. Pelo visto alguns foram embora para Escócia, outros para o novo mundo, que seria descoberto duzentos anos mais tarde, a América. Padre Leonardo esfregou os olhos e apanhou uma nova pasta. Na capa se lia "Escavações do Qumran na Terra Santa". Alguns croquis, elaborados por Padre de Vaux, mostravam as onze cavernas descobertas por casualidade no Mar Morto. Numa lista do pessoal recolhida por um funcionário da École, que continha o nome dos ajudantes que intervieram, topou com o nome de Chaim Raful. O funcionário fazia a contabilidade dos salários que se pagavam aos trabalhadores. O documento, original, era de fevereiro de 1952. Duas folhas mais à frente, aparecia a contabilidade de março, mas nesta data desapareceram três nomes da lista. Tratava-se de Chaim Raful, Yigaal Jungblut e o de um árabe, Mohamed al Sahin. Pelo visto, saíram das escavações. Padre Leonardo continuou lendo. Em seguida, se relatava os achados das cavernas. Na página da caverna sete sinalada com a anotação "primeiros cristãos", alguém escreveu em francês: "saqueada em sua maior parte". Padre Leonardo conhecia os escritos de Qumran. Em sua carreira precisou ler e interpretar fragmentos dos rolos de Damasco, um dos rolos da quarta caverna. Segundo os arqueólogos, este documento era do ano 75 antes de Cristo e se dividia em duas partes. Leu por cima o restante e, a partir de então, por ser mais de meia-noite, se dedicou à primeira pasta que apanhara do armário: sociedades da fé, associações secretas e organizações sobre as que se elevava uma aura mística. Em sua maioria eram irmandades inofensivas que se dedicavam intensamente à conservação da fé. Depois que Padre Leonardo estudara os documentos sobre a Cruzada do Rosário, seguiu passando as folhas até que ficou paralisado ao descobrir que, após a capa da Orden de la confrérie Jésus Christ, tinham sido arrancadas as páginas relativas a dita irmandade. Apanhou o telefone. Em seguida atendeu a sonolenta voz de um monge franciscano que estava de guarda e que, provavelmente, havia adormecido. — Vários documentos estão faltando, informou Padre Leonardo.

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— Documentos faltando! O monge se sobressaltou. — É impossível! — Sim, na pasta I/VII-GB XXI faltam algumas páginas. — Já estou indo! Respondeu o monge. Em pouco tempo escutou o barulho do cadeado. O franciscano de hábito marrom se apressou para o interior da pequena e espartana sala. — Aqui! Veja você mesmo! Exclamou Padre Leonardo enquanto entregava a pasta ao irmão franciscano. Sem acreditar este folheou a pasta. — Não entendo, disse, depois de comparar os documentos com o índice. Padre Leonardo tossiu. — Irmão, me chamou a atenção que esta pasta não estivesse coberta de pó como as outras. Pode ser que alguém viesse aqui e levasse consigo o documento? — É estritamente proibido, respondeu o franciscano. — Não se pode retirar nenhuma folha, essas são as regras. — Pelo visto, alguém não cumpriu as regras, respondeu Padre Leonardo cinicamente. — Um momento, descobriremos em seguida, observou o monge ao sair apressado. Padre Leonardo seguiu-o. O franciscano se sentou atrás de uma mesa medieval e apanhou um livro, passando as folhas. — É... É impossível... Gaguejou. — O que é impossível? O franciscano colocou o livro sobre a mesa. Padre Leonardo assoviou silenciosamente ao ler a entrada escrita à mão. — Aí está, murmurou. — Creio que será necessário guardar silêncio sobre este fato. O franciscano secou o suor da testa e concordou ansiosamente. STRUB, REGIÃO DE BERCHTESGADEN

— Simplesmente não está, sussurrou Moshav depois de Tom tocar o timbre da porta pela enésima vez. — Não está ou não quer abrir. Tom olhou a fachada da casa. Uma casa unifamiliar construída no estilo rural típico da região, de um só andar. As persianas estavam fechadas e as janelas posteriores permaneciam na escuridão. — Não está. Basta! Disse bruscamente Moshav. — Voltaremos amanhã. Uma vez que a polícia me reviste por dia é bastante. Não tenho vontade de acabar na cadeia por sua culpa. — Espere um momento, Tom respondeu. Percorreu a fachada e foi parar em um portão de ferro forjado que estava fechado. O caminho que seguia levava até a parte de trás. Com cuidado Tom saltou o portão. Antes havia se assegurado de que ninguém olhava pela janela das casas vizinhas. . — Espere aqui, onde não o vejam. Se aparecer alguém, assovie e desapareça. — Ficou maluco, respondeu Moshav. — A polícia está procurando uns criminosos perigosos. Se alguém nos descobre aqui seremos suspeitos. — Algumas vezes precisamos nos arriscar, replicou Tom e desapareceu na escuridão.

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Impaciente, Moshav se ocultou na sombra. Havia um poste que iluminava o caminho, mas a luz só chegava até a garagem. Moshav rastreou com o olhar o entorno. Na casa de frente as janelas estavam na escuridão, só de vez em quando se refletiam raios coloridos vindos de um televisor. O edifício de moradias contíguo, com telhado de madeira, estava completamente escuro. Pelo visto todos os seus habitantes dormiam. Moshav contava impacientemente os segundos que rapidamente se converteram em minutos. — O que estará fazendo agora? Balbuciou silenciosamente para si. Voltou a examinar as janelas das casas vizinhas. Na casa coberta de madeira, a cortina estava se movendo? Deu um passo para um lado. De novo notou como a cortina ondeava ligeiramente na penumbra. Moshav deu de ombros. Efetivamente não havia luz no primeiro andar, mas o poste da rua irradiava um pouco de luz na casa. Juraria que vira a sombra de uma pessoa, o espectro de uma cabeça com o cabelo revolto. Refugiou-se um pouco melhor na escuridão. Seria melhor assoviar? Antes que chegasse a isso, escutou um ruído vindo do pequeno portão. Tom estava voltando. — Não vai acreditar, disse. — Entraram na casa. Revistaram todos os armários, deve ter sido há tempos porque o parapeito da janela está coberto de pó. Não tem ninguém na casa. — Vamos sair daqui, sussurrou Moshav. — Acho que na casa da frente tem alguém atrás da janela. Tom olhou na direção indicada. — Está certo? — Bastante. Apressaram-se até o carro. Não se importaram com a luz. GENTILLY, FRANÇA

Paul não havia exagerado. O professor recusou em princípio a visita noturna, mas quando Yaara explicou o motivo deixou livre a entrada. — Então são arqueólogos, disse. — Não estavam atentos na aula quando explicavam o tema dos templários ou isso já não se leciona na Universidade? Yaara sorriu. — A Idade Média não é o meu ponto forte, me especializei em História Antiga. Em Jerusalém se encontrem marcas do domínio romano em qualquer esquina. — Bom, o que vamos fazer, não se pode saber de tudo. O professor Molière levou seus convidados à carregada e sombria sala de estar. A mesa, as duas poltronas e também o sofá verde estavam cheios de livros. Faltava o típico armário, mas em seu lugar havia uma cômoda junto à porta e numerosas estantes, igualmente repletas de livros. — Com sua permissão me despeço, disse Paul, depois de que o professor apontara para o par de poltronas para que pudessem se sentar. — Muito obrigado, respondeu Jean. — Na continuação desta rua existe uma pensão, comentou Paul. — Pensão Tissot, e poderão aparecer ali inclusive depois de meia noite. A dona, madame Dubarry, é minha tia.

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Jean agradeceu uma vez mais antes que ele desaparecesse e escutou como a porta se fechava de um golpe. — Então, resmungou o ancião. — Gostariam de um Pernod, um licor ou um conhaque? Yaara negou com a cabeça. — Entendi, senhorita. Deseja ir diretamente ao ponto, sem rodeios. Eu também prefiro assim. Exatamente, o que os trouxe aqui? Yaara decidiu contar toda a verdade. Começou pelas escavações nas portas de Jerusalém, prosseguiu com o achado do templário. — Já escutei, é fabuloso, disse o ancião. — Jovem dama, seu achado possivelmente esclarecerá bastante o escuro capítulo dos templários. São afortunados, ficaria encantado se estivesse ali. Sabiam que o famoso tesouro dos templários continua oculto? Yaara concordou, mas procurou não se aprofundar nesse tema, continuando a narração. Informou sobre os acidentes, os assassinatos e o desaparecimento de Raful com todos os documentos da sepultura, assim como sobre sua perseguição no hotel. — Não me estranha, respondeu Molière. — O achado deve ter atraído todos os interessados, porque existem muitos indícios de que no sarcófago se encontrava algo realmente valioso. — Tratavam-se de escritos, segundo nossa especialista, interveio Jean. — Encontramos uma espécie de ânfora e eram muito parecidos com as de Qumran. Dentro não havia um mapa de tesouro, se se refere a isso. — Bobagem, que mapa do tesouro! Objetou o professor. — Os valores relacionados com a ideologia são muito mais valiosos que o dinheiro, o ouro e os diamantes. — Mas o que poderia estar nos recipientes? Perguntou Yaara. — Como era o nome do templário que encontraram? Acompanhei as notícias nos meios de comunicação, mas, evidentemente, informaram muito superficialmente. Yaara procurou em sua bolsa e apanhou uma nota. — Chamava-se Renaud de Saint-Armand. O professor começou a rir e golpeou como possuído a tampa da mesa com a palma da mão. Yaara olhou para Jean titubeante. — Disse algo errado? — Não senhorita, sorriu o ancião. — Simplesmente me diverte muito que existam certas coisas que não mudam nunca. — Não entendi. — Veja, passei toda a minha vida estudando a vida e obra dos templários. Talvez me tomassem por louco, mas eu sabia que um dia se encontraria esse Renaud. — Procurei este cavaleiro no registro de distintas bibliotecas, mas não é citado em nenhum lugar. Em troca, aparecia no sarcófago que ele era um dos nove. Creio que um dos nove fundadores da ordem. — Está totalmente certa, replicou o professor. — Mas também em suas investigações encontrou um tal Archibald von Saint-Armand, não é? Yaara concordou. — Utilizaram um de seus muitos nomes. — Por quê? Perguntou Jean. — Resumindo: Não tinha muitos amigos no condado depois de ter assassinado o corregedor do conde. E o fez, como o faríamos nós, porque o estavam procurando. Archibald é

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nosso homem. E ele é o único cujo destino continua sem ter sido esclarecido, enquanto que para os outros contamos com indicações verificadas de suas mortes. De Payens, Godofredo de Saint-Omer, André de Montbard, Gundomar, Gundfried, Roland, Payen de Montdidier, Godofredo Bistol e Archibald de Saint-Armand. Contaram? Yaara concordou. — De Payens, e de Saint-Omer morreram na França quando voltaram. As tumbas de Payen de Montdidier e Gundfried foram encontradas em Chipre após a sua fuga da Terra Santa. Roland e Godofredo Bistol caíram na batalha de Jerusalém e Montbard morreu um pouco mais tarde, próximo de Tiro, depois de uma longa viagem por terras estrangeiras. Na minha coleção só faltava Saint-Armand. — Não havia lido nada disso, respondeu Yaara. — Não nunca publiquei os resultados desta investigação. Odeio os livros que deixam perguntas abertas. Sobretudo, se a última grande pergunta permanece sem resolver. — O que quer dizer com isso? — Encontraram o tesouro dos templários. Conseguiram o legado que deixaram para a posteridade. Com o que conseguiram riqueza e um poder infinito, até o papa se ajoelhou ante eles. Jean fez um gesto de mão de negação. Teve a sensação de estar no meio de uma má representação teatral. — E, em sua opinião, o que continham os rolos? Perguntou. — Nem sequer podem imaginar, sussurrou o ancião. — Contém o legado de Deus. Um profundo silêncio caiu no aposento. Do lado de fora a chuva golpeava com força os vidros da janela.

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PARTE 3 A MORTE DO SILÊNCIO

... a fé é para os mansos e a religião é, em troca, a profissão dos violentos... CAPÍTULO 40 UNIDADE DE CRIME ORGANIZADO DA BAVIERA, MUNIQUE

Bukowski voltou para casa da região de Berchtesgadem em plena madrugada, em torno das duas horas. Sentia-se derrotado, retirou a roupa e caiu na cama. Antes do amanhecer, um forte ataque de tosse despertou-o. No lenço viu algumas secreções sangrentas. Depois de tomar seu remédio pôde, por fim, se tranquilizar um pouco. Pensativo se sentou na borda da cama. — Seus pulmões estão tão negros como uma mina de carbono, dissera o médico há dois meses na última consulta. Bukowski não fez caso. — Todos nós precisamos morrer, uns antes, outros depois, respondeu. Esses ataques de tosse eram cada vez mais frequentes. Somente às seis horas conseguiu voltar a conciliar o sono até que o despertador interrompeu bruscamente seu repouso. Quarenta minutos mais tarde estava sentado atrás da mesa em sua sala. Lisa ainda não chegara. Sobre a mesa haviam deixado uma grande pasta. Os resultados da autópsia do cadáver do maciço de Watzmann obtidos até agora. Passou as folhas do relatório e o leu por cima as conclusões: cadáver masculino, entre sessenta e oitenta anos, são, exceto os desgastes próprios da idade. Segundo os achados provisionais morreu por uma múltipla disfunção dos órgãos, adicionado à forte perca de sangue. A amputação das mãos e da área do rosto fora depois da morte. Alguém queria se assegurar bem de que não fosse identificado tão facilmente. Havia suficiente material de DNA disponível, mas os assassinos conheciam as dificuldades do reconhecimento na base do material hereditário. A verificação entre os arquivos dos desaparecidos fora negativa e a chave encontrada com o chaveiro do olho de Hórus não havia podido se relacionar a alguma porta até o momento. Bukowski ordenou que se verificassem nos arquivos dos desaparecidos de toda Alemanha. Também contava com um relatório da polícia científica segundo o qual os restos de sangue encontrados no BMW, coincidiam com o grupo sanguíneo do assassinado. Solicitou uma comparação de DNA. Era estranho. Bukowski sabia quem eram os assassinos, mas não tinha ideia de quem era a vítima, nem o motivo do crime. Reclinou-se no respaldo da cadeira e fez um repasso mental da história. Começara há seis semanas com o assassinato, dissimulado em forma de acidente, do padre da Wieskirche. Em seguida, torturaram brutalmente até a morte o monge do convento de Ettal. Fora encontrado crucificado de bruços como o cadáver de Watzmann. Pelo visto, estes dois assassinatos foram uma advertência. Mas a quem queriam ameaçar? Bukowski suspirou. Um par de dias mais tarde, o assalto à Wieskirche. O que estariam procurando lá? Casualmente o sacristão se interpôs em seu caminho e precisou morrer. E, agora, o assassinato na base do maciço Watzmann. Atrás de tudo se encontrava o homem com o rosto de demônio e seu cúmplice, o boxeador, como o chamara a jovem mulher de Mitterbach. Um assassino da máfia italiana e um criminoso do sul da França. Que relação haveria entre eles? Um era um profissional

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que assassinava por dinheiro e o outro um idiota sem cérebro. Teriam se encontrado em uma prisão? Bukowski rechaçou esta ideia. Santini nunca havia pisado numa cadeia francesa ainda que o estivessem procurando por um assassinato ali. O boxeador tampouco não ia para a prisão há anos. Na noite anterior, Bukowski havia examinado seu histórico. Em cima de tudo isso, as circunstâncias em que escaparam. Um helicóptero os recolheu. Era obvio que alguém os havia encarregado deste trabalho. Santini e Mardin não eram mais que um casal de conveniência que estavam procurando algo ou alguém. Pode ser que não pretendessem matar o homem do maciço de Watzmann. Seguiam por ali, assim que a tortura e a posterior busca não tiveram êxito. Mas o que podiam estar rastreando com todas as forças? — Deve ser uma coisa, um objeto, imaginou Bukowski. — Se não, por que iriam entrar em uma igreja? Com certeza que ali não teria se escondido alguma pessoa. Levantou-se e se dirigiu ao armário. Regressou com o sumário. Analisou de novo a trajetória dos dois padres assassinados. Existiam claras coincidências. Os dois trabalharam durante muito tempo para o Escritório Eclesiástico da Antiguidade e ambos eram especializados em línguas antigas: hebreu, arameu, nabateu, palmireno e mandeu. Este era o denominador comum. Bukowski esfregou a testa com a palma da mão. — Um escrito! Exclamou. — Um escrito antigo, como eu não pensei nisso antes? A porta se abriu de repente. Lisa entrou na sala. — Já está aqui? Perguntou enquanto tentava entrar pela porta. Trazia três pesados arquivos e era visível que pesavam bastante. Bukowski olhou a hora. — Há uma hora que estou aqui. O que trouxe? — Pastas, respondeu Lisa. — Pastas de desaparecidos e, por certo, há duas horas que cheguei. Deixou os arquivos em sua mesa e se dirigiu a Bukowski. — Nossos dois assassinos estão procurando um escrito antigo, informou. — De onde vem essa certeza? — Digamos que é a quintessência de uma mente desperta, um potente cérebro e o olfato de um extraordinário agente judicial. Lisa jogou um documento na mesa dele. Bukowski olhou-o. — O que é isso? — Helicóptero Augusta Westland AW-139, denominação OEARU, registrado no aeroporto LoIk, de Kufstein. Da empresa Karadic Air Touritik de Scheffau em Tildem Kaiser. — É este helicóptero quem recolheu os nossos suspeitos? Lisa concordou. — Como descobriu? — Digamos que é o resultado da intuição feminina junto com os modernos equipamentos de supervisão do espaço aéreo. GENTILLY, FRANÇA

— Um rebanho de buscadores de fortuna que não tinham nada a fazer em seu país natal, nem riqueza, nem poder, nem influência. Descendentes de cavaleiros empobrecidos que queriam escapar dos muros de um convento e desejavam buscar seu próprio campo de batalha. — Protegiam os peregrinos que se dirigiam à Terra Santa. Molière o rechaçou.

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— Bobagem, disse bruscamente. — Esconderam-se sob a proteção do rei Balduíno. Seu alojamento se encontrava diretamente ao lado do monte do Templo onde em épocas passadas, reinava poderosamente o templo de Salomão. Nem uma só vez no inicio de sua fundação andaram a cavalo. Nunca foram vistos pelos caminhos de Tiro ou de Escaloun. Durante os primeiros nove anos não existe nenhum indício de suas ações na Terra Santa. Em troca, se pode demostrar a sua presença nas cavernas sob o monte do Templo. Em um antigo escrito de Qumran se citava que o mais sagrado do sagrado tinha ali seu lugar. — A arca? Perguntou Yaara. — Não só o arca, mas tudo o que era sagrado para as pessoas daquela época. Documentos, esculturas, tudo o que se relacionava com Yahvé. Existia um templo, uma cripta. Pergunte ao papa onde guarda seus valiosos objetos. Verá como simplesmente golpeia o chão com os pés. — Isso são teorias, monsieur Molière, disse Jean. — Dediquei toda a minha vida estudando os templários. Passei todo o meu tempo livre na Terra Santa ou avaliando escritos e tive conhecimento de alguns aspectos que fizeram mudar a minha opinião sobre estes nobres cavaleiros. Já comentei antes, algum dia ainda publicarei um livro. Na atualidade escrevi mais de mil páginas, mas ainda não é o suficiente. Falta o último capítulo. — E acredita que encontrará o final com este cavaleiro Renaud? Molière negou com a cabeça. — É um capítulo importante, não mais, mas é o princípio do final. — Não entendi! Replicou Yaara. — O que uma vez encontraram se perdeu ao longo dos séculos, respondeu Molière enigmaticamente. — O conhecimento desapareceu. Jerusalém caiu nas mãos dos sarracenos e os cavaleiros foram perseguidos. Assim perderam seu poder. Já não ficava nada em suas mãos. A Igreja cresceu e os templários perderam a sua importância, uma circunstância assombrosa. E isso foi o que aconteceu naquela sexta-feira 13 de outubro de 1307. Foram assassinados muitos templários a mando do papa. Mas nem todos caíram. Muitos escaparam para a Escócia e América, antes de Cristóvão Colombo. Não tinham nada a perder, mas tinham uma frota com a qual navegaram para onde se punha o sol até que chegaram a uma terra desconhecida, América. Jean sorriu. — Não está falando sério! Molière olhou desafiadoramente para Jean. — Na Nova Escócia poderá encontrar ainda suas impressões. A Ordem dos Templários caiu, mas surgiu um novo movimento. A Fênix ressurgiu das cinzas. Observe as atuais notas de dólar. Viaje pelo mundo com os olhos bem abertos. Encontrará suas impressões por todos os lados. E sua ideologia recobrou a vida. Sua posição frente à Igreja. Diz-se que Leonardo da Vinci escarneceu da Igreja, inclusive em sua própria casa. — Os maçons? — Assim este culto se chama na atualidade. Continuam existindo em nossos dias. Os templários foram seus antecessores. — Você não tem em grande estima à fé e a religião, observou Yaara. Molière sorriu. — Sabe, bela senhorita. A fé é para os mansos e a religião é, em troca, a profissão dos violentos. Yaara concordou em silêncio. Do lado de fora havia parado de chover e o sol começava a abrir caminho entre as nuvens.

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BISCHOFSWIESEN, REGIÃO DE BERCHTESGADEN

Tom e Moshav haviam se alojado no Hotel Reissenlehen de Bischofswiesen, ali passaram uma intranquila noite. Haviam esperado mais de uma hora próximo da casa de Jungblut, mas não acontecera nada, nem sequer a polícia aparecera, apesar de que Moshav e Tom estavam completamente certos de que sua presença na casa não passara inadvertida. — Por que os vizinhos não chamaram a polícia? Perguntou Tom. — Não sei, respondeu Moshav. — Com certeza é por algum motivo. Tom concordou furioso. — Estou de acordo. Precisamos descobrir. Moshav respirou profundamente. — Mas o que pretende fazer agora? — Precisamos encontrar quem nos descobriu, não acha? Moshav colocou desodorante e vestiu uma camiseta. — Eu, agora, vou tomar o café-da-manhã. Tom estava escovando os dentes. — Eu vou depois, balbuciou. Um par de minutos mais tarde eles voltaram a se encontrar no refeitório do hotel. Numerosos hóspedes estavam sentados ao redor das mesas, apreciando a tranquila e agradável atmosfera. A sala era decorada com um mobiliário rústico claro. As cadeiras e toalhas de listras brancas e azuis davam à sala o típico encanto da Baviera. Um copioso bufê convidava ao prazer culinário e as ocupadas garçonetes, vestidas com as típicas camisas dirndl, serviam com amáveis olhares aos hóspedes. Moshav estava sentado em uma mesa próximo da janela. A colina se levantava suavemente depois das árvores e onde começava uma forte subida. Tom se sentou junto de Moshav e em seguida chegou a garçonete. Moshav havia deixado a um lado o jornal. O título com grandes letras em maiúscula ocupava o cabeçalho, uma mulher com os seios ao ar ficava relegada à parte inferior. "Os carniceiros de Watzmann", aparecia na primeira página. Tom leu por cima o artigo sobre o cadáver encontrado no maciço de Watzmann. Também falavam dos padres assassinados na área. A polícia suspeitava de assassinos a soldo. — Agora tenho certeza de quem entrou na casa de Jungblut, suspirou Tom. — Pensa que se trata de Jungblut? — Poderia ser, não acha? — O que faremos agora? Tom pensou por um momento enquanto contemplava a verde paisagem. — Não temos outra opção, precisamos ir até o final. — E o que pretende fazer? — Com os vizinhos que estavam vigiando a casa, talvez obtenhamos algum indício. CROIX VALMER, PROVINCIA VAR, CÔTE D’AZUR

Benoit estava sentado no branco sofá de sua vila com vistas para a Côte D’Azur enquanto bebia goles de seu champanhe. — Realmente não tenho a menor ideia de onde pode estar. Mas devemos dar um tempo. Vão encontrá-lo. Se não, precisaremos voltar à ação, mas primeiro devemos deixar passar algum

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tempo. As autoridades alemãs trabalham com eficiência e não podemos esquecer disso facilmente. Este Bukowski é como um sabujo, sentiu o cheiro da presa e não descansará até que a encontre. — Deixemos então que encontre a presa, aí poderemos descansar, respondeu o homem de roupa preta. Tinha o pescoço branco da camisa bem fechado apesar de que a temperatura se encontrava acima dos trinta graus. — Estive pensando, respondeu Benoit. — Mardin não importa, mas não posso me arriscar com Santini. É muito valioso. — Não deveríamos pensar primeiro em nós? — Ainda temos o controle e por agora, isso não irá mudar, respondeu Benoit e esvaziou sua taça.

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CAPÍTULO 41 ROMA, SANTO OFÍCIO

Padre Leonardo estava consternado. Sentia-se maltratado. Conhecia a férrea estrutura hierárquica dentro da administração eclesiástica, mas, de qualquer maneira, o cardeal prefeito havia rido dele. Encarregou-o, sem dar mais detalhes, de uma missão que só poderia resolver satisfatoriamente se conhecesse bem o contexto e todas as relações. O que podia se esconder por trás dessa Irmandade de Cristo? O que podia ser tão perigoso à Igreja para que o mesmo cardeal prefeito enviasse o seu secretário a Jerusalém? Quando Padre Leonardo entrou em sua sala, se trancou à chave no interior, algo que não costumava fazer. Sentou-se junto a sua mesa e ligou o computador. Ativou o navegador da internet e em um motor de busca colocou o termo confriére Jesú Christ. Passou um tempo até que a tela mostrou os resultados. Leu-os rapidamente, mas nenhum correspondia a sua busca. Respirou profundamente e retornou ao formulário de entrada. Desta vez colocou o nome do homem que participara junto de Chaim Raful nas escavações de Qumran e cujo trabalho nas cavernas terminara no mesmo dia que o do professor Raful. Havia mais de cinquenta mil entradas que continham o nome de Yigaal Jungblut. A primeira entrada indicava que o professor Jungblut trabalhara como professor na Universidade de Munique, seu âmbito de especialidade era a Arqueologia. O artigo encontrado tinha um par de anos. Leu-o detidamente. Posteriormente o professor vivera na Alemanha, em algum lugar da região de Berchtesgaden. Quando leu a entrada seguinte esfregou a fronte com resignação. Yigaal Jungblut morrera de um infarto há vários anos. Decepcionado, apoiou o queixo sobre as mãos. Acabava de encontrar um indício que se esfumara em seguida. De novo, se dirigiu à lista de resultados do motor de busca. O terceiro artigo era do jornal Berchtesgadener Tageszeitung em que se informava que o professor Jungblut fora condecorado com uma medalha e um diploma do Ministério de Cultura da Baviera, por sua ativa contribuição à criação do Departamento de Escritos Hebreus dentro da Biblioteca Universitária de Munique. Padre Leonardo também leu rapidamente o artigo. Ficou perplexo quando seu olhar topou com a data do escrito. Era do ano passado, inclusive podia se ver uma foto. Ele se apoiava em uma bengala junto ao representante do Ministério de Cultura. O professor Jungblut estava bastante magro e parecia doente, mas vivo. O rosto do padre voltou a se iluminar. Limitou o critério de busca e agregou o nome de Raful no campo de entrada. Obteve mais de trinta resultados. Pelo visto, Raful e Jungblut haviam trabalhado juntos ao longo dos anos. Descobriu vários ensaios e artigos de investigação que Jungblut e Raful haviam escrito juntos, especialmente com o tema dos templários. De novo, Padre Leonardo retornou à página do jornal de Berchtesgadem para procurar o endereço de Jungblut, mas só conseguiu descobrir que o professor havia se retirado para passar seus últimos dias na região de Berchtesgaden. Estava a ponto de fechar a página quando um título do menu de inicio atraiu a sua atenção. Fazia referência ao cadáver desconhecido encontrado em Watzmann, torturado brutalmente e crucificado. Uma vítima crucificada? Padre Leonardo acessou o artigo, e quando o leu quase ficou sem respiração. Apanhou imediatamente o telefone e ligou para um dos administradores. — Preciso ir para Munique, disse. — E hoje mesmo, é urgente.

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MUNIQUE, UNIDADE DE CRIME ORGANIZADO DA BAVIERA

Não precisou esperar muito até que retornaram a ligação. Bukowski se levantou e procurou seu casaco. — Aonde vai? Perguntou Lisa. — Marquei para as duas horas com o inspetor responsável pelo Departamento de Segurança de Tirol. Informo que chegarei tarde, se por acaso estiver interessada em esperar. Lisa fez um gesto de mão negativo. — Não preguei o olho em toda a noite. Minha cabeça está doendo. Na realidade queria analisar estas pastas, mas se não melhorar acho que vou para casa descansar. — O que tem nessas pastas? Perguntou Bukowski enquanto apanhava o sumário que havia deixado em cima da mesa. — Os casos de desaparecidos dos dois últimos anos em toda Alemanha, Áustria e Suíça. Não lhe interessa o nome da vítima? Bukowski olhou com os olhos bem abertos para as três pastas. — Tantos desaparecidos? — Pelo visto, temos muitos que não suportam continuar vivendo em casa. — A culpa disso é das mulheres, como sempre. Lisa mostrou sua indignação. "Típico de Bukowski", pensou. Bukowski se dirigia à porta quando se virou mais uma vez. — Ah! E já que está com isso... Pode olhar na internet se nossos dois padres assassinados estavam em contato com algum arqueólogo que conhecia o arameu, hebreu ou qualquer outra língua oriental? — Já fiz isso, respondeu Lisa. — Eu sei, mas estou certo que nosso caso tem algum artefato em que as línguas antigas têm um papel crucial. Não comentou algo sobre um professor universitário? Lisa concordou. — Um já está morto e o outro é de Israel. O redator não pôde dizer o nome porque a foto é muito antiga. — Não importa, procure de novo. E utilize a sua intuição, como com o helicóptero. Antes que Lisa pudesse responder, Bukowski havia saído. GENTILLY, FRANÇA

O professor Molière havia lhes preparado um opulento café-da-manhã e continuava falando profusamente para uma sonolenta Yaara, sobre a tumba do templário que haviam encontrado em frente das portas de Jerusalém. Se Molière estivesse certo, Tom não havia errado em seus negativos pressentimentos e havia muito mais em jogo do que se poderia imaginar antes de voarem para Paris. Com certeza Chaim Raful sabia o que se achava dentro da tumba do templário e também estava consciente das consequências que podia ter a publicação de tal achado. Desaparecera à tempo, largando o professor Hawke e a sua equipe. Mais ainda, havia deixado que os lobos devorassem quase todos os que trabalhavam nas escavações. — Estou esgotada, disse Yaara ao sair da moradia do professor.

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Molière lhe entregara uma cópia de seu manuscrito onde constava tudo o que havia dito na noite anterior sobre os templários. Precisou prometer que não o mostraria a ninguém. — Vamos à pensão que Paul nos recomendou e durmamos bem, respondeu Jean Colombare. — Queria ligar para Tom, comentou e bocejou em seguida. — Terá tempo até a noite. Agora será melhor que vá a dormir. Está com o rosto mais branco que a neve. — Estou toda dolorida, como se tivessem me dado uma surra, replicou Yaara. Olhou para o céu, só umas quantas nuvens cobriam os telhados de Paris. STRUB, REGIÃO DE BERCHTESGADEN

Depois do café-da-manhã, Tom e Moshav entraram no carro e dirigiram de volta a Strub. Estacionaram antes de chegar e seguiram a pé. Pareciam dois inofensivos turistas que caminhavam pela ensolarada área montanhosa. Deitaram-se em um gramado. Dali podiam ver toda a rua onde se encontrava a casa de Jungblut. Tom comprou em uma loja um binóculo Zeiss de grande potência. Agora estavam sentados no jardim e olhavam para o que acontecia naquela rua. Tom estava brincando com seu celular enquanto Moshav olhava pelo binóculo. — Parece morto, murmurou Moshav. Até agora só haviam passado três carros pela estrada e uma mulher com um cachorro. Parecia que ninguém se interessava pela presença ou ausência de Jungblut. Passando das dez horas chegou um carteiro à casa de Jungblut e colocou algo em sua caixa de correio. — Preciso ligar para Yaara, disse Tom. — Envie uma mensagem, respondeu Moshav e afastou para um lado o binóculo. — Viu alguma coisa? — Só o carteiro, respondeu Moshav. Tom ativou a tela de seu celular e escreveu uma mensagem para Yaara. Pouco a pouco o sol alcançava seu zênite. Ao meio-dia tiveram fome e apanharam o almoço que trouxeram do hotel: Pedaços de presunto com queijo e pepino. — Sabe se é cashrut? Perguntou Moshav. — Cashrut? Não sei, respondeu Tom, — Mas está gostoso. — Pouco importa se é cashrut ou não. Tenho uma fome de cavalo e Deus não me vai castigar se me alimentar um pouco. — Não vai enviá-lo ao inferno por isso, para lá deveriam ir outros. — Olhe! Interrompeu Moshav. Uma mulher idosa saiu da casa vizinha, olhou ao seu redor antes de cruzar a rua para ter certeza de que ninguém a estava vendo.

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— Com certeza foi ela quem ontem à noite observava a nossa presença, conjecturou Tom. — Em todo caso, ela mora na casa de onde nos vigiavam. Moshav levantou o binóculo. A mulher usava um avental azul e trazia seu grisalho cabelo recolhido em um coque. — Calculo que terá uns sessenta anos. Passou pela casa de Jungblut e Tom ficou atento. De repente, a mulher parou, voltou a verificar se não havia ninguém ao seu redor e rapidamente se dirigiu decididamente até a caixa de correio de Jungblut. — Olhe! Disse Moshav. Ela apanhou algo de seu bolso e, em seguida, abriu a caixa de correio que ficava junto à cerca. Apanhou algo, fechou-a e se apressou para casa. — Interessante! Exclamou Moshav. — Encarrega-se da correspondência durante a ausência de Jungblut. Com certeza sabe onde está. Moshav deixou o binóculo e começou a guardar o almoço. — O que está fazendo? — Precisamos ir perguntar onde está Jungblut, se é que ainda vive. Tom sorriu. — Acha que vai nos dizer assim tão facilmente? — Por que não? Tom mostrou seu astuto gesto. — Pense por um momento. Primero nos vê na casa, mas não liga para a polícia. Notou seu estranho comportamento, como olhava ao redor, sua manobra ao passar pela casa antes de se dirigir à caixa de correio? Sabe o que está acontecendo. Nos contará qualquer bobagem e avisará Jungblut. Com certeza ele está em algum lugar próximo daqui. Vamos esperar um pouco. — Por quê? — Talvez ela vá levar a correspondência para ele. Moshav concordou e olhou ao redor. Ao longe brilhava a rocha cinza do Watzmann. Os passarinhos cantavam e um par de pesadas moscas haviam pousado na sua comida. — Fiquemos aqui. É muito bonito. Tom sorriu. O tempo transcorria lentamente. Passou-se quase uma hora até que voltou a transitar um veículo por ali. Um carro negro se aproximou. Passou lentamente ao longo de toda a rua, ao final virou e retornou. — BGL-HA 3344, disse Moshav e pregou os olhos no binóculo. — Um Renault negro. Tom apanhou seu bloco de notas e anotou o número da placa. O carro parou em frente à porta da mulher. Um homem idoso e gordo desceu e entrou na casa. — Deve ser um conhecido, murmurou Moshav. Quinze minutos mais tarde o homem voltou a sair da casa. Dirigiu-se ao Renault, entrou no veículo e rapidamente desapareceu. — Não deve ter sido nada, disse Tom. — Claro que foi! Contradisse Moshav. — Não se deu conta do que levava na mão? — Quem está com o binóculo, você ou eu? — O mesmo envelope que a mulher recolheu da caixa de correio de Jungblut. Tom se agitou e retirou apressadamente de Moshav o binóculo das mãos.

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— Merda! Para aonde foi? Tom rastreou a rua com os binóculos. — O perdemos! Disse finalmente Tom com um tom de resignação na voz. — E o que faremos agora? Perguntou Moshav. — Agora precisamos descobrir de quem é o carro, respondeu Tom.

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CAPÍTULO 42 MUNIQUE, AEROPORTO FRANZ JOSEF STRAUSS, EM ERDINGER MOOS

O avião em que voava Padre Leonardo aterrissou pontualmente. Um representante do Arcebispado de Munique e Freising, um jovem ruivo, que usava um terno cinza, estava esperando-o na sala de chegadas. Como um alto cargo do Vaticano e como membro da Congregação da Fé, lhe deram a correspondente atenção. Um Audi negro com chofer estava parado no estacionamento bem em frente do terminal. — Estou à seu serviço. O irmão Markus deu as boas vindas para a sua honorável visita da Cidade Santa. Padre Leonardo sorriu amavelmente. O voo havia lhe cansado um pouco. — Foi enviado pelo cardeal? — Fui, confirmou o jovem eclesiástico. — Mandou-lhe um cordial abraço e espera que possam jantar juntos nos próximos dias. No momento não está em Munique, pois por questões urgentes de trabalho, precisou viajar para a Romênia. Fui encarregado pessoalmente pela sua estadia na Baviera. No caso de ter alguma pergunta ou necessidade, eu estou ao seu inteiro dispor. Padre Leonardo lhe deu umas suaves palmadinhas no ombro. — Nunca prometa o que não possa cumprir. Trabalha no bispado? — Ainda estudo no seminário San Juan Batista. No momento estou de férias. Trabalho no Secretariado do Cardeal. — Bem! Respondeu Padre Leonardo. — Está contente de poder exercer dentro de pouco tempo a função de padre? — Eu... É que... Não sei que caminho devo seguir. — E quem sabe durante a juventude? O irmão Markus achou agradável este homem de Roma de pouco mais de trinta anos. Esperava encontrar uma pessoa envelhecida pelo alto cargo do Vaticano e agora, bem na frente dele, tinha um agradável e dinâmico esportista italiano que, não só dominava à perfeição a língua alemã sem sotaque algum, mas também dava a agradável impressão de ser um homem totalmente compreensivo. — Às vezes não é fácil, admitiu o irmão Markus. — Com frequência não consigo discernir entre a verdade e a mentira. Às vezes não se podem ver bem as coisas, os caminhos são muito complexos. Padre Leonardo sorriu. Ele mesmo sentia perfeitamente esta contradição entre a vida terrena e a divindade. Precisamente durante aqueles dias todas essas dúvidas haviam voltado a aparecer, como o pólen de uma flor numa corrente de vento. Assentiu compreensivamente. — Jovem amigo, não é fácil o caminho que escolheu, está cheio de injustiças e obstáculos, mas deve ter algo bem claro. Existem milhares de verdades, e precisa decidir a que verdade se aterá. Quando o Padre Leonardo apanhou a sua bagagem, o chofer se apressou a lhe assistir com um carrinho. — Preparamos um aposento para sua eminência na casa do cardeal Döpfner de Freising, anunciou o irmão Markus. — Ouviu falar do assassinato de Berchtesgaden? Torturaram e crucificaram um homem. O irmão Markus deu de ombros.

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— Sei que há umas semanas assassinaram um padre dentro do convento de Ettal. Refere-se a isso? O padre Ficou paralisado. A notícia se cravou como uma lança. — Ettal? Murmurou. — Sim, dentro dos muros do convento. Além disso, em uma igreja próxima o sacristão também foi assassinado. Imagina-se que surpreendeu um par de ladrões que queriam roubar alguns objetos sagrados. — O que aconteceu com o do padre de Ettal? — Não sei exatamente. O chofer abriu a porta de trás. O padre Leonardo sentou dando um forte suspiro. — Com certeza deve estar muito cansado. Vamos levá-lo a Freising, e lá poderá... — O convento fica muito longe daqui? — A cem quilômetros, respondeu o chofer. — Vamos então para Ettal. Poderei descansar mais tarde, decidiu firmemente Padre Leonardo. GENTILLY, PENSÃO TISSOT, FRANÇA

— É incrível! Exclamou Yaara enquanto passava à página seguinte. — Este manuscrito está extraordinariamente documentado, é uma investigação excepcional. Todas as afirmações se baseiam em fatos corroborados. Participou em escavações de Jerusalém, França, Chipre e até da Nova Escócia. Verifica todas as suas informações ao menos em duas fontes. Quando publicar o livro, provocará uma grande confusão no âmbito da Igreja. Jean Colombare estava sentado junto à janela do pequeno aposento e observava pensativo as nuvens escuras. Madame Dubarry pediu que lhes servissem café e umas pequenas tortas com creme. Yaara tinha muita fome, já que havia pulado o almoço enquanto dormia. Quando acordou se dedicou a estudar o manuscrito de quase mil páginas. Tinha a luz acesa ainda que fosse de tarde, porque sobre esta área de Paris passavam espessas nuvens. — Creio que ninguém o lerá, respondeu Jean. — Está há anos compilando-o e não conseguiu terminar. Yaara continuou passando as páginas. — Porque ainda falta a última peça do mosaico. O legado de Deus. — E acredita que nós o encontramos? — Veremos, respondeu Yaara e apanhou seu celular. — Estranho que Tom ainda não tenha me ligado! Murmurou. — Deve andar ocupado. Acha que conseguirão encontrar o Raful? — Acredito que sim, respondeu Yaara enquanto discava o número de Tom. Passou um tempo sem escutar nada até que por fim escutou o sinal de ocupado. — Ou está falando agora ao telefone ou não está disponível. Tentarei de novo mais tarde. Jean bebeu um gole de sua xícara de café. — Que pena! Ficaria encantado em lhe mostrar Paris, mas com este tempo penso que não será uma boa ideia. — Non nobis Domine, non nobis, sed nomini tuo da gloriam, leu Yaara em voz alta do manuscrito. De pura raiva havia ignorado o comentário de Jean. — O lema dos templários, respondeu Jean. — "Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao seu nome de glória". — Conhece o lema dos templários? Achava que esta não era a sua especialidade!

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— De algo me lembro, respondeu Jean. — Quer um pouco de torta? Yaara deixou para um lado o manuscrito e olhou pela janela. — Não queria me mostrar Paris? — Sério? — Não me importa que esteja chovendo, não sei se alguma vez voltarei a esta cidade. — Vamos então, trouxe um casaco com capuz? Yaara se levantou. — Trouxe até um guarda-chuva. DEPARTAMENTO DE SEGURANÇA DE TIROL, SALZBURGO, ÁUSTRIA

Stefan Bukowski depositou o sumário na mesa de seu colega da segurança austríaca. O inspetor Hagner era um homem alto com sobrancelhas cheias e espesso cabelo negro. Apontou uma cadeira para Bukowski e perguntou se desejava tomar um café. Bukowski disse que não. — Já verifiquei a empresa, o inspetor iniciou a conversa. — Karadic veio da antiga Iugoslávia e há mais de trinta anos mora na Áustria. Já obteve a cidadania e está totalmente limpo. Tem dois helicópteros registrados em seu nome. Um BK 117 e esse AW 139. Têm quatro funcionários, entre eles dois pilotos. Casou-se com uma austríaca e tem três filhos. Sua licença de voo é válida e paga corretamente todos os impostos. Tem álibi para aquela noite. Encontrava-se em Innsbruck, em uma festa familiar que durou vários dias. — Pode ser que ele não pilotasse seu helicóptero, mas o sistema de vigilância aérea o identificou sem dúvida. Hagner sorriu. — Estou totalmente de acordo. Por isso investigamos os dois pilotos. O primeiro nós podemos descartar porque há duas semanas está no hospital de Kuffstein como consequência de uma complicada fratura da perna. O outro, um tal Peter Brettschneider, vive no recinto da empresa. Ultimamente está com problemas. A mulher o deixou e o está espremendo como a uma laranja. Tem dois filhos pequenos e precisa pagar muito de pensão. Bukowski afirmou. — Parece que este pode ser o nosso homem. — Isso nós pensamos também, por isso estamos vigiando-o. Imagino que desejará falar com ele o mais rápido possível, não é? Bukowski concordou. — Está na empresa e realiza as tarefas de manutenção dos dois helicópteros. Hoje não tem nenhum voo previsto e estou certo de que poderemos encontrá-lo ali. O inspetor se levantou. — Então, não percamos mais tempo. — O senhor Karadic nos espera, já falamos com ele. Também pensa que pode ter sido esse Brettschneider, ultimamente não é muito confiável, até está pensando em despedi-lo. — Preparou tudo muito bem! Elogiou Bukowski ao inspetor. — Fazemos tudo o que está em nossas mãos, sobretudo para ajudar o amigo de um de nossos superiores, respondeu Hagner ironicamente. — Estimado colega, você sabe como é lento o nosso pesado sistema burocrático. Se tivéssemos que solicitar tudo com memorandos através de nossos postos de conexão envelheceríamos antes de poder dar um passo. Além disso, esses dois tipos fugiram quase na frente de nossos narizes, machucando bastante o nosso orgulho. Hagner sorriu artificialmente. — Quer dizer que saíram voando na frente de você. Pois nós também voaremos, será mais rápido.

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STRUB, REGIÃO DE BERCHTESGADEN

Tom desligou seu celular e sentou no tronco de uma árvore junto a Moshav, suspirando. — Vamos ver se funciona, disse Moshav e sorriu incredulamente. — Por que não iria funcionar? Replicou Tom. — Dieter e eu dividimos um apartamento durante a faculdade. Ainda me deve alguns favores. — Achava que nossa estadia aqui seria secreta. — Dieter não é nenhum perigo para nós. É advogado em Bottrop. Há dois anos me representou em um caso. É muito boa pessoa. Um pouco amoral nas questões, técnicas mas para isso é jurista. — Mente a todos seus amigos? Perguntou Moshav. — Digamos que o acidente foi uma mentira piedosa. Custar-me-ia muito trabalho explicar tudo. Não poderemos esquecer que é advogado e está do lado da lei. — Yaara ligou? Tom negou com a cabeça. — Esqueci de enviar a mensagem. Esta noite ligarei. Moshav aproximou o binóculo e rastreou a autoestrada de Strub. — Não acredito que aqui aconteça algo mais. Tom olhou para o céu limpo. — Vamos esperar que Dieter nos ligue. Normalmente o reconhecimento de uma placa na central não demora muito. Depois veremos o que faremos. Tom e Moshav esperaram mais uma hora no gramado de Strub até que voltou a soar o celular. Era o advogado de Bottrop. A conversa não durou muito. — E? Perguntou Moshav depois de Tom desligar. Tom sorriu satisfeito. — Hans Steimeier, Bischofswiesen, Stangergasse 9a. — Tem certeza? — Ao menos esse é o proprietário do carro. Disse-me que o portador do certificado de propriedade do veículo tem quarenta anos. Poderia ser o homem que saiu da casa da vizinha. — E o que faremos agora? Tom apontou para o vale abaixo e se levantou. — Vamos para Bischofswiesen, vai ser uma longa noite.

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CAPÍTULO 43 CONVENTO DE ETTAL, BAVIERA

Do outro lado do refeitório, em frente à pequena capela, se encontrava o edifício da administração onde o abade tinha sua sala. Padre Leonardo deu a entender ao seu acompanhante que estaria ocupado muito tempo pelo que o irmão Markus preferiu esperar a sua visita de Roma na cozinha. Um monge com hábito marrom conduziu Padre Leonardo até a sala do abade. O irmão Anselmo se levantou da mesa quando Leonardo entrou no aposento. — Que visita mais inesperada entre os modestos muros de nosso convento! Cumprimentou cordialmente o abade à visita do Vaticano. Levantou-se e lhe estendeu a mão com um sorriso. Padre Leonardo respondeu correspondentemente à amável recepção e se acomodou em uma cadeira. — O motivo de minha visita é o de me informar detalhadamente sobre o brutal assassinato que, lamentavelmente, aconteceu neste convento. O cardeal prefeito me encarregou que eu me ocupasse deste tema, e para isso emitiu um arbitratus generalis. Devo comprovar se este assunto pode afetar negativamente a nossa mãe Igreja. O abade franziu profundamente o cenho e o olhou surpreso. — Mas já informei pessoalmente ao cardeal prefeito, respondeu. O irmão Anselmo disse. — Há uma semana. Que estranho que não tenha lhe contado! — Precisei ir com urgência a Jerusalém e agora o prefeito está na América do Sul. Não nos vemos há dias. O irmão Anselmo então contou todos os detalhes relacionados ao assassinato do irmão Reinhard. — Foi encontrado no estábulo crucificado de bruços. — Havia indícios? Quero dizer, fatos estranhos? Nosso irmão tinha algum problema? O abade negou com a cabeça. — O irmão Reinhard vivia em nossa abadia há alguns anos, era um membro valioso. Encarregava-se de tudo o relacionado às línguas estrangeiras. Além de espanhol, inglês, português e russo, falava hebreu e alguns dialetos árabes. Antes de entrar em nosso convento trabalhou no Escritório Eclesiástico para a Antiguidade. Desgraçadamente sofreu um acidente em uma escavação e precisou se retirar, vindo então para Ettal. — Sabe a que dedicava o seu tempo antes de morrer? Perguntou Padre Leonardo. — Lia bastante, respondeu o irmão Anselmo. — Lia livros em grego antigo e línguas do Oriente. Segundo me informaram no Escritório para a Antiguidade traduzia escritos antigos do arameu, hebreu... Entende? — Trabalhava em algum documento em especial? O irmão Anselmo deu de ombros. — Sinto não poder ajudá-lo mais neste assunto, mas estão nos chegando alguns rumores. Sabe que também assassinaram o pároco da Wieskirche? E também o sacristão quando surpreendeu dois ladrões dentro da igreja à meia-noite. A polícia pensa que estes acontecimentos estão relacionados. Padre Leonardo concordou. — Sim, já havia escutado, respondeu rapidamente. Era difícil poder controlar a tensão que esta informação lhe trazia. Em que complô havia se metido? Por todos os lados ia encontrando cadáveres. Tanto na Alemanha como na Terra Santa. — Pode me dizer algo mais sobre os rumores que giram em torno à morte do irmão Reinhard? O abade sorriu e moveu a mão desinteressadamente.

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— Bobagem, não são mais que bobagens. Diz-se que o irmão Reinhard havia perdido a fé em Deus. Durante as últimas semanas se comportou de um modo muito reservado. Além disso, já conhece este tipo de morte. Após o martírio, foi crucificado como um traidor. — O irmão Reinhard e o cura da Wieskirche se conheciam? — Não sei, para saber disso deve consultar os especialistas da polícia. A investigação é comandada por um comissário chefe chamado Bukowski. Padre Leonardo concordou. O irmão Anselmo olhou o relógio. — Sinto muito, mas não posso continuar lhe atendendo. Tenho uma reunião urgente com o representante do município, por causa dos eventos que vamos organizar nas próximas semanas. Padre Leonardo se levantou. Ainda tinha muito para esclarecer, pensou para si, mas antes de entrar em contato com a polícia, precisaria falar urgentemente com o cardeal prefeito. E desta vez não ia deixar que o despachasse rapidamente com suas típicas reprimendas. Nesta ocasião o prefeito precisaria lhe dar uma boa explicação. BISCHOFSWIESEN, REGIÃO DE BERCHTESGADEN

A moradia de Hans Steimeier se encontrava em uma pequena rua no centro do povoado. Era uma casa branca com uma cerca em madeira de carvalho e uma grande varanda. Tom e Moshav estacionaram o Ford a certa distância junto à rua. Enquanto Moshav esperava no carro, Tom caminhava dissimuladamente em frente à casa. A porta da garagem estava aberta, mas não se via o Renault escuro. Parecia que não havia ninguém em casa, e há uma hora não passava ninguém por ali. Tom concluiu sua segunda ronda e abriu a porta do veículo. — Continua sem nada se mover, protestou, se dirigindo a Moshav. — Será longa uma noite, respondeu Moshav. Tom concordou, mas antes de entrar no carro se virou e ao longe viu o letreiro de uma padaria, no outro extremo da rua. — Estou com fome, disse. — Quer algo? Moshav recusou a oferta. Tom fechou a porta de um golpe e se dirigiu à padaria. Olhou para o interior do local através da vitrine. A loja estava deserta. Subiu os três degraus da entrada, abriu a porta e entrou. O mobile colocado em cima da porta soou com claridade. Tom esperou quase um minuto até que apareceu uma mulher idosa de cabelo branco como a neve recolhido em uma trança. Por cima do estampado vestido azul usava um avental branco. — Bom dia! Disse a mulher e olhou para Tom amavelmente. Tom devolveu o comprimento. — O que deseja? Perguntou a mulher com um forte acento da Baviera. Tom pediu duas unidades de pretzel e se decidiu por uma porção de torta de maçã que estava lhe "sorrindo" do outro lado do balcão. — Estamos de férias, comentou com a mulher para entabular conversa. — Já havia imaginado que você não é daqui, respondeu a mulher tentando ocultar seu acento. — Trabalho em Munique, meu amigo e eu queremos der uma caminhada pelo Watzmann, mas perdi o endereço de nosso guia.

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— Ah sim! Respondeu a mulher. — Chama-se Hans Steinbrecher ou algo assim. — É de Bischofswiesen? — Creio que sim, respondeu Tom. A mulher pensou por um momento. — Nesta rua temos um Hans Steimeier mas ele não guia turistas pela montanha. — Steimeier? Sim, pode ser ele. Onde mora? A mulher olhou para rua e apontou. — Esse Hans com certeza não é. Hans trabalha para um velho professor, mas não guia turistas. Não conheço nenhum Hans Steinbrecher, talvez more em Strub ou Mitterbach. Tom ficou pensativo. — Hans Steimeier... Parece-me conhecido. Deixei a anotação com o endereço no meu apartamento de Munique. Agora possivelmente precisarei voltar. — Este Hans foi um lutador muito bom. Até ganhou uma medalha nas Olimpíadas. Isso foi há um par de anos, talvez por isso reconheça o nome. A mulher colocou a porção de torta de maçã em um saquinho e a passou por cima do balcão. — Quatro euros, disse. Tom procurou moedas em seu bolso. — Então terei me enganado. — Com certeza, respondeu. — Hans cuida de um professor idoso que está numa cadeira de rodas. Encarrega-se do jardim, da casa e faz as compras. Com certeza que não tem tempo para trabalhar com turistas. Tom concordou com um sorriso. Pegou o saquinho e saiu da loja. Regressou ao carro. Com um suspiro se sentou no assento do motorista. — Estamos no caminho certo. Esse Steimeier cuida do professor que está numa cadeira de rodas. — Foi perguntar na padaria? Ficou maluco? Respondeu Moshav perplexo. — Mas você disse que não devíamos chamar a atenção! — Fui muito cuidadoso, passei por turista, respondeu Tom enquanto apanhava o pedaço de torta de maçã e lhe dava uma mordida. — Parece que ficou rico, disse Moshav. — Sim, ouviu isso? — Não, mas você está tão concentrado na sua torta de maçã que não se deu conta do carro que acaba de passar ao nosso lado, replicou Moshav e apontou através do para-brisa. O Renault negro de Steimeier havia parado diretamente na frente da casa. SCHEFFAU AM WILDEM KAISER, ÁUSTRIA

Os dois veículos VW, seguidos pelas patrulhas vermelha e brancas e de dois veículos civis se desviaram da autoestrada principal até a entrada da Karadic Air Touristik. Além de uma academia de voo para pilotos de helicóptero, aqui podiam se alugar viagens tipo charter e outras modalidades para fazer percursos nas montanhas.

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Sob o brilhante sol da tarde, os veículos pararam em frente ao edifício. Além de uma torre quadrada, um grande edifício e uma casa, o resto da área era composto por um enorme local onde não crescia grama. Em frente à casa havia um estacionamento ocupado nesse momento por três carros. Ao norte se via como as paredes rochosas do Wilder Kaiser se elevavam para o céu. A certa distância do edifício, em uma grande praça asfaltada em forma de círculo e um "H" pintado no centro, estava trabalhando num helicóptero vermelho e amarelo um homem vestido com um macacão azul. Pelo visto era mecânico, já que algumas peças do revestimento lateral estavam empilhadas ao lado da caixa de ferramentas, à altura do rotor de cauda. — O senhor Karadic nos espera, mora em Kufstein, mas nos disse que hoje estaria em seu escritório, explicou o inspetor Hagner. Bukowski concordou. — Mora alguém na casa? — Em baixo ficam os escritórios, uma sala de estar e uma cafeteria, e em cima dois apartamentos. Em um mora o mecânico que, por sua vez, mantém o recinto e o outro está disponível para os convidados. — E o piloto? — Também mora em Kufstein, mas Karadic se encarregou de que hoje estivesse aqui. Os carros pararam no estacionamento. Os policiais uniformizados tomaram posições ao redor da casa. Antes que Bukowski descesse do veículo, uma mulher ruiva, seguida por um homem de estatura mediana, cabelo negro encaracolado e bigode saíram da casa. — Karadic e sua mulher, disse Hagner apontando para as duas pessoas. — Inspetor Hagner, cumprimentou o homem de bigode ao colega austríaco. Hagner estendeu a mão, primeiro à mulher e depois ao homem. — Meu colega da Alemanha. Bukowski concordou amavelmente. Hagner tossiu. — O piloto está aqui? — Peter está na sala de estar. Verificamos o livro de registros do AW139, mas não houve nenhum voo nesse dia. — Não existe um contador de quilômetros ou algo assim no helicóptero? Comentou Bukowski enquanto mexia em seu bolso para retirar o maço de cigarros. — Aqui não pode fumar, disse a mulher enquanto apontava para o sinal de proibição junto à entrada. — O piloto sabe de algo? Perguntou Bukowski enquanto guardava com irritação o maço de cigarros. — Não falamos com ele, respondeu Karadic. — Só lhe disse que a polícia alugou um helicóptero e que ele iria pilotar. — Bem, o que esperamos? Respondeu Hagner. Karadic levou os dois policiais ao edifício, seguidos de outros dois colegas a paisana. Enquanto isso, a mulher de Karadic levava os policiais da científica ao hangar onde se alojava o AW139. — Sobretudo observem se existem marcas de sangue, um dos criminosos estava ferido, recomendou Hagner, antes que seus colegas desaparecessem com a mulher. Peter Brettschneider estava sentado na sala de estar, frente a uma fumegante xícara de café. Olhou surpreso para Karadic quando ele entrou na sala, acompanhado pelos policiais. Os dois

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agentes vestidos à paisana se postaram em silêncio junto à porta para intervir no caso de que o piloto mostrasse resistência ou quisesse fugir. Karadic sentou à mesa junto dele. — Pensei que seriam só dois polícias e agora temos aqui uma armada completa, disse Brettschneider. — Quantos querem voar? Bukowski se sentou em uma cadeira bem ao lado do piloto e lançou um olhar para Hagner, quem concordou quase desapercebidamente. — Há três dias, ao anoitecer, um helicóptero recolheu dois criminosos de Mitterbach, na região de Berchtesgadem próximo do Königssee, explicou Bukowski. — O helicóptero voou de novo em direção à fronteira austríaca. Brettschneider olhou perplexo para Bukowski. — E o que eu tenho a ver com isso? — Tratava-se do Augusta Westland, AW139, com a referência OE-ARU. Tem alguma explicação a dar? Brettschneider olhou para Karadic sem poder acreditar. — Não acha que eu tenho algo a ver com isso? Perguntou. — Quem pode ter sido? Eu não estava aqui e Helmut está no hospital, replicou Karadic. — Só restou você. Brettschneider olhou os presentes no rosto. — Eu não fui! Exclamou energicamente. Dirigiu seu olhar para a janela onde, ao longe, podia se ver como o mecânico continuava ocupado com o BK117 reparando o rotor de cauda. Bukowski observou pensativo o olhar de Brettschneider. Finalmente, ele também olhou pela janela. — Tem algum álibi para essa noite? Brettschneider se virou e olhou para sua xícara de café. — Estava só em casa. — Foi você, admita! Não tem outra opção. Brettschneider deu um golpe com a palma da mão na mesa e se levantou com tanta veemência que a cadeira caiu para trás. — Merda! Eu não apanhei ninguém, estava só em casa, completamente bêbado. Sei que existem muitos motivos para pensar que fui eu. Com certeza investigaram e conhecem a minha situação econômica, mas minha licença de voo e este trabalho é tudo o que me restou. Precisam acreditar em mim. Hagner se apoiou na mesa. — Ajudar dois criminosos perigosos não é um crime insignificante. Pode ir para a cadeia. Deveria pensar bem se vai continuar mantendo esta postura. — Juro que não fui eu, repetiu Brettschneider uma vez mais. Em sua voz podia se perceber a angústia que sentia. Enquanto isso, Bukowski havia se dirigido para a janela e observava o mecânico que continuava junto ao helicóptero e que, de vez em quando, olhava de soslaio para o hangar. — E o que pode nos dizer do mecânico? Sabe pilotar? Perguntou Bukowski. — Luigi não tem licença, disse Karadic. — Essa não foi a minha pergunta, respondeu Bukowski. — Consegue voar? Brettschneider se virou. — Luigi sabe voar sim, andou comigo um par de vezes e lhe permiti comandar. — Luigi Calabrese, Hagner leu um documento da pasta que lhe deu um dos policiais a paisana. — Solteiro, tem quarenta anos e mora aqui. — É de todo serviço, trabalha como mecânico, porteiro e jardineiro, explicou Karadic. Bukowski se levantou. — Gostaria de falar com ele.

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— Quer que eu vá consigo? Perguntou Karadic. Bukowski negou com a cabeça. — Dê-me dez minutos, disse a Hagner.

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CAPÍTULO 44 BISCHOFSWIESEN, REGIÃO DE BERCHTESGADEN

Progressivamente o sol havia se posto. Tom estava sentado no assento do motorista e escutava música no rádio. Moshav dava algumas cabeçadas. Até o momento não havia acontecido nada, a casa de Steimeier adquirira uma cor avermelhada por causa do sol descendente, o carro continuava estacionado na rua. Tom pensava. Há uns minutos havia terminado de falar ao telefone com Yaara, que lhe informara do que havia descoberto através do professor Molière. Contou-lhe que na tumba do templário se achava supostamente o legado de Deus. Tratava-se de um segredo que não só poria em perigo à Igreja católica, mas também a qualquer religião que adorasse Jesus Cristo como filho de Deus. O que conteriam esses escritos que esperaram quase mil anos para serem descobertos, enterrados em uns recipientes de argila dentro de uma tumba na Terra Santa? Para Tom já havia ficado claro que por esses escritos havia se derramado muito sangue. O sangue de Gina, o sangue do professor Jonatham Hawke e talvez até o sangue de Chaim Raful, e talvez de Jungblut se não estivesse mais vivo. E quem sabe, não havia se derramado muito mais sangue ao longo dos séculos e que continuariam provocando mortes no futuro. Os escritos ficaram enterrados mil anos no sarcófago do templário, mas haviam pessoas que não os esqueceram e que continuavam tentando chegar ao segredo que se ocultava naqueles rolos. Tom sabia que precisava ser muito prudente. Uma vez mais advertiu Yaara para que não falasse com ninguém sobre o acontecido. Pediu que se refugiasse com Jean na pequena pensão, que se dedicasse a estudar o manuscrito de Molière e que procurasse indícios que pudessem ser relevantes. Yaara propôs a ideia de voar no dia seguinte para Munique, junto com Jean, mas Tom rechaçou completamente essa opção. Sentiria-se muito melhor se soubesse que Yaara estava segura em Paris. Tom encarregou Jean pelo telefone de que cuidasse bem de sua garota. Durante os últimos minutos Tom não parara de dar voltas na história de Raful, mas, apesar disso, lhe vinha à mente constantemente o rosto de Yaara. Cada vez mais tinha certeza de que estava profundamente apaixonado por ela e que não queria perdê-la nunca jamais. Só poderiam voltar a se sentir bem depois de encontrar Raful ou Jungblut e quando fossem publicados os controvertidos escritos. Então iria perguntar a Yaara se queria se casar com ele. Com Yaara sentia a tranquilidade de poder ter uma família. Com sua formação encontraria um trabalho que lhe permitisse ter que parar de viajar e poder formar uma família em algum lugar do mundo, inclusive em Israel. Enquanto Tom sonhava acordado olhando para o teto do carro alugado, do lado de fora havia passado um veículo ao seu lado. — Em quem está pensando? Com certeza em Yaara. O comentário de Moshav o fez despertar. Tom estremeceu. — Como sabe...? Moshav apontou através da janela do veículo. — Porque nem se deu conta de que Steimeier acaba de passar ao nosso lado, respondeu Moshav. — Agora acelere, antes que lhe o percamos. SCHEFFAU AM WILDEM KAISER, ÁUSTRIA

Bukowski se dirigiu lentamente para o mecânico que continuava ocupado com o reparo no rotor de cauda do helicóptero. O homem não se deu conta de que Bukowski se aproximava, já que

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continuava atento ao que acontecia no hangar onde a Polícia Científica estava procurando impressões de sangue e outras secreções dos criminosos que haviam fugido no segundo helicóptero da empresa Karadic Air Touristik. Em silêncio, Bukowski parou ao lado do mecânico. — Com um simples cabelo que rapazes encontrem, tocará a você ser investigado. Ajudar ou favorecer a fuga de criminosos tão perigosos, dá, no mínimo, cinco anos de prisão, se não mais. O mecânico chamado Luigi se levantou e se virou. — Deve pensar bem no que vai dizer, recomendou Bukowski. Os olhos de Luigi percorreram lentamente o trajeto entre o helicóptero e o policial. — Por que... Eu... Por que...? O mecânico gaguejou, seu nervosismo não passava desapercebido. — Por que voou? Quanto pagaram? Perguntou Bukowski. O mecânico olhou para o chão. — Vamos homem! Gostaria de passar uma longa temporada na prisão? O fixo olhar de Bukowski deixou ainda mais nervoso o homem de macacão azul. — Acalme a sua consciência! Prosseguiu Bukowski. Tinha a impressão de que o mecânico precisava um pequeno impulso para confessar. O homem deixou cair ao chão a chave-de-fenda e esfregou o rosto com as mãos. — Eu sou o culpado, afirmou finalmente, soando como uma liberação. — Ofereceram-me dez mil euros. — Quem entrou em contato com você? O homem pensou por um momento, em seguida suspirou. — Jogo pôquer em Kufstein, no Beach Club Miami. Ultimamente não tenho me saído muito bem. Os rapazes a quem devo dinheiro não andam com bobagens. Então recebi um telefonema de um francês. Pelo visto me conhecia e se chamava Jean ou algo parecido. Sabia bastante da minha vida e disse que me pagaria quando os apanhasse. Contou-me que um par de amigos deles estavam retidos próximo do Königssee. Era um pouco ilegal, mas me ocultou o verdadeiro motivo. Eu tampouco perguntei. Explicou-me que não era muito recomendável fazer muitas perguntas. Ao princípio rechacei a oferta mas não parou de insistir até que concordei. — Para onde levou esses dois tipos? — Apanhei-os em uma casa e cruzamos a fronteira. O ponto de aterrissagem foi a dois quilômetros a oeste de Sankt Johann, no meio do prado. Ali um carro os esperava. — Pode descrever os dois homens que recolheu de Mitterbach? O mecânico concordou. — Um era alto e magro, tinha o rosto desfigurado. O outro era pequeno e forte, como um boxeador. O mais alto tinha uma venda ao redor do pescoço. — E quem os recolheu ao aterrissar? — Depois de tocar o chão, o motorista se dirigiu para mim e me deu o dinheiro. Não vi o homem do carro. — Pode descrever o veículo? Luigi fez um gesto negativo. — Fizeram uma cruz no prado com fogo. O carro estava parado do outro lado e iluminava a área. Era uma van, não pude ver mais. — A placa? Luigi deu de ombros. — O que vai acontecer agora? Perguntou o mecânico. Bukowski grunhiu. — Com certeza será detido, o resto será decidido pelo juiz. Tem licença para voar? Luigi negou com a cabeça. — Mas assim mesmo, voou. — Há trinta anos trabalho com helicópteros. Conheço-os por dentro e por fora. Posso desmontar e voltar a montá-los sem problemas. Por que não iria saber pilotar? Bukowski sorriu. Acreditava no homem de macacão azul. Não sabia de nada mais.

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BISCHOFSWIESEN, ROSTWALD, POR BAIXO DA FORTALEZA KÄLBERSTEIN

Através de um estreito caminho, plano no princípio e posteriormente pedregoso, percorriam um bosque. Era uma noite sem lua. O Renault ia meio quilômetro à frente deles, por isso haviam apagado as luzes do veículo. Precisaram esperar duas horas na frente da casa de Hans até que o corpulento homem voltasse a sair com o veículo em direção a Stangrass. — Tenha cuidado, guarde distância! Advertiu Moshav. O bosque se espessava e Tom acelerou. Por todos os lados havia caminhos de bifurcação, se o Renault entrasse por algum deles o perderiam. Só de vez em quando viam através dos troncos, as luzes traseiras do veículo que seguiam. Havia pouca separação entre as árvores. Após uma longa subida, desceram uma breve curva. Ainda podiam se ver ao longe as luzes do Renault. — Está freando, disse Moshav. Tom também freou. Uns segundos mais tarde as luzes desapareceram. — Parou, disse Tom. — Ou virou. Tom suspirou. — Vamos deixar o carro aqui e prosseguirmos a pé. — Não pode deixar o carro aqui, quando ele regressar, vai vê-lo. Tom pensou por um momento, Moshav tinha razão. Continuou avançando lentamente até que à direita divisou outro caminho. Tom estimava que ainda distavam uns trezentos metros do lugar onde havia parado o Renault. Virou no caminho da direita e em poucos metros parou o carro. — Vamos! Desceram com muito cuidado. Fecharam as portas silenciosamente e se dirigiram ao caminho por onde vieram. Na escuridão apenas podiam se distinguir as árvores. Moshav tropeçou em um galho e caiu. Dizendo palavrões se levantou de novo. — Machucou-se? Sussurrou Tom. Moshav respondeu negativamente com a cabeça, mas Tom não viu. — Deveríamos ter trazido uma lanterna, protestou Moshav em voz baixa. — Também poderíamos falar aos gritos, ironizou Tom. Com muito cuidado e silenciosamente andaram pelo caminho do bosque até que chegaram a outro caminho que virava para a esquerda. Depois havia uma forte descida. Ao longe não podia se ver nenhum carro. — Vamos por esse desvio, decidiu Tom. — Se tivesse continuado teríamos visto as luzes. Moshav grunhiu. Cuidadosamente continuaram avançando. Após uma pronunciada curva, chegaram a uma clareira do bosque. Tom olhou para o céu e notou as brilhantes estrelas. O carro de Steimeier estava estacionado à esquerda. Seu contorno se reconhecia com facilidade e até uma grande cabana situada ao final do terreno podia ser vista sem dificuldade entre a

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escuridão. Tom e Moshav se aproximaram silenciosamente. De lá não saía nenhuma luz. As janelas estavam bem seladas ou haviam apagado a luz do interior. — Teriam se dado conta de nossa presença? Tom ficou de pé na frente do caminho que levava à entrada da cabana. Sentia a respiração de Moshav nas suas costas. — O que faremos agora? Sussurrou Moshav. De repente, junto a eles se acendeu uma lanterna. Tom precisou fechar os olhos pelo clarão da repentina luz. — Parados! Disse uma sonora voz. — Tenho uma escopeta na mão. É suficiente para os dois. Tom levantou as mãos e mostrou que estavam vazias. — Somos... Estamos procurando o professor Chaim Raful, trabalhamos com ele em Jerusalém, tentou explicar Tom. — Chamo-me Tom Stein e meu companheiro é Moshav Livney, replicou Tom. — Pergunte ao professor. — Chaim Raful está morto! Respondeu o homem. — Foi assassinado. — Escute-me senhor Steimeier, se chama assim, não é? Respondeu Tom decididamente. — Descobrimos em Jerusalém a tumba de um templário. Pouco depois Raful desapareceu, e levou consigo duas ânforas que, acreditamos, continham velhos escritos. Então, explodiu o inferno. Assassinaram uma colega, pouco depois aconteceu um fatal acidente, que acho que foi provocado. E finalmente morreu nosso diretor, o professor Jonatham Hawke. Também foi assassinado. Desde então, nos perseguem. Não teríamos feito esta longa viagem lá de Israel para que nos trate assim. Estamos armados e só poderá disparar contra um. — Deixe-os passar! Exclamou uma frágil voz do interior da cabana. — Primero entreguem as armas, exigiu a voz grave. — Com um simples movimento em falso eu atiro, entendido? — Não temos nenhuma arma, disse isso para impressionar, respondeu Tom. — Vou atirar na cabeça, maldisse o homem. — As armas, vamos! — Hans, pare, disse de novo a frágil voz. Finalmente se acendeu uma luz na casa. Uma cálida luz que brilhava vinda de uma lâmpada a óleo. Na área da entrada da cabana podiam se observar as impressões de uma cadeira de rodas. Pouco a pouco, Tom e Moshav continuaram, iluminados pela luz da lanterna. A escopeta ainda estava apontando para eles. — Quietos! Tom parou e Moshav ficou petrificado. O enrugado rosto de um ancião numa cadeira de rodas, rodeada por um estropeado e despenteado cabelo branco, podia ser visto cada vez melhor entre a penumbra. — Você é o professor Jungblut, amigo de Chaim Raful, disse Tom. — E você é Tom Stein, respondeu o ancião. —Conheci-o há um par de anos, participou das escavações próximo de Assjut, no Egito. Jonatham Hawke também era o diretor. Estive ali um par de dias, então não estava em cadeira de rodas. Tom pensou por um momento. Recordava bem as escavações de Assjut mas não conseguia se lembrar da presença do professor. O homem na cadeira de rodas se afastou para o lado e disse: — Entrem!

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— Estivemos na sua casa, foi arrombada. — Eu sei, respondeu o professor. — Há já alguns dias estou escondido neste bosque. Desde que o velho Raful apareceu em minha casa, tudo ao meu ao redor desmoronou. Se não fosse por Hans, há tempos que estaria morto. — Soube do assassinato de Watzmann? Perguntou Moshav. O ancião concordou silenciosamente e olhou com olhos tristes para o chão. — Suponho que seja o Chaim. Pegaram-no. — Por que não foi à polícia? Perguntou Tom surpreso. — Escute-me, sou judeu, respondeu o ancião em cadeira de rodas. — Estou vivendo neste país há mais de trinta anos mas não confio nas autoridades. Não posso apagar o passado tão facilmente da memória. Além disso, não estou certo de que o morto seja Chaim Raful. Iria ficar com uma jornalista na Suíça, mas desde então desapareceu e não soube mais nada dele. Precisei jurar que não falaria, ainda que soubesse o conteúdo da tumba do templário. — É o legado de Deus, se não estou errado. O homem idoso olhou para Tom com olhos assustados. — É muito mais que isso. Esse documento é tão explosivo quanto uma bomba atômica. — Foram seguidos por alguém? Perguntou Steimeier. Tom deu de ombros. — Estamos sós, unicamente uma amiga sabe que estamos aqui. — Está próxima daqui? — Não, em Paris, em um lugar seguro. MUNIQUE, UNIDADE DE CRIME ORGANIZADO DA BAVIERA, BRIGADA 63

Lisa já havia tomado dois comprimidos para aliviar a dor de cabeça e havia esfregado as olheiras com água gasosa. Um remédio caseiro de sua avó. De fato, já começava a se sentir melhor. Depois de Bukowski ir para Áustria, ficara no escritório e decidira se entregar à verificação de todos os desaparecidos, mas até agora não havia obtido nenhum resultado positivo. Eram pouco mais das seis horas, e nas ruas de Munique, brilhava um cálido sol. Só se divisavam umas ligeiras nuvens aqui e ali no céu azul. Esperava que Bukowski já tivesse chegado, mas ele ainda não havia retornado de Salzburgo. Fechou a pasta e se levantou. Amanhã continuaria se dedicando a essas pastas. Quando estava pondo seu fino casaco de verão, que havia deixado pendurado no respaldo da cadeira, bateram na porta. — Entre! Replicou. Um colega uniformizado entrou na sala. — Pediu que lhe informassem se voltasse a acontecer algo próximo de Berchtesgaden. — Eu? — Você ou o comissário chefe. Assentiu. — O que aconteceu? — Arrombaram a casa de um professor universitário aposentado. O carteiro descobriu e informou. Desde então o professor está em paradeiro desconhecido. — Um homem idoso? Respondeu Lisa interessada. — Ao redor de oitenta anos. Os colegas de Berchtesgadem esperam que retorne a ligação. — Encarregar-me-ei imediatamente do assunto. — Ainda tem algo mais, disse o policial. Lisa olhou-o cheia de curiosidade.

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— Próximo do lugar dos fatos um carro prateado chamou a atenção. Verificamos a placa, se trata de um carro alugado em nome de um tal Thomas Stein de Gelsenkirchen. Até a data não tem antecedentes. Lisa se sentou junto à mesa e apanhou o telefone. — Muito obrigado. Encarregarei-me imediatamente disso.

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CAPÍTULO 45 BASÍLICA SACRÉ-COEUR EM MONTMARTRE, PARIS

A basílica Sacré-Coeur na Rue Chevalier de Barre parecia um edifício das mil e uma noites por causa das suas pequenas torres e cúpula. Com o entardecer a branca fachada brilhava em tons avermelhados. As nuvens que haviam coberto Paris até bem entrada a tarde acabavam de se retirar. Esporadicamente se levantava uma neblina, vindo da humidade em evaporação. O Cardeal Borghese gostava destas tardes em que, pelas ruas e ruelas da cidade, corria uma fresca brisa jogando para um lado o ar contaminado das grandes avenidas. Mas não podia desfrutar completamente da tarde, ainda que aparentemente tudo caminhasse segundo o previsto. Sentou-se no banco de um pequeno jardim junto à basílica que previamente havia secado com um lenço. Olhou para cima olhando a brilhante cúpula. — Tudo está sob controle, nossos homens desapareceram, disse pérre Benoit que usava um traje escuro em cujo paletó, bem ao lado do escudo familiar, se ressaltavam duas espadas cruzadas sobre um lírio branco. — Já é hora de acabar com este assunto para que reine a tranquilidade de uma vez por todas. — Não é uma tarefa fácil, replicou o cardeal Borghese. — Levantou-se muita poeira. Não só a polícia, mas também o cardeal prefeito começaram a suspeitar. Precisamos acabar com isto. — A garota está segura, veio a Paris visitar o velho Molière. Passou toda a noite em sua casa. — Pelo visto ele lhe revelou todo seu conhecimento sobre os templários. — Conhecimento? Ressaltou Benoit ironicamente. — Esse velho extravagante vive em seu próprio mundo de especulações e meias verdades. Por que nunca publicou seu livro? Sua obra, como ele mesmo diz, nunca superaria um debate científico. Tem medo que derrubem suas teorias infundadas e se converta na piada dos historiadores. — Teorias? — Às vezes as especulações se confundem com a realidade. Na realidade não importa o que realmente tenha acontecido, mas sim no que o mundo quer acreditar. Nossa Igreja tem bases firmes. Milhões de pessoas acreditam no Salvador. Sabe que está brincando com fogo. — Mas também sabe como está próximo da realidade. Benoit sorriu e rechaçou a objeção do cardeal com a mão. — Não merece que nos ocupemos mais dele. Toda sua vida está marcada por incongruências. Começou muitos caminhos, mas não terminou nenhum. O cardeal se levantou. Benoit o seguiu. Caminharam com pés pesados pelo jardim. — Desta vez nossos homens acabarão o que começaram. — Querido irmão em Cristo, respondeu Borghese, — Que Deus o ouça! Vamos à basílica rezar. Já se passaram quase mil anos e os guardiães ainda precisam se proteger. Descuidamo-nos, não podíamos ter deixado que isso fosse tão longe. — E o que faremos com o prefeito? Perguntou Benoit. — Não podemos confiar nele. Encarregou um jovem padre para investigar o assunto, um jovenzinho que nem sequer saiu da casca. A juventude é muito inconsciente e aceita tudo muito rápido. — Por isso existem os guardiães, precisam proteger o legado frente ao que acontece ao longo dos séculos. — E quem restará depois de nós? Perguntou o cardeal.

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— Depois de nós não haverá nada, replicou Benoit. — Quando tenhamos os rolos em nossas mãos, jogaremos nas chamas. Ninguém voltará a vê-los. Nossa missão, honorável irmão, terá terminado de uma vez por todas. O Cardeal Borghese suspirou. — O Senhor é nosso pastor, ele nos guiará nos tempos bons e ruins, até que todos nós olhemos através dele para a eternidade. — Amém! Adicionou Benoit antes de entrar pelo portão lateral da basílica de Sacré-Coeur. MUNIQUE, UNIDADE DE CRIME ORGANIZADO DA BAVIERA, BRIGADA 63

Bukowski retornou da Áustria ao redor das nove horas. Enquanto isso, Lisa ordenara a apreensão do Ford prateado com placa de Munique, relacionado com o roubo da casa do professor Jungblut na região de Berchtesgaden. Os policiais da unidade regional estavam verificando os registros das pensões da área do Königssee. Saberiam em seguida se esses dois homens que a vizinha viu no carro, se alojaram por ali fazendo uso do nome de Thomas Stein. — O que está fazendo aqui tão tarde? Perguntou Bukowski, surpreso ao entrar no escritório e ver Lisa. Sua colega lhe informou das descobertas realizadas. Bukowski se sentou e olhou as horas. — Então, esta noite também será longa. — Que notícias você trouxe da Áustria? Perguntou Lisa. Bukowski contou como o mecânico italiano havia recolhido os dois assassinos em Mitterbach sem conhecer a periculosidade da carga que transportava. — Acreditou nele? Perguntou Lisa. — Creio que disse a verdade. Ficou por esclarecer quem o contratou. A ligação veio efetivamente da França. Verificamos na empresa de telefones e se trata de uma conexão do sul da França. Um celular sem registro de proprietário. Não acredito que possamos avançar mais nesta direção. — Acha que ligaram para o piloto do sul da França e sem mais, este partiu com o helicóptero? É um pouco estranho, não é? Bukowski apanhou a pasta do sumário e passou a Lisa a ata da tomada de depoimento. — Não é a primeira vez que o faz, explicou Bukowski. — É um jogador e bastante ruim, por certo. Após o interrogatório dos austríacos, reconheceu que voou ilegalmente em várias ocasiões. Tem levado pessoas da Áustria para a Alemanha e vice-versa. Em outras ocasiões também transportou volumes. Não faz perguntas, o importante é que seja bem pago e possa saldar suas dívidas de jogo. — E os outros, não haviam se dado conta de nada? — Karadic ficou totalmente desconcertado quando soube. Não acredito que tivesse a menor ideia das atividades paralelas de seu mecânico. Luigi Calabrese mora no local, que é afastado do povoado em um pequeno vale. Se não se passar casualmente por ali não saberá se um helicóptero levanta voo ou aterrissa. — Bom, vamos acreditar, respondeu Lisa depois de ler rapidamente a declaração do mecânico. — Agora toca a você, adicionou Bukowski. — O que aconteceu exatamente? — Já lhe disse. Uma mulher notou algo suspeito, viu dois homens em uma estrada na pequena localidade de Strub.

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— Trata-se dos assassinos que escaparam? — Segundo a descrição, não, mas imediatamente me fez pensar em sua teoria. Nessa rua vive um velho professor universitário que se chama Jungblut, se lembra? Bukowski negou com a cabeça. — Uma vez lhe mostrei uma foto dele, retirada da internet, junto a um dos padres que assassinaram e outro professor de Israel. Bukowski pensou um momento, começava a se lembrar da foto. Passou a mão pela testa. — Não me contou que Jungblut tinha morrido? — Aparecia isso na página da internet, mas era uma falsa notícia. Na realidade teve um infarto, mas sobreviveu. Agora está numa cadeira de rodas. — Continue! — Como lhe disse, sua casa se encontra na rua onde viram os suspeitos e ladrões entraram na casa. Do professor não se sabe nada, está desaparecido. Bukowski inalou profundamente. — Poderia ser o cadáver de Watzmann? — Os colegas da científica estão na casa recolhendo impressões datiloscópicas e procurando material de DNA, mas acho que não é quem assassinaram. Com certeza o legista teria se dado conta e Jungblut tem mais de oitenta anos. Não obstante, se dedicava as línguas antigas da Judeia, é um especialista da história cristã de Israel. Bukowski golpeou com o punho na mesa. — Assim o círculo se fecha. Temos indícios de que o professor tenha sido sequestrado? Lisa negou. — Revistaram todos os armários da casa, desmontaram até o sofá. Segundo os colegas da científica parece como se uma bomba tivesse explodido lá dentro, mas não existem indícios de violência. Não encontraram manchas de sangue, nem sinais de luta. Parece que o professor já havia fugido. — Mas é inválido, não é? — Está numa cadeira de rodas, mas um homem cuida dele. Um antigo medalhista olímpico de Bischofswiesen. A polícia de Bischofswiesen está procurando-o. — E o que esperamos? Disse Bukowski. — O que estou esperando? Respondeu Lisa um pouco irritada e lançou para Bukowski as chaves do carro. CABANA DE ROSTWALD PRÓXIMO DE BISCHOFSWIESEN, REGIÃO DE BERCHTESGADEN

Em um velho sofá cheio de furos Tom e Moshav descansavam. Na fraca luz das duas lâmpadas de querosene olhavam para os sagazes e vivos olhos do ancião, sentado em frente a eles em sua cadeira de rodas. Tom informou-o com todos os detalhes os acontecimentos da Terra Santa, quando Chaim Raful desapareceu com o conteúdo do sarcófago: a morte de Gina Andreotti; os acidentes no recinto das escavações; as minas antitanque; o assassinato do professor Jonatham Hawke no Vale do Cedro e os perseguidores de Jerusalém. O professor escutou atentamente. — Estou certo de que Chaim não desejava que acontecesse nada disto. Provavelmente não pensou bem quando fugiu de Israel. Tom torceu o rosto. — Devia ter nos advertido e em vez disso desapareceu nos deixando sozinhos.

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— Se viu obrigado a desaparecer, estavam muito próximo dele, quase o pegaram. Steimeier entrou no aposento. — Do lado de fora está tranquilo, ninguém os seguiu. O ancião concordou. — Sabem quem está por trás de tudo isto? Tom expressou sua negativa. — Pegamos um de nossos perseguidores. Disse que haviam muitas pessoas interessadas nos documentos da tumba e que pagariam milhões por eles. Algo assim é atraente para qualquer ladrão daqui até Jerusalém. O velho homem concordou em silêncio e apontou ao copo de água meio cheio que se encontrava sobre a mesa. — Você é cristão? Perguntou a Tom. — Não posso dizer que vá muito à Igreja, mas cresci na religião cristã. — Vê o copo? — Sim, um copo de vidro, e daí? Respondeu Tom. — Não! Está errado. Não é um copo qualquer, é o Santo Graal e o líquido que contem é o sangue de Jesus Cristo. — Não entendo, quer fazer algum teste? — Não, você simplesmente precisa acreditar. — Preciso acreditar que esse copo é o Santo Graal? Não está indo muito longe? O ancião sorriu. — Efetivamente, respondeu. — Estou fazendo simplesmente o que sua Igreja faz com você. Pretende convencer aos seus seguidores mediante a força da fé. Com lendas e imagens que todos nós devemos aceitar como fatos reais. Tom apontou o copo. — De fato não é mais que um copo. — Muito bem, vejo que entendeu o que quero dizer. Tom mostrou sua confusão. — Quer dizer que a Igreja está atrás de todos os ataques e assassinatos? — Não a Igreja em seu conjunto, mas sim alguns de seus mais fiéis seguidores. — Isso atenta contra qualquer filosofia moderna sobre a fé e a religião, contradisse Tom. — Já não estamos mais na Idade Média. — Mas o que havia na tumba? Perguntou Moshav depois de um tempo de silêncio. O ancião bebeu um gole do copo d'água. Olhou para o grande lutador colocado junto à porta. — O que pensa Hans, podemos revelar o nosso segredo? Hans Steimeier deu de ombros. O ancião se dirigiu até um canto do aposento com a cadeira de rodas e apanhou um maço de papel. Em seguida, regressou à mesa. — Não foi fácil decifrar o texto antigo, era um dialeto nasoreano. Custou-nos muito trabalho. Finalmente conseguimos traduzir a sua maior parte. Com certeza os originais já estão em um lugar protegido. Tom estava intrigado. — Chaim Raful sabia onde tínhamos que procurar os escritos. A legião romana foi só uma desculpa. — Certo, meu filho, confirmou Jungblut. — Chaim adquiriu em um bazar de Damasco um par de fragmentos de um documento muito antigo. Estava escrito em couro de cabra, e o enviou a que um par de especialistas da Universidade o analisou. Os fragmentos eram da época das primeiras cruzadas. Durante as tarefas de investigação conheceu dois autênticos peritos em línguas antigas. Pertenciam à Igreja católica, eram investigadores da École, aquela escola dominicana responsável pelas escavações de Qumran. Confiou neles porque, como ele, procuravam a verdade. Já que Chaim odiava desde o mais profundo de seu ser à Igreja Romana desenvolveu uma profunda amizade com esses eclesiásticos. Ajudaram-no a traduzir aqueles

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fragmentos e por isso pagaram com a vida. Um deles foi brutalmente assassinado e crucificado como um traidor. É um claro indício que evidencia quem se encontre por trás dos fatos. Tom não entendeu. — Não crucificaram também o morto de Watzmann? — Exato, meu filho. Por isso ainda tenho a esperança de que não se trate de meu bom amigo Chaim. Steimeier abriu a porta. — Vou fazer uma ronda, comentou. Jungblut concordou. — Apesar dos assassinatos, meu velho amigo de Telavive obteve a informação que perseguia, prosseguiu o ancião, — Mas insuficiente. A área era ampla, enorme, e decidiu começar a escavação no Vale do Cedro. Há tempos havia se descoberto ali uma guarnição romana, mas Chaim sabia que podia se tratar do depósito da décima legião, alojada neste recinto durante a época de Jesus Cristo. Conseguiu convencer o decano da Universidade a realizar uma escavação da área. Encontrou inclusive alguns patrocinadores que se encarregaram dos custos. O mais difícil era manter a Igreja afastada para que não participasse das escavações, por isso contratou como diretor das escavações um professor de reconhecido prestigio, Jonatham Hawke. Na noite quando foi descoberta a tumba, ele me ligou e disse que por fim podia cumprir seu juramento. Ia se vingar dos responsáveis pela morte de sua família durante o Terceiro Reich. Vocês devem saber que durante a época nazista perdeu o pai, a mãe e irmã em um campo de concentração. Só ele sobreviveu. Cresceu em uma família adotiva em Israel. A Igreja não só lhe roubou a família, mas que também destruiu a sua infância. O professor olhou para a garrafa de água do armário. Tom entendeu o que desejava, se levantou e encheu o copo. — É uma longa história, espero não aborrecer você e a seu amigo. GENTILLY, PENSÃO TISSOT, FRANÇA

Yaara havia conseguido chegar até a página seiscentos do manuscrito de Molière. Estava fascinada com o escrito. Molière apresentava suas teses fundamentadas solidamente. Cada afirmação era corroborada com duas e até três provas. A vida dos templários era realmente intrigante e enigmática. Converteram-se em uma poderosa ordem, até o papa precisou se submeter a eles. Yaara tinha vontade de continuar lendo as restantes quinhentas páginas. Bem entrada a tarde, o céu de Paris se abriu e o sol brilhou durante um par de horas. Jean não havia errado. Efetivamente valia a pena visitar a cidade. Durante horas caminharam pelas ruelas parisianas até as pernas doerem e param para descansar em uma cafeteria próximo de Montmartre. Na volta, Yaara caíra exausta na cama e ficara profundamente adormecida depois de umas quantas folhas. Despertou empapada em suor. Sua respiração havia acelerado como um trem a toda velocidade em uma reta. Gotas de suor corriam por sua fronte. Apertou o interruptor da luz. Conseguiu se acalmar um pouco quando a luz se acendeu e recuperou a consciência. Continuava esfregando o rosto sem conseguir entender nada. Vira a morte de Tom no sonho. Tudo estava inundado em sangue. O coração batia com tanta força que parecia que ia sair pela boa. Nervosa procurou o telefone.

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CAPÍTULO 46 CABANA DE ROSTWALD PRÓXIMO DE BISCHOFSWIESEN, REGIÃO DE BERCHTESGADEN

Tom esperou intrigado até que o professor Jungblut encontrou uma cômoda e relaxada posição em sua cadeira de rodas. Seu corpo caía ligeiramente para a esquerda. Apoiou-se no braço esquerdo e tossiu. — Jovem, graças a sua ajuda se pôde decifrar um enigma de dois mil anos e haverá muita gente que não vai gostar. O que você sabe de Jesus Cristo, o Salvador, como o chamam em sua religião? Tom cruzou os braços na frente do peito. — Jesus Cristo, o filho de Deus, foi enviado à terra para nos liberar de todos os nossos pecados e nos lembrar da ressurreição após a morte. Foi crucificado por todos nós, porque este mundo ainda não está preparado para entender seus ensinamentos. O professor Jungblut sorriu. — Essa é a interpretação bíblica prescrita pela Igreja Católica a todos os grupos religiosos derivados desta, mas a Igreja não coloca todos os fatos na mesa. Não lhe interessa que exista algum debate científico sobre este tema. Mais ainda, há séculos, sabota qualquer tentativa de jogar luz sobre a vida de Jesus Cristo ou Jehoshua ben Joseph, que existiu realmente. Não é nenhum produto da fantasia, é real, mas a história em torno da sua vida foi profundamente modificada e glorificada de forma irreal para fazer as pessoas acreditarem que era alguém especial. Os rolos escritos da tumba do templário demonstram que os cristãos há dois mil anos acreditam numa mentira. Tom franziu fortemente o cenho. — Uma mentira! Jesus é uma invenção da Igreja? — O Jesus em que você crê, sim é. A primeira contradição começa na história de seu nascimento. É chamado de Jesus de Nazaré, mas a dita cidade fazia parte da antiga Galileia. Ele nasceu no país da Judeia, a uns 150 quilômetros ao sul da cidade onde se supõe que cresceu. Naquela época a Judeia era dominada por um procurador romano enquanto que na Galileia reinava Herodes Antipas. Por que uma mulher em avançado estado de gravidez, iria empreender uma dura viagem ao estrangeiro e que poderia durar semanas? A Bíblia se baseia em uma história popular, mas não existe nenhuma prova do ponto de vista histórico. — A Galileia também se encontrava sob a influência de Roma, interveio Moshav. O professor concordou. — Acaso existe algo naquela era que não se encontrara sob o domínio romano? Mas os romanos se mantinham, em sua maior parte, fora dos assuntos sociais e religiosos dos países que ocupavam. Era uma de suas receitas de êxito para conservar uma longa e duradoura soberania. "Gallia est omnis divisa in partes tres", aparece na obra DE BELLO GALLICO de César. O antigo país abarcava três partes. Na Galileia e Cesárea de Filipo reinavam autocratas como Herodes Antipas ou Phillipus; ao este se encontrava Decápolis, o Império das dez cidades. A simples organização política faz com que não tenha sentido a viagem bíblica de José e Maria. Existe uma versão antiga que diz que o novo rei dos judeus nasceu em Belém e que se tratava de um homem da estirpe de David. De fato, a origem de José é de uma família real, do mesmo modo que seu filho Jehoshua era de sangue real. — Tudo isso está bem, interrompeu Tom, — Mas não acho que na tumba se encontrava a certidão de nascimento de Jesus. — Querido amigo, precisa ter mais paciência, animou o professor. — Só quero lhe transmitir um pouco de sabedoria. Posteriormente você pensará sobre ela e tomará suas próprias

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decisões. A porta se abriu de repente. Hans Steimeier havia voltado de sua ronda. Dirigiu-se à cozinha e encheu um copo d'água. — Do lado de fora está tudo tranquilo, pouco a pouco começa a esfriar. O professor se virou. — Com certeza os nossos convidados têm fome e sede. Deveríamos ser bons anfitriões. Hans Steimeier abriu a porta da pequena geladeira. — Tenho pão, presunto e água. Não tem outra coisa na cabana. A barriga de Tom soou. — Não direi não, respondeu. STRUB, REGIÃO DE BERCHTESGADEN

Bukowski apanhou a destruída almofada e a jogou no sofá, também tão revirado que ninguém poderia sentar. Haviam rasgado e esvaziado no chão todas as almofadas do assento. — Estragaram bastante, afirmou Lisa ironicamente enquanto olhava ao seu redor. — Todos os aposentos estão assim, respondeu o funcionário judicial de Garmisch. — Deviam estar procurando algo que não é muito grande, comentou Bukowski. — Obtivemos impressões digitais na janela traseira, informou o policial. — Até agora não encontramos nenhuma coincidência em nosso sistema, mas quando pegarmos os suspeitos será fácil lhes atribuir o crime graças às impressões. — E aqui na sala? O oficial judicial deu de ombros. — Encontraram impressões digitais aqui também? — Só na janela dos fundos, aqui dentro não. Ou limparam ou estavam de luvas. Bukowski franziu a testa. — Que estranho! E por que na janela? — Perdão? — Lisa, se dirigiu Bukowski a seu colega, — Faça com que remetam todos os dados sobre nossos assassinos aos companheiros locais. Lisa concordou. — Segundo a descrição dos dois tipos que viram na rua, se tratam de pessoas diferentes das que nós estamos procurando. — Já sei, respondeu Bukowski desanimado. — Quem foi recolhido de helicóptero precisa ter bons contatos. — Claro, respondeu. — A busca está em andamento? Perguntou Bukowski ao seu colega. — Pontos de controle e patrulhas. Todos os policiais desde Königssee até a fronteira estão informados. Bukowski saiu da sala, foi para fora da casa e acendeu um cigarro. Lisa o acompanhou. — Pensa que esses tipos pertencem à mesma gangue que o diabo e seu cúmplice? Bukowski soltou a fumaça lentamente. — Não estou completamente certo. Até que saibamos o que aconteceu realmente, só podemos especular. — Sim, já sei, suspirou Lisa e esfregou seus cansados olhos.

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CASA DO CARDEAL DÖPFNER, FREISING, MUNIQUE

Padre Leonardo soubera o suficiente. Quis falar imediatamente com os responsáveis da polícia, para saber com mais detalhes sobre os assassinatos da Baviera, mas seus esforços não tiveram êxito. A Direção Geral da Polícia Judiciária havia se encarregado do caso e o oficial responsável não estava disponível. Deixou-se cair no sofá quando de repente soou o telefone. Atendeu. O irmão Ricardo do Escritório Eclesiástico para a Antiguidade estava ao aparelho. Um companheiro a quem informara sobre seus achados na biblioteca do Vaticano. O irmão Ricardo não era precisamente o mais inteligente, mas podia confiar nele. Sempre executava os encargos cuidadosa e discretamente. A conversa durou uns minutos. Quando Padre Leonardo desligou o telefone esfregou seu espesso cabelo negro com as mãos. Será que Chaim Raful de Jerusalém tinha fugido para esta aprazível terra à beira dos Alpes? Pelo menos, um tal Yigaal Jungblut, antigo professor e historiador da Universidade de Munique não morava longe daqui. Era ele quem havia participado nas escavações de Qumran junto com Chaim Raful. Padre Leonardo abaixou a cabeça e a apoiou em suas mãos. O cardeal prefeito estava se excedendo. Voltou a pegar o telefone. Na sua ligação para Roma descobriu que o prefeito se encontrava nesse momento em sua residência e que partiria em dois dias para a América do Sul e iria se reunir com os bispos. Padre Leonardo levantou e se dirigiu até a porta. No corredor, um irmão regava as plantas. — Preciso urgentemente um voo para Roma amanhã cedo, disse o padre. O irmão olhou-o com os olhos bem abertos. — Peço que se encarregue de que amanhã pela manhã possa voar de volta, repetiu Padre Leonardo. O irmão concordou. — Verei... Verei o que posso fazer. — E mais uma coisa. Envie o irmão Markus ao meu quarto. CABANA DE ROSTWALD PRÓXIMO DE BISCHOFSWIESEN, REGIÃO DE BERCHTESGADEN

A comida estava posta e era abundante ainda que Moshav não comesse muito por desconfiança. O professor Jungblut animou-o e o fez dissipar suas reservas. Uma vez que haviam se saciado e recuperado as energias, Steimeier recolheu a mesa. O professor tossiu. — Precisam aprender a esperar, vai demorar um tempo para poder saber de tudo. Tom sorriu. — Somos todos ouvidos. — Para seu companheiro não será novo o que vou contar agora, mas é importante entender a história em sua integridade. O que lhes diz os conceitos Mishpat e Zedeq? — Sinceramente, esperava descobrir o que continha a tumba do templário, respondeu Tom impacientemente. O professor sorriu. — Paciência, repito, paciência, jovem amigo. Mishpat e Zedeq representam os dois pilares da integridade sobre os quais se apoia o arco que os hebreus chamam Shalom. Para alcançar a paz completa, Shalom deve descansar igualmente sobre estes dois pilares. O pilar da esquerda, Mishpat, representa o rei. Por isso também é conhecido como o pilar do rei. A este se associa a ideia de justiça. Jacó levantou esta coluna sobre o lugar onde foi coroado o primeiro rei

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de Israel. A outra coluna representa a honradez. As virtudes de Yahvé. Só quando isso for alcançado, reinará a paz divina de Yahvé e tudo se encontrará em equilíbrio. — Mas na época de Jehová estes pilares não estavam na ordem do dia, disse Moshav. — Roma exercia o poder e criara protetorados, os anos herodianos já haviam começado. Pagavam a Roma por sua soberania. Herodes Arquelao era o monarca da Judeia, Samaria e Idumeia; Herodes Antipas governava a Galileia e Phillipus a Cesárea. Cesar Augusto impediu a sucessão do trono sobre esta terra. — Exato, respondeu o professor. — O equilíbrio entre estes pilares desabou. Os saduceus, essênios, judeus, zelotes, fariseus, nasoreanos e mandeus aspiravam o equilíbrio entre estes pilares e a justiça de Yahvé. O povo precisou pagar as consequências como acontece com frequência ao longo da história. Nesta época nasceu Jehoshua ben Joseph, de linhagem real, da estirpe de David. Era um jovem inteligente de qual se falou muito. Na história se esquece que depois do primogênito vários irmãos nasceram. Posteriormente nasceu Jacó. Os essênios educaram os dois como futuros reis. Jehoshua como o rei dos judeus e Jacó como a representação da honestidade. Chegado o momento, os essênios apresentariam seu novo rei aos judeus. Mas Jehoshua ansiava por mais poder, queria representar os dois pilares da antiga tradição. Por isso partiu para Jerusalém através da porta dos reis, como se diz nos antigos escritos. Fez isso montado em burro já que o rei dos judeus chegaria na cidade como empregado de Deus e do povo, e não como dominante. Tom olhou desconcertado para Jungblut. — É sua teoria, não é? Perguntou. — Não, são as palavras escritas pelo mestre da justiça e guerreiro da luz. Seu nome era Shelamizion. Escreveu os rolos através do Deus que trazia em si. Você encontrou esses rolos. — Não está falando sério, disse Tom consternado. — Então, a história de Jesus Cristo não é mais que um complô tramado há dois mil anos para dar um Deus aos judeus? O professor Jungblut sorriu compassivamente. — Devem ter levado esses rolos das cavernas de Qumran ao templo salomônico e ali os templários acharam o legado de Shelamizion, o mestre da justiça de Qumran. Sabiam o que tinham nas mãos, como a Igreja sabia a enorme confusão que desataria essa história de Jesus. Não é possível a determinação temporal mediante provas estratigráficas, não existem fósseis e tampouco se pode fazer através do chão. Mas contamos com os recipientes e os rolos de couro que, segundo o método C-14, devem ter mais de dos mil anos. — Jesus era essênio? Repetiu Tom sem dar crédito. — Já lhe disse. Os cristãos acreditam em uma mentira de mais de dos mil anos que talvez tenha feito este mundo um pouco mais suportável, apesar de todo o sangue derramado pela fé. Tom se levantou e se dirigiu à janela. — Posso ver os rolos? — O escrito não está aqui, está em um lugar protegido, respondeu o professor. — Por outro lado, nas escavações das cavernas de Qumran se achavam os cadáveres de duas mulheres. Com certeza ouviu falar disso. Tom fez um gesto de mão de negação. — Só conheço a história dos rolos pelo que me contaram durante a carreira universitária. Não me lembro muito bem. — Ali foi enterrada a família de Jehoshua ben Joseph: Maria, a mãe e Madalena, a irmã. Mas não temos provas disso, é só uma teoria. — E a história da ressurreição? Chaim Raful tinha razão quando afirmou que Jesus não foi enterrado em Jerusalém? — Um rei cruzara a porta montado num burro e entrara em uma cidade governada pelos romanos. Jehoshua entrara no coração da besta. Confiava em Deus e no povo. Achava que

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Roma não se atreveria a colocar a mão em cima dele e provocar um levantamento em todo o Império, mas errou. Flavio, um romano justo, que soube do novo rei dos judeus e suas ideias, narra no segundo rolo que o prefeito romano conseguiu que o sumo sacerdote dos fariseus atacasse Jehoshua. Pelo visto, deixou bem claro que; com a influência crescente do novo rei e deus a sua regência acabaria. Por isso os mesmos sacerdotes ordenaram a sua condenação. Uma inteligente jogada dos romanos. Não obstante, não morreu apedrejado como era o costume judeu, mas sim crucificado. Todos nós sabemos que o estilo de Roma era cravar seus inimigos numa cruz, mas não o enterraram em Jerusalém. — O Santo Sepulcro, a tumba de Jesus, é uma mentira? — Sim, a vontade do prefeito era que o corpo do Salvador fosse devorado pelas chamas, explicou Jungblut. — Mas não foi assim, seus seguidores roubaram o cadáver e lhe deram o descanso eterno. Além disso, em muitas religiões as divindades retornam do reino dos mortos, não é uma ideia nova dos essênios. Encaixava muito bem e deixava a opção aberta a uma nova fé, pois em algum momento acabaria a soberania romana. — Então, também o enterraram em Qumran? Perguntou Moshav. O professor deu de ombros. — Desgraçadamente na passagem dos anos o segundo rolo não ficou conservado como o legado de Shelamizion. Conseguimos traduzir alguns fragmentos. Chaim precisou levar os rolos para um lugar protegido. Os perseguidores apareceram aqui. — O que dizia o texto? Perguntou impacientemente Tom. — No primeiro parágrafo: "... Profundo na mãe, que a todos nos dá a vida... Regressa ao pai... O rei dos reis...".

E no segundo parágrafo apareciam as palavras: "... No regaço de seu povo... A fortaleza que... Cima nas rochas da liberdade".

Moshav franziu a testa. — Uma fortaleza, uma rocha, só pode ser Massada. — Massada, ratificou o professor. — Chaim e eu também chegamos a essa conclusão. O terceiro parágrafo podia se ler bem: "... Com o olhar dirigido eternamente para a água da vida, como Goliat se senta na rocha, dirigido a David, o rei dos judeus... Sob o palácio do rei... O sol da vida se levanta em seu ponto mais alto, assim brilhará o raio sagrado... Descansará até o final de todos os sé...".

— Estas são as indicações de sua tumba, prosseguiu Tom. — Deve estar sob a fortaleza. — E ali deverá descansar para sempre, totalmente intacto, agregou o professor Jungblut. Tom colocou as mãos no rosto. — É incrível, disse. — Se for verdade o que estão nestes rolos, a origem da vida foi uma invenção e o ser humano não é mais que uma forma biológica de vida. E nossa razão não é mais que uma criação da natureza. — Deste modo, as pessoas se encontram no mesmo nível dos animais e se descarta a opção de uma descendência divina. — Descendência divina? Questionou Tom. — O ser humano é cruel, malvado e egoísta. Provoca guerras para conseguir mais poder, é capaz de matar por avareza. Mente, engana e só

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procura seu próprio proveito. Não sabia que podia ter algo de divino nisso. Somos uma expressão da natureza, nem mais nem menos. O professor olhou para Tom com compaixão. — Posso entender como se sente. Acaba de perder seu Deus e sua religião. Inclusive afirma que não é um bom cristão e que não vai à Igreja. Mas pense que também existem outras religiões. Ninguém pode dizer quem tem razão. Creio firmemente que exista uma força superior, tenha o nome de Jesus, Deus, Yahvé, Buda ou Alá. Existe alguém lá fora e todos o levamos em nossa consciência. Tom respirou profundamente. — Posso ver os rolos? — Mais tarde, quando chegar o momento, respondeu o professor Jungblut. — Mas antes deve dormir um pouco. É muito tarde.

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CAPÍTULO 47 PARIS, SAINT GERMAIN DES PRÉS

Uma quente noite envolveu Paris e cobriu as fileiras de casas na escuridão. As luzes das ruas estavam acesas, detrás das janelas das casas e lojas brilhavam frias luzes de néon. O Cardeal Borghese havia passado o dia rezando, acabava de retornar a Saint Germain. Estavam lhe afetando gravemente as tensões das últimas semanas. Não podia descansar. Apesar do cansaço acordava aterrorizado no meio da noite. Intranquilo, não deixava de dar voltas na cama, não podia afastar os pensamentos escuros. Acendeu a lâmpada de sua mesinha-de-cabeceira e se levantou. Tremendo ajeitou o cabelo. A mãe Igreja havia sobrevivido milhares de anos, havia se esquivado de perigosos obstáculos e havia se feito forte ante intensas tormentas. Apesar da sociedade mutante, que a cada vez se importava menos com a questão de Jesus Cristo, os muros da Igreja continuavam resistindo a qualquer tipo de mudança. O número de fiéis continuava crescendo. Não obstante, nunca antes a Igreja havia enfrentado um perigo tão grande como o dos últimos dias. A tormenta havia se convertido em um furacão que ameaçava varrer Roma e todos os seus seguidores. Toda a cristandade balançaria se os guardiões da irmandade falhassem. Há setecentos anos, a atuação da irmandade protegera a Igreja de um destino incerto. O que aconteceria se saíssem à luz esses rolos? Os escritos do templo de Salomão que propiciaram um ilimitado poder aos templários. O Cardeal Borghese se serviu um copo d'água, e em seguida se ajoelhou para rezar. CABANA DE ROSTWALD, REGIÃO DE BERCHTESGADEN

Tom havia caído rendido. Depois da longa exposição do professor, permanecera acordado um longo tempo. Finalmente o cansaço o venceu e adormecera. Moshav o despertou. Tom se levantou e tentou se orientar na escuridão. — O que aconteceu? Perguntou. — Silêncio! Sussurrou Moshav. — Tem alguém lá fora. Tom esfregou os olhos de cansaço. Na penumbra pode reconhecer Moshav na frente dele. — Com certeza é Steimeier, também sussurrou Tom. — Não, olhe, está na janela! Respondeu Moshav. Steimeier se aproximou e ficou parado frente ao sofá. Tom reconheceu a escopeta que portava. — Trouxeram esses tipos até aqui, reprovou a Tom. Tom negou com a cabeça. — Não pode ser, tivemos muito cuidado para que ninguém nos seguisse. Ninguém nos viu. — Lá fora dos tipos estão fuçando ao redor da caverna e isso não é casualidade. — Chamemos à polícia! Disse Moshav. — Não servirá de nada, respondeu Steimeier. — Quando uma patrulha chegar até aqui já será muito tarde. Sabem utilizar uma arma? Moshav retrocedeu. A última vez que teve uma arma em suas mãos foi durante o serviço militar com o exército israelense. Não se sentira muito bem. Steimeier desapareceu brevemente e regressou com duas longas armas.

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— Uma escopeta e um rifle de caça, explicou. — Cuidado, estão carregadas. A escopeta contem duas balas e o rifle seis. — Não sei... Não sei, duvidou Moshav quando Steimeier lhe estendeu o rifle. Tom apanhou a escopeta. Não disse nada sobre a pistola que trazia no bolso interior de seus casaco. — Apanhe-a Moshav, ordenou. — Já sabe que tipo de pessoas nos persegue. Acaso quiser acabar crucificado com a cabeça para baixo nesta caverna? De repente, no exterior se escutaram uns ligeiros passos. A madeira rangeu. — Estão ali! Sussurrou Steimeier. — Onde está o professor? Perguntou Tom. — Está protegido, respondeu Steimeier e se aproximou sigilosamente da porta. STRUB, REGIÃO DE BERCHTESGADEN

Bukowski já havia fumado o segundo cigarro quando se dirigiu à mulher idosa de vestido negro e com um lenço quadriculado branco e preto na cabeça. Estava de pé na calçada em frente a casa e o observava com um desperto olhar. — Me disseram que você é da Polícia de Munique, disse com um sorriso sem dentes. — Bukowski, da Direção Genal da Polícia Judicial, se apresentou e lançou a guimba fazendo um pronunciado arco até chegar ao jardim da casa. — Chamo-me Magda Scheiderer, moro na casa em frente. — Ah! Meus companheiros já a entrevistaram? Magda Scheiderer negou com a cabeça. — Entraram na casa, explicou Bukowski. — Já sei, respondeu a mulher. Bukowski tentou estimar a sua idade, mas desistiu pelo lenço da cabeça e o vestido. — Com certeza já ouviu falar do arrombamento. A mulher concordou. — E também o vi. Bukowski franziu a testa. Seria verdade ou simplesmente queria ter um tempo de conversa? — Viu? Perguntou Bukowski com ceticismo. — Quando, hoje? — Na realidade não deveria contar nada. Hans me proibiu. Bukowski acendeu um novo cigarro. — Hans, quem é esse Hans? Perguntou enquanto soltava a fumaça. — Hans é a mão direita do professor. O professor teve uma visita, um amigo judeu. Há três ou quatro semanas. Estavam trabalhando juntos em algo. Os dois são arqueólogos. O professor dava aulas na Universidade de Munique. É um homem inteligente. — Jungblut? — Claro, e quem iria ser? — Conheceu o outro homem? A mulher olhou cuidadosamente ao seu redor. Colocou a mão frente a seus lábios e sussurrou: — Ninguém deve saber, Hans me disse que não contasse a ninguém. Bukowski sorriu. — Mas somos a polícia. A mulher pensou por um momento. — Hans disse que encontraram algo valioso. Algo realmente importante sobre Jesus. Recomendou-me que ficasse com os olhos bem abertos. De vez em quando Hans passa por aqui, eu me encarrego de apanhar o correio. No dia que entraram na casa, por sorte já haviam ido, a casa estava vazia. Contei para Hans, mas ele me disse que não me preocupasse com isso.

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Há pouco, outros dois estiveram na casa. Fuçaram ao redor, eu contei a Hans quando veio, mas ele me disse que não contasse nada. — Então Hans é empregado do professor Jungblut. — O quê? Perguntou a mulher e franziu tão pronunciadamente o cenho que se somaram umas quantas rugas mais as muitas que mostrava. — Quero dizer que Hans trabalha para o professor. A mulher concordou. — Há alguns anos o professor está em cadeira de rodas, teve um infarto. — E Hans? Mora aqui na casa? A mulher negou com a cabeça. — Vive em Bischofswiesen mas não está ali. Disse que estavam escondidos porque tem gente que quer saber o que o judeu trouxe de Israel. Bukowski teve uma estranha sensação. Muitas pessoas haviam perdido a vida por este motivo durante as últimas semanas e agora tinha frente a ele uma anciã que trazia consigo grande parte da solução do caso e que previamente não havia dito nem uma palavra. Lisa e o policial uniformizado se aproximaram. — Hans, como é seu sobrenome? — Steimeier, respondeu a mulher. — E agora onde está? — Hans? Hans está no bosque, no interior, isso foi o que ele mesmo disse. O agente uniformizado se deteve junto a Bukowski e observou detidamente à mulher. — Ah, Magda! Exclamou. — Tem mais de noventa anos. Viu alguma coisa? Bukowski não prestou atenção ao seu colega e continuou olhando para a mulher. — Em que lugar do bosque? A mulher deu de ombros. — Que bosque? Perguntou o policial. Bukowski rechaçou a pergunta. — Pensava que esta mulher poderia nos dizer onde se encontrava o dono da casa e seu empregado. — Hans Steimeier? — Conhece-o? Perguntou Bukowski desconcertado. — Claro que sim, foi um lutador olímpico, vive em Bischofswiesen. Há um par de anos cuida do velho professor. Antes trabalhou no colégio de Berchtesgaden. Quer que consiga seu endereço? Bukowski franziu a testa. — A mulher disse que está escondido com o professor no bosque, o que quer dizer? — No bosque? Repetiu o policial. — Eu também sou de Bischofswiesen e conheço bem o Hans. Antes era caçador e o Rostwald era seu domínio. Eu também caço e quando dizemos o bosque nos referimos exatamente ao nosso canto de caça. Bukowski apurou bem seus sentidos. — Tem algum albergue ali onde possa se alojar uma pessoa em cadeira de rodas? O policial concordou. — Talvez a caverna sob Kälberstein. Até ali se pode ir bem de carro, se não estiver chovendo. Bukowski se dirigiu a Lisa. — Mobilize imediatamente aos SEK e anote as declarações à mulher. Lisa se tocou na barriga. — Poderia fazê-lo nosso colega? Não estou muito bem. Ontem a noite veio a menstruação, talvez por isso não tenha podido pregar olho. — Não vá se fazer de frouxa agora, replicou Bukowski. — Sempre disse, não podemos confiar nas mulheres quando se trata de algo realmente importante. Lisa preferiu não responder.

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CABANA DE ROSTWALD PRÓXIMO DE BISCHOFSWIESEN, REGIÃO DE BERCHTESGADEN

Escutaram uns passos ligeiros sobre as folhas secas. Repetiu-se o barulho das escadas. — São pelo menos dois, murmurou Steimeier. — Tem uma porta traseira ou uma janela na parte de trás? — Três janelas e esta porta, respondeu Steimeier. — A construção da parte de trás se apoia na colina, por ali não pode passar ninguém. As janelas estavam protegidas por persianas bloqueadas do interior. O perigo residia principalmente na porta e justo ali podia se notar um ligeiro arranhar. Enquanto Steimeier se escondia atrás de um dos armários junto à porta, Tom e Moshav se refugiaram atrás do sofá. Tom preparou a arma. — É uma loucura! Comentou Moshav sussurrando de sua posição. — Se estes forem os assassinos de Gina, Aaram e Jonatham precisaremos estar preparados para o pior, argumentou Tom. — Não se preocupe se tiver de apertar o gatilho. De repente, se escutou um golpe e a porta se abriu. Tom tencionou todos os músculos e Moshav ajeitou bem a arma por puro instinto. Escutou-se um disparo e uma lança de fogo atravessou a porta. — Cuidado! Gritou Steimeier ao irromper um objeto voando na cabana e que soltava chispas de fogo. Tom e Moshav se protegeram. Estalou um forte barulho e um raio resplandecente iluminou o aposento. Steimeier gritou, esta aparição o cegara. Sua arma caiu no chão e desapareceu sobre o armário. Antes que pudesse reagir, se escutaram dois disparos e caiu de joelhos na frente do sofá. De novo, outro disparo. Steimeier caiu ao chão. Moshav vira até onde chegou a lança de fogo. Tomou posição e sem pensar disparou no marco da porta. Rompeu a madeira e se escutou um grito ensurdecedor. No umbral apareceu uma figura baixa e gorda. Podia se distinguir perfeitamente a sombra do homem. Moshav apertou de novo o gatilho e em seguida o intruso rodou pelas escadas. Moshav estava disposto a disparar de novo quando rapidamente outra pessoa entrou no aposento saltando agilmente. Quando apareceu, dois disparos estalaram no aposento. Moshav deixou cair a arma e se levantou, rodou pelo sofá e caiu ao chão. Tom estava paralisado pelo medo. Enquanto a sombra não se dirigiu a ele, não pode reagir e apertar o gatilho. O ensurdecedor barulho lhe fez atingiu a sua audição. O tipo disparou de novo para ele, desde seu esconderijo após um armário. Tom sentiu o ar quente que despediu a bala ao passar a escassos centímetros por sua cabeça e que teve como objetivo as tábuas de madeira da parede. De novo disparou em direção ao intruso. De repente, uma lanterna o iluminou da porta. Estava apontando para ele. — Não se mova! Largue a arma! Ressoou uma ameaçadora voz da mulher. Tom duvidou por um momento. Outro disparo que passou por seu lado e se cravou na parede reforçou a ordem. Soltou a arma e levantou os braços. Antes que pudesse reagir um soco lhe alcançou. Uma onda de intensa dor lhe percorreu todo o corpo. Antes de cair ao chão perdeu o

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conhecimento. Quando Tom recuperou o conhecimento, a lâmpada de querosene da cabana estava acesa. Tom tocou seu dolorido queixo. — Não se mova ou explodirei sua cabeça! Disse a mulher que estava de pé na frente dele e apontava uma pistola. Do fundo se escutou um gemido. — Se ele se mover, atire, disse um homem com acento do sul. Tom levantou as mãos. — Estou desarmado, grunhiu. Olhou a sua volta. Steimeier estava estirado no chão na frente do sofá. Seus olhos abertos inertes não refletiam vida. Um pequeno filete de sangue corria por sua testa. Moshav jazia a poucos metros dele, deitado de bruços. Não podia ver seu rosto mas não se movia. Um tipo alto e fibroso, de costas para ele, se dirigia ao professor sentado em sua cadeira de rodas. — Fale! Ou você quer acabar como seu amigo Raful? Exigiu o assassino. — Não vou contar nada, podem me matar, gritou o professor Jungblut. O homem se dirigiu ao seu colega e riu. Tom se assustou ao ver a cicatriz diabólica no rosto do homem. — Raful, os dois padres traidores, o professor de Jerusalém e seu colega, disse o diabo com frieza. — Não me importa mais um, mas primeiro atiraremos no seu jovem amigo. Fale! Onde estão os escritos? — Vai nos matar de qualquer jeito, por que iria falar? Respondeu Jungblut. O diabo riu às gargalhadas. — Pode escolher se prefere uma morte simples ou sofrer dores inimagináveis. Tom moveu lentamente as mãos. Tocou-se nos olhos. Com um gemido tentou se levantar com muito cuidado para que seus movimentos não irritassem à ruiva. Quando passou a mão por seu corpo pode sentir o pequeno revólver que levava no bolso. Tom sabia que essa pistola era a única opção que lhe restava para esquivar a morte, mas por agora não tinha oportunidade de utilizá-la. A mulher tinha o olhar cravado em Tom. Com as pernas abertas, a apenas dois metros dele, vigiava cada movimento. Tom apoiou as costas na parede. — Posso me levantar? Perguntou em voz baixa. A boca doía. A ruiva concordou. — Fale, velho! Exigiu de novo o homem com rosto de diabo. — Não vai conseguir chegar até esses escritos. Já estou velho, não temo à morte porque, ao contrário que vocês, sim tenho um Deus, enquanto que vocês rapidamente jazerão sobre um frio chão. O diabo deu uma bofetada no professor. Podia se ver como o sangue saiu dos lábios. — Não o mate, disse a mulher. — Eu... Os documentos... Os escritos... Disse a sua sussurrante voz. — Velho, não entendo! — Eu... Eu posso... O diabo se inclinou para o professor para escutar melhor. Tom observou a cena sem poder acreditar. Iria revelar o segredo? Um par de bofetadas haviam acabado com ele?

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CAPÍTULO 48 ROSTWALD, PRÓXIMO DE BISCHOFSWIESEN

Bukowski foi com o carro da polícia para Rostwald. Os SEK de Munique demorariam pelo menos meia hora para chegar até lá. Pararam na margem do bosque, em um caminho. Pelo rádio, o policial transmitiu a sua localização exata e solicitou reforços. Outras duas patrulhas estavam a caminho. Bukowski saiu do carro, acendeu um cigarro e esperou até que seu colega uniformizado terminasse com o rádio. — A que distância fica a cabana daqui? Perguntou Bukowski ao policial depois de que este também saíra e desligara o rádio através da janela. — Não mais de dois quilômetros, respondeu o policial. Entre as luzes e sombras dos faróis do veículo, Bukowski pode ver como assinalava em direção a um caminho no bosque. — Reto, e no fim se vira à esquerda. A cabana se encontra em uma pequena clareira no bosque. — Pode aterrissar um helicóptero ali? Perguntou Bukowski, já que considerava que estavam perdendo muito tempo. — Impossível, replicou o policial. Haviam previsto que os SEK voariam de helicóptero até Berchtesgadem e dali chegariam ao lugar da operação em duas vans VW. Bukowski sabia que meia hora era um cálculo bastante próximo e que podiam demorar mais. — O que pensa que encontraremos na cabana? Perguntou o policial uniformizado. Bukowski deu de ombros. — Se dermos sorte, seu amigo Steimeier e um homem idoso em cadeira de rodas. — E se tivermos má sorte? — Dois cadáveres, respondeu Bukowski secamente. O policial apanhou a arma e a carregou. — Com certeza estarão armados. Bukowski dirigiu a mão para a cadeira e apanhou a sua Walter. — Espero que não precisemos utilizá-las. Se ficar muito ruim, teremos que nos enfrentar com autênticos profissionais. Têm bastante experiência em matar. — Então deveríamos esperar pelos SEK. Antes que Bukowski pudesse responder, ouviram um tiro no meio do silêncio da noite. — Merda! Maldisse e apurou o ouvido. Escutaram mais disparos, desta vez muito mais baixos. — Uma escopeta e pistolas, disse o policial. — Pelo ruído também um rifle. Apressadamente Bukowski jogou o cigarro no chão. — Vamos, não temos tempo a perder, gritou a seu acompanhante com determinação. — E os SEK? — Quer ficar aqui esperando enquanto na cabana morrem várias pessoas? O policial rodeou o veículo e se pôs ao volante. Brevemente informou pelo rádio sobre a nova situação. Depois olhou titubeante para Bukowski. — Pode dirigir sem luz? — Tentarei, respondeu o oficial e ligou o motor.

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CAVERNA DE ROSTWALD, BISCHOFSWIESEN

O diabo se inclinou pronunciadamente sobre o velho professor na cadeira de rodas. — O que quer me dizer? Perguntou. O ancião emitiu um som gutural. — Diga-me de uma vez por todas onde escondeu os documentos! Exigiu uma vez mais o homem com cara infernal. — Não se complique mais. De repente, com uma velocidade inimaginável a mão do professor voou das costas. Escutou-se um golpe seco, e em seguida o diabo emitiu um longo e agonizante grito. Tom observava a cena sem acreditar. O diabo levantou as mãos e levou-as ao pescoço. Seu cúmplice se virou. — O que aconteceu Fabricio? Tom viu como uma faca saía do pescoço do diabo. O homem tentou se dirigir para a mesa, mas finalmente desabou quebrando-a. A lâmpada de querosene caiu sobre o assassino que havia desabado precipitadamente no chão. O sangue saía com grande ritmo e aos borbotões da ferida do pescoço. — Isso é o que tenho para você, balbuciou o professor com frieza. A cúmplice do demônio dirigiu a arma para o professor e lhe disse mil insultos em francês. Tom colocou a mão no bolso da calça, mas antes que pudesse retirar a arma, a mulher disparou. A primeira bala alcançou Jungblut no peito e a segunda o derrubou. De repente, o fogo aumentou. O querosene que havia saído da lâmpada se incendiou e a tapete começou a arder. Quando a mulher se preparava para disparar pela terceira vez no professor, Tom apertou o gatilho. Não alcançou seu objetivo em que pese que tivesse apontado para a mulher. Acertou-a no braço, mas não pode evitar que voltasse a atirar contra o professor. A bala alcançou o corpo de Jungblut. Tom apontou melhor e disparou de novo. A mulher se virou e olhou estupefata para Tom. Antes que pudesse apontar a arma para Tom, este disparou pela terceira vez. A mulher caiu lateralmente no chão e perdeu a arma. Tom deu um salto e chutou a arma da mulher que o olhava assustada. Tom apontou para a sua cabeça com a pistola. Durante uns instantes estava convencido de que dispararia contra a mulher. Pensou em Gina, Jonatham Hawke, Aaram. Todos os companheiros que haviam perdido a vida a mãos deste cruel bando de assassinos. Mas, a razão venceu e desceu a arma. Entretanto, as chamas já haviam alcançado a mesa e parte da mobília. Tom se dirigiu ao professor, que estava encolhido na cadeira e respirava com dificuldade. ROMA, SANTO OFÍCIO

Padre Leonardo conseguiu viajar de Munique a Roma no último voo da Alitalia. Adormecera no avião. Havia escutado que o cardeal prefeito partiria às dez da manhã para a América do Sul, mas nesta ocasião ele não iria despachá-lo tão facilmente. Desta vez o prefeito deveria lhe prestar contas. Pouco depois das oito, Padre Leonardo atravessou o longo corredor que levava

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aos aposentos do prefeito. O monge, que estava sentado na mesa em frente à porta dos aposentos do cardeal, observou com desconfiança o padre que irrompeu na sala. — Preciso ver o prefeito, disse Padre Leonardo secamente. O monge sorriu compassivamente. — Sinto muito, mas não é possível, está ocupado. Está preparando a sua viagem. O monge virou uma das páginas do livro que lia apoiado sobre a mesa. — Precisará esperar uma semana para poder falar com ele. Padre Leonardo sorriu. — Infelizmente, seria muito tarde, respondeu antes de passar apressadamente por seu lado e abrir a porta dos aposentos do prefeito. — Pare! Gritou o monge. — Não pode... O resto de palavras não conseguiu escutar, já que fechou de um golpe a porta atrás de si. O prefeito estava sentado falando ao telefone. Incredulamente olhou para o Padre Leonardo. Seu rosto ficou branco como a neve quando notou o olhar dele. Com palpável nervosismo desligou. — Como se atreve a entrar dessa maneira em meus aposentos? Queixou-se o prefeito. — Você também pertence a essa irmandade? O prefeito tentou sorrir em vão. — Perdeu a razão? Padre Leonardo lançou um perigoso olhar ao prefeito. Abriu-se a porta e o monge da entrada entrou junto com outros dois irmãos. — Desculpe, sua eminência! Disse o monge envergonhado. — Mas não respeitou a minha negativa, e entrou. Quer que o retiremos? O cardeal prefeito levantou as mãos para acalmar o ambiente. — Está bem, nos deixe a sós! Respondeu. Os monges desapareceram. — Sente-se, meu jovem, disse delicadamente. De repente sua voz soou suave e calma como a do pai que fala com um filho, mas Padre Leonardo desconfiava desse tom do prefeito, já que anteriormente havia lhe enviado a uma missão sem dar toda a informação e sabendo desde o princípio que falharia. — Aproveitou-se de mim, respondeu Padre Leonardo. — Esteve na biblioteca e arrancou as folhas relativas à Irmandade de Cristo sem me informar previamente disso. — Precisava me documentar, se desculpou o prefeito. — E em Ettal? Foi também uma visita casual? O cálido sorriso desapareceu do rosto do prefeito. — Está bem, não vou ocultar que me preocupam muito as mortes de nossos irmãos na Alemanha. Era o meu dever como prefeito me informar in situ sobre os acontecimentos em nome da Santa Sé. — E também teria sido seu dever me contar, já que me encarregou de investigar esse assunto. Enviou-me a Jerusalém simplesmente para acalmar sua consciência e a do cardeal Borghese? O cardeal prefeito se reclinou no respaldo de sua cadeira. — Tinha a missão de encontrar Chaim Raful e falhou, por isso me senti obrigado a agir eu mesmo. — Já o encontrei, respondeu Padre Leonardo. O prefeito o olhou incredulamente. — Foi assassinado e crucificado próximo de Königssee. Com certeza já sabe disso. O prefeito tossiu.

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— Ouvi falar da morte de uma pessoa próximo do Watzmann, mas não sabia que se tratava desse herege. — Acho que sabe mais do que diz. O que tem com essa irmandade? Por que precisaram morrer dois de nossos irmãos brutalmente assassinados? Traíram a nossa Igreja? Segundo descobri, ambos eram peritos em línguas antigas de Oriente. Precisaram morrer porque descobriram um segredo que não devia sair à luz? Ordenaram que os assassinassem? A fúria começou a se refletir lentamente no rosto do prefeito. — Como se atreve! Reprovou ao Padre Leonardo. — Creio que a polícia vai se interessar muito pelo nível de implicação da Igreja nestes casos. Com certeza o responsável pela investigação agradecerá as minhas informações. Terá muita repercussão, inclusive as autoridades italianas... — Você já conhece as regras! — Como vou respeitar as regras, quando nem sequer o prefeito as considera importantes? Não tenho nada a perder. Na realidade nunca quis trabalhar em Roma, nunca quis o trabalho no Santo Oficio. Não tenho nada a temer. O prefeito se levantou. — Você não tem ideia do que nos estamos jogando aqui, reprendeu ao Padre Leonardo. — Sei que se trata de um complô e que você está metido até as orelhas. Também sei que até agora seis pessoas perderam a vida. Também sei que a polícia se interessaria bastante no que posso contar. Padre Leonardo se levantou de um salto e se apressou para a porta. — Espere! Chamou o prefeito. Padre Leonardo segurou fortemente a maçaneta da porta e a abriu. — Pelo amor de Deus, espere! Padre Leonardo se virou. — Para quê? Para continuar escutando mentiras, sua eminência? — Em nome de Deus rogo que dê a mim e a Santa Madre Igreja uma oportunidade! Padre Leonardo fechou a porta. — Quero saber a verdade, nada mais que a verdade. Jure pelo sangue de Cristo. O prefeito suspirou. Deixou-se cair no sofá e retirou o cabelo da testa. — Contar-lhe-ei tudo o que sei, juro pelo sangue de Cristo. Peço que não o faça mais difícil do que já é. Nossa Igreja se encontra em um sério perigo. Padre Leonardo regressou a sua cadeira e se sentou. — A Igreja está passando pelo momento mais escuro que jamais passou, suspirou o cardeal prefeito. — Temo que nos últimos mil anos nunca esteve tão próxima do fim. — O papa sabe...? — O papa está velho e fraco, respondeu o prefeito. — Já sabemos como se encontra. Precisamos tomar nossas próprias decisões, ninguém pode nos ajudar. — Fale-me sobre a irmandade, replicou Padre Leonardo. O prefeito olhou fixamente ao teto. — A origem da irmandade remonta até a época dos templários, começou a narrar o cardeal prefeito. — Tem como missão proteger a fé e para isso se lhe permite qualquer meio. — Você pertence a essa irmandade? — Que Deus me livre! Justificou-se o cardeal. — Sou um homem de Deus, obtenho as forças de minha fé interna e estou totalmente convencido de que só pode ter uma Igreja. Uma Igreja que seja forte e bondosa. As ovelhas extraviadas voltarão com o poder da palavra e não com uma força sem sentido. — E o cardeal Borghese? Perguntou Padre Leonardo. — É membro desta Irmandade de Cristo? O prefeito concordou. — Temo que sim. Temo que tenha as mãos manchadas de sangue. — A que se dedica essa irmandade? Por que precisa ir mais além da mãe Igreja para proteger a fé cristã? Acaso a Igreja não pode fazer por si mesma?

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— Os templários encontraram uns escritos debaixo do templo de Salomão que colocam seriamente em dúvida a existência de Jesus Cristo. Esses escritos deram poder suficiente para que esse bando de buscadores de fortuna, se convertesse em uma poderosa ordem ante o qual até mesmo papa se ajoelhava. Não existem provas, mas é o que se diz. Definitivamente, a arma que tinham em seu poder, com a que conseguiram a sua riqueza, ficou fora de seu alcance quando os sarracenos conquistaram Jerusalém. Foi a oportunidade de acabar de uma vez por todas com o poder e influência dos templários. Na sexta-feira negra se extinguiu a Ordem dos Templários. — E Chaim Raful estava procurando esses documentos e os encontrou quando abriu a tumba do templário no Vale do Cedro, prosseguiu Padre Leonardo. — Deve ter sido assim. — Quem se esconde por trás da Irmandade? O prefeito deu de ombros. — Alguns membros são religiosos, irmãos da Igreja como nós. Também existem outros que se aproveitam da Igreja. Homens de negócios que tem enriquecido com a fé. Não lhes interessa que o povo tenha conhecimento da existência desses escritos. — E a irmandade vem perdurando há séculos? O prefeito concordou. — De pais a filhos, suas raízes residem na tradição e na família. A vontade conjunta sob juramento de sangue sobreviveu ao passar dos anos. — E esses documentos? É certo ser o legado dos templários? Jesus é uma invenção? O prefeito apoiou as mãos em seus olhos. — É transmitida ao longo do tempo, desde quando Roma dominava a Judeia. Verdade ou mentira, ninguém se atreverá a afirmar o que as pessoas daquela época consideravam certo ou incerto. A força reside em nossa fé. Padre Leonardo pensou por um momento. — Esses rolos estão na Europa, provavelmente na Baviera. Ao menos serviriam para dar muito que pensar ao povo. As pessoas que duvidam da Igreja, darão as costas para a nossa religião. — Será uma catástrofe, gemeu o prefeito. — Jesus, Deus, é tudo mentira? Questionou Padre Leonardo e se levantou. Dirigiu-se à janela e olhou para o sol matutino que submergia a Roma em uma resplandecente luz. — Nos ajudará? Perguntou o cardeal prefeito. Padre Leonardo respirou profundamente. Finalmente se dirigiu ao prefeito. — Quero ter as mãos livres, preciso de dinheiro. Uma conta bancária com muito dinheiro e eu o farei da minha maneira. Não são tempos para assassinar aos que tem outras crenças, nossa sociedade mudou. — Dinheiro, uma conta, respondeu o cardeal prefeito. — Terá tudo o que precisa se conseguir parar esta desgraça que ameaça a todos. Padre Leonardo concordou. — Se conseguir, eu quero uma recompensa. — Tudo o que desejar, respondeu o prefeito. — Em Palermo, próximo da minha cidade natal, tem uma escola que cuida das crianças mais pobres. Sempre sonhei em poder dirigir essa escola. Nunca quis servir a Deus entre estes estreitos muros. Deus reside entre os pobres e desamparados. Quero que se encarregue de minha substituição e que me transfira para a direção da escola de San Mauricio de Palmera. — Receberá tudo o que quiser. Mas como vai parar este furacão que vem rodando para nós? Perguntou o prefeito. Padre Leonardo sorriu sarcasticamente. — Confusão! Respondeu. — Confusão e não precisa saber mais. O cardeal prefeito concordou. — Enviarei um mensageiro, disse Padre Leonardo. — Recolherá a documentação do

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meu novo posto em torno das dez. Por outro lado, prepare a conta. Tudo deve estar preparado para quando meu mensageiro chegar. Preciso ter liberdade de atuação neste assunto. — Ordenarei que lhe preparem todo o necessário, respondeu o prefeito. — Que valor deve cobrir a conta? — Digamos duzentos milhões de dólares, respondeu Padre Leonardo antes de sair da sala do cardeal prefeito, — E a cabeça do cardeal Borghese. O prefeito, boquiaberto, ficou olhando perplexo durante um tempo para o teto do aposento. Finalmente abriu uma gaveta da mesa e apanhou uma pasta onde podia se ler em letras vermelhas: "Pierre Benoit".

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CAPÍTULO 49 CABANA DE ROSTWALD PRÓXIMO DE BISCHOFSWIESEN, BAVIERA

Pouco a pouco Tom conseguiu sair da paralisia que O invadiu. Uma infernal fumaceira enchia o aposento. Olhou ao redor e conseguiu reconhecer uma manta. Apressadamente apanhou-a para apagar o fogo. Mas não teve êxito em sua tentativa, já que havia se estendido amplamente. As chamas arderam com mais força quando levantou a manta. Finalmente se inclinou para Moshav por cuja testa corria um fio de sangue. — Moshav! Gritou Tom sem obter resposta. Tom verificou a respiração do amigo. O peito se elevava e descia ligeiramente. Segurou-o pelos ombros e o arrastou até a porta. Uma vez no exterior, Tom respirou fundo. O fogo já havia se apossado de grande parte do mobiliário. Quando arrastou Moshav pelas escadas passou ao lado do corpo sem vida do assassino. Entre as chamas, Tom pode distinguir que o peito do homem estava cheio de sangue. Em seus vidrados olhos abertos se refletiam as chamas. Sem dúvida, o homem estava morto. A um par de metros da cabana deixou Moshav deitado no chão. Moshav deu um gemido e abriu os olhos. — Onde... Onde estou? O que... Que aconteceu? Perguntou com uma frágil voz. — Como está? Onde dói? Moshav tocou a cabeça. — A cabeça, parece como se fosse explodir de um momento a outro. — Fique deitado! Gritou Tom e desapareceu em direção à cabana de onde já saía uma espessa fumaça. Sem pensar Tom entrou na cabana. Na mente tinha a localização do professor. Apressadamente avançou, até que encontrou o ancião que respirava com dificuldade em sua cadeira. — É o fim... Queixou-se o professor. — Refugie-se em um lugar certo e... Tome isto. Estendeu-lhe uma corrente na qual estava pendurada uma pequena chave de prata. Tom a aceitou e a colocou no pescoço. O ancião chorava. — Nos armários da estação de trem... Em Berchtesgaden, número 18, soluçou o professor. Tom não se importou com o que ele dizia e decididamente levantou o homem de sua cadeira de rodas. O professor pesava muito pouco. Tom percorreu um caminho aberto entre as chamas e levou-o até a porta. Quase tropeça na mulher que estava tombada no chão e que segurou a perna de Tom quando passou ao seu lado. Olhou-o com seus temerosos olhos e suplicou: — Ajude...! Ajude-me! Mas Tom já havia passado por ela e pulava por cima do fogo. Conseguiu chegar ao exterior e correu para Moshav com o professor ainda nos braços. Ao deixar ao professor sobre a grama junto a Moshav pode respirar profundamente. Então se virou. — Aonde... Aonde vai? Gritou Moshav. — Salvar a mulher, respondeu Tom. — Ficou maluco? Ia nos assassinar e agora arrisca a vida por ela, gritou.

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Tom não o escutou. Já havia subido os degraus da cabana. As chamas estavam na sua altura. Escutou-se um grito gutural vindo das chamas. Tom conteve a respiração e correu para a cabana. — Ficou maluco, suspirou Moshav. O velho professor tentou se levantar mas caiu para trás. — Não se deterá, é um homem de Deus, soluçou. Tom sabia o caminho. A mulher estava na frente da cozinha. A fumaça lhe tirava a visão. Apalpou na frente. Em sua pele sentia o insuportável calor, mas a adrenalina impedia-o de sentir dor. A cada segundo entrava mais na infernal cabana. O rangido de uma viga do teto o deixou paralisado por um instante. De repente, no outro lado da cabana desabou parte de uma parede. O fogo devorava a madeira e colocava em perigo a estabilidade da construção. Não obstante, entre a escuridão repleta de fumaça pode sentir uma mão. Puxou-a e na frente dele apareceu o rosto da mulher com os olhos abertos. Com força continuou puxando a mão para ir trazendo pouco a pouco o corpo. Conseguiu levantá-la pelos ombros enquanto lutava para chegar na porta. Seu corpo era pesado, faltava o ar, ainda assim evitou respirar a fumaça. Com suas últimas forças conseguiu finalmente passar pelo muro de fogo e fumaça e chegar ao exterior. Puxou a mulher pelas escadas até que desabou a um par de metros de distância da cabana. O frescor da noite era como uma ducha sobre suas costas ardentes. Um ataque de tosse esteve a ponto de deixá-lo inconsciente. Quando tentou se levantar, escutou uma voz grave que atravessava o estrepitoso barulho do fogo. — Alto, não se mova! Tom se deitou lentamente no chão. Sentiu que se afogava e finalmente vomitou. NOVA IORQUE, NAS PROXIMIDADES DO CENTRAL PARK

Jean Michel Picquet se sentou na cadeira da pequena cafeteria junto ao Central Park e franziu pronunciadamente as sobrancelhas. — Vai custar muito dinheiro, disse. — Será suficiente cinquenta milhões de dólares? Perguntou Padre Leonardo. Usava uma camiseta azul escura e calça bege. Nenhum detalhe em sua roupa o relacionava com a Igreja. — Com cinquenta milhões conseguirei uma equipe completa com apoio. — Se precisar terei outros cinquenta milhões, mais mas só se precisar. A comissão é de dez por cento em cada caso, assim como um bônus se conseguir fazer que fique mais econômico. — Entendido, replicou Jean Michel Picquet. — Já disse que pode confiar plenamente em mim. — Só nos resta uma semana. Deverá ser tempo suficiente. Picquet concordou. — Tenho alguém em mente. Há alguns anos tentou realizar um projeto similar, mas não encontrou nenhum patrocinador. Creio que vai gostar e é tão bom que poderá fazer em uma semana. — Confio em você, respondeu Padre Leonardo. — O que acontecerá depois?

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— Me retirarei para Palermo, estou cansado de Roma. Não posso suportar mais tanta intriga, falsidade e farisaísmo. A Igreja é basicamente uma empresa internacional como muitas outras. Apesar de nossa missão ser a de curar as almas das pessoas, em Roma sofremos com uma estrita hierarquia que às vezes nos impede avançar. Já não aguento mais. Jean Michel Picquet sorriu. — Por isso, precisamente por isso, entreguei a sotaina e acho que fiz o certo. — Se lembra ainda do nobre Herrmann? Perguntou Padre Leonardo. Jean Michel deu de ombros. — Não me lembro dele, mas sei que estudou em nossa época e fez seus votos em Roma. — Um alemão, com o cabelo ruivo curto, muito engraçado. — Ah sim! Vinha de Hamburgo. Jean Michel pensou por um momento. Há três anos o encontrei em uma missão na Bolívia. Continuava tão divertido como sempre. Existem pessoas que não mudam. — Certo, mas me contaram que morreu há um par de semanas. — Que pena! Observou Jean Michel. — Ajudou muito aos pobres. Nunca precisou fiar pegado a uma mesa. Ainda que sua vida tenha sido muito curta, fez mais nesse tempo por Deus e pela humanidade que eu até o momento. Antes que Jean Michel Picquet pudesse responder, soou o celular do padre. — Desculpe, disse. Era o Padre Phillipo do convento dos franciscanos em Jerusalém. — Tudo aconteceu segundo as suas ordens. Hoje enviarei os documentos para o endereço que me deu, informou o monge de Jerusalém. — Yassau não duvidou, quando o ministro o fez ver as consequências que poderiam ter para ele a extensão do assunto. Padre Leonardo sorriu. — É uma boa notícia, agradeço todos seus esforços. Quando voltar a Jerusalém, vou visitá-lo, e acho que será breve. A conversa durou pouco. Para concluir Padre Leonardo expressou uma vez mais seu agradecimento e desligou o celular. Seu rosto se iluminou com um sorriso satisfeito. CABANA DE ROSTWALD, PRÓXIMO DE BISCHOFSWIESEN

Bukowski havia descido a janela lateral do carro de polícia e aguçou seu ouvido. Conseguiu contar uns dez tiros. O forte barulho de um rifle se mesclou com o barulho metálico de uma pistola, antes que voltasse a reinar o silêncio. O que teria acontecido nesta tranquila área onde os turistas vinham para admirar as montanhas? Seria o bando que queria chegar até os escritos antigos? Bukowski testou uma vez mais a pistola. A apenas um quilômetro toparam no meio do caminho com um Mercedes escuro com placa de Munique. — Merda! Disse o policial do carro. — Não poderemos fazer nada, precisaremos caminhar. Desceram do veículo. O policial informou brevemente pelo rádio sobre sua localização. — A segunda patrulha acaba de passar por Bischofswiesen, em dez minutos estará aqui, disse o policial uniformizado para Bukowski que estava inspecionando o Mercedes com uma pequena lanterna. O carro estava fechado. Pelo visto o haviam deixado intencionadamente atravessado no caminho com o fim de evitar uma possível escapada. Continuaram andando pela difícil terra do

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bosque. Bukowski respirava com dificuldade. Em troca, o agente que acompanhava, de uns quarenta anos, pouco lhe afetava a subida. Em poucos metros apareceu uma bifurcação para a direita. O policial uniformizado foi o primeiro a notar o brilho metálico. — Outro carro! Sussurrou para Bukowski. Bukowski começou a apontar de novo com sua pequena lanterna, que não era mais que um chaveiro. Apesar do diminuto tamanho, Bukowski sempre a trazia consigo. Dirigiu-se para o Ford prateado que, do mesmo modo, mostrava a placa da capital do Estado Federado da Baviera. Estava fechado e vazio. — Olhe! Gritou o policial. Bukowski se virou e observou imediatamente o resplandecer do fogo que chegava de um ponto do bosque um pouco mais afastado. — Rápido! Gritou ao seu acompanhante. Quanto mais se aproximavam, maior era a certeza de que era a cabana de Rostwald que estava ardendo, as chamas já saíam pelo teto. Chegaram até o caminho que dirigia à cabana e ali voltaram a topar com um veículo, desta vez se tratava de um Renault escuro com uma placa local. — Esse é o carro de Hans, sussurrou o policial para Bukowski. — Cuidado! Advertiu Bukowski. — Não esqueça que esses tipos são muito perigosos. Já mataram várias pessoas. Bukowski puxou sua arma. O agente uniformizado imitou-o. Bukowski se afastou do caminho e avançou por debaixo de umas árvores. As chamas iluminavam a noite. Pouco a pouco se aproximou da cabana. De repente se encontrou com os corpos que jaziam sobre o chão próximo das chamas. Bukowski avançou um pouco mais. O policial parou bem ao seu lado. — Esperemos! Ordenou em voz baixa ao seu companheiro. O rugido do fogo impedia que se escutassem suas respirações. Finalmente viu um homem que saía da cabana incendiada. Arrastava um corpo. Notava-se como o homem se esforçava com suas últimas forças para chegar até o chão onde jazia o resto de pessoas. Bukowski reconheceu o cabelo ruivo de uma mulher que vinha do corpo que o individuo arrastava e que pouco depois desabou no chão. Tentou levantar, mas voltou a cair e começou a vomitar. Bukowski saiu decididamente de seu esconderijo. Com a pistola apontou para ele. — Polícia! Gritou seu acompanhante. — Pare, não se mova! Adicionou Bukowski, ainda que o homem já estivesse no chão. Com a tensão não lhe ocorreu nada melhor para dizer. O homem os olhou por um instante, e em seguida teve um ataque de tosse. — É Steimeier? O policial negou. — Fique no chão! Ordenou Bukowski. Enquanto que policial continuava apontando a arma, Bukowski se dirigiu lentamente para o homem. Os outros não faziam nenhum movimento.

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— Quem é você? Diga seu nome! Exigiu Bukowski com um alto tom imperativo. — Meu nome... Sou... Thomas Stein, respondeu o homem que estava deitado e a quem vinham seguidos ataques de tosse. — Está detido! Replicou Bukowski. O policial uniformizado avançou. Bukowski apontou a pistola para o corpo de Tom. — Ponha-lhe as algemas! Ordenou ao agente. Uns segundos mais tarde, se escutou o clique das algemas nos pulsos de Tom. Bukowski se inclinou para a mulher. Observou que estava gravemente ferida, mas consciente. — Somos policiais, informou Bukowski. — Acabou! — Ele, esse... Homem... Salvou-me a vida, disse com dificuldade. — Eu vi, respondeu Bukowski. Enquanto isso, o policial havia se dirigido para o ancião. Tomou seu pulso. — É o velho professor. Está morto, confirmou. — Pelo visto morreu a tiros. Do outro lado, Bukowski se dirigiu para Moshav que parecia inconsciente. — Este também está vivo. Bukowski lhe deu palmadinhas nas faces até que Moshav abriu os olhos. — O que aconteceu? Onde está Tom? Bukowski mostrou a arma para Moshav e dissipar qualquer tipo de dúvida. — Somos policiais, não faça nenhuma bobagem, acho que tem uma contusão na cabeça. Fique deitado e não se mova, assim não acontecerá nada. — Onde está Tom? Repetiu Moshav. — Thomas Stein? Moshav concordou. — Seu amigo está deitado ali ao lado. Na ação de salvamento respirou muito fumaça. — Obrigado Meu Deus! Suspirou. — Esse maluco arriscou a vida para salvar a mulher que queria matá-lo. Bukowski se inclinou mais para Moshav. — O que aconteceu? Moshav moveu a cabeça em direção à cabana e respondeu: — Não está vendo?

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CAPÍTULO 50 PARIS, SAINT GERMAIN DES PRÉS

Ainda não havia amanhecido sobre os telhados de Paris quando soou o celular que o Cardeal Borghese tinha sobre a mesinha-de-cabeceira. O som do telefone não o despertou. Os escuros pensamentos não haviam lhe deixado conciliar o sono. Não havia conseguido pregar olho, não parara de dar voltas na cama, lutara incessantemente contra os pesadelos que o invadiam. Durante um instante seu corpo se relaxara. A angústia fugira por baixo da porta. Observou como sua alma abandonava o corpo. Viu-se pendurado numa cruz. O sangue saía pela ferida de um lado. De repente, chamas começaram a escalar a madeira da cruz. Intensas dores invadiram o corpo do crucificado. Empapado em suor frio se sobressaltou. As palmas das mãos do cardeal estavam sangrando. Havia apertado os punhos com tanta força que havia feito feridas com as unhas. O cardeal se levantou na cama e acendeu a luz. Estava há quase uma hora sentado e completamente paralisado quando o telefone soara. Olhou o despertador, cinco horas. Instintivamente sentiu que algo não andava bem. Antes de atender, fechou fortemente os olhos e lançou um pedido ao céu. — Tudo correu mal, precisamos desaparecer, disse a voz ao telefone. O cardeal respirou profundamente. — Perdemos, afirmou com uma voz angustiada. — Ainda nos resta uma oportunidade, escutou do outro lado da linha. — A última corda à qual podemos nos agarrar. Só nos resta esperar que a polícia não chegue a descobrir tudo. Borghese secou o suor da testa. — Faremos o que precisarmos fazer. Temos uma missão e a ela entregaremos nossa vida. — Esperarei amanhã pela manhã, disse a voz antes de finalizar a ligação. O Cardeal Borghese se levantou. Ajoelhou-se frente à cruz da parede e começou uma oração. — Ajude-nos Senhor. A escuridão e a necessidade nos invadem, ajude-nos, para que acabe esta angústia, se não a tudo que dedicamos nossas vidas será destruído em segundos. Olhou para a cruz com olhos suplicantes, mas o crucificado não respondeu. CABANA DE ROSTWALD PRÓXIMO DE BISCHOFSWIESEN, REGIÃO DE BERCHTESGADEN

A cabana demorou vinte e três minutos para desabar completamente. Saltavam chispas que desapareciam na escuridão. O barulho das paredes e do teto caindo, provocara um ensurdecedor ruído. De repente, a escuridão se acentuou, as chamas reduziram e se concentravam na fogueira que havia se formado. — Que ninguém se mova! Pontualizou Bukowski. Ninguém respondeu. Sete minutos mais tarde chegaram outros dois policiais à cabana. — Tudo bem, Sepp? Perguntaram a seu companheiro. — Temos tudo sob controle, respondeu o companheiro de Bukowski. — É o colega da judicial de Munique. A luz de uma lanterna alcançou Bukowski, ajoelhado no chão junto aos detidos.

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— Rápido! Exclamou o agente. — Precisamos de uma ambulância, temos três feridos e dois mortos. Nesse momento já haviam descoberto o corpo do boxeador, bem na frente das escadas da cabana. Vários disparos haviam se cravado em seu peito. — Os demais companheiros estão a caminho, informou um dos agentes. — Estão afastando para o lado o veículo que bloqueava a entrada. Já chamamos a ambulância. Apenas uma hora mais tarde, a área em torno das cinzas da cabana estava iluminada por resplandecentes luzes. Os SEK se retiraram com as mãos vazias e as forças de salvamento haviam ocupado seu lugar. Na entrada de Rostwald, em um prado, aterrissara um helicóptero. Os bombeiros de Bischofswiesen e das localidades vizinhas estavam se ocupando da cabana. Pelo visto, dois corredores noturnos de Bischofswiesen haviam notado o fogo no meio do bosque e ligaram para os bombeiros avisando do incêndio da cabana. Bukowski estava contente. De fato não havia mais fogo por extinguir, mas os bombeiros estavam realizando um extraordinário trabalho nas tarefas de auxílio. Bukowski se encarregou do comando. — Que dois policiais vigiem a cada um dos feridos, ainda não sabemos quem são os criminosos e quem são as vítimas. Que uma agente se encarregue da mulher. Sepp Ortlieb se encarregou de transmitir as ordens do responsável da ação. — O helicóptero levará a mulher para o hospital de Munique. Tem queimaduras graves nas pernas. Além disso, tem feridas de bala nos ombros, nos quadris e barriga. Sua vida corre perigo. — E os outros? — No ancião deram vários tiros repetidamente e pelo visto perdeu muito sangue, informou Ortlieb. — O moreno levou um tiro na nuca, talvez uma grave lesão cerebral e o ruivo tem uma ligeira intoxicação de fumaça. Também está com o queixo machucado, no demais se encontra bem. Levaremos os dois para o hospital de Berchtesgaden. Bukowski concordou. — O morto na frente da cabana tinha um cúmplice com uma cicatriz no rosto e se não estou errado também falta Steimeier. Ortlieb concordou e apontou para a cabana queimada. — Pode ser que ainda estejam lá dentro. Os bombeiros começaram a busca? Bukowski negou com a cabeça. — Esperamos os colegas da científica, disse. — Já estão chegando. — Algum dos detidos disseram algo? Ortlieb apontou com o indicador. — O ruivo não para de tossir, vai lhe sair o estômago pela boca e o moreno não para de desmaiar. — E a mulher? — O médico diagnosticou estado de coma. Ficará calada durante um bom tempo. Bukowski mordeu os lábios. — Bem, então podemos apenas esperar. Vamos ver o que nos revelará o lugar dos fatos. Ortlieb olhou seu relógio de pulso. — Amanhecerá em uma hora, então poderemos saber mais.

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STRUB, REGIÃO DE BERCHTESGADEN

Lisa esperou que a científica concluísse a obtenção de provas. Aproveitou a ocasião para inspecionar a casa. Havia muitos livros jogados por todos os lados. Em sua maior parte se tratava de livros de arqueologia. Procurou possíveis esconderijos, apalpou as paredes e o chão, olhou para ver se encontrava algum local oculto entre os armários, mas sem resultado. Aparentemente os intrusos haviam revistado a casa minuciosamente. Não haviam esquecido nenhum canto. Através do corredor se dirigiu ao pequeno aposento que ficava ao lado da cocheira. Era um aposento de convidados composto por um mobiliário simples e uma cama. Tudo estava desmantelado. Ficou olhando a roupa revolta pelo chão. Levantou uma camisa e a observou detalhadamente. Pelo tamanho era impossível que pertencesse ao professor. Podia ser uma camisa de um empregado. Olhou dentro do armário, havia uma maleta vazia, saqueada e com o couro rasgado. Chamou-lhe a atenção uma alça da maleta, tinha pendurada uma etiqueta de uma companhia aérea israelense. Ajoelhou-se e recolheu os papéis jogados pelo chão. Entre estes se encontrava uma passagem de avião de Telavive a Stuttgart com data de apenas três semanas. O professor tivera visita? Continuou procurando, levantou a manta da cama e girou o colchão para o lado, também fora rasgado. Ajoelhou-se e olhou por baixo da cama. Pode ver um pequeno cartão entre a penumbra criada pela débil luz de sua lanterna. Apanhou-o, era do tamanho de um cartão de crédito com a foto de um homem na parte da frente com seus dados em hebreu. Girou o cartão. O reverso estava escrito em inglês. — Professor Chaim Raful, leu em voz alta. — Universidade Bar-Ilan, Telavive. O cartão identificava Raful como professor da Universidade. — Chaim Raful, murmurou uma vez mais. — Interessante! Virou-se. De repente sentiu uma penetrante dor em seu ventre. Precisou se dobrar e gritou. Um policial da científica olhou para dentro do aposento. Assustado se dirigiu até Lisa e a ajudou. — O que aconteceu? Perguntou preocupado. Lisa se retorcia de dor. A cortante dor abdominal não a deixava se mover. O policial se sentou na cama. Deitou-se enroscada de lado. Jazia no chão como uma criança encolhida no ventre da mãe. Seu rosto estava desfigurado pela dor. — Rápido! Chame uma ambulância, ordenou o policial da científica a um de seus companheiros. CABANA DE ROSTWALD PRÓXIMO DE BISCHOFSWIESEN, REGIÃO DE BERCHTESGADEN

Quando apareceu pelo caminho a van VW branca da científica, Bukowski olhou-os impacientemente. Com certeza não estavam muito apressados. Apenas há umas horas tiveram de inspecionar a casa do velho professor em Strub e agora já precisavam se dedicar as tarefas seguintes. Haviam solicitado reforços, mas demoraria um tempo até que encontrassem esse lugar perdido no meio do bosque por cima de Bischofswiesen. Nervoso esperava a sua colega. Depois que desceram todos da van e começavam a apanhar suas ferramentas, Bukowski se dirigiu a eles.

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— Precisamos saber o que aconteceu aqui, comentou aos homens da científica. O chefe da operação concordou. Bukowski olhou ao redor impaciente. — Onde está a minha colega? Perguntou a um dos homens que passou por seu lado. — Desmaiou, respondeu o policial. — Chamamos uma ambulância e a levaram para o hospital. — O quê? Perguntou Bukowski em voz alta sem acreditar. — Está no hospital de Berchtesgaden, tinha dores muito fortes. Bukowski Ficou quase sem respiração. — Ocupem-se do lugar dos fatos. Possivelmente entre os escombros encontrarão dois cadáveres. Virou-se e procurou Ortlieb. Encontrou-o junto de seus colegas. — Por favor, Ortlieb, me leve até o hospital de Berchtesgaden. — Mas não acho que já possamos falar com os detidos, respondeu o agente. — Por favor, me leve! No caminho explicarei do que se trata. Ortlieb olhou com atenção para Bukowski. Observou o rosto preocupado do policial. — Está bem! Respondeu.

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CAPÍTULO 51 HOSPITAL DE BERCHTESGADEN, BAVIERA

O hospital regional de Berchtesgadem era na Locksteinstrasse. Um edifício de cor clara rodeado por um belo gramado verde. Do fundo podia se ver uma colina, mas Bukowski nem sequer parou para olhar a bucólica paisagem. Decididamente saiu disparado para a entrada do hospital, tão rápido que quase se choca com as portas automáticas. A senhora atrás do balcão de recepção olhou-o irritada. Bukowski apanhou sua placa de identificação e a estendeu bruscamente até quase enfiar no nariz dela. — Bukowski, Polícia Judicial, anunciou secamente. — Quero ver Lisa Herrmann, entrou aqui há um par de horas. A mulher se aproximou do teclado. — Herrmann, com um erre ou com dois? — Dois erre e dois enes, respondeu Bukowski impaciente. A mulher examinou a tela. — Ainda está em observação, não terminaram os testes. Siga reto por essa porta, no corredor da esquerda. Bukowski já estava a caminho, havia saído sem agradecer e sem ver como a mulher, olhando-o, fazia caretas negativas. A porta para a seção se abriu automaticamente. Bukowski virou para a direita e prosseguiu pelo corredor pintado de branco. À esquerda havia uma fileira de portas azul-claro. Parou no meio do corredor na frente de uma grande janela de vidro. Na porta se lia que era a sala das enfermeiras, mas não havia ninguém. Impaciente procurou ao seu redor. Sempre acontecia o mesmo quando se procura alguém, aí é que não aparece ninguém. "É típico", pensou. Junto à sala de enfermeiras se abriu uma porta. O carrinho de um aspirador vermelho foi a primeira coisa que o olhar de Bukowski alcançou. Seguia-o uma pequena mulher morena com o cabelo recolhido em uma longa trança e um avental azul escuro. Bukowski assaltou a mulher. — Estou procurando Lisa Herrmann, onde está? A mulher olhou-o surpresa e deu de ombros. — Não entender, perguntar enfermeira, respondeu a mulher. — Perguntar a enfermeira! Bukowski imitou-a irritado. — Se pelo menos tivesse uma. — Espere, certo vir enfermeira rápido, disse a mulher e desapareceu com o carrinho na direção oposta. Ali próximo, no corredor, se viam duas cadeiras e, junto a estas, uma porta com a inscrição "Sala de observação". Bukowski se sentou em uma das cadeiras e começou a golpear nervoso o respaldo da outra. Não parava de pensar na jovem colega. O que poderia ter acontecido? No dia anterior comentara que não se sentia muito bem. Bukowski não sabia o tempo que havia se passado quando, de repente, se abriu a porta da sala. Saiu uma mulher jovem com um rabo de cavalo e uma bata branca, e em seu pescoço estava pendurado um estetoscópio. Bukowski deu um forte salto. — Desculpe! Dirigiu-se a ela apressadamente. — Estou procurando Lisa Herrmann, poderia me dizer onde ela está? A mulher olhou para Bukowski de cima a baixo.

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— Você é seu colega? Bukowski concordou e lhe mostrou a placa. — Já comentara que o veria por aqui. Sou a médica que a examinou. Agora mesmo está dormindo e precisa de descanso. — O que ela tem? Perguntou Bukowski. — Está cansada e perdeu um pouco o equilíbrio, mas é completamente normal com a mudança hormonal que está experimentando, o corpo precisa se adaptar à nova situação. Deve cuidar para que não tenha muito trabalho nesta nova fase, sobretudo nada de turnos à noite. Estimo que em uns quinze dias tudo estará normalizado, é o habitual durante as primeiras semanas de gravidez. Bukowski estava tão surpreso que não sabia o que dizer. Ficou boquiaberto na frente da médica. — Você parece surpreso. — Não havia me dito que estava grávida, afirmou Bukowski. — Se soubesse não a teria mandado para essa tarefa infernal. Além disso, comentou que a menstruação já viera, e assim não se pode estar grávida, não é? Deve ter se equivocado. A médica concordou. — Pode ser que algumas mulheres sangrem durante as primeiras semanas. Não é muito habitual, mas não é de estranhar. Acho que ela mesma não sabia que estava grávida. — Posso vê-la? — Depois do meio-dia, primeiro precisa descansar. Ligue mais tarde e se não se importar, seria tão amável de informar ao seu namorado e os familiares? — Sim, claro, respondeu Bukowski e ficou olhando para a médica que depois de um breve gesto de mão de despedida se afastou apressadamente pelo corredor. "Lisa está grávida", disse Bukowski a si mesmo. Merda! Por que não teria dito nada? Uma mulher deve sentir algo tão importante. Por um lado, se alegrava por Lisa, mas, por outro lado, a notícia havia lhe deixado consternado. Gostava da colega que se sentava junto a ele em sua sala, mesmo se, às vezes, fosse muito complicada. Agora sim que iria protestar quando ele acendesse um cigarro. Bom, com certeza rapidamente concederiam a licença maternidade, talvez se casasse com seu namorado e dentro de uns anos se incorporaria em outra seção. Nessa época ele já não trabalharia mais na polícia. Que pena. GENTILLY, FRANÇA

— Ninguém responde, disse Yaara. — Aconteceu alguma coisa, eu pressinto. Tom não desligaria o celular. — Talvez tenha ficado sem bateria, Jean tentou tranquilizá-la. Estavam tomando o café-da-manhã na pensão Tissot com o olhar dirigido para a cinzenta rua. Outros hóspedes começaram a ocupar as mesas contíguas. Nessa hora o Tissot ficava cheio. — Ontem também tentei falar com ele e não consegui. Duas ou três horas de carga é suficiente. E não precisa fazer todo o dia. — Em que pensa? Perguntou Jean. — Creio que realmente estão em perigo, não posso ficar aqui sentada e esperar que ligue. — Gosta muito dele, não é? Yaara segurou a sua xícara de café com as duas mãos e sem dizer nada, concordou com a cabeça. — Tom é um bom homem, muito inteligente, continuou Jean. — Não acredito que seja fácil ele entrar em uma situação perigosa. Não vai se lançar no

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vazio e, além disso, Moshav está com ele. Madame Dubarry se dirigiu à mesa e se inclinou para Jean. — Telefone, monsieur Colombare. Na sala. Yaara lançou um olhar para Jean. — Já vou, ele disse para Madame Dubarry. Yaara observou-o intrigada enquanto saía do refeitório. Terminou seu café e esperou. Quem poderia ligar para ele na pensão? Seria Tom, teria o telefone quebrado ou o teria perdido? Não podia ser, teria ligado para ela. Então, quem saberia que se hospedavam nesta pequena pensão nas cercanias de Paris? — Quer outro café? Perguntou Madame Dubarry. Yaara negou com a cabeça. Intrigada continuava olhando para a porta do aposento ao lado. Tinha a impressão de que havia se passado uma eternidade até que, por fim, Jean regressou à mesa. — Quem era? Perguntou cheia de curiosidade. — Era Paul, queria saber se hoje poderia nos mostrar a cidade. Yaara respirou aliviada. —Pare de se preocupar com Tom. — Já não suporto mais ficar aqui. Jean suspirou. — Entendo. Se quiser, esperamos até ao meio-dia e se continuar não atendendo partimos para Alemanha. Está bem assim? Yaara concordou. — Espero que não tenha lhe acontecido nada. ROMA, SANTO OFÍCIO

Padre Leonardo se levantou cedo. Após a oração da amanhã, tomou um ligeiro café-da-manhã antes de se fechar em sua sala. Em sua mesa o correio lhe esperava, um grande envelope, um envio urgente de Jerusalém. Padre Phillipo havia enviado esse envelope por um mensageiro especial. Padre Leonardo abriu o envelope com grande expectativa. Um certificado de posse assinado pelo diretor do Escritório para a Antiguidade de Israel e pelo funcionário competente pelas tarefas de escavação. Padre Leonardo se sentiu satisfeito. O poder do Santo Oficio já havia lhe chegado no dia anterior, assinado pelo cardeal prefeito e selado pela Santa Igreja. Agora já nada poderia sair mal. Jean Michel Picquet lhe escrevera um e-mail na noite anterior. Já haviam concluído os preparativos e a expedição já havia partido. As autoridades da Terra Santa não puseram objeção alguma em conceder as autorizações pertinentes, depois de anunciar generosas doações a diversos museus da cidade. Não havia tempo a perder, Padre Leonardo sabia que podia confiar em Picquet. Não encarregaria a nenhum maluco, conhecia bons profissionais que fariam um bom trabalho. Agora Padre Leonardo podia se concentrar na sua missão. Os custos para a emissão na televisão foram altos. Não obstante, ainda sobraria um par de milhões na conta, uma conta que havia avalizado o mesmo cardeal prefeito. Padre Leonardo se reclinou satisfeito no respaldo da cadeira. Tudo caminhava segundo o planejado, agora só precisava esperar que se movessem as peças no sul da Alemanha. Quando o ruído do telefone lhe devolveu à terra teve um sobressalto. Levantou-se e atendeu. Era o irmão Markus de Freising.

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— Desculpe ter ligado tão cedo, mas me pediu que lhe comunicasse qualquer evento estranho que acontecesse em nossa região, comentou o jovem com um evidente tom de desculpas em sua voz. — Aconteceu algo estranho? — Ao menos isso é o que eu penso. Duas emissões locais diferentes informaram que próximo de Bischofswiesen aconteceu um tiroteio entre dois bandos rivais. Houve vários mortos e feridos, entre os quais se encontram dois residentes de Bischofswiesen. Imediatamente indaguei sobre o assunto. Uma das vítimas é o professor Jungblut. Era historiador e dava aulas na Universidade de Munique. — Muito interessante, respondeu Padre Leonardo com o coração a ponto de sair pela boca. Pelo visto tudo andara mais rápido do que esperava. — Tenho um amigo na rádio de Garmisch. Disse-me que correm rumores de que esse tiroteio está relacionado com as mortes de Ettal e da Wieskirche. Encontraram três cadáveres. Os feridos estão internados nos hospitais próximos. O oficial da polícia responsável por investigar o assassinato de Ettal também se encarregou deste caso. Padre Leonardo respirou profundamente. — Querido amigo, fez um trabalho excelente. Dentro de umas horas vou a Munique. Gostaria que me acompanhasse durante uns dias. Quando me recolher no aeroporto contarei de que se trata. — Primero preciso pedir permissão ao decano, replicou o irmão Markus. — Eu já me encarreguei disso, disse Padre Leonardo. — Por favor se prepare, vou lhe comunicar o mais breve possível a hora de chegada do voo. Quando terminaram de falar, Padre Leonardo ligou para o serviço eclesiástico. Apenas dez minutos mais tarde já tinha preparado o Learjet para partir para Baviera. Passou as mãos por seu espesso cabelo negro. Agora a bola já estava em movimento e não podia mais parar. Levantou-se e olhou para o céu da santa cidade através da janela. Sentiu a cálida brisa da amanhã. — Senhor, se é que existe, me acompanhe neste momento, suplicou.

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CAPÍTULO 52 INSPETORIA DE POLÍCIA DE BERCHTESGADEN, BAVIERA

Os policiais custodiavam os detidos nos hospitais. O ruivo alemão, de nome Thomas Stein, fora checado completamente e descansava da leve intoxicação de fumaça, como seu acompanhante de cabelo escuro. Também fora examinado, havia sofrido uma leve concussão e continuaria com fortes dores de cabeça durante uma temporada. Teve sorte, um par de centímetros mais à direita e a bala teria atingido o cérebro. Bukowski ainda não conhecia seu nome, mas pelo seu tom moreno de pele e seu escuro cabelo encaracolado, pensava que não podia ser alemão. A vida da mulher que haviam transferido para o hospital de Munique já não corria perigo. Depois da longa operação à que fora submetida, ainda não estava em condições de falar, mas ficara consciente durante uns segundos. As balas não haviam destruído nenhum órgão importante. As queimaduras das pernas eram superficiais e se curariam. Precisaria agradecer ao ruivo alemão que continuasse viva. Os policiais que a custodiavam no hospital contavam que nas fases de vigília perguntara por seu salvador e dissera que desejava vê-lo. Quando Bukowski entrou na sala de operações do segundo andar da inspetoria de polícia, dois colegas da científica analisavam as fotos do lugar do tiroteio. No canto havia outra mesa onde descansavam os restos do incêndio, envoltos em lâminas de plástico. Os agentes levantaram o olhar quando Bukowski se aproximou da mesa. — Bom dia, superior da judicial! Cumprimentou o mais magro, que se apresentou como Gunter Hofmann, Diretor da Polícia Científica da inspetoria local. — Encontraram algo? Perguntou Bukowski sem dar rodeios. Estava satisfeito porque Lisa não tinha nada grave, mas precisava fazer um grande esforço para se concentrar, já que seus pensamentos divagavam. — Tudo o que se pode encontrar depois de um incêndio, respondeu Hofmann. Bukowski se sentou e observou as fotos que o colega de Hofmann espalhara sobre a mesa. — Encontramos dois cadáveres na casa, informou. — Um, à direita da porta, levara três tiros. O outro, totalmente queimado, com o resto carbonizado de uma faca na garganta. Não quero me adiantar aos resultados da autópsia, mas considero que essa ferida pode ter sido mortal. Não acredito que tenha morrido por causa do incêndio. — Escutamos vários tiros antes de chegar na cabana, balbuciou Bukowski. Bateram à porta e o companheiro de Bukowski da noite anterior entrou na sala, o oficial Ortlieb. — Atrapalho? Perguntou. — Entre, ao fim e ao cabo poderá saber em primeira mão tudo o que aconteceu na cabana. Hofmann concordou e se dirigiu para a parede onde havia desenhado um croqui. — Imaginamos que um grupo estava na cabana enquanto o outro tentou invadi-la. Encontramos restos de magnésio entre os escombros. É possível que tenham utilizado uma bomba de fumaça. Além disso, debaixo do para-lama do Ford haviam colocado um pequeno sensor. Emitia um sinal de alta frequência que se comunicava com um receptor que decifrava a sua localização. Bukowski franziu a testa. — Isso quer dizer que os perseguidores sabiam perfeitamente onde se achavam sem necessidade de segui-los!

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— Exato! Respondeu Hofmann. — Um tal Thomas Stein de Gelsenkirchen alugou o Ford na Baviera. Já verificamos. A mulher do balcão de Hertz ainda lembra que estava acompanhado de outro homem. Segundo a descrição pode se tratar do outro que está internado no hospital. — E o outro carro? Perguntou Ortlieb. — O homem com perfil de culturista alugou-o um dia antes na Avis. Apresentou-se com a identidade francesa de um tal Henry Colette, mas já descobrimos que se trata de uma falsificação. O outro carro pertencia a Hans Steimeier de Bischofswiesen, que deve ser o cadáver com as feridas de bala que encontramos na cabana. — Creio que sei quem são os outros dois mortos, respondeu Bukowski. — É muito provável que se trate de dois assassinos muito procurados. Um tal de Fabricio Santini e o outro, o mais corpulento, deve ser Marcel Mardin, um francês. Já pedi que o legista faça uma comparação com o material de DNA que dispomos. — Sem qualquer sombra de dúvida, a mulher veio no Mercedes e deve pertencer a esse grupo. Encontramos um casaco feminino e um cabelo longo ruivo dela no veículo. Desconhecemos seu nome, não trazia nenhuma documentação consigo. Bukowski suspirou. — Este é o lado escuro de uma Europa sem fronteiras. Hofmann concordou e apontou para a mesa. — Encontramos várias armas entre os restos. Duas escopetas e um rifle, assim como quatro pistolas. Uma Luger, duas Glock e uma Browning. Por desgraça, não conseguimos obter nenhuma impressão das armas já que pegaram fogo. — Isso quer dizer que precisamos acreditar nas declarações dos sobreviventes do incêndio, prosseguiu Bukowski. Hofmann se levantou da mesa. Bukowski e Ortlieb se levantaram também e seguiram-no. Hofmann lhes mostrou uma pequena bolsinha. — Confiscamos isso do tal Stein. Bukowski analisou os pertences: um molho de chaves, um celular quase destruído, uma anotação com a placa do veículo de Steimeier e seu endereço, assim como uma corrente de ouro com uma chave prateada. Bukowski levantou a corrente para observar melhor a chave. Ortlieb ficou olhando-a igualmente, observando cada detalhe. — Não parece que a corrente e a chave façam par, murmurou Bukowski. Introduziu a mão em seu bolso e apanhou os óculos para perto. Havia um número inscrito em uma das laterais da chave "4721-18". Bukowski mostrou a chave a Ortlieb. — Tem uma ideia? Ortlieb pegou a chave na mão. — Pertence a um armário, disse Hofmann. — Suponho que sim, replicou Bukowski. Ortlieb franziu fortemente o cenho. — Poderia ser um armário para guardar bagagens. As chaves dos escaninhos de um banco são menores. Creio que uma vez tive uma chave destas na estação de trem. No último caso que resolvemos, um ladrão havia escondido o roubo em um armário da estação. Creio que era o mesmo tipo de chave. Bukowski retomou a chave. — Vamos verificar então, tem tempo? Ortlieb concordou. — Gostaria que me acompanhasse, minha colega está doente. Também gostaria de falar com esse Stein no hospital. — Acho que o chefe não terá nada contra, respondeu Ortlieb.

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AUTOESTRADA A-8, ENTRE MUNIQUE E BAD REICHENHALL

Padre Leonardo se reclinou no assento. Olhava pela janela lateral, deixando fluir a paisagem ao seu redor. Há apenas uma hora havia aterrissado com o Learjet em Munique. Segundo o acordado, o irmão Markus fora apanhá-lo no aeroporto. Agora se dirigiam com o vento a favor em direção à fronteira austríaca. O irmão Markus havia aproveitado o tempo para se informar mais detalhadamente sobre os incidentes da noite anterior no bosque de Bischofswiesen. — Esse Bukowski montou o acampamento em Berchtesgaden. Internaram os sobreviventes no hospital dali. Uma mulher foi transferida para Munique, parece ser que está gravemente ferida. — Desta vez conhecemos o senhor Bukowski, respondeu Padre Leonardo sorrindo. — Escutei especulações de que até a máfia poderia estar por trás das mortes. Há um par de dias houve um tiroteio no Königssee em que um policial ficou ferido. O jornal dizia que dois mafiosos fugiram e depois tomaram como refém uma mulher de Mitterbach, e finalmente escaparam de helicóptero na madrugada. Parece mais um filme de Hollywood. Padre Leonardo concordou. — Às vezes a vida real é mais intrigante que os filmes e inclusive menos previsível. O irmão Markus sorriu enquanto o chofer do escuro Audi reduzia a velocidade para sair da autoestrada. — Sabe exatamente quando aconteceram esses fatos no Königssee? Perguntou Padre Leonardo depois de que o carro passou pela saída. O irmão Markus pensou por um momento. — Creio que foi um dia depois que encontraram o cadáver brutalmente assassinado em Watzmann. O povo está dizendo que foi assassinado por esses mesmos mafiosos. Padre Leonardo sorriu. — Neste tipo de casos as pessoas gostam de inventar histórias, respondeu. Durante um tempo reinou o silêncio na parte traseira do veículo. — Aonde vamos primeiro? Perguntou o jovem irmão. — A primeira coisa que faremos será comer algo em um bom restaurante local, respondeu Padre Leonardo. — Você está convidado, jovem amigo. Depois visitaremos a inspetoria para falar com o senhor Bukowski. O irmão Markus concordou. Com o olhar baixo ficou pensativo. —O que aconteceu, jovem amigo? Perguntou Padre Leonardo. — É... Todo o tempo eu me pergunto por que a Igreja e o Santo Oficio se interessam tanto pelos assassinatos desta região. Padre Leonardo concordou compreensivo. — Digamos que roubaram algo muito valioso da Igreja e que precisamos recuperá-lo. E você, querido amigo, terá a oportunidade de me ajudar neste assunto. HOSPITAL DE BERCHTESGADEN, BAVIERA

Tom estava deitado em um quarto individual, vigiado por dois policiais uniformizados que até agora não haviam lhe dirigido mais de três palavras. A todas as perguntas que fez, responderam com um monossílabo ou lhe remetiam ao chefe responsável do caso. Pelo visto, estavam mais interessados nas revistas que haviam trazido do que manter uma conversa com ele. Tudo o que sabia era que Moshav estava em um quarto contíguo, e os dois estavam detidos por causa do tiroteio de Rostwald. Moshav apresentava feridas leves e, pelo que escutara, tivera também uma ligeira concussão cerebral.

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Tom estava pensando se devia contar à polícia toda a história. Conhecia muito bem a burocracia alemã, a maior parte dos funcionários do país era totalmente inflexível e se agarravam aos regulamentos. Impaciente continuava deitado na cama, olhava fixamente para a parede e deixava passar o tempo. Os minutos transcorriam lentamente. Haviam recolhido todos os seus pertences. O telefone, as chaves e até a corrente com a chave do armário que o professor havia lhe entregado pouco antes de morrer. Iriam acreditar nele quando contasse tudo o que sabia sobre esta enrevesada trama? Levariam a sério a história que colocava em dúvida a existência de Jesus Cristo? O que o responsável da investigação diria quando contasse que suspeitava de que a Igreja católica se escondia por trás de todos os assassinatos, que a Igreja não era mais que um bando de assassinos? Seria tratado como louco. Assim decidiu ser prudente e não contar em princípio tudo o que sabia. Merda! Se ao menos tivesse um telefone ao lado da cama e pudesse ligar para Yaara. Com certeza ela estaria preocupada. Enquanto pensava nisto, entrou no quarto um homem idoso com um terno cinzento. Seguia-o um policial uniformizado. Tom os reconheceu em seguida. Mesmo com as chamas do incêndio da cabana de Rostwald, a maior parte do cenário ficara na escuridão, mas esses dois rostos ele nunca esqueceria. Quando apareceram esses dois personagens na noite anterior, soube que havia sobrevivido ao horror. — Senhor Stein! Disse o senhor de cabelo grisalho. — Chamo-me Bukowski, sou o comissário responsável pelo caso, se lembra de mim? Tom se levantou e concordou. Bukowski apanhou uma cadeira e se sentou junto à cama. — Antes de começar, devo dizer que está detido por participar no tiroteio da cabana de Rostwald em que morreram várias pessoas, ficou bem claro? Tom voltou a assentir. Bukowski colocou uma gravadora na mesinha. — Deve responder com clareza, este aparelho ainda não registra rostos. — Sim, tossiu Tom. — Vai responder as minhas perguntas? — Sim, desde que saiba a resposta. — O que aconteceu naquela noite na cabana? Perguntou Bukowski. Tom pensou por um momento o que seria melhor responder. Finalmente decidiu obviar a história de Jesus Cristo. — Para responder preciso me remontar um pouco ao passado, respondeu. — Tenho tempo, respondeu Bukowski. Tom começou com as escavações no Vale do Cedro de Jerusalém. Destacou o encontro da tumba do templário e os rolos que o professor Chaim Raful roubara. Informou sobre a importância deles rolos, disse que não sabia do que se tratavam exatamente, mas que eram muito valiosos, e que em certas esferas pagariam até milhões por eles. Narrou todo o acontecido em torno dos assassinatos de Israel e a procura de Chaim Raful, que os levara até o velho amigo do professor israelense que vivia em Bischofswiesen. Junto a ele, Chaim Raful pretendia decifrar os escritos. — Então, o cadáver de Watzmann é o desse professor israelense? Interrompeu Bukowski. — Poria a mão no fogo de que é ele, respondeu Tom. — Quando descobrimos o endereço do professor Jungblut, fizemos uma visita, mas descobrimos que haviam assaltado a casa. Tudo estava revirado e ele desaparecera. Finalmente o encontramos na cabana. — Como o encontraram, se não tinham nenhum tipo de contato com ele? — Simplesmente seguimos o seu empregado, respondeu Tom.

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— Seu amigo não tem nenhuma documentação consigo, não sabemos quem é, comentou Bukowski. — Moshav também participou das escavações, é o doutor Moshav Livney, procedente de Tiberias. É perito na história romana de Israel. Seu passaporte ainda deve estar no quarto da pensão Reissenlehen de Bischofswiesen, e o meu também. Nossos quartos são 217 e 218. — Bem, respondeu Bukowski. — Verificaremos em seguida, mas, o que aconteceu exatamente na cabana? Tom olhou para o teto. — Seguimos Steimeier até a cabana. De repente, ele nos descobriu e nos apontou uma escopeta, mas quando contamos nossa história ao professor nos trataram como fazem bons anfitriões com seus convidados. Jantamos juntos com o professor. Já era noite e o professor ofereceu para que dormíssemos no sofá. Íamos deitar quando, de repente, Steimeier notou uns tipos fora da cabana. Depois de tudo o que acontecera, sabíamos que esses tipos estavam armados. Steimeier repartiu as armas e em seguida explodiu o inferno. A porta se abriu com um chute e uma bomba de fumaça entrou na cabana, depois tudo aconteceu muito depressa. Atiraram e nós tivemos que responder. Steimeier caiu no chão e também atingiram o meu amigo Moshav. Pouco depois me dei conta de que um deles era uma mulher. Um homem com uma cicatriz no rosto se colocou na frente de mim e me socou, parecia um demônio. Quando recuperei o conhecimento esse tipo estava inclinado sobre o professor, ameaçava atirar nele se não lhe entregasse os escritos. Sabíamos que íamos morrer. O professor apanhou rapidamente uma faca e a cravou na garganta desse diabo. O homem atirou no professor pouco antes de cair em cima da mesa e derrubar a lâmpada de querosene. Em pouco tempo, toda a cabana estava ardendo. — E então conseguiu resgatar seu amigo, o professor e inclusive à mulher que antes havia tentado assassiná-lo? Tom concordou e preferiu omitir os tiros que dera na mulher. — E os escritos? O professor os entregou? — Não, respondeu Tom. — Sabe onde estão os escritos? Tom mordeu os lábios. — Provavelmente terão queimado na cabana. Bukowski parou a gravadora. — Foi um relato muito extenso. Entenderá que precisará ir para a prisão até que tenham se esclarecido todas as circunstâncias. Disseram-me que amanhã terá alta, então o levarão para Munique, mas posso afirmar que se tudo aconteceu como está nos contando, rapidamente ficará em liberdade. — Gostaria de ligar para alguém, disse Tom antes que Bukowski se levantasse. — A quem? — Uma amiga minha, deve estar preocupada porque não liguei. — Próximo daqui? — Não, em Paris. — Sinto muito. Posso comunicar a seus familiares que se encontra aqui e nada mais. Até que resolvamos o caso, entendido?

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CAPÍTULO 53 ESTAÇÃO CENTRAL DE TREM EM BERCHTESGADEN, BAVIERA

Ortlieb estacionou o carro de polícia no estacionamento na frente da estação de trem de Berchtesgaden. Bukowski estava sentado no assento do acompanhante e desligou o celular. Acabava de manter uma longa conversa com a sua seção e havia pedido que entrassem em contato com o consulado israelense. Precisava material de DNA da suposta vítima de Watzmann, o professor Chaim Raful. Se Thomas Stein havia dito a verdade, rapidamente poderiam dar um nome ao cadáver. Além disso, os colegas israelenses deviam confirmar que efetivamente um tal professor Chaim Raful havia trabalhado nas escavações junto com o doutor Moshav Livney e Thomas Stein. — E sobre o que ele confessou? Perguntou Bukowski a Ortlieb quando desligou o motor. — O que acha do garoto do hospital? Ortlieb colocou a mão sobre o queixo e olhou pensativo para a rua à frente. — Soa muito plausível, respondeu. — Pode ser muito próximo da verdade. Bukowski sorriu. — Eu não duvido que tenha dito a verdade em parte. Existem alguns fatos que podem serem verificados perfeitamente, mas tenho a sensação de que não nos contou todo, especialmente no que concernem aos documentos e sua participação no tiroteio. — Você acha que pertence a esse bando que se interessa por textos e artefatos antigos? Bukowski franziu a testa e fez um gesto de mão negativo. — Não, acho que realmente trabalhou nas escavações, mas sabe mais do que nos quer contar. Precisarei pressioná-lo um pouco mais na próxima vez. — E agora? — O armário da estação, respondeu Bukowski e soltou o cinto de segurança. Desceu do carro, mas antes de fechar a porta o celular começou a tocar. Atendeu rapidamente, e a conversa durou pouco. Não se escutou mais que uns sins e um som de confirmação. Quando desligou se dirigiu a Ortlieb, quem estava esperando intrigado no lado do motorista. — Eram os da científica, explicou Bukowski. — Conseguiram classificar as impressões do Mercedes. Tinha razão, o Fabricio Santini, aliás o Diabo utilizou o carro, e seu amigo Marcel Mardin. Também conseguiram identificar a mulher, se chama Michelle Le Blanc e é de Saint-Maxin, no sul da França. Era a namorada de Mardin e é procurada a nível internacional com ordem de prisão por vários crimes. — Outro indício de que esse Stein disse a verdade, não é? Respondeu Ortlieb. — A única coisa que eu afirmei é que ele não nos contou tudo, mas acho que sim na parte sobre os acontecimentos da cabana. Mardin e Santini também assassinaram o cura da Wieskirche e o monge do convento de Ettal, com o fim de chegar até o mapa da tumba do templário de Jerusalém, que o velho professor entregou aos homens da Igreja para que o traduzissem. Também podemos lhe atribuir o assassinato de Watzmann. — Mas os dois estão mortos, só a mulher continua viva. — Bom, agora vejamos se a chave entra em uma desses armários. Juntos entraram na estação central. Ortlieb tomou a iniciativa. Os armários ficavam na frente aos balcões. Bukowski apanhou a chave do bolso e se aproximou.

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— Vamos ver o que acontece! Disse o policial. — Armário 18 se me lembro bem. Ortlieb colocou a chave na fechadura e a girou. Abriu. — Bingo! Exclamou. Abriu completamente a porta e o olhar de Bukowski se cravou em uma bolsa. — Vejamos que tem dentro, disse ao retirar a bolsa. Abriu o zíper e descobriu um pacote negro plastificado e um envelope marrom. Bukowski apanhou o pacote. — Melhor deixá-lo fechado, devem ser os escritos antigos e podem se estragar com a luz e a humidade. Será melhor abri-los em um laboratório. Guardou-o novamente. Ortlieb apontou o envelope. — Mas aqui não acontecerá nada se dermos uma olhada. Abriu o envelope. Apareceu um bloco. Passou as folhas. Continha o croquis de uma cripta, um mapa e algumas fotos da escavação. — Stein disse a verdade, disse Ortlieb. — Deve ser a escavação de Jerusalém, essa parte da história é verdadeira, ratificou Bukowski. — Eu gostaria de saber o que contém no pacote, adicionou Ortlieb. Seguraram a bolsa juntos e retornaram ao carro. Ortlieb colocou-a no assento traseiro com cuidado. — Contarei quando o pessoal do laboratório tiver terminado, prometeu Bukowski enquanto olhava a hora em seu relógio. — Está pensando em sua colega? — Vou deixá-la mais um par de horas descansando, respondeu Bukowski. HOSPITAL DE BERCHTESGADEN, BAVIERA

Jean Colombare estava de pé frente ao imenso edifício branco, cheio de janelas, pensando como seria a melhor forma de agir. Sabia que haviam internado Moshav e Tom depois do tiroteio. Também sabia que estavam detidos e que a polícia os vigiava, mas precisava se colocar em contato com eles. Mas como poderia chegar até eles? Não parava de dar voltas. Finalmente decidiu comprar em uma loja um ramo de flores e entrou ao edifício pelas portas automáticas. Atrás do balcão de entrada estavam sentadas duas recepcionistas. Uma família estava falando com uma delas. Devia se dirigir diretamente a elas e perguntar? Rapidamente descartou essa ideia. Se observassem algo estranho era certo que informariam à polícia. Assim pensou em outra opção. Caminhou pelo longo corredor, por todos os lados encontrava pacientes e visitantes, de vez em quando um médico ou uma enfermeira, mas nem rastro de policiais, nem nos corredores, nem em alguma porta. Subiu pelas escadas até o segundo andar. Numa sala de visitas viu um numeroso grupo de pacientes conversando com seus familiares. Aqui e ali idosos jogavam cartas. Tudo parecia normal e pacífico, sem rastro da polícia. Prosseguiu pelo corredor até as escadas. Um homem agachado fixava a borracha numa porta. Em seu uniforme de trabalho podia se ler com letras brancas "Manutenção" e mostrava o logotipo do hospital na área do peito. O homem pertencia, portanto, ao serviço interno. Jean o cumprimentou amavelmente e entabulou uma relaxada conversa com ele sobre o trabalho, o tempo livre e o hospital. O homem interrompeu por um momento a tarefa e lhe respondeu em alemão com um acento estrangeiro. — Disseram que os tipos do tiroteio de Bischofswiesen estão internados no hospital, reconduziu Jean a conversa para o tema que lhe interessava. — Estranho não ver a polícia. — A polícia está aqui, respondeu o homem. — No andar de baixo, nos quartos do fundo. Dois policiais.

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Jean sorriu. Conseguiu saber sem grandes dificuldades o que queria. Em outras ocasiões, já havia reparado que com frequência se pode descobrir o que interessa conversando relaxadamente com as pessoas. É natureza humana querer compartir o mais essencial. Havia conseguido a primeira parte de seu objetivo, mas ainda lhe faltava o mais complicado. Mas agora, Jean Colombare já sabia o que precisava fazer. Tom ocupava o quarto do fundo do corredor, o de número 117, e Moshav o da frente. Tom continuava olhando pensativo para o teto. Precisaria sair dali o mais rápido possível. Com certeza que devolveriam as coisas que haviam confiscado em sua prisão. Não era de todo ruim esse Bukowski, ainda que sentisse que não havia acreditado em tudo o que havia lhe contado. Mas de que teria lhe servido admitir que atirara por necessidade naquela mulher com uma pistola que trouxera ilegalmente de Israel? Enquanto existisse uma única versão, a polícia teria demostrar o contrário e Moshav por certo não diria nada. Por outro lado, os escritos de Shelamizion não deviam fazer parte do processo policial. Tom olhou para a porta ao notar que se abria. Entrou um médico com bata branca no quarto. Um dos policiais se levantou, observou a bata de médico e voltou a se sentar na cadeira antes de pronunciar um enfadado "Alô". O médico correspondeu o cumprimento e se dirigiu a cama de Tom, que apenas o notou porque havia voltado a deitar e tinha o olhar no teto. — Como está nosso paciente? Perguntou o médico. Tom escutou seu acento, lhe recordava a França. Girou a cabeça e se assustou ao reconhecer Jean Colombare, quem de costas para o policial indicava silêncio com o dedo indicador. — Estou bem, respondeu Tom tenso. — Creio que me darão alta hoje ou amanhã, depois irei visitar uma cela em Munique. — Preciso checar de novo a garganta, comentou Jean e se inclinou para ele para sussurrar: — Não diga nada, amanhã retornarei com um advogado e os retiraremos você e Moshav daqui, entendido? — Enquanto que a mim levarão para prisão, prosseguiu Tom com seu lamento. — Meu amigo poderá ficar uns dias mais aqui, nestas cômodas camas do hospital. Jean concordou. Entendeu o que Tom queria lhe dizer. — Amanhã passarei de novo por aqui e não tenha medo. Se você for inocente e a polícia não puder acusá-lo de nada, certo que um advogado poderá retirá-lo rapidamente da prisão. Tom concordou. — E nem sequer me deixam ligar para a minha namorada. Gostaria de lhe dizer que estou bem e que a amo. Jean sorriu. — Se alguma vez tiver o prazer de conhecê-la, contarei o que está me dizendo. Finalmente Jean se virou e saiu do aposento. Antes de sair se despediu amavelmente do policial. Quando a porta se fechou, Tom gostaria de dar gritos de alegria, mas precisava se conter. Nunca teria imaginado que Jean possuísse esse talento de improvisação e essa cara dura. INSPETORIA DE POLÍCIA DE BERCHTESGADEN, SALA DE OPERAÇÕES

Bukowski estava olhando com grande interesse para a documentação e para as fotos sobre as escavações de Jerusalém. Precisaria enviar ao laboratório a bolsa. Pelo tempo que durasse sua intervenção na área desta inspetoria, o chefe de serviços havia lhe cedido o uso da sala de

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reuniões e operações especiais. Desde que chegara havia se amontoado vários papéis sobre a mesa. Recebera o relatório da autópsia dos três cadáveres de Rostwald, mas não trazia novidades. Não podiam atribuir as armas a alguma pessoa, a única coisa certa era que em Mardin haviam disparado com um rifle lhe provocando uma ferida mortal no peito e nos órgãos inferiores. Santini morrera porque lhe cravaram a faca em uma artéria. Seus pulmões não tinham marcas de que tivesse morrido asfixiado pela fumaça. Se as amostras de DNA coincidissem com os restos das vítimas podia descobrir as suas identidades e Bukowski encerraria o caso, ao menos em parte. Tinha a impressão de que pouco a pouco ia se fechando o círculo. A mulher internada no hospital de Munique estava se recuperando. Haviam atirado nela com uma pistola de grosso calibre, uma Browning, enquanto que o professor morrera com tiros de calibre 9×9. Quem atirou na mulher? Na realidade, segundo a descrição do tal Thomas Stein, só poderia ter sido ele mesmo. Talvez sentisse medo e pensava que não acreditariam se afirmasse que precisara atirar como defesa. Não obstante, continuava oculto um aspecto essencial. Santini e Mardin trabalhavam por dinheiro. Assim devia ter um responsável que teria pago pelos assassinatos. Ainda precisava encontrar essa pessoa. Possivelmente uma pessoa rica com uma paixão fatal pelo colecionismo. Bukowski olhou o relógio digital da parede. Com certeza Lisa já estaria acordada. Levantou-se e colocou o casaco. Antes que lhe desse tempo de sair, alguém bateu na porta. — Entre! Grunhiu com irritação. Abriu-se a porta e um policial assomou a cabeça. — Apareceu um padre falando que gostaria de conversar com você, explicou o funcionário. — Disse que é extremadamente importante. Bukowski suspirou e voltou a colocar o casaco sobre a cadeira. — Justo agora, se queixou. — Está bem, diga que entre. Quando Padre Leonardo entrou na sala com seu hábito negro e uma maleta na mão esquerda, Bukowski se levantou pesadamente e lhe estendeu a mão. — Eminência, a que se deve esta honra? — Sou o padre Leonardo do serviço eclesiástico de Roma. Encarregaram-me que conversasse com você. Nossa Igreja está extremadamente preocupada pelos brutais assassinatos que sofreram nossos irmãos. Bukowski apontou para uma cadeira e se sentou. O olhar de Padre Leonardo passeou pela mesa, reconheceu as fotos das escavações e se deteve brevemente no pacote negro plastificado. — Ah! Já vi que encontrou os documentos! Bukowski olhou confuso para o pacote. — Refere-se a isso aqui? — Vem de uma escavação de Jerusalém. Trata-se de textos antigos que foram roubados. Tem mais de dois mil anos e o pacote não pode ser aberto, o perigo de que fiquem arruinados é enorme. — E por que se interessa tanto por esses escritos? Perguntou Bukowski surpreso. Padre Leonardo colocou a maleta sobre a mesa e a abriu. Pouco a pouco retirou várias pastas e as entregou a Bukowski.

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— Esses escritos tem um grande significado para nossa Igreja, explicou o padre. — Roma se encarregou da dita escavação. O Escritório para a Antiguidade de Israel concedeu a Igreja a propriedade legal deles documentos para que os preserve e possa prepará-los para uma exposição em um museu de história eclesiástica. Bukowski fez um gesto de mão de não entender nada. — Estes documentos pertencem à Igreja? Replicou com surpresa. Padre Leonardo sorriu a seu interlocutor. Falava um alemão tão perfeito que Bukowski não pode notar a origem italiana do padre. — Entendeu perfeitamente. — Não posso lhe entregar os documentos, são provas do caso. Já morreram várias pessoas nesta região. Não se pode fechar o caso tão facilmente. — É espantoso o que aconteceu. Quando o professor Chaim Raful apanhou ilegalmente os escritos e desapareceu, soubemos que teria consequências fatais. Existem numerosos criminosos que querem enriquecer com o comércio de textos antigos e outros artefatos, mas mesmo assim consternou a todos em Roma que alcançasse tal dimensão. Bukowski entrelaçou as mãos apoiadas em sua barriga. — O confisco destes objetos só pode ser dado por um promotor ou um tribunal. Sinto muito, mas não posso entregá-lo tão facilmente. — Entendo, estimado senhor Bukowski. Minha presença se deve a outro motivo. Só queria lhe pedir que não tocasse nesses escritos para que não se estraguem. Em nosso Escritório Eclesiástico para a Antiguidade contamos com peritos formados e laboratórios especializados que se encarregarão disso. Com certeza já escutou falar das cavernas de Qumran. Bukowski assentiu. — Não me interprete mal, prosseguiu Padre Leonardo. — Com certeza que confiamos na Polícia alemã. Enquanto os documentos ficarem empacotados desse modo, não acontecerá nada e, acredite, o conteúdo dos documentos não influirá em nada para a resolução do caso. Para esses criminosos a única coisa que importava é que fossem autênticos e muito antigos, não concediam a relevância que lhes dá a nossa mãe Igreja. Quanto mais antigos, mais dinheiro pagam por eles. — Isso está claro, honorável padre. Pode ficar tranquilo de que não acontecerá nada ao pacote enquanto estiver em nossas mãos. Padre Leonardo se levantou e olhou amavelmente para Bukowski. — Estou certo disso, respondeu. — Iniciaremos as formalidades necessárias para que se levante o confisco sobre os mesmos. Agradeço muito a sua conduta. Antes de abandonar a sala apertou a mão de Bukowski. — Era o que faltava, murmurou Bukowski. — E agora a Igreja entrou no meio. Bukowski se levantou e apanhou de novo seu casaco. Quando escutou que voltavam a bater à porta gritou irritado: — Merda! Entre! Ortlieb entrou na sala de operações especiais. — Perdoe-me, não queira atrapalhar, disse em voz baixa— Mas a científica encontrou outras amostras de DNA no Mercedes dos criminosos. Também conseguiram obter um par de impressões de fibra no assento traseiro. Bukowski ficou paralisado. — O que quer dizer com isso? Perguntou. Ortlieb deu de ombros. — A científica acredita que havia uma quarta pessoa no veículo.

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CAPÍTULO 54 HOSPITAL DE BERCHTESGADEN, BAVIERA

Lisa estava sentada com as pernas cobertas em cima da cama. Seu olhar se dirigia imperturbável para a parede. Em seu rosto se refletia uma força que não podia se esquecer. Estava só no quarto, a outra cama estava vazia. — Perdoe! Disse Bukowski. — Perdoe que tenha lhe feito esperar, mas o caso não me deixa em paz. Agora até apareceu um padre, pelo visto um peixe gordo de Roma. Além disso, se supõe que alguém escapou na frente de nossos narizes quando estávamos na cabana. Não consegui vir antes. — Está bem, respondeu Lisa sem mover o olhar da parede. É como se estivesse fixada num ponto do que não pudesse se soltar. — Está claro que está liberada deste assunto até que se recupere. Se tivesse sabido que estava grávida não teria lhe arrastado até aqui. — Eu tampouco sabia, respondeu Lisa. — Que bom que as enfermeiras deste hospital se dediquem a publicar as notícias! Pelo visto aqui não existe o segredo profissional. Bukowski moveu a cabeça sem entender nada. — O que aconteceu? Por que está tão irritada? Deus meu, está grávida, vai ter um filho. Em seu ventre está nascendo uma nova vida. Espero que o pai da criatura se alegre um pouco mais que você. — Deixe-me! Protestou Lisa irritada. — Nem sequer havia me contado que tinha um namorado, prosseguiu Bukowski e em silêncio pensava sobre o que dissera para que Lisa ficasse assim. — Não podia fazer nada para evitar saber de sua gravidez nas circunstâncias em que eu soube. — Já posso sair? Perguntou Lisa. — Quero tomar uma ducha e parar de pensar. Bukowski suspirou. — O que aconteceu consigo? Por que se irrita tanto quando eu falo? Correu uma lágrima pelo rosto de Lisa. Parou de abraçar os joelhos com os braços e secou o rosto. — Tudo em vão, disse com um forte tom. — A Academia de Polícia, todos os seminários e estudos. Na próxima revisão teria sido promovida e agora todos os meus esforços não serviram para nada. Bukowski se levantou. — Não acabou tudo, respondeu Bukowski. — Muitas mulheres voltam ao trabalho depois de uma gravidez. Lisa nem notou o comentário de Bukowski. — Não tenho ideia do que vou fazer com uma criança, não estou preparada para isso. Tenho um apartamento pequeno. Deus meu, por que precisaria acontecer justamente a mim? — Em algumas famílias o homem cuida das crianças e a mulher continua trabalhando, prosseguiu Bukowski. Lisa negou com a cabeça. — Grávida? Vá merda, vou é para a Holanda. Bukowski deu um pulo. — Quer que a leve para ver seu namorado e conversar com ele? — Esses comprimidos de merda, protestou Lisa. — Não deveria ter acontecido nada, vou processar o fabricante. — Lisa, se quiser eu falo com seu namorado. Não acredita que deveria saber que vai ser pai? Lisa olhou irritada para Bukowski. Se olhar matasse ele teria caído fulminado nesse preciso instante. — Você é quem tem a culpa de tudo! Gritou. Bukowski abriu os olhos exageradamente. — E o que eu tenho a ver com isso? Protestou.

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Lisa se levantou e colocou os sapatos. Usava uma bata branca e havia recolhido seu cabelo ruivo em um coque. Apertou os dentes e grunhiu. — Às vezes eu mesma me esbofetearia. Bukowski sorriu um pouco, gostava muito quando ela se irritava. — Não deveria se preocupar tanto, tentou tranquilizar a Lisa. — Se você não se atreve eu posso falar com o pai da criança. Lisa se colocou justo na frente dele e o olhou irritada. — Por que diz todo o tempo sobre um suposto namorado? Merda! Não tenho namorado. — Eu achava... — Escute-me bem, interrompeu Lisa. — A única vez que estive com um homem nos últimos três meses foi naquela noite em Paris. Espero que não tenha se esquecido. Bukowski ficou sem respiração, com a boca aberta e começaram a tremer os joelhos. Sem compreender nada se deixou cair na cama. Lisa se dirigiu à porta. — Espero que o senhor tenha descoberto de uma vez por todas, disse. — Vamos! Não tenho vontade de passar a noite aqui. Bukowski apenas escutou as palavras de Lisa. O sangue lhe golpeava fortemente os ouvidos e o coração parecia que ia a sair pela boca. MUNIQUE, UNIDADE DE CRIME ORGANIZADO DA BAVIERA, BRIGADA 63

Bukowski não podia se recordar de quando fora a última vez que havia passado uma noite tão ruim. Apenas havia podido pregar olho. A cabeça retumbava como se em seu interior milhares de moscas estivessem fazendo uma corrida. Por muito que pensasse, não lhe servia de nada. Lisa estava grávida e segundo todos os indícios ele era o pai. Deus meu, a garota era trinta anos mais jovem que ele, ele poderia ser seu pai. Ele não havia se proposto ter filhos nessa idade. O telefone lhe arrancou de um golpe de seu fluxo de pensamentos. Bukowski atendeu um tanto atordoado. — O que aconteceu, senhor Bukowski? Perguntou a diretora da judicial, a senhora Hagedorn-Seifert, com uma voz firme. — Não está passando bem? — Estou bem, respondeu Bukowski sem muito entusiasmo. — Estamos no fim do caso. — Sim, seria bom que de vez em quando me informasse do avanço das investigações. Precisei saber pela imprensa que um de meus colaboradores estava num tiroteio em Berchtesgaden, em que resultaram várias pessoas mortas. Bukowski não estranhou o interesse. Era típico, não mover a bunda para nada, mas querer estar sabendo de tudo para poder resumir nas altas esferas todas as experiências que se tem. — Não podia falar no telefone, aconteceu tudo muito depressa. Além disso, tinha a mão ocupada com uma pistola, respondeu Bukowski ironicamente.

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— Bukowski, já lhe disse que não gosto de você nem um pouco, mas me pediram do ministério que não o perca de vista. Agora precisarei saber: que investigações ficaram pendentes? Bukowski começou a fazer caretas ao telefone e começou a imitar a sua chefa. Podia imaginar exatamente o aspecto que tinha agora sentada ao telefone. — Vejamos, vou resumir, respondeu Bukowski e dando a sua voz certo ar de formalidade. — Hoje darão alta ao primeiro ferido e o transferirão para Munique. Amanhã tem a primeira audiência sobre a manutenção da ordem de prisão preventiva. Gostaria voltar a falar com ele. Apareceu em cena um amigo dele, um tal Jean Colombare de Paris, e trouxe um advogado. O segundo ferido ainda continua no hospital. Está custodiado porque foi detido e porque o bando tinha um quarto membro que ainda está à solta. Não poderemos descartar que apareça no hospital. Já solicitei uma busca internacional, mas é difícil quando não se sabe exatamente a quem estamos procurando. — Foi determinado o transcurso dos fatos? — Estamos trabalhando nisso. — Bem, Bukowski, disse a chefa. — Ainda tenho algo para falar. O promotor chefe Huber me disse que o bispo lhe informou que você confiscou, no transcurso desta operação, uns papéis que pertencem à Igreja. Trata-se de escritos muito antigos e possivelmente seja o motivo dos assassinatos. — Exato, confirmou Bukowski. — Evidentemente, que devolvemos imediatamente esses documentos a seu proprietário. Faça um par de fotos, será suficiente. — Mas os escritos estão embrulhados num pacote. Precisaríamos um laboratório especializado, se não podemos estragá-los. — Pois faça fotos dos escritos empacotados. Bukowski negou com a cabeça. — Mas se trata de provas. — Basta que a Igreja diga que se trata de valiosos documentos antigos, ou acaso não confia na palavra de um bispo? Bukowski respirou profundamente. — Certo, respondeu. Não tinha sentido discutir sobre o tema. O promotor era quem devia decidir se bastava uma afirmação da Igreja. No dia seguinte entregaria o pacote à sala de provas criminais da promotoria. Depois de desligar, deu um forte suspiro e se esticou bem na cadeira. De repente, se sobressaltou. Lisa estava na frente dele. — Como...? Não... Não escutei você entrar, gaguejou. Ela se sentou detrás de sua mesa. — Você, eu... — Não quero escutar nada disso, objetou imediatamente Bukowski. — Precisamos acabar um trabalho e isso é o que vamos fazer. Bukowski negou com a cabeça. — Não posso agir como se não tivesse acontecido nada. — O passado, no passado ficou. Não poderemos fazer nada para modificá-lo, mas temos um caso sobre a mesa e nos concentraremos precisamente nisso e em nada mais, de acordo? Bukowski começou a rir. — Alguma vez alguém lhe disse que aparecem duas marcas nas faces quando fica irritada? E se vê as marcas dando saltinhos, é muito engraçado. Lisa se enervou.

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— Primero me deixa prenha e agora, quer rir de mim? Gritou tão forte que Bukowski parecia diminuir em sua cadeira. — Ok, ok, respondeu em voz baixa. — Contarei todo o que aconteceu e juntos escreveremos o relatório prévio para a promotoria. Lisa concordou de mau humor. CENTRO PENITENCIÁRIO MUNIQUE-GIESING, STADELHEIMER STRASSE

De manhã cedo dos agentes de polícia transferiram Tom do hospital ao centro penitenciário de Munique. Não lhe permitiram se despedir de Moshav. Bukowski havia mandado que os detidos não se vissem até nova ordem. Ainda existia perigo de combinarem alguma coisa. Uma vez que Tom superou o degradante procedimento de admissão, foi levado a uma cela individual para presos com ordem de detenção preventiva. Uma cela de três metros de largura e quatro de comprimento, com uma pequena mesa, uma cadeira, vários armários e uma cama dura, seria a sua nova residência durante os próximos dias. Os detidos em prisão preventiva ficavam em celas individuais e, ao meio-dia, podiam utilizar o pátio interior para um pequeno passeio. Desde que soubera que Yaara estava bem e próxima dali se sentira muito melhor. Rapidamente lhe concederiam a liberdade, ao fim e ao cabo, ele era uma vítima e não um assassino. Estava a apenas uma hora sentado em sua cela quando abriu a grossa porta de metal. Um funcionário da prisão com uma camisa celeste apareceu. — Tem visita, disse. Tom seguiu ao funcionário que o levou através de uma esclusa de segurança para a sala de visitas ao final do corredor. Tom pensou que lhe esperaria um agente de polícia. Talvez de novo o tal Bukowski, mas se surpreendeu quando viu um padre com uma túnica negra sentado de costas para a porta. O funcionário indicou a Tom que se sentasse e saiu da sala. Tom observou a sala, havia uma câmera de vigilância enfocada nele. Quando o padre se virou quase caiu de costas da surpresa. — Você? Disse com uma evidente surpresa. — Se lembra de mim? Perguntou Padre Leonardo. — Você era o acompanhante de Padre Phillipo no aeroporto de Telavive. Nunca esqueci dos rostos. Você veio de Roma. — Como sabe? — Voou para Roma naquele dia. Era a sua gente, aqueles do bosque? Padre Leonardo fez um gesto de mão como defesa. — Não acredita realmente que tenho algo a ver com esse assunto. Sou um homem da Igreja, defendo a palavra e a paz, não as armas e a violência. Tom riu. — Curioso! Aparece em Jerusalém e as escavações se convertem em um campo de batalha. Por que iria acreditar? — Chaim Raful contaminou-o com suas ideias. Você nasceu na Alemanha e foi batizado na fé cristã. É tão fácil jogar para um lado sua fé, origem e identidade? Tom se recostou na cadeira.

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— Sou um simples arqueólogo que se baseia em fatos. Padre Leonardo rechaçou o comentário de Tom com um gesto. — Arqueólogo, repetiu com tom depreciativo. — A maioria dos arqueólogos é buscadora de tesouros e cavam buracos na terra a qualquer preço para conseguir fama pessoal. Tom negou com a cabeça. — Não, os arqueólogos procuram impressões. Impressões de nossos antecessores para poder entender de onde e para onde devemos nos dirigir. Padre Leonardo aproximou uma cadeira e se sentou. — Raful já havia traduzido os escritos? — Por que veio me ver? Quer assassinar a mim também? — Não entendeu nada, respondeu Padre Leonardo. — Sou de Roma, não tenho nada a ver com o que aconteceu. Sou membro da Congregação da Fé, secretário do cardeal prefeito, não sou um assassino. Hoje existem outros meios, os tempos mudaram. Não é preciso mais assassinar ninguém, basta criar confusão. Mas por que preciso contar isto? As pessoas, como criação de Deus, devem cumprir os mandamentos que o Senhor lhes deu. Tom observava o padre com muita atenção, tentava ver mais além de suas palavras. O que traria nas mãos? Por que estaria ali? — Do ponto de vista biológico, o ser humano pode ser a coroa da criação, mas se levarmos em conta os seus atos é o ser mais inferior, mais que os parasitas que só pegam o que necessitam para comer. Em troca, o ser humano só conhece ódio e ambição. Um sorriso apareceu no rosto do padre. — Tem uma má imagem do ser humano e da Igreja. — Todos nós conhecemos a história. A Igreja condenou com sangue e lágrimas a inocentes. — Jesus morreu por todos nós, morreu de forma brutal, replicou Padre Leonardo. — Jesus morreu por si mesmo e por sua ideologia, corrigiu Tom. — Raful disse isso ou foi seu companheiro de luta Jungblut? — Digamos que são fatos arqueológicos. Padre Leonardo entendeu que possivelmente o homem que tinha sentado na frente dele conheceria, com segurança, o conteúdo dos escritos dos templários. Raful já havia começado seu trabalho quando foi assassinado. Inalou profundamente. — Se imaginarmos que Jesus de Nazaré não era o filho de Deus, mas sim um homem normal, que foi arrastado pela corrente até o centro da história e você contar com uma prova real que o demonstre: quantas esperanças destroçaríamos? Quanta decepção, dor e amargura estaria disposto a jogar sobre as pessoas? Tom olhou para o teto. O professor não havia dito algo similar? Como seria o mundo sem a crença em Deus? Tom não podia imaginar. — E o que aconteceria? Não se compromete a Igreja com isso? — Cada verdade tem seu momento. Olhe o mundo. Não está preparado para a verdade. Tom concordou. — Perseguiram-nos, alguns foram assassinados. Olhe a quantidade de sangue que foi derramado por culpa desses escritos. Não poderemos nos sentir livres até que tenham sido publicados. — Rapidamente estarão em um lugar protegido e ninguém mais se interessará por você e por seus amigos, dou a minha palavra. Peço humildemente que pense no que acabo de lhe dizer

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e acredite em mim, disse Padre Leonardo antes de bater na porta para que fosse aberta. Tom suspirou. — Posso confiar em você não é? — Que Deus lhe proteja! Disse o padre ao se despedir. MUNIQUE, UNIDADE DE CRIME ORGANIZADO DA BAVIERA, BRIGADA 63

— Não pode ser verdade! Exclamou Bukowski dando um forte soco sobre a mesa. Lisa se assustou. — O que lhe disseram? Queixou-se Lisa. — Ficou maluco? Bukowski desligou irritado o telefone. — Era da promotoria, precisamos deixar em liberdade imediatamente o Thomas Stein. Lisa olhou-o confusa. — Conseguiu o melhor advogado da cidade para que o represente. A promotoria meteu o rabo entre as pernas. Apareceu um amigo de Thomas Stein, um tal Jean Colombare de Paris, que trabalhou com ele nas escavações e que afirma que seus dois companheiros estavam simplesmente procurando o professor Raful. Nossa científica não vai poder prosseguir com a reconstrução dos fatos e é de supor que o outro internado não possa lembrar o que aconteceu naquela noite, tem uma amnésia temporal como consequência da concussão cerebral. — Ainda temos a mulher, observou Lisa. — Stein e seu companheiro estão totalmente livres. São arqueólogos e pelo visto têm um reconhecido prestígio em seu âmbito. Em troca, a mulher já conta em seu histórico com uma longa lista de denúncias. A promotoria dúvida de sua inocência. Além disso, a residência habitual de Stein é Gelsenkirchen. — Quer dizer, não temos nada a fazer, prosseguiu Lisa. Bukowski apanhou os pertences de Thomas Stein da gaveta de sua mesa. Pensativo observou o cordão onde a chave do armário da estação de Berchtesgaden estava pendurada. — Ainda nos resta uma oportunidade, disse Bukowski reflexivo. — Tem uma chave pequena de um escaninho ou algo parecido? — O que pretende fazer? — Se não o podemos pegar por sua participação no tiroteio vamos pegá-lo por roubo. Talvez a promotoria reconheça então a sua implicação nos fatos do bosque e seja capaz de emitir uma ordem de prisão. Lisa remexeu na gaveta de sua mesa e apanhou uma chave. — É de nossa antiga máquina de café. Antes me encarregava de enchê-la. Bukowski analisou a chave e concordou satisfeito. Uma hora mais tarde levaram Tom para a Polícia Judicial da Baviera onde Bukowski lhe esperava na sala de tomada de declarações. Apesar de todas as estratégias possíveis para que confessasse, Tom ratificara as afirmações anteriores. Finalmente Bukowski se levantou da cadeira e entregou a Tom seus pertences. — Pode ir, disse. — Do lado de fora está lhe esperando um amigo, um tal Jean Colombare. Seu companheiro de trabalho, não é? Tom concordou, apanhou o cordão e o pendurou no pescoço. — O telefone quebrou, precisará de um novo. Tom sorriu.

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— Estou contente de sair vivo, respondeu antes de sair da sala. Jean Colombare estava sentado do lado de fora, em um banco do corredor. — Obrigado a Deus que esteja bem! Exclamou ao abraçar Tom. — Onde está Yaara? Perguntou Tom. Jean lhe segurou pelo braço e sussurrou: — Explicarei lá fora. Bukowski estava olhando pela janela. Sorriu quando viu Tom e seu acompanhante no estacionamento. Entraram um Volkswagen vermelho. — Vamos ver o que acontece! Disse. — O veículo está pronto? — Todos em seus postos, respondeu Lisa. — Vou ligar para Maxine, precisa me contar tudo o que souber sobre esse tal Colombare. Talvez até possamos pegar os dois, disse Bukowski alegremente. — Você e seus planos, replicou Lisa modestamente.

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CAPÍTULO 55 MUNIQUE, AMALIENSTRASSE PRÓXIMO DO JARDIM INGLÊS

— Muito obrigado por me retirar da prisão! Disse Tom a Jean Colombare ao sair da Inspetoria da Polícia. — Eu não fui, respondeu Jean e apontou para seu acompanhante. — Foi o seu advogado. — Não tivemos nenhum problema ao questionar o auto de detenção, explicou o homem de barba. — Bukowski não tinha nenhuma prova contra você. — Agradeço, respondeu Tom e lhe estendeu a mão. — Não tem de quê, respondeu o homem antes de dar meia volta e sair. Tom olhou ao seu ao redor. — E Yaara, onde está? — Está esperando no apartamento. Pensei que seria melhor que não aparecêssemos todos na polícia. Vamos. Pelo caminho pode me contar o que aconteceu. Saíram da inspetoria e entraram no Volkswagem vermelho que estava estacionado no parking. — Um apartamento, um carro? De onde conseguiu tudo isto? — Tenho um amigo em Munique, respondeu Jean e ligou o motor. — E agora... Conte-me! Está com os escritos? Tom apanhou sorridente a corrente de ouro que lhe rodeava o pescoço e mostrou a chave na frente dos olhos de Jean. — Sei onde estão guardados, respondeu Tom. — Raful e Jungblut os guardaram em um lugar antes de morrerem assassinados. O que ainda não ficou claro é como esses tipos deram conosco na cabana. Passaram pela Briener Strasse e viraram na Oskar-Miller-Ring indo para a Amalienstrasse. Tom contou com todos os detalhes o que havia vivido na cabana. — Moshav teve muita sorte, disse Tom enquanto Jean dirigia pela Amalienstrasse. — Não faltou muito para que o matassem. Jean concordou. — Ficará internado até o fim de semana. — Foi vê-lo? — Sim, prometi que não o deixaremos só. A rua se estendia na direção norte. Era rodeada de edifícios de várias andares com janelas abalaustradas, pequenos balcões e ornamentos nas fachadas. Pouco tempo depois, Jean parou o carro em um estacionamento livre. — Chegamos, disse. Tom não podia esperar mais, estava desejando abraçar Yaara. Jean levou Tom para um edifício de quatro andares com a fachada cinza. Nas janelas não havia cortinas, parecia que o edifício estava vazio. — Achava que tão próximo da Universidade seria impossível encontrar um apartamento vazio, comentou. — Este edifício é de um amigo, vai reformá-lo para alugar. São apartamentos de sua propriedade, já sabe, uma boa inversão. — Seu amigo é um bom especulador, brincou Tom. — Algo parecido, respondeu Jean e fechou o grande portal de madeira. Entraram ao edifício e Jean fechou cuidadosamente à chave. Subiram pelas escadas até o terceiro andar. Em cada andar havia duas portas, Jean se dirigiu à da direita que era de madeira

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escura de carvalho. Jean abriu-a e indicou a Tom que entrasse. O apartamento estava vazio, as paredes sem pintar. — Ao seu amigo ainda resta bastante muito por fazer, brincou Tom. Jean concordou com um sorriso. Juntos entraram na sala de estar mobiliada com um sofá só num canto, onde Yaara estava sentada. Tinha as mãos escondidas atrás das costas. Tom sorriu mas se deu conta em seguida de que algo não estava bem, pois seu rosto permaneceu inerte. Quando Tom escutou que se fechava a porta atrás de si, se virou. Seus olhos se fixaram em um homem alto e magro com um moderno terno bege. Tinha o cabelo negro, era muito moreno de pele como o modelo de um catálogo de roupa. Com a mão segurava um arma de grande calibre, apontando para Tom. Tom olhou sem poder acreditar para Jean. — O que acontece aqui? Perguntou. Jean levantou as mãos para se defender. — Não vai acontecer nada, dou a minha palavra. Só queremos os escritos e os artefatos da tumba, depois desapareceremos. Prometo que não voltará a nos ver. Assim não resista, por favor. Tom não podia acreditar no que estava acontecendo, desceu os ombros e olhou tristemente para o chão. — Acreditava que era nosso amigo, como pode se meter com esta gente? O rosto de Jean adotou uma força que não podia ser esquecida. — Amizade, camaradagem e cooperação são palavras bonitas. Senti-me bem com vocês, realmente. Talvez soe como uma frase feita mas é verdade. Não obstante, existem épocas nas quais precisamos consagrar nossas vidas a assuntos mais elevados que as questões puramente terrenas. Tom concordou. — Entendo, suspirou. — Sempre me perguntei como esses tipos podiam nos seguir tão de perto. Agora entendi tudo. Desde o princípio estava com eles. Você era a pessoa infiltrada em nossas filas e foi quem nos levou até o precipício. Espero que fique claro que está com as mãos cheias de sangue! — Eu sei, mas isso vai mais além do seu entendimento, respondeu Jean. — Os ensinamentos de Deus e seu filho feito homem são muito mais importantes que a amizade. Milhões de pessoas confiam nele. Ninguém tem direito de decepcionar tantas pessoas. Todos nós viemos à terra para cumprir uma missão. Tom pensou em Padre Leonardo. — Já escutei algo parecido. Sempre havia acreditado que a Igreja é o símbolo do amor e fraternidade. — Claro que é, mas pode se defender quando a atacam, por isso a Irmandade de Cristo existe há mais de dois mil anos. — E ultimamente tem acabado com numerosas vidas. Se existe Deus de verdade, nunca aprovará suas atuações. Arderão no inferno. Jean sorriu. — A chave! FREISING, CASA DO CARDEAL DÖPFNER

O irmão Markus havia ligado e dado a conhecer ao Padre Leonardo que o Cardeal Borghese havia chegado de Paris e pretendia passar um par de dias em Munique. Não havia mencionado o motivo de sua visita, mas Padre Leonardo podia imaginar a causa que o havia trazido até a esta região da Baviera.

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Era a ocasião definitiva para frear as atividades de Borghese, ele assim economizava uma ida a Paris. Teria consequências fatais se o cardeal se movesse tal e como estavam as coisas. Já era meio-dia quando visitou o aposento do cardeal. Bateu à porta e esperou uma resposta que não recebeu. Padre Leonardo grudou o ouvido à porta e escutou a conversa que o Cardeal Borghese mantinha ao telefone em francês. O mais provável era que se tratasse de um cúmplice da Irmandade, assim pode deduzir dos fragmentos soltos que escutou. Pelo visto, o cardeal havia esquecido que as portas de Freising não eram tão maciças como podiam ser as dos tradicionais edifícios eclesiásticos. Depois de um tempo, Padre Leonardo não aguentou mais. Sem voltar a bater na porta, entrou de golpe no aposento. O Cardeal Borghese ficou paralisado pela entrada inesperada. Afastou o auricular do ouvido e gritou irritado para o Padre Leonardo: — Mas o que você está fazendo? Padre Leonardo sorriu e levantou os braços. — Saia imediatamente daqui! Ainda não terminei esta ligação telefônica! Padre Leonardo não pensava obedecer. Descaradamente aproximou uma cadeira e se sentou, depois ajeitou bem a sotaina. — Esqueceu-se do respeito com a esfera particular? O cardeal prefeito com certeza não gostará nada da impertinência do comportamento de seu secretário. — Errou! Respondeu friamente Padre Leonardo. — A conversa telefônica já terminou. Diga a sua Irmandade que tudo terminou. Já não existem mais os templários e o assassinato não é um método próprio para uma Igreja que deseja perdurar além do século XXI. O cardeal franziu pronunciadamente o cenho. — Ligarei mais tarde, disse ao pequeno microfone do celular antes de desligá-lo e colocá-lo sobre a mesa. — O que sabe sobre a Irmandade? Perguntou Borghese atônito. — Tudo! Respondeu Padre Leonardo secamente. — Então, querido amigo já é hora de conversarmos, respondeu o cardeal com uma fingida amabilidade. Sentou-se junto a Padre Leonardo. — Café ou chá? — Nada disso! — Querido amigo! O cardeal tentou recomeçar de novo a conversa. — A Irmandade de Cristo não é algo secreto, tampouco é proibida. Trata-se simplesmente de uma simples associação de cristãos, muito crentes, cuja prioridade é o bem estar de nossa mãe Igreja. Recolhemos fundos, financiamos hospitais e protegemos a nossa Igreja de todo o mal da sociedade atual. A tarefa que nos propusemos se diferencia muito pouco de sua missão na Congregação da Fé. A seção da doutrina de fé está muito focada em proteger a Igreja dos atos de heresia. Padre Leonardo se sentiu forçado a rir. — Essa é a imagem que você tem da congregação? Em que século vive, Borghese? Há tempos que terminou a caça às bruxas. O Cardeal Borghese respirou profundamente. — Uma vez mais perdoarei a sua falta de respeito, jovem amigo. Atribuirei a sua juventude essa forma com que me trata. — Os assassinos não merecem nenhum respeito. Sei tudo o que fez e o posso demonstrar. Vou acabar com você e me encarregarei pessoalmente de que arda nas chamas do inferno. — Herege, demônio, mas o que você acredita? Acaso não sabe quem possui o poder dentro da Igreja? Pequeno padre impertinente, ser mover um dedo só posso enviá-lo para o Pólo Norte numa missão com os pinguins. — Está errado! — Eu nunca erro!

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— Os pinguins vivem no Pólo Sul e esse não é seu único erro. O arbitratus generalis que o cardeal prefeito me concedeu, assinado pelo papa, me outorga o poder para ir preparando a fogueira onde arderá. O Cardeal Borghese se assustou. Teria errado? O cardeal prefeito teria sido capaz de dar um passo assim? — O que quer de mim? Perguntou o cardeal com insegurança. — Quero que faça as malas agora mesmo e desapareça daqui. Vá para Paris e peça demissão. Nos próximos três dias você entregará todos seus cargos e se retirará deste mundo. Em nossa Igreja não existe lugar para um bando de assassinos. — Você não sabe o que diz, balbuciou o cardeal Borghese. — Por que iria fazer o que me pede? Padre Leonardo se levantou da cadeira e se dirigiu à porta. Antes de puxar a maçaneta se virou para o cardeal. — Tenho em minhas mãos as provas que o culpam. Se não sair voluntariamente, informarei pessoalmente ao papa de suas ações. A Santa Sé o excomungará. Ou se demite ou apodrecerá como um assassino excomungado em uma prisão. Pode escolher que caminho tomar. Dou-lhe exatamente setenta e duas horas para isso. MUNIQUE, AMALIENSTRASSE PRÓXIMO DO JARDIM INGLÊS

— Onde os escritos estão escondidos? Perguntou Jean. — Não tem opção: ou nos o diz ou vai morrer. — Não vamos morrer de qualquer maneira? Respondeu Tom, sentado junto de Yaara no sofá e com as mãos algemadas. Jean se colocou bem na frente dele e o olhou profundamente nos olhos. — Sou um homem cristão e ainda seu amigo. Fale e os deixarei ir embora, dou a minha palavra. Tom sorriu torcendo os lábios. — Palavra de um traidor? Jean fechou os olhos e olhou para o teto. — A fé foi sempre e continuará sendo o que enche a minha vida. Mas de que serve a fé se não se pode proteger uma instituição como a Igreja? Ela se perderá. Entrei para esta Irmandade por puro convencimento e com toda minha alma para poder proteger a fé com minha própria vida. Olhe as igrejas vazias! Olhe nossos envelhecidos padres. Por todos os lados inimigos nos atacam e estão esperando para nos roubar a fé. Há tempos que a sociedade perdeu a sua vinculação com Roma. Não poderemos permitir que se percam os últimos restos da cristandade. Alguns dos que observam este desenvolvimento afirmam que faltam dez minutos. Eu digo que dez minutos faltavam ontem. Se esses rolos forem publicados, então toda a Igreja desmoronará. Que sentido teria então as nossas vidas? Tom negou com a cabeça. — Esses escritos são o legado do mestre da justiça à humanidade. Todos nós temos o direito de nos informar e conhecer o homem ao qual veneramos. — Você não é cristão também? — Creio na verdade, replicou Tom. O elegante homem com a pistola na mão havia se mantido afastado em silêncio. Mas nesse momento apareceu em cena. Com um frio olhar, encarou Tom nos olhos, abaixou a pistola e

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sorriu. Com uma velocidade inimaginável saltou até ele, mas para segurar Yaara, a pôs de pé bruscamente e lhe colocou no pescoço um faca que trazia escondida na mão. — Já falaram muito, disse bruscamente. Tinha acento italiano. Tom o olhou-o com medo. Yaara tremia todo o corpo. Passou a faca pela garganta de Yaara, o peito e o ventre. Tom se preparou para dar um salto. — Vou furar a noivinha na sua frente e não vai ser uma morte fácil. Quer que lhe conte como saiu deste mundo a sua jovem amiga italiana? — Filho da puta! Gritou Tom e pulou do sofá. Com um vigoroso ímpeto se chocou contra o corpo dele. Yaara, Tom e o torturador caíram ao chão. A faca voou pelos ares. As algemas impediam Tom de golpear o assassino, mas pôde lhe dar um chute no abdômen. O homem gritou de dor. Antes que Tom repetisse o chute, golpearam Tom pelas costas e o italiano se jogou para um lado. Tom se virou. Jean estava de pé na frente dele, apontando uma pistola. — Não se mova Tom! Ordenou Jean. — Se não cooperar, matará Yaara, não faça nenhuma bobagem. — Está bem! Replicou Tom sem respiração. — Mas que a deixe em paz. Com dificuldade o italiano pode se levantar. Bruscamente segurou Tom para e vingar do golpe. — Antônio! Chega! Ordenou Jean. O receptor da ordem parou e jogou Tom no sofá. Yaara continuava estirada no chão. Jean segurou-a e a levou até o sofá. — Sinto muito, murmurou. Antônio elevou de novo a arma. — Vamos fale! Exigiu fortemente. — Se não, perderei a paciência. — Está bem Antônio! Tranquilizou-o Jean Colombare. — Vamos! Onde estão escondidos os escritos? — Num armário da estação de trem de Berchtesgadem, disse Tom. — Que número? — Dezoito. Jean olhou para Antônio. — Vigie-os, mas deixe-os em paz se se comportarem bem. Em quatro horas estarei de volta. Se acontecer algo, ligue para o meu celular. Quando tiver os rolos em meu poder, comunicarei. Antônio concordou. — Quatro horas, se não tiver voltado então, acabarei o assunto à minha maneira. Este tipo disparou em Michelle, eu vi com meus próprios olhos. Tom não acreditava. Acaso esse tal Antônio estivera na cabana de Rostwald? Então, por que não o atacou? — Está viva e continuará vivendo, respondeu Tom. — Mas na prisão, é pior que morta.

* * * A equipe de observação havia tomado posições em um veículo na frente do prédio. Stein e seu acompanhante haviam desaparecido em um edifício cinza de vários andares. Em meia hora, outra equipe alojada no edifício da frente informou de que no apartamento à direita do terceiro andar havia várias pessoas.

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— Continuem vigiando! Respondeu Bukowski que havia estacionado o carro próximo da Schillingstrasse. — Ninguém mora nesse edifício, disse Bukowski para Lisa que estava sentada no assento do acompanhante. Havia proposto não participar da equipe de intervenção. — Vamos ver se conseguimos descobrir quem é realmente esse tal Colombare e se podemos conseguir uma chave de alguma forma. Lisa concordou e apanhou o celular. De novo, crepitou o rádio. — Puma 3/621 para 3/212! Emitiu o rádio. A equipe de observação do apartamento se comunicava com eles. Bukowski respondeu. — Acaba de aparecer uma pessoa na janela do apartamento do terceiro andar. Está armada. Repito, está armada. Parece que está apontando para alguém no chão. — O que está acontecendo lá dentro? Perguntou Lisa. — Está certo, 212? — Cem por cento. — Atiraram? — Negativo, repito, negativo. — Poderia identificar a pessoa? — Não é nem Stein, nem quem o recolheu na polícia, respondeu o colega. — Merda! Soltou Bukowski. — Acha que é a quarta pessoa de Rostwald que procuramos? — Só pode ser! Replicou Bukowski. — Quero os SEK aqui, agora mesmo. Apenas haviam se passado dez minutos quando entrou de novo em contato a equipe de observação I. — A pessoa B que seguimos, saiu o edifício e entrou num carro. O que faremos? Bukowski olhou para Lisa. Inalou profundamente e respondeu: — Sigam o veículo! Como vê o assunto? Perguntou a Lisa. — Existem duas possibilidades, respondeu. — Ou o suposto amigo de Tom realmente não é ou o assassino o enviou para apanhar os rolos e ficou com Stein de refém. Com admiração Bukowski deu um estalo com a língua. — Boa menina, esperemos para ver como evoluirá a situação. Rapidamente saberemos se esse francês vai para Berchtesgaden. Dez minutos mais tarde, a equipe de observação I informou de que o veículo da pessoa B se dirigia para Berchtesgadem pela autoestrada. Antes que Bukowski respondesse, soou o telefone de Lisa. A conversa telefônica foi breve. — Efetivamente o edifício está vazio, não mora ninguém ali porque vão vendê-lo. — De quem é? — O proprietário é um tal Pérre Benoit, que comprou da Igreja, respondeu Lisa. Bukowski esfregou a testa com a mão. — Da Igreja? Interessante!

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CAPÍTULO 56 PARIS, SAINT GERMAIN DES PRÉS

O cardeal andava de um lado para outro no aposento, como um tigre fechado em uma jaula muito estreita. Desesperado, intranquilo, desesperançado. Após o encontro com esse padre louco, o cardeal voara diretamente a Paris. Estava tentando contactar Benoit, mas até agora não havia conseguido. O cardeal suspirou. Desde que Raful se colocara em contato com os dois religiosos da Alemanha e os homens de Benoit encontraram na Wieskirche a chave do cofre que haviam obtido do convento de Ettal, sabia que o destino da Irmandade pendia por um fio. Os fragmentos que continham o cofre não deixavam lugar a dúvidas de que o legado dos templários jazia próximo do monte do Templo de Jerusalém. Esse legado não havia diminuído a sua capacidade destrutiva ao longo dos séculos. Seria o final da Irmandade? As palavras do padre o atingiram como balas e não o deixavam descansar. O que aconteceria nas próximas sessenta horas? Deixara se abater tão facilmente o cardeal prefeito? Seu companheiro de caminho, ao longo de tantos anos, havia lhe deixado. Negou-se a recebê-lo. Seria o princípio do fim? O prefeito não era membro da Irmandade, nunca fora, mas conhecia a sua existência e a tolerava. Mas agora estava se afastando de seu amigo. Uma amizade de quarenta e cinco anos que estava se aniquilando. Em nenhum momento duvidou de que o padre possuísse suficientes provas contra ele e seus companheiros da Irmandade. Sabia que se a opinião pública soubesse dos atos a que haviam se visto obrigados, se desataria um escândalo em todo o país. Exigiriam a cabeça de todos, como o padre agora exigia a sua. Ninguém entenderia que se pudesse utilizar até a morte de uma pessoa, o último recurso, para proteger milhares de milhões de pessoas de um vazio espiritual. Padre Leonardo lhe ordenou que se demitisse. Pediu que entregasse tudo pelo qual havia vivido até agora. Queria retirar o sentido de sua existência. O Cardeal Borghese tinha medo de cair. Tinha pânico de não poder pertencer mais a esta sociedade. Por outro lado, Benoit havia se aproveitado da existência da Irmandade. A ela precisava agradecer todo seu poder e influência que se estendia além das fronteiras europeias. Os negócios com seus irmãos de fé haviam lhe trazido uma riqueza infinita. A Irmandade oferecera a Benoit o acesso a todos os âmbitos do mundo terreno. Mas agora não era o momento de pensar em Benoit, só devia se preocupar consigo mesmo. Em apenas sessenta horas ficaria com as mãos vazias. Roubariam todo o seu poder e influência, afundaria na insignificância. E pensar que muitos haviam chegado a considerá-lo como o sucessor. Em poucos anos, acenderia a sua estrela e estaria muito próximo da Santa Sé. O Cardeal Borghese apanhou de novo o telefone e discou o número de Benoit. Negar-se-ia também a ajudá-lo? Onde estava metido? Vira que se aproximava o final e teria desaparecido? Tinha propriedades em todo o mundo. Ainda que a Irmandade acabasse, nunca o alcançaria. Há anos tinha comentado que uma pessoa inteligente precisa estar preparada para qualquer eventualidade. Então havia montado uma fazenda na Argentina. Nunca se sabia se seria necessária uma retirada a tempo. Em troca, ele não havia se preparado, ainda não havia conseguido seu objetivo, e agora sabia que nunca alcançaria.

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O Cardeal Borghese só tinha uma paixão que lhe reconfortava em qualquer momento. Algo totalmente banal, mundano e que fazia bater com força o coração de muitas pessoas, o dos homens sobretudo. Saiu apressadamente do aposento, tinha a sensação de que asfixiava. Na garagem estava estacionado seu pequeno Alfa vermelho dos anos sessenta, brilhando sob a luz de néon. Esse veículo havia se convertido no único meio para escapar. Quando sentia a vibração de seu motor e o ar fresco por seu rosto, desapareciam muitas dúvidas. Sentou-se atrás do volante e ligou o motor. Saiu da cidade pelo Boulevard Saint Germain. Quando deixou atrás as moradias da cidade conseguiu relaxar um pouco. Apanhou a autoestrada na direção sul. O marcador de quilometragem marcava cento e sessenta quando passou pela autoestrada rural a caminho de Orleáns. MUNIQUE, AMALIENSTRASSE PRÓXIMO DO JARDIM INGLÊS

Já havia chegado um comando dos SEK camuflados em um caminhão frigorífico estacionado no final da Amalienstrasse e do qual não se tinha nenhuma vista do edifício. Bukowski havia conversado brevemente com o chefe de operações. Ainda não ficara claro se o acompanhante de Thomas Stein era também vítima ou um cúmplice dos assassinos. Todas as opções eram possíveis. A única coisa que sabiam era que Jean Colombare não teria sorte no armário da estação de Berchtesgaden. Ainda não haviam podido descobrir nada sobre ele, pois era totalmente desconhecido entre policiais franceses. Imaginavam que quando descobrisse sua má sorte na estação, os reféns do apartamento do terceiro andar passariam muito mal. — Não sabemos quantos tem lá dentro, disse Bukowski. — Meus homens já estão no edifício, replicou o chefe de operações. — Vamos tentar fazer uma imagem real da situação com a câmera estetoscópica. Rapidamente teremos mais detalhes. Além de duas grandes telas de computador, a mesa de rádio da unidade celular dispunha de dois grandes monitores. Nesse momento já haviam bloqueado grande parte da Amalienstrasse. Bukowski se dirigiu a Lisa. — O que pensa? Acha que esse Jean pertence ao bando de pistoleiros ou simplesmente o encarregaram que apanhasse o troféu e retornasse para o apartamento? — Temos cinquenta por cento de probabilidades, replicou Lisa. O policial que operava a mesa de rádio tomou a palavra. — Em dois minutos a câmera estará preparada. — Então será melhor que esperemos e tomemos decisões quando conheçamos melhor os fatos, decidiu Bukowski. Há apenas meia hora Bukowski falara por telefone com seu amigo Maxine Rouen, contara sobre a evolução dos fatos em Munique e pedira que informasse tudo o que pudesse sobre o tal Jean Colombare. Ainda que do ponto de vista policial não haviam encontrado nenhum processo sobre ele, era de vital importância saber com que tipo de pessoa estava lidando. Agora esperava que seu amigo retornasse a ligação.

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— Pronto, informou de novo o policial do comando de operações e ativou os dois monitores. — O monitor 1 corresponde à imagem da câmera da janela e o monitor 2 à da porta. Bukowski observava as duas telas intrigado. A imagem que transmitia a câmera exterior não era nítida e só mostrava a sala de estar. Não podia se reconhecer nenhuma pessoa. Em troca, a imagem do segundo monitor era muito melhor. — Um homem com uma pistola automática, murmurou Bukowski. — E duas pessoas no sofá. A da esquerda pode ser uma mulher, agregou Lisa. — É uma mulher, confirmou o chefe da operação. — Devem ser os reféns. — Não temos som? Perguntou Bukowski. O policial moveu a cabeça e se dirigiu a ele. — O som está ativado, mas ninguém está falando. Tampouco sei se poderíamos entender algo, pois o apartamento está vazio a ressonância deve ser muito acentuada. Bukowski concordou. — Ao menos sabemos que efetivamente existem reféns. O celular de Bukowski soou, era Maxine Rouen. — Se me dissesse que era urgente, eu teria me encarregado pessoalmente disso, falou Maxine Rouen. — Escute! Jean Colombare, nascido em 21 de maio de 1964 em Hyères, com residência na Rue Condorcet número 7 em Paris, é um reconhecido arqueólogo, e especialista no âmbito da paleontologia. Estudou em Paris e participou em várias ocasiões em escavações de todo o mundo. Por outro lado, já comentei que não conta com nenhum antecedente criminal. — Então faz parte do grupo de Stein e o encarregaram de apanhar os documentos, murmurou Bukowski para o microfone de seu celular. — Não esteja tão certo, respondeu Rouen. — Em 12 de março passado retiraram Jean Colombare do Sena. Afogado. Todos os indícios levaram a pensar em suicídio. O caso foi encerrado. Está enterrado em um cemitério ao norte da cidade. Não sei quem será esse homem, mas, pois certo, não é Jean Colombare. Na época, a irmã identificou-o sem nenhuma dúvida. Bukowski respirou profundamente. — Encontrou alguma carta de despedida? — Segundo o processo não, mas a irmã recebeu um correio eletrônico em que anunciava o suicídio. Recebeu-o no mesmo dia que morreu. Estava muito bêbado quando pulou no Sena. — Então vai ter que reabrir o processo, respondeu Bukowski. — É possível que agora mesmo estejamos perseguindo o seu assassino. Quando concluiu a conversa telefônica Bukowski olhou demoradamente para Lisa e para o chefe da operação especial. — Não nos resta outra opção, precisamos agir imediatamente, disse Bukowski. — Precisamos partir do fato de que o suposto Colombare é cúmplice do homem que está apontando a pistola. — Quando estiver na frente do armário e se dê conta de que a chave não entra, ligará para o cúmplice, agregou Lisa. Stefan Bukowski concordou. — Vamos! Exclamou decidido. BERCHTESGADEN, ESTAÇÃO CENTRAL DE TREM

O Volkswagen vermelho estava estacionado bem na frente da estação central. Jean Colombare desceu do veículo, olhou uma vez mais ao seu redor e entrou no edifício da estação. Os armários se encontravam à direita da entrada, mas Jean esperou. Havia uma família muito atarefada

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tentando colocar as malas em um dos carrinhos da estação. Quando a família saiu, ele se encaminhou sigilosamente para os armários. Quando puxou a corrente, guardada em seu bolso, e segurou a chave em sua mão, se dirigiu decididamente ao número 18. Tentou introduzir a chave na fechadura, mas não conseguiu. Surpreso analisou detalhadamente a chave. Depois se dirigiu para um armário aberto e comparou a chave com a do armário. — Merde! Gritou. — Jean Colombare, disse uma grave voz às suas costas. — Não se mova, polícia, está preso! Antes que Jean Colombare pudesse dar a volta, desabou no chão, caindo de bruços. Umas mãos fortes agarraram as suas mãos e as imobilizaram nas costas. Os presentes começaram a gritar, os gritos ressoaram em toda a estação. Então se escutou o clique das algemas e uns fortes braços o puseram de pé. Quando se virou pôde ver um corpulento homem. Junto a ele, dois agentes da polícia uniformizados com colete à prova de balas lhe apontavam com pistolas. — Não... Não estou armado, balbuciou Jean Colombare. Sua boca ficou seca como um charco em um deserto. — Policia! Gritou uma vez mais o agente e mostrou a identificação. — Está preso por manter duas pessoas como reféns e por todo o restante de que possa ser acusado. — Está bem, respondeu Jean. — Mas errou de pessoa. Escute-me. Nesse armário tem uns documentos que preciso entregar urgentemente. As vidas de várias pessoas dependem disso. Alguém prendeu meus amigos e neste momento estão sendo apontados com uma arma. — As instruções são claras, respondeu o policial. — Está preso. Vamos levá-lo para Munique, e ali poderá falar com o responsável pelo caso. — Se acontecer algo com os meus amigos, você terá a culpa. Deixe-me sair, podem me seguir se quiserem, mas não ponha em jogo a vida de meus amigos. — Fale disso com Bukowski, o comissário chefe da judicial, respondeu o agente. — Se continuarmos discutindo aqui talvez seja muito tarde. — Posso fazer uma ligação? O policial negou com a cabeça. Jean Colombare inalou profundamente e desceu os ombros. Sabia que havia perdido. MUNIQUE, AMALIENSTRASSE PRÓXIMO DO JARDIM INGLÊS

Dois SEK haviam descido desde o quarto andar e estavam do lado de fora, apoiados no parapeito da janela. No edifício da frente um atirador de elite estava em posição. Com a arma apontava para a janela da sala de estar, mas não se via ninguém. Pelo visto o sequestrador estava evitando passar por ali. Enquanto que na porta do apartamento uma equipe preparava a entrada no momento necessário, Bukowski recebia a notícia de que Jean Colombare fora preso sem resistência na estação de Berchtesgaden. — O homem disse algo sobre um sequestro, comentou o agente responsável pela detenção de Colombare. — Pelo visto precisa entregar uns documentos se não os reféns morrerão. — Leve o detido para o presídio, nós nos encarregaremos do resto, respondeu Bukowski. — Já estamos prontos, disse o chefe dos SEK. — Bem! Respondeu Bukowski e inspirou. — Pois ao ataque! — Ação em um minuto! Anunciou o chefe de operações pelo rádio.

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Em seguida todos os grupos de intervenção confirmaram. Bukowski se sentou em um banco e se dirigiu a Lisa. — Como está? Perguntou. — Bem. Antônio di Salvo estava sentado em um tamborete em um canto do aposento e olhava irritado para os dois reféns que tinha algemados na frente dele. Estivera todo o tempo em silêncio, preocupado, e agora olhava para o relógio. Já havia se passado uma hora e cinquenta minutos. Estava pensando o que faria quando Jean chegasse com os documentos. Tinha bem claro que, ainda que Jean tivesse prometido deixá-los com vida, ele não permitiria que ficassem testemunhas. Havia decidido firmemente. Primero dispararia no homem e depois na mulher, ainda que possivelmente se arrependeria de não ter se divertido primeiro com ela, pois era bonita, mas não havia tempo a perder. Quando tivessem os escritos nas mãos, a ordem era sair da Alemanha o mais rápido possível. Com o dinheiro que pagavam por este trabalho, poderia viver uma temporada sem problemas na América do Sul e ali havia mulheres suficientes. Levou um bom susto quando bateram na porta. Levantou a arma e apontou. — Não façam ruído! Ordenou. Olhou ao seu redor e passou pela janela protegido pelas paredes. Com muito cuidado observou o exterior, do lado de fora estava tudo tranquilo. Não conseguiu ver o portal de entrada. De novo bateram à porta, começou a ficar nervoso. Afastou-se da janela e atravessou o aposento. — Fiquem quietos, se querem continuar vivos! Ordenou em voz baixa aos seus reféns. Onde estaria a visita inesperada? Acaso Jean havia esquecido fechar com chave o portal do edifício? Era o que faltava. Silenciosamente se dirigiu à porta do apartamento com a arma carregada, não aconteceria nada se olhasse pela portinhola. Olhou mais uma vez ao seu redor. Seus dois reféns continuava sem mover nem um dedo no sofá, podia ver às suas costas. Colocou-se na frente da porta e se inclinou em direção à portinhola. O agente que portava a câmera estetoscópica havia levantado o braço e o dedo indicador. Quando viu todo o corpo do sequestrador na frente da câmera, colocou toda a mão em forma de punho. Um sinal para os outros cinco policiais preparados para a intervenção. Dois agentes com um traje protetor levavam um martinete na mão, outro começou a retirar o anel de segurança de uma granada. De repente, o punho do homem desceu pelo monitor rapidamente. Os dois homens do martinete passaram imediatamente à ação. Com um forte golpe, a ferramenta passou pela folha da porta, simultaneamente voaram em pedaços os vidros das janelas. A madeira arrebentou e a porta saltou pelos ares. A granada chegou até o interior do corredor, explodiu dois segundos mais tarde e uma resplandecente luminosidade atravessou o espaço. E quando Tom escutou que jogavam a porta abaixo, sabia o que aconteceria. Pulou decididamente do sofá e levou Yaara consigo. Com um forte grito o sequestrador levantou a arma. O raio havia lhe cegado, mas, mesmo assim, atirou em direção à porta. Antes que pudesse

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apertar o gatilho mais uma vez, três tiros alcançaram a parte superior de seu corpo. O assassino deixou cair a arma e caiu de costas se chocando contra a parede. Ainda tentou se levantar pouco antes de cair morto no chão. Os SEK entraram apressadamente no apartamento e só relaxaram quando inspecionaram todos os aposentos e se asseguraram de que não havia mais ninguém no imóvel, exceto os dois reféns. — Fiquem calmos! Disse um dos policiais mascarados para Tom e Yaara com uma agradável voz. Tom concordou. Apesar de estar contente porque não havia acontecido nada, nem a ele nem a Yaara, seus joelhos continuavam tremendo. — Seguro! Gritou um dos agentes. Levantaram Tom e Yaara e os sentaram no sofá. — Primero, se recuperem, disse um policial aos dois. — Obrigado! Respondeu Tom.

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CAPÍTULO 57 MUNIQUE, UNIDADE DE CRIME ORGANIZADO DA BAVIERA, BRIGADA 63

— Não me contou tudo! Exclamou Bukowski com um tom de reprovação. — Tampouco havia me perguntado tudo, respondeu Tom. Bukowski sorriu. — Se não tivéssemos lhe seguido possivelmente agora estaria morto. Às vezes é melhor dizer toda a verdade. Tom negou com a cabeça. — Às vezes o mundo não está preparado para conhecer a verdade. Bukowski tinha na mão a chave que a científica havia encontrado no Watzmann. Pensativo olhou o chaveiro com o olho de Hórus. Já sabia que essa chave pertencia à casa da Amalienstrasse. Os assassinos levavam um tempo utilizando esse apartamento como esconderijo. Pelo visto Tom Stein não ficara consciente do perigo real em que se encontrara. — O que quer dizer com isso? Interveio Lisa. — Como o mundo não está preparado para conhecer a verdade? — Foi só um jogo de palavras, Tom desviou a atenção. Tom e Yaara estavam sentados na sala de Bukowski. Yaara estava envolvida em uma manta e segurava com as duas mãos uma xícara de café. O corpo todo ainda tremia. Os últimos dias haviam sido extenuantes, contou como Jean a havia levado até Alemanha, como haviam ido para o apartamento onde Antônio di Salvo os esperava. Sem se dar conta, havia caído na armadilha que Jean havia lhe estendido. Como poderia ter se dado conta do que Jean a traía? — É um fato, Bukowski tomou a palavra, — Que esse tal Jean Colombare não é quem disse ser. O verdadeiro Jean está enterrado em um cemitério ao norte de Paris. Imaginamos que não se jogou voluntariamente no Sena, temos muitos indícios de que foi assassinado para poder colocar um espião dentro da sua equipe. Há tempos que se sabia que iriam iniciar as tarefas de escavação no Vale do Cedro e que a direção do dito trabalho seria de Chaim Raful. Antes do primeiro encontro de toda a equipe de escavação, o verdadeiro Jean desapareceu nas correntes do Sena. Seu duplo apareceu para se manter informado dos avanços da escavação. — Como sabe disso? Perguntou Yaara. — Tenho bons contatos com a polícia francesa, respondeu Bukowski. — Fala de um bando, interveio Tom. — A quem se refere? — Colombare, ou melhor dito Thierry Gaumond, está tentando melhorar um pouco a situação dele, explicou Lisa. — Gaumond falou. Disse que existe um grupo interessado em documentos antigos, e o dito grupo soube que Raful estava procurando a tumba do templário. Por isso um padre, um sacristão e um monge do convento de Ettal morreram assassinados. E ele afirma que não tem nada a ver com os assassinatos! — O que vai acontecer com Jean agora, quer dizer, com Gaumond? Perguntou Yaara. — Será acusado de assassinato múltiplo e sequestro. Já está na prisão e negocia um acordo com a promotoria. É possível que seja condenado a prisão perpétua. Isso significa que até ficar muito velho não poderá sair da cadeia. Tom segurou a mão de Yaara e a apertou firmemente. — E o que acontecerá conosco? Bukowski deu de ombros. — Tomaremos suas declarações e depois podem ir embora. — Isso quer dizer que estamos livres? — Ninguém a prendeu, senhora Shoam. Tom tocou o cabelo com as mãos.

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— Existe algo mais, disse Tom com voz titubeante. — Os escritos que Jungblut havia escondido no armário da estação estão aqui, não é? Bukowski levantou e se dirigiu até a janela. — Precisamos enviar à promotoria. — Espero que continuassem empacotados. — Estavam em um pacote plastificado, não abrimos. — Deveria ficar claro que nós encontramos esses escritos. Pode se dizer que são de nossa propriedade. Bukowski levantou as mãos em gesto de mão de defesa. — Isso a promotoria decidirá, mas já ha apareceu uma pessoa que se interessou muito por esses escritos e pelo que disse, pode demostrar que pertencem à Igreja. Tom sorriu. — Padre Leonardo! Exclamou. — Conhece-o? — Conhecemos em Jerusalém. Quando descobrimos os rolos, de repente apareceu um padre nas escavações e justo essa pessoa estava com Padre Leonardo no aeroporto, quando saímos de Jerusalém. Além disso, Padre Leonardo me visitou na prisão. Bukowski olhou para Tom sem poder acreditar no que estava escutando. — O quê? — Quando estava preso, veio falar comigo. — É incrível! Ordenei que ninguém falasse com você, não podia receber visitas. Tom deu de ombros. Lisa tossiu. — Por que são tão importantes esses escritos? Por que todos estão atrás deles? Tom olhou para Yaara. — Trata-se de um documento de alguém que viveu na época de Jesus Cristo. — E o que contém? Bukowski repetiu a pergunta. Tom sorriu. — Precisam ser traduzidos, respondeu, — Mas só a sua antiguidade os transformam em muito valiosos. Bukowski se sentou com o respaldo da cadeira na frente. — E o que você faria se pudesse ficar com eles? — Devem se colocar a disposição da ciência, respondeu Tom com voz nítida. — Os historiadores deveriam avaliá-los antes que façam parte de um museu. Bukowski brincava com um cigarro, subia e descia por seus dedos. — Gostaria de perguntar algo mais que talvez interesse e que não consigo decifrar. O edifício em que ficaram sequestrados pertence a um tal pérre Benoit. Escutaram esse nome alguma vez? Tom olhou para Yaara. — Não, nunca. — Bem, talvez não seja tão importante. Talvez tenha deixado a chave debaixo do tapete. O tal Benoit comprou o edifício da Igreja. — É possível que tenha razão, senhor comissário, disse Tom depois de um longo silêncio e com o olhar dirigido para o chão. — Não terá nada a ver com o assunto. AO SUL DE VERSALHES, FRANÇA

Há uma hora haviam bloqueado a autoestrada entre Toussus le Noble e Chateuford. O pequeno Alfa vermelho estava a quase cem metros de uma curva pronunciada, debaixo de uns arbustos em um prado. O carro saíra da curva e primeiro batera contra uma árvore e depois capotara. Devido ao excesso de velocidade havia capotado várias vezes até ficar com as rodas para o ar. O motorista não tinha posto o cinto de segurança e fora cuspido do interior contra o maciço carvalho no primeiro impacto. O corpo jazia sob o arbusto, haviam coberto o cadáver com um lençol.

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— Ia pelo menos a cento e cinquenta, disse o agente com barba da gendarmeria. — Se não a mais, respondeu seu colega. — Não existem impressões de freada, nem nenhum indício que faça pensar que outro veículo tenha se envolvido no acidente. Simplesmente saiu da autoestrada. — O que disse o legista? — Pelo visto quebrou o crâneo, informou o agente de barba. — Não tem boa aparência, acho que nenhum osso de seu corpo ficou intacto. O colega concordou e se dirigiu ao veículo que iria transportar o cadáver. — Leve-o ao depósito de cadáveres, ordenou o gendarme ao motorista. — Iremos mais tarde. — Foi já identificado? Perguntou. O gendarme se inclinou para ele. — É um cardeal. Um eclesiástico de alto posto, poderia ser o próximo papa. MUNIQUE, UNIDADE DE CRIME ORGANIZADO DA BAVIERA, BRIGADA 63

Tom pediu a Bukowski para conversar uma última vez com Jean. A colega de Bukowski não gostou dessa ideia, mas Bukowski achou que não interferiria em nada no prosseguimento do caso. Assim levou a Tom até a sala de declarações onde Thierry Gaumond, aliás Jean Colombare, olhava fixamente para o teto. — Alô Jean, ou melhor dito, Thierry, disse Tom para as costas de Jean uma vez que havia entrado silenciosamente na sala. Jean deu a volta e olhou irritado para Tom. Seus olhos o seguiram enquanto sentava. — Como está? Perguntou amavelmente Tom. Gaumond fechou os olhos por um momento. — Sinto muito, sussurrou. — Eu sim, sinto por você, respondeu Tom. — Todo o seu mundo se baseia em mentiras. As amizades, as promessas, inclusive sua personalidade. Tudo cheio de mentiras e sangue. — Por que veio? Perguntou Jean. — Quero saber se, de uma vez por todas, terminou esta perseguição. — O que quer dizer? Tom sorriu friamente. — Eu e Yaara estamos livres ou continua havendo alguém mais que quer chegar até esses escritos? Gaumond deu de ombros. — Pode comunicar aos seus amigos que os documentos já estão onde deviam estar. Padre Leonardo tem os rolos e desaparecerão para que nenhuma pessoa mais saiba deles. — Por que me conta tudo isso? Perguntou Gaumond. — Para que se alegre um pouco, apesar do inferno que está passando. Gaumond colocou as mãos na frente do rosto e disse: — Por favor, me deixe em paz. Quero que se vá. Tom levantou e se dirigiu à porta. Uma vez mais se virou. — Ainda tenho uma pergunta e quero que me responda a verdade. Sabe que por trás dessa janela tem alguém escutando e gravando todo o que estamos dizendo. Por tudo o que passamos juntos consigo, como nosso companheiro de trabalho, desejo perguntar uma coisa. Teria matado Yaara e a mim se a polícia não tivesse chegado a tempo? Gaumond desceu a cabeça.

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— A causa era muito importante, mais que a vida das pessoas. Era uma razão capital, respondeu Gaumond em voz baixa. — Teria nos matado? Repetiu Tom energicamente. Gaumond inspirou. Notava-se como fervia por dentro. Finalmente levantou com tanta força que a cadeira caiu para trás. — Sim! Gritou. — Merda, sim! A porta se abriu e dos agentes uniformizados entraram na sala. Seguraram Gaumond pelos braços e o sentaram depois de recolocar a cadeira. Gaumond desabou. Uma lágrima correu por sua face. — Perdoe-me, soluçou. — Tom, Yaara, me perdoe, sinto muito! Tom se afastou de Gaumond. — Eu não posso lhe perdoar, não sou eu a quem corresponde perdoá-lo. Precisará pedir ao Criador quando aparecer na frente dele. MUNIQUE, UNIDADE DE CRIME ORGANIZADO DA BAVIERA, BRIGADA 63

Faltava pouco para encerrar o expediente. Bukowski já havia colocado o casaco. — Quer que a leve para casa? Perguntou a Lisa, que estava desligando o computador. — Vim de bicicleta. — Não lhe parece um pouco perigoso em seu estado? Lisa colocou o teclado em um canto da mesa e ajeitou a ata da tomada de declaração de Thierry Gaumond. — Estou bem, respondeu quando começou a soar o telefone de Bukowski que franziu a testa pela inesperada ligação. — Não vai atender? — Terminamos de trabalhar a cinco minutos, replicou. Não parava de soar. Finalmente decidiu se sentar de novo em sua mesa e atender formalmente: — Bukowski, Unidade de Crime Organizado da Baviera, brigada 63. Maxine Room estava falando. — Olá, grande criminalista! — Maxine, disse Bukowski alegre. — O que bom escutar sua voz! Como está a França? Iria ligar amanhã quando tivéssemos posto um pouco de ordem por aqui. Resolvemos o caso. — Já soube, respondeu Rouen. — Por isso estou telefonando. Tenho um dossiê sobre a mesa que alguém trouxe, não sei quem pode ter sido, mas é muito interessante para o seu caso. — Sim? Disse Bukowski intrigado. — Espera, vou a ativar a alta voz, Lisa está ao meu lado. — Bonjour mademoiselle, cumprimentou Room cortesmente. — Espero que esteja bem e que voltaremos a nos ver rapidamente. Lisa se inclinou para o aparelho. — Salut Maxine, respondeu. — Estou bem. — Já chega de tanta galanteria. O que tem para nós? Interrompeu Bukowski. — É o dossiê sobre um rico homem de negócios chamado Pérre Benoit, de La Croix Valmer, no sul da França. O dossiê o acusa como a pessoa que pagou os assassinatos. Pertence a uma família nobre. Até um papa se inclui entre seus antecessores, Clemente V, responsável pelo caso dos templários há setecentos anos. Tem amigos muito influentes no âmbito da política e na Igreja. Não vai ser fácil demostrar a sua implicação no caso, mas aqui aparecem as transferências de dinheiro para Santini e para Thierry Gaumond, um ex-padre de Aix-en-Provence. Pelo visto pagou grandes somas para que lhe conseguissem os antigos escritos. Estamos falando de três milhões de dólares que foram transferidos de uma conta suíça para um banco das Bahamas.

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Agora mesmo estamos checando as contas bancárias, mas parece ser uma prova totalmente decisiva. — Benoit! Repetiu Lisa. — Assim se chamava o proprietário do imóvel onde ficaram sequestrados Thomas Stein e sua namorada. — Preciso de um relatório imediatamente, disse Rouen. — Estamos preparando uma revista para amanhã. Além disso, precisa perguntar a Gaumond por esse Benoit. Estarei em minha sala até as dez. — Nos encarregaremos disso, mas duvido que Gaumond vá a adicionar algo novo a sua declaração, respondeu Bukowski. — Lava as mãos de tudo o que aconteceu e só admite a implicação no sequestro. Sabe o que está se jogando. Durante uns instantes reinou o silêncio. — Se forem verdadeiras as afirmações do dossiê conseguiremos demostrar que Gaumond assassinou Jean Colombare. Creio que disso não há mais dúvida. Depois falará. — Então nos mantenha informados, respondeu Bukowski. Quando Bukowski desligou o telefone fez um gesto de mão negativo com a cabeça. — É incrível o curso que alguns casos tomam. — Então, parece ser que esse Benoit é o grande desconhecido que age nas sombras. — Já descobriremos, respondeu Bukowski.

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CAPÍTULO 58 ROMA, SANTO OFÍCIO

Na mesa do cardeal prefeito se viam duas caixas cúbicas de metal e uma maleta, também metálica. Padre Leonardo estava sentado relaxadamente em um sofá tomando uma xícara de café. — Verificou os escritos? Perguntou o cardeal prefeito. Padre Leonardo colocou a xícara na mesa na frente de si. — São os escritos de Shelamizion, respondeu Padre Leonardo. — Na época quando Jesus caminhava pela Terra, ele era o encarregado da justiça entre os essênios e um dos mentores do Senhor durante sua juventude. Se Chaim Raful não errou, vem da primeira metade do primeiro século depois de Cristo. — Sei quem foi Shelamizion, respondeu o cardeal prefeito. — Sabe se os arqueólogos ficarão em silêncio? Padre Leonardo negou com a cabeça. — Do alemão ainda tenho dúvidas. Não sabe muito bem o que fazer, mas dentro de uns dias já não terá nenhuma importância a decisão que tomar. — Então tudo estará solucionado. Padre Leonardo levantou da cadeira, se dirigiu à janela e olhou para o exterior. A santa cidade estava aos seus pés, iluminada por um radiante sol. — Creio que ainda nos fica uma tarefa pendente. Esses arqueólogos não esquecerão a história tão facilmente, mas eu me encarregarei disso. Um raio de sol atravessou a janela. O cardeal prefeito apanhou o jornal e mostrou a Padre Leonardo o artigo da primeira página. No titulo podia se ler que os escritos roubados das escavações de Jerusalém haviam regressado para as mãos da Igreja. Tratava-se de escritos da época de Jesus Cristo e o Escritório Eclesiástico para a Antiguidade se encarregaria de traduzi-los. Demorariam um tempo, mas se prometia que se chegaria a se conhecer mais detalhes sobre a vida de Jesus. Além disso, informava que por causa desses escritos um bando de criminosos havia chegado a assassinar e que, finalmente, se conseguiu levantar uma trama vinculada ao negócio ilegal de antiguidades. — Realmente foi necessária esta publicação? Perguntou o prefeito. — Dentro de uns meses publicaremos um par de fatos insignificantes vindos dos escritos. Nesse dia todo o mundo já terá esquecido as escavações do Vale do Cedro e voltará a reinar a paz na Terra. Com exceção de um par de cientistas, ninguém mais se lembrará dos rolos. Creio que com isso fizemos justiça aos arqueólogos e a Igreja. O cardeal prefeito se apoiou sobre a mesa e olhou pensativo para as caixas de metal. — Sabe que o Cardeal Borghese morreu em um acidente de trânsito? Padre Leonardo deu de ombros. — Uma grande perda para a Igreja. Que o Senhor se compadeça de sua alma. — Nos próximos dias oficiarei um serviço por sua alma, afirmou o prefeito. — Borghese foi um bom amigo. Sempre fiel. Creio que se o destino não o tivesse surpreendido, teria sido um honorável sucessor para o meu posto. Alguns cardeais também o viam como o futuro Santo Padre. — Os caminhos do Senhor são difíceis, respondeu Padre Leonardo. — Pode ser que tenha razão, respondeu o prefeito. — Suponho que não viajará a Paris para velá-lo. Ficará muito ocupado com suas tarefas, não é?

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— O terei presente em minhas orações da próxima vez que falar com Deus. Encomendarei sua alma à graça de nosso Senhor. O cardeal prefeito concordou satisfeito. — Desejo-lhe muita sorte em seu novo caminho. Realmente é uma pena, começava a me acostumar com o meu secretário, mas acho que precisam de você em outro lugar e que encontrará seu caminho. — Adoremos a Jesus Cristo, sua eminência. — Que Deus o acompanhe em paz. HOSPITAL DE BERCHTESGADEN, ALTA BAVIERA

Moshav tinha bom aspecto. A cicatriz na parte direita de sua cabeça ainda estava muito vermelha, mas quando o cabelo encaracolado que haviam retirado na operação voltasse a crescer, não restaria nenhuma pista sobre o drama de Rostwald. Tom lhe trouxe roupa limpa. Estava sentado na cama do hospital, com uma camiseta e jeans, e só esperava que a enfermeira lhe trouxesse um par de comprimidos para poder sair do o hospital. Tom e Yaara haviam aproximado umas cadeiras até a cama. — Só me lembro de que a porta se abriu de um golpe e escutei um forte barulho, disse Moshav. — Não tenho ideia do que aconteceu depois. Só sei que me resgatou de entre as chamas. Quero que saiba que ganhou um amigo para toda a vida. Tom lhe contara exatamente o que acontecera na cabana depois que ficara inconsciente. — Creio que o policial que tomou as declarações, pensou que eu estivesse mentindo. Não queria acreditar nas lacunas da minha memória. Quando o médico diagnosticou um tipo de amnésia temporal, por fim me deixou em paz. — Retiraram todas as acusações, replicou Tom. — Podemos ir para onde quisermos, mas haverá um julgamento e devemos estar disponíveis se nos chamarem. — Não posso dizer mais do que sei. — Tampouco vão exigir mais. Por favor, não diga nada sobre o conteúdo dos rolos. Trata-se simplesmente de uns escritos muito antigos pelos quais algumas pessoas matariam inclusive. Moshav olhou demoradamente para Tom. Finalmente concordou. — Entendi. A Igreja ficou com os escritos. Ganhou, não é? Tom apanhou do bolso de sua calça o artigo de um jornal regional sobre os rolos que haviam retornado ao poder da Igreja e o estendeu a Moshav. Moshav leu rapidamente o texto. — Então já estamos livres? — O padre que me visitou, deu sua palavra, ninguém voltará a se interessar por nós. A caçada terminou. — E que acontecerá com o texto dos rolos? — As traduções de Jungblut e Raful se queimaram na cabana e os escritos estão em poder da Igreja, agora só restam nossas afirmações. Quem vai acreditar em um arqueólogo que afirma que Jesus é uma invenção sem que possa provar? Eu quero continuar sendo arqueólogo, amo meu trabalho.

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— Mas se nota que algo não o deixa tranquilo, interveio Yaara que até agora não havia dito uma palavra. — Cada dia o afeta com mais força, não o deixa em paz, nem sequer à noite. Tom se virou para Yaara e lhe deu um beijo na face. A porta se abriu e a enfermeira entrou. Entregou a Moshav um pequeno pacote. — Vamos amigo! Exclamou Tom. — Já descansou muito. Moshav se levantou. — Em frente! De volta a Jerusalém. — Jerusalém? Por que Jerusalém? Perguntou Tom. Moshav sorriu. — A Alemanha me parece um tanto ou quanto perigosa. MUNIQUE, UNIDADE DE CRIME ORGANIZADO DA BAVIERA, BRIGADA 63

Bukowski voltou a ler detidamente a declaração de Thierry Gaumond, aliás Jean Colombare. Quando Bukowski confrontou-o com as notícias da França, Gaumond desabou. Reconheceu que estava implicado na morte do verdadeiro Jean Colombare. Ele e Antônio di Salvo, a quem os SEK mataram no apartamento de Munique, haviam embebedado Jean e o haviam jogado no Sena. Pérre Benoit lhes proporcionou a informação necessária e lhes deu o trabalho porque queria que chegassem até esses escritos. Não tinha nada a ver com os assassinatos dos três religiosos, nem com o de Raful, nem com os dois arqueólogos mortos em Israel, mas sabia de tudo. Estava informado de todos os acontecimentos, do mesmo modo que ele lhe comunicava todas as novidades. Pegaram Raful quando estava se preparando para viajar a Zurique. Mardin era conhecido por sua veia satânica, torturou-o até a morte, mas não conseguiu nenhuma informação. Quando soube da existência de Jungblut era muito tarde, o amigo de Raful tinha escapado e se escondera em um lugar protegido. Quando a polícia interveio e quase prendeu Mardin e Santini, Jean Colombare aparecera em cena. Tom se dirigira diretamente ao professor e tudo o que acontecera depois, não alcançara os resultados esperados. A ida a cabana dera errado, assim só ficara a opção do sequestro para conseguir chegar até os escritos. Maxine Room ligou pouco antes do meio-dia e Bukowski contou as novidades. Benoit havia fugido. Quando as forças de intervenção entraram na casa de La Croix Valmer, Benoit já desaparecera. Pelo visto tentou destruir todas as provas, mas precisou fazê-lo tão apressadamente que deixou algo para trás. Os documentos encontrados demostravam a existência de uma Irmandade que se estendia como uma rede por todo o mundo. A esta congregação pertenciam um ministro francês, um secretário de Estado de Viena, dois fabricantes na Alemanha, diretores de bancos da Suíça, Luxemburgo e Inglaterra, vários intelectuais e inclusive um alto representante político dos Estados Unidos. A Irmandade podia ser acusada de certos negócios fraudulentos, assim como colaboração em muitos atos criminosos. A evasão de impostos era só a ponta do iceberg. Passariam-se meses até que pudessem descobrir realmente tudo a que se dedicavam. A Irmandade de Benoit não se assustava com a morte, nem com assassinatos. A Europol se encarregou do caso, nomearam Maxine Room diretor da comissão especial responsável. — Não tem vontade de trabalhar comigo nisto? Vamos criar a central em Paris, perguntou Maxine antes de terminar a conversa telefônica. Bukowski observou Lisa um bom tempo antes de comunicar a proposta de Maxine. — E quanto tempo ficará fora? Perguntou ela. Bukowski deu de ombros.

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— Pode durar mais de um ano, não será tarefa fácil, se trata de um caso muito complicado, entende? HOTEL LEOPOLD, MUNIQUE

Yaara tomava banho enquanto Tom e Moshav descansavam no aposento. Tom estava sentado na cama e Moshav em uma cadeira. — Está realmente preocupado, disse Moshav. — Não é nada fácil, respondeu Tom. — Sou cristão, entende? Ainda que não vá muito à igreja, é difícil aceitar a não existência de Jesus Cristo. Toda nossa fé se fixou em torno dessa figura. Se não existiu, ao menos na forma que nos relataram, então, em quê acreditar? — Os escritos têm dois mil anos, mas ninguém nos garante que o que transmitem seja realmente verdadeiro. O que aconteceria se seu Jesus efetivamente tivesse existido e o legado do professor da justiça refletisse uma imagem irreal? Tom se recostou na cama. — Talvez seja essa incerteza, o que está me corroendo por dentro. Nós os cientistas procuramos provas. Só quando deixamos de ter dúvidas sobre um fato, pois o verificamos várias vezes é que o podemos transmitir como uma verdade. — Verdade, mentira? Como podem se diferenciar? Os escritos desaparecerão para sempre nas bibliotecas do Vaticano e as traduções de dois reconhecidos cientistas foram queimadas. Já não resta nada em onde possamos reconhecer a verdade. Tom se levantou. — Este mundo precisa de um Deus. Pouco importa que se chame Alá, Buda ou Jesus. O ser humano precisa crer em uma força sobrenatural. Eu mesmo acho que assim nossa existência fica um pouco mais suportável. Não pretendo demostrar nada a ninguém, me entende? Mas gostaria de encontrar uma certeza. Desde que falamos com Jungblut não consigo dormir bem. — Então vamos procurar essa certeza, respondeu Moshav. Tom olhou-o desconcertado. — E como pretende conseguir isso? Moshav se levantou. — "... Com o olhar dirigido eternamente para a água da vida, como Goliat se senta na rocha, dirigido a David, o rei dos judeus......", disse. — Memorizou o que Jungblut disse? — Meteram-me uma bala na cabeça e minha memória esqueceu tudo o que aconteceu na cabana quando os assassinos entraram, mas recordo perfeitamente as palavras do professor. — Todas as palavras? — Todas, respondeu Moshav. Tom sorriu. — O que esperamos então? Vamos para Massada! — Vamos para Massada! E se assustou a si mesmo com o grito que acabava de dar.

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CAPÍTULO 59 ROMA, CITTÀ DO VATICANO

Os créditos do fim eram vistos na grande tela e mostravam os nomes de todos os participantes: câmera, técnico de som e, ao final, o nome do produtor, admirado em todo o mundo por seu sensacional trabalho, James Camorra. Ninguém podia saber quem se escondia realmente detrás desta custosa produção. Padre Leonardo se levantou e respirou profundamente. Estava contente. Foi uma sorte que em umas obras em Talpiot encontrassem uma tumba enterrada. Ainda que os fatos tivessem acontecido em 1980, fora então anunciada brevemente e o assunto rapidamente esquecido. Ao fazer Camorra produtor, geraria uma histeria coletiva até que, posteriormente, se refutassem cientificamente essas teorias, através do mesmo meio de comunicação. Agora mesmo a teoria do doutor Tabor era só um ponto de vista sobre o assunto. Com uma boa representação e cenário poderia se impressionar o público durante um breve período de tempo. Fora descoberta a caixa com os ossos da família de Jesus. Todos podiam ver os nomes, quase desgastados, dos mortos: Mariane, Yehedah Bar Yehshúah, Matthiyah, Eusha, Mariah e o mesmo Yehshúah Ben Yussef. Durante muitos anos os ossários com a numeração de 701 a 706 estiveram juntando pó nos depósitos da Autoridade para a Antiguidade de Israel. Agora se converteriam durante um corto período de tempo no centro de atenção de todo o mundo até que o reconhecido professor universitário, Jurgem Zangenber, analisasse passo a passo a teoria de Tabor e criasse uma grande confusão entre todos os interessados. Confusão e desorientação eram as armas do século XXI. Rapidamente a opinião pública perderia o interesse pelo tema. As afirmações do cientista seriam consideradas como um mero esforço para alcançar a fama pessoal. Inclusive se outro cientista publicasse novas teorias e encontrasse novos restos já ninguém teria vontade de continuar prestando atenção a essa história. Em dois dias a BBC exibiria o documentário sobre a tumba de Talpiot. As cadeias de televisão de todo o mundo haviam comprado a licença para poder exibi-lo. Finalmente quase fora coberta a gigantesca soma dos custos de produção. Uma semana mais tarde seria exibida a segunda parte da produção da BBC, titulada Talpiot, mito ou realidade. A contra-teoria não deixava lugar a dúvidas de que Tabor errara. No mundo da comunicação era tão simples confundir verdade e mentira que as pessoas já não sabiam em que acreditar. Padre Leonardo apertou o interruptor da luz. Estava orgulhoso de seu plano e de si mesmo. Agora nem esse tal Thomas Stein, nem nenhum outro membro da equipe de arqueólogos, poderiam atrair a atenção da opinião pública quando falassem sobre as recentes suposições de Jesus Cristo ou apresentarem outra possível tumba de Jesus. O Senhor podia estar enterrado em qualquer lugar do mundo ou em nenhuma parte. Continuamente estavam se descobrindo em Jerusalém tumbas de mortos durante os trabalhos de escavação de futuras construções. Eram mortos que haviam sido enterrados nas numerosas grutas de rocha dispostas ao redor de Jerusalém e cujos restos posteriormente se armazenaram em ossários. Ainda restavam muitos destes acampamentos por descobrir. O que aconteceria então se se encontrasse outra suposta tumba de Jesus na Terra Santa? Padre Leonardo conhecia bem as pessoas, a pedra afundaria no fundo do lago e rapidamente se dissiparia a onda. A confusão e desorientação dariam passagem ao desinteresse.

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HOTEL LEOPOLD, MUNIQUE

Já haviam feito as malas e comprado as passagens. As onze do dia seguinte partiriam do aeroporto de Munique. Tom estava confiante, esperava encontrar durante esta expedição a certeza que precisava para voltar a recuperar a paz interior e voltar a dormir tranquilo. Certeza para si mesmo. Haviam chegado a esse acordo. Independentemente do que encontrassem nas rochas de Massada, só a eles interessava. Ninguém mais saberia disso. — Leu isso? Perguntou Yaara e mostrou a revista com a programação da televisão. Tom olhou rapidamente. — Vão exibir um documentário sobre a tumba de Jesus em Talpiot, explicou. — Não é estranho? Tom apanhou a revista e leu a breve sinopse, uma colaboração da BBC com o famoso diretor James Camorra. Passou o jornal a Moshav. — Esta é uma velha história, disse. — Lembra-se de quando foi descoberta a tumba? Em 1990 ou antes. — Antes, respondeu Yaara. — Uns trabalhadores encontraram a gruta de Talpiot em 1980. — Por que se levanta agora tanta poeira sobre essa suposta tumba? — Não parece evidente? Disse Tom. — Creio que a Igreja e esse padre se preocupam muito com o que nós falamos. Yaara e Moshav olharam para Tom com dúvidas. — Quando esse padre veio me ver na prisão, disse que não tinha nada a ver com os assassinatos, explicou. — Não acreditei, mas ele explicou que os tempos haviam mudado. O assassinato já não é o modo, afirmou, existem outros meios para criar confusão. — O que queria dizer com isso? Perguntou Moshav. Tom apontou o artigo. — A linha argumental desse investigador de religiões não se baseia em sólidos cimentos e então será derrubada com uma pequena discussão científica. Olhe, existe uma segunda parte que será exibida na semana que vem. Com certeza que a continuação do documentário jogará por terra todas as teses sobre a tumba de Jesus do tal Tabor. Ao final todos rirão dele. — O que tem isso a ver conosco? — Confusão, cegar as pessoas para que não possam mais discernir entre a verdade e a mentira, respondeu Tom. — E então chegamos nós e apresentaremos a tumba de Massada. Yaara se levantou. — Como é esperto esse padre! Moshav entendeu tudo. — E quando apresentarmos a tumba de Massada já haverá se fixado uma opinião entre as pessoas e pareceremos um par de idiotas que desejam surfar numa corrente da moda. Tom aplaudiu. — Muito bem. Toda esta produção tem o único objetivo de se adiantar a nós e confundir as pessoas. — Pouco importará o que encontremos em Massada, prosseguiu Yaara. — A opinião pública já não se interessará. Moshav coçou a cabeça. — Mas de qualquer maneira teríamos reservado só para nós. Tom concordou. — Efetivamente, mas esse padre de Roma não pode confiar. Por isso ele mesmo vai se encarregar de semear a confusão, um plano muito inteligente. — Não importa. Vamos para Massada, em busca de nossa verdade.

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MUNIQUE, UNIDADE DE CRIME ORGANIZADO DA BAVIERA, BRIGADA 63

Bukowski caiu na cadeira de seu escritório, apanhou um cigarro do maço e o acendeu. Procurou um pequeno cinzeiro na gaveta onde o havia escondido, depois de prometer a Lisa que não fumaria nunca mais na sala. Estava completamente exausto, o dia fora muito cansativo. Haviam concluído a tomada de depoimento da mulher no hospital e os de Thomas Stein. Não iria se iniciar um processo judicial contra a mulher na Alemanha já que as autoridades francesas haviam solicitado a extradição de Michelle Le Blanc e Thierry Gaumond. Já haviam confirmado que Fabricio Santini, aliás o Diabo, e Marcel Mardin, o boxeador, foram os executores dos assassinatos dos três religiosos e da vítima de Watzmann, que finalmente pode ser identificada inequivocamente como o desaparecido professor Chaim Raful, mediante as provas de comparação de DNA. O quarto do grupo, Antônio di Salvo, um criminoso procurado em toda Europa, morrera durante a intervenção dos SEK no apartamento da Amalienstrasse. A ele e a Le Blanc foram imputados os assassinatos de Gina Andreotti e do professor Jonatham Hawke. A mulher reconheceu a sua implicação. E por trás de tudo, se encontrava Pérre Benoit, um rico homem de negócios francês. Os agentes da Polícia Nacional Francesa haviam encontrado rastro dele no Brasil. Sua prisão era questão de dias. A comissão especial La Croix Valmer começaria com as tarefas de investigação nas próximas semanas, com o fim de esclarecer todas as atividades ilícitas da Irmandade. Um complô de ricos homens de negócios europeus que haviam caído em um pântano de assassinatos e corrupção, com o fim de multiplicar seu poder e riqueza. Bukowski se sentia satisfeito, apesar de que precisasse escrever um monte de relatórios. O caso havia sido resolvido e os assassinos não escapariam das correspondentes penas. Deu a última tragada no cigarro e pressionou a guimba no cinzeiro. Em seguida, se levantou e abriu a janela. Lisa voltaria rapidamente da ginecologia, hoje fora a primeira consulta. Entretanto, Bukowski estava amadurecendo a ideia de que seria pai. Mas oque aconteceria? Lisa não poderia voltar a esta brigada, onde ele continuaria sendo o chefe. Por isso havia decidido falar com Maxine e comunicar a sua disponibilidade para trabalhar na comissão especial. Já conhecia esse tipo de trabalho, as comissões especiais podiam se prolongar por um longo tempo. Depois passaria o resto do tempo até sua aposentadoria de alguma forma. Talvez na manutenção de processos ou na estação de dados, talvez até tivesse a possibilidade de reduzir a jornada por causa da sua antiguidade. Deus meu. Lisa era vinte e cinco anos mais jovem que ele, por que havia se deixado levar naquela noite em Paris? Bukowski se sobressaltou quando a porta se abriu. Lisa entrou na sala e sorriu. — Andou fumando, afirmou. — Fiz o quê? — Nota-se perfeitamente, ainda que tenha aberto a janela. Bukowski fez um gesto de mão de desculpas. — Sinto muito, preciso me acostumar a sair. Lisa colocou a mão em sua bolsa e apanhou três fotos impressas e as colocou sobre a mesa. Bukowski se sentou atrás da mesa e apanhou-as. Observou as fotos compostas por um conjunto de sombras cinzentas. Girou-as a um lado e a outro até que Lisa assomou por cima de seu ombro e ajudou a interpretá-las.

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— O que é isso? Perguntou Bukowski. — O que acha? — Eu diria que é como um mapa. Uma foto satélite de um deserto ou uma planície. Lisa negou com a cabeça. Estava muito contente, feliz inclusive. — É sua filha ou filho, respondeu com um grande sorriso. — Esse do centro. — A mancha negra? — Exato, respondeu Lisa. — Essa mancha negra. Bukowski olhou detalhadamente a foto. Lisa se sentou atrás de sua mesa. — Vai ter que parar de fumar, ou por acaso quer fugir de suas responsabilidades como muitos jovenzinhos costumam fazer? A boca de Bukowski se abriu amplamente, olhou perplexo para Lisa. — Poderia ser seu pai, sou vinte e cinco anos mais velho. — Sei que não é nenhum Adônis. Deus meu! Havia imaginado um marido de outra forma, mas não quero que meu filho se crie sem pai. Bukowski ficou sem fala. — Espero que esteja bem, ou tem algo que eu precise saber? — Lisa, eu... Como pensa que...? Gaguejou Bukowski. — Ainda lhe restam três anos, e eu ficarei em casa durante esse tempo. Depois você se encarregará das tarefas domésticas e eu voltarei ao trabalho. Ainda não consegui meus objetivos, posso avançar bastante se continuar trabalhando e desejo muito ter um bebê. — Eu... Eu não sei. — O que mais quer? Pode se dar por satisfeito Ou por acaso não gostou? Poderia ser meu pai, mas sei que os mais velhos gostam de ter uma garota mais jovem na cama. — Lisa, eu acho que está se excedendo, se defendeu Bukowski. — Estava bêbado, como você. Deveríamos ver de que forma podemos organizar melhor o assunto. — Faremos como eu disse, respondeu Lisa decidida. — Civil e uma festa íntima. Não quero Igreja. Bukowski se reclinou na cadeira. — Acha de verdade que vai poder me suportar? Lisa girou a cabeça a um lado e olhou de soslaio a Bukowski. — Que bobagem está dizendo! Estou fazendo isso desde que o conheci. Não acredite que entro na cama com qualquer um, quando bebo uma taça de champanhe. O passado, passado está e agora precisamos retirar o melhor da situação. Eu mesma me criei sem pai e não é nada fácil. Não gostaria que meu filho passasse por algo assim. Uma hora mais tarde soou o telefone do escritório de Maxine Rouen. — Alô, velho amigo, cumprimentou Maxine. — Alô Maxine, respondeu Bukowski. — Liguei para comunicar que não vou participar da comissão especial. — Que pena! Estava contente de que voltássemos a trabalhar juntos novamente. — Acho que de qualquer maneira, nos veremos em breve, mas desta vez será você quem virá até a Alemanha. — O que aconteceu? — Vou me casar e quero que seja meu padrinho. — Casar? Repetiu Maxine surpreso. — Não está falando sério? Quem é a desafortunada? — Tenho-a aqui ao meu lado, pode falar com ela um momento. Bukowski passou o telefone a Lisa. Maxine não podia acreditar quando a escutou. — Cuide bem de meu amigo, que não se exceda, disse Maxine para se despedir.

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— Farei o que puder, respondeu Lisa e desligou. Bukowski apanhou um maço de cigarros. Lisa retirou-o das mãos. — Já lhe disse que precisa parar de fumar. Bukowski apanhou de novo o maço. — Só se me prometer que não vai tomar champanhe com outros homens. Lisa se inclinou para Bukowski e lhe deu uma suave palmadinha na face. — Não imagine nada e faça simplesmente o que eu disser, sobretudo se for o melhor para você e para seu filho. Bukowski suspirou. Depois apertou fortemente o maço de cigarro cheio e o jogou na lixeira traçando um amplo arco. ROMA, CITTÀ DO VATICANO

O irmão Markus ligou pouco depois da oração da tarde. Padre Leonardo o cumprimentou amavelmente e depois se retirou para um lugar tranquilo do convento. — Estiveram no aeroporto e compraram passagens de avião, disse Markus ao telefone. — Para onde vão? Perguntou Padre Leonardo. — Para Telavive, respondeu o irmão Markus. Padre Leonardo agradeceu. Regressavam à Terra Santa, não errara. Havia julgado exatamente aquele alemão ruivo de cabelo curto e à garota de belo rosto. Stein não descansaria enquanto não conhecesse a verdade. Padre Leonardo olhou as horas e ligou para o Secretariado do Escritório Eclesiástico. — Reserve-me imediatamente um voo para Israel, exigiu. — Informe a Padre Phillipo, deve se apressar. Rapidamente vai receber uma visita não desejada e então deve ter tudo pronto. O funcionário ao outro lado da linha resmungou um silencioso "sim". Vinte minutos mais tarde recebeu a ligação esperada. Retirou-se apressadamente até seus aposentos, pois deveria fazer as malas, em seis horas o avião partiria.

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CAPÍTULO 60 AEROPORTO BEN-GURION, TELAVIVE

O avião da Air France aterrissou pontualmente às 13:35 horas no aeroporto Ben Gurion. Moshav e Yaara tomaram a iniciativa, já que aqui se encontravam em casa. Sabiam a quem precisavam se dirigir para poder alugar um Land Rover e conseguir as ferramentas necessárias para a escavação como ganchos de segurança. Sabiam que não seria tarefa fácil encontrar a tumba descrita. Talvez tivessem que escalar, talvez escavar parte da rocha. E tudo isso sem levantar suspeitas. A fortaleza junto ao Mar Morto era visitada diariamente por numerosos turistas de todo o mundo, crentes e peregrinos, assim como historiadores de todos os países e religiões. As forças de segurança, policiais e guardiães vigiavam para que ninguém levasse nada desse monumento criado pela natureza, a fortaleza judia no meio do deserto. Por esse motivo precisavam de uma autorização legal para a expedição. Yaara e Moshav eram arqueólogos e ela sabia como solicitar a autorização de uma escavação de prova. Também bastaria que a autorização tivesse a aparência de um documento legal. O que poderia ter mais efeito do que implicar a Universidade de Bar-Ilan? Yaara se encarregou desse assunto. Uma justificação científica impressionaria as autoridades de segurança e vigilância da fortaleza, assim poderiam trabalhar tranquilos um dia ou dois. Uma vez que conseguissem todos os artefatos necessários e pegassem na Universidade o Land Rover bege, Tom e Moshav partiram para Arad, enquanto Yaara ficaria em Telavive solucionando as questões burocráticas. — Inspecionaremos primeiro o recinto, decidiu Moshav. No dia seguinte saíram da pequena pensão de Rehov Ben Fair e pegaram a autoestrada 19 que se dirigia para as ruínas da velha cidade fortaleza situada no meio do deserto. E quando Yaara conseguisse todos os papéis viajaria também para Arad onde voltariam a se encontrar. — Tenha muito cuidado! Disse Tom para Yaara quando se despediram. — Não esqueça que nasci aqui, respondeu e lhe deu um forte beijo nos lábios. CONVENTO DOS FRANCISCANOS DE FLAGELATIO, JERUSALÉM

Padre Phillipo se retirou com sua visita de Roma para aposentos particulares. Há duas horas que Padre Leonardo havia chegado em Jerusalém. — Teve um bom voo? Perguntou Padre Phillipo. — Houve uma tempestade no mar, respondeu Padre Leonardo, — Mas sabia que não aconteceria nada. Tinha a palavra de Deus. — Conseguimos tudo segundo suas instruções, prosseguiu Padre Phillipo. — Posso ver? — Ainda não terminamos, replicou Padre Phillipo. — Demorará um pouco. — Foi difícil? — Uma vez que sabíamos onde procurar, não. Está com sede? Padre Leonardo sorriu.

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— Vinho tinto do vale do Jordão. Padre Phillipo sorriu e se dirigiu a uma pequena cômoda. Encheu duas taças. — Onde estão agora? Perguntou Padre Leonardo depois que o irmão franciscano lhe aproximou uma taça. — Os homens estão em Arad e a mulher ficou em Telavive. Solicitou uma escavação de prova com fins científicos. — Sabia desde o princípio que viriam para aqui, disse Padre Leonardo em voz alta. — Sabia que o alemão não jogaria a toalha, mas não sei por que o faz. — Com os rolos no lugar onde deve estar, este será, por fim, o último ato desta representação teatral, depois o pano cairá de uma vez por todas. Por outro lado, o documentário sobre a tumba de Talpiot levantou grande poeira. A cada dia recebemos numerosas ligações de cristãos e jornalistas que desejam saber a opinião da Custódia na Terra Santa. — E o que responde? Padre Phillipo bebeu um gole de vinho. — Respondemos que ainda se encontrarão muitas mais tumbas em que descanse um tal de Yeshua Ben Yussef. Esses nomes eram tão comuns naquela época como agora João ou Antônio. — Está bem assim, respondeu Padre Leonardo. — Quando for transmitida a segunda parte deixarão de ligar. Verá como dentro de uma semana ninguém falará mais de uma certa tumba de Jesus, nem em Talpiot, nem em Massada. — Roma tem muito que agradecê-lo, Padre Phillipo deu um amável brinde a sua visita. — Rapidamente lhe nomearão cardeal. Padre Leonardo colocou a um lado sua taça. — Quando solucionarmos este caso eu deixarei Roma. — Para onde vai? — Para casa, respondeu Padre Leonardo. — Por fim de volta para casa, querido amigo. Padre Phillipo olhou o relógio pendurado na parede. — É hora de irmos, disse e colocou sua taça sobre a mesa. FORTALEZA DE MASSADA, NA ORLA OCIDENTAL DO MAR MORTO

O sol brilhava com força e o árido chão irradiava parte do calor, de modo que o ar parecia queimar. Aproximaram-se da montanha pelo norte. Massada estava majestosamente na frente deles, uma rocha de apenas quatrocentos metros de altura no meio do nada, sobre a árida terra do deserto. Esporadicamente conseguia se levantar escassa vegetação para o céu, sobretudo palmeiras, ciprestes e alguns pobres arbustos. A fortaleza fora construída por Herodes o Grande trinta anos antes do nascimento de Jesus Cristo. Durante muitos anos foi considerada impenetrável até que as legiões romanas dirigidas por Flavius entraram nela e a destruíram no ano 73 depois de Cristo. Finalmente o imperador construíra uma rampa para que suas tropas pudessem entrar nela pela parte lateral ocidental. Quinze mil soldados enfrentaram os poucos sobreviventes da ocupação zelote. Novecentos e setenta e três rebeldes, homens, mulheres e crianças, se suicidaram coletivamente antes que os muros caíssem, era a única possibilidade de escapar da escravidão romana. Tom não pode deixar de olhar para fortaleza quando Moshav passou ao seu lado. Rodearam a montanha e estacionaram na parte que dá para o Mar Morto. No estacionamento se viam vários ônibus de turismo. Os caminhos estavam cheios de turistas com mochilas e bastões de caminhada. Havia um jipe branco estacionado junto a um pequeno edifício onde se alojavam as

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autoridades de segurança e vigilância da fortaleza. Tom observou com calma o seu redor enquanto Moshav se aproximava da montanha. — "...Com o olhar dirigido eternamente para a água da vida, como Goliat se senta na rocha, dirigido a David, o rei dos judeus... Sob o palácio do rei...". Moshav citou as palavras do professor, que havia traduzido parte dos rolos. — "...A água da vida", repetiu Tom. — Daqui não posso vê-la. — Por isso devemos subir a montanha, replicou Moshav. — Vamos pegar o bondinho. Precisaram ficar de pé na fila quase três quartos de hora até que por fim chegou sua vez. Durante a viagem para o cume, Tom e Moshav analisaram as formações rochosas sob eles. Haviam conseguido um local na primeira linha em frente das janelas em uma renhida luta com mais de quarenta turistas. — "...Sob o palácio do rei... O sol da vida se levanta em seu ponto mais alto, assim brilhará o raio sagrado... descansará até o final de todos os sé...", sussurrou Moshav quando se virou e pode ver como brilhava a vertente sul do mar Morto sob o sol. Tom lhe tocou o ombro e apontou para um pequeno pináculo que sobressaía por baixo do altiplano. — Isso poderia ser Goliat. Moshav apanhou o binóculo da mochila e focou para o ponto assinalado. — O pináculo não deve ter mais de cinco metros de altura. — David e Goliat, murmurou Moshav e se virou. — E no fundo, a água da vida. — Acho que deveríamos inspecionar um pouco melhor a área, disse Tom quando apareceram as primeiras ruínas da fortaleza sobre o altiplano. Tom apontou para uma pequena uma pequena saliência na parte da rocha a apenas dez metros do cume. — Poderia ter sido uma escada. Moshav focou o binóculo. — Esse é o lugar, estou completamente certo. De repente, moveu com grande ímpeto o binóculo. Tom se inclinou para ele. — O que viu? Moshav lhe passou os binóculos. — Vê a mudança de cor das rochas, onde acaba o nicho? Tom olhou intrigado pelo binóculo. — Merda! Exclamou tão forte que alguns turistas se viraram para olhá-lo. — Está pensando o mesmo que eu? Perguntou Moshav em voz baixa. — Sim, respondeu Tom. Quando o bondinho alcançou a altura da fortaleza e deixou a sua carga de turistas, Tom e Moshav fecharam a cancela. Imediatamente se apressaram na direção norte. Ao se afastarem do resto do grupo, os olhares irritados das forças de segurança os seguiram. A posição onde se encontrava o nicho sobre a parte de rocha, se sobressaía ao norte das ruínas. Cruzaram com um par de turistas que passeavam equipados com câmeras fotográficas. Tom se sentou em uma rocha marrom de tons amarelados e dali olhou para o Mar Morto. Faltava pouco para o meio-dia e o sol começava a queimar um pouco mais. A rocha refletia o calor, sua camisa já começava a se empapar de suor. Moshav parecia não ser afetado pela temperatura. Sentou-se na frente de Tom e começou a analisar um folheto que havia apanhado no bondinho. Quando todos os turistas foram embora se aproximaram da rocha.

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— Precisamos descer, disse Moshav e retirou a mochila. Próximo dali não vira nenhum lugar onde fixar a corda então precisava achar um lugar onde pudessem cravar um gancho. Enquanto Tom procurava sólidas formações rochosas, Moshav desenrolou alguns metros de corda. — Não imaginaria que fosse tão simples, murmurou Moshav. — Não teria sido necessário que Yaara solicitasse a autorização de escavação. Tom se virou. De repente viu um pedaço de metal brilhante. — Venha aqui! Gritou para Moshav. Moshav afastou a corda para o lado e se colocou junto a Tom. — O que foi? Tom apontou para um gancho de corda que se sobressaía por entre as rochas. — Alguém já esteve aqui, por isso existe esta diferença de cor nas formações de rocha que estamos pisando. — Talvez seja uma mera casualidade, objetou Moshav. — Este gancho é novo, não está oxidado, nem desgastado, respondeu Tom. — Há muito pouco que alguém desceu. Moshav apanhou a corda. Quando Tom fixou o gancho, Moshav deu uma olhada ao seu redor. O calor mantinha os turistas sob as sombras das ruínas dos antigos muros da fortaleza. Tom e Moshav trabalhavam cada vez mais próximos da saliência da rocha sob o ardente sol. Tom já havia chegado quase em baixo quando, de repente, escutou a voz de um homem. Colou-se fortemente à parede da rocha. — O que está fazendo aqui? Perguntou a voz. Moshav, que estava ajoelhado na margem da rocha e fixava a corda, se virou. Frente a ele havia parado um homem das forças de segurança com uniforme branco. Moshav se levantou. — Somos da Universidade Bar-Ilan de Telavive, tentou dar uma explicação. — Precisamos recolher amostras de pedra e terra para preparar as tarefas de escavação. O funcionário concordou. — Achava que já haviam terminado na semana passada. Moshav aproveitou o comentário. — Mas ainda não conseguimos material suficiente. — Muito bem, se proteja bem do sol, não vá ter uma insolação, disse o funcionário e se afastou dali. Tom escalou a saliência da rocha e esperou que Moshav o seguisse. Soltaram corda, rodearam a pequena formação de rocha e chegaram atrás do pináculo, situado na entrada de uma pequena gruta coberta com um pano. Tom o retirou. A gruta não se estendia por mais de três metros na altura de uma pessoa encurvada. Na parte esquerda da rocha havia se formado uma espécie de lugar de descanso. Uma tumba habitual onde se podia orar por um cadáver envolvido em panos junto ao espaço de repouso. Mas nesta ocasião, a câmera da tumba estava vazia. Se é que alguma vez fora ocupada, já a haviam desmantelado completamente. — Chegamos muito tarde, afirmou Tom depois de passar um tempo em silêncio na câmera da tumba. — Mas quem...?

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Ficaram procurando pela saliência da rocha impressões de outras possíveis tumbas. Quando o sol começou a se pôr, retornaram, subindo pelo nicho. Exaustos se deixaram cair à margem da rocha. Tom bebeu o último gole de seu cantil. — Ao menos sabemos que ali existia uma tumba, tentou Moshav diminuir um pouco a decepção de Tom. — Sim, havia uma tumba, repetiu de repente uma grave voz de fundo. — Já foi esvaziada, mas não havia nenhum indício de Yehuda Ben Yussef. Com certeza que a saquearam há séculos. Encontramos as impressões dos ladrões, acho que os restos mortais foram levados por criminosos. Tom e Moshav se viraram. Padre Leonardo estava bem atrás deles. Tom se levantou. — Claro que deveria ter imaginado que você também procuraria a tumba uma vez que tinha os rolos. — É minha tarefa proteger a fé, respondeu Padre Leonardo. — Escutaram falar da tumba de Talpiot? — Li alguma coisa, respondeu Tom. — Outra teoria, nem mais nem menos, explicou Padre Leonardo. — Em troca, os ensinamentos de Jesus Cristo perduraram até nossos dias. Um terço da humanidade acredita em seus ensinamentos. Lembre-se que em vez de olho por olho, se oferece a outra face. Assim, a vingança se transforma em perdão. Esta filosofia tem protegido a humanidade de mais injustiças durante séculos. Com certeza que se derramou muito sangue em nome de Deus. Os fanáticos não tem sabido interpretar as ideias do Senhor. Mas imagine um mundo em que não existisse Deus, nem seu filho. Em um mundo sem fé, reinaria a escuridão. Diga-me! Teria sido capaz realmente de publicar aqueles escritos? E nesse caso, um terço das pessoas que habitam a terra teria caído nas trevas e na desgraça. Tom passou a mão pela testa e deu de ombros. — Eu só quero conhecer a verdade. Só para mim. Padre Leonardo se aproximou e sentou junto a Tom. — Isso é o que acontece com a fé, explicou. — A fé não é mais que isso: fé, nem mais nem menos. A fé e o conhecimento não tem nada em comum. A fé da que falo significa confiança. Achar e confiar em alguém são partes essenciais de nosso ser. Precisamos da fé para poder começar de novo cada dia. A fé em si mesmo e a fé em grandes coisas como Deus. O que seria do ser humano sem a fé? Simplesmente ter fé nos faz mais fortes e não devemos perdê-la nunca. Não sabemos quem foi Jesus, o que pensou, o que sentiu, para onde se dirigia, simplesmente acreditamos nele e que ele nos salvará, por isso ressuscitou por nós. Não só depois da morte, mas a cada dia, depois de cada derrota, de cada má jogada do destino. Levantamo-nos e acreditamos. Nossa fé pode mudar, pode crescer ou ficar menor alguns dias, mas nunca pode desaparecer já que então desapareceríamos com ela. Independentemente de quem foi Jesus Cristo, ou Yehuda Ben Yussef, uma coisa é certa: ele trouxe o amor ao mundo. A fé não pode se demonstrar, a fé consiste em como damos sentido a nossa vida e como nos portamos com nosso próximo. Sei que está se fazendo a pergunta: Jesus existiu realmente ou se simplesmente é quem nós queremos que seja? E isso importa? O mais importante é que levamos conosco suas ideias, por ele damos sentido a nossa vida. Tom olhou para o chão. — Amai a vosso próximo como a si mesmo, prosseguiu o padre. — Essa é a verdadeira mensagem. Entendeu agora? — Depois de tudo o que aconteceu, continuará acreditando em Jesus de Nazaré? Padre Leonardo entregou a Tom uma pequena maleta. — O que é isso? Perguntou Tom. — Abra-a, respondeu Padre Leonardo.

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Tom abriu a tampa. Seu interior continha um prato de parede que descansava em um envoltório acrílico. Um prato de parede de argila vermelha, do mesmo tamanho e tipo que uma vez o professor Chaim Raful apresentara a imprensa e como o que haviam encontrado quebrado no sepulcro do templário. Este aplique mostrava a imagem de um homem que desprendia raios de luz, de pé frente a uma câmera de tumba com uma pedra redonda aberta e elevando a mão direita para o céu. A cena da ressurreição. — Às vezes, precisamos dessa insegurança para fortalecer nossa fé, disse Padre Leonardo antes de se levantar. — Desejo que recupere a paz interior e a fé. Virou-se e saiu dali. Tom ficou olhando-o durante um tempo. Pouco a pouco começou a entender o que realmente significa acreditar e ter fé.

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EPÍLOGO

Dois meses mais tarde, Stefan Bukowski e Lisa Herrmann se casaram no juizado de Munique. Lisa usava uma roupa vermelha e Bukowski não colocara seu terno escuro, porque havia engordado quatro quilos já que, efetivamente, havia parado de fumar. Em março do ano seguinte, Lisa trouxe ao mundo uma criança sã. Pierre Benoit foi capturado em Manaus graças à busca internacional iniciada pela polícia francesa. As autoridades brasileiras o deteram, e um par de semanas mais tarde ele foi entregue as autoridades francesas. Negava todas as acusações. A comissão de investigação especial liderada por Maxine Room ainda teria muito trabalho pela frente. Thierry Gaumond e Michelle Le Blanc foram condenados a prisão perpétua por assassinatos múltiplos, sequestros e outros atos criminosos com o uso de violência. Yaara e Tom começaram a viver juntos, se casaram e decidiram fazer parte de uma expedição para liberar uma legendária múmia de gelo de sua fria tumba na Mongólia. Moshav ficou em Israel. Seus serviços foram requeridos no Vale do Cedro, onde continuavam destapando os restos de uma guarnição romana. Na noite de 3 de outubro, uma patrulha da polícia de Jerusalém encontrou o cadáver de um corpulento homem próximo da Nova Porta. Morrera a tiros. Seu nome era Solomon Pollak e nunca conseguiram pegar os assassinos. Supõe-se que estava implicado em negócios relacionados com o comércio ilegal de antiguidades. Deveria ter sido assassinado por um cliente insatisfeito ou um cúmplice. Tom analisou em um laboratório o aplique que Padre Leonardo lhe entregara na fortaleza de Massada. Teve que engolir em seco quando leu o relatório dos resultados. Depois de realizar vários sistemas de determinação da idade, se concluiu que devia ter pelo menos dois mil anos. Mostrava a cena de ressurreição e era idêntico aos pratos que Chaim Raful encontrara em suas escavações. Segundo as estimativas dos peritos, poderia vir inclusive do mesmo artista. PALERMO, ESCOLA SAN MAURICIO DE PALMERA

O jovem de espesso cabelo negro, com uma camisa furadinha e calças listradas, olhou cético para Padre Leonardo, o novo diretor do colégio, que havia regressado de Roma há um par de semanas. — Jesus de Nazaré existiu realmente e ressuscitou para nos levar à vida eterna? Perguntou o jovem, que não devia ter mais de dezessete anos e que havia vivido a maior parte de sua vida na rua, antes que Padre Leonardo o recolhesse e o levasse para o internado que acabavam de construir. Padre Leonardo estava sentado relaxadamente junto ao pequeno escritório e sorriu. — Descobriremos isso se nunca em nossa vida perdemos a fé, respondeu. — Obrigado...

FIM

Page 298: A IRMANDADE DE CRISTO - visionvox.com.br · (Die Bruderschaft Christi- 2012) Ulrich Hefner ... Mesmo que aparente despreocupação ainda treme como uma criança. Eu vejo, eu sinto.

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AGRADECIMENTOS

Como em cada livro, ao final existem muitas pessoas com as que me sinto eternamente agradecido por seu apoio. Especialmente agradeço a Ulli Carluci, Tina Aue e, claro, a Christiane e Benno Neudecker.

Ulrich Hefner