A Iurisprudentia - dissertação.

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A Iurisprudentia Como Fonte de Direito, o Método Jurisprudencial e a Instituição do Ius Publice Respondendi A Iurisprundentia surge como uma fonte de Ius Civile que paulatinamente ao longo de séculos sofre diversas transformações na forma em que é analisada e aplicada ao Ius Romanum. Cabe portanto perceber o conceito de “Iuris” “prundetia” – Iuris trata-se de direito, equidade, lei, justiça (em sentido mais latum ou strictum), enquanto “prudentia” nas palavras do professor Sebastião Cruz, “É a ciência que tende para a acção, para o «agir»;” trata do saber fazer, e não do conhecimento puro (“sapientia”). O Ius Civile Romanum tem carácter práctico e debruça-se no caso concreto (“prudentia”) para encontrar o “Ius” (direito, equidade e justiça). Apesar do seu carácter práctico, a Iurisprudentia não é um meio normativo, ou seja não é fonte de direito pois não produz formalmente produto com força vinculativa de lei, ela trata de uma fonte de conhecimento do direito com base de justiça; É a tentativa de distinguir o justo do injusto, o que se deve ou não fazer; “é um conhecimento do que é ius e non ius”, segundo o professor Raul Ventura. Definimos portanto a Iurisprudentia como um conjunto do que para nós hoje é a ciência do direito e a pratica jurídica, atendendo sobretudo à resolução dos conflitos do caso concreto, sob critérios de justiça e equidade. A ratio, muitas vezes é dominada pela utilitas ou natura, ou seja a utilidade de espécie pragmática sobrepõe-se por vezes à racionalidade. O método da Iurisprudentia baseia-se no saber juridico e material, cujo sentimento do prudente o levará ao resultado justo materialmente falando, e também à experiência casuística transmitida pelos jurisconsultos antecedentes. Na forma de resolver determinado caso é tida em conta como foram resolvidos casos análogos no passado, mantendo a contínua actualização do tratamento anterior. É a conjuntura entre tradição e progresso. Verifica-se a aplicação de método empírico e indutivo, em muito semelhante ao método da tópica - método de pensamento problemático onde se procura as premissas de solução final do caso a partir do próprio problema. Segundo POMPÓNIO, QUINTO MUCIO é o primeiro jurisconsulto a sistematizar o ius civile,

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A Iurisprudentia Como Fonte de Direito, o Método Jurisprudencial e a Instituição do Ius Publice Respondendi

A Iurisprundentia surge como uma fonte de Ius Civile que paulatinamente ao longo de séculos sofre diversas transformações na forma em que é analisada e aplicada ao Ius Romanum. Cabe portanto perceber o conceito de “Iuris” “prundetia” – Iuris trata-se de direito, equidade, lei, justiça (em sentido mais latum ou strictum), enquanto “prudentia” nas palavras do professor Sebastião Cruz, “É a ciência que tende para a acção, para o «agir»;” trata do saber fazer, e não do conhecimento puro (“sapientia”). O Ius Civile Romanum tem carácter práctico e debruça-se no caso concreto (“prudentia”) para encontrar o “Ius” (direito, equidade e justiça). Apesar do seu carácter práctico, a Iurisprudentia não é um meio normativo, ou seja não é fonte de direito pois não produz formalmente produto com força vinculativa de lei, ela trata de uma fonte de conhecimento do direito com base de justiça; É a tentativa de distinguir o justo do injusto, o que se deve ou não fazer; “é um conhecimento do que é ius e non ius”, segundo o professor Raul Ventura. Definimos portanto a Iurisprudentia como um conjunto do que para nós hoje é a ciência do direito e a pratica jurídica, atendendo sobretudo à resolução dos conflitos do caso concreto, sob critérios de justiça e equidade. A ratio, muitas vezes é dominada pela utilitas ou natura, ou seja a utilidade de espécie pragmática sobrepõe-se por vezes à racionalidade.

O método da Iurisprudentia baseia-se no saber juridico e material, cujo sentimento do prudente o levará ao resultado justo materialmente falando, e também à experiência casuística transmitida pelos jurisconsultos antecedentes. Na forma de resolver determinado caso é tida em conta como foram resolvidos casos análogos no passado, mantendo a contínua actualização do tratamento anterior. É a conjuntura entre tradição e progresso. Verifica-se a aplicação de método empírico e indutivo, em muito semelhante ao método da tópica - método de pensamento problemático onde se procura as premissas de solução final do caso a partir do próprio problema. Segundo POMPÓNIO, QUINTO MUCIO é o primeiro jurisconsulto a sistematizar o ius civile, dotando-o de características abstractas: identifica o elemento comum às várias experiências análogas e reteria um nexo lógico abstracto.

A questão que se coloca então é se a Iurisprudentia é ou não uma fonte de produção de direito, com o significado que hoje atribuímos ao conceito. A teoria aceite estabelece que formalmente e objectivamente, não tem força de lei ou carácter vinculativo, nem pode ser imposta, portanto não se trata de uma fonte de produção de direito, nem o poderia ser pois como explica o professor Raul Ventura, “seria, portanto impossível que a resposta de qualquer pessoa, porventura em contradição com a de outrem, constituísse norma de direito”. No entanto na medida em que os pareceres ou respondas (assunto tratado mais adiante) tem por bem a aplicação pratica da investigação teórica do direito e "não-direito", o iudex acabaria por tomar a decisão em conformidade com a sentença do jurisconsulto. Este poder denomina-se de auctoritas – um poder social e moral amplamente respeitado e tomado em consideração pela posição social e pela sabedoria que o iurisprudente detinha acerca da matéria.

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É esta a razão pela qual até ao séc. IV a.C. só os sacerdotes podiam exercer a função de “prudentes” – a forte relação entre o Direito, a Religião e consequentemente também a Moral intrínseca à Religião. A partir do séc. IV a.C. já no período de transição da monarquia para a república ocorre o fenómeno de laicização do direito, e portanto não só mas também da “Iurisprudentia” que se reflecte na conteúdo da Lei das XII Tábuas, na publicação do Ius Flavianum (colectânea das fórmulas processuais legais) e o ensino público do direito em meados do séc. III a.C. o típico jurisconsulto é, nesta época, um cidadão popular, de altas classes sociais (com património), que representava em si as tendências e aptidões do povo romano. A partir do império, como etapa final da laicização do direito, Augusto admite jurisconsultos para os cargos mais importantes, ainda que estes pertencessem à classe média. Em substituição à autoridade social surge o ius respondendi ex auctoritate principis, ou seja a concessão do princeps de responder como se o próprio princeps respondesse, solucionando assim da forma mais justa os litígios ocorridos.

O interpretatio prudentium é pois a actividade dos juristas com forma de processo da elaboração do direito, sistematiza e formaliza o conhecimento até aí adquirido pela prática e intrínseco à consciência social, melhorando-o. Subdivide-se em Agere - a nível de assistência das partes a nível processual - e Cavere e Respondere - no âmbito das relações jurídicas, respectivamente, aconselhando no âmbito dos negócios privados e dando pareceres a nível do direito público: são estas as funções Imediatas dos juristas; As funções mediatas são o reflexo ou acessórias das primeiras e tratam a participação em concílios de magistrados, juízes e imperadores, a literatura jurídica e o ensino do direito.

Apesar de os iurisconsultos não terem função legislativa e os pareceres através de responsa não possuírem carácter vinculativo, a iurisprudentia é indirectamente fonte de direito, “a primeira, no tempo e na importância” nas palavras do Professor Sebastião-Cruz, visto que são os verdadeiros peritos em Ius, e portanto são eles que indicam que matérias devem ser regulamentadas pelo direito ou simplesmente de ordem ético ou moral, estabelecendo os termos da sua redação e aplicação, interpretando-a, e provando a sua razão, ou não, de ser.

A partir de Augusto, o jurista deixa de ter só por si a auctoritas das suas responsas, o valor das mesmas passa a ser em função da auctoritas principies que é transmitida pelo princeps a cada responsum em particular e não ao jurisconsulto que o emite. Esta situação inverte-se no tempo de Tibério, onde o próprio jurisconsulto tem auctoritas ex principies, exemplo disso é SABINO o primeiro jurisconsulto a deter a concessão. Calcula-se que apesar da argumentação de Augusto ser a independência e manutenção da Iurisprudentia como fonte de Ius, defendendo-a da multiplicidade de jurisprudentes e diversidade de soluções, o seu verdadeiro interesse seria em superiorizar-se a toda a vida jurídica, e controlar em parte a Iurisprudentia. Como lhe era impossível controlar todas as sentenças ou substituir-se aos jurisconsultos, opta por nomear os mais merecedores da sua confiança, atraindo também os juristas à vida política. Importante é frisar que Augusto não proíbe ninguém de exercer o cargo de

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prudente, no entanto, como refere o professor Vera-Cruz Pinto, “de que servia exercê-la se, não tendo ius publice respondendi, a sua solução poderia ser facilmente afastada pelo juiz face à solução dada por um jurisprudente dotado desse ius? E que pessoa, com um litígio a ser presente ao iudex, recorreria a um jurisprudente dele desprovido se existia o forte risco de, assim, perder a causa e ver prejudicado o seu interesse?” Parece pois, que esta atribuição de auctoritas ex princeps trata-se de uma forma de persuasão, por parte de Augusto, para que os Iurisprudentes mostrem lealdade ao princeps e esforço extraordinário para merecer a sua confiança. Existe pois, uma perda de liberdade da Iurisprudentia que era característica da república, culminando no império de Adriano, onde as responsas unânimes dos juristas com Iuris publice respondendi adquirem força de lei; no caso de discordância, então tem o juiz liberdade de escolha;

Conclui-se portanto que a evolução da Iurisprudentia em Roma no período da Republica e Principado vai sobretudo ao encontro duma centralização do poder jurídico nas mãos do Princeps e juristas da sua confiança, apesar de estar aberta a classes sociais mais baixas, e portanto, se limitada no homem como indivíduo, mais abrangente no homem como grupo do qual provem. O Iuris respondendi adquire um papel cada vez mais preponderante dentro do Ius Civile e honorarium, atingindo a partir de certa altura (império de Adriano) carácter vinculativo e força de Lei.

Rute Henriques

Nº20610

Subturma A4

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Bibliografia consultada

Cruz, Sebastião. Direito Romano. Editor: Coimbra. 1984.

Pinto, Eduardo Vera-Cruz. Curso de Direito Romano, vol I. Editor: Principia. 2009.

Ventura, Raul. Manual de Direito Romano, Volume I, Tomo I, Lisboa, 1964

Vários. Estudos de direito romano, vol. 2. Editor: AAFDL. Lisboa, 1991