A jurisprudência na organização do direito civil pátrio

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  • A JURISPRUDNCIANA ORGANIZAO DO DIREITO CIVIL PATRIO

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    Na formao do direito civil ao observador attento apparecer o producto de numerosos e differentes fa- ctores, ora na conscincia juridica popular, ora emergindo de diversas e variadas circumstancias.

    O legislador que pensar que lhe possivel crear o direito, em vez de limitar-se a traduzil-o em princpios fixos e determinados, no tardar a se convencer de que suas disposies se tornaro inexequiveis.

    A jurisprudncia que lentamente se frma sob o influxo da raso esclarecida pela sciencia, ainda que de caracte r manifestamente pratico, (refiro-me jurisprudncia dos tribunaes usus fori) era um dos mais importantes factores do direito nacional.

    A feio unitaria que esse direito mantinha no antigo regimen e que resistiu poderosa influencia da nova organizao federativa, que introduziu a diversidade,

  • - 94 -a variedade ua autonomia politica dos novos Estados, essa feio unitaria, repelimos, como que estacionou ante o novo systhema poltico.

    De feito, entibiaram-se os principaes elementos orgnicos do direito; o elemento scientifico, desde que a de- cadencia dos estudo juridicos comeou a invadir o ensino official, e a jurisprudncia dos Tribunaes, por diversas causas que depois assignalaremos.

    E como poderia a jurisprudncia dos Tribunaes sem o influxo da inspirao scientifica do direito unitrio vasado em moldes uniformes concorrer mais para a for" mao do direito nacional ?

    Como poderiam ser o melhor interprete das leis a praxe e o estylo de julgar e a deciso dos arestos seguida universalmente pelos doutores, na plirase do assento de 23 do maro de 1786?

    A importancia do processo civil, todos o comprehen- dem, pde se avaliar pelas intimas relaes que o prendem ao interesse social, ao direito publico.

    Assim o processo civil, o direito criminal e o processo criminal entram no direito politico, segundo o pensar de Savigny.

    A aco e o processo nascem da violao do direito e da necessidade de reprimil-a.

    E desde que essa represso no seja o effeito do acaso e para que ella se execute de uma maneira regular e certa, indispensvel a interveno do Estado.

    O codigo civil, se o tivessemos, os preceitos da lei seriam inertes, se o processo lhe no desse movimento e vida.

    E pois, como ensina Saredo, o direito judicirio que o pSe em actividade.

  • 95 Chi viene a transformara por cosi dire, questo c

    dice civile? Chi gli infoiide quel sofio di vita, che lo rende attivo, che lo incarna ogni giorno nei millee complicati raporti di diritto privato? Quello il codico di procedura civile.

    A feio multiforme do processo que inevitavelmente ha de emergir da competencia dos Estados, creando cada um seu direito judicirio, no pode ser indiffe- rente formao uniforme da jurisprudncia dos tri- bunaes.

    V-se pois, que um dos elementos orgnicos, de direito nacional, tornando-se mltiplo e variando pela frma de sua composio, deixa de ter o typo homogneo essencial uniformidade desse direito.

    Accresce ainda que, o direito civil que temos o antigo direito portuguez, composto de legislaes promulgadas sob influencias politicas diversas, mixto de direito canonico e de costumes locaes e peculiares quella nacionalidade, alm do direito romano que, em toda a Europa constitue o typo de suas legislaes.

    As formas processoaes e as instituies juridicas civis, no tinham ainda assumido phisionomia bem discriminada e distincta; de modo que, difficil traar-se com firmesa uma linha divisria clara, entre as formas processoaes e os actos constitutivos do direito civil.

    Comprehende-se, por isso, a difficuldade da differen- ciao.

    Ora, si certo que os tribunaes esforam-se por cham ar o direito s necessidades da vida, emquanto a sciencia lida por approximal-o do seu ideal, ra- soavel suppr-se qne, esta elaborao, actuando por um trabalho constante sobre materiaes variados, no po-

  • - 96 -der offerecer formao do direito nacional sino elementos hetorogeneos.

    Convm tambem ponderar que, a timidez dos juizes, recorrendo constantemente ao poder executivo para soluo de casos occurrentes, tem se implantado nos costumes do fro, desde o regimen decahido e ainda perdura.

    A constttuio do poder judicirio, segundo o plano constitucional, em duas instancias, com um tribunal revisor, que uniformisasse a jurisprudncia, com a fa culdade de caasso, seria uma aspirao digna de estudo pelos homens politicos do Estado e pelos poderes pblicos.

    Na anterior organisao monarchica, j sentiamos essa fa ta, attenta quasi impossibilidade do antigo supremo tribunal para fixar a intelligencia pratica das leis, porque suas decises podiam ser rescindidas pelas relaes revisoras.

    Hoje temos, certo, o Supremo Tribunal Federal, com a sua competencia restricta nos termos do artigo 59, n. 3 1. a) eb) da Constituio Federal; masessa competencia incompleta e restricta no basta para a informidade da jurisprudncia, elemento organisador do direito civil e patrio.

    Cumpre tambem assignalar como uma das causas da defciencia de nossa jurisprodencia, quer considerada como sciencia, quer considerada em sua pratica, a es- treitesa ou superficialidade dos estudos propedeuticos do direito civil.

    Em relao jurisprudncia dos tribunaes, esta causa torna-se mais saliente em consequencia do trabalho material que onera um numero limitado de juizes.

  • 97 Estes homens oberados de servios forenses, conso

    mem o tempo disponvel na leitura arida eoppilante de volumosos manuscriptos, de modo que, forosamente limitam seus estudos a uma s matria, que os esteriliza, porque rompe o lao que os une s outras sciencias segundo o conceito de Cicero.

    Etenim omnes artes quoe ad humanitatem pertinent habent quoddam commune vinculum et quasi cogna- tione quadam inter se continentur.

    Um dos chefes da escola de Thibergien na Allema- nha insistia energicamente nesse conceito quando afirmava que, as sciencias particulares eram ramos da arvore da sciencia.

    Alimentam-se da mesma seiva e prendem-se ao mesmo tronco commum ; mas delle se desgarram, seguindo diversos rumos em procura da luz ; cada uma se forma de um renovo distincto, que seu principio proprio e d nascimento a outros renovos, que se tornam princpios constitutivos de novas ramificaes. E assim que, a sciencia se divide e subdivide-se indefnadamente afim de explorar todas as partes da realidade.

    Isso justifica a definio que da jurisprudncia deu Ulpiano: Divinarum atque humanarum rerum notitia, justi atque injustisciencia.

    Assim, si nao tinhamos jurisprudncia no regimen monarchico unitrio, hoje nenhuma esperana nos resta de tel-a no systema federativo, tendo por um lado a unidade do direito nacional e por outro a diversidade do direito judicirio.

    O que certo que, havemos de ter sempre uma jurisprudncia variavel, incoherente, sem princpios certos sem tendencias definidas, e formada ao influxo de inspiraes estranhas ao elemento scientifico.

  • Dessa jurisprudncia quo lia de ser a dos estados federados, n a da Unio, as quaes se ho de consultar reciprocamente, nos casos constitucionaes, para applica- o das leis, resultar inevitavelmente uma massa indecisa e informe de decises contradictorias, e incapaz de constituir o direito nacional.

    Confrontando-se desde j (agora quo estamos na primeira phase do novo systema politico adoptadoj a ju risprudncia dos estados federados com a dos juizes e tribunaes ederaes, para quem o processo e o direito so os mesmos podem calcular-se quantas causas de di- vergencias e de erros se accumulam e impedem a formao do direito nacional.

    O direito , sem duvida, um trabalho incessante, no smentc dc poder publico, mas do povo todo inteiro. Entretanto, deve-se reconhecer que o direito scientico somente accessivel a certa classe de cidados, que o desenvolvem e determinam rigorosamente seus princpios, de modo que a sciencia juridica, bem com a ju risprudncia dos tribunaes, entram incessantemente com os principaes factores do mesmo direito. Mas, como observa um dos grandes vultos da sciencia, o poder desses dois factores limitado. Podem em casos determinados pelo direito existente, regular, favorecer o movimento, mas no poderiam construir os diques que impedem o rio de precipitar-se em outra direco, a no ser a aco bem combinada e efficaz da lei, como acto determinado do poder publico. No , pois, por um acaso, mas por uma necessidade geralmente estabelecida na essen- cia do direito que todas as formas substanciaes do processo e do fundo do direito se vinculem a leis (')

    (*) Von Ihering, La lutte pour lc tlroitpag. 7

  • 99 Na prpria Allemanha o trabalho da unificao legisla, tiva e processual progride rapidamente.

    Continuamos, portanto, a pensar, como j o manifestmos em o nosso prefacio s annotaes do processo civil e criminal mineiro, que a variedade de formas processuaes nos estados vai viciar profundamente a formao do direito nacional.

    Esboando as idas que aqui se vm enunciadas, se me deparou a these do illustre dr. Tobias Barreto these que se inscreve assim : As faculdades juristicas como fa d o res do direito nacional.

    Depois de mostrar o abysmo que se abriu, alguns de- cennios, entre a theiria e a praxe juridica, assim expe seu modo de pensar, para obviar o isolamento entre a theoria e a arte juridica,indicando o meio, a seu ver proveitoso, para encher esse assignalado abysmo.

    Eu no dou muito, j suprfluo dizel-o, pela scien- cia das nossas faculdades ; mas ainda de menos valor me pareco o traquej o rude e grosseiro dos tribunaes, onde Themis e Minerva no s brigam, porm brigam e esbofeteam-se.

    Um dos nossos professores de direito, os quaes em regra pouco fertilde excepes, no so espiritosqne tenham coragem de dar aos pobres, ou de sacudir pelaja- nella toda a sua velha mobilia scientifica e munir-se de outra nova no gosto e altura do tempo, toma feies gi_ gantescas, co mparado com a maioria da magistra_ tu ra .

    E isto provm justamente da espreie de muralha chineza que os nossos hbitos lanaram entre os homens da sciencia, como tal, e os homens da pratica, do direito em aco; sendo, porm, que os primeiros devem aguentar com a maior parte da culpa desse estado de

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    segregao prejudicial a ambos. Porquanto, em vez de regar continuamente a arvore da sciencia que foi posta sua guarda, em vez de fazer render os talentos que lhe foram confiados, os juristas da cadeira sacrificam os interesses da theoria scientifica aos d \ chicana, e tc .

    O meio de resolver o problema, segundo o citado es- criptor, o de se arm ar as faculiades jurdicas da attri- buio de contriburem em forma de pareceres e consultas sobre as questes mais graves que fossem levantadas na esphera do direito.

    No penso, como o illustre preopinante; mas creio que a diffuso dos estudos propedeuticos muito contribuiria p;ra mais segura orientao dos estudos ju rd icos de modo que a elaborao scientifica do direito e a jurisprudncia dos tribunaes, expurgados de vicios ori- ginaes, entrariam melhor, no obstante a diversidade processual, como principaes factores orgnicos do direito civil patrio.

    Ouro Preto, 27 de junho de 1894.V . M. Db M e l l o F r a n c o .