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Coletânea de contos Vários autores A Lei Aurea ´

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Coletânea de contos

Vários autores

A Lei Aurea

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©2014 Vários autores Contato: http://aleiaurea.blogspot.com http://facebook.com/gloriosoimperiobrasil Edição, Diagramação e Arte: Eber Josué Impressão e acabamento:

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Fabris, Roberth Marcel et al.

F128l A lei áurea / Roberth Marcel Fabris [et

al.] – Três Corações: Eber Josué Dias de O-

liveira, 2014.

152 p.

ISBN 978-85-8196-754-7

1.Literatura brasileira. 2.Ficção.

3.Contos brasileiros. 4.História do Brasil.

5.Brasil Imperial. 6.A lei áurea. 7.Princesa

Isabel do Brasil. I. Eber Josué, org. II.

Série Glorioso Império do Brasil. III. Títu-

lo.

CDD: B869.3

CDU: 82-3 / 82-92/94

Índices para catálogos sistemáticos

1.Literatura brasileira: 869.3

2.Ficção : Contos brasileiros: 869.308

Todos os direitos reservados.

É proibida a reprodução deste livro com fins comerciais sem prévia autorização dos respectivos autores.

Coletânea de contos

Vários autores

A Lei Aurea

1ª Edição

Três Corações-MG

Setembro de 2014

´

PREFÁCIO

Aceitei prontamente o convite para prefaciar esta cu-

riosa e original coletânea de contos. Não poderia ser diferente,

já que todo o seu conteúdo gira em torno de um momento

histórico tão marcante, tendo como motivo central um grande

nome do nosso Segundo Império: Isabel.

A coletânea poderia ter simplesmente este nome, pois

ao tratarmos da história do Brasil automaticamente nos reme-

teríamos a ela: Princesa Isabel.

Com uma formação e educação totalmente diferente

das mulheres de seu tempo, a filha do então Imperador Dom

Pedro II foi perfeitamente preparada para ser uma Impera-

triz. Teve a mesma dura formação do seu pai, uma vez que

visava o preparo rígido independente de ser do sexo feminino.

Sendo assim, tornou-se a preparada Princesa Imperial

que assumia a regência, o trono e o comando do Império na

ausência do seu pai. Em uma destas vezes assinou a importan-

tíssima Lei Áurea, que dava liberdade a todos os escravos do

território nacional. Escravos estes que sempre foram protegi-

dos por Isabel, que cresceu em contato direto com eles. Sem-

pre lutando por seus direitos, bem como os direitos de educa-

ção pública de qualidade para o povo brasileiro na época.

Certamente suas lutas em favor dessa parte da socie-

dade menos favorecida, tornaram-na uma mulher lembrada.

Se não a mais importante da época, uma mulher à frente do

seu tempo. Uma pioneira da voz feminina na política nacio-

nal.

Parece-me, portanto, uma justa homenagem que ren-

de à Redentora cada um dos autores das obras constantes

deste volume. Obras que, apesar de estarem mais focadas na

originalidade e criatividade dos contistas do que na exatidão

histórica, certamente evidenciará a importância que teve a

princesa imperial em seus dias.

„A Lei Áurea‟ certamente transportará o leitor e a leito-

ra para instantes inimagináveis do Glorioso Império do Brasil.

Certamente a maneira como foram descritos parecerão com-

pletamente diferentes dos momentos realmente vividos pela

Princesa Isabel, que bem poderia ter sido a maior brasileira de

todos os tempos. Mas eu os convido a se permitirem serem

transportados para a nova realidade oferecida por esta coletâ-

nea.

E após cada um destes belos e selecionados textos,

tendo o seu autor firmado, desde já subscrevo, confirmando

que foi exatamente assim que tudo aconteceu.

THIAGO LIMA Aluno da Escola de Sargentos das Armas

(EsSA)

ÍNDICE OBRAS PREMIADAS

Adnelson Borges de Campos 9

A mucama

Ana Lygia 20

A rainha da senzala

Andréia Palmeira 27

De como a libertação dos escravos se deu ao custo de sangue

Bruno Freitas 33

A visita de Kate

Edweine Loureiro 48

Liberdade, enfim!

Frederico Flósculo 54

A honra do Brasil

Joan Saulo do Monte 65

O perfume de Roberta

Jober Rocha 82

Quem sabe se não foi assim?

Marcelo Sant’Ana 89

Abolição Zumbi

Roberth Marcel Fabris 107

Cartas da corrente etérea

MENÇÕES HONROSAS Almir Luz

116 O coração de Palmares

Andrei Mendonça Carraro 125

O negro Nestor

Eduardo Chaves Laurent 133

O despertar

Lúcio Junior 141

Nostalgia

Renata Soltanovitch 144

A princesa e o jogador de capoeira

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Adnelson Borges de Campos Natural de São Paulo-SP, reside atualmente em São Mateus do Sul-PR. Administrador, 51 anos, gerente de mineração da unidade da Petrobras em São Mateus do Sul, casado com Denise, pai de Lucas, Vinícius e He-lena. Começou a escrever contos e participar de concursos em 2012 e, desde então, teve alguns textos selecionados e publicados em antologias impressas e digitais.

A Mucama

Numa manhã de sol os escravos da fazenda do Coronel Lu-

dovico Assunção espalhavam o café para secá-lo. No mesmo pátio

algumas mulheres pretas cuidavam de seus afazeres. Uma delas a

mucama Luzia cuidava de um dos filhos do Coronel e Dona Ge-

noveva. A outra, Gertrudes uma escrava de quinze anos de idade,

estendia as roupas no varal. Ela mal dava conta de sustentar a

barriga de oito meses de gravidez. Era mais um dos filhos do Co-

ronel, diziam.

Luzia conhecia bem esta situação. A escrava de boa apa-

rência era a preferida de seu senhor e também servia de dama de

companhia de Dona Genoveva. Teve seu primeiro filho com Lu-

dovico aos quatorze anos de idade, em 1871, mesmo ano da apro-

vação da Lei do Ventre Livre. O filho e os outros três que vieram

depois foram entregues pelo Coronel ao governo. Ele não queria

arcar com os custos de ingênuos que não poderiam ser tratados

como escravos. Conservava apenas o último filho com ela, uma

concessão de seu senhor. Augusto, um garoto de 10 anos, tinha a

mesma idade de Manoel, o filho de seus senhores, do qual Luzia

tomava conta.

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A mucama passava o dia cuidando de Dona Genoveva e

Manoel, servindo-lhes do bom e do melhor. À noite, quando vol-

tava para a senzala mal tinha o que entregar para o seu Augusto,

que passava o dia alimentando os animais da fazenda. Para dor-

mir, dividia o mesmo colchão de palha com o filho.

Na escuridão daquela noite de lua nova aproveitava os

poucos momentos de descanso para acarinhar e conversar com

seu filho:

- Mãe, por que o meu cabelo é claro? Os outros meninos da

senzala ficam rindo de mim, pois eu não sou como eles. Chamam-

me sarará, sarará de sangue ruim.

- Você é sangue do meu sangue, meu filho e posso garantir

que não temos sangue ruim. Seu pai foi um homem branco por

isso o seu cabelo é diferente.

- Quem é o meu pai?

- Não sei meu filho. Ele apareceu aqui um dia e logo se foi.

- Os meninos dizem que o meu cabelo é assim porque a se-

nhora amamentou o Manoel e a mim ao mesmo tempo.

- Amamentei, meu filho, mas isto não faz ninguém ter o ca-

belo avermelhado – respondeu a mãe lembrando que quando

alimentava o filho de Dona Genoveva mal sobrava leite para o seu

Augusto que o recebia de outra escrava.

- Mãe, se eu nasci livre por que eu não posso sair daqui?

- Porque enquanto sou propriedade do Coronel não tenho

como cuidar de você fora daqui, meu filho. E não quero perdê-lo

como perdi os seus irmão.

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- Eu sinto falta dos meus irmãos. Eles vão voltar um dia?

- Não meu filho, eles não vão voltar. Estamos sós agora.

- Mãe, eu nunca vou deixar você!

- Claro meu filho, claro. Agora durma um pouco. O dia a-

manhece logo.

- Tenho medo. Ontem à noite eu ouvi os gemidos do Basti-

ão e hoje eu vi quando o jogaram todo ensanguentado no grama-

do. Durante a noite eu sonhei que o meu rosto estava todo cheio

de cicatrizes como as do Bastião. Os outros escravos dizem que o

Bastião é que é homem de verdade e que eles são um bando de

medrosos. Talvez eu seja medroso também.

- Eu já lhe ensinei: diga sempre sim, não discuta com os

seus senhores. Assim, mesmo nos maltratando, eles nos toleram.

Luzia cantarolou uma canção e vencido pelo cansaço Au-

gusto dormiu. A mãe ainda levou algum tempo para pegar no

sono, pensava nos outros filhos. Estariam vivos?

Mal fechou os olhos o galo cantava. Estava na hora de le-

vantar. Deu alguma coisa para Augusto comer e se preparava

para correr até a cozinha da casa grande fazer o café da manhã da

família do Coronel, quando Augusto falou:

- Mãe, eu tive um sonho muito bonito esta noite.

- É, meu filho! Sonhou com o quê?

- Com uma mulher. Ela tinha os olhos azuis como os do

Manoel. Trajava um vestido claro, de um tecido com brilho. Ela

chegou, colocou a mão na minha cabeça e me disse: “você, sua

mãe e todos da sua raça estão livres!”. Ela me entregou uma flor

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que eu nunca havia visto. Eu perguntei que flor era aquela e ela

me disse que se chamava camélia, vinda de um lugar ainda mais

distante que a África, local de origem dos meus antepassados. “A

flor é um símbolo de liberdade”, me disse ela.

- Existe brancos bons meu filho. Quem sabe ela fosse um

anjo! Agora me deixa correr, senão fico de castigo e não posso

cuidar de você. – completou Luzia beijando o filho.

Na cozinha Luzia servia seus senhores. Como sempre, o

Coronel já acordava mal humorado, reclamando de tudo. Passou

por ela e lhe deu um tapa no traseiro. Dona Genoveva fingia não

perceber. Já sentado à mesa o Coronel lia o jornal e comentava as

notícias com a esposa:

- Não me faltava mais nada! Será que o Imperador ficou

maluco?

- O Imperador está na Europa. – comentou Dona Genove-

va.

- Está, mas com o telégrafo ele consegue se comunicar com

o Brasil. Poderia ter orientado melhor a maluca da filha, a Regen-

te Isabel.

- Ela é uma boa pessoa, religiosa e uma mãe dedicada. Di-

zem que ela recebeu a mesma educação de um homem para go-

vernar, mas governa com o coração de mulher.

- Então não aprendeu nada. Ela vai nos arruinar!

- Mas o que ela fez de tão trágico?

- A manchete diz: “Não há mais escravos no Brasil. Foi a-

provada a Lei 3353 no dia 13 de maio de 1888, dia do 121º ano do

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nascimento de Dom João VI, que declara extinta a escravidão no

Brasil. A Redentora Isabel, a Princesa das Camélias, assinou a tão

esperada lei com uma pena dourada especial para a ocasião, doa-

da pelo proprietário do Sítio do Leblond, José de Seixas Maga-

lhães”.

- E agora Ludovico, perderemos nossas propriedades?

- Não vou permitir! Não bastasse este bando de imigrantes

chegando e exigindo salários, agora perderemos nossa mão-de-

obra. Eu não aceitarei tal lei.

- Vai pegar em armas contra o Império?

- Não, mas na minha fazenda mando eu.

- Luzia! – chamou o Coronel.

- Sim, meu senhor.

- Você não ouviu nada do que dissemos nesta cozinha hoje.

Se algum preto souber do que falamos mando cortar a sua língua.

– gritou Ludovico.

A escrava apenas assentiu com a cabeça. Ela ficou pensan-

do na leitura do Coronel. Seria a Princesa o anjo que aparecera no

sonho de Augusto?

- É mesmo um absurdo! Veja isto Genoveva. Num outro

trecho o jornal diz que "Durante o dia e a noite de ontem continu-

avam cheias de animação as festas comemorativas da liberdade

nacional. A rua do Ouvidor, constantemente cheia de povo, apre-

sentava o belo aspecto dos grandes dias fluminenses. As casas

marginais primorosamente ornamentadas estavam repletas de

senhoras. De tempos em tempos, aqui, ali, acorria um viva aos

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heróis da abolição cortava os ares estridentes”. Só mesmo os flu-

minenses para comemorar esta tolice! – esbravejou Ludovico.

Quando o Coronel saiu da mesa ainda resmungando e de-

clarando o fim da monarquia no Brasil Luzia arriscou-se e per-

guntou para Dona Genoveva:

- Como é a Princesa Isabel?

- Por que a curiosidade Luzia?

- Nada não, só queria imaginar o rosto dela.

- Ela tem descendência austríaca, tem a pele clara e olhos

azuis.

- O que é uma camélia?

- É uma flor muito bonita, que veio do outro lado do mun-

do. Ela virou um símbolo do abolicionismo.

- Cada palavra difícil. O que é abolicionismo?

- É a ideia de alguns desorientados que querem libertar o

seu povo. Acham que os maltratamos. Para onde você acredita

que irão os libertos e do que viverão? Se os seus senhores não os

ajudarem vão morrer de fome!

Luzia não teve dúvida de que era a princesa no sonho do fi-

lho. Não aguentava a ansiedade por contar a novidade ao garoto.

Porém, precisava alertá-lo para não contar para ninguém. Primei-

ro precisava cuidar de Manoel.

O menino já estava acordado, se mantinha deitado. Quan-

do percebeu a presença da mucama lhe disse:

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- Luzia, eu queria continuar dormindo. Eu tive um sonho

tão gostoso. Acordei com o barulho da charrete do papai que pas-

sou pela calçada em frente ao solar.

- E com o que sonhava meu menino?

- Que eu e o seu filho Augusto brincávamos juntos. Andá-

vamos a cavalo e caçávamos passarinhos. Eu o chamava de meu

irmão e ele sorria para mim com aqueles dentes brancos.

Uma lágrima escorreu pela face de Luzia quando ela lem-

brou que os dois meninos possuíam um pouco do mesmo sangue.

- Luzia, você me ouviu?

- Ouvi sim, Manoel.

- Me diga por que eu não posso brincar com o Augusto?

- Ele é um filho de escrava e você o filho de um Senhor de

escravos. Não convém que sejam vistos juntos.

- Eu nunca quero crescer. Os adultos são maus. Meu pai é

mau. Eu olho para o Augusto e ele me evita olhar nos olhos. Ele é

o filho de escrava e eu é que me sinto preso, sem companhia, sem

amizades. Seu filho trabalha junto com os outros meninos, corre

com os outros meninos. Ele é mais feliz do que eu sou!

- Acredite meu menino, a vida dele e dos outros meninos

não é nada fácil. Talvez um dia, negros e brancos possam ser mais

amigos, companheiros.

Manoel assentiu com a cabeça e logo se distraiu com alguns

brinquedos.