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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE DIREITO – CAMPUS SÃO JOSÉ NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA A LEI MARIA DA PENHA NO ÂMBITO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito, na Universidade do Vale de Itajaí, Centro de Educação São José. Acadêmico: Julio Germano Marcelino São José (SC), outubro de 2008.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURPS

CURSO DE DIREITO – CAMPUS SÃO JOSÉ NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A LEI MARIA DA PENHA NO ÂMBITO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA

Monografia apresentada como requisito

parcial para a obtenção do título de

Bacharel em Direito, na Universidade do

Vale de Itajaí, Centro de Educação São

José.

Acadêmico: Julio Germano Marcelino

São José (SC), outubro de 2008.

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JULIO GERMANO MARCELINO

A LEI MARIA DA PENHA NO ÂMBITO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA

Monografia apresentada como requisito

parcial para a obtenção do título de

Bacharel em Direito, na Universidade do

Vale de Itajaí, Centro de Educação São

José, sob a orientação da Professora

Msc. Samantha Buglione.

São José (SC), outubro de 2008.

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JULIO GERMANO MARCELINO

A LEI MARIA DA PENHA NO ÂMBITO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação em Direito da Universidade do Vale do Itajaí.

São José, 31 de outubro de 2008.

______________________________________________________ Professora e Orientadora Mestre Samantha Buglione

Universidade do Vale do Itajaí

______________________________________________________ Professor Mestre Juliano Keller do Valle

Universidade do Vale do Itajaí

______________________________________________________ Professor Mestre Rodrigo Mioto dos Santos

Universidade do Vale do Itajaí

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AGRADECIMENTOS

A todos que me apoiaram para que este trabalho pudesse ser concluído.

À equipe da 6ª Delegacia de Polícia da Capital, em especial à Maria Carolina

Milani Caldas Opillar - Delegada de Polícia, Raquel Patrícia da Silva - Inspetora de

Policia, Sulhi Abgail Gonçalvez - Escrivã de Polícia, Joacyr de Paula Nizer -

Investigadora Policial, Gabrielle Bandeira e a todos que de alguma forma

contribuíram para este feito.

Agradeço a orientadora Professora Samantha Buglione, pelos ensinamentos

e pela orientação.

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DEDICATÓRIA

Este trabalho é dedicado a todas as Marias que já vivenciaram ou ainda

vivenciam caladas a tortura dentro de seu âmbito familiar.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale

do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador

de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

São José/SC, outubro de 2008.

Julio Germano Marcelino

Graduando

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RESUMO

Há tempos a violência doméstica contra a mulher é considerada um caso a parte no âmbito jurídico, pois, sem muito o que fazer, e sem acreditar na própria justiça, as mulheres deixavam de denunciar os agressores, para evitarem passar pelo desgaste de comparecer a uma Delegacia e ter que ficar cara a cara com o agressor, certas de que o mesmo não seria punido, porque, quando encaminhado ao Poder Judiciário, voltava quase que satisfeito por ter agredido a companheira e ter por punição uma pena restritiva de direito: “o pagamento de cesta básica”. Todavia, a violência doméstica contra a mulher fere vários princípios constitucionais, dentre eles, o direito a uma vida digna. Assim, surgiu a Lei Maria da Penha, com o intuito de proteger as mulheres vítimas de agressão doméstica, a fim de resgatar-lhes o direito de viver com dignidade. A presente monografia tem como objetivo identificar a implementação da Lei 11.340/06, denominada “Lei Maria da Penha”, no âmbito da polícia judiciária, mormente na 6ª Delegacia de Proteção às Mulheres da Capital – Florianópolis/SC, demonstrando de que forma está sendo feito o atendimento às vitimas de violência doméstica, os procedimentos que estão sendo realizados para tentar resolver um problema que vem trazendo grandes conseqüências para dentro de muitas casas, e diagnosticar se a criação de uma lei nova pode solucionar ou amenizar a questão da violência doméstica no Brasil. Palavras-chave: violência doméstica; inquérito policial; mulheres; polícia judiciária; Lei Maria da Penha; agressão doméstica; procedimento policial referente à Lei nº 11.340/06.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8

1 A VIOLÊNCIA E SUAS FORMAS .......................................................................... 11

1.1 A mulher no decorrer dos tempos ....................................................................... 11

1.2 Definições sobre violência ................................................................................... 14

1.3 A violência e suas formas conforme a Lei Maria da Penha ................................. 21

2 ANTECEDENTES AO NOVO PARADIGMA PARA TRATAR A VIOLÊNCIA

DOMÉSTICA CONTRA A MULHER ......................................................................... 26

2.1 A Polícia Judiciária e as Delegacias de Proteção à Mulher................................. 26

2.2 A realidade do dia-dia no trabalho dentro da Delegacia de Proteção à Mulher de

Florianópolis/SC ........................................................................................................ 27

2.3 O procedimento policial antes da Lei Maria da Penha ........................................ 29

2.4 O procedimento policial na vigência da Lei Maria da Penha ............................... 32

3.1 Casos verídicos da 6º Delegacia de Polícia da Capital ....................................... 37

3.1.1 Casos ocorridos antes da vigência da Lei Maria da Penha .............................. 37

3.1.2 Casos ocorridos na vigência da Lei Maria da Penha ....................................... 40

3.2 A criação da Lei ................................................................................................... 42

3.3 Índices de ocorrências registradas na 6ª Delegacia de Polícia de Proteção à

Mulher em Florianópolis ............................................................................................ 44

3.4 O desafio da tipificação: entre o Código Penal e a Lei Maria da Penha .............. 48

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 52

ANEXOS ................................................................................................................. 55

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto o estudo da “LEI MARIA DA PENHA

NO ÂMBITO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA”, sendo seu objetivo demonstrar através de

levantamentos feitos no âmbito da polícia civil, especificamente na 6ª Delegacia de

Proteção à Mulher da Capital – Florianópolis/SC, a forma que a mulher era

amparada na citada instituição, anteriormente à vigência da referida Lei,

comparando com a forma que está sendo amparada no âmbito da Lei Maria da

Penha, criada no intuito de proteger as mulheres vítimas de violência doméstica.

O estudo sobre a violência doméstica é de fundamental importância, pois é

necessário obter-se conhecimentos com intuito de coibir a mesma.

O tema da violência tornou-se um enorme campo de estudo. Chauí faz a

definição de violência não como violação ou transgressão de normas, regras ou Leis,

mas sim, como conversão de uma diferença, e de uma assimetria numa relação

hierárquica de desigualdade, tendo descriminação, dominação, exploração e

opressão, e como uma ação que trata um ser humano não como sujeito, mas como

coisa, caracterizando-se pela inércia, pela passividade e pelo silêncio, sendo que

quando o individuo tem sua atividade e a fala impedida, há desta forma violência.

(CHAUÍ, 1985, p. 35).

Antes de qualquer coisa, é necessário definir o que é a violência doméstica, e

identificar seu âmbito de abrangência.

Maria Berenice Dias (2007, p. 39) ressalta que a falta de conceituação e

consciência social sobre a violência doméstica e familiar é dos fatores que levou sua

a prática a invisibilidade.

O artigo 5º da Lei Maria da Penha define violência doméstica como sendo o

ato, a ação ou omissão que traz sofrimento físico, psicológico, sexual, moral e

patrimonial, causando inclusive a morte. Após, a Lei estabelece o seu campo de

abrangência, ou seja, a violência passa a ser doméstica quando é praticada no

âmbito familiar, ou tenha sido cometida por alguém que tenha qualquer relação

íntima de afeto com a vítima. (DIAS, 2007, p. 40).

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Para efeito de assegurar a aplicação da Lei Maria da Penha, o âmbito familiar,

ou seja, a família é definida como sendo a comunidade formada por indivíduos que

são ou consideram-se aparentados, que são unidos por laços de afeto ou por

vontade expressa. (DIAS, 2007, p. 43.)

A violência doméstica é um ato absolutamente inaceitável perante a

sociedade, porém a mesma ainda cultiva valores que incentivam este tipo de delito.

À luz deste contexto, Maria Berenice Dias (2007, p.15-16) discorre que a

cultura sobre violência doméstica decorre das desigualdades no exercício do poder,

levando assim uma relação de “dominante e dominado”. Ressalta ainda a autora

que, apesar de se obter avanços na equiparação entre homens e mulheres, a

ideologia patriarcal ainda vigora, e a desigualdade sociocultural é uma das principais

razões da discriminação feminina.

O lugar e a condição dos homens e das mulheres no mundo tem sido muito

discutido. A relação entre o que é ser homem, contraposta ao que é ser mulher, vem

sendo associada a um conjunto de idéias e práticas que identificam essa identidade

à virilidade, à força e ao poder advindos da própria constituição biológica sexual.

O movimento feminista, ao expressar-se sobre violência contra a mulher,

tornou pública a violência ocorrida na família ocasionada em diversos Estados do

Brasil, demonstrando com isso que este tipo de delito constitui-se em violência de

gênero. (CAMPOS, 2002, p.11).

As pesquisas neste sentido foram de grande utilidade para revelar os índices

alarmantes de violência praticada contra as mulheres no âmbito da família, o que

culminou na criação da Lei n° 11.340/06, objetivando resgatar a cidadania feminina.

A referida Lei introduziu diversas modificações no procedimento policial e

judicial, concernente a este tipo de crime, ampliando substancialmente a campo de

autuação da polícia judiciária no atendimento às mulheres vítimas de violência

doméstica.

Através de um estudo comparativo a respeito dos procedimentos levados a

efeito pelos agentes da policia judiciária, verifica-se o que realmente era

proporcionado às mulheres vítimas de violência doméstica e de que forma,

atualmente, na vigência da Lei Maria da Penha, estão sendo feitos os procedimentos

policiais relativos a estes delitos.

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Para tanto, principia-se o Capítulo 1, mostrando a figura feminina no decorrer

dos tempos, enfocando ainda o conceito de violência e suas formas e apresentando

resultados de pesquisas sobre a violência contra a mulher..

O Capítulo 2, trata sobre o procedimento policial elaborado antes e na

vigência da Lei Maria da Penha, demonstrando a realidade de uma Delegacia

especializada na proteção da mulher.

No Capitulo 3, são apresentados casos verídicos acontecidos no decorrer dos

plantões da 6ª Delegacia de Polícia da Capital, especializada no atendimento de

mulheres. Ainda, são apresentadas tabelas com índices de ocorrências registradas

no referido órgão policial. Por fim, são expostas as tipificações e as penas trazidas

pelo Código Penal e pela Lei Maria da Penha relativamente às agressões contra as

mulheres.

Para o presente trabalho foi utilizado o método dedutivo, onde, através de

estudos comparativos, bibliografias e trabalhos de campos, verifica-se a evolução da

prevenção e a própria punição no que se refere à violência doméstica, levando-se

em consideração a criação da Lei Maria da Penha.

Encerra-se o trabalho com as Considerações Finais, nas quais são

apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à

continuidade dos estudos e das reflexões sobre a “LEI MARIA DA PENHA NO

ÂMBITO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA”.

Para a presente monografia foi levantado o seguinte problema: a Lei Maria da

Penha, através da nova tipificação dada à violência doméstica, trouxe mudanças no

atendimento às mulheres vítimas deste tipo de delito, quando procuram à Delegacia

de Polícia de Proteção a Mulher?

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1 A VIOLÊNCIA E SUAS FORMAS

1.1 A mulher no decorrer dos tempos

Ao iniciar o presente trabalho, é fundamental relembrar as desigualdades e

discriminações a que as mulheres sempre foram submetidas no decorrer da história

e que ainda hoje, embora a evolução da sociedade nos mais diversos setores,

perpetuam-se sob diversas formas.

Salienta Farah (2004, p. 128), que:

É preciso um novo olhar para se poder perceber que a “desigualdade” entre homens e mulheres em nossa sociedade se reflete em pequenas (e grandes) discriminações, em pequenas (e grandes) dificuldades enfrentadas pelas mulheres em seu cotidiano, em dificuldades de inserção no mercado de trabalho, em dificuldades de acesso a serviços, em um cotidiano penoso na esfera doméstica.

De acordo com Farias Júnior (2001, p. 207), a mulher era subjugada através

dos padrões patriarcais, sendo seu comportamento moldado rigidamente. Todavia,

fora das amarras severas do patriarquismo, vê-se que a mulher não conseguiu

libertar-se dos padrões que lhe foram impostos, mormente no campo profissional.

Enfatiza Streck (2000, p. 42), que

[...] basta lembrar [...] dos séculos que o sistema jurídico embalou com formas diferentes de redução da mulher a objeto ou a um ser menor, incapaz. O traço de exclusão da condição feminina marcou o patriarcado e fundou um padrão familiar sob a lei da desigualdade.

Dias (2007, p. 16) salienta que apesar de todos os avanços referentes a

equiparação entre homens e mulheres, dispostos de maneira tão clara na Carta

Magna de 1988, a ideologia patriarcal ainda subsiste, apontando a desigualdade

sociocultural uma das principais razões da discriminação feminina e de sua

dominação pelos homens, que se consideram como seres mais fortes e superiores.

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Em sua obra, Sílvia Pimentel, Beatriz di Giorgi e Flavia Piovesan (1993, p. 21)

relatam que a ideologia patriarcal que domina e admite a subalternidade social e

política da mulher, é responsável pelas diferenciações nos papéis sociais em função

do gênero, onde os valores androcêntricos, ainda dominantes e questionados

progressivamente, são as determinantes fundamentais das exigências morais

estabelecidas às mulheres.

Em uma análise acerca da condição feminina e sua exclusão dentro da esfera

pública e, por conseqüência, do próprio conceito de cidadania, tendo como marco a

revolução francesa, Gisele Maria Bester (1998, p. 74) relata que não é possível fazer

uma ligação entre o político, público e o masculino, tendo que nem todo político é

masculino, e/ ou, entre privado e feminino, pois nem todo o privado é feminino, já

que os limites impostos às gerências femininas dentro dos espaços domésticos e

privados, deixam claro que no âmbito familiar o poder principal ainda é exercido pelo

pai, considerado assim como o único cidadão integral, tendo o domínio de seus

filhos e sobre sua mulher ou companheira.

Neste sentido, enfatiza-se que o espaço público sempre foi ocupado por

homens, e a exclusão das mulheres é parte de um processo de distribuição do

exercício do poder, onde também, de forma preponderante, ficaram reservadas a

ordenar o poder privado familiar e materno a que foram destinadas. (BESTER, 1998,

p. 74.)

Assim, ainda hoje, atribui-se à mulher a obrigação dos trabalhos manuais

caseiros e, como sua principal função, tem-se a reprodução humana e a obrigação

de educar os filhos e cuidar do marido ou companheiro, pois, conforme Dias (2007,

p. 17), “ao homem sempre coube o espaço público e a mulher foi confinada nos

limites da família e do lar, o que enseja a formação de dois mundos: um de

dominação, externo, produtor; o outro de submissão, interno e reprodutor.”

Não obstante, no campo do direito, como assevera Streck (2000, p. 40-41),

embora a discussão sobre a mulher tenha evoluído, estando atualmente sendo

elaborada no prisma de gênero,

[...] a mulher continua a ser tratada como o era no nascedouro do Código Civil, sob a égide de um direito de família burguês, individualista, onde o marido era o chefe da empresa familiar (de patrimônio “avança-se” para matrimônio).

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Para o referido autor, decorre daí a idéia de que a violência contra a mulher é

entendida por muitos como um exercício regular do direito, estando o marido ou

companheiro legitimado a exercer os mais diversos tipos de violência no âmbito

familiar. (STRECK, 2000, p. 41)

Assim, é neste contexto histórico de uma sociedade desenvolvida sob bases

patriarcais, sustentada por pilares de desigualdade e discriminação, que, conforme

Andrade (1997, p. 99), a violência familiar contra a fêmea, do pai ao padrasto,

chegando aos maridos ou companheiros, pode ser vista como uma expressão de

poder e domínio, como uma violência controladora.

Porquanto, várias sejam as formas de discriminação contra as mulheres,

Sylvio Rodrigues (1979, p. 126) agrega a esta discriminação a presença

colonizadora dos meios de comunicações de massa, que servem para perpetuar a

idéia da mulher vinculada aos trabalhos domésticos e à vida familiar, e os homens à

vida pública.

Relativamente à mídia, Bandeira e Almeida (2000, p. 25-26), em artigo

versando sobre o caso “maníaco do parque”, um motoboy que violentou e matou

cerca de 10 mulheres, salientam que a maneira como os fatos são narrados e os

personagens apresentados, distinguidos por gênero, demonstram claramente as

representações sociais ainda preponderantes na sociedade, referentes ao homem e

à mulher. Enfatizam as autoras que:

Apesar da perversidade e da crueldade dos crimes cometidos pelo motoboy, se analisarmos com atenção a linguagem utilizada nas narrativas, esta nos demonstra o quanto ainda é forte a predominância de uma sociedade apoiada na hegemonia masculina. Aos homens ainda é reservado algum resquício da honra e da vergonha, como se fossem “coagidos”, “levados” ou “provocados” a cometerem crimes. Enquanto às mulheres é reservada a imagem cultural da subordinação, da desqualificação, de que eram “presas” fáceis.

Pelo exposto, percebe-se, portanto, que a mulher encontra-se numa posição

vulnerável, tanto dentro quanto fora de casa, eis que as desigualdades,

discriminações e demais formas de violência não se restringem a determinado

campo (familiar, profissional, social, etc.). Todavia, na esfera doméstica e familiar

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surgem novas perspectivas com o advento da Lei Maria da Penha, criada com intuito

de proteger a mulher vítima de agressões no âmbito da família.

Assim, passa-se ao estudo da violência e suas diversas formas, expondo-se

dados que revelam índices alarmantes de práticas violentas cometidas contra as

mulheres, que ensejaram na criação de uma legislação específica, a fim de coibir a

violência em razão do gênero, mormente no ambiente doméstico e familiar.

1.2 Definições sobre violência

A violência é um ato que pode ser expresso sob diversas formas, quais

sejam, física, moral, psicológica, sexual e patrimonial, bem como, existem vários

enfoques sob os quais pode ser definida.

Para Gastão da Rosa Filho (2006, p. 55), a violência trata-se de agressão

injusta, ou seja, aquela que não é autorizada pelo ordenamento jurídico; é um ato

ilícito, doloso ou culposo, que ameaça direito próprio ou de terceiro, podendo, no

entanto, ser atual ou iminente.

Em sentido amplo, a violência pode ser considerada como qualquer

comportamento ou conjunto de comportamentos que venham a causar dano a outra

pessoa, ser vivo ou objeto; é o uso excessivo de força, além do necessário.

Etimologicamente, o vocábulo violência origina-se do latim, violentia, que

significa o ato de violentar abusivamente contra o direito natural, exercendo

constrangimento sobre determinada pessoa, por obrigá-la a praticar algo contra sua

vontade. (CLIMENE; BURALLI, 1998).

Conforme a Organização Mundial de Saúde (2002, apud REZENDE et al.,

2007, p. 2), violência significa:

[...] o uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha possibilidade de resultar em lesão,

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morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação de liberdade.

A violência pode ser considerada como um fenômeno multicausal; um

processo de vitimização que se expressa em

[...] atos com intenção de prejudicar, subtrair, subestimar e subjugar, envolvendo sempre um conteúdo de poder, quer seja intelectual quer seja físico, econômico, político ou social. Atingem de forma mais hostil os seres mais indefesos da sociedade, como as crianças e adolescentes, e também as mulheres sem, contudo, poupar os demais. (ROCHA; TASSIANO; SANTANA, 2001, p. 96).

De acordo com Santos (2008, p. 29), a violência, além de apresentar-se sob

diversas formas, ou seja, material ou física e simbólica ou psicológica, ainda pode

ocorrer em distintos espaços sociais ou institucionais.

Conforme a autora,

São exemplos de violências simbólicas todas as formas de discriminação na sociedade. Os preconceitos com determinados grupos sociais, os estigmas que rotulam comunidades de idosos e/ou grupos de esporte, a disciplina e a violência discursiva no lar e na escola, a censura da voz nos meios de comunicação geram o não reconhecimento da cidadania de indivíduos ou grupos por pertencerem a determinadas raças, etnias e gênero. (SANTOS, 2008, p. 29-30)

A preocupação com os maiores índices apontados no crescimento da

violência e suas diferentes formas de manifestação, é tida hoje como uma questão

crucial para a sociedade, sendo vários os fatores que propiciam o seu aumento, tais

como, desigualdades econômicas, sociais e culturais.

Relativamente à violência cometida contra a mulher, diversas expressões vêm

sendo utilizadas para referi-la ao longo dos tempos. Durante a primeira metade do

século XX, foi denominada como intrafamiliar. Nos anos 70, passou a ser chamada

de violência contra a mulher. Já na década de 80, usou-se denominá-la de violência

doméstica; por fim, a partir da década de 90, intitula-se violência de gênero, o que

significa aquela que é praticada por homens contra mulheres, entre homens e entre

mulheres, no intuito de afirmar suas identidades masculinas e femininas. Todavia,

mesmo na atualidade, ainda se encontram com freqüência as denominações

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violência contra a mulher e violência doméstica para expressar a violência de

gênero. (REZENDE et al., 2007, p. 3)

Independentemente da expressão usada para denominá-la, a violência contra

a mulher pode ser definida como:

[...] todo o ato, com uso da força ou não, que causa danos ou constrangimento físico, sexual, moral ou psicológico e que visa não apenas a punir o corpo da mulher, mas a dobrar sua consciência, seus desejos e sua autonomia. (NUNES, 2002, apud BENFICA; VAZ; DUTRA, 2007, p. 26)

Embora a violência cometida contra a mulher afronte os princípios da

igualdade e da liberdade, fundados no valor da primazia da pessoa humana,

somente no ano de 1993, em Viena, na Conferência das Nações Unidas sobre

Direitos Humanos, é que este tipo de violência foi formalmente considerado como

violação aos direitos humanos. (DIAS, 2007, p. 31)

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência

Doméstica (Convenção de Belém do Pará), que aconteceu no ano de 1994,

ratificada pelo Brasil em 27.11.1995, proclamando o que fora consolidado em Viena,

definiu em seu artigo I a violência contras as mulheres como sendo "qualquer ação

ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual

ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública, como na privada”.

Ressalta-se que a questão da violência doméstica contra as mulheres

ultrapassa questões étnicas, sociais, grau de escolaridade e crenças religiosas,

tendo em comum apenas a omissão, que muitas vezes vem refletida em velhos

ditados populares, como “em briga de marido e mulher não se mete a colher”.

A violência doméstica também não ocorre somente em países em

desenvolvimento como o Brasil, mas em diferentes classes e culturas. Segundo a

ONU, a violência contra a mulher na família é uma das formas mais insidiosas de

violência dirigida à mulher; representa a principal causa de lesões em mulheres

entre 15 e 44 anos no mundo e compromete 14,6% do Produto Interno Bruto (PIB)

da América Latina, cerca US$ 170 bilhões. No Brasil, a violência doméstica custa ao

país 10,5% do seu PIB. (PIOVESAN; PIMENTEL, 2007)

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Em pesquisa realizada acerca de lesões buco-dentais em mulheres em

situação de violência, através de levantamento de dados em registros e laudos de

vítimas encaminhadas pelas delegacias e/ou órgãos competentes ao Instituto

Médico Legal (IML) de Belo Horizonte, para perícia no Setor de Odontologia Legal,

abrangendo documentos arquivados durante 18 meses, compreendendo o período

de janeiro de 2001 a junho de 2002, concluiu-se, entre outras coisas, que uma

determinada agressão pode resultar em vários tipos de lesões classificadas em mais

de um grupo, ou seja, várias lesões em uma mesma agressão. Dentre as lesões

identificadas, a avulsão foi responsável por 18,3%, tornando as mulheres que

sofreram este tipo de lesão, em geral, deformadas e com a necessidade do uso de

prótese. Ainda, a maioria das lesões corporais estudadas foi classificada como

agressões nuas, ou seja, aquelas nas quais nenhum instrumento foi utilizado.

(REZENTE et al., 2007, p. 4-9)

Enfatizam também os autores da referida pesquisa, que “vários estudos

apontam que as regiões da face e da boca estão entre as mais atingidas nas

mulheres em situação de violência”. (REZENDE et al., 2007, p. 12),

Sob o ponto de vista médico-legal, “a violência doméstica caracteriza-se pelas

lesões diagnosticadas e por um contexto em que se situam como parte fundamental

o autor e a relação afetiva entre este e a vítima.” (ACOSTA et al., 2000, apud

BENFICA; VAZ; DUTRA, 2007, p. 29)

De acordo com dados do Banco Mundial e do Banco Interamericano de

Desenvolvimento, sabe-se que de 01 a 05 dias faltosos de trabalho no mundo é

causado pela violência doméstica sofrida pelas mulheres dentro de suas casas; a

cada 05 anos a mulher perde 01 ano de vida saudável quando ela sofre violência

doméstica; os casos de estupros e a violência doméstica são causas importantes de

incapacidade e de morte de mulheres em idade produtiva.

Conforme Soares ([s.d.], p. 1-2), em meados de 1988, o IBGE realizou uma

pesquisa sobre vitimização revelando índices alarmantes de violência doméstica, a

qual atingiu o índice de 63% dos casos investigados. Deste percentual, 70% eram

agressões contra mulheres, tendo como agressores seus maridos ou companheiros.

De acordo com autora, estes dados desmistificaram a imagem da família com sendo

um espaço de harmonia. Nas décadas de 70 e 80, nos Estados Unidos, a imagem

da família já havia sido abalada pelas aplicações do National Family Violence

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Survey, que revelou incidências de agressões generalizadas entre casais, e

membros da família em geral.

Neste contexto, demonstrando que a família pode ser um local perigoso,

salientam Rodrigues, Coelho e Lima (2008, p. 5471), que:

A violência sofrida pelas mulheres tem como autores, além dos próprios companheiros, os filhos, os netos, os pais ou padrastos, que transformam o lar, de um ambiente afável, num outro marcado pelo medo e pela angústia e, muitas vezes, com danos físicos, sexuais e psicológicos.

No mesmo sentido, é o percentual revelado pela pesquisa de Azevedo e

Guerra (1988) citada no artigo de Lúcia Alves Mees (2000, p. 80), sobre abuso

sexual intrafamiliar. A referida pesquisa foi realizada em São Paulo, e se propôs a

mapear a violência sexual no interior da família. Os dados mostraram que 93,5% das

vítimas são do sexo feminino; em 61,3% dos casos, a faixa etária mais

freqüentemente sujeita à violência está entre 7 e 13 anos; referente ao agressor,

68,6% é o pai biológico e 29,8% o padrasto. A discussão final proposta é que a

violência sexual revela-se um problema de gênero, na medida em que as vítimas

são as mulheres.

A este respeito, Rovinski (2000, p. 58) salienta que:

Conforme Relatório Azul (1997), têm-se registrado no Rio Grande do Sul, do ano de 1992 a 1997, mais de mil casos anuais de estupro, onde a mulher é a pessoa vitimizada. Considerando a questão do incesto, uma pesquisa desenvolvida por Renato Zamora Flores, junto à comunidade gaúcha, estima que uma em cada cinco mulheres é sexualmente abusada por familiares antes de completar 18 anos.

Em 2001, a Fundação Perseu Abramo realizou a pesquisa “A mulher

brasileira nos espaços públicos e privados”, que trouxe novas informações a respeito

da violência contra a mulher. Nesta pesquisa constatou-se que 43% das mulheres já

haviam sido vitimas de violência em alguma fase de sua vida. Constatou-se ainda,

com relação aos homicídios cometidos contra mulheres que, de cada 100 mortes, 70

são em decorrência de violência doméstica. (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 2001,

[s.p.])

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De acordo com dados divulgados pelo Relatório Nacional Brasileiro, a cada

15 segundos uma mulher brasileira é agredida, ou seja, por dia, 5.760 mulheres são

espancadas no Brasil. (BENFICA; VAZ; DUTRA, 2007, p. 26)

Fica claro pelos levantamentos efetuados, que os maiores índices de

violência contra as mulheres ocorrem no âmbito familiar e doméstico. Com relação

ao agente causador, relativamente à mulher adulta, em geral, é seu marido ou

companheiro e, quando a vítima é a criança ou adolescente do sexo feminino, a

violência, na maioria das vezes, é proveniente do pai biológico ou padrasto.

Pelos resultados trazidos, percebe-se que pesquisas sobre a violência

doméstica são importantes e necessárias, a fim de se entender o problema e criar-se

formas preventivas.

Entretanto, salienta Dias (2007, p. 16) que, muito embora os números sejam

alarmantes, não retratam a realidade, uma vez que a violência contra a mulher é

subnotificada, chegando a apenas 10% o índice levado ao conhecimento da polícia.

O baixo índice de denúncias deve-se ao fato de muitas mulheres não terem

consciência de seus direitos e, quando a tem, desacreditam na polícia e na Justiça,

somente procurando as delegacias quando já não agüentam mais serem agredidas

ou temem pela própria vida. Mesmo assim, relutam em registrar ocorrência,

especialmente quando têm filhos e dependem economicamente dos parceiros.

Some-se a isto, o fato de muitas vezes não terem para onde ir, sendo que ao

voltarem para casa, estarão sujeitas a reação muita mais violenta por parte agressor,

ao se ver denunciado. (BENFICA; VAZ; DUTRA, 2007, p. 37)

Aliado aos fatores acima, ainda existe o medo de denunciar: Santos (2008, p.

151) assevera que “na aparente segurança familiar são cometidos atos de agressão

física ou psicológica, porém é justamente onde a ação do medo é mais paralisante

[...]”.

Não obstante os índices assustadores de agressões contra as mulheres,

consoante Dias (2007, p. 24),

[...] não se encontra justificativa para o baixo índice de condenações. [...] As absolvições sistematicamente levadas a efeito para garantir a harmonia familiar acabaram tendo efeito contrário: consagraram a impunidade e condenaram à violência doméstica à invisibilidade.

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No ano de 2001, o Brasil foi responsabilizado por omissão e negligência à

violência contra a mulher pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, pois,

de acordo com o relatório nº 54/2001 desta comissão, o país age com tolerância

estatal nos casos de violência doméstica, apontando o caso de Maria da Penha

como um padrão de impunidade, de ineficácia, de demora e de impossibilidade de

reparação muito grande. (BUGLIONE, 2007, p. A3)

Assim, o caso Maria da Penha, que será trazido detalhadamente no capítulo 3,

trouxe a tona os graves índices de violência de que são vítimas tantas mulheres,

tornando-se um ícone contra a impunidade.

Muito embora fosse o Brasil signatário de tratados e convenções internacionais

que objetivam o combate da violência contra as mulheres, os índices só continuaram

a elevar, uma vez que, diferentemente de dezessete países da América Latina, até a

entrega em vigor da Lei Maria da Penha, nosso país não contava com uma legislação

específica a respeito da violência contra a mulher.

Até então, a legislação infraconstitucional, especialmente a Lei 9.099/95 (Lei

dos Juizados Especiais), mostrou-se ineficaz para coibir a violência doméstica e

familiar, pois, embora tenha trazido agilidade e celeridade ao sistema Judiciário, de

acordo Feghali (apud DIAS, 2007, p. 24-25), como relação à violência, serviu apenas

para reforçar a impunidade, a reincidência e o agravamento do ato violento, eis que,

“90% dos casos são arquivados ou levados à transação penal”.

De acordo com Rodrigues, Coelho e Lima (2008, p. 5471):

A falta de uma legislação severa que punisse a violência doméstica contra a mulher fez com que elas perdessem a confiança na justiça, uma vez que, quando denunciavam seus agressores, estes acabavam submetidos, na maioria das vezes, a condenação ao pagamento de penas pecuniárias, como multas e cestas básicas, sem a perda da liberdade.

No intuito de mudar essa realidade, em 31.03.2004, o Presidente Luiz Inácio

Lula da Silva, através do Decreto nº 5.030, instituiu o Grupo de Trabalho

Interministerial, que contou com a participação da sociedade civil e do Governo,

objetivando elaborar proposta de medida legislativa e outros instrumentos para coibir a

violência doméstica contra a mulher. O Grupo elaborou uma proposta legislativa,

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encaminhada pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional, no final de 2004, fazendo

alusão ao caso Maria da Penha e às recomendações formuladas pela Comissão

Interamericana.

Finalmente, em 07 de agosto de 2006, foi sancionada pelo Presidente do Brasil

a Lei 11.340, também chamada de “Lei Maria da Penha”, a qual entrou em vigor no dia

22 de setembro de 2006.

De forma inédita no país, surge uma lei que cria mecanismos para coibir a

violência doméstica e familiar contra a mulher, estabelecendo medidas para a

prevenção, assistência e proteção às mulheres em situação de violência.

A Lei nº. 11.340/06 ampliou substancialmente o alcance da violência doméstica,

trazendo para a sua caracterização, além da violência física, a violência psicológica,

sexual, patrimonial e moral, que serão abordadas no item a seguir.

1.3 A violência e suas formas conforme a Lei Maria da Penha

A Lei nº 11.340/06, em ser artigo 5º, caput, define a violência doméstica e

familiar como “[...] qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause

morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”,

desde que aconteça:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

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Consoante Rodrigues, Coelho e Lima (2008, p. 5473), o legislador, de modo

expresso, dispôs que não há necessidade de agressor e vítima conviverem sob o

mesmo teto, uma vez que a Lei Maria da Penha determinou o âmbito espacial da

violência doméstica e familiar contra a mulher, compreendendo as relações de

casamento, união estável, família monoparental, família adotiva, vínculos de

parentesco em sentido amplo e ainda trouxe a introdução da chamada família de

fato que se caracteriza pela união de pessoas que não têm vinculo jurídico familiar,

mas que, de tão próximas, se consideram aparentadas, como é o caso de amigos

muito próximos e de pessoas que se agregam em repúblicas, casas de abrigo e

albergues.

Da mesma forma, a Lei reconhece a união homoafetiva como família. Assim,

travestis, lésbicas transexuais e transgêneros, com identidade feminina, também são

amparados pela Lei, quando a violência decorre de relação intima de afeto. (DIAS,

2007, p. 44)

No artigo 7º e seus incisos da Lei Maria da Penha, estão disciplinadas as

formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, que são, entre outras: a

violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Salienta-se, no entanto, que

este rol não é exaustivo, pois a expressão “entre outras” 1, deixa claro que outras

formas de agressão à mulher poderão ocorrer.

Como violência física, a Lei Maria da Penha definiu no inc. I do art. 7º, “[...]

qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal.”

A integridade corporal diz respeito a estrutura anatômica do indivíduo,

portanto, qualquer alteração a este conjunto, representa alteração à integridade,

significando uma lesão corporal. (BENFICA; VAZ; DUTRA, 2007, p. 33)

Já a ofensa à saúde, compreende as alterações fisiológicas e psíquicas.

(PRADO; BITENCOURT, 1999, p. 476)

Dias (2007, p 47) salienta que, embora “[...] a agressão que não deixe marcas

aparentes, o uso da força física que ofenda o corpo ou a saúde da mulher constitui vis

corporalis, expressão que define violência física.”

De acordo com Rodrigues, Coelho e Lima (2008, p. 5474):

1 Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: (grifo nosso)

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São condutas típicas dessa espécie de violência: as contravenções de vias de fato, os crimes de lesão corporal e contra a vida, inclusive na forma tentada e qualquer comportamento que ofenda a integridade anatômica e fisiológica da mulher, ou a sua saúde mental. Também estão abarcados os crimes especiais previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/1990).

A violência psicológica está definida no inc. II do artigo 7º, in verbis:

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

Este tipo de violência caracteriza-se por condutas como humilhar, ameaçar,

discriminar, isolar dos amigos e parentes, controlar e rejeitar, podendo ser entendida

como violência emocional ou verbal. (RODRIGUES; COELHO; LIMA, 2008, p. 5475).

Trata-se de toda a agressão que venha a causar dano psicológico ou uma

diminuição de auto-estima, prejudicando as ações da mulher em geral, seja em seu

âmbito familiar, no trabalho ou qualquer outro meio onde pode haver uma degradação

de seu comportamento. (DIAS, 2007, p. 47-48)

Com relação à violência psicológica, Santos (2008, p. 30) acrescenta que:

[...] tem se revelado como a base para a violência material ou física e utiliza imagens construídas socialmente, disfarçada em rituais e interações, objetivando destruir moralmente ou psicologicamente o/a outro/a, também no espaço doméstico.

A violência sexual, de acordo com inc. III do artigo 7º, refere-se a:

[...] qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a

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utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

De acordo com Dias (2007, p. 48-49), a Convenção Interamericana para

prevenir, punir e erradicar a Violência Doméstica já reconheceu a violência sexual

como sendo uma agressão doméstica contra a mulher, mesmo havendo divergências

jurisprudenciais.

Ainda, salienta a referida autora, que toda vez que uma mulher é obrigada a ter

relações sexuais sem o seu consentimento, ela é agredida sexualmente, e muitas

vezes não denuncia, pois acha que é sua obrigação para com seu companheiro,

marido ou namorado. (DIAS, 2007, p. 48-49)

No mesmo sentido, Santos (2008, p. 151) revela que tem sido bastante comum

mulheres casadas ou companheiras serem violentadas sexualmente e nem saberem

que tal fato constitui, além de crime sexual, violência psicológica.

O livre arbítrio sobre a função reprodutiva também está tutelado pela Lei Maria

da Penha, quando traz caracterizada como violência sexual, os atos que impedem o

acesso e uso de contraceptivos e que possam levar a mulher a uma gravidez

indesejada, pois as decisões relativas à concepção ou contracepção devem ser

tomadas em conjunto entre os cônjuges ou companheiros. (RODRIGUES; COELHO;

LIMA, 2008, p. 5476).

A violência patrimonial está assim definida IV do art. 7°:

[...] como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.

Este tipo de violência é definido no Código Penal como crimes contra o

patrimônio, tais como, furto, dano, apropriação indébita, entre outros (Dias, 2007, p.

51-53).

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Dias (2007, p. 51-53) esclarece que várias são as vezes que a mulher não

chega a ser agredida física ou psicologicamente, porém tem toda sua casa destruída

pelo marido, que muitas vezes usa a força para intimidar sua companheira.

A violência moral, como dispõe o inciso V do art. 7°, é “[...] entendida como

qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria”.

Estes delitos estão dispostos no Código Penal, nos artigos 138, 139 e 140 e

constituem os crimes contra a honra. A calúnia é imputação falsa a alguém de fato

definido como crime; a difamação é a imputação a alguém de fato que ofenda à sua

reputação; a injúria consiste na emissão de conceitos negativos sobre a vítima, que

atingem a sua dignidade pessoal. (PRADO; BITENCOURT, 1999, p. 506-515)

Referidos delitos, quando praticados contra a mulher no ambiente familiar ou

afetivo, serão reconhecidos como violência doméstica e deve-se impor o

agravamento de pena, nos termos do artigo 61, II, f do Código Penal. (DIAS, 2007,

p. 54).

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2 ANTECEDENTES AO NOVO PARADIGMA PARA TRATAR A VIOLÊNCIA

DOMÉSTICA CONTRA A MULHER

2.1 A Polícia Judiciária e as Delegacias de Proteção à Mulher

A polícia judiciária exerce a função de auxiliar da justiça, destinada a

consecução do primeiro momento da atividade repressiva do Estado. Tem por

objetivo elucidar os delitos, apontando suas respectivas autorias, para servir de base

à ação penal ou às providências cautelares. (CAPEZ, 2006, p. 73-75)

No âmbito da União, o exercício da polícia judiciária compete exclusivamente

à Polícia Federal, conforme o artigo 144, §1º, inc. IV da Constituição Federal de

1988. Já no âmbito estadual, compete às polícias civis de cada Estado, conforme

disciplina o § 4º do referido artigo, in verbis:

Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as Militares.

O artigo 4º do Código de Processo Penal, disciplina a função da polícia

judiciária, determinando que “será exercida pelas autoridades policiais no território

de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e

da sua autoria.”

As polícias civis de cada Estado executam seus trabalhos através de suas

delegacias, divisões ou diretorias, que, no entanto, podem atender a todos os tipos

de delitos ou serem especializadas no atendimento e investigação de determinados

delitos, como são as divisões anti-seqüestro, as delegacias especializadas em

defraudações, as delegacias especializadas em atendimento de acidentes de

trânsito, etc.

Dentre as delegacias especializadas, encontram-se as Delegacias de

Proteção à Mulher, as quais surgiram no intuito de atender os casos de violência

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específica cometida contra as mulheres, em razão do gênero, estimulando as

vítimas a denunciarem os maus tratos sofridos. (DIAS, 2007, p. 22)

A primeira delegacia de proteção à mulher foi criada em 06 de agosto de

1985, no Estado de São Paulo e recebeu o nome de Delegacia de Defesa da Mulher

– DDM. Ressalta-se que o seu surgimento foi um referencial na criação de outras

delegacias desta espécie pelo país, bem como, foi marco histórico no sistema

criminal brasileiro, pois, propiciou a visibilidade da violência cometida contra as

mulheres, uma vez que trouxe ao debate o papel de vários segmentos da sociedade,

especialmente do atendimento institucional do estado aos delitos cometidos contra

as mulheres em razão do gênero. (SILVA, 1992, p. 97)

Esta primeira Delegacia de Defesa da Mulher atendeu nos três primeiros

anos, mais de 40 mil mulheres, de acordo com informações da delegada titular e

após 07 anos de criação, o Brasil já contava com 71 delegacias especializadas,

sendo cinqüenta delas no Estado de São Paulo. (SILVA, 1997, p.97)

2.2 A realidade do dia-dia no trabalho dentro da Delegacia de Proteção à

Mulher de Florianópolis/SC

Em Florianópolis/SC, a 6ª Delegacia de Polícia da Comarca, denominada

Delegacia de Proteção à Mulher e do Menor Infrator da Capital, é especializada no

atendimento de mulheres vítimas de crimes contra a honra, liberdade sexual, física,

psicológica e violências de qualquer natureza contra a mulher pela condição de ser

mulher.

A referida Delegacia foi fundada no ano de 1985 e está localizada no Bairro

Agronômica, atrás da Casa do Governador, contando hoje com cerca de 32

funcionários entre delegados, escrivãos, investigadores e prestadores de serviços.

Seu principal objetivo é o atendimento psico-social e a execução dos relativos

procedimentos policiais, nos delitos cometidos contra as mulheres de qualquer

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idade, em razão do gênero. Também é da competência do citado órgão policial, a

execução dos procedimentos policiais onde adolescentes figurem como autores de

atos infracionais.

Ressalta-se que a Capital de Santa Catarina foi a primeira da região a ter uma

delegacia especializada no atendimento à mulher, à criança e ao adolescente. Em

outras cidades da Grande Florianópolis, o atendimento é feito nas delegacias

comuns, onde as vítimas e adolescentes infratores são encaminhados para os

procedimentos necessários.

Todos os casos envolvendo mulheres vítimas em razão da condição feminina,

acontecidos na Capital, são encaminhados para a 6ª Delegacia de Polícia e, para

cada caso, há um atendimento diferenciado.

A primeira sede de localização da 6ª Delegacia de Polícia foi na região central

de Florianópolis/SC, precisamente na Avenida Mauro Ramos, porém o espaço físico

do prédio não era compatível com o grande número de pessoas que ali passavam

para registrar suas reclamações.

Outro fator relevante na mudança de endereço da 6ª Delegacia de Polícia da

Capital foi que, além do atendimento às mulheres, como dito anteriormente, esta

Delegacia atende também ao adolescente infrator e o espaço físico insuficiente fazia

com que as mulheres vítimas fossem muitas vezes obrigadas a dividir o mesmo

ambiente com os adolescentes, que, em várias ocasiões vinham escoltados por

policiais militares, o que causava medo e desconforto às vítimas, que já se

encontravam abaladas em razão da violência sofrida.

Atualmente, na questão de espaço físico, a 6ª Delegacia de Policia da Capital

– Delegacia da Mulher, possui uma estrutura adequada a sua demanda, mesmo

havendo ainda o atendimento aos adolescentes infratores, pois a Delegacia está

dividida e não se faz mais o atendimento destes na presença das mulheres.

Todavia, a localização da Delegacia no Bairro Agronômica dificultou o acesso

a algumas mulheres, especialmente àquelas que dispõem de poucos recursos

financeiros, pois, muitas vezes, faz-se necessário que utilizem dois ônibus para

chegarem até o local, enquanto que, quando a Delegacia localizava-se na região

central da Capital, o acesso era mais prático.

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Muita embora tenha havido inúmeras melhorias desde a sua criação, a 6ª

Delegacia de Polícia da Capital ainda não conta com a estrutura adequada para o

atendimento das mulheres vítimas, mormente no que se refere às especificações

trazidas pela Lei Maria da Penha quanto ao atendimento pela autoridade policial,

descritos no Capítulo III da referida Lei.

Muitas vezes restam prejudicadas algumas diligências, tais como garantia de

proteção policial quando necessário, encaminhamento a hospitais, postos de saúde

ou IML, transporte para ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro,

dentre outras, em razão do número de policiais e da quantidade de viaturas serem

insuficientes para a demanda da 6ª Delegacia de Polícia da Capital.

Assevera-se ainda que em Florianópolis não existem casas de amparo à

mulher agredida que sejam vinculadas ao Poder Judiciário.

2.3 O procedimento policial antes da Lei Maria da Penha

Muitas vezes, ao procurar ajuda, a mulher se sentia desconfortável em contar

a um estranho seus sentimentos, e sempre com a certeza de que nada aconteceria

com o agressor, isto foi o que restringiu a opção de denunciar.

Na Delegacia de Proteção à Mulher, muitas vezes as mulheres agredidas

chegavam com o único intuito do policial dirigir-se a sua casa e intimidar seu

agressor, dando idéia que ela estava pronta para denunciá-lo a policia se por

ventura surgi-se outro tipo de agressão.

As mulheres que chegavam à delegacia vinham com vontade de denunciar a

agressão, porém, percebia-se claramente que esta não era a vontade real da

situação, e muitas das vezes estavam ali apenas para desabafar, ou mostrar para si

mesmo que tinham a coragem de fazer a denúncia.

Muitos foram os casos em que o policial registrou o Boletim de Ocorrência e

duas horas depois a mulher agredida, aquela que veio cheia de hematomas, olhos

arrebentados e orgulho ferido, solicitar que o Boletim de Ocorrência fosse retirado,

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pois o fato que ocorreu foi somente um momento de fraqueza, por culpa do álcool,

pois “quando está sóbrio, ele é tão bom”, ou por que gostaria de retirar a Ocorrência

com medo da amante descobrir e esta vim tomar satisfação.

Com esse tipo de atitude a própria delegacia não tinha muito que fazer, pois

no mesmo tempo que estava disponibilizando um policial para ouvir e registrar o

Boletim de Ocorrência, sabia-se que nada aconteceria, ou por causa do trâmite em

geral ou por causa da própria mulher agredida que se arrependeria depois.

Quando no caso a mulher levava até o fim a denuncia, encontrava no

judiciário outro fator de arrependimento, pois a pena que esperava o agressor era a

punição de pagamento de cestas básicas.

Gobbi ([s.d.], p. 1), ressalta que anteriormente a Lei Maria da Penha, os

crimes de violência doméstica ficavam limitados ao registro de um boletim de

ocorrência, sendo os agressores condenados, em geral, ao pagamento de cestas

básicas.

Os próprios órgãos competentes sabiam que o sistema não funcionava,

sabia-se que pouquíssimos foram os casos em quer realmente houve uma

determinação legal para proteção a mulher agredida.

Silva (1992, p. 50) relata que diariamente a instituição da policia judiciária é

buscada por mulheres que vivem situações de violência doméstica e familiar, no

sentido de obterem uma ação mediadora da policia.

Assim, de acordo com a autora, o aparato policial constitui-se em uma

instituição firme, autoritária e até mesmo impermeável, tornando-se muitas vezes a

organização mais próxima da população, sobre tudo a mais pobre, pois como uma

delegacia funciona 24 (vinte e quatro) horas por dia, ela acaba transformando-se em

pronto-socorro social devido a inexistência, insuficiência ou inoperância do sistema

social governamental. (SILVA, 1992, p 40-41).

Todavia, a entrada em vigor da Lei 9.099/95, restringiu a atividade da

autoridade policial nos casos de violência doméstica, cujos crimes tivessem pena

inferior a dois anos, considerados como delitos de menor potencial ofensivo, ficando

a autoridade limitada a lavratura de termo circunstanciado, tendo que liberar a seguir

o agressor, diante do compromisso do mesmo em comparecer em audiência do

Juizado Especial Criminal, mesmo que ele estivesse sido preso em flagrante.

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O termo circunstanciado, de acordo com Nucci (2007, p. 155)

É um substituto do inquérito policial, realizado pela polícia, nos casos de infração de menor potencial ofensivo (contravenções penais e crimes a que lei comine pena máxima não superior a dois anos, cumulada ou não com multa). Assim, tomando conhecimento de um fato criminoso, a autoridade elabora um termo contendo todos os dados necessários para identificar a ocorrência e sua autoria, encaminhando-o imediatamente ao Juizado Especial Criminal, sem necessidade de maior delonga ou investigações aprofundadas. É que dispões a Lei 9.099/95, ano art. 77, § 1.°: “Para o oferecimento da denúncia, que será elaborada com base no termo de ocorrência referido no art. 69 desta Lei, com dispensa do inquérito policial, prescindir-se-á do exame do corpo de delito quando a materialidade do crime estiver auferida pó boletim médico ou prova equivalente”. (grifo do autor)

Maria Berenice Dias concorda que a Lei 9.099/95, prejudicou os serviços da

autoridade policial concernentes à violência doméstica, afirmando que:

[...] a Lei dos Juizados Especiais esvaziou as Delegacias da Mulher, que se viram limitadas a lavrar termos circunstanciados e encaminhá-los a juízo. Na audiência preliminar, a conciliação mais do que proposta, era imposta, ensejando simples composição de danos. Não obtido acordo, a vítima tinha o direito de representar, mas precisava se manifestar na presença do agressor. Mesmo após a representação, e sem a participação da ofendida, o Ministério Público podia transacionar a aplicação de multa ou pena restritiva de direitos. Aceita a proposta, o crime desaparecia: não ensejava reincidência, não constava da certidão de antecedentes e não tinha efeitos civis. (DIAS, 2007, p. 23).

Com a criação dos Juizados Especiais, as delegacias de proteção às

mulheres perderam o alvo das denúncias contra a agressão doméstica, pois na

audiência de conciliação, era determinado ao agressor penas restritivas de direito,

fazendo com que ele efetuasse o pagamento de cestas básicas pelo crime absurdo

cometido, isto fez com que as mulheres agredidas ficassem desamparadas e sem

saber o que fazer, ou melhor, onde realmente buscar ajuda, pois o próprio sistema

parecia que cobria com lençóis a violência doméstica.

Com a criação da Lei Maria da Penha houve uma grande modificação não só

nos procedimentos como também uma modificação nas atitudes das mulheres.

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2.4 O procedimento policial na vigência da Lei Maria da Penha

A Lei Maria da Penha foi criada com o intuito de resguardar os direitos das

mulheres vitimas de violência doméstica. A referida Lei obteve em nosso

ordenamento jurídico um grande avanço contra as agressões no âmbito familiar,

pois, antes de sua criação, a mulher não encontrava amparo nos órgãos

competentes de proteção às agressões domésticas.

A referida Lei criou um sistema que visa coibir a prática da violência

doméstica, e que acima de tudo compreende-se por ter caráter preventivo e

assistencial, ou seja, a intenção é levar o agressor a freqüentar programas de

recuperação e reeducação, e não prendê-lo.

Hoje, quando a vitima comparece na Delegacia, é feita a ouvida e em

seguida lavrado o Registro da Ocorrência; colhem-se todas as provas que servirem

para esclarecer os fatos, e no caso da vitima fazer a solicitação de uma medida

protetiva de urgência, no prazo de 48 (quarenta e oito horas) é remetido ao juízo

competente para tal concessão

As medidas protetivas de urgência são consideradas como grandes

novidades no âmbito judicial, e seu pedido deve ser encaminhado aos Juizados de

Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (JVDFMs), quando a vitima fizer sua

solicitação no Boletim de Ocorrência, quando não houver instalado o Juizado de

Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (JVDFMs), a solicitação deverá ser

feita na Vara Criminal. (DIAS, 2007, p. 81)

A Lei manda que quando houver agressão contra a mulher, o agressor seja

afastado do lar, com intuito de resguardar a vida a vítima, no caso desta a vir

solicitar medida protetiva, que o mesmo freqüente os programas de recuperação, e a

vitima sinta-se segura em denunciar seu agressor.

Porém, há muito ainda que se fazer, pois ainda não disponibilizamos de

pessoal preparado, viaturas disponíveis para deslocamentos da vitimas até um local

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seguro, e inclusive, não disponibilizamos de locais seguros para que a vitima fique,

sendo que no caso desta solicitar como medida protetiva o afastamento do agressor

de dentro de sua casa, deverá aguardar o despacho do Juiz em sua própria

residência, muitas vezes correndo riscos.

A com criação da Lei, tipificou-se a violência doméstica e familiar contra a

mulher, definiu como formas de violência sendo elas físicas, psicológicas, sexuais e

patrimoniais, determinando que a violência independe de orientação sexual. Com a

criação da Lei, foi determinado que não é mais de competência dos Juizados

Especiais julgarem os crimes de violência doméstica contra mulher, onde se criou os

próprios juizados (Juizado Especial Criminal), com competência para tal julgamento.

Em sua obra Carmem Hein de Campos, relata que os Juizados Especiais

Criminais, são hoje os responsáveis pela grande movimentação processual dentro

da justiça penal, ressaltando que só na Cidade de Porto Alegre, foram mais de

30.000 (trinta mil) processos, sendo que 70% (setenta por cento) refere-se aos

casos de violência doméstica, considerando assim um numero bastante alto para a

justiça comum. (CAMPOS, 2002, p.15).

No caso de a mulher querer desistir da ocorrência somente poderá fazer

mediante juizados, a mulher não pode mais entregar ao agressor as intimações,

possibilitou-se que pode haver prisão em flagrante, alterando o próprio código de

processo penal para possibilitar ao juiz a decretação da prisão preventiva quando

houver riscos a integridade física ou psicológica da mulher

A mulher vitima de violência doméstica será notificada dos atos processuais

especialmente ao ingresso e saída da prisão do agressor, dever-se ter a mulher o

acompanhamento de um advogado ou defensor em todos os atos processuais.

Alterou-se o artigo 61 do código penal para considerar este tipo de violência

como agravante da pena, passando a pena do crime de violência doméstica a ser de

três meses a três anos, no caso da violência ser for cometida contra mulher

portadora de deficiência, a pena será aumentada em 1/3.

Alterou-se ainda a lei de execuções penais para permitir que o juiz determine

o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e

reeducação.

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Deve-se ressaltar que o objetivo da Lei 11.340/06 não é prender o agressor e

sim proporcionar a vitima uma proteção, o agressor só vai preso quando o mesmo

descumprir uma ordem judicial, sendo que havendo condenação e aplicado pena

restritiva de liberdade, o cabimento é fazê-lo comparecer em programas de

reeducação.

Sendo assim, cabe salientar que define a lei como medidas de proteção:

Art. 22 [...] I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003; II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; III - proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

A Lei Maria da Penha define o atendimento pela polícia judiciária em seu

Capítulo III: “DO ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL”.

Dispõe o artigo 11 que, ao comparecer a vítima na delegacia, deverá a

polícia garantir-lhe proteção policial, quando se fizer necessário, encaminhá-la a

atendimento médico, acompanhá-la, se preciso, ao local da ocorrência, para

retirada de seus pertences e, em havendo risco de morte, fornecer-lhe transporte

para abrigo seguro. (DIAS, 2007, p. 129)

O artigo 12 determina que, após efetuado o registro da ocorrência, a

autoridade policial deverá, de imediato, sem prejuízo dos procedimentos previstos

no Código de Processo Penal:

I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada; II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;

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III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência; IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários; V - ouvir o agressor e as testemunhas; VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele; VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público. § 1o O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter: I - qualificação da ofendida e do agressor; II - nome e idade dos dependentes; III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida. § 2o A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1o o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida. § 3o Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde.

Conforme salientam Gomes e Biachini (2006, p. 70), em casos de violência

doméstica ou familiar, não se lavra mais termo circunstanciado, mesmo quando a

infração tiver pena inferior a dois anos, devendo a autoridade policial proceder a

instauração de inquérito policial, por intermédio de portaria ou auto de prisão em

flagrante.

Com relação ao pedido de medida protetiva, disposto no inc. III do artigo 12 e

no § 1° e seus incisos, do mesmo artigo, esclarece Maria Berenice Dias (2007, p.

130), que se faz necessário a juntada do boletim de ocorrência e dos documentos

fornecidos pela ofendida, como reza a Lei. No entanto, não é necessário que seja

colhido o interrogatório do agressor, tampouco os depoimentos das testemunhas.

Também não é necessário que o exame de corpo de delito acompanhe o

expediente. Tais documentos irão ser remetidos no inquérito policial.

O corpo de delito, de acordo com Nucci (2007, p. 366) “[...] é a prova da

existência do crime (materialidade do delito). Portanto, restando vestígios materiais

do delito, deve a autoridade policial determinar a realização do exame de corpo de

delito, nos termos do art. 6°, VII, do Código de Processo Penal. (NUCCI, 2007, p.

369)

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No caso de violência doméstica, a Lei Maria da Penha corrobora o disposto

no Código de Processo Penal, relativo ao exame de corpo de delito, em seu art. 12,

IV.

O inquérito policial é providência que deve ser tomada de ofício pela

autoridade nos casos de ação pública incondicionada, mas, nos casos de ação

pública incondicionada ou de ação privada, somente pode ser instaurado depois do

oferecimento de representação ou queixa, seguindo o procedimento da lei

processual penal. (DIAS, 2007, p. 130)

O prazo para conclusão do inquérito policial é de 30 dias na esfera estadual,

se o indiciado estiver solto. Entretanto, tornando-se inviável a conclusão neste

período, deve a autoridade policial solicitar dilação de prazo ao juiz, ouvindo-se o

representante do Ministério Público. No caso do indiciado encontrar-se preso em

flagrante ou preventivamente, o prazo para conclusão é de 10 dias,

impreterivelmente. (NUCCI, 2007, p. 145-146)

Quanto ao andamento do inquérito policial, esclarece Dias (2007, p. 130),

Deferida ou não medida antecipatória, realizado ou não o acordo, nada obstaculiza o andamento do inquérito policial, o qual será distribuído ao mesmo juízo que apreciou o procedimento cautelar. A exceção fica por conta de a ofendida ter escolhido outro foro para a remessa do incidente para a concessão de medida protetiva (art. 15).

Com relação a identificação criminal do indiciado pela polícia, prevista no art.

12, VI da Lei Maria da Penha, ressalva-se que embora a Constituição Federal de

1988 preveja que o civilmente identificado não poderá ser submetido a identificação

criminal, a lei penal prevê exceções, que ficam condicionadas a prática de alguns

delitos, como, por exemplo, os crimes dispostos na Lei do Crime Organizado. Neste

mesmo sentido é a Lei Maria da Penha, ou seja, é exceção a regra geral. Portanto,

em casos de violência doméstica, mesmo que não pairem dúvidas sobre a

identificação civil do agressor, este deverá ser criminalmente identificado. (DIAS,

2007, p. 131-133)

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3 A LEI MARIA DA PENHA: UMA ANÁLISE DE CASOS

3.1 Casos verídicos da 6º Delegacia de Polícia da Capital

A violência doméstica contra a mulher sempre foi um caso a parte no sistema

penal brasileiro, pois, não haviam punições severas e medidas protetivas às vítimas.

De fato, a violência doméstica sempre foi desprezada pela justiça. Tratavam-se de

fatos corriqueiros nas dependências das Delegacias de Proteção à Mulher.

Neste contexto, diversos são os casos atendidos, varias são as causas e

formas que levam as mulheres a comparecerem na 6ª Delegacia de Policia de

Proteção à Mulher em Florianópolis, para reivindicar seus direitos e resgatar sua

dignidade. Todavia, o maior intuito destas vítimas é cessar a violência e restabelecer

a harmonia dentro de suas casas.

Desta forma, trazemos alguns casos verídicos, registrados na 6ª Delegacia de

Polícia da Capital, a fim de se identificar a forma que os delitos eram tratados

anteriormente e na vigência da Lei Maria da Penha.

3.1.1 Casos ocorridos antes da vigência da Lei Maria da Penha

1º CASO – tipificação do fato: Lesão Corporal Dolosa

No dia 03/08/2006, precisamente as 10:00 horas da manhã compareceu

S.L.D., relatando o seguinte “diz a comunicante que vive com o acusado a 15 anos,

tendo com o mesmo dois filhos menores, diz a comunicante que nesta data o

acusado agrediu a mesma e ameaçou com uma faca a vida da comunicante (vitima),

diz a mesma que o acusado apossa-se do dinheiro do trabalho da comunicante,

inclusive furta o veiculo da mesma e sai sem destino, diz a comunicante que o

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acusado não tem carteira de habilitação e vive furtando o veiculo da comunicante e

as vezes pegando a força a chave do veiculo da mão da comunicante. Diz também

que todos este tempo a mesma vem sofrendo na mão do acusado que por varias

vezes agrediu e ofendeu moralmente a vitima. Diz a mesma que não suporta mais

vive com o acusado que é perigoso e aproveita-se por te um porte físico avantajado.

Diz a comunicante que quando o veiculo e furtado pelo acusado o mesmo pega

varias multas e nesta data ao sair com o veiculo o mesmo bateu na porta da

garagem. Diz a comunicante que esta em risco de vida pois o acusado ameaçou a

mãe da comunicante de morte e a mesma, diz a comunicante que sujeita-se que o

mesmo esta usando droga. E também o mesmo é usuário de bebida alcoólica e já

esteve internado por três vezes. Sem nada mais para relatar”.

BOLETIM DE OCORRENCIA REGISTRO 00125 – 2006-01843 – 6 DELEGACIA DE

PROTEÇÃO A MULHER.

No caso acima comentado, foi feito o boletim de ocorrência tipificando o fato

como lesão corporal dolosa. A vítima relatou os fatos e voltou para sua casa e a

equipe de plantão encaminhou o registro aos psicólogos, que posteriormente

chamaram as partes para conversar e possivelmente tentarem chegar a uma

conclusão do que estaria levando-os a viverem desta maneira. Quando as partes

não conciliam ou o próprio psicólogo chegava a conclusão do caso não ter solução

amigável, era encaminhado o registro ao cartório policial, para providenciar a

lavratura de Termo Circunstanciado, a ser encaminhado ao Juizado Especial

Criminal.

Atualmente, considerando-se as novas formas de violência trazidas pela Lei

Maria da Penha, o fato seria tipificado não só como lesão corporal, mas também

como violência psicológica, em razão do abalo emocional e das ameaças, e como

violência patrimonial, pois ocorreu destruição do veiculo da vítima. Possivelmente

haveria por parte da vitima a solicitação de medida protetiva.

2º CASO – Tipificação do fato estupro de adulto – Vitima I.V.P

No dia 04/06/2005, precisamente as 06:45 horas, recebeu-se uma

comunicação da Maternidade Carmela Dutra, para atendimento a vitima acima de

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estupro. A vitima relatou “que estava fazendo sua caminhada pela estrada do

Pântano do Sul, Açores, quando derrepente foi agarrada e levada para o mato nas

proximidades com violência pelo autor, jogou-a no chão e tirou suas roupas e fazia

ameaças de morte, dizia para a mesma que conhecia a mesma e seu marido e sabia

onde ambos moravam e que a mesma tinha um carro na garagem, que o mesmo

aparentava estar alcoolizado devido ao odor de álcool, este constantemente dizia

estar endemonhado e tinha que matar alguém, que o autor disse que seu marido

tina comido sua mulher e por isso estava se vingando dele, que o autor praticou o

estupro e logo saiu, que o senhor Cacau conhece a bicicleta do autor, pois tria

passado pelo local e visto a referida bicicleta”.

BOLETIM DE OCORRENCIA REGISTRO 00125 – 2005-01176 – 6 DELEGACIA DE

PROTEÇÃO A MULHER.

Os casos de estupro são considerados como os mais graves no só no

trabalho da policia judiciária como também por toda a sociedade. O estupro, apesar

de já estar qualificado em nosso Código Penal, foi também considerado pela Lei

Maria da Penha como violência sexual. O ato abusivo do estupro é praticado dentro

do âmbito familiar, principalmente contra as companheiras, sendo que na maioria

das vezes estas não denunciam, pois acreditam tratar-se de uma atitude normal na

constância do casamento, ou seja, não consideram violência sexual o marido querer

transar forçadamente com sua esposa, pois acha que é um direito dele, hoje se

considera a violência sexual uma pratica que certamente com o apoio da Lei Maria

da Penha uma questão gravíssima e em dos fatos para ser ter para a proteção da

mulher a medida protetiva de até afastamento do lar.

3º CASO – tipificação do fato – lesão Corporal dolosa

No dia 16/07/2005 por volta das 21:30 horas, relata a comunicante S.F, o

seguinte “que estava em sua residência, quando seu ex-marido chegou na casa

para tirar satisfações de alguns assuntos pendentes do casal, que seu ex-marido

sacou uma arma, não sabendo informar a espécie da arma, ameaçou a comunicante

agredido a mesma com um tapa no rosto e vários chutes na barriga, esclarecendo

que devido as agressões esteve internada, pois estava grávida de aproximadamente

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quatro meses, do atual companheiro. Que se ex-marido ameaça de morte ela e seu

ovo companheiro”

BOLETIM DE OCORRENCIA REGISTRO 00147 – 2005-02765 – 6 DELEGACIA DE

PROTEÇÃO A MULHER

O caso acima foi tipificado como lesão corporal dolosa. Trata-se de um ex-

companheiro que não aceita a separação e o novo relacionamento da ex-mulher.

Em uma única ocorrência verifica-se vários tipos de violência à mulher, dispostos na

Lei Maria da Penha. Se o evento tivesse ocorrido na vigência da Lei n° 11340/06,

poderiam ser solicitadas medidas protetivas à mulher agredida.

3.1.2 Casos ocorridos na vigência da Lei Maria da Penha

1º CASO - tipificação do fato lesão corporal dolosa

No dia 10/02/2007, no período diurno, compareceu a vitima C. P. M,

comunicou o seguinte “que foi agredida por seu irmão, vulgo chorão, com uma

cadeirada na mão onde sofreu uma pequena lesão corporal, informa ainda que

ofendeu moralmente e tudo aconteceu por que a comunicante foi ajudar a sua mãe

que estava sendo enforcada pelo autor”

BOLETIM DE OCORRENCIA REGISTRO 00124 – 2007-0727 – 6 DELEGACIA DE

PROTEÇÃO A MULHER

Os casos de violência doméstica não são só cometidos por casais na vida

conjugal. A Lei abrange como violência doméstica toda e qualquer agressão à

mulher no âmbito familiar. Neste caso, tipificou-se como lesão corporal dolosa e

encaminhou-se ao Judiciário. Não houve medida protetiva, pois o fato foi corriqueiro.

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2º CASO – tipificação do fato ameaça contra mulher

No dia 28/08/2007, precisamente as 17:00 horas, compareceu a vitima S. M.

D. S, e relatou o seguinte “que seu companheiro está cumprindo pena na

Penitenciária de São Pedro de Alcântara, e que na data mencionada, telefonou para

a comunicante ameaçando-a de morte. O autor afirmou que ao sair da prisão irá

matar toda sua família, que o autor já foi preso varias vezes e que o mesmo é de alta

periculosidade”.

BOLETIM DE OCORRENCIA REGISTRO 00125 – 2007-02521 – 6ª DELEGACIA

DE PROTEÇÃO A MULHER

O caso acima referido foi tipificado como ameaça contra mulher, considerada

pela Lei Maria da Penha como forma de violência psicológica, tendo em vista que a

vitima ao comparecer na Delegacia, aparentava visível abalo emocional. Apesar das

ameaças não terem sido feitas dentro do âmbito familiar, foi feitas pelo seu

companheiro, o qual, já havia passado por outras vezes pelos registros da Delegacia

de Proteção à Mulher. A vítima, agora sabendo de uma lei que a ampara a mulher,

buscou ajuda, tendo inclusive demonstrado interesse em solicitar medidas protetivas

para quando o agressor sair da Penitenciaria.

3º Caso – Tipificação da violência doméstica – incêndio

No dia 04/10/2007, precisamente as 00:30 horas, compareceu a vitima M.D.

N, e relatou o seguinte “que na data de 3/10/2007, que foi agredida fisicamente e

ameaçada pelo autor, seu esposo, com quem possui um filho de 09 anos. Que as

00:30 do dia 04/10/2007, o autor, conforme ameaça feita anteriormente à

comunicante, colocou fogo no quarto do casal. Que após este acontecimento o autor

evadiu-se de casa, não sendo encontrado até aproximadamente 08:30 da manhã de

hoje. Esclarece a comunicante que na ora em que a casa estava pegando fogo,

ligou para a policia militar que foi até o local, porem o autor não foi localizado, que

nesta manhã ele foi localizado e novamente a vitima ligou para a policia militar que

prendeu o autor e conduziu o mesmo para cá (6ª Delegacia de Policia).

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BOLETIM DE OCORRENCIA REGISTRO 00125 – 2007-002772 – 6 DELEGACIA

DE PROTEÇÃO A MULHER

4ª Caso - Tipificação do fato violência doméstica contra a mulher

No dia 26/01/2007, em horário incerto compareceu o comunicante D.B. D. O,

e relatou o seguinte “que é pai da vitima F.M.D.O.M, que a mesma foi a casa do

autor para resolver o problema da separação com o autor, conta que a mesma foi ao

local juntamente com a filha do casal de 02 anos e 10 meses, assim o autor

amarrou-a na cama e ateou fogo nela e na residência. A criança que estava no local,

consegui sair do aparamento e foi para a casa da vizinha. Autor foi encontrado nas

proximidades da Rua Souza Dutra e encaminhado para a delegacia (6ª Delegacia), a

vitima encontra-se no Hospital Florianópolis com praticamente todo o corpo

queimado.

BOLETIM DE OCORRENCIA REGISTRO 00125 – 2007-00335 – 6 DELEGACIA DE

PROTEÇÃO A MULHER

O caso acima referido foi considerado um dos mais graves. Qualificado como

lesão corporal, violência psicológica, violência patrimonial e tentativa de homicídio.

De imediato foi solicitada medida protetiva para a segurança da vitima,

estabelecendo-se, inclusive, o afastamento do agressor, delimitando-se distância

entre ele e seus familiares.

3.2 A criação da Lei

A criação de uma lei definida como Maria da Penha, surgiu quando a

cearense Maria da Penha Maia, no ano de 1983, foi ameaçada pelo marido um

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professor universitário com arma e eletrochoque, onde acabou sendo baleada, na

época ela tina 38 anos e três filhas menores.

A investigação do caso começou em junho do mesmo ano, porém a denuncia

ao Ministério Público do Estado só chegou um ano após. Com a morosidade do

judiciário ela resolveu acionar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da

Organização dos Estados Americanos (OEA), que em 2001, condenou o Brasil com

base na Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência

contra a mulher.

No ano de 2002, seu marido foi condenado a oito anos de prisão, cumpriu

dois em regime fechado e foi beneficiado do regime semi aberto. Maria da Penha

então se tornou militante para a aprovação de uma Lei de proteção à violência

doméstica contra a mulher.

Após a aprovação da lei Maria da Penha diz que não pensa mais no que

viveu e diz que se precisa lembrar de algo, recorre ao livro que escreveu, hoje brinca

e desabava falando da situação e define o seguinte “Atrás de cada olho roxo, existe

um homem frouxo”.

Importante frisar que a Lei 11.340/06, alterou principalmente o parágrafo 9º do

artigo 129 do Código Penal Brasileiro:

Capitulo II

DAS LESÕES CORPORAIS Lesão Corporal art. 129. “Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena – detenção de 03 (três). Violência doméstica [...] § 9 – “Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, conjugue ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena – detenção, de 06 (seis) meses a 1 (um) ano.

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Com a nova Lei Maria da Pena passa a ser a seguinte detenção de 03 (três)

meses a 03 (três) anos.

Desta forma deixou o crime de violência doméstica ser considerado de menor

potencial ofensivo, pois a pena passou a ser superior a 1 (um) ano, deixando assim

de aplicar a lei 9.099/95.

A criação da lei não distingue a natureza da ação penal, porem os crimes de

lesão corporal cometidos contra a mulher na violência doméstica não dependem

mais de representação, ou seja, voltaram a ser considerados como de ação penal

publica incondicionada.

As ações penais são assim diferenciadas na ação publica incondicionada não

fica em nenhuma hipótese vinculada a qualquer condição do Ministério Público, ou

seja, não há manifestação de vontade da vitima, já na ação penal publica

condicionada a representação, sempre dependerá da manifestação da vontade da

vitima ou de seu representante legal, sendo assim nem mesmo o inquérito policial

pode ser instaurado sem que a parte ofendida represente, sendo que a mesma pode

renunciar o ato a qualquer tempo antes do oferecimento da denuncia ao Ministério

Publico, e o prazo para a representação da vitima é de seis meses, a contar do dia

que souber o autor do fato.

3.3 Índices de ocorrências registradas na 6ª Delegacia de Polícia de Proteção à

Mulher em Florianópolis

Através de levantamentos efetuados no decorrer desta monografia, junto à 6ª

Delegacia de Polícia de Florianópolis/SC, apresenta-se os números de Boletins de

Ocorrência registrados antes e depois da vigência da Lei Maria da Penha. O referido

levantamento visa identificar, através da quantidade de Boletins registrados, se

houve um aumento na iniciativa das mulheres agredidas em denunciar seus

agressores, com o advento da Lei Maria da Penha.

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Importante frisar que na pesquisa realizada, se obteve dados até meados de

2008. Ressalta-se ainda, que o número de casos levados ao conhecimento da

polícia, não condiz com o número de mulheres agredidas, pois, conforme já

salientado no capítulo 1, somente um pequeno percentual de violência é notificado

pelas vítimas à Delegacia.

Quadro 1 – numero de casos registrados da 6ª Delegacia de Policia da Capital –

Florianópolis/SC, desde a sua criação, até o início do segundo semestre de 2008:

Ano Números de Registros Ano Números de Registros

1985 144 1998 2821

1986 778 1999 2917

1987 621 2000 2960

1988 703 2001 2716

1989 799 2002 2518

1990 765 2003 2630

1991 1415 2004 2708

1992 1460 2005 2771

1993 1354 2006 3475

1994 1874 2007 3582

1995 2141 2008 2207*

1996 2559

1997 2787

* até 19/08/2008 – fonte: dados extraídos do relatório da 6ª Delegacia de Policia da Capital.

Conforme se verifica no quadro 1, houve um significativo aumento nos

números de registros de ocorrência, após a entrada em vigor da Lei Maria da Penha.

Atribui-se a isto, o fato de que hoje as mulheres estão mais confiantes no

procedimento policial e criminal.

A seguir, apresenta-se um quadro constando os delitos que mais

freqüentemente são denunciados à Delegacia de Polícia de Proteção à Mulher de

Florianópolis/SC, compreendendo o período do ano de 2000 até 30 de abril de 2008.

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DELITOS MAIS FREQUENTES

Delitos 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Ameaça 1.052 977 943 982 898 1.106 956 408 227

Crimes Contra Honra 146 128 153 150 144 117 123 112 80

Lesão Corporal 780 691 623 716 744 259 209 165 99

Violência Doméstica 438 961 1810 436

* até 30/04/2008 – fonte: dados extraídos do relatório da 6ª Delegacia de Policia da Capital.

VIOLÊNCIA SEXUAL

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Estupro 47 47 41 42 41 31 08

A. V. P 38 43 66 62 60 31 08

* até 30/04/2008 – fonte: dados extraídos do relatório da 6ª Delegacia de Policia da Capital.

Identifica-se no quadro acima, que comparado ao ano de 2006, em 2007

houve uma significativa diminuição de registros de ocorrências envolvendo os delitos

de estupro e atentado violento ao pudor, tendo este último, inclusive, caído quase

para a metade.

O quadro a seguir visa identificar os delitos que são registrados por mulheres

na Capital, em todas as delegacias, cujos delitos de competência da Delegacia da

Mulher são encaminhados à 6ª Delegacia de Polícia de Florianópolis/SC, para as

providências cabíveis.

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Quadro 2 – Registro de violência contra as mulheres em Florianópolis, classificado

por tipo de delito:

Tipificação A A% B B% C C% A + B +C A+B +C%

Ameaça 1.092 47,19% 603 57,43% 40 16,67% 1.735 48,14%

Violência Física 421 18,19 73 6,95% 18 7,50% 512 14,21%

Lesão Corporal 180 7,78 156 14,86% 24 10% 360 9,99%

Viol. Psicológica 182 7/87 35 3,33% 1 0,42% 218 6,05%

Pert. Do Sossego 140 6,05 27 2,57% 1 0,42% 168 4,66%

Calunia 85 3,67 30 3,86% 4 1,67% 119 3,30%

Vias De Fato 54 2,33 26 2,48% 8 3,33% 88 2,44%

Estupro 25 1,08 5 0,48% 18 7,50% 48 1,33%

At. Viol. Pudor 09 0,39 11 1,05% 16 6,67% 36 1,00%

Injuria 26 1,12 10 0,95% 0 0 36 1,00%

Maus Tratos 0 0 9 0,86% 25 10,42% 34 0,94%

Assedio Sexual 10 0,43 16 1,52% 6 2,50% 32 0,89%

Const. Ilegal 21 0,91 9 0,86% 2 0,83% 32 0,89%

Susp. Abuso Sexual 0 0 9 0,86% 22 0,17% 31 0,86%

Fuga Do Lar 0 0 5 0,48% 24 10,00% 29 0,80%

Ato Libidinoso 06 0,26 7 0,67% 15 6,25 28 0,78

Desob. Ordem Judicial 0 0 7 0,67% 13 5,42% 20 0,55%

Difamação 42 1,82 12 1,14% 3 1,25% 20 0,55%

Estelionato 08 0,35 0 0 0 0 8 0,22%

Violência Sexual 06 0,26 0 0 0 0 6 0,17%

Tentativa Homicídio 05 0,22 0 0 0 0 5 0,14%

Homicídio 02 0,09 0 0 0 0 2 0,06

BOS Que Não Acusam

Violência Contra Mulher

1.061 1.161 *

Totais 2.314 100,00% 1.050 100,00% 240 100,00% 4.765 100,00%

* dados do ano de 2007

Legenda:

A- Boletins registrados por mulheres na 6ª Delegacia de Policia da Capital

B- Boletins registrados por mulheres em outras delegacias da capital

C- Boletins registrados por mulheres menores de 18 anos na 6ª Delegacia de

Policia da Capital.

• dado não usado para efetuar calculo percentual

• fonte levantamento de campo na 6ª Delegacia da Capital

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3.4 O desafio da tipificação: entre o Código Penal e a Lei Maria da Penha

No conceito que trata a Lei 11.340/06, ao que se refere à tipificação do código

penal, a propositura da ação funda-se na Lei 9.09/95, tendo como opção dos

legisladores o afastamento do âmbito do juizado especial criminal, tendo com várias

discussões se haveria a necessidade ou não de se adotar medidas especificas para

resolver a questão da Lei Maria da Penha ou se o próprio Juizado Especial Criminal

já era suficientemente apto para julgar os crimes contra violência doméstica.

Enquanto movimentos de mulheres defendem que sejam criadas legislações

especificas para casos de violência doméstica, parte deste movimento defende que

a mesma deve ser adaptada dentro da legislação já existente assim como o código

penal e a Lei 9.099/95. O problema seria juntar ao mecanismo da lei a garantia de

punição contra as violações dos direitos humanos sem que aja qualquer violação

dos direitos dos responsáveis pelos crimes.

A idéia é fortalecer a Lei 9.099/95 e a sua aplicação a fim de adequar a

especialidade da violência contida considerando a realidade das delegacias de

proteção às mulheres e o que as mulheres esperam da lei.

Diante da Lei 9.099/95 o autor da agressão era condenado ao pagamento de

cesta básica, dando a Lei a impressão de um poder judiciário fraco. Desta forma

vários são os legisladores que insistem em seus entendimentos, que na questão da

violência contra a mulher deve-se aplicar a legislação elencada dos juizados

especial criminal.

No contexto da Lei Maria da Penha, não cabe aplicar a Lei 9.099/95, pois, em

se tratando de violência doméstica contra a mulher, não cabe transação penal, nem

mesmo suspensão condicional processual, composição civil dos danos extintiva de

punibilidade, portanto, não se lavra termo circunstanciado, pois em se tratando de

prisão em flagrante, deve-se lavrar auto de prisão em flagrante e, quando no caso

houver arbitramento de fiança, será instaurado inquérito policial, devendo ser feita a

denúncia de forma escrita e adotada pela legislação vigente.

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O inquérito policial é um procedimento feito pela policia judiciária com intuito

de reunir juntar os elementos necessários para apuração de algum delito cometido.

No entendimento de Júlio Fabbrini Mirabete,

Inquérito policial é todo procedimento policial destinado a reunir os elementos necessários à apuração da prática de uma infração penal e de sua autoria. Trata-se de uma instrução provisória, preparatória, informativa, em que se colhem elementos por vezes difíceis de se obter na instrução judiciária. (MIRABETE, 1994, [s.p])

Em nosso ordenamento jurídico a Constituição Federal foi e é até os dias de

hoje o que se criou de instituição dos direitos humanos, ela dá aos tratados status de

norma constitucional, portanto quando houve a ratificação da convenção de Belém

do Pará por parte do Estado Brasileiro, ficou este obrigado a adequar a sua

legislação, como forma de norma constitucional toda convenção que trata da

eliminação e discriminação e violência contra a mulher.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há tempos a violência contra as mulheres vem sendo considerada como um

grande problema da sociedade, conforme constatou-se através do grande número

de registros de ocorrência junto à 6ª Delegacia de Polícia da Capital –

Florianópolis/SC – que se trata de delegacia especializada no atendimento de

mulheres vítimas de violência contra à pessoa, contra a honra e contra os costumes,

bem como, especializada no atendimento de mulheres vítimas de violência

doméstica de todas as espécies (física, psíquica, moral e patrimonial).

Todavia, sabe-se que embora seja elevado o número de ocorrências

registradas relativas às agressões contra as mulheres, ainda hoje, muitas não

denunciam seus agressores, não levando o delito ao conhecimento do poder

público.

No entanto, a criação de Lei 11.340/06, denominada Maria da Penha, que

surgiu com o intuito de assegurar a proteção da mulher contra a violência doméstica,

propiciou que muitas delas, que se mantinham no anonimato, procurassem a

Delegacia, pois, com o advento da nova Lei, tem a garantia de punição do agressor,

que antes saia quase que ileso de sanções ou até mesmo beneficiado pela justiça,

pois, diante de tamanha violência, muitas vezes era condenado ao pagamento de

uma simples cesta básica.

Percebe-se, portanto, que muitas mudanças e benefícios foram trazidos pela

Lei Maria da Penha, mormente, no que se refere às medidas protetivas que podem

ser solicitadas pela vítima na Delegacia, e que serão levadas ao conhecimento do

Juiz ou decretadas de ofício por este ou, também, requeridas pelo Ministério Público.

Anteriormente a criação da Lei Maria da Penha, os registros de ocorrência

não passavam de mero desabafo para as vitimas, pois raramente algum Termo

Circunstanciado virava inquérito policial, ou muitas as vezes não chegavam nem

mesmo a ir a mesa do delegado, pois ao fazerem os boletins de ocorrência, poucas

horas após o registro, muitas das mulheres voltavam as dependências da delegacia

e solicitavam o cancelamento do registro, justificando varias vezes que tinham pena

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do acusado, medo das amantes, medo de voltar para suas casas após a denúncia, e

até mesmo, vergonha perante a comunidade.

No entanto, através deste levantamento realizado junto à 6ª Delegacia de

Polícia da Capital – Florianópolis/SC, verificou-se que os índices de ocorrências

após a criação da Lei cresceram consideravelmente, bem como, a forma e o

procedimento no atendimento às vítimas de violência doméstica apresentaram

efetivas melhoras, pois, agora a autoridade policial, diante da gravidade do fato,

pode solicitar ao Judiciário, além das medidas protetivas que visam afastar e

proteger as vítimas de seus agressores, a prisão do agressor. Assim, conclui-se que

o aumento do número de registros policiais após a Lei Maria da Penha está

relacionado a certeza de punição do agressor.

Desta forma, conclui-se que a Lei Maria da Penha surgiu para beneficiar a

agredida, através de punições mais severas ao autor do delito. Para tanto, a mulher

que hoje chega à 6ª Delegacia pode notar a diferença na questão estrutural do

referido órgão, que, de certa forma, se adequou ao procedimento mais elaborado

previsto na nova Lei, embora, ainda haja muita coisa a ser feita.

Percebeu-se, ao longo desta monografia, que ainda são necessárias

melhorias nas repartições públicas destinadas ao atendimento da mulher vítima de

violência doméstica, através de cursos de capacitação, para que os policiais e

atendentes se tornem cada vez mais aptos no atendimento, a fim de que possam

auxiliar a vítima na busca de uma solução eficaz.

Por fim, no tocante a polícia judiciária, ainda se faz necessário que a

Delegacia coloque à disposição das mulheres agredidas, conforme as suas

necessidades, serviços essenciais, tais como, psicólogos, médicos e casas de

amparo.

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ANEXOS

DAS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS

CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVENIR, PUNIR E

ERRADICAR A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER "CONVENÇÃO DE

BELÉM DO PARÁ" (1994)

Os Estados-partes da presente Convenção,

Reconhecendo que o respeito irrestrito aos Direitos Humanos foi consagrado

na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Declaração

Universal dos Direitos Humanos e reafirmado em outros instrumentos internacionais

e regionais; Afirmando que a violência contra a mulher constitui uma violação dos

direitos humanos e das liberdades fundamentais e limita total ou parcialmente à

mulher o reconhecimento, gozo e exercício de tais direitos e liberdades;

Preocupados porque a violência contra a mulher é uma ofensa à dignidade

humana e uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre

mulheres e homens: Recorda ndo a Declaração sobre a Erradicação da Violência

contra a Mulher, adotada pela Vigésima Quinta Assembléia de Delegadas da

Comissão Interamericana de Mulheres, e afirmando que a violência contra a mulher

transcende todos os setores da sociedade, independentemente de sua classe, raça

ou grupo étnico, níveis de salário, cultura, nível educacional, idade ou religião, e

afeta negativamente suas próprias bases; Convencidos de que a eliminação da

violência contra a mulher é condição indispensável para seu desenvolvimento

individual e social e sua plena igualitária participação em todas as esferas da vida e

Convencidos de que a adoção de uma convenção para prevenir, punir e erradicar

toda forma de violência contra a mulher, no âmbito da Organização dos Estados

Americanos, constitui uma contribuição positiva para proteger os direitos da mulher e

eliminar as situações de violência que possam afetá-las Convieram o seguinte:

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Capítulo I - Definição e âmbito de Aplicação

Artigo 1º - Para os efeitos desta Convenção deve-se entender por violência contra a

mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou

sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no

privado.

Artigo 2º - Entender-se-á que violência contra a mulher inclui violência física, sexual

e psicológica:

1. que tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou em

qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no

mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação,

maus-tratos e abuso sexual:

2. que tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer

pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, maus tratos

de pessoas, tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no

lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimentos de

saúde ou qualquer outro lugar, e

3. que seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde

quer que ocorra.

Capítulo II - Direitos Protegidos

Artigo 3º - Toda mulher tem direito a uma vida livre de violência, tanto no âmbito

público como no privado.

Artigo 4º - Toda mulher tem direito ao reconhecimento, gozo, exercícios e proteção

de todos os direitos humanos e às liberdades consagradas pelos instrumentos

regionais e internacionais sobre direitos humanos. Estes direitos compreendem ,

entre outros:

1. o direito a que se respeite sua vida;

2. o direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral;

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3. o direito à liberdade e à segurança pessoais;

4. o direito a não ser submetida a torturas;

5. o direito a que se refere a dignidade inerente a sua pessoa e que se

proteja sua família;

6. o direito à igualdade de proteção perante a lei e da lei;

7. o direito a um recurso simples e rápido diante dos tribunais

competentes, que a ampare contra atos que violem seus direitos;

8. o direito à liberdade de associação;

9. o direito à liberdade de professar a religião e as próprias crenças, de

acordo com a lei;

10. o direito de ter igualdade de acesso às funções públicas de seu país e

a participar nos assuntos públicos, incluindo a tomada de decisões.

Artigo 5º - Toda mulher poderá exercer livre r plenamente seus direitos civis,

políticos, econômicos, sociais e culturais e contará com a total proteção desses

direitos consagrados nos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos

humanos. Os Estados-partes reconhecem que a violência contra a mulher impede e

anula o exercício desses direitos.

Artigo 6º - O direito de toda mulher a uma vida livre de violência incluir, entre outros:

1. o direito da mulher de ser livre de toda forma de discriminação, e

2. o direito da mulher ser valorizada e educada livre de padrões

estereotipados de comportamento e práticas sociais e culturais baseados em

conceitos de inferioridade de subordinação.

Capítulo III - Deveres dos Estados

Artigo 7º - Os Estados-partes condenam toda as formas de violência contra a

mulher e concordam em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora,

políticas orientadas e prevenir, punir e erradicar a dita violência e empenhar-se em:

1. abster-se de qualquer ação ou prática de violência contra a mulher e

velar para que as autoridades, seus funcionários, pessoal e agentes e

instituições públicas se comportem conforme esta obrigação;

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2. atuar com a devida diligência para prevenir, investigar e punir a

violência contra a mulher;

3. incluir em sua legislação interna normas penais, civis e administrativas,

assim como as de outra natureza que sejam necessárias para prevenir,

punir e erradicar a violência contra a mulher e adotar as medidas

administrativas apropriadas que venham ao caso:

4. adotar medidas jurídicas que exijam do agressor abster-se de fustigar,

perseguir, intimidar, ameaçar, machucar, ou pôr em perigo a vida da

mulher de qualquer forma que atente contra sua integridade ou

prejudique sua propriedade;

5. tomar todas as medidas apropriadas, incluindo medidas de tipo

legislativo, para modificar ou abolir lei e regulamentos vigentes, ou para

modificar práticas jurídicas ou consuetudinárias que respaldem a

persistências ou a tolerância da violência contra a mulher.

6. estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher

que tenha submetida a violência, que incluam, entre outros, medidas

de proteção, um julgamento oportuno e o acesso efetivo a tais

procedimentos

7. estabelecer os mecanismos judiciais e administrativos necessários

para assegurar que a mulher objeto de violência tenha acesso efetivo a

ressarcimento, reparação do dano ou outros meios de compensação

justos e eficazes; e

8. adotar as disposições legislativas ou de outra índole que sejam

necessárias para efetivar esta Convenção.

Artigo 8º - Os Estados-partes concordam em adotar, em forma progressiva,

medidas específicas, inclusive programas para:

1. fomentar o conhecimento e a observância do direito da mulher a uma

vida livre de violência o direito da mulher a que se respeitem para

protejam seus direitos humanos;

2. modificar os padrões sócio-culturais de conduta de homens e

mulheres, incluindo a construção de programas de educação formais e

não-formais apropriados a todo nível do processo educativo, para

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contrabalançar preconceitos e costumes e todo outro tipo de práticas

que se baseiem na premissa da inferioridade ou superioridade de

qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o homem e a

mulher ou ligitimam ou exercebam a violência contra a mulher;

3. fomentar a educação e capacitação do pessoal na administração da

justiça, policial e demissão funcionários encarregado da aplicação da

lei assim como do pessoal encarregado das políticas de prevenção,

sanção e eliminação da violência contra a mulher;

4. aplicar os serviços especializados apropriados para o atendimento

necessário à mulher objeto de violência, por meio de entidades dos

setores público e privado, inclusive abrigos, serviços de orientação

para toda a família, quando for o caso, e cuidado e custódia dos

menores afetado.

5. fomentar e apoiar programas de educação governamentais e do setor

privado destinados a conscientizar o público sobre os problemas

relacionados com a violência contra a mulher, os recursos jurídicos e a

reparação correspondente;

6. oferecer à mulher objeto de violência acesso a programas eficazes de

reabilitação e capacitação que lhe permitam participar plenamente na

vida pública, privada e social;

7. estimular os meios de comunicação e elaborar diretrizes adequadas de

difusão que contribuam para a erradicação da violência contra a mulher

em todas suas formas e a realçar o respeito à dignidade da mulher;

8. garantir a investigação e recompilação de estatísticas e demais

informações pertinentes sobre as causas, conseqüências e freqüência

da violência contara a mulher, como objetivo de avaliar a eficácia das

medidas para prevenir, punir e eliminar a violência contra a mulher e de

formular e aplicar as mudanças que sejam necessárias; e

9. promover a cooperação internacional para o intercâmbio de idéias e

experiências e a execução de programas destinados a proteger a

mulher objeto de violência.

Artigo 9º - Para a adoção das medidas a que se refere este capítulo, os Estados-

partes terão especialmente em conta a situação de vulnerabilidade à violência que a

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mulher possa sofrer em conseqüência, entre outras, de sua raça ou de sua condição

étnica, de migrante, refugiada ou desterrada.. No mesmo sentido se considerará a

mulher submetida à violência quando estiver grávida, for excepcional, menor de

idade, anciã, ou estiver em situação sócio-econômica desfavorável ou afetada por

situações de conflitos armados ou de privação de sua liberdade.

Capítulo IV - Mecanismos Interamericanos de Proteção

Artigo 10 - Com o propósito de proteger o direito da mulher a uma vida livre de

violência, nos informes nacionais à Comissão Interamericana de Mulheres, os

Estados—parte deverão incluir informação sobre as medidas adotadas para prevenir

e erradicar a violência contra a mulher, para assistir a mulher afetado pela violência,

assim como cobre as dificuldades que observem na aplicação das mesmas e dos

fatores que contribuam à violência contra a mulher.

Artigo 11 - Os Estados-partes nesta Convenção e a Comissão Interamericana de

Mulheres poderão requerer à Corte Interamericana de Direitos Humanos opinião

consultiva sobre a interpretação desta Convenção.

Artigo 12 - Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não-governamental

legalmente reconhecida em um ou mais Estados-membros da Organização, pode

apresentar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos petições que

contenham denúncias ou queixas de violação do artigo 7º da presente Concepção

pelo Estado-parte, e a Comissão considera-las-á de acordo com as normas e os

requisitos de procedimento para apresentação e consideração de petições

estipuladas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e no Estatuto e

Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Capítulo V - Disposições Gerais

Artigo 13 - Nada do disposto na presente Convenção poderá ser interpretado como

restrição ou limitação à legislação interna dos Estados-partes que preveja iguais ou

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maiores proteções e garantias aos direitos da mulher e salvaguardas adequadas

para prevenir e erradicar a violência contra a mulher.

Artigo 14 - Nada do disposto na presente Convenção poderá ser interpretado como

restrição ou limitação à Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou a outra

convenções internacionais sobre a matéria que prevejam iguais ou maiores

proteções relacionadas com este tema.

Artigo 15 - A presente Convenção está aberta à assinatura de todos os Estados-

membros da Organização dos Estados Americanos.

Artigo 16 - A presente Convenção está sujeita à ratificação. Os instrumentos de

ratificação serão depositados na Secretaria Geral da Organização dos Estados

Americanos.

Artigo 17 - A presente Convenção fica aberta à adesão de qualquer outro Estado.

Os instrumentos de adesão serão depositados na Secretaria Geral da Organização

dos Estados Americanos.

Artigo 18 - Os Estados poderão formular reservas à presente Convenção no

momento de aprová-la, assiná-la, ratificá-la ou aderir a ela, sempre que:

1. não sejam incompatíveis com o objetivo e o propósito da Convenção;

2. não sejam de caráter geral e versem sobre uma ou mais disposições

específicas.

Artigo 19 - Qualquer Estado-parte pode submeter à Assembléia Geral, por meio da

Comissão Interamericana de Mulheres, uma proposta de emenda a esta Convenção.

As emendas entrarão em vigor para os Estados ratificantes das mesmas na data em

que dois terços dos Estados-partes tenham depositado o respectivo instrumento de

ratificação. Quanto ao resto dos Estados-partes, entrarão em vigor na data em que

depositem seus respectivos instrumentos de ratificação.

Artigo 20 - Os Estados-partes que tenham duas ou mais unidades territoriais em

que funcionem distintos sistemas jurídicos relacionados com questões tratadas na

presente Convenção poderão declarar, no momento da assinatura, ratificação ou

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adesão, que a Convenção aplicar-se-á a todas as unidades territoriais ou somente a

uma ou mais.

Tais declarações poderão ser modificadas em qualquer momento mediante

declarações ulteriores, que especificarão expressamente a ou as unidades

territoriais às quais será aplicada a presente Convenção. Tais declarações ulteriores

serão transmitidas à Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos e

entrarão em vigor trinta dias após seu recebimento.

Artigo 21 - A presente Convenção entrará em vigor no trigésimo dia a partir da data

que tenha sido depositado o segundo instrumento de ratificação. Para cada Estado

que ratifique ou adira à Convenção, depois de ter sido depositado o segundo

instrumento de ratificação, entrará em vigor no trigésimo dia a partir da data em que

tal Estado tenha depositado seu instrumento de ratificação ou adesão.

Artigo 22 - O Secretário Geral informará a todos os Estados membros da

Organização dos Estados Americanos da entrada em vigor da Convenção.

Artigo 23 - O Secretário Geral da Organização dos Estados Americanos

apresentará um informe anual aos Estados membros da Organização sobre a

situação desta Convenção, inclusive sobre as assinaturas, depósitos de

instrumentos de ratificação, adesão ou declarações, assim como as reservas

porventura apresentadas pelos Estados-partes e, neste caso, o informe sobre as

mesmas.

Artigo 24 - A presente Convenção vigorará indefinidamente, mas qualquer dos

Estados-partes poderá denunciá-la mediante o depósito de um instrumento com

esse fim na Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos. Um ano

depois da data do depósito de instrumento de denúncia, a Convenção cessará em

seus efeitos para o Estado denunciante, continuando a subsistir para os demais

Estados-partes.

Artigo 25 - O instrumento original na presente Convenção, cujos textos em

espanhol, francês, inglês e português são igualmente autênticos, será depositado na

Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos, que enviará cópia

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autenticada de seu texto para registro e publicação à Secretaria das Nações Unidas,

de conformidade com o artigo 102 da Carta das Nações Unidas.

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

PREÂMBULO

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os

membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o

fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo;

Considerando que o desconhecimento e o desprezo dos direitos do Homen

conduziram a actos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade e que o

advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres de falar e de crer,

libertos do terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta inspiração do

Homem;

Considerando que é essencial a proteção dos direitos do Homem através de

um regime de direito, para que o Homem não seja compelido, em supremo recurso,

à revolta contra a tirania e a opressão;

Considerando que é essencial encorajar o desenvolvimento de relações

amistosas entre as nações; Considerando que, na Carta, os povos das Nações

Unidas proclamam, de novo, a sua fé nos direitos fundamentais do Homem, na

dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das

mulheres e se declaram resolvidos a favorecer o progresso social e a instaurar

melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla;

Considerando que os Estados membros se comprometeram a promover, em

cooperação com a Organização das Nações Unidas, o respeito universal e efectivo

dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais;

Considerando que uma concepção comum destes direitos e liberdades é da

mais alta importância para dar plena satisfação a tal compromisso:

A Assembléia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos

Humanos como ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações, a fim

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de que todos os indivíduos e todos os orgãos da sociedade, tendo-a constantemente

no espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito

desses direitos e liberdades e por promover, por medidas progressivas de ordem

nacional e internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação universais e

efectivos tanto entre as populações dos próprios Estados membros como entre as

dos territórios colocados sob a sua jurisdição.

Artigo 1° - Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em

direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em

espírito de fraternidade.

Artigo 2° - Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades

proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de

raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem

nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além

disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou

internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou

território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de

soberania.

Artigo 3° - Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo 4° - Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o

trato dos escravos, sob todas as formas, são proibidos.

Artigo 5° - Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis,

desumanos ou degradantes.

Artigo 6° - Todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento, em todos os

lugares, da sua personalidade jurídica.

Artigo 7° - Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual

protecção da lei. Todos têm direito a protecção igual contra qualquer discriminação

que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

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Artigo 8° - Toda a pessoa direito a recurso efectivo para as jurisdições nacionais

competentes contra os actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela

Constituição ou pela lei.

Artigo 9° - Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo 10° - Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja

equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que

decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em

matéria penal que contra ela seja deduzida.

Artigo 11° - Toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até

que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo

público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas.

1. Ninguém será condenado por acções ou omissões que, no momento da sua

prática, não constituíam acto delituoso à face do direito interno ou

internacional. Do mesmo modo, não será infligida pena mais grave do que a

que era aplicável no momento em que o acto delituoso foi cometido.

Artigo 12° - Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua

família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e

reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a

protecção da lei.

Artigo 13° - Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua

residência no interior de um Estado.

1. Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra,

incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país.

Artigo 14° - Toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de

beneficiar de asilo em outros países.

1. Este direito não pode, porém, ser invocado no caso de processo realmente

existente por crime de direito comum ou por actividades contrárias aos fins e

aos princípios das Nações Unidas.

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Artigo 15° - Todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade.

1. Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do

direito de mudar de nacionalidade.

Artigo 16° - A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de

constituir família, sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião. Durante o

casamento e na altura da sua dissolução, ambos têm direitos iguais.

1. O casamento não pode ser celebrado sem o livre e pleno consentimento dos

futuros esposos.

2. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à

proteção desta e do Estado.

Artigo 17° - Toda a pessoa, individual ou colectiva, tem direito à propriedade.

1. Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade.

Artigo 18° - Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e

de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção,

assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em

comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e

pelos ritos.

Artigo 19° - Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o

que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar,

receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e idéias por

qualquer meio de expressão.

Artigo 20° - Toda a pessoa tem direito à liberdade de reunião e de associação

pacíficas.

1. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

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Artigo 21° - Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direcção dos negócios,

públicos do seu país, quer directamente, quer por intermédio de representantes

livremente escolhidos.

1. Toda a pessoa tem direito de acesso, em condições de igualdade, às funções

públicas do seu país.

2. A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos: e

deve exprimir-se através de eleições honestas a realizar periodicamente por

sufrágio universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente

que salvaguarde a liberdade de voto.

Artigo 22° - Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança

social; e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e

culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional,

de harmonia com a organização e os recursos de cada país.

Artigo 23° - Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a

condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à protecção contra o desemprego.

1. Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho

igual.

2. Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que

lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade

humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de protecção

social.

3. Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se

filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses.

Artigo 24° - Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres, especialmente, a

uma limitação razoável da duração do trabalho e as férias periódicas pagas.

Artigo 25° - Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe

assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à

alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos

serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença,

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na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de

subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.

1. A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais.

Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozam da mesma

protecção social.

Artigo 26° - Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita,

pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar

é obrigatório. O ensino técnico e profissional dever ser generalizado; o acesso aos

estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu

mérito.

1. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao

reforço dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve

favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e

todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das

actividades das Nações Unidas para a manutenção da paz.

2. Aos pais pertence a prioridade do direito de escholher o género de educação

a dar aos filhos.

Artigo 27° - Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural

da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos

benefícios que deste resultam.

1. Todos têm direito à protecção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer

produção científica, literária ou artística da sua autoria.

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Artigo 28° - Toda a pessoa tem direito a que reine, no plano social e no plano

internacional, uma ordem capaz de tornar plenamente efectivos os direitos e as

liberdades enunciadas na presente Declaração.

Artigo 29° - O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é

possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade.

1. No exercício deste direito e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito

senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a

promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros

e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do

bem-estar numa sociedade democrática.

2. Em caso algum estes direitos e liberdades poderão ser exercidos

contrariamente e aos fins e aos princípios das Nações Unidas.

Artigo 30° - Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada de

maneira a envolver para qualquer Estado, agrupamento ou indivíduo o direito de se

entregar a alguma actividade ou de praticar algum acto destinado a destruir os

direitos e liberdades aqui enunciados