A Licenciatura e o Pibid Na Perspectiva Da Falta
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A LICENCIATURA E O PIBID NA PERSPECTIVA DA FALTA:
IMPLICAÇÕES PARA O CAMPO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Camila Itikawa Gimenes
Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Educação pela FE-USP, pesquisadora do GEPEFE.
Selma Garrido Pimenta
Professora Titular Sênior da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, coordenadora do
GEPEFE.
Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
Resumo
Este trabalho tem como objetivo discutir a formação docente entendida a partir da
categoria “perspectiva da falta”, compreendida com base na leitura que Charlot (2000)
apresenta ao estudar o fracasso escolar, e suas implicações para o campo de formação
de professores. Discutimos como esse modo de categorização do processo formativo
constitui um discurso sobre a formação docente em que o professor que é constituído
principalmente por lacunas e espaços vazios, atrelando diretamente a formação docente
ao desempenho do estudante, sem levar em consideração as demais variáveis envolvidas
nesse processo. Nesse contexto, o PIBID vem impactando os discursos do campo de
formação docente. Sobre esse programa, destaca-se o tom de otimismo em que é
discutido em publicações da área, que se relaciona com o seu deslocamento do contexto
das Licenciaturas; o PIBID se constitui como aquilo que a Licenciatura não é, sem
situá-lo a pertencimentos a campos de poder, estrutura, funcionamento e condições
objetivas diferentes da Licenciatura. Essa leitura negativa da realidade impõe desafios
para o campo de formação docente, em especial, na questão da delimitação do objeto de
investigação, pois ela potencialmente veda o objeto de estudo em si mesmo, ao tomar
um não ser questão fundadora da pesquisa. Em contrapartida, defendemos um processo
de formação de professores em nível superior – Licenciaturas - que aposta na tríade
universidade – escolas – comunidade como lócus formativo, de modo que o currículo
possa captar na prática social suas contradições e aí identificar a reprodução e a
produção das relações sociais. E na importância de que a esse projeto de qualidade
sejam destinados financiamentos específicos, como os que têm sido destinados ao
Programa PIBID.
Palavras chave: perspectiva da falta, licenciatura, PIBID.
A proposta desse artigo é colocar em discussão a formação docente entendida a
partir da categoria de análise que denominamos de “perspectiva da falta” e a
problemática relacionada a essa forma de compreensão do processo formativo. O que
significa discutir a formação de professores a partir de categorias que lhe são ausentes?
Considerando que a formação inicial de professores se dá em cursos de licencituras
ofertados por instituições de ensino superior, e que nos últimos anos o Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), componente não curricular de
formação docente, vem ocupando progressivmente maior espaço nos discursos no
2
campo de formação docente indaga-se: quais relações têm sido, ou não, estabelecidas
entre o PIBID e o processo formativo desenvolvido nas licenciaturas?
Na busca de responder essas questões, discutimos o modo como compreendemos
as licenciaturas no enfrentamento das atuais demandas decorrentes do processo de
diversificação do público por ela atendido e da diversificação do público com o qual
esses futuros professores trabalharão nas escolas públicas, numa perspectiva de
processos educativos formais como humanização do homem (FREIRE, 2011).
1. Crise da educação e licenciaturas em crise
Há um discurso em nível global difundido por agências multilaterais que
propaga a ideia de que os professores estão fracassando em ensinar seus alunos e, assim,
estes colocam limites na capacidade de seus alunos em contribuir futuramente para o
desenvolvimento econômico; essas agências globais pretendem lidar com o que
denominam de incompetência crônica dos professores (ROBERTSON, 2012).
King (2007) destaca algumas conferências importantes na construção da
dimensão educativa da agenda de desenvolvimento global durante o período de 1990 a
2006. Os marcos desse processo foram a Conferência Mundial sobre Educação para
Todos, realizada Jontien, 1990; o Relatório do Comitê de Ajuda ao Desenvolvimento da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico Formando o Século
XXI, em 1996; o Fórum Mundial realizado em Dakar em Abril de 2000; e a Cúpula do
Milênio em setembro de 2000. Essas reuniões estabeleceram uma série de objetivos e
metas, inclusive para a educação, que foram determinados em seu alcance e com prazos
definidos. Os relatórios resultantes dessas reuniões tentam construir um consenso sobre
objetivos gerais para o desenvolvimento global, a fim de alcançar uma integração
econômica global.
Tais relatórios influenciaram e seguem influenciando políticas públicas e
propostas de reformas educacionais, disseminando referências a serem seguidas em
outros países ou de práticas de avaliação comparativa e generalização da agenda global.
Assim, as chamadas "melhores práticas" informam e moldam decisões de maneira geral
sobre os sistemas educacionais ao redor do mundo (COXON & MUNCE , 2008).
Correlacionado a esse discurso globalizante em educação está o discurso que
defende que “Os professores são os principais impulsionadores da qualidade da
educação em qualquer sistema de ensino” (Banco Mundial, 2014) e também que “a
3
qualidade dos sistemas de ensino não pode exceder a qualidade de seus professores”
(BARBER E MOURSHER, 2007 apud ROBERTSON, 2012, p. 585).
A responsabilização dos professores é uma ideia central nos recentes relatórios
para a educação das agências globais, associada à idéia de uma crise na profissão
docente. Nesse contexto, a educação é entendida como o processo de obtenção de alta
pontuação pelo aluno na competição global, onde o PISA (Programme for International
Student Assessment) tem um papel central. Qualidade tornou-se a palavra central
desses discursos, bem como a necessidade de se elevar os padrões de educação, uma
prioridade para todos os governos. E neles a atuação docente é vista como a solução
para a competitividade no cenário global.
Entende-se que os professores não receberam preparação ou o tipo certo de
preparação na fase pré-serviço ou na formação contínua. Em seus Relatórios essas
organizações criam um discurso "global" sobre o ensino e a aprendizagem dos
professores, gerando um pressuposto inquestionável de que a melhoria da educação
requer a melhoria dos professores (PANG & ZEICHNER, 2012).
A importância dos professores na agenda global é correlacionada à dificuldade
presente na maioria dos países de recrutar, formar e reter professores. Com pesquisa
realizada no âmbito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Aranha e Souza
(2013), constatam a diminuição da procura pelos cursos de licenciatura no vestibular
dessa universidade, assim como a alta taxa de desistência nesses cursos e, ainda que,
dos que se formam, muitos optam por ocupações mais vantajosas economicamente; fato
esse que pode ser generalizado para todo o país.
Gatti (2013, p. 64) ressalta a ausência de solução à questão dos currículos e das
formas institucionais quanto à formação inicial de professores como o cerne dessa
discussão.
[...] uma verdadeira revolução nas estruturas formativas e nos currículos se
faz necessária. As emendas feitas nesses cursos por normas parciais já são
muitas. A fragmentação formativa é clara, as generalidades observadas nos
conteúdos curriculares também, o encurtamento temporal dos cursos é
constatável nas suas práticas. É preciso integrar essa formação em propostas
curriculares articuladas e voltadas a seu objetivo precípuo, com uma
dinâmica nas instituições de ensino superior mais proativa e unificada.
Nesse contexto complexo de licenciaturas em crise, qual o papel da pesquisa
sobre formação de professores? Quais as contribuições do campo de formação de
professores para o enfrentameto dos desafios reais da educação brasileira? Quais
caminhos possíveis elas apontam?
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2. A Perspectiva da falta e a formação docente
Na perspectiva da falta, a formação é explicada em termos de carência, do que
não é, do que não se tem. Define-se a formação através daquilo que não está presente no
processo formativo, explica-se esse processo através do que não existe, de um ideal
formativo.
Charlot (2000) denomina essa forma de analisar um evento de “leitura negativa
da realidade social”. Para o autor, “quando se fala em termos de carência,
epistemologicamente não se produz nenhum sentido”, pois a falta (um não ser) não
pode ser a causa de alguma coisa (um ser) (CHARLOT, 2000, p. 21). Charlot entende a
leitura negativa como modo de reificar as relações para torná-la coisas, “aniquila essas
coisas transformando-as em coisas ausentes, ‘explica’ o mundo por deslocamento das
faltas, postula uma causalidade da falta” (p. 30).
O autor francês discute o fracasso escolar frente à leitura negativa da realidade
como um objeto de pesquisa inencontrável. Aqui, fazemos um paralelo entre essa forma
de leitura da realidade social e a formação de professores.
Se na década de 60 e 70, como aborda Charlot (2000), torna-se comum a
abordagem negativa do fracasso escolar, hoje presenciamos a construção do fracasso do
professor e, consequentemente, a construção do discurso do fracasso da formação
docente. Assim como o fracasso escolar, o fracasso da formação de professores remete a
práticas ou situações que supostamente explicitam o “vivido” e a “experiência”. Essa
forma de responsabilizar os professores e sua formação é uma certa maneira de
verbalizar a experiência, a vivência e a prática; “e por essa razão, uma certa maneira de
recortar, interpretar e categorizar o mundo social. Quanto mais ampla a categoria assim
construída, mais polissêmica e ambígua ela é” (CHARLOT, 2000, p. 13).
O fracasso da formação docente vai sendo constituído como categoria imediata
de percepção da realidade social, como chave interpretativa para os baixos resultados
dos estudantes brasileiros nos testes de larga escala. Esse objeto de discurso adquire
essa proporção no meio social e midiático porque é portador de múltiplos desafios
profissionais, identitários, econômicos, sociopolíticos; encontra-se na encruzilhada de
múltiplas relações sociais.
No meio midiático, cresce a hostilização aos professores. Por exemplo, Gustavo
Ioschpe escreve em matéria para Revista Veja de 14 de maio de 2014, p. 112 “Caros
professores: vocês se meteram em uma enrascada. Há décadas, as lideranças de vocês
5
vêm construindo um discurso de vitimização. A imagem que vocês vendem não é a de
profissionais competentes, mas a de coitadinhos, estropiados, maltratados”. Contribui
ainda para a construção da imagem do professor como incompetentes os baixos
resultados do Brasil no PISA, que são comumente traduzidos pela mídia em notícias
como “Pisa: desempenho do Brasil piora em leitura e 'empaca' em ciências”, “Brasil
evolui, mas segue nas últimas posições em ranking de educação”1, veiculados por
grandes sites de notícias nacionais.
Cabe ao pesquisador duvidar dessas categorias evidentes de percepção de mundo
que tendem a impor-se a ele.
Para que não lhe imponham objetos “sociomediáticos” como objetos de
pesquisa, ele deve circunscrever o máximo possível os fenômenos, mas
também manter-se a distância e sempre voltar aos fundamentos: descrever e
escutar, mas também conceitualizar e teorizar. A construção do objeto de
pesquisa procede desse duplo movimento de imersão no objeto e
distnciamento teórico. Sem o primeiro, a teoria não sabe do que está falando.
Sem o segundo, o pesquisador ignora qual a linguagem que está utilizando
(CHARLOT, 2000, p. 16).
A construção do fracasso da formação de professore foi intensificada com as
reformas curriculares posteriores a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional de 1996, que vinculam toda e qualquer mudança na qualidade da
educação a uma mudança da formação docente, responsabilizando, dessa maneira, o
professor individualmente pela qualidade da educação. Nessa concepção, a relação entre
o desempenho do professor e o de seus alunos é vista de forma determinista, levando a
um quadro de desvalorização do magistério e à ilusão de uma justificativa para explicar
o fracasso de muitas escolas brasileiras (DIAS & LOPES, 2003).
Esses discursos acentuam o papel dos professores em relação à prática
pedagógica, atribuindo uma responsabilidade aumentada tanto em relação a essa prática
como em relação à qualidade de ensino. Dessa forma, tem-se um sistema escolar
centrado na figura do professor como condutor visível dos processos institucionalizados
de educação (SILVA, 2009). Como muitas vezes o professor não corresponde com toda
a expectativa que é gerada sobre a sua figura, tem-se um docente marcado pela falta,
pois não satisfaz todas as responsabilidades que lhe são atribuídas.
O discurso de responsabilização do professor pela qualidade da educação
desconsidera que esse sujeito encontra-se inserido em um contexto social mais amplo
no qual se insere a ação educativa, individualizando a sua prática da prática social
concreta. Esquece-se que os professores “são também produto de uma formação
6
desqualificada historicamente, via de regra, através de um ensino superior,
quantitativamente amplificado nos anos 70, em universidades-empresas” (PIMENTA,
2010a, p. 41). Além de ignorar suas reais condições de trabalho, com sempre baixos
salários.
3. Leitura negativa da licenciatura
A perspectiva da falta foi uma das categorias de análise em trabalho de Gimenes
(2011) para a compreensão do modo em que muitas pesquisas se reportam ou tomam
como objeto a formação de professores de ciências naturais. A autora realizou uma
pesquisa bibliográfica em três importantes periódicos na área de pesquisa em ensino de
Ciências: Revista Ciência & Educação, Revista Ensaio e Revista Brasileira de Pesquisa
em Ensino em Ciências no período entre 2005 e julho de 2010. A autora da pesquisa
analisou 55 artigos ao todo.
Desses, 20 trabalhos (36%) pensam a formação docente através da perspectiva
da falta. Dos demais, 11 artigos (20%) fundamentam a formação docente na
epistemologia da prática; 11 artigos (20%) embasam a formação docente na
epistemologia da práxis e 13 artigos (24%) abordam a formação docente num aspecto
específico, sem apresentar uma epistemologia que fundamente o pensar sobre essa
formação.
Dentre as publicações analisadas, percebemos que muitos artigos investigam a
formação docente a partir de um conhecimento teórico que se espera que o futuro
professor domine, concluindo sempre que não há esse domínio, apontando para a
inadequação dos cursos de formação inicial e identificando o professor com a falta
desse conhecimento.
Por um lado esses trabalhos que pensam o professor através das suas faltas têm
um importante papel de denúncia do que está insatisfatório no modelo de formação
adotado atualmente no programa brasileiro. Por outro lado, a presença dominante da
lógica de uma formação inicial insuficiente, aponta para a apropriação do discurso
destacado por Dias e Lopes (2003), que atrelam diretamente a formação docente ao
desempenho do estudante, sem levar em consideração as demais variáveis envolvidas
nesse processo. Como aponta Charlot (2000), o discurso da falta pode justificar o
fracasso do processo educativo, porém não explica os casos de êxitos.
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Partindo da perspectiva positiva defendida por Charlot (2000), observa-se que a
formação docente compreendida a partir da perspectiva da falta silencia aquilo que, bem
ou mal, é trabalhado ao longo dos cursos de formação inicial, mostrando que um
professor é constituído principalmente por lacunas e espaços vazios, pois sua formação
é marcada pela ausência.
Esse discurso da falta é produzido e reproduzido por licenciandos. Na mesma
pesquisa de Gimenes (2011), a autora entrevistou 10 formandos de um curso de
licenciatura em Ciências Biológicas, que apresentam opiniões bastante severas quanto
ao curso. Dentre os entrevistados, nove entendem que as disciplinas denominadas “da
licenciatura”2 não dão conta da formação docente. Segundo eles, são disciplinas muito
teóricas, com muitos textos que não são compreensíveis devido ao vocabulário
específico da área; os professores não são acessíveis aos alunos, que não entendem a
metodologia dessas aulas, além das reclamações sobre a baixa assiduidade de muitos
desses professores e da falta de vontade deles para com as aulas. A seguir, alguns
fragmentos das entrevistas com formandos que ilustram algumas dessas reclamações em
relação às disciplinas pedagógicas.
Eu acho que as disciplinas da licenciatura podiam retratar mais a realidade.
Elas enfocam só como deveria ser; não mostram o que é nem como lidar com
a realidade. (Lic5)
(...) tentar fazer o aluno aprender através de artigos dificílimos que só o cara
entende e você fica ‘viajando’, ou então mandar o cara fazer seminário e eu
entendo meu seminário, mas ninguém que eu estou apresentando está
entendendo e vice-versa. (...) Deixar de lado essa coisa de passar artigo,
artigo, artigo e seminário, seminário e achar que a gente vai aprender alguma
coisa dessa maneira. (Lic8)
Algumas matérias não foram proveitosas, principalmente da licenciatura (...) .
No sentido de você ir para a aula e não ter aula, ficar lendo texto, você só tem
que ficar lendo, ou ir para a aula para discutir o texto que não faz sentido
nenhum para ninguém, talvez só para o professor. Esse tipo de matéria para
mim é perda de tempo. (Lic10)
Através dos discursos desses licenciandos, tem-se um curso que não forma, pois
não produz sentido formativo para esses sujeitos.
Os elementos aqui apresentados da política, dos meios midiáticos, das pesquisas
e dos sujeitos estudantes evidenciam um cenário bastante complexo da problemática em
que a licenciatura se insere e, ao mesmo tempo, mostram a necessidade de uma
reestruturação profunda nesse curso para atender as atuais demandas para um ensino de
qualidade na sociedade brasileira.
8
4. O Program Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) e sua
relação com a licenciatura.
O PIBID, financiado pelo Governo Federal e coordenado pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), tem seu primeiro edital
publicado em 2007; seu objetivo é colaborar na formação de profissionais do magistério
para atuar na educação básica. Atualmente, disponibiliza mais de 40.000 bolsas para
estudantes de graduação, nas mais diversas áreas do conhecimento, envolvendo 195
instituições de ensino superior no país.
O programa atinge, pois, parcelas significativas de estudantes de licenciatura de
universidades públicas por meio de bolsas vinculadas a projetos com escolas públicas,
contemplando com bolsa também os coordenadores - na universidade - e os
supervisores - professores da escola - responsáveis pelas ações projetadas e selecionadas
pela Capes. Tem crescido o número de instituições que submetem suas propostas,
conforme os editais da Capes, o que revela entusiasmo por essa política, dado que as
exigências são relativamente grandes (GATTI, 2013).
Na busca por compreender como o PIBID vem sendo estruturado no campo de
formação docente, as publicações sobre o PIBID no Encontro Nacional de Didática e
Práticas de Ensino (ENDIPE) foram analisadas por Gimenes e Pimenta (2013). A
seleção desses trabalhos (simpósios, painéis e pôsteres) se deu pela presença, no título,
de um dos descritores: PIBID ou Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à
Docência. Ao todo, as autoras identificaram 64 trabalhos no período de 2008 a 2012,
que compreendem os encontros: XIV ENDIPE, Porto Alegre, 2008; XV ENDIPE, Belo
Horizonte, 2010; XVI ENDIPE, Campinas, 2012.
Em 81% dos trabalhos, as autoras evidenciam o tom de otimismo em relação à
novidade que é o PIBID. Dentre os aspectos positivos que são destacados, a articulação
entre universidade e escola e a articulação entre teoria e prática são os principais
motivos para o otimismo em relação a esse programa. Ou seja, percebe-se um interesse
positivo com a inserção do licenciando na realidade escolar, para além dos muros da
universidade. Há, ainda, outros aspectos positivos citados nos artigos: espaço e estímulo
à reflexão; valorização da profissão docente para a educação básica; integração entre
formação inicial e continuada; planejamento de atividades; melhoria da qualidade de
ensino da educação básica; identificação de dificuldades enfrentadas por alunos e
professores no processo ensino-aprendizagem; desenvolvimento de espírito de
9
liderança; melhoria das relações interpessoais/trabalhar em equipe; maior domínio do
conteúdo específico e pedagógico; melhoria da autoconfiança; mudança de concepção
dos futuros professores; propiciar primeiros contatos com a sala de aula; aprendizado de
novas metodologias; interesse de professores supervisores e licenciandos bolsistas em
fazer mestrado na área de Educação ou Ensino de disciplinas específicas.
No entanto, em nosso entendimento, a maioria, senão todas as características
positivas apontadas por essas pesquisas deveriam ser garantidas a todos os futuros
professores. O tom de otimismo desses trabalhos em relação à novidade de que o
Programa se reveste ofusca a discussão no contexto das licenciaturas em crise,
silenciam a licenciatura, pois o sucesso do PIBID apontado por essas publicações se dá
em função do fracasso das licenciaturas. Entretanto, o PIBID é um programa que atinge
menos de 3% dos futuros professores, de modo que nessa perspectiva elitista em que ele
vem sendo implantado e considerado um fim em si mesmo, vai sendo delineado um
programa que propõe uma mudança na formação inicial docente com o objetivo de que
nada mude (Gimenes e Pimenta, 2013).
As pesquisas sobre o PIBID, ao desconectá-lo do contexto mais amplo de
formação inicial docente, que são as licencituras, implicitamente constituem as
licenciaturas enquanto falta daquilo que o PIBID pode oferecer, porém sem situar
PIBID e estágio curricular, mesmo que aparentemente semelhantes, a pertencimentos a
campos de poder, estrutura, funcionamento e condições objetivas diferentes (LIMA,
2012).
O nosso esforço, como pesquisadores com o compromisso com uma sociedade
mais justa e igualitária, deve ir em direção à oferta do programa de iniciação à docência
para todos os alunos licenciandos. As novidades do PIBID – bolsa para licenciandos,
coordenadores na universidade e coordenadores nas escolas públicas – deveria ser
estendido para a totalidade dos cursos de formação de professores. Nesse sentido,
deveria se tornar componente curricular obrigatório, ou mesmo, reforçar o componente
curricular obrigatório que existe desde os primórdios dos cursos de formação de
professores em todos os países, que é o estágio curricular obrigatório. Os Estágios
realizados com bolsas e com verdadeira colaboração entre escola e universidade,
envolvendo os sistemas municipais e estaduais de ensino como co-formadores do futuro
professor, e ainda em colaboração com a comunidade em que essa escola se insere,
certamente faria toda a diferença nos atuais cursos de licenciatura
10
5. Leitura positiva da licenciatura: possilidades de relação teoria e prática e
parceria universidade, escola e comunidade
A leitura negativa da realidade impõe desafios para o campo de formação
docente, em especial, na questão metodológica. Nas análises realizadas, destacamos a
questão da delimitação do objeto de investigação. Existem algumas justificativas
comumente utilizadas que vedam o objeto de estudo em si mesmo, impedindo que se
possa alcançá-lo para estudá-lo. Na perspectiva da falta um não ser torna-se a questão
fundadora de diversas pesquisas, que buscam através do discurso das carências
constituir um professor. Nessa perspectiva, a formação inicial é marcada pelo “não
formar”, “não desenvolver”, “não ser”. Quanto ao método, como se pode estudar algo
que não existe?
Todo discurso sobre qualidade será limitado se não considerados os contextos
cultural, histórico, econômico e político mais amplos, se as necessidades reais e
tangíveis das diversas populações de alunos de áreas urbanas não são reconhecidas
(MURRELL, 2001). A leitura positiva busca compreender como se constrói a situção de
fracasso no processo formtivo e, não, “o que falta” para ser uma situação de formação
bem-sucedida.
O modelo predominante atual das licenciaturas reitera a dicotomia entre teoria e
prática, entre disciplinas de conhecimento específico e de conhecimento pedagógico, em
que a universidade é detentora do conhecimento a ser transmitido para os futuros
professores e a escola é o local de aplicação desse conhecimento. Esse modelo dá claros
sinais de esgotamento. Entretanto, não se trata de negar a licenciatura enquanto local
privilegiado para formação inicial, ou dizer que a universidade não sabe formar
professores. Pelo contrário, o suceso do PIBID – em que cada projeto é coordenado por
professores universitários – mostra que as universidades sabem formar professores,
porém precisam de condições concretas para tanto e, entre essas condições, destaca-se a
relação de colaboração com a escola de educação básica como coformadora dos futuros
professores.
Nessa direção, Zeichner (2010) entende que a formação de professores não
deveria se dar nem na universidade, nem na escola. Todavia, ela deveria ser baseada em
uma cultura híbrida, em que a responsabilidade pela formação de professores é
democraticamente compartilhada entre elas, de forma a superar o isolamento dessas
instituições entre si e entre elas e a comunidade em que se inserem. De modo que o
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currículo do curso no seu todo (disciplinas e atividades) possa captar na práxis os
conflitos, os avanços, os retrocessos, enfim, as contradições nela presentes e aí
identificar a reprodução e a produção das relações sociais (PIMENTA, 2010b). Nesse
sentido, o estágio ocupa lugar estruturante no curso e deve fazer parte de todas as
disciplinas, percorrendo o processo formativo desde o início precisamente pela relação
que estabelece com a realidade e tem como finalidade integrar o processo de formação
do futuro professor, de modo a considerar o campo de atuação como objeto de análise,
de investigação e de interpretação crítica, a partir dos nexos com as disciplinas do curso
(PIMENTA & LIMA, 2004).
Neste breve ensaio procuramos mostrar as possibilidades de uma formação de
professores em nível superior – Licenciaturas - que aposta na tríade universidade –
licenciandos – escolas. E na importância de que a esse projeto de qualidade sejam
destinados financiamentos específicos, como os que têm sido destinados ao Programa
PIBID. E que o conjunto das disciplinas do currículo, dentre as quais a Didática que
ocupa um papel articulador porque é multidimensional, tenha no estágio o eixo
articulador dessa formação, pesquisando, compreendendo, analisando, interpretando,
propondo possibilidades de superação aos problemas existentes nas escolas e nos
sistemas públicos. E que assim proceda desde o início do curso.
NOTAS 1 Manchetes extraídas, respectivamente, dos seguintes sites e acessadas em 15 de maio de 2014:
http://educacao.uol.com.br/noticias/2013/12/03/pisa-desempenho-do-brasil-piora-em-leitura-e-
empaca-em-ciencias.htm
http://g1.globo.com/educacao/noticia/2013/12/brasil-evolui-mas-segue-nas-ultimas-posicoes-
em-ranking-de-educacao.html
2 Disciplinas ofertadas pelo Setor de Educação da universidade em que esse curso é ofertado, em oposição
às disciplinas ofertadas pelo Setor de Ciências Biológicas – ditas disciplinas do bacharelado.
3 As análises apresentadas nessa seção são parte da pesquisa de doutoramente em andamento intitulada
“O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) e a formação de professores das
ciências naturais: possibilidade da práxis como princípio formativo?”. Programa de Pós Graduação em
Eucação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
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