A linguagem radiofônica

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A linguagem radlofônlca' Armand Balsebre O rádio é um meio de comunicação, difusão e expressão que tem duas metas importantes: a reconstituição e a recriação do mundo real e a criação de um mundo imaginário e fan- tástico, "produtor de sonhos para espectadores, perfeitamente des- pertos". É um veículo que foi capaz de criar uma nova poesia: a poe- sia do espaço. Mas teria o rádio uma linguagem específica? Na busca pela linguagem auténtica do meio foi possível definir empiricamente sua gramática e sua sintaxe. Existe linguagem quan- do tem-se um conjunto sistemático de signos que permite certo tipo de comunicação. A função comunicativa da linguagem tem aspecto duplo: o código, repertório de possibilidades para produzir enuncia- dos sígníflcantes e a mensagem, variações particulares sobre a base do código. A lingüística moderna fixa também um terceiro aspecto entre o código e a mensagem: o uso social e cultural. A mensagem é um agrupamento acabado, ordenado de elementos concentrados em um repertório que constitui uma seqüêncía de sig- nos reunidos segundo certas leis. E a comunicação só é possível quan- do o repertório de elementos é conhecido por emissor e receptor. Atu- almente, devemos incorporar também neste processo a tecnología. E sem a interação emissor-receptor, sem a mediação de um processo de percepção, podemos considerar que a produção de mensagens não tem sentido. Quanto mais comuns e consensuais forem as estraté- gias de produção de significado, de codificação e deciframento, mais eficazes serão as mensagens na comunicação emissor-receptor. Mas para isso, também é preciso integrar a forma e o conteúdo, o sernãn- tico e o estético. O semãntico é tudo que diz respeito ao sentido mais direto e mani- festo dos signos de uma linguagem, transmite o primeiro nível de significação sobre o que se constitui o processo comunicativo.O esté- 1Este texto é uma tradução resumida do livro El: lenguaje radioJónico de Arrnand Balsebre, Madri: Editora Cátedra, 1994, 250 p. 327

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A linguagem radlofônlca'Armand Balsebre

O rádio é um meio de comunicação, difusão e expressão quetem duas metas importantes: a reconstituição e a recriaçãodo mundo real e a criação de um mundo imaginário e fan-

tástico, "produtor de sonhos para espectadores, perfeitamente des-pertos". É um veículo que foi capaz de criar uma nova poesia: a poe-sia do espaço.

Mas teria o rádio uma linguagem específica?Na busca pela linguagem auténtica do meio foi possível definir

empiricamente sua gramática e sua sintaxe. Existe linguagem quan-do tem-se um conjunto sistemático de signos que permite certo tipode comunicação. A função comunicativa da linguagem tem aspectoduplo: o código, repertório de possibilidades para produzir enuncia-dos sígníflcantes e a mensagem, variações particulares sobre a basedo código. A lingüística moderna fixa também um terceiro aspectoentre o código e a mensagem: o uso social e cultural.

A mensagem é um agrupamento acabado, ordenado de elementosconcentrados em um repertório que constitui uma seqüêncía de sig-nos reunidos segundo certas leis. E a comunicação só é possível quan-do o repertório de elementos é conhecido por emissor e receptor. Atu-almente, devemos incorporar também neste processo a tecnología. Esem a interação emissor-receptor, sem a mediação de um processo depercepção, podemos considerar que a produção de mensagens nãotem sentido. Quanto mais comuns e consensuais forem as estraté-gias de produção de significado, de codificação e deciframento, maiseficazes serão as mensagens na comunicação emissor-receptor. Maspara isso, também é preciso integrar a forma e o conteúdo, o sernãn-tico e o estético.

O semãntico é tudo que diz respeito ao sentido mais direto e mani-festo dos signos de uma linguagem, transmite o primeiro nível designificação sobre o que se constitui o processo comunicativo.O esté-

1Este texto é uma tradução resumida do livro El: lenguaje radioJónico de ArrnandBalsebre, Madri: Editora Cátedra, 1994, 250 p.

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tico é O aspecto da linguagem que trata mais da forma da composiçãoda mensagem e se fundamenta na relação variável e afetiva que osujeito da percepção mantém com os objetos de percepção. A mensa-gem estética é portadora de um segundo nível de significação. cono-tatívo, afetívo, carregado de valores emocionais ou sensoriais. E ainformação estética da mensagem influi mais sobre nossa sensibili-dade do que sobre nosso intelecto.

A comunicação será mais completa e eficaz dependendo da proxi-midade sócio-cultural dos códigos do emissor e do receptor. Para aeficácia da mensagem é também necessário um equilíbrio entre infor-mação estética e semãntica. pois ambas representam de forma maiscompleta a polissemia que abrange toda produção de significado esua interpretação em um contexto comunicativo.

O som é definido como todo "ruído" elaborado ou classificado emuma cadeia sígnífícante. A partir desta proposição. considera-se asmensagens sonoras do rádio como uma sucessão ordenada. contínuae significativa de "ruídos" elaborados pelas pessoas. os instrumentosmusicais ou a natureza. e classificados segundo os repertórios/códi-gos da linguagem radiofônica. Inicialmente, a mensagem sonora dorádio era considerada apenas como linguagem verbal.

Com o desenvolvimento tecnológíco da reprodução sonora; aprofissionalização dos roteiristas, montadores, realizadores e locuto-res; a adaptação ao novo contexto perceptivo imaginativo, que deter-minava uma maneira distinta de escutar o som, e, também, com opleno convencimento de que a mensagem sonora do rádio poderiatransformar e tergiversar a expressão da natureza, principalmenteatravés da ficção dramática, criando novas paisagens sonoras. nas-ceram rapidamente novos códigos, novos repertórios de possibilida-des para produzir enunciados sígníflcantes.

A partir de MOLES2, podemos designar a natureza estrutural damensagem sonora do rádio em três sistemas expressivos muito con-cretos: a palavra, a música e o ruído ou efeito sonoro. Mas MOLESnão traz o silêncio em sua classificação. No entanto, a informaçãoque o silêncio no rádio transmite tem uma significação importantepara o considerarmos um elemento a mais da mensagem radiofônica:o sistema expressivo não sonoro. É importante ressaltar que definir alinguagem radiofônica apenas como linguagem verbal é excluir o ca-ráter do rádio como meio de expressão.

Outro ponto de destaque a ser considerado é a tecnología, cujosrecursos expressivos influenciam a codificação das mensagens ao

2Abraham Moles escreveu, em 1975, o livro La comunicacion y Ios mass media.

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possibilitar procedimentos técnicos, que por meios artificiais permi-tem ao receptor a ilusão de uma determinada realidade sonora. E oouvinte percebe e imagina (produção de imagens auditivas) de acordocom seu sistema sensorial adaptado as condições em que se produz aescuta radiofõnica. É a seguinte estrutura que definirá, então, o sis-tema semiótico radiofónico:

Resumindo, então, a linguagem radiofônica é o conjunto de for-mas sonoras e não sonoras representadas pelos sistemas expressivosda palavra, da música, dos efeitos sonoros e do silêncio, cuja signifi-cação vem determinada pelo conjunto dos recursos técnicos/expres-sivos da reprodução sonora e o conjunto de fatores que caracterizamo processo de percepção sonora e imaginativo-visual dos ouvintes.

sistema semiótico radiofônico

tecnologia

ouvintelinguagemradiofônica

efeitossonoros

silêncio

recursos técnicos!expressivos da

reprodução sonora

palavra

música

percepçãoradiofônica

Deve-se, ainda considerar, dois enfoques importantes: a caracte-ristica de fenômeno acústico e a qualidade estética da natureza damensagem radiofônica. Se a informação estética na linguagem gera-se através de uma excitação sentimental no processo comunicativo, eesta guarda uma grande conexão com o simbólico e o conotativo, alinguagem radiofônica necessita integrar em seu sistema semióticoaqueles elementos expressivos que codificam o sentido simbólico.

Autilização da música e dos efeitos sonoros na produção de enun-ciados sígnífícantes, como signos substitutivos de uma determinadaidéia expressiva ou narrativa, pode superar muitas vezes o própriosentido simbólico e conotativo da palavra. O simbolismo de uma mú-sica descritiva que estimula a produção imaginativo-visual de paisa-gens ou situações de tensão dramática, ou ainda de cores claras ouescuras, adquiri um significado no rádio de uma força expressivatranscendental. Um ritmo musical repetitivo num programa informa-

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tivo, por sua vez, pode trazer uma conotação simbólica de dinamis-mo, de novidade, de autoridade profissional e de credibilidade.

Todos estes recursos expressivos fundamentam o sentido simbóli-co, estético e conotativo da linguagem radiofônica. Para isso, é preci-so que o profissional de rádio saiba conjugar de forma criativa e equi-librada a dialética forma/conteúdo, prevísíbílídadeyorígínalídade e in-formação semântica/informação estética. A audição radiofônica e nãonecessariamente apenas da ficção dramática ou do ritmo musical deum "dísc-jockey", mas também de um programa informativo podecausar uma verdadeira emoção estética, reutilizando assim a lingua-gem radiofônica como um autêntico instrumento de comunicação eexpressão.

A palavra radiofônicaA palavra é indispensável. E assim, como não se deve identificar a

linguagem radiofônica como unicamente verbal, também não se devecrer que a criatividade expressiva do veículo se dá exclusivamentepela música ou pelos efeitos sonoros. Não há dúvida de que a lingua-gem radiofônica é uma linguagem artificial, e que a palavra radiofônica,mesmo quando transmite a linguagem natural da comunicaçãointerpessoal, é palavra imaginada, fonte evocadora de uma experiên-cia sensorial mais complexa.

Outro elemento do contexto artificial e específico da palavraradiofônica é a íntegração entre o texto escrito e a improvisação ver-bal. O locutor quando lê um texto, tenta reproduzir uma naturalida-de, uma certa intimidade para eliminar o efeito distanciador. O textoescrito é um texto sonoro, por isso é necessário integrar na redaçãotodos os recursos expressivos que conotam a referida impressão derealidade acústica, dando a mesma sensação de naturalidade e es-pontaneidade do discurso improvisado.

A arte de improvisação verbal pode ser sistematizada em três re-gras: Não falar do que não se conhece, não afastar-se do tema e apren-der a liberar-se fisicamente.Também é necessária uma especial sen-sibilidade para o uso da pausa: o silêncio. Mas devemos lembrar queuma pausa prolongada pode significar a interrupção da comunica-ção. FERRERP trata da força sugestiva da voz humana e da arte decolorir uma notícia, além do sentido dificílimo da pausa. Ele defendeque graças ao rádio a palavra recuperou sua autoridade.

3Enzo FERRERI publicou em 1931 o manifesto do rádio como força criativa com umdecálogo de propostas.

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ARNHEIMtambém defende um tratamento sonoro para a palavrae considera quatro fatores como determinantes na produção das co-res do som: intensidade, volume, intervalo e ritmo. De maneira indi-reta, foi a música que inspirou uma investigação sobre o tratamentoextra-Iíngüístíco da voz. E o tratamento da voz, sem prejuízo para asignificação semântica há de estar presente também na conotaçãoestética da palavra. O componente estético da mensagem transcendeo significado puramente língüístíco da palavra. De outro modo, seriadifícil aceitar a importância das dimensões acústicas na codificaçãoda palavra.

As vogais têm o poder de colorir a voz. As consoantes projetam asvogais e dão conteúdo. Se as vogais são os sons musicais da palavra,dando forma e cor a nossa voz, as consoantes são seu significado. Ena construção da mensagem, clareza e sonoridade são essenciais. Osom da palavra define-se acusticamente pelo timbre, tom e intensida-de e a cor da palavra é a dimensão resultante da inter-relação destestrês elementos no âmbito perceptível. O som agudo excitará no ouvin-te uma imagem auditiva luminosa e clara, o grave, mais obscura. Acor da palavra conota também relações espaciais.

A fala do locutor ao microfone é percebida pelo ouvinte como "reale"presente" e proporciona uma relação de empatia e identificação. Aomesmo tempo esta "voz amiga" do locutor que nunca vemos, tambémconota uma determinada distãncia psicológica. As vozes mais gravesdão a sensação de presença ou proximidade, enquanto as mais agu-das e mais claras, provocam a sensação psicológica de distância. Asvozes mais graves são mais indicadas para programas noturnos portrazerem um contato psicológico mais estreito num horário em que oouvinte está mais tranqüilo. Já uma voz aguda que denota mais cla-ridade e íntelígíbílídade, embora menos presença, será mais adequa-da para programas diurnos, mais alegres e excitantes num momentoem que a audiência está mais dispersa e em movimento. Estas rela-ções espaciais sugeridas pela cor da voz constituem um repertório derelações significativas no processo de codificação imaginativo-visualda palavra radiofónica.

Os arquétipos criados são resultado da relação afetiva que susci-tam os sinais vocais de certas vozes e o uso convencional desta asso-ciação. Já a expressão musical da palavra e sua significação se defi-nem pela melodia ou entonação, como um verdadeiro sub-texto. Porexemplo, na escola dramática soviética de STANISLAVSKI4os atoresproduziam vinte mensagens diferentes pronunciando apenas "esta

"Constantin STANISLAVSKl, La construcción dei personaje, 1975.

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noite". A melodia é o elemento básico para a polissemia da palavraque poderá expressar a dramatização da realidade espetacular que orádio transmite ao ouvinte: informando e criando um movimentoafetivo.

A melodia expressa também a noção de continuidade. Então, nocódigo "visual" da palavra radíofõníca. a "cor" denota a luminosidade,a distãncia, a presença, define a imagem estética, a imagem "fotográ-fica". Enquanto a melodia é, ao contrário, a transição de um instantea outro da seqüência, da paisagem sonora. Ela dá continuidade tem-poral e síntagmátíca. É preciso atenção, pois mesmo num discursocom frases curtas e simples, se o locutor não tratar a melodia comoum recurso de sua "gramática expressiva" produzirá uma "mono-tonia"dando origem a desconexão da comunicação, devido ao cansaço,desatenção e perda de interesse por parte do ouvinte.

No processo de criação sonora da palavra, o conceito de harmo-nia é definido pela superposição ou justaposição das vozes em umaseqüência. Por exemplo, na programação radiofônica é comum seoptar por uma voz masculina e uma feminina, poír a diferença detimbre entre elas produz uma harmonia estética sígr.ífícatíva. A fun-ção da harmonia com a superposição de diferentes fontes sonoras éuma função denotativa de "relevo acústico", necessária para conotarcredibilidade e verossimilhança na restituição da realidade multipers-pectivista. E é a sucessão de planos sonoros mais ou menos distantesque nos dão a ilusão de um espaço onde se localizam os objetos. É apartir disso que o ouvinte constrói a noção de perspectiva que contri-bui para gerar a impressão de realidade. É preciso lembrar que oouvido não consegue decodificar e reconhecer uma infinidade de in-formações, por isso não adianta produzir grande quantidade de infor-mação com excesso de superposição de fontes sonoras.

Já o ritmo da palavra radiofônica contribui para o ouvinte darordem e proporção às seqüências sonoras, além de proporcionar umprazer estético, podendo ser dividido em três formatos: o ritmo daspausas, o ritmo da melodia e o ritmo da harmonia. O criador de ima-gens sonoras deve recuperar o efeito "mágico" da palavra, que residena sua estrutura musical.

A música radiofônicaA percepção das formas sonoras musicais produz uma multí-

plicidade de sensações e contribui para a criação de imagens auditi-vas. A informação estética da música descreve a relação afetiva denível conotativo do sistema semiótico da linguagem radiofônica. E ouso da música junto com a palavra traz uma harmonia peculiar. A

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música radíofôníca tem duas funções estéticas básicas: expressiva,quando o movimento afetivo da música cria "clímaernocíonal e "at-mosfera" sonora, e descritiva, quando o movimento espacial que de-nota a música descreve uma paisagem, a cena de ação de um relato.A música é imagem no rádio. Com o ritmo e a melodia da música,denota-se movimento e cor, já a harmonia produz a profundidadeespacial (figura/fundo). Associamos uma música a uma determinadaimagem e a um movimento afetivo porque imagens semelhantes jáforam sugeridas por ritmos, melodias e harmonias semelhantes ante-riormente. E como a música é a linguagem da emoção, ela conotauma relação afetiva com o ouvinte.

Os efeitos sonoros do rádioA realidade referencial objetiva é representada no rádio através

dos efeitos sonoros. Durante um tempo os efeitos eram consideradosapenas como "som ambiente", fator de verossimilhança e ambientaçãoobjetiva, com um significado denotativo de produzir a "vísualízaçào"de paisagens sonoras. Mas, sem dúvida, hoje se superou esta visãomeramente descritiva, introduzindo significativas conotações, pois oefeito sonoro é algo mais que um som inarticulado. É preciso diferen-ciar sua diversidade significativa a partir da divisão entre "ambiente"(ruídos, por exemplo, de fábrica, trem) e "atmosfera" (sugere tonalida-de psicológica, por exemplo, de mistério, alegria, tristeza, etc).

Em 1958, a BBC criou um workshop radíofõníco para pesquisar ecriar novas formas sonoras que seriam utilizadas no radiodrama. Em1971, com o desenvolvimento tecnológíco, com o som estereofônico euso de sintetizadores, houve avanço na oficina da BBC que criou umefeito para uma situação sonora não codificada. Denominado como"bloodnock's stornach", este ruído de dez segundos definia o efeitonocivo do consumo de bebida alcoólica no estômago de um persona-gem de um radiodrama inglês. Apartir daí, o som experimentou mági-cas transformações em estúdio e a BBC produziu discos com os efei-tos sonoros mais diversos, utilizados até hoje na maioria dos países.

O sentido conotativo do efeito sonoro será dado pela justaposiçãoou superposição deste com a palavra ou a música. É nesse conjuntoharmônico dos distintos sistemas expressivos da linguagem radíofônícaque se constrói a especificidade significativa do meio. Por exemplo, oefeito sonoro da chuva, pode tanto informar a condição do tempo,como estimular, pela associação de idéias, que o ouvinte construauma imagem de um ambiente subjetivo intimista, solitário. Esta as-sociação convencional se baseia na afetividade suscitada pelo somda chuva nas pessoas com base em arquétipos universais. Assim o

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efeito sonoro transmite, neste exemplo, um movimento afetivo e tem,então, uma função expressiva.

Resumindo, o efeito sonoro tem quatro funções: ambiental, ex-pressiva, narrativa e ornamental. A função narrativa se desenvolvequando o efeito sonoro produz o nexo entre duas cenas da narração.Por exemplo, doze badaladas representando a noite e o canto do galoe dos pássaros, o dia. Assim se produz uma mudança de tempo nar-rativo sem necessidade de palavras. A função ornamental é mais es-tética, dá harmonia ao conjunto e fortalece o envolvimento afetivo doouvinte e sua produção de imagens auditivas.

o silêncio radiofônicoLíngüístícamente, a palavra não tem significado se não puder ser

expressada em seqüências de silêncio/som/silêncio. O som e o silên-cio definem, portanto, de maneira interdependente a linguagem ver-bal. O silêncio também delimita núcleos narrativos e constrói ummovimento afetivo: o silêncio é a língua de todas as fortes paixões,como o amor, o medo, a surpresa, a raiva. Quanto mais intenso for osentimento menos palavras poderão defíní-lo. O silêncio é ainda umelemento distanciador que proporciona a reflexão e contribui para oouvinte adotar uma atitude ativa em sua interpretação da mensa-gem. Mas não se deve esquecer que se a atenção cessa depois de 6 a10 segundos de duração constante de uma mesma forma sonora,sucede o mesmo quando se trata de uma forma não sonora. Ou seja,a partir de uma determinada duração o silêncio atua negativamenteno processo comunicativo.

A montagem radiofônicaCom o desenvolvimento da tecnología é possível cortar e colar o

material sonoro, alterar a qualidade e a natureza da fonte sonora,sua velocidade, entre outros recursos que a montagem radiofônicaproporciona, contribuindo para a criatividade e a intenção comunica-tiva e expressiva do autor da mensagem. O processo técnico de repro-dução sonora do rádio impõe à imagem sonora peculiares "de/forma-ções". A montagem radiofônica "deforma" (por exemplo, ao colocareco, ao cortar, colar e alterar as seqüências de uma mesma sonora,etc,) justamente para reproduzir melhor a realidade radiofônica. Arecriação da realidade conserva seus contornos sonoros, mas cons-trói ao mesmo tempo uma realidade distinta da materialmente real,alterando as dimensões espaciais e temporais.

Amontagem cria um novo conceito de real: a realidade radiofônica.E as características da percepção radiofônica farão com que esta rea-

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lidade radiofônica seja "mais real" que o "real". Por exemplo, um mo-nólogo dramático com uma música ao fundo sugere uma dimensãoexpressiva muito real, provocando reaçôes emotivas no ouvinte, ape-sar desta imagem sonora não pertencer ao âmbito da realidadereferencial, pois é difícil alguém verbalizar seu pensamento quandoestá sozinho, e menos ainda com uma música de fundo que não sur-ge da paisagem sonora natural. Outro exemplo é o barulho da chuvaproduzido no estúdio e contido num disco de efeitos sonoros. Ele émais "verdadeiro" do que a gravação naturalista da chuva.

Nocontexto do relato radiofônico, o som da linguagem radiofônicaé classificado em seqüências, ambientes, perspectivas ou planos so-noros e em "travelling"(ilusão de movimento pela ação combinada dosplanos). E a dimensão do espetacular é dada pela duração não "real"da continuidade, pela perspectiva não natural da paisagem sonoraradiofônica, pelos truques sonoros, etc, fatores que compreendem aação da montagem. A continuidade real e espetacular do veículo écontinuidade dramática, pela qual a imagem sonora projeta sobre oouvinte uma relação afetiva, conseqüência de seu nível de significa-ção conotatívo-símbólíco. Assim pode-se definir a reportagem de rá-dio como "drarnaturgía da realidade" e o rádio-teatro como "drama-turgía da ficção". Por exemplo, numa cobertura esportiva, a narrativaé de suspense e tem como objetivo responder quem ganhará e porquantos gols.

A montagem é ainda responsável pela construção de um repertó-rio de possibilidades significativas que define o nexo ou a união entreas seqüências. Temos também que considerar o ritmo, assim como adialética da originalidade e da redundância tão necessárias para pro-duzir entendimento e interesse sobre a mensagem. Outro questão aser pensada durante a montagem é o número de planos, aconteci-mentos e fontes sonoras por unidade de tempo.

A mensagem no rádio tem uma comunicação funcional, cuja se-mântica gera o intercâmbio de idéias, conceitos e relaçôes entre indi-víduos, mas ao mesmo tempo, surpreende, emociona, excita a sensi-bilidade do ouvínte. Temos aqui, então, a superposição dos níveisdenotativo e conotativo.

Destaques também devem ser dados para a importância do roteiroe para a necessidade da integração harmônica dos diferentes elemen-tos da linguagem radiofônica. Já sobre a significação da mensagem,ressalta -se que ela vem determinada por um conjunto de fatores quecaracterizam o processo de percepção sonoro e imaginativo-visual doouvinte. A percepção é o conhecimento sensorial completo de um ob-jeto. Mas como o ouvinte poderá perceber as possibilidades multísen-

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soriais da realidade referencial através do rádio, se os estímulos queexcitam sua percepção são de uma só natureza? Como perceberá oobjeto audiovisual quando as impressões que recebe são só auditi-vas?

Para responder a estas indagações, é preciso esclarecer que juntoao ato de perceber, no rádio, se impõe também o ato de imaginar. E aimaginação é um sentido interno que nos permite evocar e reproduziras impressões sensoriais e perceptivas na auséncia de seus objetos. Aimaginação no processo de percepção radiofônica é este sentido in-terno que, a partir das sensações auditivas e do conhecimento darealidade referencial que o ouvinte tem por sua capacidade de per-cepção multisensorial, permite construir uma imagem a partir doobjeto sonoro percebido: a imagem auditiva. A imaginação no rádio éa produção de imagens auditivas.

Existe uma relação significativa de causa e efeito entre o meca-nismo de associação de idéias e a percepção de imagens auditivas norádio. A associação de idéias na percepção radiofônica é a resposta aum estímulo auditivo que se insere no processo de comunicação. Doisfatores são determinantes: a memória e a atenção.

Podemos questionar como uma maioria de ouvintes imagina omesmo ou o semelhante a partir de um mesmo estímulo auditivo eafirmar que a maioria imagina segundo o que recorda. A culturaaudiovisual do século XXhomogeneizou e universalizou um arquivode repertório de imagens-memórias comuns aos vários sujeitos deum mesmo contexto cultural. Por isso, mediante a associação de idéi-as, a produção imaginativa dos sujeitos recorre a modelos, arquéti-pos ou estereótipos visuais idênticos ou semelhantes. E, algumas ve-zes, uma mensagem com excessiva originalidade pode causar estra-nheza.

O conhecimento ou familiaridade com o código radiofônico é o fa-tor principal da dinâmica associativa e perceptiva do ouvinte na in-terpretação da mensagem. O código da mensagem é o conjunto deoperações supostamente conhecidas pelo receptor. São exatamente afamiliaridade com o código e a associação de idéias produzida pelosouvintes que acarretam um efeito de empatia e identificação com alinguagem radiofônica. E apesar da linguagem no rádio ser uma re-presentação artificial da realidade, ela provoca uma emocionante eintensa "vívêncía real".

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