A Literatura Em Quadrinhos
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LITERATURA QUADRINHOS
A
EM
FORMANDO LEITORES HOJE
Patrcia Ktia da Costa PinaPatrcia Ktia da Costa Pina
FORMANDO LEITORES HOJE
LITERATURA QUADRINHOS
A
EM
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Patrcia Ktia da Costa Pina
LITERATURA QUADRINHOS
A
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FORMANDO LEITORES HOJEFORMANDO LEITORES HOJE
LITERATURA QUADRINHOS
A
EM
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Dialogarts PublicaesRua So Francisco Xavier, 524, sala 11.017 - A (anexo) Maracan - Rio de Janeiro CEP 20 569-900 www.dialogarts.uerj.br
Conselho Editorial
Estudos Lingusticos Estudos LiterriosDarcilia Simes (UERJ) Flavio Garca (UERJ)Kanavillil Rajagopalan (UNICAMP) Karin Volobuef (UNESP)Maria do Socorro Arago (UFPB/ UFCE) Marisa Martins Gama-Khalil (UFU)Conselho Consultivo
Estudos Lingusticos Estudos LiterriosAlexandre do Amaral Ribeiro (UERJ) Dale Knickerbocker(ECU, Estados Unidos da Amrica)Carmem Lucia Pereira Praxedes (UERJ) David Roas (UAB, Espanha)Helena Valentim (UNL, Portugal) Jane Fraga Tutikian (UFRGS)Lucia Santaella (PUC-SP) Jlio Frana (UERJ)Maria Aparecida Barbosa (USP) Magali Moura (UERJ)Maria Suzett Biembengut Santade(FIMI/FMPFM) Mrcio Ricardo Coelho Muniz (UFBA)Massimo Leone (UNITO, Itlia) Maria Cristina Batalha (UERJ)Paulo Osrio (UBI, Portugal) Maria Joo Simes (UC, Portugal)Roberval Teixeira e Silva (UMAC, China) Patrcia Ktia da Costa Pina (UNEB)Rui Ramos (Uminho, Portugal) Regina da Costa da Silveira(UniRitter)Slvio Ribeiro da Silva (UFG) Rita Diogo (UERJ)Tania Shepherd (UERJ) Susana Reisz (PUC, Per)
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ReitorRicardo Vieiralves de CastroVice-ReitorPaulo Roberto Volpato DiasSub-Reitora de GraduaoLen Medeiros de MenezesSub-Reitora de Ps-Graduao e PesquisaMonica da Costa Pereira Lavalle HeilbronSub-Reitora de Extenso e CulturaRegina Lcia Monteiro HenriquesDiretor do Centro de Educao e HumanidadesGlauber Almeida de LemosDiretora do Instituto de LetrasMaria Alice Gonalves AntunesVice-Diretora do Instituto de LetrasTania Mara Gasto SalisCoordenadora do Dialogarts PublicaesDarclia Marindir Pinto SimesCo-Coordenador do Dialogarts PublicaesFlavio Garca
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Copyright @ 2014 - Patrcia Ktia da Costa PinaTtulo:Literatura em Quadrinhos Formando Leitores HojePreparao de originais:Equipe LABSEM - Laboratrio Multidiciplinar e Multiusurio de SemiticaReviso:Flavia Fernandes Reis PestanaPriscilla Morandi do NascimentoTatiane Ludegards dos Santos MagalhesCapa e diagramao:Raphael Fernandes
FICHA CATALOGRFICAA Literatura em Quadrinhos Formando Leitores Hoje; Patrcia Ktia da Costa PinaRio de Janeiro: Dialogarts, 2014.90p.ISBN 978-85-8199-026-21. Literatura em quadrinhos. 2. Adaptaes literrias. 3. Formao de leites. 4. Ensino. I. Pina, Patrcia Ktia da Costa. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. III. Departamento de Extenso. IV. Ttulo.
P028.5l
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A minha me, Eny Luiz da Costa, com muito amor!
Aos meus avs, Abel Luiz da Costa e Maria da Penha Nunes da Costa, a minha
bisav, Maria de Souza Lima, aos meus tios, Zilda Costa Raposo e Manoel
Mathias Raposo, a minha madrinha, Leny Raposo Pacheco, in memoriam,
com saudade e gratido!
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ApresenTao
1. LiTeraTura na escola
1.1 . LiTeraTura se ensina?
1.2. Os clssicos fora De seu Tempo
2. ADapTaes liTerrias e ensino De LiTeraTura
3. Como ler a LiTeraTura em QuaDrinhos
3.1 . As cores: senTiDos e provocaes
3.2. De Traos e Tramas se consTroem leiTores
4. LiTeraTura em QuaDrinhos na sala De aula: moDos De usar
O papo esT Bom, mas.. .
SugesTes De leiTura e navegao
BiBliograFia
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ApresenTao
Sou uma apaixonada por quadrinhos. Tenho uma foto, de quando
tinha vinte meses de idade, lendo um gibi do Z Carioca.
Fui muito sortuda: embora meus avs tenham tido pouca
escolaridade, acreditavam no estudo, na leitura. Minha me, meus
avs, meus tios, minha bisav, minha madrinha, estavam sempre lendo.
Minha me e minha madrinha liam best-seller, estavam sempre
por dentro dos livros mais vendidos, trocavam livros entre si. E eu, j
grandinha, beliscava um pouco do que elas liam.
Minha bisav e minha tia Zilda tinham a hora da leitura, logo aps
o almoo. Quando eu ficava na casa delas, sempre tinha um colchonete
ao lado da cama, para que cada uma lesse o seu livro, o seu gibi, a sua
revista. Depois, contvamos uma para outra o que havamos lido.
Meu av e minha av liam textos religiosos, revistas. Mais tarde,
quando eu j estava lecionando, minha av lia comigo os paradidticos
que eu ganhava das editoras e me ajudava a escolher os mais
interessantes para minhas turmas.
Nunca fui censurada em minhas leituras. Quando criana, minha
mesada ficava nas bancas de jornais: comprava gibis, livrinhos,
revistas. Tive um amigo de infncia Mazzoli que era rato de leitura
como eu. Sempre dvamos um jeito de tirar da biblioteca da escola
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meu querido Colgio Metropolitano os livros destinados aos alunos
mais velhos. Lamos e conversvamos muito sobre as obras.
Na adolescncia, meu grupinho de amigas sempre dava livro de
presente. Depois trocvamos. Quando jovem, fazendo graduao,
todo dinheiro que caa em minhas mos tinha destino certo: livrarias
e bancas de jornais.
Hoje, quase na hora de me aposentar, continuo lendo muito.
E continuo apaixonada por gibis. Acabei de ganhar do amigo Paulo
Cezar um gibi de oitocentas pginas.
E, como sempre gostei de partilhar minhas ideias, meus prazeres,
desenvolvo uma srie de aes de pesquisa e extenso no Departamento
de Cincias Humanas, Campus VI (Caetit, Bahia), da Universidade
do Estado da Bahia, todas voltadas para a formao de leitores e de
mediadores de leitura a maioria ligada aos quadrinhos.
Compreendo que hoje a literatura mais uma obrigao escolar
que uma escolha de lazer. Mas os gibis so uma opo de leitura por
prazer. Quando descobri a Literatura em Quadrinhos, percebi que seria
possvel reinventar a leitura, casando diverso e conhecimento literrio.
J escrevi muitos artigos, captulos de livros e um livro inteiro
dedicado a essa pesquisa. Ministro muitas oficinas em Caetit e em
municpios prximos, mostrando a professores do Ensino Bsico e a
estudantes de diferentes nveis como podemos ler e criar tradues de
textos literrios para quadrinhos.
Neste livro, quero me dirigir a vocs, professores, que militam nas
salas de aula de todo o Brasil, e a vocs, estudantes, que ainda no
descobriram que ler uma das melhores coisas da vida. Quero que
vocs aprendam a gostar de ler, atravs da Literatura em Quadrinhos.
Escolhi estudar seis adaptaes quadrinsticas de obras cannicas,
que esto muito afastadas do mundo em que as crianas e os jovens de
hoje vivem, mas que, no processo de quadrinizao, so reinventadas
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com muita criatividade e talento por desenhistas, roteiristas, coloristas
brasileiros artistas fantsticos, que produzem suas obras com muita
paixo e competncia. Nesse estudo, observo como as cores e os traos
escolhidos pelos adaptadores podem funcionar como instrumentos de
formao do gosto pela leitura instrumentos de formao de leitores.
Espero que vocs gostem.
Meu e-mail [email protected]. Podem me escrever,
para conversarmos sobre leitura, quadrinhos, literatura, para darem
sugestes, depoimentos e para mandarem suas quadrinizaes tenho
certeza de que faro algumas.
Patrcia Ktia da costa Pina
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A Literatura Em Quadrinhos Formando Leitores Hoje
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1 . LiTeraTura na escola
Talvez no haja na nossa infncia dias que tenhamos vivido to plenamente como aqueles que pensamos ter deixado passar sem viv-los, aqueles que passamos na companhia de um livro preferido. (PROUST, 2011, p. 9)
Em 1905, Marcel Proust, grande escritor francs, publicou um
texto acerca da importncia da leitura em sua vida desse texto tirei a
epgrafe. Quero conversar com vocs sobre um aspecto que se destaca
no trecho acima: Proust mostra a leitura como algo, simultaneamente,
alheio vida e construtor de experincias inesquecveis.
Quando lemos um bom livro, parece que no estamos fazendo
nada, que no estamos vivendo. Muitos professores afirmam, nas
vrias oficinas que venho ministrando, que no tm tempo para ler
textos diferentes daqueles que trabalharo em sala de aula. Vrios
estudantes, tambm nessas oficinas, declaram que no tm dinheiro
para comprar livros e que no tm tempo para ler obras inteiras, nem
as que os professores solicitam.
Tempo e dinheiro so fatores que realmente interferem na
construo do prazer de ler. Mas a leitura hoje no depende tanto assim
de muitas horas livres, nem de verba extra para a compra de livros. A
web ajuda muito: pelo computador da escola ou em uma lan house,
podemos baixar gratuitamente obras completas que so de domnio
pblico, ou apenas poemas, contos, crnicas, textos dramticos.
Blogs, pginas do Facebook, sites poticos, sempre disponibilizam,
gratuitamente, aquilo que chamo de plulas poticas: pequenos
textos, de leitura rpida, para deleite e reflexo.
O que falta , na verdade, que professores e estudantes percebam
que, quando lemos, estamos criando vivncias afetivas muito fortes,
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Patrcia Ktia da Costa Pina
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que podem nos transformar e mudar nossa forma de ver o mundo a
nossa volta. Eliana Yunes, uma das maiores pesquisadoras brasileiras
sobre leitura, e uma apaixonada pela literatura, afirma:
[...]
a leitura como a memria, uma prtica que
dribla o esquecimento e provoca o discreto,
e ainda contribui para imprimirmos uma marca
pessoal e poltica a nossos atos e qualidade
nossa assinatura. (YUNES, 2009, p. 26)
A leitura da literatura, quando feita prazerosamente, em exerccio
de liberdade imaginativa, produz um vnculo emocional forte entre o
leitor e o texto. De certa forma, a leitura de um bom poema, conto
ou romance pode fazer com que o leitor traga para si caractersticas e
experincias que jamais poderia ter, no fosse a leitura. Isso enriquece
a identidade do leitor e lhe confere uma nova assinatura, isto , mais
autonomia, mais confiana, mais criticidade.
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A Literatura Em Quadrinhos Formando Leitores Hoje
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COMO FAZER ISSO NA ESCOLA?
O trabalho escolar com a literatura apoia-se,
normalmente, no livro didtico.
Neste, certamente, a prioridade est na
sistematizao dos contedos.
Isso faz com que o texto literrio seja fragmentado
e, em geral, usado para discusses superficiais ou,
ainda, para estudo gramatical.
muito importante que se construa uma cumplicidade entre
professores e alunos, para que a literatura se torne, outra vez, um
instrumento de formao de leitores, de formao do gosto pela
leitura. Nesse processo, o professor, por ser mais experiente, precisa
desenvolver estratgias que aproximem o estudante do texto.
O livro didtico, o Tablet, a lousa virtual, enfim, os muitos suportes e
as diferentes e novas tecnologias no so autossuficientes. Ao professor
cabe, primeiramente, apropriar-se das estratgias desses instrumentos
de ensino, para, em seguida, construir tticas que faam com que esses
suportes interajam com os estudantes.
Isso significa que no se forma leitor entregando um livro ao aluno,
abrindo simplesmente as portas da biblioteca ou dando o endereo
de algum espao virtual de livros gratuitos. A formao do leitor e o
ensino da literatura dependem da seduo.
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Patrcia Ktia da Costa Pina
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Como seduzir uma criana ou um jovem para a leitura literria
hoje? Os estudantes pertencem a um universo muitas vezes negado
por ns em que as sociabilidades so rpidas e fragmentadas: ler
um livro de duzentas pginas implica abrir mo de jogos, esportes,
namoro, filmes - tudo o que o jovem considera diverso.
A escola em geral no d o exemplo: para a escola a leitura no
prazer e entretenimento, dever, obrigao, s vezes, punio. Urge
mudarmos essa conjuntura.
1 . 1 . LiTeraTura se ensina?[...] aprendemos a ler literatura do mesmo modo como aprendemos tudo mais, isto , ningum nasce sabendo ler literatura. [...]. O segredo maior da literatura justamente o envolvimento nico que ela nos proporciona em um mundo feito de palavras. O conhecimento de como esse mundo articulado, como ele age sobre ns, no eliminar seu poder, antes o fortalecer porque estar apoiado no conhecimento que ilumina [...]. (COSSON,, 2009, p. 29)
No livro Letramento literrio, Cosson aponta que no basta
ser alfabetizado para ser um leitor literrio. No trecho destacado
na epgrafe, ele ressalta que a leitura literria exige um processo
de ensino-aprendizagem. Conhecer as artimanhas da linguagem
literria requisito bsico para que um indivduo se torne um
leitor de literatura.
A partir do sculo XVIII, com o fortalecimento da famlia burguesa,
a escolarizao das crianas e dos jovens tornou-se prioridade.
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A Literatura Em Quadrinhos Formando Leitores Hoje
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A infncia, construda como conceito nessa poca, demandava um
olhar diferenciado: fazia-se necessrio educar os pequenos, para
que se apropriassem das tradies, preservando-as e para que se
transformassem em cidados produtivos.
Mas a educao de meninos e meninas era diferenciada. Os
primeiros, direcionados naturalmente para o trabalho fora de
casa, gerando renda, eram educados nas cincias, na matemtica, na
filosofia, na histria. As meninas, responsveis lgicas pelos futuros
maridos e filhos, eram preparadas para as prendas domsticas e de
salo: aprendiam lnguas, msica, bordado etc.
Certamente, estou me referindo s crianas das famlias abastadas.
Entre as famlias com menor gerao de renda, as distines de gnero
se agravavam: meninos aprendiam a ler e a fazer contas e meninas no
podiam ser alfabetizadas, quer por restries financeiras familiares,
quer por preconceitos morais e religiosos, quer por serem obrigadas a
trabalhar com a me desde tenra idade.
As primeiras escolas particulares no mundo ocidental cristalizaram
essas diferenas. A literatura foi um dos elos dessa corrente. Os meninos
estudavam os clssicos em grego e latim, memorizavam poemas picos,
odes, sonetos. Conheciam a cultura dos pases que geravam as melhores
obras literrias da humanidade: dominavam o cnone.
As meninas aprendiam alguns poemas, especialmente sonetos,
conheciam os textos mais fceis, de temtica leve. Eram instrudas
em um pouco de histria, geografia, raspas de filosofia, apenas para
enfeitarem os sales.
De uma forma ou de outra, a escola, no sculo XVIII e no
XIX, formava uma elite de leitores (PINA, 2002; 2012). Os homens
levavam as melhores citaes das obras mais difceis para seus
discursos polticos, seus sermes, suas conferncias e alguns
eventuais artigos para os peridicos da poca. As mulheres
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Patrcia Ktia da Costa Pina
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prendadas demonstravam inteligncia e delicadeza recitando
poemas em saraus e festas particulares.
Esses foram os primeiros leitores do ocidente. No Brasil,
com algumas peculiaridades, a situao a mesma. O problema
educacional brasileiro que a elitizao da escola permaneceu
por muito tempo.
Na poca colonial, a metrpole proibia a implantao de tipografias
no Brasil e a educao era, prioritariamente, de cunho religioso e
destinada s elites. Aps a Independncia, pouca coisa mudou: havia
pouqussimas escolas, sempre particulares e acessveis a uma minoria
privilegiada; havia, por outro lado, um imenso contingente de
analfabetos, indivduos excludos do mundo letrado (PINA, 2002).
Os intelectuais brasileiros, que viram nascer o pas independente,
clamavam por uma independncia cultural era preciso alfabetizar o
povo, torn-lo consumidor de bens culturais impressos, inseri-lo no
mercado capitalista que ensaiava seus primeiros passos nestas terras e,
certamente, inseri-lo nos meandros polticos do Imprio.
O sculo XIX brasileiro testemunhou o surgimento da imprensa,
com muitas tipografias, algumas de fundo de quintal; peridicos de
vida efmera, outros que duraram dcadas, e diferentes segmentos
leitores. Comearam a surgir escolas gratuitas. No nordeste, no final do
sculo, havia escolas profissionais noturnas, visando incluir no mundo
letrado e capitalista os operrios de origem pobre (PINA, 2002).
Essas iniciativas desdobraram-se Brasil afora. Embora louvveis,
esbarravam, no entanto, em um problema bsico: a educao era
pensada em parmetros humanistas, preservacionistas das relaes
sociais burguesas e capitalistas.
A escola trazia padres curriculares que impunham os valores dos
dominadores aos dominados. Entre os sculos XIX e XX, a educao em
geral buscava tirar o indivduo do que se considerava ser uma ignorncia
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completa, uma egueira, levando-o para o mundo do saber elevado,
letrado e erudito, cujas prticas nada tinham a ver com aquelas das
populaes silenciadas pela antiga escravido, pela misria, pela fome.
A democratizao do ensino foi, paradoxalmente, um instrumento
constante de excluso, de discriminao. Nesse contexto, a literatura
era ensinada como estratgia de dominao.
Os estudantes precisavam memorizar os diferentes estilos de poca,
seus principais autores e as principais obras de cada um. Dominavam
as tcnicas retricas de composio literria. Aprendiam a separar o
joio do trigo na literatura: autor/obra bons; autor/obras fracos.
No aprendiam a ler criticamente. No eram instrumentalizados
para perceber os valores escondidos nesse processo de
hierarquizao e excluso.
No correr do sculo XX, talvez graas irreverncia de Emlia, a
bonequinha de macela costurada com trapos velhos por Tia Nastcia,
ambas personagens de Monteiro Lobato, a literatura foi ganhando, na
escola e na famlia, o perigoso lugar de prazer e entretenimento, que
tinha antes da revoluo burguesa.
Talvez no seja possvel ensinarmos literatura, mas uma boa
mediao de leitura fundamental para formar leitores em todas as
idades: na sala de aula ou em casa, ou entre amigos, a leitura literria,
principalmente, se constri por um processo de descoberta interior
e contextual que se apropria do leitor a partir do ato de ler. Isso
assustador para as crianas e para os jovens: eles se reconhecem, positiva
ou negativamente, em situaes e personagens. Caso no tenham uma
efetiva orientao nesse relacionamento com a obra lida, podem se
perder como leitores e como sujeitos de seu estar no mundo.
Os professores mediadores de leitura, tambm eles leitores, podem
relativizar o medo desse desconhecido que o texto, o livro, pelo
estmulo ao conhecimento de si e do outro que ele pode proporcionar.
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Patrcia Ktia da Costa Pina
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Nas sociedades antigas, as crianas eram treinadas
para manter as tradies familiares e comunitrias.
Hoje, as fraturas do mundo contemporneo jogam as
crianas e os jovens no domnio do desconhecido
nesse ambiente, a intimidade necessria para a leitura,
especialmente a literria, fica deslocada, torna-se
inadequada. Embora o senso comum veja a literatura
na perspectiva do conhecimento escolar, seu carter
esttico pode torn-la desafiadora.
A escolarizao da literatura esbarra na heterogeneidade que
constitui o universo contido na sala de aula. O professor precisa
lidar com pequenos indivduos, cujas subjetividades trazem marcas
desconhecidas e, muitas vezes, contrrias. E sua tarefa levar para esses
grupos algo que lhes completamente estranho e indiferente.
Os estudantes vm de famlias distintas, com hbitos e valores
diversos. Muitas vezes, moram em bairros distantes, frequentam
igrejas, clubes, associaes variadas. preciso sempre levar em
considerao que as obras literrias indicadas pela escola no foram
escritas pensando nessas diferenas, necessariamente.
Em geral, principalmente no nvel mdio, as obras so escolhidas
tendo em vista os vestibulares. Por isso os estudantes encontram tantas
dificuldades para ler os poemas, contos, textos dramticos e romances
que os professores propem.
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A Literatura Em Quadrinhos Formando Leitores Hoje
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Tais grupos so classificados coletivamente e as peculiaridades
individuais desaparecem. As habilidades e competncias dos indivduos
s so valorizadas quando ratificam o sistema vigente.
Nas muitas oficinas que venho ministrando no interior da Bahia,
para professores e alunos do Ensino Bsico, me deparo com algumas
reclamaes que se repetem: os livros didticos representam situaes
e obras pouco ou nada prximas do cotidiano local, as imposies
curriculares desconsideram as regionalidades etc.
Como ensinar literatura uma linguagem artstica sem uma relao
mais ntima entre o contedo a ser trabalhado e o repertrio mesmo
que fraco, na perspectiva dominante dos saberes dos estudantes?
Tendo suas marcas pessoais desconsideradas, esses possveis leitores so
guiados para alcanar os sentidos previstos na obra, no aqueles que
eles podem produzir, agenciando suas pertenas histricas e culturais.
Quando no alcanam esses resultados divinatrios, so excludos
pelas notas e comentrios e no se sentem competentes para ler.
No se consideram bons leitores, no se compreendem capazes
de interagir com o texto, porque acreditam que em cada texto,
principalmente nos textos literrios, h uma voz maior, que subjuga
todas as outras. Essa voz dominante silencia suas vozes dominadas. E
ns concordamos com eles e explicitamos isso cada vez que pedimos
que nos informem o que o autor quis dizer no conto, no romance,
no poema, na reportagem, na carta, ou quando exigimos uma resposta
predeterminada por expectativas concretizadas em gabaritos ou em
comportamentos padronizados.
Frequentemente, nessa mal-arranjada mediao, esquecemo-nos
de perguntar o que eles querem dizer ao objeto lido. E quase nunca
informamos a nossos sujeitos de trabalho (embora os tenhamos como
objetos) que eles podem conversar com o texto (qualquer que ele seja),
podem doar suas vozes e suas experincias de vida quilo que leem.
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Patrcia Ktia da Costa Pina
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claro que essa experincia de escuta desestabiliza o lugar de autoridade
do professor. Pode surgir o inesperado, o desconhecido, e como o docente
vai lidar com isso, sem demonstrar desconhecimento ou fraqueza?
Mas exatamente essa fragilizao coletiva que pode revelar e
relacionar as ricas individualidades que interagem em cada sala de
aula do pas. Para isso a literatura serve: para nos tirar o cho, nos
roubar as certezas, nos expor como meninas e meninos que no
sabem tudo, como eternos aprendentes.
Ento, literatura se ensina, sim, mas no na perspectiva
tradicional, cristalizada nos livros didticos. Literatura se ensina
como se ensina a viver: experimentando.
No importa tanto assim o perodo literrio, suas caractersticas,
melhores autores, melhores obras. Importa relacionar esses
conhecimentos histria de cada poca, cultura de cada lugar,
levando o estudante a refletir sobre questes transversais, sempre
discutidas nas melhores obras literrias da humanidade. Para ensinar
literatura, preciso ler literatura.
Os professores precisam se formar leitores literrios para que possam
discutir os textos propostos em toda a sua potencialidade significativa.
Ensinar literatura ensinar a ler o mundo e a vida. Para aprendermos a
viver, precisamos viver! Para gostarmos de ler, precisamos ler!
1 .2. Os clssicos fora De seu TempoLer significar e, ao mesmo tempo, tornar-se significante. (YUNES, 2009, p. 35)
A leitura precisa ser significativa para o estudante. Em uma de
minhas oficinas, abordei esse tema: trabalhei um conto de Guimares
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Rosa Fita Verde no Cabelo. Fiz a leitura conjunta e orientada do
texto, discuti alguns elementos criados por Rosa, como a cor da fita,
o encontro da menina com trabalhadores, o n da fita que se desata.
Solicitei ao grupo que apontasse semelhanas e diferenas com
a narrativa tradicional Chapeuzinho Vermelho. A discusso foi
muito interessante. Pedi, ento, que me dissessem em que srie/
ano do Ensino Bsico trabalhariam o texto. As respostas foram
muito variadas: alguns disseram que levariam para crianas de sete
a oito anos; outros, para pr-adolescentes.
Perguntei por que no levariam o conto para estudantes do
nvel mdio. O silncio foi total. Devem ter pensado que eu estava
afastada desse nvel de ensino h muito tempo, por isso fazia uma
pergunta to ociosa.
Lancei, ento, outras perguntas: que livros literrios indicavam
para as sries finais do Ensino Fundamental? E ainda: quais eram
trabalhados no primeiro e no segundo ano do Ensino Mdio?
Fiquei estarrecida: uma estudante de stima srie, cujo
professor estava presente um jovem, muito bem conceituado na
cidade quanto ao exerccio da profisso , disse que fora obrigada
a ler O cortio, de Alusio Azevedo. Antes que eu discutisse o caso,
o professor tentou se defender, afirmando que as escolas exigiam
esse tipo de leitura e que ele queria formar o gosto pela leitura
literria entre seus alunos.
A discusso foi farta e frtil. A obra clssica brasileira citada pela
estudante faz parte do programa escolar, com certeza. Mas adequada
para a faixa etria dos treze ou catorze anos?
No discuto questes morais. Refiro-me complexidade do
texto em foco. Trata-se de uma obra de forte cunho ideolgico, cujo
teor crtico incide sobre a sociedade brasileira que fechava o sculo
XIX, num processo cruel de capitalizao e excluso de minorias,
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supostamente menos capacitadas para uma contribuio visvel com
o progresso urbano e nacional.
O que jovens na stima srie conhecem do processo poltico e
econmico do Brasil na Primeira Repblica? Como podem produzir
sentido para o uso do corpo como instrumento de sobrevivncia caso
de Rita Baiana e Pombinha? Como podem dar significao s lutas entre
os malandros cariocas e o portugus? Como podem atribuir sentido
para a morte de Bertoleza?
bastante louvvel que as escolas e os professores queiram iniciar
os estudantes, desde idades tenras, no prazer da leitura, mas isso exige
adequao entre texto oferecido e leitor disponvel. Embora bem
intencionada, a ao docente do jovem professor que se multiplica
em muitas escolas do pas , em lugar de dar ao jovem o prazer de
ler, rouba-lhe a oportunidade de encontrar na leitura literria um
instrumento para a (re)inveno de si, para o conhecimento do mundo
em que vive, para a experimentao criativa dessa arte.
Para mediarmos a contento o ato de ler fundamental
que saibamos que a literatura mais que papel, tinta,
palavra ela Vida, experincia. No basta mostrarmos
como o tema construdo na obra, necessrio que o
discutamos, buscando as vivncias e o repertrio dos
alunos, atualizando-o por comparaes com fatos
cotidianos e contemporneos: a reside o prazer esttico,
chave para um bem- sucedido ato de leitura.
Para despertar o prazer da leitura, o mediador precisa construir no
outro uma incompletude permanente, que o faa buscar na palavra
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A Literatura Em Quadrinhos Formando Leitores Hoje
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ou na imagem impressa uma variao de si capaz de satisfaz-lo
apenas temporariamente. Esse jogo de esvaziar-se de si e preencher-
se de alteridades diferenciadas deve se refazer sistematicamente. E
isso depende sempre da mediao.
Ao mediador de leitura cabe construir as pontes da provocao, no
buscando respostas prontas e emblemticas para questes superficiais,
mas refletindo e fazendo seu outro refletir sobre a tessitura verbal e
imagtica que engendra cada obra impressa e suas relaes intra e
extratextuais, sempre tendo como referncia que no h o sentido
certo para o texto a significao textual histrica, no mnimo.
No sculo XXI, momento de mudanas e inovaes rpidas e radicais,
no qual a tecnologia prepondera, simplesmente impor a leitura de
clssicos nas escolas brasileiras uma situao de risco. Aqueles volumes
que os estudantes da dcada de 1960 liam, como eu lia, exigindo na
leitura isolamento, silncio respeito , volumes que emprestavam
distino e dignidade aos leitores, no trazem naturalmente esses
significados para o sculo atual.
As antigas estantes de livros, que tanto seduziram Liesel,
personagem principal de A menina que roubava livros, de M. Zusak,
e que encantaram a Emlia, de Monteiro Lobato, e tantas outras
personagens ficcionais e da vida cotidiana, como esta que vos escreve,
cederam lugar aos espaos de armazenamento de e-books, aos pen
drives, aos arquivos de notebook etc. As longas tardes, aps o almoo,
em que crianas e jovens liam romances de aventura, de amor, romances
histricos, esto muito distantes no tempo e na cultura.
Os clssicos s ganham o corao, a mente e a ateno dos pequenos
e mdios leitores, hoje, quando so (re)lidos pelo cinema, pela TV e,
claro, pelos quadrinhos. Se a leitura de O cortio, em sua forma-fonte,
difcil para um estudante de stima srie, sua traduo quadrinstica
pode virar o jogo.
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A Literatura Em Quadrinhos Formando Leitores Hoje
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2. ADapTaes liTerrias e ensino De liTeraTuraObras traduzidas ou adaptadas exercem importante funo tanto na formao quanto no entretenimento do leitor jovem. (CADEMARTORI, 2009, p. 68)
A perspectiva tradicional e livresca dos estudos acerca da leitura
literria e da formao de leitores define a originalidade artstica como
o maior valor para o objeto a ser lido e o domnio das especificidades
da linguagem potica, narrativa ou dramtica, como a habilidade
leitora por excelncia. Tradues vistas como traies e adaptaes
relegadas marginalidade do no artstico so lugar-comum no
discurso acadmico-cientfico sobre o tema. Na Escola Bsica, no
entanto, essas releituras dos clssicos nem sempre so malvistas, mas,
muitas vezes, so abordadas numa perspectiva de substituio: os
professores permitem que os estudantes assistam aos filmes em
lugar de lerem os livros, por exemplo.
A discusso pode ir mais longe: a questo da originalidade literria
parece-me dizer respeito a uma forma de concepo da literatura
como linguagem admica, no representativa, desvinculada de
uma relao imediata com o mundo, qual apenas iniciados teriam
acesso, a fim de no corromp-la com intervenes pessoalizadoras.
Nesse sentido, uma adaptao ou uma traduo implicariam a
cristalizao de uma diferena, que estaria ligada imposio de
uma subjetividade outra subjetividade primeira o tradutor precisa
levar a obra para pertencimentos culturais diferentes, tornando-a
legvel; o adaptador reinventa a obra, aproximando-a de outras
pocas, culturas, de variados grupos leitores.
No pretendo, aqui, discutir concepes de literatura. Quero apenas
situ-lo, leitor, no espao intervalar que abriga este livro: ocupo-me de
adaptaes literrias para quadrinhos em seu potencial de formao
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Patrcia Ktia da Costa Pina
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de leitores, de criao do prazer de ler, de estmulo vontade de lidar
com o impresso, a partir, exatamente, do hibridismo de sua linguagem.
Isso significa afirmar que no vou me dedicar formao especfica do
leitor nem pela literatura, nem pelos quadrinhos.
A Literatura em Quadrinhos uma forma de produo artstica
que se expe como intervalar, pois em sua prpria denominao
conjuga duas linguagens originalmente polarizadas. A literatura
pertenceu, desde a Antiguidade Clssica, quando ainda era poesia
e primava pela oralidade, aos segmentos sociais privilegiados,
sendo partilhada mais amplamente em momentos pontuais e, mais
recentemente, com a constituio da famlia burguesa e com a
preocupao acerca da educao para todos. Os quadrinhos so
fruto da sociedade capitalista, industrial, representando a perda da
aura a que Benjamin (1985, p.168-169) se refere:
[...] o que se atrofia na era da reprodutibilidade tcnica da
obra de arte sua aura. Esse processo sintomtico, e sua
significao vai muito alm da esfera da arte. Generalizando,
podemos dizer que a tcnica da reproduo destaca do
domnio da tradio o objeto reproduzido. Na medida em que
ela multiplica a reproduo, substitui a existncia nica da
obra por uma existncia serial. [grifo do autor]
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A Literatura Em Quadrinhos Formando Leitores Hoje
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As obras poticas, narrativas e dramticas, mesmo sendo
publicadas inmeras vezes e em variadas edies, direcionadas a
pblicos diferenciados, mantm-se as mesmas. A reproduo grfica,
dependendo dos protocolos de edio, pode, certamente, afetar
de alguma maneira o texto, mas, em geral, ele preservado em sua
integridade original (CHARTIER, 1996, p. 96). As edies podem agregar
valores e sentidos, mas no alteram a palavra impressa, a menos que se
assumam como adaptaes, resumos, tradues.
Quando ocorre um processo de traduo, os sujeitos nele
envolvidos recriam o texto literrio, de acordo com suas perspectivas.
No caso das tradues quadrinsticas, foco deste livro, geralmente
a adaptao mltipla: h roteiristas, desenhistas, coloristas etc.
Alguns volumes apresentam somente um adaptador, outros trazem
um grupo, sem nomeao especfica. Isso importa muito, pois
mostra ao mediador de leitura ou ao leitor quantas possveis vozes e
individualidades dialogam no texto adaptado.
O problema que cerca, na contemporaneidade, a literatura,
especialmente a cannica, que por sua linguagem, por seus
pertencimentos histricos e culturais, as obras esto distantes do universo
tecnolgico, visual e informatizado que cerca as crianas e os jovens.
Seus repertrios no so criados a partir das peas de Shakespeare, ou
dos poemas de Cames, ou dos romances e contos de Jos de Alencar,
Machado de Assis, Lima Barreto: so, sim, criados a partir de novelas de
TV, filmes, gibis, games, chat, blogs, sites da internet etc. Assim, a leitura
da palavra literria fica cada vez mais rara e ociosa!
As Histrias em Quadrinhos partilham com a literatura algumas
peculiaridades de linguagem: so ficcionais, logo, trabalham
com personagens, ambiente/espao, tempo, narrador, foco
narrativo etc. Mas esses elementos partilhados so traduzidos
para o hibridismo da linguagem quadrinstica: so construdos
visualmente, com algum apoio do verbal.
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Patrcia Ktia da Costa Pina
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[...] a interligao do texto com a imagem
existente nas histrias em quadrinhos, amplia
a compreenso de conceitos de uma forma
que qualquer um dos cdigos, isoladamente,
teria dificuldades para atingir. Na medida em
que essa interligao texto/imagem ocorre
nos quadrinhos com uma dinmica prpria e
complementar, representa muito mais do que
o simples acrscimo de uma linguagem a outra
como acontece, por exemplo, nos livros
ilustrados , mas a criao de um novo nvel de
comunicao [...]. ( VERGUEIRO,2009,p. 22)
O trecho citado foi retirado de um texto que reflete acerca da
importncia dos quadrinhos na educao. Destaquei-o por ressaltar
a natureza hbrida da linguagem quadrinstica e por apontar, com
valorao diferenciada, para a grande liquidao cultural (BENJAMIN,
1985, p. 169) que caracteriza os ltimos cem anos no mundo ocidental.
Se antes dessa industrializao dos bens culturais a literatura, como as
demais formas de arte, tinha um pblico restrito e definido socialmente,
aps as inovaes tecnolgicas, com novos recursos sendo amalgamados
s tcnicas tradicionais, diferentes pblicos, com nveis variados de
repertrio, se viram inseridos no mercado simblico da cultura.
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A Literatura Em Quadrinhos Formando Leitores Hoje
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Essa linha de raciocnio me leva de volta s oficinas que venho
ministrando. Nos cursos de Letras, somos treinados para dominar
contedo, transmiti-lo, sem atentarmos para diferenas culturais e
histricas. No nos ensinam que cada turma nica, que cada aluno
uma pessoa. Somos cobrados para que atinjamos os mesmos objetivos
em todas as turmas da mesma srie, da mesma forma. O livro didtico
corrobora esse constrangimento.
No entanto, no cotidiano escolar, ns, professores, nos deparamos
com realidades dspares, quando nos movemos de uma sala de aula
para outra. Em nossas reunies do Programa Institucional de Bolsa
de Iniciao Docncia (PIBID) Letras Vernculas, do Departamento
de Cincias Humanas VI, da UNEB, discutimos intensamente essas
questes. Em cada turma, h um grupo heterogneo entre si. Como
podemos trabalhar os mesmos contedos, com as mesmas estratgias?
No entanto, isso exigido do professor, sob pena de ele sonegar
conhecimento ao estudante.
Mas o caminho no esse. O professor deve poder adaptar seu
trabalho para as diferentes realidades que vivencia.
No que tange literatura, precisamos traz-la para o mundo
contemporneo. As mudanas econmico-sociais a que me referi
acima deram visibilidade ao leitor, antes considerado um fruidor
artstico, agora percebido como um consumidor. Consumidores tanto
apresentam perfis individuais, como coletivos. A Educao entra nesse
mercado. A formao de leitores tambm.
Os bens culturais demandam quem os faa circular: o sujeito desse
mercado no exatamente o criador, mas quem se apropria do objeto
criado. Esse indivduo v o mundo que o cerca com a tica que constri
em si e que interage com a viso de mundo de sua poca e de seu lugar.
Certamente, quem cria o livro, o filme, a msica, entre outros
bens simblicos, tem histria pessoal, pertence a um espao e a um
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Patrcia Ktia da Costa Pina
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tempo especficos e sua criao respira esses pertencimentos. Mas,
as novas prticas culturais, viabilizadas pelo capitalismo, demandam
que se considerem prioritariamente as expectativas de consumo, em
detrimento das de criao.
E se o consumidor a criana, o jovem, a linguagem quadrinstica
adequa-se muito mais intensamente a suas expectativas e competncias.
McCloud (2006, p. 19) afirma que os quadrinhos, aps a crise dos anos
noventa, incorporaram estilos e assuntos diversificados, viabilizando
para o leitor experincias estticas deleitosas. Dessa forma, a Literatura
em Quadrinhos pode ser um instrumento potentssimo para a formao
de leitores interessados na leitura, inclusive na leitura literria.
O original de uma obra, como tudo, suscetvel
passagem dos anos, s mudanas ideolgicas e
de contexto. Quando o original se torna algo
muito distinto para o pblico, a traduo e a
adaptao podem preservar o que existe nele
de essencial, no que pesem as dificuldades e
armadilhas todas dessas intermediaes.
(CADEMARTORI, 2009, p. 69)
As adaptaes quadrinsticas de obras literrias tornam-nas
divertidas, acessveis, aproximando-as das possibilidades de compreenso
e produo de sentidos das crianas e dos jovens estudantes de hoje.
Elas no deixam as obras-fonte serem esquecidas e se apresentam
como formas artsticas inovadoras. Mas essas adaptaes, exatamente
por seu carter inovador, provocam reaes nostlgicas:
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A Literatura Em Quadrinhos Formando Leitores Hoje
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Houve um tempo em que tudo parecia simples. As
crianas, das minorias ilustradas, cresciam com
os livros. Mes, preceptoras, famlias, visitas,
o crculo social inteiro em que viviam, no se
compreenderia sem referncias aos livros.
(COLOMER, 2007, p. 103)
No campo da leitura, o lugar do leitor at aproximadamente a
segunda metade do sculo XIX e os diversos lugares que para ele se
desenham, principalmente, a partir do sculo XX, so absolutamente
distantes. O sculo passado trouxe a produo impressa para o mbito do
cotidiano. E encheu o cotidiano de outras exigncias e de novos prazeres.
Colomer, no fragmento acima, refere-se a uma poca em que o cio
burgus favorecia a cultura livresca. Mas, como j apontado, o mundo
capitalista, industrializado, o mundo ps-guerras, instituiu novas e
inusitadas formas de sociabilidade, marcadas por prticas culturais at
surpreendentes. O livro foi dividindo seu espao com jornais, revistas,
gibis, filmes, programas de rdio, de TV e, nos ltimos trinta anos,
computadores, celulares, tablet, Ipod etc. As conversas familiares e entre
amigos, atualmente, giram em torno dos captulos das novelas, dos
escndalos do Facebook e, na melhor das hipteses, do noticirio da TV.
Os leitores ou o equivalente: os consumidores de hoje elaboram
seu sistema de referncias a partir da vida das celebridades. Como
poderiam se interessar gratuitamente, voluntariamente, pelas
desventuras de Policarpo Quaresma, pelas lutas de Baldo, pela violncia
simblica e fsica que se abate sobre Clara dos Anjos? Essas personagens
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Patrcia Ktia da Costa Pina
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ou protagonizam ou participam de narrativas clssicas da literatura
brasileira, obrigatrias nos currculos escolares, distantes, s vezes,
mais de cem anos de nossa poca, pertencentes a outro tempo, outra
cultura, outros horizontes, e que precisam ser lidas pelos estudantes.
Penso que a linguagem dos quadrinhos pode provocar esse
interesse perdido no tempo e nas malhas da cultura. A Literatura
em Quadrinhos pode aproximar as obras cannicas dos leitores
internautas deste sculo XXI.
No estou afirmando que as adaptaes substituem as obras-
fonte, ou que servem de iniciao sua leitura, sendo consideradas
menores, na comparao com elas. Os quadrinhos trazem
estratgias visuais de narrativa que encenam estratgias literrias e/
ou cinematogrficas, recursos fotogrficos, de computao grfica,
mas que de tudo isso se distinguem, mesmo lidando com o realismo,
a observao, o naturalismo dos detalhes.
Essas ferramentas narrativas quadrinsticas correspondem a outras
tantas ferramentas prprias de outras linguagens, mas no nascem
delas, nem delas dependem. As imagens quadrinsticas, por serem
estticas, por colocarem em interao elementos diferenciados, captam
e fixam mais intensamente a ateno do leitor. Para McCloud (2008, p.
3), [...] o olhar do leitor guiado de quadrinho em quadrinho e como
sua mente persuadida a dar importncia ao que v. As marcas da
linguagem quadrinstica tm funo persuasiva, exatamente por estarem
combinadas para criao dos efeitos desejados pelos quadrinistas.
Cada linguagem uma linguagem, cada obra tem sua natureza
artstica. Mesmo no oferecendo uma reproduo completa do texto
original o que indicia a criatividade do adaptador , as tradues
quadrinsticas de obras literrias atraem as crianas e os jovens para
o mundo do impresso, fazem-nos manusear belas edies, levam-nos
a usar seu tempo percorrendo o papel com os olhos encantados pelas
cores, pelos traos, pelos bales.
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A Literatura Em Quadrinhos Formando Leitores Hoje
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A pesquisa que gera este livro e que gerou outro livro, alguns
captulos e artigos, busca investigar como a linguagem quadrinstica,
especificamente pela seleo da paleta de cores e do tipo de trao
usado na definio de personagens e ambientes, pode atrair o
interesse das crianas e dos jovens, viabilizando a construo do gosto
pela leitura. Como aproximar o jovem do impresso? Como lev-lo
para o universo do papel e da tinta?
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A Literatura Em Quadrinhos Formando Leitores Hoje
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3. Como ler a LiTeraTura em QuaDrinhos?A adaptao uma leitura que se transpe em releitura e, com essa releitura, alguns elementos estruturadores do texto de origem ganham destaque e, por consequncia, reapresentam a estrutura do texto original e sua relao com o contedo e com a forma, trazendo uma nova, porm no definitiva, leitura para a obra original. (ZENI, 2009, p. 141)
Ler, reler, transler... A Literatura em Quadrinhos deve ser levada
para a sala de aula com honestidade: preciso mostrar ao estudante
que aquela no a obra original, outra obra, que nasceu do prazer
de ler de um indivduo talentoso ou de vrios indivduos talentosos.
O mediador de leitura no pode simplesmente levar a adaptao,
sem contextualizar a obra fonte, e, certamente, sem discutir as tramas
da apropriao. Entre os mediadores de leitura encontram-se os pais,
os professores, os editores, os tradutores, os ilustradores, os roteiristas,
que no apenas constroem a palavra adaptada, como tambm deixam
implcito nela, a partir de suas combinaes e provocaes, guias de
apropriao da nova obra, direcionados ao pblico que desejam atingir.
Referi-me acima s relaes entre os elementos da narrativa literria
que compem sua linguagem e os elementos da narrativa quadrinstica.
Basicamente, so os mesmos. A diferena bvia que a literatura prope
verbalmente ambiente, aes, tempo, personagens etc.; a Literatura em
Quadrinhos, por sua vez, casa o verbal e o no verbal.
O ambiente, por exemplo, no descrito por palavras apenas,
proposto ao leitor por uma fuso de cores e traos, com forte influncia
do foco narrativo. O tempo, nos quadrinhos, representado tanto
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Patrcia Ktia da Costa Pina
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por linhas cinticas, como por cores e, principalmente, pela dimenso
e organizao das vinhetas (quadros).
O trao com que as personagens so construdas determina o tom
da quadrinizao. Muitas vezes, uma mesma obra adaptada duas ou
trs vezes, por equipes diferentes. A comparao entre escolha de cores,
traos, formas de vinhetas, mostra a perspectiva das edies, o pblico
que desejam atingir, as finalidades artstica, educativa ou ambas.
Este livro o primeiro de uma srie. Proponho aqui o estudo das
adaptaes de seis obras clssicas da literatura brasileira, a partir da
anlise do uso das cores e dos traos. No fao um mero trabalho
acadmico-cientfico acerca dessas obras, quero mostrar como elas
podem ser lidas em sala de aula, para desmistificar a relao entre bens
culturais de relevo e nossos estudantes.
Escolhi adaptaes que atualizam obras importantes, porm de
leitura bastante rejeitada pelos estudantes em nossas escolas: Memrias
de um sargento de milcias, de Manuel Antnio de Almeida; Memrias
pstumas de Brs Cubas, de Machado de Assis; Triste fim de Policarpo
Quaresma e Clara dos Anjos, de Lima Barreto; Os sertes, de Euclides da
Cunha; Jubiab, de Jorge Amado.
Penso que vocs j perceberam que no estou preocupada com
perodos literrios, caractersticas de poca etc. Estou interessada em
explorar a linguagem quadrinstica em seu potencial formativo do
gosto pela leitura.
Quero instrumentalizar professores e alunos para que possam ler
com prazer essas apropriaes de alguns de nossos clssicos. Para isso,
vou desenvolver o estudo de alguns elementos da linguagem hbrida
dos quadrinhos, propondo estratgias de leitura.
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A Literatura Em Quadrinhos Formando Leitores Hoje
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3.1 . As cores: senTiDos e provocaes
Este subcaptulo no tem uma epgrafe tradicional, optei por
apresentar-lhes uma imagem a da capa da adaptao quadrinstica de
uma das partes do livro Os sertes, de Euclides da Cunha. Carlos Ferreira
(FER
REIR
A; R
OSA
, 201
0, c
apa)
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e Rodrigo Rosa, respectivamente roteirista e ilustrador, oferecem aos
leitores de todas as idades e tamanhos a sua leitura da obra euclidiana.
Escolheram a parte mais envolvente, porque concentra a ao do texto-
fonte. Mas no pararam a. Mesclaram ao texto de Os sertes anotaes
do Dirio de expedio, do mesmo autor.
Essa informao muito importante para situar o leitor no dilogo
com a obra quadrinizada: alm de ser um recorte da obra-fonte, ela
interage com outros escritos do autor original. Ou seja: nessa adaptao,
o leitor entrar em contato com elementos fundamentadores e
explicativos da obra-fonte, os quais subsidiam a apropriao feita pelo
roteirista e pelo ilustrador.
A imagem-epgrafe deste subcaptulo dedicado ao estudo das
cores bastante significativa quanto a este aspecto. A paleta de cores
escolhida para a apresentao do volume rene amarelo, vermelho,
roxo, marrom e preto. So cores fortes, que fecham a imagem.
H uma remisso imediata ao universo sertanejo: o marrom
e o vermelho terroso lembram o cho gretado pela seca; o roxo
e o preto na roupa do Conselheiro remetem a rituais religiosos
catlicos de luto; o amarelo ao fundo aponta para o entardecer
quente do serto, ao sol que se pe.
Mas as cores trazem significaes culturais que nos induzem
a formas especficas de interao com as imagens. O amarelo, por
exemplo, tem uma simbologia tradicional de alerta esse seu uso
nos semforos. Em muitas culturas, no entanto, o amarelo representa a
loucura, a traio (GUIMARES, 2000, p. 89).
O preto, associado escurido da noite, suscita o medo e remete ao
desconhecido culturalmente, pode ser associado a situaes de protesto,
transgresso. A cor um instrumento de comunicao, sua escolha se
prope a um contato entre o repertrio de conhecimentos e saberes do
sujeito que a usa e do sujeito a quem seu uso se destina. Assim, o uso
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A Literatura Em Quadrinhos Formando Leitores Hoje
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parcial do preto nessa imagem da capa, em situao de sombra, conduz
a leitura da cena para o mistrio, para um mundo inspito.
Ao lado do preto, na representao do Conselheiro, aparece
o roxo. Trata-se de uma cor obtida pela mistura das cores primrias
azul e vermelho. Sua simbologia est associada ao misticismo, ao luto
catlico da Quaresma, espiritualidade. Representa a transformao
espiritualizada trazida pela morte.
O vermelho, tradicionalmente associado paixo e ao poder, no
tom terroso com que aparece na imagem da capa, traz a ideia de
interdio, fora, guerra. Politicamente, a cor das revolues.
A combinao dessa paleta de cores insere o leitor no universo
mstico, poltico e violento da guerra de Canudos. Os adaptadores
no param a. Quase toda a adaptao construda sobre o contraste
preto-branco: desde as primeiras pginas, que representam a traio
da esposa de Antnio Conselheiro, fato que o levou vida mstica e
transgressora, juntando seguidores por todo o serto, at a pgina
67, quando representado o incio do massacre de Canudos, todas as
vinhetas aparecem em preto e branco.
Essa seleo cromtica polarizada o preto como a reunio
de todas as cores; o branco como a ausncia de cores traz uma
simbologia especfica: o bem e o mal entrelaados em todas as
situaes. Da pgina 68 at a pgina final, as cores usadas na capa
so desdobradas. Na pgina 68, o marrom convive com o preto e o
branco, lembrando o cho sertanejo.
Na pgina 69, os adaptadores introduzem o vermelho terroso,
lembrando o sangue que se mistura com a terra. As pginas 70 e
71 explodem em vermelho, preto e amarelo, representando a
queima da aldeia do beato. Da em diante, predomina o vermelho,
acompanhado de perto pelo amarelo, marrom e preto. O fundo das
pginas aparece em marrom claro, ainda remetendo o leitor terra
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Patrcia Ktia da Costa Pina
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seca do serto. A ltima pgina da adaptao insere uma nova cor:
o azul, das tropas governamentais.
Pelas cores, o leitor inserido no mundo de coero e violncia
em que viveram Antnio Conselheiro e seus fiis seguidores. Como
prendem de imediato a ateno de crianas e jovens, as cores constroem
ambientes e situaes de forma bastante significativa. No processo da
adaptao, esse instrumento da linguagem quadrinstica traz implcita
a leitura prvia dos adaptadores e viabiliza o processo de interpretao
por parte de professores e estudantes.
Em geral, as tradues literrias para os quadrinhos fazem uso
desde a capa de paletas de cores bsicas significativas para a recriao
da obra-fonte por elas propostas. Normalmente, na capa, esto as cores
que sero prioritrias para a leitura da obra.
A traduo quadrinstica de Jubiab, de Jorge Amado, feita por
Spacca(2009), joga com seis cores fundamentais para o desenvolvimento
da trama adaptada: marrom, verde, azul, rosa, vermelho e preto.
Infelizmente, no podemos exibir a imagem, por no termos sido
autorizados pelo adaptador. Mas nada nos impede de descrev-la e
estuda-la. A capa do volume apresenta um casal caminhando por uma
rua, cujo cho est parcialmente iluminado. Acima, a placa de um bar.
Abaixo, no canto inferior, o ttulo da traduo.
A obra amadiana conta a histria de Balduno, um menino pobre,
negro, que nasceu em Salvador no incio do sculo XX, enfrentando as
dificuldades da misria e de sua origem tnica.
Amparado por Pai Jubiab, o pai de santo que cuidava dos
fiis do Morro do Capa Negro, Baldo, aps perder a tia que o
criava, levado a viver com uma famlia branca e abastada, fora
do morro. Na adolescncia, comete o crime de se apaixonar
pela jovem filha de seus benfeitores, posto na rua, entra na
marginalidade para sobreviver.
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Mas Baldo cresce, transforma-se em um vitorioso lutador de
boxe, estivador do Cais do Porto, grevista consciente dos direitos dos
trabalhadores. Nesse meio tempo, faz muitos amigos e inimigos, ama,
trai e trado, aprende bastante com Hans, seu amigo marinheiro.
O marrom da pele de Baldo faz parte da placa de seu bar
predileto o Lanterna dos Afogados. Alm de representar a cor
da raa, a marca tnica das populaes afro-brasileiras baianas, o
marrom fruto da combinao de ciano, magenta e amarelo. a cor
da terra tambm. Representa na trama adaptada a relao umbilical
entre Baldo e o cho da Bahia.
O azul, cor do mar de onde vinham os navios, que traziam e levavam
pessoas, histrias, mercadorias, representa, de um lado, a proteo da
Me Iemanj, de outro, o lugar de sustento e a possibilidade da fuga. O
rosa no vestido feminino traz os amores de Baldo. O verde em torno da
placa do bar ope-se ao vermelho e expressa o destino, a sorte, o jogo,
a esperana (GUIMARES, 2000, p. 116), marcas da vida da personagem
Baldo, experincias de paixo e esperana. Nessa capa, o verde e o
vermelho saltam aos olhos do leitor.
Em tom verde-limo ilumina-se a rua por onde caminha Baldo,
abraado a seu amor. Verde-limo sua cala, seu chapu, parte
de seu violo, parte de sua camisa. A luz da lua cria o tom da cor. A
predominncia do verde-limo, cortado pelo ttulo em vermelho,
simboliza a prioridade da esperana, do destino que se constri com os
ps no cho, na vida da personagem.
O vermelho das letras que desenham o ttulo e que trazem a
assinatura do adaptador atravessa o caminho de esperana de Baldo
e simboliza os atropelos e as paixes pelas quais passou. significativo
que o vermelho fique para trs na caminhada da personagem.
O preto que o cerca representa os mistrios insondveis da
vida, suas ameaas, mas tambm lembra os prazeres da noite no
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Patrcia Ktia da Costa Pina
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Lanterna dos Afogados. Essas seis cores se desdobram em nuances
variadas em toda a adaptao.
Nesse processo, o leitor inserido no mundo tumultuado de
Balduno, acompanhando suas peripcias. A ltima cena do volume
adaptado retoma as cores da capa, agregando o amarelo, e desenha um
Baldo forte, sorridente, maior que todas as dificuldades que enfrentou.
Essa adaptao, como todas as demais, no substitui nem esvazia
de sentido o texto literrio. Ao contrrio, enriquece-o, somando s
imagens verbais o poder das imagens no verbais, que explodem em
cor diante dos olhos dos leitores.
Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, entrou em
minha pesquisa atravs de duas adaptaes diferentes: uma, de Lailson
de Holanda Cavalcanti; outra, de Oscar Lobo e Luiz Antonio Aguiar.
Reproduzo apenas uma das capas, a da Editora tica, que nos autorizou
o uso das imagens:(L
OBO
; AG
UIA
R, 2
010,
cap
a)
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Proponho a princpio uma leitura de cada capa e, a seguir, uma
breve comparao entre as duas adaptaes. A capa da edio
adaptada por Cavalcanti tem como fundo um tom alaranjado terroso,
letras pretas e uma paleta bastante variada, que inclui branco, azul,
verde, amarelo, marrom, preto, cinza, nas vinhetas que se encaixam,
representando personagens e situaes importantes na trama.
A cor laranja originada da mistura entre o amarelo e o vermelho
alerta e paixo. uma cor estimulante, que remete fecundidade
da terra e a seus frutos. Simboliza expanso, prosperidade, progresso.
Como base da capa, essa cor insere o leitor em parte do mundo
de Policarpo Quaresma. Essa personagem tem como principal
elemento identificador um nacionalismo utpico inabalvel, voltado
para as marcas culturais primitivas do Brasil lngua indgena, prticas
culturais afro-brasileiras, msica popular, estratgias agrcolas pr-
tecnolgicas e pr-industriais.
Quaresma defende um Brasil livre das coeres coloniais de
quaisquer naturezas. Um dos pontos altos do romance barretiano
a ida dessa personagem para o interior e sua luta contra as savas,
que devoravam as plantaes. A cor laranja remete o leitor a essa
necessidade que a personagem tem de se integrar natureza
primitiva, vivendo de seus frutos.
Cavalcanti representa, nas vinhetas que compem a capa, as cores
da bandeira brasileira: verde, amarelo, azul e branco. Isso enfatiza o
nacionalismo de Quaresma.
O preto aparece na cor do cabelo do violeiro, Ricardo Corao
dos Outros, como sombra, na vinheta maior, e no terno do poltico
envolvido na revoluo, que acaba vitimando a personagem-ttulo. Na
vinheta superior esquerda, o preto traz a seduo da marginalidade.
Na vinheta central, a ameaa ordem desejada por Quaresma.
Na vinheta inferior direita, a ameaa ordem poltica e social a
tambm simbolizando o poder da opresso sobre as minorias.
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Patrcia Ktia da Costa Pina
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O marrom na pele da ex-escrava, associado ao branco, carrega a
noo de que as razes culturais do Brasil so harmnicas e ligam o
homem ao cho em que pisa. Com essa paleta de cores, Cavalcanti
direciona o leitor para os episdios por ele selecionados no processo de
adaptao e que constituem seu caminho de apropriao da obra: as
marcas da cultura brasileira so enfatizadas.
Ele opta, na apresentao da adaptao, por duas pginas iniciais,
introdutrias, em traos impressionistas, tons escuros terrosos, que
representam o ambiente em que vive o protagonista: de um lado o
passado, trazido pela carruagem; de outro, a modernidade, trazida
pelo bonde e pela mulher, que caminha sozinha pela rua. Essas duas
pginas iniciais inserem o leitor de hoje no mundo de Quaresma,
um mundo de opresso, controle, medo, um universo em que a cor
da terra simboliza aquilo que no se quer por perto: na primeira,
os tons terrosos predominam, acompanhados do cinza, e aparece
uma rua estreita, com uma carruagem antiga, puxada a animais; na
segunda, os tons terrosos dividem espao com o branco e o cinza e
aparece um bonde eltrico.
Essa contextualizao visual do n da adaptao a tenso
coercitiva entre a vida tradicional e os benefcios da modernidade,
do capitalismo, da industrializao, da colonizao cultural prepara
o terreno para a leitura, para a interao do texto barretiano com o
leitor contemporneo. Nas duas imagens, o branco e o cinza aparecem
de forma minoritria. O branco d o mesmo contraponto da vinheta da
capa; o cinza desenha limites entre o mundo desejado por Quaresma e
aquele que o oprime e controla.
A sequncia da adaptao intensifica a paleta de cores anunciada na capa e, em seu processo de combinao, cria humor, tornando
a narrativa mais leve e mais prxima das habilidades leitoras dos
jovens. A leitura das tradues quadrinsticas pode colocar o sujeito
leitor na condio de criador, produtor de sentidos, num processo
simultneo e recproco de reconstruo.
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A Literatura Em Quadrinhos Formando Leitores Hoje
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A capa da adaptao empreendida pelo roteirista e desenhista Cesar
Lobo e pelo ilustrador e adaptador Luiz Antonio Aguiar, reproduzida
acima, explosiva, no que tange paleta de cores escolhida. Verde,
azul, amarelo, branco, vermelho, mesclados a traos de cinza e roxo,
compem a imagem central de um Policarpo Quaresma hbrido: cocar
indgena, farda do Exrcito, brincos indgenas, um papagaio verde no
ombro, culos dourados sobre o nariz, olhos arroxeados e arregalados,
como que em susto. Ao fundo, soldados e prdios sombrios.
No interior do volume, logo na pgina que inicia a primeira parte
da adaptao, a bandeira brasileira resume a escolha dos adaptadores:
(LO
BO; A
GU
IAR,
201
0, p
.5)
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Patrcia Ktia da Costa Pina
48
As duas vinhetas da pgina desdobram o colorido de nossa
bandeira, estabelecendo, para o leitor, o tom nacionalista da
personagem Policarpo Quaresma e suas aventuras e desventuras.
Essas cores preponderam em todo o volume, ganhando significao
no contraste com o vermelho e com os tons terrosos, representantes
das bases indgenas da cultura brasileira. No mbito da escolha de
cores, h dois pontos altos na adaptao, que amarram as pontas da
obra recriada. O primeiro, na pgina 9, uma reinveno do quadro
de Gustave Dor, conforme o exposto pelos adaptadores na seo
Segredos da Adaptao:
(LO
BO; A
GU
IAR,
201
0, p
. 9)
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A Literatura Em Quadrinhos Formando Leitores Hoje
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Trata-se de uma ampliao da imagem da capa. A parte inferior
da vinheta, em tons esmaecidos de verde, azul, vermelho, representa
um momento de sonho para Quaresma e indicia que sua realidade
tinha cores pouco vivas, cores apagadas, ou seja, uma realidade
triste, opressiva. A parte central e a superior, que desenham o sonho
da personagem, trazem um colorido esfuziante, representando a
natureza opulenta brasileira.
o mesmo contraponto observado na capa e que parece associar
o nacionalismo utpico de Quaresma loucura da leitura de Quixote.
Para ambos, a realidade tinha pouca vitalidade. O sonho sempre em
arco-ris funcionava como refgio e reinveno da vida. Na adaptao
da obra barretiana, a cor poltica, instrumento de crtica social. Isso
se confirma na pgina dupla final, segundo ponto alto do volume, no
que diz respeito a cores que constroem trama e significao:
(LO
BO; A
GU
IAR,
201
0, p
. 70)
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Patrcia Ktia da Costa Pina
50
As duas pginas so complementares, compostas por uma
vinheta nica, cujas cores dividem as aes e as temporalidades,
mas, simultaneamente, constroem uma interseo entre a histria
passada e a histria contempornea do Brasil. Na parte inferior das
duas pginas, em cores mais uma vez esmaecidas, o fuzilamento de
Policarpo Quaresma, acusado injustamente pelas foras do poder
dominante. Essas pginas finais abrem um excelente espao para
um trabalho interdisciplinar em sala de aula: professores de Lngua
Portuguesa e Histria podem, a partir dessas imagens, discutir com os
estudantes questes relativas s variadas formas de opresso vividas
pelo povo brasileiro, bem como as diferentes tticas de resistncia
que desenvolvemos nos ltimos cento e vinte anos.
(LO
BO; A
GU
IAR,
p. 7
1)
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A Literatura Em Quadrinhos Formando Leitores Hoje
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Na parte superior, em cores fortes, mas mantendo a paleta bsica
proposta na capa, imagens representativas da luta dos anos 1980, pelas
eleies diretas, pelo fim da ditadura militar. Quaresma foi vtima de
uma verso antiga do poder militar; muitos de ns, eu, os adaptadores,
vocs professores, os pais e avs de seus alunos, muitos de ns, repito,
vivemos os anos de ferro do Exrcito e choramos de alegria quando
tudo acabou. Muitos Policarpos Quaresmas morreram silenciosamente
nessas dcadas recentes de opresso.
Lobo e Aguiar agregam significado obra barretiana,
aproximando-a do jovem e do adulto de hoje. Entrelaam mais
intensamente as agruras por que passa Quaresma vida conhecida por
qualquer brasileiro com cerca de cinquenta anos e isso contedo
escolar, isso conhecimento histrico e cultural.
As duas tradues quadrinsticas de Triste fim de Policarpo
Quaresma so interessantes e podem funcionar como instrumentos para
a formao do gosto pela leitura, podem romper a barreira do tempo,
da histria e da cultura, aproximando a trama e suas personagens do
leitor do sculo XXI. Nesse processo, a escolha das cores fundamental.
Lelis e Wander Antunes adaptaram Clara dos Anjos (2011),
tambm de Lima Barreto, para a linguagem dos quadrinhos. Na
capa, fazem uso de uma paleta de cores visualmente pesada: preto,
cinza, amarelo, dourado, pouco branco.
Bastante sombria essa capa. A predominncia do preto instaura
um clima de ameaa e mistrio. A nfase vai para duas personagens:
Clara dos Anjos e Cassi Jones.
Cassi Jones aparece montado em uma vinheta, como se ela fosse
um muro e ele estivesse prestes a salt-la. E ele cai dentro da trama,
colorido em tons de amarelo predominante branco e azul. A tcnica
usada para colorir a adaptao, desde a capa, a da aquarela, o que faz
com que nenhuma cor seja absoluta e uniforme.
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Patrcia Ktia da Costa Pina
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O amarelo que pinta Cassi Jones, o grande vilo da histria, traz
aquela ideia de alerta, cuidado, ameaa. O branco e o azul remetem a
sua origem branca e burguesa. O interessante que, como a pintura
similar aquarela, o branco e o azul esto contaminados por tons
terrosos. Simbolicamente, a personagem apresentada ao leitor de
forma a expor seu carter corrupto, sujo.
Clara dos Anjos, to importante que sequer cabe nos limites de
uma vinheta, tem a pele marrom, marcando suas origens tnicas e
sociais, pois isso aponta para o lugar do negro no Brasil da poca.
Sua roupa verde. O verde a cor das possibilidades, da esperana,
est no caminho de Balduno, na capa da adaptao de Jubiab, est
nas duas capas das adaptaes de Triste fim de Policarpo Quaresma.
O verde representa uma personagem que espera e constri o futuro.
O verde e o amarelo, na capa em estudo, compem as cores
mais fortes de nossa bandeira, nossas maiores riquezas: o ouro e
a natureza pujante. Representam, aqui, o poder do opressor e a
inocncia do oprimido.
As demais cores presentes na capa da adaptao, dentro das
vinhetas que representam o subrbio e a vida burguesa no Rio de
Janeiro da poca, estabelecem um ambiente de descuido, sujeira,
opresso: bege, cinza, preto. bege o trem que corta a cidade, entre
casas, bege a fumaa que polui e corrompe a ordem natural da vida.
A fumaa que simboliza a excluso dos suburbanos.
O desenvolvimento da adaptao construdo, no que tange s cores,
num processo sombrio de representao. As cores da capa se repetem, a
cor mais viva do volume sempre o verde, principalmente quando pinta
a vegetao. possvel que os adaptadores tenham construdo esse
contraste representando a oposio entre a natureza humana, opaca e
plida, e a natureza vegetal, pujante, de forte esperana.
O uso das cores nessa adaptao atinge o ponto alto exatamente
no clmax da narrativa o momento em que Clara dos Anjos deflorada
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A Literatura Em Quadrinhos Formando Leitores Hoje
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por Cassi Jones. Uma sequncia de quinze vinhetas, que comea na
pgina 82 e termina na 83, representando uma tempestade, com
troves, cujos rabichos dos bales lembram raios.
A intensificao do ambiente soturno e opressivo nasce das cores cinza, preto, marrom escuro. O branco das letras da onomatopeia que
corta as vinhetas e dos bales aumenta o contraste e, em lugar de
relativizar o peso das cores densas, torna-as mais pesadas e aterrorizantes.
Os adaptadores no mostram a cena da violao consentida
pela inocncia da personagem Clara dos Anjos, apenas a sugerem,
criando para o leitor um espao para sua reinveno imaginria
pessoal da situao, em toda a sua plenitude de violncia simblica. A
complexidade do jogo claro/escuro, que social, poltica, econmica,
cultural no Brasil barretiano, atualizada para o sculo XXI, provocando
a reflexo: morreram os Cassi Jones, opressores, preconceituosos, morreram os Cassi Jones no Brasil contemporneo? O claro/escuro
um jogo que no elimina partes, mas coloca-as em tenso permanente.
Ainda hoje. Trata-se de um momento privilegiado para uma discusso
entre professores de Lngua Portuguesa, Literatura, Geografia, Histria e estudantes: questes tnico-raciais podem ser levantadas, bem como
questes relativas ao progresso e suas consequncias.
Sebastio Seabra e Maria Sonia Barbosa fazem o roteiro e as
ilustraes da adaptao do clebre romance machadiano Memrias
pstumas de Brs Cubas(2008). Presena constante no currculo escolar,
as obras machadianas trazem dificuldades extras para nossos estudantes.
Em geral, as narrativas de Machado de Assis so construdas numa
forte interseo entre fico e histria, o que demanda do leitor repertrio suficiente para fazer as contextualizaes necessrias. Alm disso, so narrativas que desdobram a linguagem pela ironia, exigindo
esprito crtico e capacidade reflexiva, por parte do leitor.
Nossos jovens ainda no puderam construir essas capacidades
e habilidades. A mediao, no caso especfico da obra machadiana,
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Patrcia Ktia da Costa Pina
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precisa ser slida, estratgica, competente, para que o jovem tenha o
direito de usufruir da escrita desse ficcionista.
Poucas so as obras de Machado de Assis que podem ser lidas por
crianas. O ambiente por ele criado, suas personagens, suas aes,
demandam, como apontei acima, conhecimentos interdisciplinares,
pedem treinamento para uma leitura interpretativa consistente.
Seabra e Barbosa, desde a capa da adaptao de Memrias
pstumas, escolhem situaes da obra-fonte que aguam a curiosidade
do jovem leitor e aproximam a obra de suas competncias de leitura:
(SEA
BRA
; BA
RBO
SA, 2
008,
cap
a)
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O verde e o preto como cores de fundo estabelecem um ambiente
de mistrio, luto e, paradoxalmente, esperana. Cinco vinhetas dividem
o espao da capa. As trs primeiras focalizam as principais personagens:
Quincas Borba, amigo antigo de Brs Cubas; Virglia, a mulher sedutora e
traidora; o defunto autor, Brs Cubas. Quincas Borba e Virglia aparecem
em cores fortes, entre o vermelho, o rosa, o verde e o azul. Brs Cubas,
como fantasma de sua prpria vida, surge em branco e azul muito claro.
As duas vinhetas inferiores do relevo a Brs Cubas quando vivo
em seu reencontro com Quincas Borba, personagem que dar ttulo a
outro romance machadiano. As cores nessas duas vinhetas so fortes,
repetindo o azul, o verde, o branco, o vermelho e agregando o bege.
Nas vinhetas de cima, as cores mais fortes das personagens Quincas
Borba e Virglia podem apontar para a vitalidade essencial que os
movia, principalmente se as compararmos s cores geladas que pintam
Brs Cubas, cuja fora vital sempre foi superficial e de ocasio. As trs
personagens simbolizam as elites dominantes na sociedade brasileira
que se capitalizava na poca.
Nas vinhetas inferiores, o contraste maior fica com as cores das roupas
de Brs Cubas e Quincas Borba. H entre essas personagens imensa
distncia social. O azul da roupa de Brs Cubas traz a superioridade
daqueles que poderiam viver de renda, sem que necessitassem do
trabalho cotidiano. O bege e o vermelho esmaecido da roupa de Quincas
Borba denunciam sua pobreza, principalmente pelas sombras pretas que
simbolizam sujeira e falta de asseio, marcas da misria. Nesse reencontro,
ele ainda no enriquecera, fato posterior na trama.
No desenrolar da adaptao, as cores propostas na capa se repetem
e se desdobram em tons que se adequam s situaes da vida de
Brs Cubas. Na pgina inicial, aps seu enterro, o narrador-defunto
se destaca dos participantes, que aparecem em tons de roxo e preto,
marcando luto, tristeza, transformao, espiritualidade. Brs Cubas
deixa o corpo no caixo e seu esprito vem nas tonalidades bem claras
de azul tambm remetendo ao mundo espiritual e branco.
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Patrcia Ktia da Costa Pina
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Pginas adiante, quando narra seus primeiros encontros com Virglia,
ambos ainda solteiros e jovens, as cores so fortes, alegres, indo do rosa
ao azul, passando pelo verde e lils. Mistura de vermelho (paixo) e
branco (inocncia), o rosa remete a uma sensualidade feminina juvenil:
O verde agrega s imagens desse amor em seu comeo a promessa
de futuro. O lils soma espiritualidade ao encontro das personagens.
Na pgina 43, a escolha das cores torna-se especial.
um momento da trama em que, j amantes, Virglia, casada com
Lobo Neves, engravida de Brs Cubas e perde a criana. Separam-se e,
tempos depois, morre Lobo Neves. A tristeza da viva representada
em quatro vinhetas coloridas em tons de cinza e preto:
(SEA
BRA
; BA
RBO
SA, 2
008,
p.2
0)
(SEA
BRA
; BA
RBO
SA, 2
008,
p. 4
3)
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A perda sofrida por Virglia, sua solido, seu afastamento de
Brs Cubas, so resumidos visualmente pelas cores escolhidas. Sequer
o branco dos recordatrios as caixas de texto quebra a opresso
representada nas vinhetas.
Desde a capa, o adaptador denuncia sua opo por enfatizar
o adultrio. Situao polmica, extremamente humana, e
atemporal, a histria de amor adltero pode aproximar o jovem
dessa narrativa oitocentista. E as cores selecionadas, por seu
apelo imediato visual, colaboram para quebrar o mito de que ler
Machado de Assis muito difcil.
A releitura proposta nessa adaptao traz a obra do passado
para o presente. O jovem no estar lendo a obra machadiana, mas
uma interpretao dessa obra, atualizada e aproximada de suas
competncias leitoras.
Rosa e Jaf ocupam-se de reler e quadrinizar o divertido romance
Memrias de um sargento de milcias, de Manuel Antnio de
Almeida. A narrativa oitocentista conta a vida de Leonardo, nascido
dos amores clandestinos de Leonardo Pataca e Maria da Hortalia,
durante sua viagem de Portugal para o Brasil, na poca da vinda da
Famlia Real, incio de sculo XIX.
Muito sapeca desde beb, Leonardo se v abandonado pela
me, que foge com outro homem, e pelo pai, que no suporta suas
travessuras. , ento, criado pelo padrinho barbeiro. E cresce na
malandragem, criando problemas para vizinhos, padres, colegas.
Na capa, Rosa representa a leveza da narrativa e a divertida
malandragem de Leonardo:
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Patrcia Ktia da Costa Pina
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A predominncia do azul remete o leitor para os tempos do Rei.
Seu contraste com o marrom e o bege claro aponta para uma diviso
social: de um lado a aristocracia europeia, de outro, os sditos brasileiros.
As figuras humanas mostram o Major Vidigal e o Leonardo, desde
beb. O primeiro, com roupas em tons de azul escuro, bege e dourado,
mesclando significaes de lealdade, equilbrio (azul), conforto (bege),
energia (bege e dourado) e poder (dourado).
Leonardo, quando beb, tem roupas bege e, na infncia e na
adolescncia, aparece ironicamente com calas violeta. A ironia est
no significado dessa cor: respeito, dignidade, mistrio. Mas a escolha
(RO
SA; J
AF,
201
0, c
apa)
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59
(Ros
a; J
af, 2
010,
p. 7
2)
se explica. A cor violeta tambm sugere transformao, e Leonardo se
transforma quando conhece o amor e a Lei.
Na idade adulta, j sargento de milcias, veste azul, branco,
vermelho e preto; agregando aos sentidos atribudos s cores da farda
do Major Vidigal a significao do vermelho e do preto: o que refora
a noo de vitalidade, paixo, mistrio, destino.
A leveza conferida narrativa oitocentista pelos adaptadores
se concretiza na penltima pgina do volume, quando Leonardo e
Luisinha, viva, se casam:
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Patrcia Ktia da Costa Pina
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A predominncia do dourado aponta tanto para a felicidade do
casal, como para uma possvel crtica ao poder da igreja, que domina os
costumes e as sociabilidades. Vale lembrar que foi numa festa religiosa
que os amores de Leonardo e Luisinha comearam.
A distino vem para D. Maria, madrinha da noiva, com um
vestido vermelho que a destaca de todos os demais participantes da
festa. O que representa bem a personagem: D. Maria uma mulher
rara, ela rica e poderosa, determina muitas das agruras de Leonardo
e Luisinha. Esta fora obrigada a casar-se da primeira vez, contra a
prpria vontade, por tramas da madrinha.
Esse romance, como os demais, tambm frequenta as listas das escolas
brasileiras. Embora a temtica seja interessante, a linguagem da obra-
fonte inviabiliza a percepo do humor por parte dos jovens estudantes
contemporneos. Rosa e Jaf colocam o humor nas imagens, tanto pelas
cores, como pelos traos, objeto de estudo do prximo subcaptulo.
3.2. De Traos e Tramas se consTroem leiTores(R
OSA
; JA
F, 2
010,
p. 6
)
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A Literatura Em Quadrinhos Formando Leitores Hoje
61
Mais uma vez, opto por uma epgrafe visual. As quatro
vinhetas pertencem adaptao quadrinstica de Memrias de
um sargento de milcias, de Manuel Antnio de Almeida, feita
por Rodrigo Rosa e Ivan Jaf. No subcaptulo anterior, explorei
a importncia das cores na Literatura em Quadrinhos. Neste
subcaptulo, quero discutir como os traos usados na construo
das personagens e do ambiente podem contribuir para a formao
do gosto pela leitura.
O romance de Almeida tem um inegvel tom humorstico, mas,
como afirmei anteriormente, a linguagem oitocentista. Como o
humor depende da cultura e da histria se ouvirmos um comediante
ingls, dificilmente riremos de suas piadas, pois no partilhamos de
seus pertencimentos culturais e o humor depende dessa partilha ,
um jovem estudante do sculo XXI ter dificuldades para ver a graa
nas descries de cena.
Os adaptadores optaram por enfatizar visualmente o humor
e usaram uma dobradinha de estratgias para isso: as cores e os
traos. O tipo de trao escolhido foi o caricatural, que exagera
os traos fsicos marcantes das personagens, colocando-os como
emblemas de caractersticas psicossociais. As personagens so
desenhadas num processo de combinao entre sua vida exterior
e sua vida interior, os traos encenam isso.
Cada personagem tem traos definidores. No h modelos
fixos para isso, cada desenhista cria de acordo com o que busca
expressar na histria. O mais importante exatamente essa
coerncia entre os traos e o que contado. Scott McCloud
ressalta isso, quando teoriza sobre o desenho de quadrinhos, em
um livro muito interessante.
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62
(MCC
LOU
D, 2
008,
p. 7
8)
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A Literatura Em Quadrinhos Formando Leitores Hoje
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Convido vocs a observarem como o quadrinista tem em mente o
leitor que deseja ter como consumidor de sua produo. Essa pgina
de McCloud resume bem essa preocupao. Tudo nos quadrinhos
construdo pensando no leitor e os traos so parte desse jogo.
Na imagem-epgrafe, os adaptadores reinventam a cena em que
Leonardo Pataca e Maria da Hortalia se encontram, a bordo do navio
que os trazia de Portugal para o Brasil. Na obra-fonte, a descrio de
Manuel Antnio de Almeida bastante jocosa Leonardo descrito
como filho de um belisco e uma pisadela.
Rosa e Jaf enfatizam o humor da cena, desenhando as personagens
envolvidas com traos arredondados, que as esvaziam de toda e
qualquer sensualidade. O belisco e a pisadela coroam a cena.
Quem no leu a obra-fonte e tem acesso adaptao quadrinstica
encontrar graa na imagem das personagens, especialmente na cena
do belisco. Na narrativa oitocentista, Maria belisca a mo de Leonardo
Pataca. Na adaptao, a situao atualizada e o humor ganha tons
contemporneos, quando Maria belisca o bumbum de Leonardo Pataca.
Para Waldomiro Vergueiro, o humor no desenho dos quadrinhos
pode quebrar resistncias:
... pode-se imaginar que o desenho caricatural e a utilizao
de elementos cmicos tm a grande vantagem de diminuir as
eventuais resistncias de alguns leitores, colocando-os em
uma boa disposio para assimilar o que se pretende transmitir.
(VERGUEIRO, 2009, p.93)
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Patrcia Ktia da Costa Pina
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Esse trao caricatural foi escolhido por Lobo e Aguiar e por Lailson
de Holanda Cavalcanti, nas duas adaptaes de Triste fim de Policarpo
Quaresma, e por Spacca, na adaptao de Jubiab.
A adaptao da obra barretiana feita por Lobo e Aguiar apresenta
uma variedade de traos. As cenas que envolvem Policarpo Quaresma
so construdas em trao caricatural. A magreza da personagem
exagerada pelo uso de traos finos e angulosos. Esses traos se
repetem em cenas com outras personagens, como a representao
de Lima Barreto, na pgina 22. No entanto, nas cenas em que Ismnia
enlouquece, o trao suavizado, ganha nuances realistas, num processo
de respeito pela dor da personagem:
A delicadeza da cena e da personagem, para manuteno da
coerncia necessria, como indica McCloud, no pode ser desenhada
com um trao caricatural, anguloso, precisa ser representada com
a doura e a maleabilidade das curvas, com um quase realismo, que
humaniza e universaliza a dor da traio sentida pela moa.
A opo pelo humor constante, atravs do trao caricatural,
predomina na adaptao da mesma obra, feita por Lailson de
Holanda Cavalcanti:
(LO
BO; A
GU
IAR,
201
0, p
. 25)
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65
(CA
VA
LCA
NTI
, 200
8, p
. 28)
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O trao caricatural foi mantido. No h uma cena que explore
a dor de Ismnia, ao se saber abandonada pelo noivo. Mas,
nesse momento, a caricatura no tem a finalidade humorstica.
Os traos que compem o rosto de Ismnia apontam para uma
dor profunda, contagiante. O leitor se v ligado personagem,
pela compaixo por seu sofrimento, no compelido a rir dela. A
coerncia interna se mantm.
Em Jubiab, Spacca mistura trao caricatural e trao realista.
O tom exagerado da caricatura nem sempre tem exatamente um
objetivo humorstico. Muitas vezes, os traos enfatizados nas
personagens funcionam para revelar seus estados interiores.
Quando a personagem Baldo desenhada, suas marcas fisionmicas
tnicas so aumentadas. O mesmo ocorre quando, j adulto, Baldo
representado com msculos excessivamente desenvolvidos.
Em duas vinhetas da pgina 16, j vivendo na casa de
Lindinalva, percebe-se a diferena no uso do trao caricatural
para desenhar as duas personagens. No caso de Baldo, h uma
espcie de exagero respeitoso: o arredondamento das linhas
infantiliza a personagem, dando-lhe ares de inocncia. No caso
de Lindinalva, o quadrinista direciona o olhar do leitor ao angular
os traos que desenham o rosto da menina. Ela ridicularizada
em sua imagem. Ocorre uma inverso de valores na adaptao. A
narrativa amadiana descreve as personagens acima, destacando o
desajuste de Baldo e a beleza de Lindinalva. Na adaptao, ocorre
o inverso: Lindinalva se torna risvel pela feiura, Baldo cativa o
leitor pelas formas arredondadas e infantis.
Adulto, Baldo impe respeito pela fora fs