A Loucura Como Diferença Trágico e Minoridade

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“A loucura clássica pertencia às regiões do silêncio. Há muito tempo se havia calado essa linguagem de si mesma sobre si mesma que entoava seu elogio” (HL, p. 509) Citaçao do OD, donde a loucura fala verdade de menos ou demais: “Desde a alta Idade Média, o louco é aquele cujo discurso não pode circular como o dos outros: pode ocorrer que sua palavra seja considerada nula e não seja acolhida, não tendo verdade” (p. 10) “pode ocorrer também, em contrapartida, que se lhe atribua, por oposição a todas as outras, estranhos poderes, o de dizer uma verdade escondida, o de pronunciar o futuro, o de enxergar com toda ingenuidade aquilo que a sabedoria dos outros não pode perceber. É curioso constatar que durante séculos na Europa a palavra do louco não era ouvida, ou então, se era ouvida, era escutada como uma palavra de verdade. Ou caia no nada – rejeitada tão logo proferida; ou então nela se decifrava uma razão ingênua ou astuciosa, uma razão mais razoável do que a das pessoas razoáveis. De qualquer modo, excluída ou secretamente investida pela razão, no sentido restrito, ela não existia. Era através de suas palavras que se reconhecia a loucura do louco; elas eram o lugar onde se exercia a separação; mas não eram nunca recolhidas nem escutadas” (OD, 2011, p. 11) A loucura sempre foi associada de alguma maneira à transgressão. Nos comportamentos ou na linguagem a loucura é freqüentemente rechaçada do contorno do que é permitido O conhecimento da positividade do homem se dá pela loucura, enquanto desconhecimento de si mesmo, no estatuto da constituição ontológica do sujeito, o homem encontra seu limite na loucura. Tripé: razão verdade e moral da experiência moderna Todo universal e tudo o que é universalizante remete a este tripé fundante e fundamental de nossa sociedade ocidental.

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Capítulo dissetação de mestrado abordando a questão do trataemnto da locuura através de mecanismos artísticos. Neste momento, a definicão de um outro campo de experimentação da locurua é abordado.

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A loucura clssica pertencia s regies do silncio. H muito tempo se havia calado essa linguagem de si mesma sobre si mesma que entoava seu elogio (HL, p. 509)Citaao do OD, donde a loucura fala verdade de menos ou demais: Desde a alta Idade Mdia, o louco aquele cujo discurso no pode circular como o dos outros: pode ocorrer que sua palavra seja considerada nula e no seja acolhida, no tendo verdade (p. 10) pode ocorrer tambm, em contrapartida, que se lhe atribua, por oposio a todas as outras, estranhos poderes, o de dizer uma verdade escondida, o de pronunciar o futuro, o de enxergar com toda ingenuidade aquilo que a sabedoria dos outros no pode perceber. curioso constatar que durante sculos na Europa a palavra do louco no era ouvida, ou ento, se era ouvida, era escutada como uma palavra de verdade. Ou caia no nada rejeitada to logo proferida; ou ento nela se decifrava uma razo ingnua ou astuciosa, uma razo mais razovel do que a das pessoas razoveis. De qualquer modo, excluda ou secretamente investida pela razo, no sentido restrito, ela no existia. Era atravs de suas palavras que se reconhecia a loucura do louco; elas eram o lugar onde se exercia a separao; mas no eram nunca recolhidas nem escutadas (OD, 2011, p. 11)

A loucura sempre foi associada de alguma maneira transgresso. Nos comportamentos ou na linguagem a loucura freqentemente rechaada do contorno do que permitido

O conhecimento da positividade do homem se d pela loucura, enquanto desconhecimento de si mesmo, no estatuto da constituio ontolgica do sujeito, o homem encontra seu limite na loucura.

Trip: razo verdade e moral da experincia modernaTodo universal e tudo o que universalizante remete a este trip fundante e fundamental de nossa sociedade ocidental.A loucura como diferena: experincia trgica e minoridade Pensar a loucura pensar a diferena e suas formas de excluso em nossa sociedade, ambas definem e demarcam o lugar no qual ela alocada em e por nossa experincia. Foucault em As Palavras e as Coisas (2000) pondera que enquanto este seu livro tratava da aproximao entre as coisas, mais especificamente da experimentao da proximidade, organizando-a em um quadro para percorr-la; seu livro sobre a loucura, por outro lado, tratava de como uma cultura postula de forma macia e geral a diferena que a limita.A loucura em suas diferentes modulaes desrazo, doena, anormalidade vem a ser a encarnao da prpria diferena. Pensar a loucura, ou pensar com a experincia da loucura pensar diferentemente da ordem racional reinante em nossa cultura que leva e encarna o sujeito, o homem antropolgico[footnoteRef:2]. No entanto, a loucura nem sempre foi tomada sob o vis que a entendemos, pautado por um nexo de excluso radical. A linha de coeso que levou ao entendimento contemporneo teve incio a partir da era clssica e da suspenso em nossa cultura da experincia trgica da loucura, a qual diz respeito ao modo de ser integral da loucura. A ltima vez em nossa cultura que esta ordem apareceu foi no sculo XVI, donde a loucura no havia sido fragmentada, momento bem anterior objetivao de sua liberdade com Pinel e o rompimento dos grilhes que acorrentavam os loucos bestializados de Bictre. A linha que conduz da experincia da loucura nas estruturas imveis do trgico s dialticas instauradas no entendimento geral da loucura, na dicotomia valorativa do internamento e, mais adiante, na psiquiatria, repleta de cortes. Isto , sempre pairou acima ou abaixo das diversas verdades que a loucura teve, a sombra de uma realidade de fundo trgico de forma gritante. [2: O homem, conceito moderno que remete antropologia de cunho humanista, colocado por Foucault (2000) na berlinda. Figura de existncia recente, ele pode, conseqentemente, se desfazer em nossa experincia por vir. O homem uma espcie de compensao figura metafsica do Deus enterrado com a emergncia da episteme moderna; ele a figura decalcada da linguagem em fragmentos do fim do discurso clssico e que centraliza a tarefa de pensar a finitude a partir da filosofia do sujeito e das cincias humanas. O homem se v no lugar de objeto de saber e sujeito conhecedor, que o discurso moderno funda na liberdade, mas que Foucault entende como fundado em um limite muito especfico, encaminhando seu projeto enquanto despojamento do humanismo e da dialtica, mas tambm da antropologia que a luz que guia o sonho do saber e a sede de conhecimento desde a falncia do modelo da representao da era clssica. O humanismo pode at rechear as concepes de homem, mas nenhum dos dois uma constante em nosso pensamento, o homem uma oscilao entre o indivduo jurdico e o disciplinar, entre reivindicao e exerccio de poder (FOUCAULT, 2006).]

O gesto inaugural da psiquiatria moderna aconteceu num perodo em que a experincia trgica da loucura fora enclausurada em um ditame de liberdade, donde o louco, no mais atado a um sistema de coeso fsica que se materializava nas correntes, enclausurado em uma liberdade fajuta, submisso a um discurso que ele no pode alcanar. Ali, ele se encontra totalmente impotente perante os mecanismos que o excluem da ordem da produo e do reconhecimento (o indivduo louco desvalido at da luta contra o que o oprime). O que era um silncio cercado por uma tenso que sinalizava a ruptura e o parmetro de desigualdade contido na relao discurso racional e desrazo se transforma em loucura balbuciante, em uma fala desvalida de qualquer poder de expresso.At a era clssica, quando a loucura passou a ser forosa e paulatinamente silenciada, as experincias crtica e trgica coabitavam. A desrazo falava tambm (esta conjuno imprescindvel) junto razo, reiterando a todo o momento os movimentos de troca entre o racional e o desarrazoado e inversamente. No entanto, o classicismo reune em seu entendimento de alienao uma analogia de mecanismos com as vizinhanas do erro, enquanto no-verdade, e do sonho, no cultivo de imagens e fantasmas. aqui que o delrio, como experincia de distoro da realidade, passa a ser elemento fundamental da loucura e pea-chave em seu reconhecimento, ele no mais relacionado ao sonho pela vivacidade das imagens onricas, mas ressignificado pelas caractersticas de confuso e indissociado. A loucura comea ali onde se perturba e se obnubila o relacionamento entre o homem e a verdade (FOUCAULT, 1979, p. 241).Esta uma caracterstica importante para toda a compreenso posterior da loucura, a anulao de seu poder de enunciao. Ao longo da histria, a fala louca foi rechaada por falta ou por excesso, por vezes ela falava uma verdade mais verdadeira, mais carregada de significao e sentido que a prpria palavra s; durante muito tempo,a palavra do louco no era ouvida, ou ento, se era ouvida, era escutada como uma palavra de verdade. Ou caia no nada rejeitada to logo proferida; ou ento nela se decifrava uma razo ingnua ou astuciosa, uma razo mais razovel do que a das pessoas razoveis. De qualquer modo, excluda ou secretamente investida pela razo, no sentido restrito, ela no existia. Era atravs de suas palavras que se reconhecia a loucura do louco; elas eram o lugar onde se exercia a separao; mas no eram nunca recolhidas nem escutadas (FOUCAULT, 2011, p. 11)Entre tantas percepes, ela podia ser crnica social, na figura do bufo; havia o jocker que fazia humor sarcstico com ironia e um olhar cido sobre as relaes hierrquicas das cortes e seus monarcas, em outros casos era tomada como detentora de poder de enunciao do futuro ou mesmo de palavra sagrada grande parte dos casos de santos e videntes corroboram este lado.Assim sendo, a loucura clssica o nada combinado da negatividade de vrias dialticas, ela o sono da viglia, a noite do dia, fantasmagoria e delrio perante a linguagem; manifestando-se na materialidade do homem louco, que, acometido pelo nada, tem que se expressar pela linguagem racional. Pois no intuito de se fazer a loucura, o nada inacessvel, visvel na experincia clssica, operao esta que passa pela ordem da razo apesar de se realizar no contato com o homem louco. Para haver expresso de loucura no classicismo, h de se passar pela razo, que confere positividade a ela.O nada que constitui a loucura passa pelo delrio e pelo ofuscamento, em oposio verdade e claridade que so os porta-vozes do conhecimento e do discurso racional. De maneira que, para existir loucura positiva na era clssica, h que se projetar em seu nada, a luz e o saber. O que reflete o movimento reiterado e contnuo que se d entre dia e noite nas relaes de conhecimento deste contexto.A filosofia do sujeito, que nessa poca tem como expoente Descartes, recorta esta relao dialgica, sobrepujando a ordem racional, fechando as portas para qualquer elemento que remeta ao erro e comprometa o sistema do cogito cartesiano. Erro tido aqui como qualquer elemento que assinale um obnubilamento, o sono e sonho esto inscritos a, a possesso por um gnio mal e, privilegiadamente, a loucura, que o ofuscamento da capacidade de julgamento, nela, a possibilidade de ascenso verdade se encontra radicalmente comprometida em sua base. O erro reside na noite do no-louco e no dia do louco, este, teria em seu dia no a consistncia que lhe seria devida, mas a inconsistncia dos traos incertos da noite.Desvalida de positividade ontolgica por si mesma, a loucura no classicismo no pode dialogar com a tragdia, cada uma fica restrita a seu estrato e a sua linguagem, diferentemente da poca anterior. At a Renascena as figuras de Bosh atormentavam pelo grande poder que demandavam numa dialtica da loucura que no se repetiu a partir de ento, baseado nisso, Foucault (1979) assinala que no h mais a Nau dos loucos com a experincia crtica da loucura, mas o hospital; conjecturando em seguida que estes mesmos valores que ressoavam na experincia trgica da loucura nos alcanam nosso tempo via Artaud e Nietzsche. No plano histrico, no deixa de ser significativo que sejam praticamente contemporneos dois fatos de bastante peso para a construo da crtica de loucura, a abertura do Hospital Geral em Paris e a publicao do Discurso do Mtodo de Descartes. A inaugurao do primeiro marca incio da estrutura de excluso e recluso da loucura que a mantm contida num espao de cerceamento do contato e da convivncia, no segundo esto as regras formais para o pensamento ordenado da racionalidade, que coloca a loucura como secundria, como um discurso menor.Entendemos que um discurso menor se faz marginalmente a um discurso maior, que molda a ordem discursiva corrente. Este ltimo corresponde aos enunciados de vrias ordens que se impem e sobre-codificam a experincia da loucura em nossa cultura. Esta acometida por enunciados de inmeras ordens, no apenas dos saberes psi, mas do direito, do senso comum, da polcia, dentre vrios outros. O discurso menor constitui a possibilidade de a loucura, entre tantas verses a seu respeito, fazer sua sub-verso, uma verso alternativa, menor em relao discursividade maior da racionalidade, da histria e da obra.No se trata da fala de uma lngua menor, mas sim do discurso de uma minoria em uma lngua maior, em nosso caso, se trata da loucura falando nos termos da razo. O menor se refere a um jeito de se fazer, trata do engendramento de aes minoritrias, da criao de condies revolucionrias no mundo. Segundo Deleuze e Parnet, (1992, p. 214) todo mundo, sob um ou outro aspecto, est tomado por um devir minoritrio que o arrastaria por caminhos desconhecidos caso consentisse em segui-lo. Desta maneira, a ao de um discurso menor abertura de espaos para a minoridade no cerne de uma experincia maior, para que nesta, uma minoria possa se expressar, por discursos e prticas. Trata-se da criao de espaos de diferena, que no funciona exatamente por uma dialtica de simples oposio uma vez que no faz sntese, nem traduz por termos de sujeito e objeto ou significante e significado , mas inscrito em uma dialgica de composio que privilegia o mltiplo e no a interpretao nica. Pois a dialtica que no libera as diferenas, antes, ela avaliza a recuperao dos estados, aprisionando-as esvaziando os potenciais diferenciais. Desta maneira, podemos afirmar que o discurso menor no exclui o maior, mas se compe com ele e para alm dele. transgredindo as categorias de totalidade e dialtica elementos de constituio do discurso maior que se interpe a produo menor. Contudo, tomada a partir do que expelido pelo limite que a cultura coloca, a loucura no , em si mesma transgresso. O terreno privilegiado desta o da linguagem e no cruzamento dela com a loucura que a transgresso deve ser encarada como a possibilidade de mltiplos sentidos e no como mais um sentido determinado em si mesmo. A transgresso uma profanao sem objeto, ela uma linha menor em relao ao discurso uno, emulado por Deus e pelo homem, ela impossibilita o primeiro como o que limita pelo ilimitado e o segundo como seu ilimitado limite prprio de si mesmo ilimitado limite.A prpria referncia transgresso que Foucault faz se baseia a partir de Nietzsche e a morte de Deus, a qual a prpria fundao do pensamento moderno. Este por sua vez simboliza a ordem emulada pelo homem o simulacro moderno do que fora Deus para o pensamento clssico enquanto seu prprio ilimitado limite. De maneira que, se para o pensamento clssico Deus era o limite ilimitado da experincia, com o giro de episteme[footnoteRef:3], o homem no mais limitado por este ilimitado Deus (onipotente, onisciente, etc.), mas ele se descobre seu prprio limite e numa dobra do pensar, desdobrando-se ao infinito (pelas cincias humanas e pela concepo de um saber universal). Num movimento que, ao mesmo tempo em que desfaz limites, incrusta novos, se constituindo transgresso em cima de transgresso na experincia. [3: Episteme o termo que designa a ancoragem no tempo, o solo de fundamentao que confere legitimidade e positividade ao saber de um tempo especfico; quando tratamos de era clssica e modernidade baseamo-nos conseqentemente, nas pesquisas foucaultianas.]

O que Foucault sinaliza com a morte de Deus em Prefcio Transgresso (1963/2001), que esta desfaz o limite do ilimitado em que se calcava a experincia clssica. J o modernismo marcado pelo ilimitado do limite, que o prprio homem, sujeito e objeto de saber. Contudo, o que ele indica com a morte de Deus no a tardia conscincia de sua inexistncia, mais que isso, o espao em que produzimos nossa experincia a partir da era moderna. Com ela esgotamos as possibilidades de transcendncia do ser por algo exterior a ele prprio; ela designa o reino da liberdade e da interioridade que, contudo, no indica a ausncia de limites, mas justamente o ilimitado do limite e, subsequentemente, o horizonte possvel de sucessivas transgresses. Resumidamente, o desaparecimento da limitao pelo ilimitado desdobra radicalmente a existncia, levando-a reiteradamente aos seus limites[footnoteRef:4], juntamente s coisas e aos valores onde passam a ser definidos por uma afirmao no positiva, uma contestao que os lana a seus limites. [4: Foucault escreve: (1963/2001, p. 31) a morte de Deus no nos restitui a um mundo limitado e positivo, mas a um mundo que se desencadeia na experincia do limite, se faz e se desfaz no excesso que a transgride. Ainda a morte de Deus e o pensamento do trgico so apontados pelo pensador francs como imprescindveis para a ultrapassagem da dialtica que ope ser a limite.]

O ser da transgresso e o do limite esto implicados um no outro; ligados por relao menos de oposio do que de complementaridade, um a condio de existncia do outro preciso desfazer a dualidade que os ope e que coloca a transgresso num intuito de abolio total de limites. Se transgredir transgredir um limite que delimita um excesso em relao a ele, transgredir compor novas margens para uma experincia, propor novos termos para o contorno do ser; a transgresso visa abranger este contedo expelido como excedente. No obstante, justamente pela transgresso isto , tendo-a em vista e guardando espao para ela que a interveno e a leitura psicolgica pode se dar em termos de um normar e no por uma normalizao[footnoteRef:5] o foco o estabelecimento de novas normas, deixando a (curva da) normal de lado, a transgresso se d em funo dela, mas para extrapolar suas bordas. O que termina por colocar a loucura como possibilidade de pensamento e de linguagem, donde ela despojada de qualquer encargo com as verdades criadas a seu respeito. De fato, estas verdades so limites, como o eu, o homem, impostos pela linguagem, pela experincia ou pelas tentativas de tolh-la. [5: Nos termos que Canguilhem e Foucault postam, a serem discutidos na prxima sesso do texto. Suscintamente, por normar entendemos o movimento de instituio de novas normas que se do perante normas e valores j dados. Normalizao, por outro lado, remete ao que Foucault (2006) considera como um apaziguamento das diferenas da experincia executada pelos saberes/poderes.]

Um produto possvel do embate entre minoridade e ordem maior seria a experienciao de criao, um exerccio de liberdade para Deleuze (1997), o devir menor revolucionrio em relao aos mecanismos de controle e arbitrariedade. Este embate seria uma experincia de transgresso; uma particular relao com o limite que extrapola as bordas alargando os domnios da experincia. Estamos tratando aqui da criao de possveis. Loucura tomada pura, destacada e simplesmente no , necessariamente, transgressiva. A loucura transgressiva no jogo que interpe com os limites impostos pelo eu e pela sociedade.Pois se Foucault se apia no pensamento de Georges Dumzil para descobrir a forma estruturada da loucura a excluso social , o faz com o uso de noes de geometria como fora, limite, situao, dentro, separao etc.[footnoteRef:6] De maneira que limite, em seu pensamento imprescindvel transgresso, como exposto em Prefcio Transgresso (1963/2001). A transgresso que engendra a experincia da loucura repousa no entendimento de que ela o outro no s da sociedade, mas do prprio sujeito tomado em termos de identidade. Ou seja, enlouquecer passa por ser outro de si, outro em relao razo e conscincia, rompendo com a entidade idem do ser, sendo alheio ordem subjetivante ensimesmada. [6: Para maiores detalhes sobre esta afirmao conferir o timo texto de M. Serres (1969) La Geometria de lo Incomunicable: La Locura.]

Entretanto, a loucura no transgressiva em si, ela o relacionalmente, pois se no estreito espao da linha do limite que reside a transgresso, a loucura, tomada em si mesma, est alm ou aqum dessa linha em relao razo e ao limite que uma cultura traa para definir o que exterior a ela. Porque antes de a loucura ser objetivada pelo saber mdico ela uma experincia marcada por uma distino da experincia racional, os parmetros que a regem so de outras ordens, ela se faz distintamente da experincia racional, assinalada privilegiadamente pela diferena por um lado e por outro, pela forma de lidar com sua marca indelvel: a excluso.Comment by Guilherme Augusto: Falar distino que rege a exp da loucura da exp racional sucitamente!

Mas no nos precipitemos, mesmo com o advento da psiquiatria, a loucura no tomada perante um julgamento inclume, persiste a formao tica dela, que a associa a traos de negatividade em sua composio ou cria negatividades para ou sobre suas caractersticas.Esta configurao do pensamento o que produz a dicotomia entre as experincias racional e da loucura. Foucault (2009) se mostra crtico em relao oposio entre racionalidade e irracionalidade e idia da fundao da razo originria desta disposio. As racionalizaes se do sempre de maneira especfica e segundo os jogos que as integram s prticas, fazendo com que racionalidade adquira um sentido meramente instrumental. Portanto, o discurso da racionalidade que tratamos aqui um termo geral para lidar com as diversas discursividades interpostas pela racionalidade, a filosofia baseada na unidade e no sujeito e os saberes que se pretendem portadores de objetividade e cientificidade.Destarte, referimo-nos aqui ao discurso da racionalidade com os enunciados que emulam no apenas razo, mas igualmente verdade e moral na experincia moderna. A experincia moderna se funda neste triedro e ela que sustenta a unidade a todo custo, dando consistncia noo de sujeito. A experincia da loucura, por outro lado, aquilo que aborda o mltiplo e beira o desconexo; nesta, a produo de nexos perturbada e as estruturas nas quais o saber escora sua enganosa superioridade, comprometidas, como ameaa a seu cerne, a loucura atinge aquilo que torna possvel o arranjo que predispe razo. O desassossego que provoca tal comprometimento desemboca na interdio jurdica da figura do louco e na justificao das prticas de internao (leia-se enclausuramento) deste. Porm, mais importante que a distino entre as experincias entre racional e irracional so as interaes que se perfazem entre loucura e linguagem, as relaes entre os enunciados racionais que obsedam toda discursividade, impondo silncio loucura. Pois a linguagem da psiquiatria, que o monlogo da razo sobre a loucura, s pode estabelecer-se sobre um tal silncio (FOUCAULT, 1961/1999b, p. 141). Somente calando as vozes do mltiplo e do trgico da loucura que a unidade insurge como valor prepoderante na experincia moderna. No entanto, a linguagem da loucura ressurge na arte e literatura modernas, este o terreno consagrado queles que no se conformam lgica do mesmo, que dela esto excludos ou que dela se desfazem. com a linguagem de sua obra que a loucura volta linguagem; na linguagem que a loucura pode ressurgir sem maiores comprometimentos da violncia (na forma de reducionismo) da qual foi alvo.Pois aAcontece que, na cincia de sua prpria constituio, uma cultura empurra para fora de seus limites aquilo que ameaa seu ncleo constituinte. O outro no somente capaz de colocar em risco o que a compem, como comporta os germes do que pode vir a se tornar uma experincia distinta dela mesma. De maneira que, conforme a loucura atirada numa lgica estrutural de exceo, ela interpretada como erro nas categorias de desordem e desrazo, o que no quer dizer que ela carece de ordem ou razo ao todo. No se nega a existncia de ordenamento ou mesmo racionalidade na loucura.Na figurao geomtrica, o que da ordem do institudo e o outro, so traduzidos respectivamente pela positividade e pela negatividade. De maneira muito simplista, tratamos aqui do que corrobora para a perpetuao dos valores de uma cultura ou do que contesta esta valorao, seja unicamente questionando-a enquanto vigente ou, deferidamente, criando outras regras para o jogo das relaes, fazendo outras normatividades (CANGUILHEM, 2002). Quanto ao que atribudo valor de positividade, o movimento tende preservao e ao outro, negatividade, lhe incorre uma repulsa para o exterior, no movimento que o exclui.A loucura tida pelo valor de negativo na cultura ocidental desde a era clssica. Na Idade Mdia ela est presente no cotidiano como fato esttico, no sculo XVII, com a grande internao ela sucumbe ao silncio, passa a ser derrisria e mentirosa. A partir do sculo XIX, a emparelhamos doena mental, ela passa a ser um fenmeno natural, um fato do mundo vnculo este que nada tem a ver com o desenvolvimento da cincia mdica ou com uma humanizao das prticas relativas loucura. Mas da resulta a irnica liberdade que foi conferida pela revoluo c(l)nica que fundou a psiquiatria e, por outro lado, o grande protesto lrico encontrado na poesia, de Nerval at Artaud, e que um esforo para tornar a dar experincia da loucura uma profundidade e um poder de revelao que haviam sido aniquilados pela internao (FOUCAULT, p. 150, 1961/1999a).Comment by Guilherme Augusto: Perguntar para bancaS foi possvel tornar a loucura objeto da cincia desvalendo-a de seus antigos poderes, pois a loucura encarnada no desatino continha positividade e fora que abarcavam uma srie de atributos que variavam da predio do futuro ao empoderamento semi-divino. Contudo, o domnio da razo se imps a partir da separao de dois sculos entre loucura e desatino. Neste processo o racional, que tomado como positivo do outro que a loucura, implicado de tal maneira com seu outro porque o que o constitui como positividade esse outro curiosamente, uma das maneiras de se certificar de que no se louco poder reconhecer a loucura no outro. No caso, a positividade que fundada na negao do que vem a ser seu negativo, como um negativo de um negativo que forma uma positividade pressionada.Pois muito embora o patolgico seja o outro, ele concebido anteriormente. A psicologia nunca poder deter a totalidade da loucura, j que esta que detm a verdade sobre a psicologia (FOUCAULT, 1975, p. 60). A psicologia enquanto cincia normativa nasce, assim, sob o signo do anormal daquilo que observa outras regras que no as institudas. Ou seja, a positividade do saber psicolgico resulta do que ele mesmo designa como negatividade. Contudo, como ressalta Canguilhem (2002), no uma relao de contrariedade que se coloca entre o normal e o anormal, mas sim de polaridade e inverso, como se fossem dois lados da mesma moeda, no duas coisas separadas, apartadas e isoladas ontologicamente uma da outra.Chegamos ao ponto em que fica claro que estril a busca por uma experincia louca original, por uma origem da loucura (uma busca que Foucault chega a considerar em um primeiro momento e que, no entanto logo abandonada), pois esta s pode ser encarada como algo inventado. O que no corresponde a dizer que no exista loucura, no se trata absolutamente disto, mas que houve e h em nossa cultura a inveno[footnoteRef:7] da loucura por um processo de construo que produz conhecimento atravancado inexoravelmente por relaes de poder. [7: A noo de inveno aqui carrega uma designao especial. Entendemos, a partir da arqueologia foucaultiana, que as verdades so construtos, invenes a partir de leituras da realidade e no apreenses do real obscuro e submerso na experincia. E este processo de inveno de verdades se d comprometidamente com as relaes de poder que atravessam nossa sociedade (A Verdade e as Formas Jurdicas).]

Seguindo esta linha de raciocnio, a verdade emanaria em ltima instncia do dispositivo enquanto poltica de prticas, no dos saberes que objetivam seus objetos isto , no so os saberes que escavam e descobrem as verdades como que por revelao, antes, so estas que so forjadas a partir das relaes de poder para da ento os saberes se organizarem em torno delas. Em O Poder Psiquitrico (2006), com o deslocamento do eixo da problemtica foucaultiana do sujeito para o poder, se deu uma reatualizao do problema das verdades, partindo da idia de que o poder que produz as verdades, e no as verdades que engendram e designam poder; ali, Foucault entende o dispositivo de poder como instncia produtora de prtica discursiva (p. 17). Devemos ter em vista, contudo, que uma verdade incorre sempre no privilgio de uma perspectiva em detrimento de todas as outras possveis e imaginveis, o que acarreta conseqncias tanto ticas quanto polticas.De fato, a loucura, erigida na experincia ocidental sob a prtica da excluso e sob o signo de uma negatividade irrevogvel, desvalida da capacidade de articulao sobre si mesma em seu discurso, em suas verdades; ela esvaziada de sua faculdade de enunciao. Conseqentemente, o que tido como verdico respeito da loucura uma construo de um discurso relativo na maior parte das vezes moralidade[footnoteRef:8] e o mais instigante neste quadro que estas verdades que so, portanto, valoraes morais so validadas poltica e socialmente pelo estatuto cientfico, num processo retroativo de reinvestimento de poder ordem instituda[footnoteRef:9], visto que, como apontamos acima, o poder que d a luz s verdades, e no as verdades, ou a suposta posse destas, que conferem poder a algum poder uma estratgia, um jeito de se colocar em relao numa relao. [8: Foucault explicita insistentemente esta moralidade que recai sobre a experincia da loucura em Histria da Loucura; e mais informaes sobre o assunto ver o importante trabalho de Joel Briman A Psiquiatria como discurso da moralidade.] [9: H uma exposio muito competente sobre a idia de institudo e intituinte e que nos serviu de pano de fundo para nossas reflexes no artigo de Liliana da Escssia e Silvia Tedesco O coletivo de foras como plano de experincia cartogrfica de 2009]

O discurso menor da loucura da ordem do trgico, preza as vozes do mltiplo da experincia e se faz perante um discurso maior da razo grande, o qual, visando s estruturas do universal, se pauta pelo mesmo, pela identidade. O que caracteriza o trgico no um fatalismo nem a sobre-determinao, ele no remete ao pessimismo, mas pluralidade que vem das vivncias, da experimentao do mundo. Logo, o trgico uma afirmao da vida em sua multiplicidade.Foucault herda de Nietzsche a crtica ao primado da razo, ao valor exacerbado conferido ao conhecimento racional em detrimento ao mltiplo, quilo que o filsofo alemo associa ao corpo em termos de necessidade e desejo, mas que antecede irrevogavelmente razo. O corpo opera antes de qualquer pensar, modulando-o; de maneira que se o corpo integra a experincia de maneira indelvel, o injustificado valor sobrepujante do racional em nossa experincia desmistificado. Nietzsche reintegra o corpo ao pensamento, aquele mesmo corpo que podemos ver menosprezado no platonismo e no que ele chamou de platonismo para as massas, o cristianismo. Em sua filosofia, o corpo no mais o lugar da iluso, do erro e do pecado, h a inverso do postulado platnico da verdade, que est na caverna e no fora dela trata-se da afirmao da profundidade da superfcie sinteticamente entendida como o jogo de mscaras superpostas que ao final no revelam uma essncia verdadeira, mas o indeterminado estranho das coisas, ou seja, outra mscara.Comment by Guilherme Augusto: Desdobrar depois da qualificao 1) postulado platnico da verdade; 2) a rel. deste postulado com o cristianismo; 3) por que este postulado contrrio ao de zaratrusta? Contrapor a superfcie profundidade. Zaratrusta vai caverna para descobrir a verdade, no que nem o filosofo que sai dali para saber. Com efeito, Nietzsche chama de moralidade este gesto que considera os sentidos e o corpo como portadores do erro e da falsidade gestos de uma moral que se conjuga paralelamente ao jogo da razo na confeco de verdades e coloca os sentidos ao lado e em defesa da vida em sua fora que multiplicidade. A vida entendida ento como devir, em seu inacabamento, o que provoca o giro conceitual da sada do primado da constituio, da unidade e do mesmo para a apreenso do provisrio e do transitivo, para a retomada do mltiplo que tem sido sistematicamente sufocado pelas dicotomias e dialticas em nossa cultura e, no homem, pelos conceitos de identidade e sujeito. Enquanto o filsofo alemo reitera a importncia das vivncias e da experincia no embate ao idealismo cristo, Foucault usa a idia de experincia na luta que trava com a idia de sujeito e com os universais estruturais antropolgicos possibilitados por uma racionalidade desptica. Evidentemente, estes no haveriam de sarem ilesos desta luta, pois a relao de conhecimento no um movimento que pretende alcanar os objetos em sua suposta essncia ou natureza, mas o estabelecimento de uma relao de violncia que subjuga o objeto ao interesse do saber. Afinal, toda verdade fruto de um sistema de valorao qualquer, e no s ela, mas objeto e tambm sujeito so invenes. Esta a lio nietzschiana a respeito da cautela que se deve tomar sobre as relaes que se estabelecem via saber. Nietzsche coloca o que chama de instintos na base de todo movimento da vida, pois a vontade de potncia, afirmativa ou negativa, emerge dos instintos. Este o paradoxo da razo e da moral que negam em seu decurso aquilo que as possibilita, neste sentido ele fala da sua loucura em relao de contrariedade ao paradigma racional idealista como uma grande sade (FERRAZ, 1994).O trgico grego era a forma pr-socrtica de respeito aos mistrios do mundo, anterior vontade onipotente do saber que esvazia o mundo sob uma forma, no menos fictcia, de valorao das coisas, o conhecimento, o qual lana suas bases a uma suposta universalidade em sua validao. Segundo Naffah (1996), os gregos trgicos tinham um sistema de conhecimento e atribuio que pode nos parecer muito estranho, no se baseavam em eus, comportando o mltiplo e o polivalente que atravessavam o homem que, atirado ao mundo, era isento da fatalista insgnia da moralidade.Em O Nascimento da Tragdia (1992), o trgico, como proposta, emerge da unio entre apolneo e dionisaco e confere uma forma[footnoteRef:10] esttica ao transbordante da vida. No entanto, este indefinido transbordante da vida assusta o homem que o sente como ameaa e trata logo de enclausurar os elementos do mundo sob as formas do verdadeiro e do falso, margem para os valores bem e mal, cuja negao produz os juzos de bom e ruim juzos considerados pelo alemo decadentes e fracos, pois no se originam de uma potncia de criao, mas da negao daquilo que no so. [10: Para ns esta uma definio transitria, nos valemos dela para o desenvolvimento deste raciocnio. Ao final e ao passo nossa viso se alinha mais de Deleuze em Crtica e Clnica (2011, p. 11) quando afirma nas primeiras linhas de A Literatura e a Vida que escrever no certamente impor uma forma (de expresso) a uma matria vivida. ]

Entretanto, a crtica de Nietzsche no ao saber racional por ele mesmo, mas prioridade e ao exclusivismo deste conhecimento, que chega a acarretar um certo furor curandi sobre a humanidade e, numa ignorncia aos mistrios do mundo, pretende reduzi-lo ao que caiba em sua compreenso. Em outros termos, o problema no a inteno de conhecer o mundo, mas de despi-lo e depur-lo por inteiro para corrigi-lo. Eximindo o mundo em sua pluralidade de tudo o que incompatvel com a ordem racional que esquadrinha aquilo que lhe concerne, desenhando um mundo que caiba nas estruturas do saber, o domnio do racional se fecha s vozes da multiplicidade resumida ao reduto do mesmo.O conhecimento racional est intimamente ligado ao controle do mundo atravs dos valores metafsicos e dos valores morais. A metafsica funda o verdadeiro derivando-o da racionalidade enquanto a idia de bem lanada como que por um imperativo moral. A partir de ento, a vida pautada pelo verdadeiro e pelo bem, deixando de ser tomada em sua totalidade fundando um humanismo que, no apreendendo o mundo em sua dimenso integral, desloca as noes de responsabilidade e razo de um impessoal da ordem das coisas ao mbito do indivduo[footnoteRef:11]. [11: A respeito desta discusso, ver o excelente livro de Alfredo Naffah Neto, Nietzsche: a vida como valor maior (So Paulo: FTD, 1996)]

Ao mirar suas armas na moral, Nietzsche atinge a histria da filosofia. Operao esta que pode ser esclarecida tendo em mente os nexos estabelecidos pela supresso do trgico num mbito filosfico, que acaba por releg-lo s artes e suas manifestaes. Nietzsche parece conclamar o pensamento trgico em sua radicalidade desde quando faz filosofia fora do formato comum, se valendo de aforismos ou quando compe uma espcie de epopia na qual seu heri, Zaratustra, emula e carrega nas costas os valores frisados pelo autor-filsofo, ou ainda atravs poemas que fazem as longas e cansativas explanaes tpicas da filosofia de seu tempo parecer anacrnicas vistas hoje. Ele acaba deslocando os campos da arte e da filosofia, imiscuindo um no outro.De fato, a idia de verdade como balizadora, atua em duas frentes: afastando o trgico e no s naturalizando a presena da moral, mas tornando-a necessria, na medida em que atravs da moral que se posiciona um automatismo da busca da verdade. Uma moral que, atuando lado a lado com a verdade e o conhecimento racional visa minar os instintos, que so anteriores e prpria possibilidade do pensar a verdade e a moral esto implicadas no conhecimento, uma vez que no se entende que haja cincia sem pressupostos.Mas para Nietzsche, a filosofia deve acompanhar as foras da vida e, pelo pensamento, afirm-la. Ele define a filosofia como a busca de tudo o que estranho e problemtico no existir (...), tudo aquilo que foi, at agora, banido por meio da moral (NIETZSCHE apud NASCIMENTO, 1998, p. 41-42), afastando aquilo que h de cmodo e artificialmente harmonioso no saber. Assim, a filosofia fica caracterizada como um lugar de desconforto para o pensamento esttico; ora, o pensamento trgico a afirmao inconteste e incondicional expressado no eterno retorno do mesmo e vai imediatamente contrrio aos moralistas e metafsicos que desejam o mundo das essncias, sobre-terreno capaz de conferir grandes sentidos, meta-narrativas que abarcariam tudo o que cabe no restrito mundo do saber. Contudo, o sentido da realidade pode ser qualquer ou nenhum sentido, nessa evidncia se apia o pensamento trgico nisso consiste a realidade entendida como jogo de mscara sob mscara, sem chegar a uma verdade ltima mais verdadeira que a de uma prpria mscara. O pensamento nietzschiano crtico a toda hierarquizao do existente que se faa em direo a uma verdade suprema. Ele postula a vontade de potncia como errncia, uma errncia perspectivista e dinmica, pois se por um lado os valores so produes, por outro, aqueles que criam estes valores tm seu ser no vir-a-ser, assim como todas as coisas do mundo.Nietzsche critica a filosofia no que ela busca a verdade nas valoraes morais de bem e mal, numa relao clareada pelo conhecimento de base sensvel e supra-sensvel, mas so os impulsos os criadores da relao entre o sensvel e o supra-sensvel. A verdade num sentido extra-moral estaria ligada ordem mundana do trgico e do indeterminvel, e no na metafsica dos conceitos valorativos. A moral uma interpretao equivocada (Missdeutung) dos afetos porque os relaciona a uma finalidade forjando a necessidade de uma relao estrutural de bem e mal para compreend-los. Seu pensamento conduz a uma filosofia do perigoso talvez a todo custo. Este o trgico como contedo da relao entre vida e pensamento. O dionisaco o dizer Sim vida, mesmo em seus problemas mais duros e estranhos; a vontade de vida (NIETZSCHE, 1992, p. 15).Nosso intuito com esta explanao sobre o trgico mostrar um ponto que consideramos chave para a compreenso da problemtica da loucura, que consiste no sobrepujamento da razo pela via da moralidade. O que entendido como um movimento naturalizado signatrio de uma suposta evoluo do pensamento ocidental ou simplesmente como algo natural e intrnseco ao humano. Neste contexto, o que Nietzsche nos mostra que Descartes, contrapondo-se a uma madura tradio do pensamento trgico abafado pelos sculos de domnio cristo, ajudou a estabelecer um individualismo renovado no sujeito que, colocando a razo individual como o tribunal mximo do conhecimento em que a evidncia era o nico meio de prova aceitvel, colocava sob a ptica da moral todo o existente.Desta maneira, a polifonia do mundo real era sobrepujada pelo valor de unidade de um mundo ideal platnico e lgico aristotlico geral e universalizante, o saber particular, do indivduo tardara ento muito tempo para reaparecer[footnoteRef:12]. Ao localizar o essencial do ser no vazio, Nietzsche, expoente do pensamento trgico, mina as bases do dualismo entre matria e esprito. Ele procede, pelo trgico, a uma filosofia de encontro categoria de ser, j que se pauta pela transitoriedade inerente aos movimentos da vida que so desejo, necessidade, instintos; aquilo que vem do corpo antes do pensamento para que ele se efetue. [12: Tal como explorado no segundo captulo de Nascimento da Clnica (2011b), o saber que emana da clnica uma reavaliao da possibilidade de procedncia do saber. Segundo a lgica clssica, todo saber deveria ser deduzido de termos gerais e universais, assim ele seria igualmente acessvel a todos, o saber da clnica pressupe a razo do indivduo, que passa ao largo da experincia comum, do mbito de sua vivncia privada.]

Retomando nosso problema, o conhecimento no uma aproximao, antes ele a marcao de um distanciamento, ali sujeito e objeto so alvos de uma separao sistemtica. Podemos ver isto claramente quando se fala de imparcialidade, de neutralidade, ou ainda, em termos mais escandalosos, em distanciamento do campo de conhecimento. De fato, o conhecimento pautado por uma inventividade violenta; o postulado da razo no apenas cria objetos, mas conjuga (como imposio) ordenamento e julgamento na fabricao de verdades. Isso significa que funcionando por alocao forada, seja num espao discursivo ou num espaamento real, as relaes de saber se fundam sobre um plano de violncia.Tomando a constituio da loucura desde a era clssica, Foucault frisa a modernidade como momento de sublevao da ordem racional e instituio o sujeito da identidade como parmetro de verdade de maneira que, quando a experincia trgica ressurge em seu bojo, ela produz outra linguagem, que postula outras formas de existncia. O que pulula ali fala do louco, transgresso, o novo, o impensvel o que leva o sujeito para longe de si uma experincia-limite que conduz aos limites da experincia subjetiva, estruturadora do sistema de conhecimento moderno.Assim, nosso intuito emparelhar o discurso da loucura com o pensamento do trgico como uma alternativa ao discurso prioritrio do conhecimento racional. Sob este discurso da razo que poderia surgir o da loucura; no bojo de uma lngua maior o discurso menor pode-se fazer como mquina coletiva de expresso ou, em termos deleuzianos, como primado de enunciao coletiva.No que haja uma forma que, em si, seja menor, expresso e forma no avalizam o minoritrio, tampouco basta o simples fazer da deformao no processo ou no contedo. O que faz um discurso menor a expresso em seu procedimento. O que o faz menor s-lo perante um discurso maior, que aquilo que entendemos que Deleuze (2011) estudando literatura e subjetividade em Crtica e Clnica chama de lngua materna. Em sua ambigidade a lngua materna pode se referir lngua da ptria-me donde o indivduo se encontra ou mantm algum lao de pertena, mas tambm linguagem da maternagem, relacionada a uma edipianizao que se amplia do discurso ao geral da vida[footnoteRef:13]. Num procedimento que questiona da lngua-padro, a lngua menor incorre naquilo que chamamos de enlouquecimento da lngua, numa linguagem transgressiva.Comment by Guilherme Augusto: desenvolver [13: Discurso menor mantm uma relao ntima com o tema do enlouquecimento da linguagem, a ser abordado no segundo captulo.]

O enlouquecimento da linguagem refere-se ao que afasta a linguagem da literatura da linguagem cotidiana, corriqueira. Ele se refere ao desobramento na feitura da obra, quilo que no momento da escrita, lana o escritor a uma busca sem garantias e de destino incerto; caminho que conduz mesma vertigem que leva loucura ou a salvao. No se sabe de antemo o que vai ser escrito nem no que isto pode desencadear. Neste ponto, a escrita literria toma a linguagem como fluxo e no como representao. Longe de estar esttica, a linguagem da literatura propcia criao pela confeco de suas prprias regras e porte (ela porta sua prpria decifrao, mais que o autor, ou a crtica literria) dos signos de sua representao.No emaranhado de interpretaes, o enlouquecimento da linguagem no apenas a contestao dos aparatos lingsticos que asseguram os sistemas de informao, mas a abertura aos possveis arrasta aquilo que, apoiado na linguagem, d corpo ordem e razo, avalizando o sujeito na lgica do mesmo. Por outro lado, a loucura, enquanto linguagem excluda, mais uma atualizao do ser da linguagem o que significa que ele se faz em referncia distinta ontologia subjetiva. Porm, se a literatura uma experincia aceitvel, porque ali, naquele espao, permitido ser outro de si (fora-de-si); enquanto na esfera subjetiva e psicolgica distinta do campo literrio, imprescindvel a formao ensimesmada no s do discurso, mas do comportamento contido, da fala inteligvel do eu estruturado da estrutura organizada.Assim, o enlouquecimento da linguagem que acontece sob a forma literria da linguagem uma subveno da linguagem corriqueira, cotidiana. Signo de uma desobrigao com a significao e com a transparncia, e at mesmo com a partilha inexorvel inerente linguagem mesma ela conjectura uma crtica no s ao ordenamento habitual da linguagem, mas prpria noo de ordenamento de discurso e de linguagem. Ou seja, porque crtica obrigatoriedade da linguagem cotidiana, que a literatura tem sua interseo com a loucura, no ponto onde se cruzam a desobrigao com a estruturao e a ordem, a qual, numa radicalizao vertical, desemboca em descompromisso, desatamento dela com o sujeito e o saber e destes entre si.Entretanto, o que garante o vnculo entre literatura e loucura no o enlouquecer da linguagem tal qual uma oscilao na qual se ensandece conjuntamente. O que rene ambas as experincias a linguagem transgressiva, que pronuncia o que no permitido, contrariando mais do que em contedo, em forma aquilo que da alada do permitido ao discurso. Porm, as relaes entre uma linguagem outra produzida no interior de uma lngua a literatura no seio da linguagem padro ou a loucura no reino da razo vo bem alm da dicotomizao ou da dialtica de origem. Valendo-nos de Deleuze e Guattari (1977), quando escreveram sobre a literatura de Kafka, entendemos que menor no necessariamente a criao de uma lngua menor, mas, antes, o discurso de uma minoria numa lngua maior, o que quer dizer que no exerccio de um tratamento da linguagem que minoriza uma lngua maior que se instaura o discurso menor. Processo este no qual a lngua necessariamente deslocada (os autores usam a idia de desterritorializao no livro). Comment by Guilherme Augusto: pensar aqui, tem que ter mais coisa, mais gordura. no ato de minorao da lngua maior que se estabelece. Exerccio menor, um debruar sobre a linguagem que faz com que haja lngua menor.O tratamento de uso maior da lngua comprometido com a fixao de significados, mas no no sentido da produo incessante destes e sim no da retratao das interpretaes que, neste extrato, devem se voltar lngua padro e ao que ela estabelece. s palavras quilo que so coisas esta a mensagem do uso majoritrio da lngua. Contra a re-significao infinita ou qualquer auto-implicao de qualquer linguagem, o uso maior de uma lngua o espao no qual um cachimbo aquele objeto representado na pintura de Magritte e encarnado no singelo objeto colocado acima da moldura de madeira na ltima verso exposta desta obra como indica Foucault em Isto No um Cachimbo (1968/2001). Assim, maior, majoritrio e maioria presumem um padro (DELEUZE, 1997); ali reina a lgica que rene a similitude afirmao, prezando por homogeneidade e constncia.Um tratamento minoritrio da lngua, por sua vez, desamarra a linguagem lanando-a a seus prprios devires e potenciais. Por isso insistimos que a ordem menor a ordem da resistncia captura pelo poder e aos sistemas de controle promulgados por este. O exerccio menor da lngua aquele que a faz delirar em seu sistema rgido e estereotipado. Ele envolve a estril apatia da lngua ao devir numa fecunda criatividade capaz de elevar repetio e assimilao produo e inventividade. O uso menor da lngua est ao lado do indiscernvel e da disjuno inclusiva[footnoteRef:14], aquilo que faz gaguejar mais que a fala, a prpria lngua, trata-se de fazer (compor) outra lngua no bojo da lngua-me, no se trata necessariamente de neologismos, mas de uma lngua que faa a deslizar a lngua materna, arrancando-a de seu pedestal empoeirado. [14: A disjuno inclusiva ou sntese disjuntiva como chama Deleuze e Guattari (1996), se diferencia da ordem exclusiva do ou, ou isto ou aquilo, que remete ao mesmo tempo dialtica e ontologia (pautada ora por sntese dialtica, ora pela lgica do terceiro excludo); a disjuno inclusiva, por seu turno, funciona com e, adicionando e no excluindo elementos ordem do ser, agregando potncia poltica ao que enuncia, a no-relao da disjuno se torna relao. Uma disjuno que se abre possibilidade de conjuno. A partir da entendemos que fazer fugir ordem maior mais que simplesmente critic-la, mas trata-se de um movimento de fazer fuga, de se fazer fugido da lngua materna, no caso.]

Na literatura, o que os escritores fazem inventar um uso menor da lngua maior na qual se expressam inteiramente; eles minoram esta lngua (DELEUZE, 2011, p. 141). Portando, para ns, menor no qualifica um gnero literrio, tampouco um trejeito para se ler determinada literatura, mas as condies nas quais se faz literatura no bojo de uma lngua materna padro. Assim, um discurso menor, como propomos, se faz como potncia e opo poltica pautada como um valor coletivo (ou como o primado de enunciao coletiva).O discurso menor se faz em relao a um maior. Em nossa pesquisa, a emergncia do discurso menor da loucura acontece em meio ao discurso maior da racionalidade, no espao especfico em que a loucura foi reduzida a doena por enunciados a ela exteriores e inacessveis. Tal discurso maior da racionalidade emulado muito de perto pelos agentes do saber psi, mas estende seus domnios para toda a experincia partilhada em nossa sociedade, a comear pela prpria linguagem nos interditos que coloca enunciao da loucura. Contudo, exatamente na interface desses discursos to distintos da loucura e da racionalidade que acontece a discurso menor, aquele que reabre os possveis da comunicao, para alm do balbuciante estereotipado e da ininteligibilidade murmurante. O discurso menor da loucura foge s valoraes transcendentais e s idealizaes dos saberes.Em outras palavras, ainda afirmam que no gesto da literatura menor onde tudo vem a ser poltico, ela vai alm dos dramas edipianos, fazendo a lngua delirar e fazendo poltica, mesmo quando ela fala de casos particulares, vai alm dos dramas edipianos, fazendo poltica. O que faz saltar aos olhos a sua dimenso sempre coletiva o sistema de produo de uma literatura menor privilegia a enunciao coletiva, ela despojada de uma orientao feita por um mestre.No mais uma configurao onde h um que fala e outro que falado, mas um circuito de estados que forma um devenir mtuo, no seio de um agenciamento necessariamente mltiplo ou coletivo (DELEUZE & GUATTARI, 1977, p. 35). Trata-se de uma lgica comunicacional distinta da representativa e interpretativa, na qual, pelo primado da enunciao coletiva, o sujeito de enunciao e o sujeito do enunciado tornam-se figuras improvveis. Isto , numa linguagem que designa somente a si mesma, no o eu ou um eu que fala, nem sequer fala-se de qualquer eu, qualquer sujeito ou qualquer objeto, ali a linguagem que fala a linguagem expressa ela mesma. As palavras adquirem uma pertena mais ampla que o sujeito, porque no mais se referem a um sujeito, exclusivamente, mas a uma coletividade minoritria mltipla.Esta literatura do primado da enunciao coletiva, desvinculada dos discursos dos mestres, d uma dimenso poltica aguda aos enunciados de um indivduo, o que um s fala, j confere uma extenso coletiva. Era isso que bradava Kafka ao ressaltar que literatura tem mais a ver com um povo que com a histria da literatura (DELEUZE, 2011, p. 27), pois o que o escritor sozinho diz, j constitui uma ao comum, e o que ele diz ou faz, necessariamente poltico, mesmo que os outros no estejam de acordo (DELEUZE & GUATTARI, 1977, p. 27). O autor tcheco que escrevia em alemo escrevia por um povo e, com sua literatura menor (que no tem nada a ver com literatura marginal), incorria politicamente numa dobra de sua obra que dizia sobre um povo, um povo que no se restringia aos judeus de Praga, um povo no apenas judeu, no apenas tcheco; de fato, sua escrita agia em prol de um por vir.Com efeito, o campo de posicionamento do coletivo maior do Estado (mas o Estado referido aqui se estende noo, edipianizada, como no poderia deixar de ser, do EU, que o Estado em ns ou seja, aquilo que de maior carregamos em nossos preceitos, em nossas subjetividades) est sempre em vias de dissoluo e a literatura que produz uma solidariedade ativa (DELEUZE & GUATTARI, 1977, p. 27). O Estado, o sujeito e o paciente so caractersticos e franqueados de um tipo de organizao e produo pelo e do passivo que est sempre prestes a se desfazer e o que surge em potncia e co-gerao precisamente uma formao ativa, uma deformao ativa.Entretanto, temoslembrando sempre que lembrar Deleuze em Crtica e Clnica (2011), quando aponta que escrever no dar forma a algoum informe, ou sequer criar alguma maneira de expresso que represente algo que foi vivido. A literatura est antes do lado do informe ou do inacabamento (p. 11), isto , ela est inexoravelmente ligada ao devir no que ele mais pode ter de libertao. O devir que a rege da ordem do desgovernado, no de um devir histrico que remete ao que ser ou ao que desencadear aquilo que escrito. A literatura no forma, pois h algo nela que sempre fugidio, que escapa, que est constantemente em fuga, e que no pode ser atada formalizao e cuja verdade tampouco pode ser decifrada pela anlise de seus contedos. A literatura desloca as palavras em suas significaes, ela trabalha no para formar uma lngua padro, mas para desestabilizar o equilbrio da lngua padro, fazendo-a gaguejar nela mesma, em suas regras e no na fala de um personagem ou de um indivduo que de fato gagueja.Afirmando que no h sujeito, h apenas agenciamentos coletivos de enunciao (p. 28), Deleuze e Guattari (1977) os autores entendem a literatura como o campo privilegiado de expresso de uma coletividade que no vem do exterior e que pode sim ser grmen de revoluo como indicamos acima, um discurso menor fala sempre em prol de um povo e de um por vir. Uma vez que apenas em relao a um sujeito que o indivduo seria separvel do coletivo (p. 28), ao rachar a ordem subjetiva no h problemas com a enunciao coletiva, a ordem individual se ramifica politicamente na coletiva.Comment by Guilherme Augusto: Explicar citaes.Seguindo as pistas deixadas pelor os mesmos autoresDeleuze e Guattari (1977), para fazer um discurso menor h deServir-se do polilingismo em sua prpria lngua, fazer desta um uso menor ou intensivo, opor o carter oprimido dessa lngua a seu carter opressor, encontrar (41) os pontos de no-cultura e de subdesenvolvimento, as zonas lingsticas de terceiro mundo por onde uma lngua escapa, uma animal se introduz, um agenciamento se ramifica. (p. 41 e 42)Porm, o discurso menor no se faz perante uma sutileza cifrada de metforas, o dizer menor, como na literatura menor, se aplica na materialidade daquilo que diz e daquilo que deveras, no s pensa, mas sente. Isto , ele visceral no no sentido de interioridade, daquilo que vem de dentro, mas visceral de um modo encarnado, forte insistimos em evocar a materialidade do pensamento e da carne em Artaud (como aquilo que incorpora o que entendemos por trgico e por menor). Certamente o discurso menor parte da instaurao de outra intensidade na linguagem, uma vez que o devir no substituio de formas, o minoritrio o inacabamento, o que no se mantm e no se encerra. Portanto, a linguagem menor mais intensiva, no se faz no mbito da representao e se conjuga mais prxima daquilo que exprime, que no tem como objeto diferentemente do conhecimento racional que enseja se ver cada vez mais afastado daquilo que objetiva ou representa.A linguagem deixa de ser representativa para tender a seus extremos ou seus limites (DELEUZE & GUATTARI, 1977, p. 36). Este deslocamento acaba em estranhamento e se d automaticamente ao arrancar (mesmo que por vontade prpria) as coisas de uma suposta nuclearidade. Trata-se de um processo de deformao ativa que no confere nunca uma forma definitiva. Trata-se de ser ator em se arrastar.O devir menor remete criao de condies revolucionrias por uma minoria (o devir minoritrio e a revoluo para Deleuze (1997) so indissociveis) no seio de uma linguagem maior, a qual, por sua vez, advm de uma generalidade local, enraizada naquilo que a constitui a minoria como menor. As categorias espao-temporais dessas lnguas diferem sumariamente: a lngua verncula est aqui; a veicular, em toda parte, a referencial, l; a mtica, alm. (DELEUZE & GUATTARI, 1977, p. 37). H o exemplo do latim que pode ter comeado com lngua verncula no Lacio, h muito tempo, depois se tornando veicular em toda Europa, para depois referencial e hoje, mtica.Concluindo, a minoria poltica e coletiva a que nos referimos vem da desterritorializao da lngua no somente enquanto idioma de linguagem letrada, mas como linguagem de alicerce da cultura ocidental, de maneira que compreendemos na ramificao do individual no imediato-poltico o agenciamento coletivo de enunciao a que nos referimos como possibilidade da loucura poder fazer seu discurso, pela fala do louco, ali no ponto onde a psiquiatria e os demais saberes titubeiam sobre a experincia louca ela insurge em sua minoridade, trazendo-nos em seu discurso as insgnias do trgico.