A Medida de Abrigo a Luz Do Direito Ciranca Adolescentes Gardhellen Mari Pereira

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA GARDHELLEN MARI PEREIRA A MEDIDA DE ABRIGO À LUZ DO DIREITO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA São José 2007

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

GARDHELLEN MARI PEREIRA

A MEDIDA DE ABRIGO À LUZ DO DIREITO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA

São José

2007

GARDHELLEN MARI PEREIRA

A MEDIDA DE ABRIGO À LUZ DO DIREITO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA

Monografia apresentada ao Curso de graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel.

Orientadora: Prof.ª Msc. Danielle Maria Espezim dos Santos

São José

2007

GARDHELLEN MARI PEREIRA

A MEDIDA DE ABRIGO À LUZ DO DIREITO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA

Esta Monografia foi julgada adequada à obtenção do título de Bacharel em Direito Social e aprovado em sua forma final pelo Curso de Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina.

São José, 05 de novembro de 2007.

_________________________________________________

Prof.ª e Orientadora Msc. Danielle Maria Espezim dos Santos

Universidade do Sul de Santa Catarina

_________________________________________________

Prof. André Luiz dos Santos

Universidade do Sul de Santa Catarina

_________________________________________________

Prof.ª Andréa Catine Cosme

Universidade do Sul de Santa Catarina

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

A MEDIDA DE ABRIGO À LUZ DO DIREITO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA

Declaro, para todos os fins de direito que se fizerem necessários, que

assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao

presente trabalho, isentando a Universidade do Sul de Santa Catarina, a

Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de todo e

qualquer reflexo acerca desta monografia.

Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e

criminalmente em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.

São José, 05 de novembro de 2007.

___________________________

GARDHELLEN MARI PEREIRA

Dedico este trabalho aos meus filhos,

Anderson e Émerson, pela nossa

maravilhosa convivência familiar.

AGRADECIMENTOS

Através deste trabalho tive a oportunidade de demonstrar o significado do

vínculo familiar para a criança e o adolescente, o qual é muito importante pela minha

experiência de vida. Em primeiro lugar agradeço a Deus pela energia que recebi

durante esse tempo, dando-me coragem para continuar. Agradeço a professora

Danielle Maria Espezim dos Santos pela dedicação na minha orientação e aos

demais professores e colegas universitários. Aos amigos e em especial aos meus

filhos pelo incentivo durante esta jornada e companheirismo.

Acima do direito formal, da legalidade

estricta, existe um direito, mais positivo do

que esse, porque é, a um tempo, mais

legítimo e mais forte: o direito que resulta

do desenvolvimento humano.

(Rui Barbosa)

RESUMO

Nesta monografia procura-se demonstrar a importância da convivência familiar e

comunitária para as crianças e adolescentes em face da institucionalização. O

método de abordagem é dedutivo, partindo-se da análise de fenômenos gerais face

às doutrinas acolhidas para crianças e adolescentes e do direito fundamental à

convivência familiar e comunitária para se verificar a medida de abrigo no Brasil.

Para uma análise das diferenças entre as legislações e doutrinas aplicadas, e seus

reflexos nas gerações de crianças e adolescentes institucionalizados, utiliza-se o

método comparativo. Os dados da análise são secundários, oriundos de pesquisa a

nível nacional e de forma quantitativa. Também se analisa as diferenças do

atendimento às famílias de crianças e adolescentes em instituições à época da

Doutrina da Situação Irregular até o advento da Doutrina da Proteção Integral.

Procura-se demonstrar a importância do Direito à Convivência Familiar e

Comunitária perante uma realidade social, analisando-se a proposta de

reformulação das instituições de abrigo. Demonstra-se a importância dos princípios

da excepcionalidade e provisoriedade em situações de abrigamento, para uma

reinserção da criança e adolescente na família natural e, não sendo possível, em

família substituta, o quanto antes. Os dados obtidos constam em pesquisa nacional

e são mencionados no Plano Nacional de Promoção, Defesa e Garantia do Direito

de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, aprovado em

2006. Por último, são mencionadas algumas propostas para reversão do quadro da

institucionalização indiscriminada de crianças e adolescentes e as políticas públicas

previstas na legislação, bem como a importância do município e de seus agentes.

Palavras-chave: Crianças. Adolescentes. Institucionalização. Convivência. Familiar.

Comunitária. Medida. Abrigamento.

LISTA DE SIGLAS

CC – Código Civil

CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

FCBIA – Fundação Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência

FEBEM – Fundação para o Bem-Estar do Menor

FUNABEM – Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social

ONU – Organização das Nações Unidas

PNBEM – Política Nacional de Bem-Estar do Menor

SAC – Serviço de Ação Continuada

SAM – Serviço de Assistência ao Menor

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10

2 ASPECTOS HISTÓRICOS E NORMATIVOS DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE NO BRASIL ................................................................................... 13

2.1 A “PROTEÇÃO” À INFÂNCIA NO PERÍODO PRÉ-ESTATUTÁRIO ................... 13

2.1.1 Doutrina da situação Irregular ...................................................................... 21

2.2 A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL ........................................................ 25

3 O DIREITO FUNDAMENTAL À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA ... 35

3.1 DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA ............................ 35

3.2 DO ASSISTENCIALISMO À POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL .................. 42

3.3 A SUSPENSÃO OU DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR .............................. 48

3.3.1 Guarda ............................................................................................................. 52

3.3.2 Tutela ............................................................................................................... 54

3.3.3 Adoção ............................................................................................................ 56

4 A MEDIDA PROTETIVA DE ABRIGO – PROVISÓRIA E EXCEPCIONAL .......... 59

4.1 A MEDIDA PROTETIVA DE ABRIGO ................................................................. 59

4.2 A EXCEPCIONALIDADE E PROVISORIEDADE EM ANÁLISE .......................... 68

4.3 AS PROPOSTAS DE REVERSÃO DO QUADRO .............................................. 71

5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 75

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 79

10

1 INTRODUÇÃO

Esta monografia tem como objeto de estudo o Direito da Criança e do

Adolescente à Convivência Familiar e Comunitária frente ao sistema de abrigos no

país.

A metodologia utilizada é bibliográfica e estudo da legislação vigente,

confrontadas com os dados estatísticos acerca dos abrigos no Brasil.

O método de abordagem é dedutivo, partindo-se de doutrinas e leis

gerais.

O tema é importante pela mudança de concepção quanto à capacidade

das famílias menos favorecidas financeiramente em relação à criação e educação

de seus filhos, as quais não podem mais ser passíveis da perda do poder familiar

em virtude de carência material. O conhecimento das mudanças previstas na

legislação é relevante no sentido de que operadores do direito e agentes públicos

tenham em mente o novo paradigma da proteção integral.

Pela doutrina da proteção integral, cabe ao Estado instituir políticas

públicas para prevenção e preservação dos vínculos familiares, evitando-se a

institucionalização de crianças pela falta de recursos financeiros dos pais.

A presente pesquisa tem como objetivo geral analisar em que medida o

abrigamento institucional concorre com a manutenção da garantia do direito

fundamental à Convivência Familiar e Comunitária das crianças e adolescentes,

conforme previsto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e no

Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069 de 13 de julho de 1990.

Os objetivos específicos são: Análise da proteção à infância no período

pré-estatutário. Análise da trajetória constitucional e demais bases legislativas

nacionais e internacionais, em relação às formas de proteção dispensadas às

crianças e adolescentes em situações de carência material ou abandonados. Análise

dos objetivos propostos pela doutrina da proteção integral em relação às políticas

públicas, à família e ao direito à convivência familiar e comunitária das crianças e

adolescentes. Análise das diferenças entre o assistencialismo estatal e a atual

política de assistência social. Também se aborda os institutos da adoção, tutela e

guarda e os procedimentos quando não for mais possível a reinserção da criança ou

adolescente na família de origem. Por último, um estudo do acolhimento institucional

11

em caráter excepcional e provisório e a garantia de que o abrigo seja de fato uma

medida de proteção social com políticas públicas estruturadas.

Quanto à estrutura, o trabalho foi dividido em cinco capítulos.

O primeiro capítulo, a presente introdução que compreende aspectos de

contextualização do tema, objetivos, relevância da pesquisa e a metodologia

aplicada.

No segundo capítulo se abordam as primeiras leis e iniciativas

assistenciais às crianças e adolescentes brasileiros. Cuida-se da forma de proteção

que antecedeu o Estatuto da Criança e do Adolescente desde a época da

escravidão até a urbanização. Faz-se uma análise do tratamento paternalista do

Estado em relação às situações que envolviam as famílias pobres com crianças e

adolescentes. Ainda nesse capítulo, acompanhando a evolução histórica da Doutrina

da Situação Irregular à Doutrina da Proteção Integral, tem-se a Constituição Federal

de 1988 como um marco na garantia dos direitos fundamentais às crianças e

adolescentes. Também é mencionada a importância do Princípio do Melhor

Interesse da Criança e do Adolescente perante a interferência do Estado no grupo

familiar, e o Princípio da Prioridade Absoluta. São abordadas as normas

internacionais e o percurso feito pelo Estado brasileiro para ratificar a Convenção

Internacional dos Direitos da Criança e transformá-la em lei interna na forma do

Estatuto da Criança e do Adolescente.

O terceiro capítulo trata da definição da entidade familiar pela atual

legislação brasileira e das políticas públicas que visam à proteção integral das

crianças e adolescentes. Procura-se demonstrar, através de pesquisa bibliográfica, a

importância do convívio familiar no desenvolvimento do ser humano, e o dever da

família em criar seus filhos, bem como ao Estado o fornecimento de subsídios para

uma vida digna. Em continuidade, uma pesquisa da proibição pelo Estatuto da

Criança e do Adolescente, de perda do poder familiar em virtude da falta de recursos

materiais da família. Também é exposta a evolução do assistencialismo estatal para

a política de assistência social, considerada direito fundamental e abordada no

Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e

Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. A suspensão ou destituição do

poder familiar em virtude da violação dos direitos da criança e do adolescente e a

colocação em família substituta também são assuntos tratados neste capítulo.

12

No quarto capítulo se analisa a medida excepcional e provisória de

abrigamento quanto à transição da criança e do adolescente pelo abrigo, sem

implicar na privação de liberdade. São apresentadas as propostas para reversão do

quadro da institucionalização de acordo com o Plano Nacional de Promoção,

Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e

Comunitária e a publicação da obra coordenada por Enid Rocha de Andrade Silva,

sob o título “O Direito à Convivência Familiar e Comunitária – os abrigos para

crianças e adolescentes no Brasil”. Os índices apontados no Plano Nacional e na

obra mencionada foram apurados no Levantamento Nacional de Abrigos em

pesquisa efetuada pelo IPEA em 2003, retratando ainda neste capítulo, as

condições de atendimento a crianças e adolescentes em entidades, o número de

abrigados, motivos da medida, tempo de abrigamento e a preservação do vínculo

familiar.

O quinto capítulo é a conclusão deste trabalho monográfico.

13

2 ASPECTOS HISTÓRICOS E NORMATIVOS DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE NO BRASIL

Neste segundo capítulo serão abordados alguns aspectos históricos das

primeiras leis e iniciativas assistenciais às crianças e adolescentes no Brasil,

anteriores e posteriores à instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Busca-se identificar a finalidade do Estado à época, da Doutrina da Situação

Irregular até a trajetória da conquista dos direitos fundamentais, conforme a atual

Doutrina da Proteção Integral.

O termo “proteção” é utilizado para expressar a forma como o Estado

brasileiro se organizou e se preocupou com as crianças e adolescentes perante a

sociedade, até a chegada de uma visão de garantias e direitos fundamentais.

2.1 A “PROTEÇÃO” À INFÂNCIA NO PERÍODO PRÉ-ESTATUTÁRIO:

Observa-se que na fase pré-estatutária, a expressão “menor” foi

empregada como significado de criança abandonada, carente ou praticante de atos

anti-sociais, termo que a seguir é utilizado de acordo com a ordem cronológica da

história da infância e adolescência do Brasil.

De acordo com Santos e Veronese, uma das bases legislativas dos

direitos da criança e do adolescente teria ocorrido ainda na época da escravidão e a

partir de uma sociedade que realizava campanha abolicionista. Através da Lei 2.040

de 28 de setembro de 1871, conhecida como Lei do Ventre Livre ou Lei Rio Branco

foi concedida liberdade às crianças nascidas de escravas.1

Veronese escreve que o objetivo abolicionista era o de extinguir a

escravidão infantil, mas a liberdade concedida aos nascituros tinha restrições, os

quais permaneciam sob autoridade do proprietário dos escravos até os oito anos de

idade. Após essa idade, o proprietário dos escravos teria a opção de se utilizar os

serviços do liberto até que completasse vinte e um anos, ou ainda passando-o para

1 SANTOS, Danielle Maria Espezim dos; VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. Palhoça: Unisul Virtual, 2007. p. 20.

14

o Governo e recebendo uma indenização paga em títulos do Estado. Sendo o menor

passado para o Governo, este o repassaria para uma instituição de caridade, na

qual também seria explorado, trabalhando até os 21 anos de idade, separado da

família e da comunidade.2

Ainda, de acordo com a mesma autora, a finalidade da Lei do Ventre Livre

seria a evolução para um sistema de trabalho livre, mas na maioria das vezes, o

senhor de escravos preferia ficar com os filhos de escravos para o trabalho, até

mesmo porque a lei não determinava o regime de trabalho, estava instituída assim,

uma nova forma de servidão.

Veronese diz que após a extinção do regime servil, iniciou-se uma política

de colonização do território no sul do país, ocorrendo o ingresso de imigrantes em

grande escala. A realidade encontrada por estas pessoas envolvia doenças e pragas

nas lavouras, aumento populacional com maior número de filhos e de parentes que

chegavam da Europa, bem como a falta de adaptação climática, gerou-se assim,

uma procura pelo trabalho assalariado e conseqüentemente, a urbanização.3

Observam Santos e Veronese que a urbanização foi marcada pelo

abandono e rejeição de crianças pelas ruas ou nas portas das casas. Com a

finalidade de amparar essas crianças, no ano de 1896 foi criada em São Paulo a

Casa dos Expostos. No Rio de Janeiro em 1738, foi fundada por Romão de Mattos

Duarte a mesma instituição, mais conhecida como Roda, também com o fim de

recolher crianças. Contudo, com a falta de recursos materiais nessas instituições,

deixava as crianças em condições precárias e muitas não resistiam.4

Quanto ao processo de organização das instituições no período Colonial e

no Império, Santos e Veronese descrevem que a assistência aos menores de idade

era promovida pela igreja, por intermédio das ordens religiosas e na forma de

caridade. Em virtude de mudanças sociais, políticas e econômicas provenientes da

Abolição da Escravatura, bem como da Proclamação da República um ano depois, o

amparo e auxílio à criança carente foram vistos como obrigação pela própria

coletividade, já na forma de filantropia.5

Ainda sobre as formas de assistência, Veronese diz:

2 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. São Paulo: Ltr, 1999, p. 12. 3 Ibid., p. 15. 4 SANTOS; VERONESE, 2007, p. 23. 5 Ibid., p. 25.

15

É inegável o fato de que a primeira instituição encarregada da assistência aos menores foi a Igreja Católica, através das ordens religiosas. De início o atendimento era dado aos órfãos e abandonados, estendendo-se posteriormente para os considerados ‘pervertidos’. Esse tipo de assistência tinha característica predominantemente caritativa, isto é, bastava dar-lhes casa e comida. O ensino se limitava ao aprendizado das atividades domésticas e educação familiar, esta fundamentada no binômio: autoridade – obediência, que geralmente preparava as crianças para os empregos domésticos.6

Com referência à norma constitucional, Veronese descreve que a

Constituição Imperial de 1824 e a da primeira República, de 1891, foram omissas,

ou seja, nada instituíram em relação à criança carente. Menciona ainda, que o

Código Penal de 1890 fazia ressalva aos menores de nove anos de idade, os quais

não poderiam ser incriminados, bem como os maiores de nove e menores de

quatorze anos, que agiam sem o completo juízo. O mesmo Código avaliava a

menoridade como atenuante e com medidas disciplinares.7

Comentam Santos e Veronese que a partir de 1922, no Rio de Janeiro,

começou a funcionar o primeiro atendimento público para crianças e adolescentes, o

que antes era de responsabilidade da Igreja.8

Segundo Veronese, em 1924 foi criado, através do Decreto n° 16.272 na

cidade do Rio de Janeiro, o primeiro Juizado de Menores do Brasil, motivado pela

luta do jurista e legislador Mello Mattos. Referido decreto instituiu que:

Dentre as funções desse Juízo de Menores estava a promoção, solicitação, acompanhamento, fiscalização e orientação em todas as ações judiciais que envolvessem interesses de menores, sobretudo os que se encontravam internados nos institutos do Governo Federal e nos particulares subvencionados pelo Estado. O juiz de menores tinha o encargo, determinado por lei, de educar todas as espécies de menores: órfãos, abandonados, pervertidos, viciados, delinqüentes/moral e materialmente, isto porque era o citado Juizado o órgão responsável pela assistência aos menores do Distrito Federal.9

Na mesma forma, Veronese diz: O Decreto n° 5.083 de 1926, aprovou o

Projeto Mello Mattos que tinha sido apresentado em 1921, como projeto do Código

de Menores. Referido Decreto, continha em seus dispositivos uma idéia nova de

pátrio poder, na qual a relação do genitor sobre o filho passou a ser regulada pelo

Estado, com autoridade para interferir sobre a mesma. O pátrio poder foi

6 VERONESE, 1999, p. 18. 7 Ibid., p. 19. 8 SANTOS; VERONESE, 2007, p. 25. 9 VERONESE, op. cit., p. 23.

16

transformado em pátrio dever, atribuindo aos pais obrigação de educar os filhos e

também de aplicar-lhes castigos moderados. A idéia se concretizou estabelecendo-

se o dever do Estado em assistir aos menores de idade.10

Em continuidade, Veronese menciona que através do Decreto nº 17.943

de 12 de outubro de 1927, foi aprovado o primeiro Código de Menores da América

Latina. A legislação denominada menorista tinha uma base corretiva, uma vez que

estava direcionada para instruir, disciplinar, física, moral e civicamente as crianças

procedentes de famílias consideradas desajustadas, ou ainda dos órfãos. O

interesse se dava em relação às pessoas com menos de dezoito anos de idade e de

família carente financeiramente, desta forma estava constatada a falta de estrutura

familiar, tendo por conseqüência, a institucionalização das crianças e adolescentes

sob tutela do Estado.11

Sobre a atitude paternalista assumida pelo Estado, Veronese descreve

que apesar da intenção e empenho de Mello Mattos, enfrentou-se a escassez de

recursos e de autonomia para conservação das instituições e construção de outras.

O que foi um empecilho em virtude da política na época, que não queria vincular os

gastos do governo.12

Ainda com referência ao Código de Menores de 1927, Santos e Veronese

comentam:

O Código de Menores de 1927, que consolidou toda a legislação sobre crianças até então emanada de Portugal, pelo Império e pela República, consagrou um sistema dual no atendimento à criança, atuando especificamente sobre os chamados efeitos da ausência, que atribui ao Estado a tutela sobre o órfão, o abandonado e os pais presumidos como ausentes, tornando disponível seus direitos de pátrio poder. Os chamados direitos civis, entendidos como os direitos pertinentes à criança inserida em uma família padrão, em moldes socialmente aceitáveis, continuaram merecendo a proteção do Código Civil Brasileiro, sem alterações substanciais.13 [grifo no original].

Como se observa, com o Código de Menores foram estabelecidas as

normas do desregramento social por parte da família, especialmente aquela que não

tinha condições financeiras favoráveis para a sua mantença, assim se justificava a

intervenção estatal para a destituição do pátrio poder. O bem jurídico assegurado à

10 VERONESE, 1999, p. 25. 11 Ibid., p. 26. 12 Ibid., p. 31. 13 SANTOS; VERONESE, 2007, p. 26.

17

criança não contemplava a família, ao contrário, esta era responsabilizada pela

carência material e sem estrutura, sendo penalizada pelo Estado, bem como o filho

que perdia o convívio com seus familiares.

Quanto à responsabilidade penal atribuída aos pais pelo abandono dos

filhos, Silva menciona:

O Código Penal, que data de 1940 e ainda está em vigor, estabeleceu pena de detenção de seis meses a três anos ao genitor que abandonasse crianças; pena de reclusão de um a cinco anos se do abandono resultassem lesões corporais de natureza grave. Se o abandono causasse a morte da criança, a pena seria de quatro a 12 anos, agravada se ocorrido em lugar ermo onde não fosse possível o socorro à criança.14

O artigo 244 do mesmo Código Penal - Decreto-Lei nº 2.848 de 07 de

dezembro de 1940, refere-se ao Abandono Material e com redação atualizada pela

Lei 10.741/2003 estabelece:15

Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo.

O artigo 246 do Código Penal trata do Abandono Intelectual,

responsabilizando os pais pela matrícula e manutenção dos filhos em rede escolar:

“Art. 246. Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade

escolar”.16

Na trajetória constitucional, Santos e Veronese comentam que a

Constituição Federal de 1934, em seu art. 121, § 1º, “d”, foi a primeira a mencionar

os direitos da criança proibindo o trabalho de menores de 14 anos, o trabalho

noturno para menores de 16 e no § 3º previa o auxílio à maternidade e à infância.17

Quanto à Constituição do Estado Novo, Veronese menciona sobre os

direitos sociais assegurados pelo Estado, com assistência à infância e à juventude

14 SILVA, Enid Rocha Andrade da (Coord.). O direito à convivência familiar e comunitária: os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil. Brasília: IPEA, 2004. p. 292. Disponível em:<http:///www.ipea.gov.br>. Acesso em: 31 ago. 2007. 15 BRASIL. Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 10 set. 2007. 16 Ibid. 17 SANTOS; VERONESE, 2007, p. 61.

18

no que se refere às garantias de proteção, visando melhores condições físicas e

morais para o bom desenvolvimento, bem como da gravidade do ato de abandono

das crianças por parte dos pais. O art. 127 da Constituição de 1937 dizia: “O

abandono à criança importava em falta grave dos pais; nesse caso, caberia ao

Estado provê-las. Os pais miseráveis teriam o direito de pedir um auxílio ao Estado

para subsistência e educação dos filhos”. Referida Constituinte previa ainda, que a

Nação, os Estados e os Municípios tinham o dever de criar instituições de ensino

gratuito para aqueles menos favorecidos financeiramente.18

Em 1941 foi organizado o SAM - Serviço de Assistência ao Menor através

do Decreto-lei n° 3779, com intuito de prestar, a nível nacional, acolhida social aos

menores infratores e abandonados. O SAM não chegou a executar seus propósitos

em virtude dos procedimentos impróprios de atendimento ao invés de proteção e

supervisão adequada.19

Também Silva comenta sobre o Serviço de Assistência ao Menor dizendo

que o SAM era “[...] ligado ao Ministério da Justiça, equivalente ao Sistema

Penitenciário para a população de menor idade, com enfoque tipicamente

correcional repressivo”.20 [grifo no original].

Silva complementa escrevendo sobre a luta da sociedade contra o

sistema adotado pelo Serviço de Assistência ao menor – SAM:

Após 30 anos de luta da sociedade para acabar com o SAM, em razão de suas práticas tipicamente repressivas, no ano de 1964 – primeiro ano do regime militar – é estabelecida a Política Nacional de Bem-Estar do Menor (PNBEM), com proposta claramente assistencialista, a ser executada pela Fundação Nacional do Bem Estar do Menor (Funabem).21

Ainda sobre a infiltração do padrão do Serviço de Assistência ao Menor

em outras políticas que se sucederam, Veronese diz que:

Embora as críticas ao SAM fossem generalizadas, nada impediu que sua lógica de ação – a internação de crianças e adolescentes carentes, abandonados, em instituições totais – se infiltrasse nas políticas da instituição que o sucedeu. Presumia-se que aqueles seriam mais bem protegidos se fossem isolados em relação ao seu ambiente de origem que os predispunha a uma situação de delinqüência e marginalidade. 22

18 VERONESE, 1999, p. 42. 19 Ibid., p. 32. 20 SILVA, 2004, p. 23. 21 SILVA, loc.cit. 22 VERONESE, op.cit., p. 32.

19

Sobre o menor no panorama do regime militar, Veronese salienta que em

1964, a Política Nacional de Bem-Estar do Menor (PNBEM) foi uma manifestação da

ideologia de segurança nacional. A situação da criança e do adolescente na época

recebeu o status de problema social, passando a ser inserido nos objetivos da

política nacional.23

Na seqüência, Veronese diz que a responsabilidade no desenvolvimento

de novas direções passou para a Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor

(FUNABEM), que tinha por objetivo estabelecer a centralização de programas de

prevenção e controle e iniciativas em favor da população em apreço. No ano de

1974, a FUNABEM passou a ser vinculada ao Ministério da Previdência e

Assistência Social e em 1990 foi extinta através da Lei n° 8.029, surgindo a FCBIA –

Fundação Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência, agora com objetivo de

normatizar e coordenar projetos em defesa dos direitos da criança e do

adolescente.24

No Ano Internacional da Criança foi instituído o Código de Menores de

1979, e Veronese coloca que: “Com tal Código se dá o estabelecimento de um novo

termo: ‘menor em situação irregular’, que dizia respeito ao menor de 18 anos de

idade [...]”. Tratava de proteção e vigilância de crianças e adolescentes tidos como

infratores, carentes ou desamparados.25

Silva comenta que, assim como o Código de Menores de 1927 não foi

receptivo aos princípios da Declaração de Genebra de 1924 sobre os Direitos da

Criança, tampouco os legisladores brasileiros se ativeram aos princípios da

Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, ao Pacto de São José da

Costa Rica de 1969 e nem à Declaração sobre os Direitos da Criança, adotada pela

ONU em 1959 quando na elaboração do Código de Menores de 1979.26

Para Silva, é de ser relevado que na década de 1980, com o início de um

movimento mais democrático, a visão anterior do sistema político de tratamento aos

menores passa a ser vista como uma representação do autoritarismo. Acrescenta

ainda que: “Ao mesmo tempo, o menino de rua, torna-se a figura emblemática da

23 VERONESE, 1999, p. 33. 24 Ibid., p. 34. 25 Ibid., p. 35. 26 SILVA, 2004, p. 295.

20

situação da criança e do adolescente no Brasil”. Com a solidificação das discussões,

foi criada em 1986 a Comissão Nacional Criança e Constituinte.27 [grifo no original].

Na trajetória constitucional descrita por Paula, o autor diz que o mesmo

seguimento se dava nas legislações, inclusive com a vigência do Código de

Menores de 1927, foi instituída a Consolidação das Leis Penais, que mantinha a

responsabilidade penal em 14 anos de idade. Somente em 1940 com a edição do

Código Penal, a imputabilidade penal foi elevada para 18 anos de idade, sendo

decretado o novo patamar quanto à idade para responsabilidade penal, através do

Decreto-Lei nº 6.026 de 1943. Pelo decreto mencionado, foi estipulado que os

adolescentes que cometiam ilícitos penais, com idade entre quatorze e dezoito anos,

seriam avaliados pelo critério de periculosidade, e sendo assim considerada, seriam

internados até que a justiça entendesse que não apresentavam mais riscos,

podendo estender-se após a maioridade. Por tal avaliação e orientação, o menor

poderia arcar com seus atos considerados ilícitos, mas tais conseqüências poderiam

até mesmo atingir situações de inocência.28

De acordo com Paula:

O ordenamento jurídico, portanto, reconhecia a aptidão da criança e do adolescente para suportar pessoalmente as conseqüências repressivas, inclusive físicas, decorrentes da infração penal, mas não utilizava o mesmo critério – capacidade – quando se tratava de regras civis. Era a tutela do mundo adulto, porquanto o Direito protegia a sociedade dos crimes praticados por crianças e adolescentes e, aos não criminosos apenas dispensava proteção reflexa aos seus interesses, por intermédio de seus pais ou responsáveis.29

Silva diz que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

definiu um marco na garantia de direitos fundamentais, acolhendo a Proteção

Integral às crianças e adolescentes em seus artigos 227 e 228, além de inserir o

conceito de Seguridade Social, reunindo as políticas de assistência, previdência

social e saúde.30

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

27 SILVA, 2004, p. 24. 28 PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Direito da criança e do adolescente e tutela jurisdicional diferenciada. São Paulo: RT, 2002. p.19. 29 Ibid., p. 20. 30 SILVA, op. cit., p. 24.

21

dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.31

Como se observa na trajetória das iniciativas assistenciais para crianças e

adolescentes, a visão paternalista e assistencialista do Estado perante um problema

social levou crianças e adolescentes ao confinamento por várias gerações e, por

conseqüência, o afastamento familiar e comunitário.

2.1.1 Doutrina da situação Irregular

Aqui se faz uma análise da Doutrina da Situação Irregular, adotada pela

Lei 6.697 de 10 de outubro de 1979 – Código de Menores, bem como da estratégia

da institucionalização, marca registrada da referida doutrina.

Segundo Silva, a história do assunto institucional da infância e da

juventude no Brasil sofreu várias modificações em virtude das diversas visões por

parte do governo, iniciando sob um panorama correcional e repressivo, no qual se

visava proteger a sociedade de crianças e adolescentes em situação irregular, até

uma perspectiva de garantia de direitos, com finalidade de proteção integral às

crianças e adolescentes.32

Antes de se adentrar na análise da situação irregular, necessária se faz a

definição de tal expressão, que de acordo com Veronese, estava prevista no art. 2º

do Código de Menores de 1979:33

Art. 2º. Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor: I – privado de condições essenciais à sua saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de: falta, ação ou omissão dos pais ou responsável, manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las; II – vítima de maus-tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável;

31 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 28 jul. 2007. 32 SILVA, 2004, p. 23. 33 VERONESE, 1999, p. 35.

22

III – em perigo moral, devido encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; exploração em atividade contrária aos bons costumes; IV – privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; V – com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; VI – autor de infração penal.

A este propósito, Silva diz que a Associação Brasileira de Juízes de

Menores adotou tal doutrina entendendo que se adequava tradicionalmente à

legislação nacional, ou seja, “[...] só tomar conhecimento da problemática da criança

a partir do momento em que se configurasse que ela se encontrava em situação

irregular na família”.34 [grifo no original]

Segundo Santos e Veronese, a Doutrina do Menor em Situação Irregular

instituída pelo já citado Código de Menores de 1979 tinha enfoque voltado para os

fins e não às origens dos problemas pertinentes às crianças e adolescentes.

Abordava a atuação estatal perante casos peculiares, desprezando a política de

prevenção e proteção à infância.35

Com referência aos resultados esperados da Doutrina da Situação

Irregular, Santos e Veronese mencionam que:

Infelizmente, apesar dos princípios ditos tuteladores que fundamentavam a doutrina da “situação irregular”, as instituições que deveriam acolher e educar a criança e o adolescente no mais das vezes não cumpriam esse papel. Isto porque a metodologia aplicada, em vez de socializar, massificava, despersonalizava e, deste modo, ao contrário de criar estruturas sólidas, nos planos psicológico, biológico e social, afastava o chamado “menor em situação irregular”, definitivamente, da vida comunitária.36

Ainda de acordo com as autoras citadas, a nova política era tratada no

âmbito da Doutrina de Segurança Nacional, pois o entendimento quanto à situação

do menor era um problema de ordem estratégica, saindo do domínio da

competência do Poder Judiciário para o Poder Executivo.

Quanto às práticas adotadas na Fundação para o Bem-Estar do Menor

(FEBEM) do Estado de São Paulo, Silva descreve que houve relatos de torturas aos

internos, que iam desde os paus-de-arara até os choques elétricos, inclusive com

34 SILVA, 2004, p. 293. 35 SANTOS; VERONESE, 2007, p. 28. 36 Ibid., p. 30.

23

aplicação de hormônios femininos com intuito sedativo, o que provocou deformações

de personalidade nas crianças e adolescentes.37

É necessário destacar que o método assistencialista e correcional

repressivo aplicado na FEBEM se dava por profissionais que realizavam suas

tarefas isoladamente, ou seja, cada um na sua área específica. Por tal forma de

atendimento, não se visualizava a criança e o adolescente como ser único,

individual, e por conseqüência, não se obtinha êxito no momento de inserir aquele

ser humano no contexto social.38

Não obstante, além das medidas correcionais na referida doutrina, o

subjetivismo judicial era prática adotada para definir o destino das crianças e

adolescentes consideradas em situação irregular; assim Veronese cita:

A nova lei menorista, entre outros, estabeleceu: [...] d)conferia poderes mais amplos aos juízes de menores, transformando-os em verdadeiros pater familiae, uma vez que poderiam atuar em todos os segmentos da sociedade, se entendessem e constatassem a existência de alguma circunstância que de forma específica, ou mesmo geral, pudesse atingir o “menor” em sua individualidade ou na sua vida comunitária.39 [grifo no original].

A mesma autora menciona que o juiz tinha poderes ilimitados, amparados

pelo art. 8º do Código de menores:

Art. 8º. – A autoridade judiciária, além das medidas previstas nesta Lei, poderá, através de portaria ou provimento, determinar outras de ordem geral, que, ao seu prudente arbítrio, se demonstrarem necessárias à assistência, proteção e vigilância ao menor, respondendo por abuso ou desvio de poder.

A conclusão de Paula sobre a tutela jurisdicional é de que o sistema

baseado na teoria da situação irregular tinha entre outras, a característica de um alto

grau de discricionariedade do julgador. 40

Diz ainda o mesmo autor, que tal característica era proveniente da idéia

de que:

37 SILVA, 2004, p. 295. 38 SANTOS; VERONESE, 2007, p. 30. 39 VERONESE, 1999, p. 38. 40 PAULA, 2002, p. 123.

24

O mundo adulto era suficientemente bom para a criança e o adolescente, de sorte que o regramento deveria ser mínimo, reservado a situações que escapassem da normalidade que lhe servia de premissa. Isto se espraiava até mesmo para o processo, porquanto a atuação jurisdicional seria sempre em favor do menor, em quaisquer circunstâncias, o que justificava o desprezar das fórmulas legais e até mesmo a interpretação contrária ao texto da lei. 41 [grifo no original].

Pereira ao comentar sobre o subjetivismo das sentenças judiciais, diz que

por mais de uma década tais decisões eram muitas vezes arbitrárias, oriundas de

critérios subjetivos do juiz, caracterizados pela discriminação e pela ausência de

análise técnica dos conflitos pelas instituições. Acima dos interesses juridicamente

protegidos, estava a decisão judicial, deixando ao critério subjetivo a vida da criança

e do adolescente.42

Desse modo, descreve Marques que em relação à figura paternalista do

juiz no Brasil, o Código de Menores consolidou a doutrina da situação irregular, esta

se referindo à criança e ao adolescente em situação de desajuste familiar, quase

sempre por carência material, a qual visava apenas o bem-estar dos menores, “[...]

denominação esta já eivada de um caráter diminutivo e pejorativo”, acrescentando:

A figura do “bom pai” que deveria ter o Juiz de Menores era extremamente significativa. Um pai, segundo a tradição, não precisa justificar suas decisões, nem legitimar-se para exercer sua autoridade, que lhe vem naturalmente, mormente por ser ele o provedor e o disciplinador do ambiente doméstico, dando a cada um o que merece e velando pela harmonia da ordem por si instituída.43

Marques coloca ainda, que não existia a necessidade de fundamentação

das decisões judiciais, e nem se dava oportunidade de contraditório e de ampla

defesa nas decisões do destino das crianças e jovens, pois o juiz era considerado o

bom pai, pela possível experiência e discernimento inquestionáveis.44

Ainda no tocante à Doutrina da Situação Irregular, Veronese diz que era

um sistema em que a criança e o adolescente eram tidos como objetos amparados

pelo Estado. Considerava-se o menor em situação irregular quando abandonado,

tanto no plano de educação como da saúde, se era vítima de maus-tratos ou em

41 PAULA, 2002, p. 29. 42 PEREIRA, Tânia da Silva. O melhor interesse da criança: um debate interdisciplinar (Coord.). Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 12. 43 MARQUES, Márcio Thadeu Silva. In: PEREIRA, Tânia da Silva (Coord.). Melhor interesse da criança: do subjetivismo ao garantismo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 467. 44 Ibid., p. 468.

25

situação de perigo moral, além dos privados de assistência judicial o autor de

infração penal. Com a doutrina da situação irregular, cabia ao Estado erradicar tal

irregularidade e ainda a prevenção, buscando meios assistenciais e de vigilância

sobre os menores.45

Sobre os motivos que levaram à revogação do Código de Menores de

1979, salienta Veronese, que após muitas transformações sociais que vinham

ocorrendo desde 1927 (Código de Mello Mattos), o Código menorista de 1979

instituiu normas que atingiam o menor em sua individualização, com procedimentos

inadequados que violavam direitos constitucionais. Tais regras geraram muitas

críticas e até mesmo em relação aos amplos poderes dados aos juízes de menores,

com caráter subjetivista. Em decorrência de determinada situação irregular, uma

criança ou adolescente podia ser privada de sua liberdade e até perder os vínculos

familiares e comunitários.46

Como foi exposto, na década de 80 iniciaram-se alguns movimentos

sociais através de entidades não- governamentais em reação à Doutrina da Situação

Irregular, os quais foram relevantes para basear sócio-politicamente a instituição da

Doutrina da Proteção Integral, sem deixar de ressaltar a suma importância da

CRFB/88.

2.2 A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL

A seguir será analisado o paradigma da Doutrina da Proteção Integral, os

princípios motivadores, a responsabilidade estatal prevista primeiramente na

Constituição Federal e também no Estatuto da Criança e do Adolescente. Como foi

dito, a grande mudança teve início a partir de movimentos sociais.

45 VERONESE, Josiane Rose Petry. Direito da criança e do adolescente. Florianópolis: OAB/SC, 2006, p. 13. 46 VERONESE, 1999, p. 37.

26

Por paradigma, Santos cita o seguinte conceito: No sentido de um “[...]

corpo implícito de crenças metodológicas e teóricas interligadas [...]” que permite

“[...] a seleção, avaliação e a crítica.” no contexto da investigação científica.47

Assim coloca Veronese: Uma nova ordem jurídica do país deu-se com o

Movimento Nacional Constituinte e pela redemocratização a partir de 1980, que

mostravam a realidade da criança e do adolescente brasileiro, com direitos básicos

restringidos. Teve origem o Direito da Criança e do Adolescente em busca das

garantias estabelecidas na Constituição Federal de 1988 e instituídas pelo Estatuto

da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/90.48

Também em relação aos movimentos sociais no final da década de 70,

Silva escreve que surgiu uma concepção sobre crianças e adolescentes, “[...] -

considerando-os sujeitos de sua história -, que evidenciava, entre outras coisas, a

perversidade e a ineficácia da prática de confinamento de crianças e adolescentes

em instituições”.49

Ainda com referência à trajetória, Silva comenta que em 24 de janeiro de

1992, após a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, o Brasil

ratificou O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, aprovado pela ONU

desde 1966, o qual condenava o tratamento diferenciado à criança e ao adolescente

em razão de sua origem social ou da sua condição econômica.50

O Direito da Criança e do Adolescente caracteriza-se por uma

interdisciplinaridade, pois tem relações com Tratados e Convenções Internacionais,

Direito Civil, Penal, Trabalhista além de outros, mas tem uma estreita ligação com a

Psicologia, o Serviço Social, a Pedagogia, a Sociologia, Criminologia.51

Na mesma obra, Veronese ressalta que a Proteção Integral se

concretizou tendo como base o art. 227 da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988, que declara os direitos especiais da criança e do adolescente, mas a

proteção integral a nível internacional teve como marco a Declaração de Genebra de

1924, que já previa a proteção especial à criança.52

47 KUHN, 2003 apud SANTOS, Danielle M. E. dos. O sistema de garantias de direitos sociais da criança e do adolescente. 2007. 198 f. Dissertação (Mestrado em Direito)-Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2007. 48 VERONESE, 2006, p. 7. 49 SILVA, 2004, p. 24. 50 Ibid., p. 296. 51 VERONESE, op. cit., p. 8. 52 VERONESE, loc. cit.

27

O Art. 227 da CRFB/88 dispõe sobre os direitos especiais da criança e do

adolescente como sujeitos de direitos, e também do Princípio da Prioridade

Absoluta:

Além da prioridade absoluta constitucional, também no parágrafo único do

art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/90 está apontada a

garantia da prioridade que compreende:53

Parágrafo único. A garantia da prioridade compreende: a) primazia em receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos às áreas relacionadas com a proteção da infância e da juventude.

Adotou-se na CRFB/88 a possibilidade de crianças e adolescentes

interagirem nas relações jurídicas, uma vez que foram concebidos como sujeitos de

direitos, tendo como marco da nova concepção o já mencionado art. 227. Pelo novo

paradigma, para a proteção dos interesses das crianças e dos adolescentes poderão

ser submetidos a família, a sociedade e o Estado.54

Com referência à prioridade absoluta, Paula diz que compõe um princípio

informador dos direitos da criança e do adolescente, assim escreve:

A concretude do interesse juridicamente protegido da criança ou adolescente está em primeiro lugar, devendo ocupar espaço primordial na escala de realizações do mundo jurídico. Antecedem quaisquer outros interesses do mundo adulto, de vez que a rapidez das transformações que lhe são próprias impõe a realização imediata de seus direitos.55

Santos e Veronese enfatizam que o princípio do melhor interesse da

criança não deve ter sua aplicabilidade de forma assistencialista, pois dificulta a

mudança, assim escrevendo:

Um dos principais fundamentos da Doutrina da Proteção Integral é o princípio do melhor interesse da criança. Conforme este princípio da Convenção (que já foi traduzido para o português como princípio do

53 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 30 out. 2007. 54 PAULA, 2002, p. 21. 55 PAULA, loc. cit.

28

interesse maior da criança), quando se configurar um conflito entre interesses de criança e interesses de outras pessoas ou instituições, os primeiros devem prevalecer. 56 [grifo no original].

Segundo as autoras, a Doutrina da Proteção Integral requer que o

princípio do melhor interesse da criança seja concebido de forma real, considerando

que a família ou responsável é que deve garantir a proteção. Não deixando de lado

a responsabilidade também da comunidade, com ação interventiva por meio dos

Conselhos Tutelares e dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, a fim de

garantir os direitos instituídos.57

Na conclusão de Pereira sobre o princípio do melhor interesse da criança,

trata-se de permanentes desafios, pois há que se enfrentar o poder discricionário de

julgadores, e até mesmo na relação familiar. A autora diz que a nossa sociedade

acredita que a não-intervenção é a melhor maneira de agir, e se necessária, como

por exemplo: em separações e divórcios, guarda de filho, as partes litigam sobre

quem tem o direito de ficar com o filho, esquecendo de questões direcionadas ao

interesse da criança.58

Com relação à forma de intervenção judicial, Silva diz que o Estatuto da

Criança e do Adolescente definiu a ação do Poder Judiciário na proteção dos direitos

da criança e do adolescente. A Justiça da Infância e da Juventude ainda permanece

com a possibilidade de intervenção junto à família e aos interesses da criança, como

a guarda, a tutela e a adoção, investigação de paternidade e os maus-tratos.59

Quanto ao subjetivismo judicial, característica da Doutrina da Situação

Irregular, comparada com o Estatuto da Criança e do Adolescente no qual se

instituiu que o juizado passa a ser assistido por uma equipe técnica, normalmente

formada um assistente social e um psicólogo, Silva diz que:

Contudo, o ECA ainda fez uma concessão ao Poder Judiciário, atribuindo maior autoridade ao juiz, quando ali deveria estar configurada uma espécie de conselho de sentença, que impediria definitivamente que as decisões relativas à criança fossem tomadas por um único profissional.60

56 SANTOS; VERONESE, 2007, p. 52. 57 Ibid., p. 53. 58 PEREIRA, 1999, p. 88. 59 SILVA, 2004, p. 298. 60 SILVA, loc. cit.

29

Em relação à interferência do Estado no grupo familiar, Elias explana que

a intervenção estatal que ocorria durante o período de vigência do Código de

Menores, se dava pela falha assistencial dos genitores à criança e ao adolescente.

Na atualidade isso ainda pode acontecer, mas a diferença é que na legislação

vigente, “[...] o Estado pode ser demandado se não prestar ao menor aquilo que lhe

é devido na área da saúde e da educação, principalmente”.61

No conceito de Elias, a expressão “Proteção Integral” predominante do

Estatuto da Criança e do Adolescente, é aquela contrária ao Código de Menores,

que era dirigido aos menores em situação irregular, ou seja, além da menoridade,

considerava-se a condição em que se encontrava o menor, que poderia ser a falta

de condições materiais, omissão e maus-tratos dos responsáveis, e até o perigo

moral do ambiente em que se encontrava e pela infração penal.62

A diferença para o Estatuto da Criança e do Adolescente é que o mesmo

se aplica a todas as crianças e adolescentes, independentemente da condição em

que se encontram, pois todos precisam da assistência material, moral e da

assistência jurídica para qual dependem de seus responsáveis. Assim, Elias define a

Proteção Integral dizendo que se trata de uma providência à criança e ao

adolescente, de assistência necessária para um total desenvolvimento de sua

personalidade.63

Também sobre o conceito de proteção integral, Paula diz que se trata de

uma forma de definição jurídica que abrange o conjunto de direitos das crianças e

adolescentes, sendo responsáveis pela sua efetividade, a família, a comunidade e o

Estado, escrevendo:

A conceituação de proteção integral é essencialmente jurídica, muito embora seja reflexo da política de um povo em relação à criança e ao adolescente. A lei impõe obrigações à Família, à Sociedade e ao Estado, considerando, reitere-se, o valor da criança e do adolescente em determinado momento histórico-cultural. Quando a normativa internacional e o Estatuto da Criança e do Adolescente referem-se à proteção integral, estão indicando um conjunto de normas jurídicas concebidas como direitos e garantias frente ao mundo adulto, colocando os pequenos como sujeitos ativos de situações jurídicas.64

61 ELIAS, Roberto João. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 2. 62 ELIAS, loc. cit. 63 Id. Direitos fundamentais da criança e do adolescente. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 1. 64 PAULA, 2002, p. 23.

30

O Estatuto da Criança e do Adolescente em seu art. 1º adequou-se com

apontamentos internacionais referentes à questão da criança e do adolescente em

relação à prioridade absoluta, vendo a proteção integral como dever da família, da

sociedade e do Estado, assim Amaral e Silva escreve:65

Segundo informações oficiais de Semenkov (URSS), Manchester (Reino Unido) e Chen Jiang Guo (República Popular da China) durante o XIII Congresso da Associación Internacional de Magistrados de La Juventud y de La Familia, realizado em Turim (Itália) no período de 16 a 21.9.90, ‘no mundo todo, sem exceção, estão-se efetivando investigações com a finalidade de melhorar e renovar os métodos de assistência’. [grifos no original] A proteção integral dispensada à criança e ao adolescente encontra suas raízes mais próximas na Convenção sobre o Direito da Criança, aprovada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas em 20.11.89 e pelo Congresso Nacional brasileiro em 14.9.90, através do Dec. Legislativo 28. A ratificação ocorreu com a publicação do Dec. 99.710, em 21.11.90, através do qual o Presidente da República promulgou a Convenção, transformando-a em lei interna. [grifo no original].

Ainda consoante à Convenção Internacional dos Direitos da Criança em

relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente, Veronese escreve que se trata de

um documento jurídico internacional assinado pelos signatários em 1989, na

Assembléia das Nações Unidas, cujo texto durou dez anos, envolvendo quarenta e

três Estados da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas. A Convenção

menciona os princípios fundamentais de liberdade e dignidade, direitos humanos

que são personalíssimos.66

Veronese diz, ainda, que o documento trata da consideração e respeito

que devem ser dispensados aos valores culturais da comunidade da criança, bem

como da importância da família para o seu desenvolvimento, num ambiente sadio e

com afeto.67

Quanto aos princípios fundamentais constantes no art. 3º do Estatuto da

Criança e do Adolescente e como o referido Estatuto sendo sinônimo de Lei,

Vercelone comenta que:

Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata

65 AMARAL E SILVA, Antonio Fernando do. Art. 1º. In: CURY, Munir (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 6. ed. rev. e atual. pelo Novo Código Civil. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 15. 66 VERONESE, 1999, p. 96. 67 Ibid., p. 97.

31

esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Esta lei ora comentada tem o conteúdo e a forma de uma verdadeira

Constituição, como adverte o Título, que usa o termo “Estatuto”. Isto vale

principalmente para as “disposições preliminares”, que abrem o caminho para o

elenco dos direitos específicos e para a predisposição dos instrumentos legislativos

necessários para sua atuação concreta.68

Vercelone conceitua a Proteção Integral como um sistema de normas

apropriadas às crianças e adolescentes em virtude de desenvolvimento emocional,

tendo assim os mesmos, “o direito de que os adultos façam coisas em favor deles”,

recaindo sobre os adultos a obrigação de assegurar-lhes tais direitos protetivos.

[grifos no original].69

No que tange à abrangência da Proteção Integral, Paula descreve como

sendo a proteção jurídica da criança e do adolescente em relação à família, à

comunidade e ao Estado. É a proteção que assegura as situações para a felicidade

atual e futura da criança e do adolescente. Considera-a integral porque visa a

totalidade do ser humano, no plano físico, mental, moral, espiritual e social. Diz

ainda, que não haveria necessidade de se falar em reconhecimento de direitos das

crianças e adolescentes, se a família lhes resguardasse a integridade física e moral,

se a sociedade lhes garantisse a convivência comunitária e o Estado atuasse como

propulsor de tudo.70

Por esse prisma, Paula faz as seguintes indagações:

Em resumo, proteger de quem? Da família, da sociedade e do Estado. E proteger como? Através de direitos e garantias expressos pelo legislador mediante um sistema jurídico que releve, pelo seu valor intrínseco, crianças e adolescentes. E proteger o que? Os interesses fundamentais da criança ou adolescente à vida, saúde, educação, liberdade, lazer, convivências familiar, convivência comunitária, integridade física, mental, espiritual, etc. Esta, portanto, a essência da proteção integral, substância das relações jurídicas próprias do Direito da Criança e do Adolescente.71

68 VERCELONE, Paolo. Art. 3º. In: CURY, Munir (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 6. ed. rev. e atual. pelo Novo Código Civil. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 32. 69 Ibid., p. 33. 70 PAULA, 2002, p. 22. 71 Ibid., p. 24.

32

Paula também faz a seguinte distinção entre o Direito da Criança e do

Adolescente e o Direito do Menor: “O primeiro não tem por objeto regular a atividade

comunitária em relação ao menor, mas disciplinar, reitere-se, as principais relações

jurídicas em que mantém crianças e adolescentes, com a família, sociedade e

Estado”.72

Quanto às necessidades imediatas da criança e do adolescente, Paula

menciona que muitas são relativas às fases de desenvolvimento, devendo ser

reconhecidas e efetivadas em momento presente e não como meio para a

posteridade. Para o autor, a expressão proteção integral, por si só, já enseja garantir

as necessidades básicas para um crescimento saudável e íntegro. Diz ainda:

Sua finalidade política – proteção integral através do reconhecimento jurídico de interesses subordinantes da criança e do adolescente – não se confunde com sua natureza. Sendo o Direito uma construção histórico-cultural, seus objetivos variam de acordo com a valoração que determinada civilização empresta à criança ou ao adolescente, de modo que a qualidade da tutela jurídica, aferível pela sua destinação, revela apenas a razão axiológica considerada pelo legislador. 73

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em conformidade com a

Doutrina da Proteção Integral, tem inserido três importantes direitos da

personalidade, quais sejam: Liberdade, Respeito e Dignidade, os quais concorrem

para a eficácia da proteção que se visa para o bom desenvolvimento das crianças e

dos adolescentes. Os artigos 16, 17 e 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente

tratam dos direitos fundamentais, também previstos constitucionalmente:74

Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais: II – opinião e expressão; III - crença e culto religioso; IV – brincar, praticar esportes e divertir-se; V – participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação; VI – participar da vida política, na forma da lei; VII – buscar refúgio, auxílio e orientação.

Quanto ao Direito à Liberdade, Elias considera que a mesma pode ser

exercida de acordo com o previsto na Constituição Federal, conforme dispõe o art.

72 PAULA, 2002, p. 30. 73 Ibid., p. 31. 74 BRASIL, 1990.

33

5º, inciso II: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão

em virtude de lei”. Como todos são iguais perante a lei, também à criança e ao

adolescente a norma é aplicada sem distinção, mas com determinados limites em

função de serem pessoas em desenvolvimento e para o seu próprio bem, a fim de

garantir a proteção integral.75

No que trata o Direito ao Respeito, previsto no art. 17 do Estatuto da

Criança e do Adolescente, Elias diz que: Consiste na forma de não praticar atos que

causem violência física, psíquica e moral à criança e ao adolescente a fim de se

conservar o crescimento. Comenta ainda, que se deve preservar a imagem, o

espaço e objetos pessoais da criança e do adolescente.76

Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

Quanto ao Direito de Dignidade previsto no art. 18 do Estatuto da Criança

e do Adolescente, o mesmo autor o trata como um direito que não difere do

significado de respeito, ressaltando ainda o princípio da cooperação da família e da

comunidade para o desenvolvimento adequado, evitando-se constrangimentos e

tratamento desumano. Ressalva que aos pais cabe o dever de educar e criar os

filhos, e ao Estado o dever de atuação, a fim de que os direitos da criança e do

adolescente sejam garantidos. Assim dispõe o artigo citado: “É dever de todos zelar

pela dignidade da criança e do adolescente pondo-os a salvo de qualquer

tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.77

Tais fundamentos são de suma importância para uma efetividade dos

direitos protegidos, bem como são basilares para o assunto a ser tratado no

segundo capítulo deste trabalho, no qual se trata do Direito à Convivência Familiar e

Comunitária. A criança e o adolescente têm direito de liberdade no sentido de

participação da vida familiar e comunitária, sem serem discriminados. A comunidade

tem a responsabilidade de cobrar do Estado espaços públicos para que crianças

possam brincar, e à família cabe o dever de vigiar, pois a liberdade fica delimitada

75 ELIAS, Roberto João. Direitos fundamentais da criança e do adolescente. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 13. 76 Ibid., p. 17. 77 Ibid. p. 18.

34

até onde possa colocar em risco a proteção das crianças e dos adolescentes. A

dignidade da criança e do adolescente brasileiros, como institui o próprio artigo, é

um dever não só da família, mas também da sociedade.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao regulamentar a Constituição

Federal quanto aos direitos da criança e do adolescente, adotou a doutrina da

proteção integral, definida como garantia da efetivação dos direitos fundamentais.

35

3 O DIREITO FUNDAMENTAL À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA

Entre os direitos fundamentais da Criança e do Adolescente está o Direito

à Convivência Familiar e Comunitária, que faz parte da vida humana, sendo objeto

de pesquisa deste capítulo. Primeiramente procura-se demonstrar o Direito à

Convivência Familiar e Comunitária perante a prática da institucionalização, uma vez

que toda criança ou adolescente tem o direito de ser criado com a família natural, e

excepcionalmente em família substituta, mediante guarda, tutela ou adoção. Por

conseguinte, faz-se uma análise em relação à perda ou à suspensão do poder

familiar em situações de necessidade material e a atual concepção estatal. Também

analisa-se a prática do assistencialismo e a política de assistência social regulada

pela CRFB/88 e pela Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS, como forma de o

Estado garantir a efetivação dos direitos fundamentais.

3.1 DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA

A legislação brasileira atual define a entidade familiar, o direito à

convivência familiar e comunitária da criança e do adolescente e institui políticas

sociais para a proteção integral desses interesses, iniciando-se pela CRFB/88, que

assim estabelece:78

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não-governamentais e obedecendo os seguintes preceitos:

78 BRASIL, 1988.

36

I – aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil; § 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente; §5º A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros; § 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação;

O Estatuto da Criança e do Adolescente trata do direito à convivência

familiar e comunitária reiterando o direito constitucional da criança e do adolescente

no sentido de conviver, de preferência, com sua família biológica:79

Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.

Em comentário sobre o art. 19 do ECA, Rodrigues faz as seguintes

observações: “A fonte do dispositivo é o caput do art. 227 da CF de 1988, muito

mais amplo do que tudo preceituado na legislação anterior”. A norma constitucional

atribui à família, à sociedade e ao Estado a obrigação de garantir à criança e ao

adolescente os direitos fundamentais, dentre eles, o convívio com a família e a

comunidade. Quanto ao direito previsto no art. 19 do Estatuto, Rodrigues diz que:

“[...] é inexigível a não ser de seus pais, naturais ou adotivos; na verdade, o

exercício de tais direitos pelo menor [sic] abandonado dependerá, sempre, da

vontade de terceiro [...]”.80

Cintra comenta que: “Realmente, a família é condição indispensável para

que a vida se desenvolva, para que a alimentação seja assimilada pelo organismo e

a saúde se manifeste”. [grifos no original]. Diz ainda, que as condições ambientais

influenciam no desenvolvimento do ser humano, o qual se completa com carinho e

amor. Refere-se ao planejamento familiar como responsabilidade dos adultos, e que

a criança gerada deve ser assumida ou adotada. À família cabe o dever de criar

seus filhos e ao Estado, o fornecimento de subsídios que devem chegar diretamente

79 BRASIL, 1990. 80 RODRIGUES, Silvio. Art. 19. In: CURY, Munir (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 6. ed. rev. e atual. pelo Novo Código Civil. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 99.

37

à mesma, criando condições de sustento, instrução e proteção ao ser em

crescimento.81

Ainda nesse sentido, Cintra escreve que o art. 23 do ECA institui que a

carência de recursos materiais não é motivo suficiente para a perda ou suspensão

do poder familiar, cabendo ao Estado incluir o grupo familiar em projetos oficiais de

ajuda. Os adultos quando inseridos no mercado de trabalho, com condições dignas

de sobrevivência, podem promover melhor os estudos e o lazer das crianças e dos

adolescentes, acrescentando:

Assim sendo, as crianças e adolescentes poderão dedicar-se ao estudo, à iniciação profissional e ao lazer sem necessitarem precocemente ser introduzidos na dura luta pela automanutenção, numa insustentável e absurda condição de precisar gerar renda antes mesmo de desabrochar para a vida.82

Quanto ao recolhimento de crianças em instituições, Cintra diz que

contraria o direito fundamental da convivência familiar e comunitária, e que nos dois

extremos a criança sai prejudicada em seu desenvolvimento, ou seja, quando desde

muito cedo sobrevive pelas ruas ou quando a mesma for inserida em uma instituição

fechada, que posteriormente lhe trará enfrentamentos no mundo social e com

dificuldades em administrar a vida pessoal. A convivência com o grupo familiar e a

vizinhança gera para a criança e o adolescente, valores e hábitos que formam o

caráter e discernimento para enfrentar as dificuldades, ao contrário da

institucionalização, que “[...] despersonaliza as relações, torna artificial a convivência

e impede a experiência capilar das rotinas familiares, que dificilmente são

comunicadas teoricamente em aulas e exercícios”.83

Elias salienta a importância da família e diz que se trata de um direito

natural, e que a legislação deve convergir de forma a preservá-la, escreve, ainda: “A

família é o habitat natural do ser humano, que, como é notório, é um ser gregário”. O

autor se refere como a família adequada para garantir a proteção integral da criança

e do adolescente, aquela com elevado padrão moral de acordo com a sociedade em

81 CINTRA, Maria do Rosário Leite. Art. 19. In: CURY, Munir (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 6. ed. rev. e atual. pelo Novo Código Civil. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 99. 82 Ibid., p. 100. 83 Ibid., p. 101.

38

que se vive e livre de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes, a fim de

garantir um ambiente com bons exemplos. 84 [grifo no original].

Sobre o convívio comunitário, Elias observa que:

A criança e o adolescente, para o seu pleno desenvolvimento, além do convívio familiar, necessitam da convivência com a comunidade. Isso ocorre na escola, em clubes esportivos, nos shoppings e em quaisquer outros locais em que tenham relação com outras pessoas.85 [grifo no original].

O direito à liberdade de brincar e participar da vida em comunidade está

ligado com a convivência familiar, a qual vai propiciar à criança e ao adolescente

relações de amizades.86

Em relação ao exposto, Elias ressalta-se que a liberdade das crianças e

dos jovens para brincar, praticar esportes e divertir-se também encontra guarida no

inciso IV do art. 16 do ECA: “O direito à liberdade compreende os seguintes

aspectos: IV – brincar, praticar esportes e divertir-se”.87

O autor ainda menciona a origem do elo familiar, dizendo:

Há vários fatores que induzem a este direito. Podemos alinhar, em primeiro lugar, a influência do cristianismo. Todos os ensinamentos bíblicos do Velho e do Novo Testamento são no sentido de que a família deve ser unida e de que os filhos devem nela encontrar toda a assistência.88

Elias escreve que na história do direito romano, o status familiae dizia

respeito à posição ocupada pelo indivíduo em determinado grupo familiar, assim “Os

deveres do indivíduo são, na verdade, determinações que resultam do estado que

este ocupa no grupo familiar”.89 [grifo no original].

O mesmo autor ainda coloca que ao Estado interessa a união familiar,

pois é a base da sociedade gerando assim, normas de ordem pública e de direitos

indisponíveis; logo, o direito ao convívio familiar não pode ser colocado em segundo

plano. Nesse contexto, menciona que as leis quanto ao direito da criança de crescer

junto da família não podem ser modificadas, e ainda: “[...] não se deve permitir a

84 ELIAS, 2005, p. 21. 85 Ibid., p. 27. 86 Ibid., p. 27. 87 BRASIL, 1990. 88 ELIAS, 2004, p. 20. 89 Ibid., p. 32.

39

existência do denominado ‘menino de rua’, tendo em vista a dignidade de que se

deve revestir todo ser humano”.90

Quanto ao bem jurídico assegurado, a convivência familiar e comunitária,

Rizinni diz que:

Por convivência familiar e comunitária, entende-se a possibilidade da criança permanecer no meio a que pertence. De preferência junto à sua família, ou seja, seus pais e/ou outros familiares. Ou, caso isso não seja possível, em outra família que a possa acolher. Assim, para os casos em que há necessidade das crianças serem afastadas provisoriamente de seu meio, qualquer que seja a forma de acolhimento possível, deve ser priorizada a reintegração ou reinserção familiar – mesmo que este acolhimento tenha que ser institucional. [grifos no original].91

Por esse prisma, O Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do

Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária aprovado

em 2006, se trata da primeira iniciativa da política pública brasileira que visa

restringir à casos excepcionais a institucionalização de crianças e jovens. O Plano

Nacional é um documento criado em conjunto com o CONANDA e o Conselho

Nacional de Assistência Social – CNAS, no qual é mencionada a importância do

convívio familiar e comunitário para o desenvolvimento da criança e do adolescente,

enfatizando: “[...] os quais não podem ser concebidos de modo dissociado de sua

família, do contexto sócio cultural e de todo o seu contexto de vida”. Ressalta-se a

importância da família como fazendo parte da realidade psicológica do ser humano,

pois no decorrer da vida toda pessoa relembrará os momentos vividos em família.

Quanto à convivência comunitária, a criança desde a educação básica estende seus

relacionamentos para além da família, assim as instituições sociais influenciam nas

relações e contribuem para o crescimento da identidade individual e coletiva.92

Ainda em relação à política de atendimento aos assuntos da criança e do

adolescente, Veronese coloca que os Conselhos de Direitos da Criança e do

Adolescente são instituídos tanto no âmbito municipal como estadual por lei, e a

nível federal, ao CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do

Adolescente, instituído pela lei nº 8.242 de 12 de outubro de 1991, se atribui:

90 ELIAS, 2004, p. 32. 91 RIZZINI, Irene et al. Acolhendo crianças e adolescentes: experiências de promoção do direito à convivência familiar e comunitária no Brasil. São Paulo: Cortez, 2006, p. 22. 92 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA; SECRETARIA ESPECIAL DE DIREITOS HUMANOS; MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. Brasília/DF, dezembro de 2006, p. 29.

40

Ao CONANDA compete as normas gerais da política nacional de atendimento, fiscalizando as ações de execução, observadas as linhas de ação e as diretrizes estabelecidas pelo Estatuto; deve zelar pelo cumprimento da política nacional, e entre outras atribuições dar apoio aos Conselhos Estaduais e Municipais e entidades não governamentais, para tornar efetivos os princípios, as diretrizes e os direitos estabelecidos pelo Estatuto.93

Veronese menciona que o Conselho dos Direitos da Criança e do

Adolescente está previsto nos artigos 227, § 7º e 204 da CRFB/88, no qual se

estabelece a descentralização político-administrativa e a participação da população

para as ações governamentais.94

Ainda em relação ao poder deliberativo e controlador do Conselho dos

Direitos da Criança e do Adolescente, previsto no Estatuto no inciso II do art. 88,

dispondo sobre as políticas e os programas de assistência social com natureza

suplementar, Veronese escreve:95

O Conselho Estadual também é criado por lei, votada pela Assembléia Legislativa, e suas normas deverão definir as políticas de proteção e defesa dos cidadãos em desenvolvimento, a atuação do Executivo, bem como a dotação orçamentária para os programas infanto-juvenis do Estado.O Conselho Municipal é o órgão deliberativo e controlador das ações a serem implantadas e implementadas na municipalidade, nos termos do art. 88, II.

No que refere ao exercício do poder familiar, Elias comenta que “O

Código Civil modificou o nome do instituto ‘pátrio poder’ para ‘poder familiar’, embora

o ECA, nos artigos 21, 23, 24 e outros, mantenha a denominação anterior”. Assim, o

que se visa é um complexo de direitos e obrigações por parte dos genitores e em

igualdade de condições, para proteção dos filhos.96

Art. 21. O pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência. 97

93 VERONESE, 2006, p. 66. 94 VERONESE, loc. cit. 95 Ibid., p. 67. 96 ELIAS, 2005, p. 24. 97 BRASIL, 1990.

41

Rodrigues conceitua o pátrio poder como “[...] conjunto de direitos e

deveres atribuídos aos pais, em relação à pessoa e aos bens dos filhos não

emancipados, tendo em vista a proteção destes”.98

Ressaltando os deveres dos pais para com os filhos menores de idade, o

Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece:

Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.99

No comentário de Elias, o artigo acima citado ratifica o disposto no art.

229 da Constituição Federal e o art. 1634 do Novo Código Civil, acrescentando o

dever de “[...] cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”. Assim, quando

não acatado o que se dispõe nos artigos mencionados, poderá ocorrer a perda ou a

suspensão do poder familiar.100

Em comentário sobre o disposto no art. 22 do ECA, Oliveira ao interpretá-

lo diz ser incongruente com o que dispõe o art. 23 e a realidade social, uma vez que

o perfil da família brasileira e o grau de participação social quanto ao alcance das

necessidades básicas ainda está comprometido. Oliveira diz que no Brasil, após a

década de 80 constatava-se a “[...] cifra de 63 milhões de brasileiros vivendo abaixo

dos níveis de pobreza [...]”, e indaga como se pode atribuir aos pais o dever de

sustento, guarda e educação dos filhos, quando esses pais não tiveram acesso à

educação e ao emprego e por conseqüência, muitos foram marginalizados pela

sociedade.101

Liberati em comentário ao capítulo III do ECA, escreve sobre o direito à

convivência familiar e comunitária e diz que: “A família é o primeiro agente

socializador do ser humano. A falta de afeto e de amor da família gravará para

sempre seu futuro”. Salienta o autor a responsabilidade dos pais pela formação e

proteção dos filhos, garantias que estão previstas no art. 227 da CRFB/88.102

98 RODRIGUES, 2003, p. 105. 99 BRASIL, 1990. 100 ELIAS, 2004, p. 23. 101 OLIVEIRA, Luís Cláudio de. Art. 22. In: CURY, Munir (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 6. ed. rev. e atual. pelo Novo Código Civil. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 110. 102 LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente. 8. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 25.

42

Liberati menciona ainda o 6º Princípio da Declaração Universal dos

Direitos da Criança:

À sociedade e às autoridades públicas caberá a obrigação de propiciar cuidados especiais às crianças sem família e àquelas que carecem de meios adequados de subsistência. É desejável a prestação de ajuda oficial e de outra natureza em prol da manutenção dos filhos de famílias numerosas.103

Diante do exposto, pode-se afirmar que o Princípio da Proteção Integral,

que marca a legislação atual, resulta de uma realidade social contundente, ou seja,

da necessidade que se tem de proteger as crianças e os adolescentes em face da

sociedade, família e Estado. Também se busca demonstrar com amparo em direitos

fundamentais, a dignidade, o respeito e a liberdade para as crianças e adolescentes

bem como para a família.

3.2 DO ASSISTENCIALISMO À POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

O art. 23 do ECA prevê a garantia da família que tem dificuldades para

sua subsistência em ter a tutela dos filhos, a qual pela carência material não poderá

mais ser penalizada com a destituição do poder familiar, dispondo assim o artigo:104

Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder: Parágrafo único. Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio.

Veronese escreve sobre o encaminhamento político, destacando que os

programas na forma de assistencialismo, “as chamadas políticas compensatórias –

têm alcance limitado e surtem efeitos paliativos”, pois não atingem os problemas

sociais na sua origem e atingem somente os efeitos “sobre certos ‘desajustes’

sociais”. De acordo com a autora, por mais perfeito que seja um programa de

orientação assistencialista, não conseguirá converter o quadro da realidade das

103 LIBERATI, 2004, p. 25. 104 BRASIL, 1990

43

famílias do quarto extrato social. É necessário que se avalie o modelo de Estado, no

qual a sociedade brasileira expandiu-se, acrescentando que na sucessão de

governos, “[...] o Estado de cunho essencialmente liberal, continua fazendo

encenações políticas, sem uma efetiva vontade de ver solucionado o conjunto de

situações violentadoras da infância e adolescência brasileiras”.105

Assinala Veronese que é imprescindível para a sociedade brasileira uma

política social voltada para a família, mas são necessários critérios para que se

associe a violência dos direitos da criança e do adolescente a tal política. Por esse

prisma, a autora diz que não se deve relacionar a violência ao grau de pobreza, pois

nas famílias de classes média e alta também acontece, com a diferença que tais

situações ficam ocultas. Não se deve desconsiderar que as famílias empobrecidas

ficam mais expostas em virtude da própria situação de desemprego, falta de moradia

e que tal fragilidade pode até desencadear a violência. Contrapondo pobreza e

violência, é preciso prudência para não atribuir somente à família pobre os fatos

relacionados à violência, uma vez que a mesma faz parte de um contexto político-

sócio-econômico, e de uma sociedade capitalista. Diz ainda:

Não se trata de uma genérica erradicação da pobreza, mas de uma verdadeira política de pleno emprego, de saúde – não apenas como assistência médica, mas como um conceito mais amplo, incluído até a saúde mental -, moradia e, principalmente, educação.106

Santos e Veronese referem-se ao assistencialismo como uma postura

protecionista direcionada às pessoas mais pobres, na forma de concessão de alguns

benefícios para a sobrevivência, considerando-se que é uma política contrária à

idéia de cidadania. O assistencialismo gera a persistência do quadro de

dependência ou ainda, sujeição cada vez maior de quem recebe a ajuda em relação

ao protetor. Quando a Doutrina da Proteção Integral foi instituída, ao Estado também

coube incrementar políticas públicas que formassem uma ação conjunta com a

família, a sociedade e o Estado.107

Rizinni et al dizem que as diretrizes políticas terão eficácia no sentido de

proteger a convivência familiar e comunitária se forem enfrentados os obstáculos

impostos pelo sistema de garantias, dentre eles, “[...] a persistência de um modelo

105 VERONESE, 1999, p. 185. 106 Ibid., p. 200. 107 SANTOS; VERONESE, 2007, p. 52.

44

assistencialista que historicamente marcou o atendimento a essa população,

mantendo-a na pobreza e sujeita a políticas clientelistas”. Escreve ainda que a

intervenção sobre a família deveria ser em uma pequena parcela da sociedade, o

que não ocorre em virtude da falta de condições mínimas para criar os filhos. Com

relação à família pobre ser o alvo da intervenção, dizem que em situações parecidas

a forma de tratamento é diferenciada para as famílias com melhor poder aquisitivo,

inclusive a mídia trata de forma desrespeitosa as crianças e adolescentes de

famílias de baixo poder aquisitivo.108

Na mesma obra faz-se a seguinte indagação: “[...] como garantir o direito

de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária? [...]”. Esta

indagação tem origem na realidade brasileira, pois milhares de crianças e

adolescentes circulam diariamente pelas ruas e por instituições mesmo tendo

familiares. As famílias pobres têm um histórico de crianças retiradas do seio familiar,

pelo mito de que não tendo condições financeiras favoráveis são consideradas

desestruturadas. Quanto à capacidade da família em criar seus filhos as autoras

dizem: “Persiste o mito de que elas estariam protegidas e em melhores condições

longe de suas famílias, consideradas ‘desestruturadas’. Desta forma, estas famílias

ainda são muitas vezes retratadas como incapazes de criar seus filhos”.109

Rizinni et al mencionam que as principais causas que levam à intervenção

familiar são casos de violações de direitos da criança citados no Estatuto da Criança

e do Adolescente, mas após serem superados os problemas, permeia o obstáculo

da situação financeira. A falta de políticas públicas também contribui para dificultar o

convívio familiar da criança e do adolescente, e o suporte para o grupo familiar deve

ser mais abrangente, assim expõem:

[...] tais como a inexistência ou ineficácia das políticas públicas, a falta de suporte à família no cuidado junto aos filhos, as dificuldades de gerar renda e de inserção no mercado de trabalho e a insuficiência de creches e escolas públicas de qualidade, em horário integral, com que os pais possam contar enquanto trabalham. O problema, portanto, é parte do quadro brasileiro mais amplo de desigualdade socioeconômica, comprometendo a garantia de direitos básicos de todos os cidadãos e, em particular, das crianças e dos adolescentes. 110

108 RIZZINI, 2006, p. 19. 109 Ibid., p. 18. 110 Ibid., p. 22.

45

Elias escreve sobre o disposto no art. 23 do ECA, e ressalta que a maior

parte das famílias brasileiras apresentam dificuldades financeiras para se manter,

inclusive não se pode responsabilizar os pais pelo desemprego, e acrescenta: “Se,

contudo, a falta de recursos se deve à negligência dos pais, entendemos que devem

eles sofrer as sanções legais, não só na esfera civil, mas também na penal”. 111

Andrade comenta que a miséria material não pode embasar a destituição

do poder familiar, uma vez que o Estado tem a obrigação de proteger a criança e o

adolescente, bem como proteger previamente e especialmente o grupo familiar.

Sobre a perda do poder familiar, diz:

Somente se acompanhada de outro motivo que, por si só, autorize a decretação da medida – perda ou suspensão do pátrio poder – é que se poderá admitir que a criança e o adolescente não fiquem mantidos em sua família de origem. Mas, aí, o motivo não será, sequer subsidiariamente, a pobreza, a miséria material, porém algum dos previstos no art. 24 do Estatuto.112

No que tange à formulação e efetividade de políticas sociais, Becker

relembra que a proteção de crianças e adolescentes, na época da doutrina da

situação irregular, não fazia distinção entre as situações sociais e jurídicas,

ocorrendo somente uma ação jurisdicional de controle sobre os mesmos. As famílias

pobres eram responsabilizadas pela condição financeira, e se considerava

abandono dos filhos a falta de recursos para criá-los; nesta linha, o art. 23 do ECA

trouxe um novo conceito da expressão abandono, sobre o que a autora comenta:

O art. 23 do Estatuto restabelece o verdadeiro conceito de abandono, que é a omissão voluntária da família em relação a seus filhos e afirma o dever do Estado em relação ao direito de ser assistido, conforme determina a Constituição Federal.113 [grifo no original].

Becker comenta ainda que o art. 23 do ECA não gera conseqüências

somente para a ação da justiça, mas também exige do Estado o planejamento e a

execução de políticas sociais, de acordo com a Lei Orgânica da Assistência Social.

111 ELIAS, 2004, p. 23. 112 ANDRADE, Romero de Oliveira. Art. 23. In: CURY, Munir (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 6. ed. rev. e atual. pelo Novo Código Civil. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 112. 113 BECKER, Maria Josefina. Art. 23. In: CURY, Munir (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 6. ed. rev. e atual. pelo Novo Código Civil. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 113.

46

Referida lei indica que famílias que sofrem de carência material, obrigatoriamente,

deverão ser incluídas em programas de auxílio, sendo essa a forma de prevenção

do abandono das crianças e jovens. Estende que no dispositivo citado, “[...]

encontra-se a matriz de toda a ação do Estado, da família e da sociedade para

resguardar o direito constitucional das crianças e adolescentes à convivência familiar

e comunitária”.114

O Plano Nacional está direcionado à doutrina da proteção integral que é o

marco do Estatuto da Criança e do Adolescente, e às políticas públicas para

manutenção do vínculo familiar, atendendo ao disposto nos artigos 226 e 227 da

Constituição Federal. No Plano Nacional foram estabelecidas ações para prevenção

do rompimento do vínculo familiar, especialização nos trabalhos de atendimento e

investimento no retorno da criança e do jovem à família natural. Prevê o Plano

Nacional que, somente depois de esgotadas todas as tentativas, o recurso será a

direção da criança ou do jovem para uma família substituta, salientando que deverá

ser mediante procedimento legal e atendendo o princípio do melhor interesse da

criança e do adolescente.115

Quanto à proteção da família, Carvalho salienta que há circunstâncias em

que o grupo familiar precisa de assistência para melhor se desenvolver, enfatiza o

problema da estigmatização da família pobre e comenta que as ações de combate à

pobreza, ainda são marcadas pelo assistencialismo, dizendo:

Assim, pelo Estatuto, não cabe mais a colocação familiar, sobretudo a adoção nacional e internacional, por motivos apenas de pobreza. Contudo, mesmo com a restrição da lei, há quem veja na adoção uma solução para a pobreza. Em nosso país é muito comum confundir-se abandono e pobreza. Muita gente se pergunta: com tantas crianças abandonadas, não deveriam ser incentivados programas e campanhas para promover a adoção e outras formas de colocação em família substitua? Ocorre que a criança pobre, mesmo as que estão nas ruas ou recolhidas a abrigos, na maioria das vezes possuem vínculos familiares. Nem sempre o que as leva a esta situação é a negligência ou a rejeição por parte de seus pais mas, muitas vezes,estratégias de sobrevivência.116

Carvalho comenta, ainda, sobre estudos e pesquisas que evidenciam que

para se enfrentar as situações atinentes à violação dos direitos da criança e do

adolescente, há que se trabalhar com o grupo familiar. A Lei Orgânica da

114 BECKER, 2003, p. 113. 115PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2006, p. 14, 22 e 27. 116 CARVALHO, Pedro Caetano. In: PEREIRA, Tânia da Silva (Coord.). Melhor interesse da criança: Do subjetivismo ao garantismo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 155.

47

Assistência Social e o Estatuto previram expressamente diretrizes dos planos de

programas direcionados à proteção da família. No comentário, o autor ressalta a

importância do município após o rompimento da cultura do intervencionismo estatal,

pois foram designadas aos municípios funções pertinentes às políticas sociais

destinadas à situação das crianças e dos adolescentes. 117

Carvalho menciona também que não se concebe mais a idéia de controle

social sobre as crianças e os jovens, mas que se desenvolva uma política pública

direcionada ao direito de cidadania. Quanto à proteção do Estado no sentido de

desenvolver uma política de assistência social, o autor diz que não deve ser a única

forma de proteção da família, a qual deve também desempenhar sua função junto à

comunidade. Assim escrevendo:

Daí a importância das políticas públicas contemplarem a família em suas ações e não apenas a assistência social. A priorização da família na agenda da política social envolve, necessariamente, programas de geração de emprego e renda, de complementação da renda familiar, rede de serviços comunitários de apoio psicossocial, além do acesso a atividades lúdicas e culturais.118

Nesse sentido, a CRFB/88 em seu artigo 227, § 7º institui: “No

atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se-á em consideração o

disposto no art. 204”, assim dispondo o artigo e o inciso I quanto às diretrizes de

política de atendimento :

Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: I – descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esfera estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social.119

Também o Estatuto, no art. 88, I, estabelece: “São diretrizes da política de

atendimento: I – municipalização do atendimento;”.120

Liberati comenta o dispositivo do Estatuto dizendo:

117 CARVALHO, 1999, p. 167. 118 CARVALHO, loc. cit. 119 BRASIL, 1988. 120 BRASIL, 1990.

48

Essa nova diretriz de política de atendimento tem sua base operacional no Município, que assume, agora, pela nova Constituição, a condição de pessoa autônoma, com status de ente federativo e sujeito de direitos em estado de maioridade pública (art. 88, I do ECA). Dentre os novos poderes do Município figura aquele de assumir todas as decisões, de âmbito governamental, protetivas ou preventivas de defesa dos direitos de suas crianças e adolescentes. O Município deixa de ser mero executor das políticas traçadas pela União e pelos Estados. Assume, agora, com a comunidade, a iniciativa de ditar qual o melhor método de aplicação e de desenvolvimento das diretrizes por ele traçadas.121 [grifo no original]

Pelo exposto, verifica-se a busca da quebra do paradigma do

assistencialismo estatal, buscando-se a participação do Estado através de

assistência social, a fim de que as famílias tenham condições básicas se manter

unidas. Sendo a família de interesse do Estado, importante seria que este

assumisse a responsabilidade na garantia de acesso aos direitos fundamentais,

inerentes à salutar convivência do grupo familiar, assim os pais poderiam

desenvolver e acreditar no potencial de criar e educar os próprios filhos, com

dignidade e liberdade.

3.3 A SUSPENSÃO OU DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR

A violação dos direitos da criança e do adolescente pode ter origem no

seio da família, como a negligência, o abandono e a violência doméstica por parte

dos responsáveis. Assim o bem jurídico assegurado está disposto no art. 24 do

Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 24. A perda e a suspensão do pátrio poder serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.122

Becker comenta que os pais poderão ser responsabilizados pela omissão

ou pela negligência, passíveis da perda ou suspensão do poder familiar, o qual não

é absoluto diante da doutrina da proteção integral. Os pais têm direito à ampla

defesa no caso da destituição do poder familiar, e ressalta nesse caso, a “[...]

121 LIBERATI, 2004, p. 72. 122 BRASIL, 1990.

49

importância da avaliação técnica de cada situação, com a colaboração de

assistentes sociais, psicólogos e psiquiatras, preferentemente membros de equipe

técnica do próprio Poder Judiciário”. Diz ainda que para as medidas previstas no

artigo 24 do ECA devem ser observadas a ação ou omissão dos pais ao invés da

pobreza.123

Paula, ao tratar da tutela jurisdicional diferenciada refere-se aos

procedimentos relacionados à perda ou suspensão do poder familiar com a

destituição da tutela, colocação em família substituta, bem como irregularidades

quanto ao atendimento das entidades de atendimento. Menciona o disposto no art.

5º do Estatuto: “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de

negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão [...]” - e o

art. 70 do Estatuto: - “É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação

dos direitos da criança e do adolescente” - que “extrai-se a possibilidade de

concessões de liminares em todo e qualquer procedimento de validação de seus

direitos”. O autor justifica a concessão de liminares em virtude da urgência e da

situação dos ofendidos, os quais não têm os mesmos recursos dos adultos para se

defenderem das violações de seus direitos. As liminares visam à garantia imediata

da integridade física, moral e mental das crianças e adolescentes.124

Em relação à destituição do poder familiar, Paula diz que se deve

respeitar o direito de contraditório e de defesa, e no caso de ser concedida a liminar,

necessária se faz a citação do réu mesmo que posteriormente, acrescentando:

A facilidade para o decreto de perda do pátrio poder talvez seja o exemplo mais marcante do autoritarismo, disfarçado de discricionariedade e ideal caridoso, que essa norma arrimou durante sua vigência, porquanto o pretenso bem-estar da criança, ameaçado pelas condições sócio-econômicas de seus pais, justifica o desdenhar dos direitos inerentes à maternidade e paternidade. Buscando o antídoto a essa prática cruel em desprezar o direito de ser pai e de ser mãe, que obviamente incidia somente sobre as classes populares, o Estatuto da Criança e do Adolescente expressamente consignou que ‘A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou suspensão do pátrio poder’.125

Carvalho observa a norma que trata da proteção da família, e diz que a

mesma norma que protege a convivência familiar também prevê a suspensão ou

123 BECKER, 2003, p. 116. 124 PAULA, 2002, p. 99. 125 Ibid., p. 101.

50

perda do poder dos responsáveis pela criança ou adolescente, ocorrendo quando os

genitores deixarem seus filhos desamparados injustificadamente, ou ainda,

cometerem abusos no sentido de violar os direitos da criança.126

Quanto à colocação em família substituta, Liberati comenta que quando a

família por algum motivo se desintegra, surge a oportunidade de colocação da

criança em família substituta, a qual ajuda a criança na integração social e pode-se

evitar a sua institucionalização. Diz que a colocação em família substituta pode ser

de três maneiras: guarda, tutela ou pela adoção. Sobre a opinião da criança por

ocasião da colocação em família substituta, Liberati escreve:

A opinião ou a manifestação da vontade da criança e do adolescente deverá ser respeitada, tratando-se de colocação em família substituta. O novo Código Civil consagrou, no art. 1.740, III, a obrigação de o juiz colher a manifestação de vontade do adolescente, nos casos de tutela, quando este já contar 12 anos de idade. Contudo, a autoridade judiciária não estará adstrita a essa manifestação de vontade.127

No sentido de ouvir a opinião da criança e do adolescente, até mesmo

com o intuito de amenizar os efeitos do afastamento familiar, o art. 28 do ECA

discorre:128

Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei. § 1º. Sempre que possível a criança ou adolescente deverá ser previamente ouvido, e a sua opinião devidamente considerada. § 2º. Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as conseqüências decorrentes da medida.

Aoki comenta sobre a história da família substituta, dizendo ser tão antiga

quanto a história da humanidade, e que teria origem no sentimento de solidariedade

que faz parte dos sentimentos dos seres humanos. O fundamento constitucional

previsto no art. 227, destinado a garantir os direitos fundamentais da criança e do

adolescente, submete a família substituta aos mesmos deveres da família natural.

Aoki faz menção ainda, ao artigo 1634 do Código Civil quanto à criação e educação

dos filhos e à família substituta, que dispõe: “Assim, se assume ela o caráter

126 CARVALHO, 1999, p. 156. 127 LIBERATI, 2004, p. 31 128 BRASIL, 1990.

51

definitivo, através da adoção, na verdade, assume a posição da substituída, e,

portanto, assume a totalidade de direitos desta”.129

Quanto às expressões: Situação Jurídica da Criança e Termos desta Lei,

mencionadas no caput do art. 28, Aoki diz:130

É necessário destacar: “A situação jurídica da criança a que se refere o artigo, obviamente, circunscreve-se ao teor do assunto ali tratado, e por isso mesmo, deve ser analisada caso a caso, quer se pretenda a guarda, tutela ou adoção, vez que cada instituto possui requisitos próprios, estes, sim, com sua limitação definida em lei (art. 98 do ECA)”. [grifos no original]. Termos desta Lei refere-se não só aos requisitos legais exigidos pelo instituto que se pretende utilizar mas, também, ao procedimento necessário para realizar tal colocação, o qual encontra-se regulado nos arts. 165 a 170 do Estatuto. [grifo no original].

Aoki faz uma análise do § 1º do art. 28 do Estatuto, salientando a

sensibilidade do julgador na área da infância e da juventude ao tratar da colocação

da criança em família substituta, até mesmo para amenizar a medida, escrevendo:

Sempre que possível, informa a freqüência com que deve ser adotada a providência de indagar da criança ou do adolescente sobre sua opinião a respeito da família a que vai pertencer, isto é, toda vez que houver a possibilidade de eles se manifestarem, deverão sempre ser ouvidos, não se referindo esta possibilidade a atributo pertinente ao juízo ou à ocasião processual [...].131 [grifo no original]

Becker coloca que a interpretação do art. 28 está associada aos artigos

19 a 23 do Estatuto, que tratam da convivência familiar e comunitária, assinalando

princípios que devem anteceder a colocação em família substituta. O primeiro

princípio diz respeito ao direito de ser criado junto da família natural e,

excepcionalmente, com família substituta. O segundo princípio menciona que a

carência material não pode ser considerada para fundamentar a perda ou

suspensão do poder familiar.132

Elias indaga sobre os motivos de se colocar a criança ou o adolescente

em uma família substituta, dizendo que se tem convicção de que o desenvolvimento

pleno ocorre dentro do grupo familiar, assim se cogita um lar substituto ao biológico

129 AOKI, Luiz Paulo Santos. Art. 28. In: CURY, Munir (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 6. ed. rev. e atual. pelo Novo Código Civil. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 123. 130 Ibid., p. 129. 131 Ibid., p. 134. 132 BECKER, 2003, p.135.

52

quando, por algum motivo, este não é mais possível. De acordo com o § 2º do art.

28 do Estatuto, o autor observa que se deve levar em conta o grau de parentesco e

a relação de afinidade para colocação em família substituta, também com o objetivo

de amenizar a medida.133

Em relação à família substituta e os laços afetivos com a criança ou

adolescente, Elias escreve: “No que tange à afetividade, é um aspecto relevante,

especialmente quanto ao equilíbrio emocional da criança e do adolescente, e deve

ser considerado de modo especial no caso em que há vários interessados”.134

Também sobre a importância dos vínculos afetivos, e ao respeito para

com a criança e o adolescente como sujeito de direitos, Becker comenta:135

A criança tem o direito de ser considerada sujeito, e não um objeto que pode ser “removido” ou “deslocado”, de acordo com os interesses dos adultos; uma vez confiada a guarda de uma família, é importante que a criança ou adolescente encontre a estabilidade e os vínculos que já foram rompidos com sua família natural. Essa ruptura é sempre traumática e dolorosa, e sua repetição muito prejudicial ao desenvolvimento da pessoa. Especial cuidado deve ser tomado em relação aos denominados ‘lares provisórios’ ou ‘transitórios’. Nessas circunstâncias, é importante a assistência à criança e à família substituta, [...], procurando sempre levar em conta a opinião da própria criança ou adolescente.

Como foi dito, a autoridade judiciária também deverá levar em conta, além

do grau de parentesco, a afetividade e afinidade entre a criança e o grupo familiar

que vai substituir a família natural, visando minimizar os efeitos do afastamento e o

desenvolvimento emocional, bem como o respeito à pessoa de direitos.

3.3.1 Guarda

Entre as modalidades de colocação em família substituta, está prevista a

guarda, dispondo assim os artigos 33 e 34 do ECA:136

133 ELIAS, 2005, p. 39. 134 Ibid., p. 43. 135 BECKER, 2003, p. 139. 136 BRASIL, 1990.

53

Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. § 1º. A guarda destina-se a regularizar a posse de fato, podendo ser deferida, liminar ou incidentalmente, nos procedimentos de tutela e adoção, exceto no de adoção por estrangeiros. § 2º. Excepcionalmente, deferir-se-á a guarda, fora dos casos de tutela e adoção, para atender as situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável, podendo ser deferido o direito de representação para a prática de atos determinados. Art. 34. O poder público estimulará, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, o acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado.

Becker escreve que a colocação em família substituta constituída na

forma de guarda é uma prática mais maleável, muito comum entre as famílias das

classes populares em decorrência da solidariedade humana, citando como exemplo

a ajuda entre as vizinhas no cuidado dos filhos uma da outra. Dia ainda, que a

guarda é uma forma provisória anterior à tutela ou adoção da criança ou

adolescente. Também comenta a excepcionalidade prevista no § 2º do art. 33 e

relaciona com a necessidade de programas de assistência à família de baixa renda,

dizendo:

Na prática, a situação econômica precária, embora não seja causa para a perda ou a suspensão do pátrio poder, impede, muitas vezes, pelo menos eventualmente, o exercício efetivo da guarda dos filhos de pais que trabalham todo o dia e não contam com equipamentos comunitários ou públicos, como creches e pré-escolas. Nos casos de desemprego ou subemprego, acresce-se a falta concreta de alimentos e até mesmo de habitação.137

Liberati escreve sobre a guarda em relação ao Código Civil, dizendo que

o instituto é tratado nas obrigações parentais, e que por exclusão, não trata da

guarda quanto a crianças e adolescentes que se acham em situação de risco, tanto

pessoal como socialmente, mas da igualdade de obrigações dos genitores que está

prevista no § 5º do art. 226 da CRFB/88.138

Cahali comenta o art. 34 do ECA dizendo que se trata de um enunciado

programático, perdurando ainda, os incentivos da concepção menorista ao incluir a

criança e o adolescente como dependente com a intenção de deduzir o imposto de

renda, bem como auxílio-família em relação trabalhista. Diz ainda que na realidade o

137 BECKER, 2003, p.148. 138 LIBERATI, 2004, p. 34.

54

legislador quer estimular a guarda como uma modalidade mais fácil, visando

principalmente o órfão e a criança ou adolescente abandonados.139

Também em relação ao art. 34 Becker diz que a guarda subsidiada se

destina às crianças para as quais a adoção muitas vezes se torna inviável, as quais

são portadoras de enfermidades ou deficiências, bem como de adolescentes

abandonados que dependem de proteção especial, para os quais quase não existem

candidatos. Becker diz mais: “Um programa de lares remunerados exige boa

seleção e assistência técnica constante, para que cumpra suas finalidades e evite a

utilização de instituições de abrigo, ainda excessiva em nossa realidade”.140

De acordo com o exposto, temos que crianças e adolescentes portadores

de enfermidades ou deficiências também são vítimas de abandono, e até rejeição,

sendo muitas vezes colocados permanentemente em entidades governamentais ou

não governamentais. Assim, visando também o princípio da excepcionalidade de

abrigamento para estas crianças ou adolescentes, sob a forma de colocação em

família subsidiada, também lhes está sendo proporcionado o direito à convivência

familiar e comunitária.

3.3.2 Tutela

Quanto ao instituto da tutela, o art. 36 do ECA dispõe:

Art. 36. A tutela será deferida, nos termos da lei civil, a pessoa de até vinte e um anos incompletos. Parágrafo único. O deferimento da tutela pressupõe a prévia decretação da perda ou suspensão do pátrio poder e implica necessariamente o dever de guarda.141

Em comentário, Elias diz que a tutela é uma forma milenar que com o

tempo evoluiu, sendo o objetivo atual desse instituto a proteção do incapaz e

administração de seus bens. Na ausência dos pais, a tutela substitui o poder

139 CAHALI, Yussef Said. Art. 34. In: CURY, Munir (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 6. ed. rev. e atual. pelo Novo Código Civil. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 149. 140 BECKER, 2003, p. 150. 141 BRASIL, 1990.

55

familiar, o qual ressurgindo com a adoção, a tutela desaparecerá, pois não pode

coexistir com o poder familiar. Também cessa a tutela aos dezoito anos de idade,

quando o adolescente atinge a maioridade civil.142

Nesse sentido também dispõe o art. 1728 do Código Civil: “Os filhos

menores são postos em tutela: I – com o falecimento dos pais, ou sendo estes

julgados ausentes; II – em caso de os pais decaírem do poder familiar”.143

Veronese, Gouvêa e Silva comentam o art. 1728 do CC escrevendo que

“O tutor, que é a pessoa que exerce a tutela, desempenha um múnus público, tendo

a função de zelar pela criação, educação e haveres do menor”. Diz ainda, que o

Código Civil de 2002 seguiu a mesma intenção do código de 1916 no sentido de dar

mais destaque ao aspecto patrimonial do que pessoal. [grifo no original].144

Os mesmos autores também se referem ao art. 1734 do CC como sendo

o único que trata da tutela dos menos favorecidos materialmente, chamando

atenção para o desuso da expressão menor abandonado, a qual não tem mais

sentido no atual ordenamento jurídico.145

Art. 1734. Os menores abandonados terão tutores nomeados pelo juiz, ou serão recolhidos a estabelecimentos públicos para este fim destinado, e, na falta deste estabelecimento, ficam sob a tutela de pessoas que, voluntariamente e gratuitamente, se encarregarem da sua criação. [sem grifos no original].146

Becker comenta o instituto da tutela dizendo ser o meio mais adequado

após a perda ou suspensão do poder familiar, uma vez que a criança ou adolescente

pode manter os vínculos familiares e também com a comunidade em que nasceu.

Diz ainda que a tutela mantém a identidade natural da criança, não sendo uma

medida tão radical como a adoção, pois esta institui uma mudança social e jurídica,

dentro de uma nova família.147

142 ELIAS, Roberto João. Art. 36. In: CURY, Munir (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 6. ed. rev. e atual. pelo Novo Código Civil. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 152. 143 BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 16 jul. 2007. 144 VERONESE, J. R. P.; GOUVÊA, L. F. de B.; SILVA, M. F. da. Poder familiar e tutela: à luz do novo Código Civil e do Estatuto da Criança e do Adolescente. Florianópolis: OAB/SC, 2005. p. 114. 145 Ibid., p. 122. 146 BRASIL, op. cit. 147 BECKER, 2003, p. 152.

56

3.3.3 Adoção

A adoção de criança ou adolescente está prevista nos artigos 39 a 52 do

Estatuto e também nos artigos 1618 a 1629 do novo Código Civil.

Segundo Veronese, o Estatuto trata da adoção como ato personalíssimo,

não se permitindo a adoção por meio de procuração. A autora destaca a alteração

trazida pelo art. 1618 do CC, o qual revoga o art. 42 do Estatuto que dispõe que

somente os maiores de vinte e um anos poderão adotar crianças, alteração que

passa para os dezoito anos de idade de acordo com o dispositivo do novo Código.148

Nesse sentido, Becker menciona a competência da autoridade judiciária

em atendimento aos pedidos de adoção, como resguardo dos direitos das crianças e

adolescentes, até mesmo nas situações em que a adoção é consentida pelos pais. A

autora lembra que a adoção judicial é uma forma de impedir que em virtude do

desespero pelas dificuldades financeiras, filhos sejam vítimas de transações

financeiras. Diz ainda, que nem sempre as famílias adotivas que são recomendadas

pelos pais biológicos são as mais ajustadas para a adoção.149

O art. 43 do Estatuto trata da adoção tendo como prerrogativa, a

conveniência do adotando, assim dispondo: “A adoção será deferida quando

apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”.150

Nesse prisma, Pachi diz que a cultura brasileira quanto à adoção precisa

mudar, é fundamental que se pense em conseguir uma família para determinada

criança e não o inverso, pois os tempos mudaram, assim comentando o art. 43 do

ECA:151

A adoção deixou de ser vista como um ato de caridade, passando a ser uma forma de se ter filhos por método não biológico.Não raro afirmar-se, quando alguém realiza uma adoção, que tal pessoa é dotada de grande espírito humanitário e está fazendo um bem a um ‘menino de rua’ em potencial. E, se a adoção ocorre com criança de característica racial diversa, maior é o desprendimento do adotante. Daí a razão de estabelecer o art. 43 que a adoção só será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos.

148 VERONESE, 2006, p. 31. 149 BECKER, 2003, p. 156. 150 BRASIL, 1990. 151 PACHI, Carlos Eduardo. Art. 43. In: CURY, Munir (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 6. ed. rev. e atual. pelo Novo Código Civil. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 165.

57

O art. 46 do ECA trata do período de convivência da criança e do

adolescente junto da família adotante, desta forma: “A adoção será precedida de

estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade

judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso”.152

Comentando o art. 46, Becker diz que: “O estágio de convivência é o

período necessário para que seja avaliada a adaptação da criança ou adolescente à

sua nova família”. Lembra ainda, que no caso de crianças de tenra idade, a

adaptação é diferente das crianças maiores e dos adolescentes, pois a adaptação

dos recém-nascidos depende mais dos pais adotantes, que se parece com a

adaptação dos pais biológicos. Quanto às crianças maiores e adolescentes, o prazo

para o estágio deve ser maior, pois é necessário um conhecimento mútuo para se

criar vínculos. Becker lembra que essas crianças e adolescentes já passaram

rejeições, sendo indispensável o acompanhamento do processo de adaptação por

equipe técnica.153

Carvalho comenta sobre o instituto da adoção e as condições críticas de

subsistência familiar, os quais aliados à falta de programas assistenciais podem

tornar frágil o vínculo entre pais e filhos e por conseqüência, aumentam o número de

abrigos públicos e privados, bem como crianças e adolescentes pelas ruas.154

Ainda nesse sentido, Carvalho escreve que há situações em que a mãe

procura algum serviço de assistência à infância pedindo que o filho seja colocado

em alguma instituição, dizendo não dispor de condições econômicas para o

sustento, acrescentando ainda que: “Em vez de estudar e viabilizar meios de apoio à

mãe, o técnico responsável oferece, de imediato, a alternativa da adoção, pois assim

a criança ficaria logo com o seu futuro garantido.” Assim, pela situação de

precariedade em que a família muitas vezes se encontra, sem perspectivas e sem o

correto auxílio técnico, muitas vezes a mãe autoriza a adoção do filho.155

Como foi colocado pelos autores, é importante que se tenham políticas

públicas que visem à garantia do direito à convivência familiar, e que as ações

governamentais e não-governamentais, efetivamente, apóiem os pais para terem

consigo seus filhos, antes de qualquer medida de colocação em outra família.

152 BRASIL, 1990. 153 BECKER, 2003, p. 174. 154 CARVALHO, 1999, p. 175. 155 Ibid., p. 181.

58

Mais do que cuidados, alimento e casa, a criança precisa de afeto,

vivência familiar. Sendo a adoção uma busca por um filho, que seja antes de tudo,

um ato de solidariedade em que prevaleça o interesse da criança ou adolescente. A

adoção deve ser acompanhada e orientada por profissionais até a adaptação em

família, a fim de se evitar que a criança seja devolvida e institucionalizada.

59

4 A MEDIDA PROTETIVA DE ABRIGO – PROVISÓRIA E EXCEPCIONAL

Neste capítulo aborda-se o acolhimento na forma de abrigo, que é

determinado por parâmetros estabelecidos em lei, dispondo nesse sentido o

Estatuto da Criança e do Adolescente em seu art. 90, inciso IV. Também se analisa

o disposto no art. 101, inciso VII e parágrafo único do ECA, que institui a medida

provisória e excepcional de abrigamento.

Por último, são analisadas as diretrizes para reversão do quadro da

institucionalização após a necessidade de afastamento da família natural, e a

reinserção na família de origem ou substituta, tendo em vista o disposto no Plano

Nacional.

4.1 A MEDIDA PROTETIVA DE ABRIGO

A Lei Orgânica da Assistência Social – Lei 8.742/93 – LOAS - regula as

ações assistenciais e os abrigos para crianças e adolescentes estão incluídos na

modalidade de serviços assistenciais de atividades continuadas, os quais, segundo

Silva, “[...] visam à melhoria de vida da população, e suas ações estão voltadas para

as necessidades básicas, com prioridade à infância e à adolescência em situação de

risco pessoal e social”.156

Silva acrescenta que, mesmo a LOAS aderindo aos preceitos da

CRFB/88, e a assistência fazendo parte do Sistema de Seguridade Social como

direito universal gratuito e não-contributivo, de responsabilidade estatal, persiste

mais a idéia de instituições filantrópicas e religiosas do que realmente um serviço

governamental quanto aos abrigos. Diz ainda que persevera na esfera federal, o

mesmo atendimento com características de ações assistenciais prestadas pelo

Estado às creches e aos asilos, os quais cadastrados recebem do Estado um

recurso mensal, de acordo com a meta de atendimento preestabelecida. Quanto à

diferença entre creches e abrigos, Silva aponta que:157

156 SILVA, 2004, p. 27. 157 Ibid., p. 28.

60

A principal crítica a esse procedimento é que a finalidade dos abrigos é bem diferente da finalidade das creches. Enquanto estas últimas cumprem uma função educativa, à qual se agregam as ações de cuidado contínuo com crianças entre zero e seis anos que vivem em um núcleo familiar, os abrigos são equipamentos de proteção provisória para crianças e adolescentes que necessitam permanecer, com vistas à própria proteção, temporariamente privados da convivência familiar.

Em outras palavras, Silva argumenta sobre o financiamento na forma per

capita às entidades como se dá para as creches, e que no caso de abrigos poderá

ocorrer um desestímulo em se ter temporariamente e excepcionalmente crianças e

adolescentes, no sentido de não haver ações quanto à promoção na volta dos

mesmos à família e sociedade.

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, havendo ameaça

ou violação de direitos reconhecidos em lei, algumas medidas são aplicáveis e não

sendo possível a manutenção familiar, recorre-se à medida do abrigamento,

dispondo assim a lei:

Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II – por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III – em razão de sua conduta.158 Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: [...] VII – abrigo em entidade.159

No que se refere à competência para aplicação da medida de

abrigamento em entidade, dispõe o art. 136, I do ECA: “São atribuições do

Conselho Tutelar: I – atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas

nos arts. 98 a 105, aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII”.160

Quanto à competência do Conselho Tutelar para aplicação da medida de

abrigamento às crianças e adolescentes que se enquadrarem nos casos previstos

no art. 98 do Eca, Soares comenta:161

158 BRASIL, 1990. 159 Ibid. 160 Ibid. 161 SOARES, Judá Jessé de Bragança. Art. 136. In: CURY, Munir (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 6. ed. rev. e atual. pelo Novo Código Civil. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 455.

61

Exercendo uma parcela de poder (não jurisdicional), o Conselho Tutelar tem autoridade para promover a execução de suas próprias decisões, requisitando serviços públicos, na área das políticas sociais básicas, ou representando ao juiz em caso de injustificada desobediência; para expedir notificações e para requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente, quando necessário.

Quanto ao tipo de entidade, governamental ou não governamental, dispõe

o art. 90 do ECA:

Art. 90. As entidades de atendimento são responsáveis pela manutenção das próprias unidades, assim como pelo planejamento e execução de programas de proteção e sócio-educativos destinados a crianças e adolescentes, em regime de: [...] - IV – abrigo;162

Leite, em comentário sobre a responsabilidade das entidades diz que

devem planejar e colocar em prática seus programas, desde a orientação e apoio às

famílias até o último recurso da internação em entidade. Leite refere-se ao art. 90

dizendo que poderá ocorrer uma grande mudança quanto à “[...] transformação

deste quadro e fatalmente reduzirá em quantidade a ‘indústria do menor’, como se

convencionou chamar [...]”. Diz ainda, que cabe aos Conselhos Municipais dos

Direitos da Criança e do Adolescente, o registro das entidades e após o registro, os

Conselhos Tutelares “[...] poderão zelar pelo cumprimento dos direitos definidos

nesta lei, garantindo a qualidade em cada entidade e um resultado que beneficie não

apenas a criança ou adolescente, mas a sociedade como um todo”.163

Rizzini et al escrevem que não é fácil combater a tradição de

institucionalização de crianças, pois mudanças radicais não ocorrem em curto

espaço de tempo. No Brasil as instituições como os “internatos de menores” e

“orfanatos” estão sendo pressionadas para que se ajustem à lei. Quanto à

população infantil abrigada dizem que, em princípio, não haveria necessidade de

serem afastados da família natural, acrescentando:164

Lá estão pela impossibilidade de seus pais de prover até mesmo o essencial para sua sobrevivência. Continuam, pois, a existir as filas de crianças nas portas das instituições por pobreza, fome e negligência. São velhos problemas ligados à falta de condições dignas de vida de um grande

162 BRASIL, 1990. 163 LEITE, Lígia Costa. Art. 90. In: CURY, Munir (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 6. ed. rev. e atual. pelo Novo Código Civil. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 298. 164 RIZZINI, 2006, p. 34.

62

número de famílias brasileiras. Problemas que certamente não serão resolvidos com a institucionalização de seus filhos.

Quanto à operacionalização do regime de abrigo previsto no ECA, dispõe

o art. 92 e incisos: 165

Art. 92. As entidades que desenvolvam programas de abrigo deverão adotar os seguintes princípios: I – preservação dos vínculos familiares; II – integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família de origem; III – atendimento personalizado e em pequenos grupos; IV – desenvolvimento de atividades em regime de co-educação; V – não desmembramento de grupos de irmãos; VI – evitar, sempre que possível, a transferência para outras entidades de crianças e adolescentes abrigados; VII – participação na vida da comunidade local; VIII – preparação gradativa para o desligamento; IX – participação de pessoas da comunidade no processo educativo. Parágrafo único. O dirigente de entidade de abrigo é equiparado ao guardião, para todos os efeitos de direito.

Em relação ao acolhimento governamental, de acordo com Rizzini et al,

normalmente é executado pela política municipal, através da secretaria responsável

pela assistência social. Os funcionários são compostos por equipes que seguem a

gestão municipal e quanto aos procedimentos adotados nos casos de acolhimento,

que foram levantados pela autora, seguem um roteiro parecido. De acordo com as

autoras, o processo pode se iniciar com uma denúncia, e após os órgãos

responsáveis como: Conselho Tutelar, Vara da Infância e da Juventude e outros

serviços de triagem são notificados, os quais fazem uso de métodos padronizados

para estudo de casos e pesquisa de dados. Após isso, a criança ou adolescente é

recebido e se inicia um trabalho em busca da família e na tentativa de integração

familiar, e não sendo possível no caso de adolescentes, ocorre um estímulo à

independência com inserção em programas profissionalizantes e de geração de

renda.166

Cabe salientar que, quanto à experiência mencionada por Rizzini em

relação à competência para aplicação da medida de abrigamento, a competência é

do Conselho Tutelar para aplicação de tal medida.

165 BRASIL, 1990. 166 RIZZINI, 2006, p. 98.

63

Em comentário aos incisos do art. 92, Piazza diz que se trata de uma

inovação em razão de apresentar também normas do tipo pedagógicas, e escreve

que o previsto no inciso I é uma responsabilidade da instituição, a qual deve

promover o vínculo familiar, sob pena de ser considerada omissa. Nesse sentido,

Piazza diz que a ajuda à família que deu origem à ocorrência de abandono ou de

desajuste social é muito significativa, uma vez que se pode evitar novas situações

de abandono.167

Quanto ao disposto no inciso II, Piazza diz que: “[...] de agora em diante,

uma criança ou adolescente nunca mais pode ficar ‘esquecido’ numa instituição,

ainda que seja a melhor que se conheça”. Em relação ao inciso III, escreve que cada

criança ou adolescente é um ser em desenvolvimento, com destino a conviver na

fase adulta, junto da comunidade, por isso o convívio junto da sociedade local é

importante.168

Em relação às modalidades de abrigo, Silva enumera as diferentes

formas e suas peculiaridades quanto à estrutura:169

- Casa-Lar ou abrigo domiciliar: apresenta a estrutura de uma unidade

residencial, podendo ser própria ou alugada pela instituição responsável. A

coordenação pode ser por “[...] casal social, pais sociais, mãe social (Lei 7.644, de

18/12/1987) ou, ainda, por educadores com revezamento de horários”. [grifos no

original].

- República: assemelha-se com a casa-lar no sentido de que é uma casa

comum. Geralmente se destina aos jovens com mais de dezoito anos de idade, que

não têm mais condições de retornarem à família natural e que não tiveram a

oportunidade de serem colocados em família substituta. O adolescente, durante o

período em que permanecer na república, entra num processo de desligamento da

instituição, seja através do trabalho e de estudos, ensejando sua autonomia.

- Casa de Passagem, acolhida, transitória, albergue: é uma modalidade

de abrigamento mais destinada aos meninos de rua, dos quais os educadores

geralmente se aproximam e os abordam nas ruas, tendo por intenção a construção

167 PIAZZA, Clodoveo. Art. 92. In: CURY, Munir (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 6. ed. rev. e atual. pelo Novo Código Civil. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 302. 168 Ibid., p. 304. 169 SILVA, 2004, p. 311.

64

de uma relação de confiança para, posteriormente, viabilizar o retorno à família

natural.

- Abrigo institucional: é uma forma de atende um grande número de

crianças e adolescentes, dificultando assim um atendimento personalizado e em

pequenos grupos. Dentro dessa modalidade se observa que a criança e o

adolescente ficam privados do convívio familiar e da comunidade.

- Família acolhedora: pode ser uma pessoa ou família que se propõe a

receber em sua casa a criança ou adolescente, tendo a responsabilidade como

guardião. Tal permanência não é estágio para uma posterior adoção, e quanto à

permanência da criança ou adolescente, os direitos e deveres são para ambas as

partes. Havendo um grupo de irmãos, poderá a família acolher a todos ou serão

acolhidos em famílias próximas para que seja mantido o contato entre os mesmos,

bem como com a família natural. As famílias acolhedoras são registradas pelo

Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Entende-se que a família acolhedora não substituirá a de origem, mas

presta uma colaboração no sentido de aguardar que a família se reorganize para

receber de volta a criança ou adolescente.

Silva diz que a definição de abrigo, de acordo com o Estatuto é uma

medida de proteção. Da definição de abrigo entende-se que são as instituições que

atendem crianças e adolescentes visando à proteção integral, os quais por algum

motivo tiveram seus direitos violados, sendo recomendado o afastamento do

convívio familiar temporariamente. Funcionam como moradia alternativa até o

retorno da criança ou do jovem à família natural ou substituta. Silva acrescenta que

o Estatuto dispõe que as crianças e adolescentes serão dirigidos ao abrigo por

deliberação da Justiça da Infância e da Juventude ou dos Conselhos Tutelares,

sendo, neste caso, indispensável que o Poder Judiciário seja cientificado.170

Silva acrescenta outra situação, a qual na prática são crianças e

adolescentes que precisam viver em instituições, afastadas da família de origem, as

quais moram na rua e que passam pelas instituições, representando o abrigo para

eles, um local onde atende suas necessidades básicas.171

Nesse sentido, Silva coloca que:

170 SILVA, 2004, p. 37. 171 Ibid., p. 197.

65

O abrigo, assim, acaba por substituir medidas preventivas – por ausência ou ineficiência-, determinando a privação da convivência familiar por motivos que poderiam ser sanados com políticas e programas voltados à promoção da família, de forma a evitar o abrigamento.172

Ainda sobre a medida de abrigamento, Silva lembra que a norma

estatutária consolidou uma nova visão quanto ao atendimento a crianças e

adolescentes em risco pessoal ou social, instituindo assim princípios que podem

evitar a institucionalização dos mesmos. Silva afirma que para se efetivar os

dispositivos do Estatuto no que tange às medidas de proteção, inclusive pelos

responsáveis pelos abrigos, é necessária também uma cumplicidade com os

objetivos da lei, assim apontando:

Os responsáveis pela implementação dos programas de abrigo devem fazê-lo de forma a contribuir para que as crianças e os adolescentes sob sua guarda possam exercer plenamente seus direitos, especialmente o direito à convivência familiar e comunitária, fugindo do isolamento representado pela institucionalização.173

Silva aponta a relevância do desempenho dos atores na rede de

atendimento a crianças e adolescentes. Analisa o conhecimento dos mesmos sobre

os princípios do Estatuto, além do grau de adesão aos mesmos princípios. Ficou

demonstrado em Levantamento Nacional de Abrigos para Crianças e Adolescentes,

realizado em 2003 pelo IPEA, que:

Os resultados da primeira etapa do ‘Levantamento Nacional’ mostram que 44,3% dos dirigentes entrevistados consideram-se muito informados a respeito do Estatuto da Criança e do Adolescente, e quase a metade (48,8%) deles se acha mais ou menos informada. Menos de 5% se disseram pouco ou nada informados (3,3% e 1,1%, respectivamente) [...]. 174 [grifo no original].

Como lembra Silva, mesmo o Estatuto tendo sido promulgado há mais de

dez anos, existe uma parcela de dirigentes de abrigos que ainda não estão convictos

sobre o teor da norma. Ainda sobre dados do Levantamento Nacional citado por

Silva, dá conta de que:

172 SILVA, 2004, p. 37. 173 Ibid., p. 197. 174 Ibid., p. 197.

66

[...] 52,7% dos entrevistados disseram que não houve mudanças em suas entidades após conhecerem as recomendações do estatuto; 29,75 responderam que houve mudanças; 10,5% dos dirigentes não souberam dizer se houve ou não alguma mudança na entidade em função das recomendações legais; e 7,1% não responderam esta questão [...]”.175

Quanto às modificações introduzidas nos abrigos e mencionadas pelos

respectivos dirigentes, Silva escreve que realmente foram de acordo com as

orientações inseridas no Estatuto e que os entrevistados concordam que as

alterações feitas aprimoraram o atendimento dos abrigados, sendo apontada através

do Levantamento Nacional, a seguinte ordem:

Das mudanças citadas pelos entrevistados que afirmaram ter havido alterações em suas instituições após o conhecimento do ECA, 20,3% são relacionadas à adequação do espaço e das instalações físicas; 15,3%, à qualificação e adequação da equipe de recursos humanos do abrigo; 15,3% dizem respeito à redução no número de crianças e adolescentes atendidos; 13,1%, à mudança no regime de atendimento da instituição, como ter deixado de atender adolescentes em conflito com a lei ou em regime de albergue, por exemplo, passando a atender crianças e adolescentes apenas em regime de abrigo; 11,9% das mudanças citadas referiam-se à alteração no perfil da criança/adolescente atendido, como idade e sexo, por exemplo; 10,6%, à ampliação do relacionamento do abrigo com a família e com a comunidade; e 5,3%, à ampliação das relações interinstitucionais, sobretudo com o Judiciário [...].176

De acordo com Silva, no Levantamento Nacional de Abrigos para

Crianças e Adolescentes da Rede SAC – Serviço de Ação Continuada, foram

descobertas vinte mil crianças e adolescentes em situação de abrigamento, em

quinhentos e oitenta e nove instituições pesquisadas pelo Brasil.177

Quanto à idade das crianças e adolescentes abrigados, Silva aponta:

Entre as crianças e os adolescentes abrigados na época da realização desta pesquisa, 11,7% tinham de zero a 3 anos; 12,2%, de 4 a 6 anos; 19,0%, de 7 a 9 anos; 21,8%, de 10 a 12 anos; 20,5%, de 13 a 15 anos; e 11,9% tinham entre 16 e 18 anos incompletos. Vale registrar que, apesar da medida de abrigo se aplicar apenas à população menor de 18 anos, 2,3% dos pesquisados tinham mais de 18. Tal situação reflete as dificuldades das instituições no cumprimento do princípio do ECA que estabelece que as entidades de abrigo devem realizar a preparação gradativa para o desligamento dos adolescentes que vão completar a maioridade.178

175 SILVA, 2004, p. 200. 176 Ibid., p. 202. 177 Ibid., p. 46. 178 Ibid., p. 48.

67

Por esse prisma, Silva diz que para os jovens se desligarem da medida

de abrigamento gradativamente, as instituições teriam que colocar à disposição a

ajuda psicológica e proporcionar formas para o egresso viver fora do abrigo, “[...] tais

como renda, emprego, escolarização e a criação de algum tipo de vínculo, parental

ou não, externo à instituição”.179

Silva também relaciona as dificuldades encontradas pelos dirigentes dos

abrigos ao tentarem a reinserção das crianças e dos adolescentes na família de

origem, dizendo que a dificuldade maior está relacionada às condições sócio-

econômicas da família, seguida da ausência ou perda do vínculo familiar, ausência

de políticas públicas. Por último, o envolvimento com drogas e a violência

doméstica.180

Através do Levantamento Nacional, a mesma autora apurou os motivos

que levam crianças e adolescentes a serem abrigados, na seguinte ordem:

Entre os principais motivos de abrigamento das crianças e dos adolescentes pesquisados estão a carência de recursos materiais da família (24,1%); o abandono pelos pais ou responsáveis (18,8%); a violência doméstica (11,6%); a dependência química de pais ou responsáveis (11,3%); a vivência de rua (7,0%); a orfandade (5,2%); a prisão dos pais ou responsáveis (3,5%) e o abuso sexual praticado pelos pais ou responsáveis (3,3%). Todos os demais motivos referidos apareceram como responsáveis pelo abrigamento de cerca de 15% das crianças e dos adolescentes nos abrigos da Rede SAC em todo o país.181

Entre as dificuldades relatadas, Silva diz que os problemas sócio-

econômicos da família somados com a ausência de políticas públicas de apoio às

famílias totalizam 46,3%, e isso indica que as políticas públicas não estão sendo

devidamente articuladas.182

179 SILVA, 2004, p. 204. 180 Ibid., p. 205. 181 Ibid., p. 55. 182 Ibid., p. 206.

68

4.2 A EXCEPCIONALIDADE E PROVISORIEDADE EM ANÁLISE

A medida de abrigo deve representar uma transição da criança ou

adolescente com perspectiva de retorno à família de origem ou em família substituta,

sem implicar na privação de liberdade.

O Plano Nacional trata da garantia aos princípios de excepcionalidade e

provisoriedade dos programas de famílias acolhedoras e de acolhimento institucional

das crianças e dos adolescentes. Dispõe que toda a medida de proteção que implica

no afastamento da criança e do adolescente do âmbito familiar e que possa “[...]

ocasionar suspensão temporária ou ruptura dos vínculos atuais, deve ser uma

medida rara, excepcional”.183

Estabelece ainda o Plano Nacional, sobre o afastamento da criança e do

adolescente da família de origem, que a decisão deve ser revestida de muita

responsabilidade e recomenda que os casos sejam analisados individualmente e por

equipe técnica interdisciplinar. O estudo pela equipe técnica e o diagnóstico devem

ser em conjunto com a Justiça da Infância e da Juventude e o Ministério Público. A

recomendação é para evitar “[...] danos ao desenvolvimento da criança e do

adolescente causados por separações bruscas, longas e desnecessárias e deve

considerar a qualidade das relações familiares [...]”.184

Quanto ao princípio da provisoriedade, o Plano Nacional coloca que, em

havendo necessidade do afastamento da família de origem, todos os meios para

reintegrar a criança ou adolescente à família natural devem ser esgotados, assim se

garante que o afastamento seja temporário. Em relação à destituição do poder

familiar, o Plano prevê que:

[...] só deve ocorrer após um investimento eficiente na busca de recursos da família de origem, nuclear ou extensa, com acompanhamento profissional sistemático e aprofundado de cada caso, que considere o tempo de afastamento, a idade da criança e do adolescente e a qualidade das relações.185

183 PLANO NACIONAL, 2006, p. 71. 184 PLANO NACIONAL, loc. cit. 185 Ibid., p. 72.

69

O Estatuto trata da provisoriedade e excepcionalidade no parágrafo único

do art. 101, que assim dispõe: “O abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável

como forma de transição para a colocação em família substituta, não implicando

privação de liberdade”.186

Em comentário aos princípios previstos no art. 101, parágrafo único,

Scheinvar diz que o abrigo é uma medida provisória e excepcional e “[...] uma opção

extrema, embora imprescindível, por ser uma retaguarda para a devida aplicação

das medidas”. O abrigo é um recurso para que a criança e o adolescente que

precisa de guarida, onde deve permanecer o menor tempo possível. As atribuições

do abrigo são limitadas, pois é uma fase eventual no processo de auxílio dirigido

pelo Conselho Tutelar.187

Segundo Scheinvar, a criança e o adolescente não devem continuar no

abrigo além do tempo necessário. Caso haja necessidade de abrigamento por mais

tempo ou até de forma permanente, a autora diz que esta medida provisória deve

ser empregada como um meio de passagem para uma família substituta. Scheinvar

alerta para os riscos, dizendo mais:

Os casos enviados a abrigos podem acabar ficando nesta instância, tornando, uma vez mais, o que seria o provisório em uma compreensão de proteção, sem que se aparelhe a instituição-abrigo na concepção do art. 101, que propõe a existência de outros tantos recursos específicos que fogem da tradicional prática de internamento. O abrigo requer recursos específicos para apoiar devidamente a ação dos Conselhos Tutelares. Não é apenas um albergue, porém instância de atendimento especializado para uma população sob condições específicas, [...].188

Veronese também se posiciona quanto ao art. 92 do ECA e diz que ali

estão inseridos de direitos básicos, os quais devem perdurar enquanto a criança ou

adolescente estiver sob os cuidados da instituição. Quanto à preparação de forma

gradativa para que o adolescente tenha autonomia ao sair da instituição, Veronese

aponta dizendo que é um erro grave deixar o adolescente sair da instituição de uma

hora para outra, sem que esteja capacitado para viver fora daquele ambiente.

Acrescenta ainda: “[...] em face disto é que têm sido propostas ações de

186 BRASIL, 1990. 187 SCHEINVAR, Estela. Art. 101. IN: CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: Comentários Jurídicos e Sociais. 6. Ed. Revista e atualizada pelo Novo Código Civil. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 325. 188 Ibid., p. 326.

70

indenização, em regra contra o município, nas hipóteses em que, quando do

desligamento, o jovem não estava preparado para a vivência fora da entidade”.189

Veronese alude à diferença entre entidades de abrigo e entidades de

internação, pois os abrigos destinam-se a crianças e adolescentes carentes,

abandonados ou que foram vítimas de alguma forma de violação de seus direitos,

quanto às entidades de internação são aquelas destinadas aos adolescentes que

praticaram atos infracionais. 190

Silva observa que a medida de abrigo é provisória e não a modalidade, ou

seja, a sua característica e forma de atendimento à criança ou adolescente não é

provisória, pois o atendimento ao se iniciar gera vínculos, e deve perdurar mesmo

após a saída da medida. É importante que, durante o período de transição da

criança ou do adolescente pelo abrigamento, se evite a transferência para outra

instituição, até mesmo quando for ultrapassado o limite de idade para determinado

programa de abrigo, pois: “Os sentimentos positivos construídos no período de

permanência de crianças e adolescentes em abrigo – como o vínculo, o apego, o

pertencimento – são imprescindíveis, sobretudo para os que não conseguiram uma

família”. 191

Quanto ao vínculo familiar e o tempo de abrigamento das crianças e dos

adolescentes nas instituições pesquisadas, Silva coloca que:

Ao contrário do que supõe o senso comum, a maior parte das crianças e dos adolescentes que vive (sic) nos abrigos não são órfãos: 87% dos pesquisados têm família, sendo que 58,2% mantêm vínculo com seus familiares, isto é, embora afastados da convivência, as famílias os visitam periodicamente. Outros 22,7% não mantêm vínculo familiar constante, ou seja, embora conhecida e localizada, a família raramente aparece para visitar o abrigado. Cerca de 5,8% dos pesquisados, embora tenham família, não podem contatá-la em função de impedimento judicial. As crianças e os adolescentes ‘sem família’ ou com ‘família desaparecida’ que vivem nos abrigos pesquisados representam apenas 11,3% do total [...]. 192

Em relação à política pública, Silva diz que os municípios devem se

organizar para garantir a excepcionalidade e a provisoriedade da medida de abrigo,

e quando ocorrer retorno à família natural ou a colocação em família substituta, as

crianças e adolescentes sintam de forma efetiva o disposto no Estatuto quanto às

189 VERONESE, 2006, p. 71. 190 Ibid., p. 72. 191 SILVA, 2004, p. 309. 192 Ibid., p. 59.

71

entidades de atendimento. Quanto àqueles que não tiverem a oportunidade da

reinserção familiar, Silva lembra que os programas de abrigo devem zelar pelas

respectivas autonomias e crescimento de suas potencialidades. 193

De acordo com a pesquisa efetuada sob coordenação de Silva, o tempo

de permanência das crianças e adolescentes em abrigo foi apurado na seguinte

ordem: “[...] (52,6%) vivia nas instituições há mais de dois anos, sendo que, dentre

elas, 32,9% estava nos abrigos por um período entre dois e cinco anos; 13,3%, entre

seis e 10 anos; e 6,4%, por um período superior a 10 anos [...]”.194

Silva destaca, ainda, a importância do executivo municipal quanto ao

cumprimento da Política de Proteção Integral, pois a falta de articulação nas políticas

de prevenção no acolhimento de crianças e adolescentes em abrigos pode acarretar

em medidas prolongadas e sem proposta de mudança, com conseqüências mais

graves na vida dos acolhidos.195

4.3 AS PROPOSTAS DE REVERSÃO DO QUADRO

No Plano Nacional estão traçadas diretrizes para uma mudança no

paradigma de atendimento à criança e adolescente quanto ao direito à convivência

familiar e comunitária, relacionando tal direito à inclusão social da família. Menciona-

se o reconhecimento da lei quanto à importância da família no contexto da vida

social, dispondo nesse sentido o artigo 226 da Constituição Federal do Brasil, a

Convenção sobre os Direitos da Criança, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a

Lei Orgânica da Assistência Social e a Declaração dos Direitos Humanos.196

Quanto à estrutura familiar, no Plano Nacional está disposto que os

arranjos familiares devem ser acatados e reconhecidos quanto ao potencial de

realização da proteção e socialização das crianças e adolescentes. Há referência

quanto ao fato da vulnerabilidade de muitas famílias, o que ocorre muitas vezes pela

193 SILVA, 2004, p. 309. 194 Ibid., p. 64. 195 Ibid., p. 308. 196 PLANO NACIONAL, 2006, p. 69.

72

exclusão social e cultural. Assim, o Estado e a sociedade precisam apoiar estas

famílias para que sejam capazes de cumprir suas responsabilidades.197

Quanto ao princípio da prioridade absoluta à garantia dos direitos da

criança e do adolescente, no Plano está bem caracterizada a responsabilidade do

Estado em proporcionar serviços apropriados à prevenção e superação das

situações de violação de direitos, permitindo assim o fortalecimento dos vínculos

familiares e sócio-comunitários. No que diz respeito à qualidade das políticas de

apoio às famílias, o Plano cita a responsabilidade municipal, estadual e federal para

capacitação de seus agentes, inclusive no nível de fiscalização e avaliação.198

Dentro desse ponto de vista sobre, o reconhecimento da competência da

família na sua organização interna e na superação de suas dificuldades, dispõe o

Plano Nacional que:

É fundamental potencializar as competências da família para o enfrentamento de situações de suas vulnerabilidades, como por exemplo, a presença de um filho com deficiência, transtorno mental e/ou outros agravos. O foco deve ser o empoderamento e o protagonismo das famílias, a autonomia e a vida independente da pessoa com deficiência e, finalmente, a superação do mito de que o atendimento especializado e, instituições de abrigo e reabilitação é superior ao cuidado que a própria família pode ofertar, quando devidamente apoiada pelas políticas públicas. É preciso reconhecer que a família apresenta capacidade de criar soluções para seus problemas, em sua relação com a sociedade e em sua rede de relações internas e de rever e reconstruir seus vínculos ameaçados, a partir do apoio recebido das políticas sociais.199

Faz parte do Plano Nacional, também em relação ao apoio familiar, o

respeito à diversidade étnico-cultural, à identidade e orientação sexuais, à eqüidade

de gênero e às particulares das condições físicas, sensoriais e mentais, no sentido

de que a proteção dos direitos de cidadania deve ser ampla, levando-se em conta

todos os atores sociais que fazem parte do conjunto das relações familiares e

sociais.200

Entre as metas traçadas pelo Plano Nacional está o fortalecimento da

autonomia da criança e do adolescente como sujeitos de direito nos programas de

acolhimento institucional. Para os adolescentes que não têm mais chances de

reintegração na família natural ou dificilmente em família substituta, deve-se

197 PLANO NACIONAL, 2006, p. 69. 198 Ibid., p. 70. 199 Ibid., p. 70. 200 Ibid., p. 70.

73

fortalecer os vínculos comunitários, a qualificação profissional e a estrutura de um

projeto de vida. Menciona ainda que os espaços públicos freqüentados por crianças

e adolescentes fazem parte do exercício dos direitos da cidadania, que através das

políticas públicas são incentivados além das ciências, o esporte.201

Quanto aos princípios da excepcionalidade e provisoriedade, menciona o

disposto na CRFB/88 e no Estatuto que, em virtude da falta de recursos materiais da

família não cabe o afastamento da criança e do adolescente do convívio familiar

para a institucionalização, acrescentando:

[...] nem a presença de uma deficiência, transtorno mental ou outros agravos. Nas situações de pobreza, conforme previsto na legislação, a família deverá obrigatoriamente ser inserida em programas sociais de auxílio. Nos demais casos aqui destacados, os atendimentos necessários devem ser oferecidos o mais próximo possível da residência, em caráter ambulatorial, ou até mesmo no próprio domicílio, contribuindo, assim, para a preservação e fortalecimento dos vínculos familiares.202

Está previsto no Plano Nacional o reordenamento dos programas de

acolhimento institucional, o qual se compõe de uma mudança que deve ser unificada

em toda a rede nacional de atendimento. Significa assim, a orientação de

instituições públicas e privadas, a fim de aderirem à nova percepção de abrigo, e

este “[...] novo paradigma elege a família como a unidade básica da ação social e

não mais concebe a criança e o adolescente isolados de seu contexto familiar e

comunitário”.203

No que tange ao controle social das políticas públicas instituído na

CRFB/88, no Estatuto, Lei Orgânica da Assistência Social, o Plano Nacional prevê

que a participação popular deve ser democrática e descentralizada. Destaca ainda:

Os Conselhos Setoriais de políticas públicas e dos Direitos da Criança e do Adolescente e suas respectivas Conferências são espaços privilegiados para esta participação, além de outros também importantes, como a mídia e os conselhos profissionais. As Conferências avaliam a situação das políticas públicas e da garantia de direitos, definem diretrizes e avaliam os seus avanços. Os Conselhos têm, dentre outras, a responsabilidade de formular, deliberar e fiscalizar a política de atendimento e normatizar, disciplinar, acompanhar e avaliar os serviços prestados.204

201 PLANO NACIONAL, 2006, p. 72. 202 Ibid., p. 72. 203 Ibid., p. 72. 204 Ibid., p. 74.

74

De acordo com Silva, para uma operacionalização do programa, os

agentes deverão trilhar pelos arts. 90 a 94 do Estatuto, onde estão os princípios e

obrigações a serem executados. Tais princípios e obrigações deverão acompanhar

cada criança ou adolescente a quem se dirigido medida de abrigo, e mais:

Não basta que princípios e obrigações estejam nos estatutos das instituições, em seus regimentos internos, pois além de dar o rumo às instituições, os princípios dizem respeito, sobretudo, às propostas de ação que deverão permear cada intervenção com cada criança e adolescente, sua família de origem, ou na busca por família substituta. 205

Quanto às diretrizes para se garantir os direitos e se evitar a medida de

abrigo e o rompimento dos laços familiares, Silva enfatiza a importância da política

municipal, no âmbito do Plano Municipal de Atendimento à Criança e ao Adolescente

concomitantemente com o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do

Adolescente, com o Conselho Tutelar, o Ministério Público e o Juizado da Infância e

Juventude.206

O que se pode constatar quanto à reversão para o quadro da

institucionalização é que as políticas públicas municipais são de suma importância,

pois a descentralização, quanto aos serviços públicos, facilita o acesso à

comunidade e seus problemas. Também se menciona a importância que os

executores dos programas têm em desenvolver suas ações, e em seguir os

princípios previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente para trabalhar com a

família. Além da participação municipal, conta-se com a cooperação do Estado, da

União e da sociedade civil organizada para a defesa, garantia e a promoção dos

direitos das crianças e adolescentes, envolvendo uma mudança cultural quanto à

medida de abrigamento.

205 SILVA, 2004, p. 306. 206 Ibid., p. 307.

75

5 CONCLUSÃO

No Brasil, a proteção à infância teve uma trajetória que iniciou já na época

da escravidão e foi marcada pela institucionalização de crianças e adolescentes,

passando pelas Rodas dos Expostos, pelo Serviço de Assistência ao menor com a

criação da FUNABEM e da FEBEM, a nível estadual, instituições que já foram

analisadas no primeiro capítulo desta monografia.

Em virtude de movimentos sociais com concepção de que crianças e

adolescentes eram sujeitos da história e não poderiam mais ser violentados e

confinados em reformatórios, e que a família não poderia mais ser atingida em

virtude da miséria, buscou-se uma nova forma de se garantir a união familiar e os

direitos das crianças e adolescentes.

A mudança de paradigma ocorreu com a Constituição Federal de 1988,

na qual se definiu a garantia aos direitos fundamentais e se acolheu a proteção

integral a crianças e adolescentes, além de estabelecer a Seguridade Social

reunindo as políticas de previdência social, saúde e assistência social. Nesse

sentido adveio o Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990 em conformidade

com Tratados e Convenções Internacionais sobre os direitos da criança e do

adolescente, dando ênfase à Convenção sobre o Direito da Criança aprovada na

Assembléia das Nações Unidas em 1989.

Pela Constituição Federal e o Estatuto estão previstos princípios como da

Prioridade Absoluta e do Melhor Interesse da Criança, através dos quais se busca a

proteção integral, podendo ser exigida da família, do Estado e da sociedade.

Pela Doutrina da Proteção Integral, também se tem uma nova visão

quanto à intervenção judicial, pois foi definida pela norma a ação do Poder Judiciário

em conjunto com equipe técnica de profissionais que auxiliam nas decisões,

principalmente na intervenção junto à família.

Pode-se ver que a diferença entre o Direito do Menor e o Direito da

Criança e do Adolescente é de que o Direito do Menor tinha como objetivo a

disciplina e não regulava a atividade comunitária, e o Direito da Criança e do

adolescente é o de regular as relações com a família, a sociedade e o Estado.

Na busca para se garantir o direito à convivência familiar e comunitária de

crianças e adolescentes perante a medida de abrigo, demonstra-se a importância da

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família natural para o desenvolvimento emocional do ser humano, devendo tal

medida ser aplicada excepcionalmente.

A Constituição Federal define a entidade familiar e seus deveres no

sentido de assegurar à criança ou adolescente seus direitos fundamentais, dentre

eles o da convivência familiar e comunitária, também previsto no Estatuto e de

acordo com o art. 19, preferencialmente com a família natural.

Também ficou estabelecido pela Constituição Federal e pelo Estatuto, que

a falta de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou

suspensão do poder familiar, dando atribuição ao Estado para a inclusão do grupo

familiar em programas oficiais de ajuda. Nesse sentido, a conservação da

convivência familiar é prioridade, bem como se ressalta a importância da

convivência comunitária, o direito a permanecer no meio a que a criança e ou

adolescente pertence, pela conservação de seus vínculos afetivos.

Quanto ao perfil das crianças e adolescentes abrigados, ficou

demonstrado que apresentam características de exclusão social e que a maioria tem

família, mas a falta de políticas públicas contribui para dificultar a reinserção na

família natural ou em família substituta.

Ainda persistem estigmas de discriminação em relação à família pobre, de

que crianças ou adolescentes devem ser afastados da família em situação de

carência material, que as famílias pobres são incapazes de criar e educar seus filhos

e que no abrigo, o futuro dessas crianças e adolescentes está garantido. Inclusive,

muitos pais ainda entregam seus filhos nos abrigos para que tenham casa e comida,

achando que as condições são melhores do que eles podem oferecer, colocando a

afetividade e a perda do vínculo em segundo plano, em virtude da pobreza.

Há que se levar em conta, as seqüelas da institucionalização prolongada,

daí a importância da provisoriedade em abrigos, sendo o ideal que a família seja

trabalhada concomitantemente com o período em que a criança e o adolescente

estiver abrigado. Não sendo possível o retorno à família natural, a criança e o

adolescente poderão ser colocados em família substituta para que se evite a

institucionalização, sendo na forma de guarda, tutela ou adoção. Ressalta-se que

deverá ser respeitada a opinião ou manifestação de vontade da criança ou

adolescente. Além do exposto, é relevante para a colocação em família substituta,

que seja levado em conta o grau de parentesco e a preservação de laços afetivos.

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Também foi abordado o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa

do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, que na

sua elaboração foram envolvidos representantes de todos os poderes e da

sociedade civil organizada. O Plano Nacional apresenta dados da pesquisa do IPEA

e ratifica a legislação quanto à proteção integral, dando diretrizes para políticas

públicas no sentido de amparo à convivência familiar e comunitária.

Conclui-se que a medida de abrigamento em entidade pelo fato da

carência material da família impede o direito à convivência familiar e comunitária da

criança e do adolescente, podendo levar a perda de vínculos e prejudicando o

desenvolvimento do indivíduo. Para tanto, é imprescindível que se tenha uma

política pública eficaz, com sistema articulado de apoio à família e quando for

necessária a institucionalização da criança ou adolescente, que seja uma medida

temporária.

São importantes os programas de acolhimento familiar, pois a família que

passa por problemas, precisa de apoio para se reorganizar e receber de volta seus

filhos. De nada adianta tratar a criança ou adolescente e devolvê-lo ao meio em que

vivia, com as mesmas carências que o levou para a rua ou a ser abandonado.

Pelos dados apresentados, deduz-se que após dezessete anos do

Estatuto da Criança e do Adolescente ter entrado em vigor, pouco se evoluiu no

sentido de garantir a proteção integral às crianças e adolescentes, em relação à

mudança da cultura de que a família pobre é incapaz de criar seus filhos.

Ao contrário da legislação anterior, crianças e adolescentes perante a

legislação atual, são vistos como sujeitos de direitos em situação peculiar de

desenvolvimento, mas diante de tanta desigualdade social, ainda faltam políticas

públicas se garantir a proteção integral. Falta estímulo para que o grupo familiar não

se desintegre, e quem mais sofre as seqüelas do afastamento do lar e da

comunidade, são as crianças e os adolescentes.

Ficou demonstrado que ainda hoje a institucionalização de crianças e

adolescentes se dá de forma indiscriminada, que uma parcela de agentes

responsáveis pelos abrigos ainda não têm conhecimento pleno dos princípios e

direitos estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente. Também quanto ao

direito à convivência familiar e comunitária, os profissionais das instituições não

estão sendo devidamente preparados e não há o estímulo para que a medida de

abrigamento seja provisória, e que se trabalhe com a família para o retorno da

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criança ou adolescente. Quanto ao tempo de abrigamento, muitos adolescentes

ainda são encontrados em abrigos, o que se pode concluir que, por falta de procura

da família ou até mesmo de colocação em família substituta, os mesmos passaram

parte da infância ou adolescência num abrigo.

Para uma reversão do quadro de exclusão social e de violação de direitos

é necessário que a sociedade, a família e o Estado se unam, tendo em mente a

proteção das crianças e adolescentes e ao direito das mesmas ao convívio familiar e

comunitário.

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REFERÊNCIAS

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