A memória e a existência colateral Pierceana - Andre

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A memória e a existência colateral Peirceana André Afonso Silva – Disciplina IA005 Prof.Ricardo Gudwin

1) Introdução

Este trabalho destina-se a analisar aspectos da chamada experiência colateral – conceito introduzido por Peirce – e buscar sua correlação com a memória humana. Não estarei aqui preocupado com as várias divisões que a memória possui, contudo características da chamada memória de longo termo (LTM) serão observados com mais atenção.

Desde 1850, com os estudos do filósofo alemão Hermann Ebbinghauss, o cérebro humano e o seu funcionamento são tópicos de interesse das mais diversas ciências. Hoje facilmente podemos encontrar artigos abordando estes temas sob a ótica da psicologia, psiquiatria, neurobiologia, passeando ainda pela computação e pela filosofia.

Aristóteles com as suas 10 classes do pensamento, Leibniz com as monadas, os livros de Locke sobre as idéias, Kant “a priori” ou “a posteriori”, Hume e outros tantos tentaram ao longo da história dos pensadores categorizar e entender melhor o funcionamento e o mecanismo de produção desta máquina cognitiva que o cérebro é.

Contudo, foi com Charles Sanders Peirce, considerado postumamente o maior filósofo americano, que um novo ponto de vista para as classes do pensamento foi introduzido. Peirce criou 3 classes – a primeiridade, a secundidade e a terceiridade (C.P. 1.299, 1.300) – a partir das quais, inspirado no conceito de valência dos elementos químicos (C.P. 1.289), poder-se-ia combiná-las para formar tantas outras classes quantas fossem necessárias (C.P. 1.525), fazendo com que os pensamentos passassem a ser os “elementos químicos” utilizados na formação das várias “formulas” que nossa mente pode abrigar.

Em particular a terceiridade nos atrai de maneira especial, pois a idéia de “terceiro”, sob o ponto de vista Peirceano, “é predominante nas idéias de mediação, meio, intermediário, continuidade, representação, generalidade, infinitude, difusão, crescimento e inteligência”.

Porém, o que é “inteligência”? Piaget e outros tentaram defini-la, entretanto até hoje uma resposta abrangente o suficiente ainda não foi encontrada. Um dos conceitos mais modernos diz ser esta “a capacidade de processar signos”, mas daí nasce a pergunta: O que são “signos”?

A semiótica é a disciplina que estuda os fenômenos da significação – ou seja, o processo de criação dos signos – e representação, sendo a base para o entendimento dos fenômenos da cognição e da comunicação.

Em particular, a semiótica Peirceana apóia-se na relação signo – objeto – interpretante (CP.1.292), sendo o signo comparado a um veículo que leva à mente algo que vem de fora dela (CP.1.339), ou ainda, apoiando-se textualmente no que C.S.Peirce disse “o signo é algo passível de cognição que, por um lado, é determinado por algo diferente de si mesmo, o que chamo de objeto e, por outro lado, determina algum tipo atual ou potencial de representação mental, a determinação a partir da qual eu chamo de “interpretante” criado pelo signo” (CP 1.178). Peirce ainda afirma serem os signos exemplos de terceiridade (C.P. 8.332).

Em uma primeira análise, poderíamos ser levados a pensar ser o contato direto com o objeto a única forma de geração signica, porém em sendo o signo algo passível de cognição e sendo esta “um complexo que retrata os fundamentos da subseqüente automatização das respostas; exigindo para tanto as funções superiores como a atenção, percepção, imagem, memória, a simbolização, o processamento, o pensamento, a resolução de problemas, a planificação e a decisão” (1), encontramos meios indiretos de acessar a idéia que o signo nos traz.

Em particular a memória em muito nos remete ao conceito de “experiência colateral” ou “observação colateral” aonde Peirce diz que “por observação colateral quero referir-me ao contato prévio com aquilo que o signo denota” (C.P. 8.179), pois do que adiantaria o mero “contato” com o objeto se as informações oriundas deste não fossem armazenadas de alguma forma? Além de armazenadas, do que adiantaria esta informação se não pudesse ser manipulada dentro do processo de geração signica?

Este trabalho propõe-se a analisar a memória sob o contexto da semiótica Peirceana, fazendo-se mister uma incursão nesta área tomando por base aspectos estudados pelas mais diversas ciências, buscando achar “insights” que possam nos auxiliar a criar agentes artificiais, ou ainda modelos computacionais, dotados de características inteligentes segundo a ótica da semiótica computacional (cybersemiotics). Observando Santaella (2) que afirma: “o computador como sendo uma máquina e um veículo é, de fato, uma forma sensível, o objeto material que incorpora, expressa o meio semiótico, sendo assim um signo em toda a sua complexidade”; temos um ambiente fecundo para nossa incursão. 2) A memória e a semiótica Peirceana

Neste momento fazemos uma breve, porém importante, incursão em tão vasto e amplo assunto, com a intenção de introduzir conceitos fundamentais para a formação do conhecimento sobre a existência colateral, a fim de,

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posteriormente, examinarmos sua relação com a memória humana. O primeiro conceito importante a ser abordado é relativo ao signo. Na concepção de Peirce, o signo é “algo que conhecido por nós, faz com que conheçamos algo mais” (3, 4, 6), ou ainda, “a palavra signo, como será utilizada aqui, denota qualquer objeto do pensamento que gera qualquer tipo de ação mental, sendo esta voluntária ou não, relacionando a alguma coisa de outra forma conhecida (...) Todo signo denota alguma coisa, e a qualquer coisa que o signo denote será chamado de objeto deste signo (...) Chamarei a idéia ou a ação mental que o signo gerou e que, por sua causa, fez com que o interprete atribuísse o objeto ou os objetos ao signo, de interpretante ”. (3, 5)

Como diz Fidalgo e Gradim, “Peirce compara o pensamento à audição de uma melodia, em que temos uma percepção direta dos sons que a compõem e uma percepção indireta do seu todo. Cada som é uma nota e dele temos consciência (ouvimo-lo) num determinado momento, separadamente dos sons que ouvimos antes e dos sons que ouviremos depois. Em contrapartida, a melodia é um elemento mediato à consciência, mediado pelos sons que a compõem. Tal como a melodia, também o pensamento é uma ação que tem começo, meio e fim, e consiste na congruência da sucessão de sensações que passam pela mente”, ou ainda, nas palavras de Peirce, “o pensamento é a linha de uma melodia através da sucessão das nossas sensações” (C.P. 5.389).

Observamos assim uma relação de causalidade que une de maneira indecomponível os elementos participantes da semiose – processo de interpretação – sugerida por Peirce, já que nota–som–melodia ou signo–objeto–interpretante, cada qual dentro do seu universo, faz parte de um todo que envolve o interprete em uma relação direta com a triade estabelecida. Infere-se desta relação que o conjunto de impressões vividas pela pessoa afeta de maneira direta e de forma sensível a reação mental causada pelo signo. Por exemplo, a figura do Hino Nacional, que é um tipo de signo, pode trazer excelentes recordações para os que aqui nasceram e vivem como também pode gerar uma sensação de saudade muito grande da pátria mãe para aqueles que para cá foram expatriados, ou ainda, em termos musicais, a música sempre será a mesma, porém a interpretação da música irá depender exclusivamente do músico que a toca. Logo, os registros mnemônicos do individuo passam a ter um papel significativo, já que, por meio destes, o cérebro pode conceber um conjunto de informações e sensações muito amplo por intermédio de uma seqüência de semioses que só encontrarão limite nas fronteiras do conhecimento do interprete ou em limitações psicológicas que eventualmente possam existir.

Aproveitando o exemplo citado anteriormente, ao falarmos da Bandeira Brasileira, para um Brasileiro nato, provavelmente, irão surgir idéias relativas à beleza natural do nosso País, a localização geográfica, a língua, os sotaques, a gente, lembranças de viagens e experiências boas vividas nas várias paisagens naturais que aqui temos, enfim, a lista tenderia ao infinito caso concebêssemos alguém (ou algo) que contivesse esta gama de conhecimento, e é importante observar um detalhe: geralmente estas idéias “aparecem” na nossa mente sem uma ação voluntária nossa, de maneira automática aqueles pensamentos e sensações florescem no consciente, não importando serem estes positivos ou negativos. Então a ação mental que o signo gera está diretamente relacionada ao passado, ao histórico de vida do interprete, já que, como o próprio Peirce afirma “antes de podermos interpretar a memória ou a sugestão, estes já serão passado; antes de podermos interpretar a emoção atual que implique uma memória, ou a atual emoção que implique em uma sugestão, como esta interpretação leva tempo, então esta emoção parou de ser presente e agora é passado. Então não conseguimos chegar a nenhuma conclusão do presente, mas somente do passado” (C.P. 1.167). Peirce aborda a questão da memória em vários trechos da sua obra, estabelecendo uma ligação entre o presente e o passado ao dizer “tudo isto é verdade na primeira apresentação de uma realidade direta, porém quando isto aparece para ser criticado, ele mesmo já é passado e é representado pela memória” (C.P. 1.146), ou, mais ainda, “um fato percebido é uma memória que ainda não se separou do fato que gerou esta percepção” (C.P. 2.146). Logo, pela percepção Peirceana, o presente serve somente como base de geração do substrato no qual realmente trabalhamos e tiramos nossas conclusões e aprendizados. Isto ilustra de maneira inequívoca o caráter de secundidade que reveste a memória. Em vários outros trechos Peirce reafirma esta característica dizendo, por exemplo, “que no passar do tempo em nossa mente, o passado aparece atuando direto sobre o futuro, sendo seu efeito chamado de memória, enquanto que o futuro só pode atuar direto sobre o passado por intermédio de terceiros” (C.P. 1.325). Peirce diz serem os terceiros “algo que depende de um segundo e independe de um quarto” (C.P. 1.297) e por sua vez diz que “segundo é algo que depende de um primeiro e independe de um terceiro” (C.P. 1.296) e “um primeiro existe por si só, não dependendo de um segundo” (C.P. 1.295).

Utilizando a matemática, podemos dizer que um número gerado de forma totalmente arbitrária é um exemplo daquilo que Peirce chama de primeiro. Uma formulação possível é dada pela seguinte linha de código, comum em várias linguagens de programação:

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a = random();

Assim “a” receberá um numero completamente aleatório, não dependendo de qualquer parâmetro passado para a função que irá gerar este valor.

Peirce diz que primeiros estão ligados à liberdade, independência, novidade (C.P. 1.302), enfim, elementos subjetivos ou objetivos da realidade, aonde inexistam uma relação determinística entre o elemento e o algo a priori. Já a secundidade tem como exemplo uma função do tipo:

a = f( s(k-1), s(k-2), ..., s(k-n)) = f(e) aonde s(k-1), s(k-2), ..., s(k-n) expressa os vários estados que a função assumiu, ou em outras palavras, a memória de estados da função. Diz Peirce estar a idéia de segundo relacionado às idéias de causa ou de força estática (C.P. 1.325), já que em ambos os casos existem pares aonde os participantes atuam mutuamente um sobre o outro. Saindo da lógica fria dos números, não se pode olvidar que o ser humano tem emoções, que, na maior parte, senão na totalidade, das vezes estão ligadas diretamente às nossas memórias. O relacionamento entre estas e aquelas é algo interessante, pois estas sempre estão ligadas a aquelas, porém aquelas nem sempre estão ligadas estas. Peirce nos seus artigos fala tanto das emoções (C.P. 1.250), como fala dos sentimentos (C.P. 1.306) afirmando ser toda emoção uma forma de cognição (C.P. 1.376) ou ainda uma forma de predicação em cima de um objeto (C.P. 5.247). Ora, o termo utilizado por Peirce nos remete ao fato do objeto exigir ou não um complemento. Considerando-se a memória como o objeto, teremos a emoção associada à memória como seu predicado. Em sendo a memória uma secundidade e em sendo as emoções primeiridades (C.P. 6.32), encontramos aqui a relação semiótica entre a memória e a emoção, inferindo-se, pois, que a toda memória estará (considerando-se a memória de fatos passados pela pessoa) ligada uma emoção. McGaugh afirma ser este o porquê do processo de rememoração ocorrer de maneira mais fácil ou até simplesmente ser inviabilizado (7) em determinadas situações: o inconsciente da pessoa bloqueia o acesso a determinada informação de tal maneira que o passado traumático parece ficar “enjaulado” em alguma sela do inconsciente.

Vale ressaltar que são 5 as emoções básicas (9) - amor, raiva, tristeza, prazer e medo – sendo as demais oriundas destas e, atualmente, sabe-se que emoção é completamente diferente de sentimento (8). Peirce, contudo, não faz esta distinção (C.P. 1.304, 1.311, 1.376, 2.643, 5.292)

ou pelo menos não a coloca de maneira tão explicita quanto hoje as ciências que estudam este assunto o fazem. Chegamos assim ao ponto que une a memória à existência colateral, ou observação colateral como referido em alguns pontos, que Peirce referenciou em seus Papers, já que as informações só ficam retidas em nossa mente, constituindo assim a nossa memória, quando acompanhadas de emoções que façam a pessoa sentir-se bem. 3) A experiência colateral e a memória “Experiência colateral”, “observação colateral” e “conhecimento colateral” são termos utilizados por Peirce referindo-se ao mesmo fato designado como sendo uma maneira indireta de acessar o objeto, dando uma garantia maior de que a idéia surgida foi a acertada, tendo em vista a grande diversidade que há entre o objeto e o signo (10). Este conhecimento pretérito é utilizado com maestria pelos bons professores ao levar o saber aos seus alunos, já que os signos utilizados durante o processo de ensino, quando bem elaborados e combinados, vão de encontro com o conteúdo pretérito que os alunos possuem, fazendo a conjunção perfeita entre a experiência colateral acumulada na mente de cada um do corpo discente com os novos conhecimentos passados na hora, permitindo ao aprendiz formar o novo conhecimento. Para ilustrar este conceito podemos observar o seguinte trecho da obra Peirceana: “Take for example, the sentence "the Sun is blue." Its Objects are "the Sun" and "blueness." If by "blueness" be meant the Immediate Object, which is the quality of the sensation, it can only be known by Feeling. But if it means that "Real," existential condition, which causes the emitted light to have short mean wave-length, Langley has already proved that the proposition is true. So the "Sun" may mean the occasion of sundry sensations, and so is Immediate Object, or it may mean our usual interpretation of such sensations in terms of place, of mass, etc., when it is the Dynamical Object.” (C.P. 8.183)

Utilizando-se de uma frase Peirce introduz dois conceitos novos (que serão abordados a seguir) para nos mostrar a necessidade da experiência colateral para o entendimento da frase colocada por ele.

Antes, porém, de clarificar os conceitos de objeto dinâmico e imediato, vale a leitura de outro trecho, aonde Peirce nos diz: “We must distinguish between the Immediate Object, -- i.e. the Object as represented in the sign, -- and the Real (no, because perhaps the Object is

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altogether fictive, I must choose a different term, therefore), say rather the Dynamical Object, which, from the nature of things, the Sign cannot express, which it can only indicate and leave the interpreter to find out by collateral experience” (C.P. 8.314) A partir do descrito por Peirce, podemos entender o conceito de objeto dinâmico como referente ao estímulo externo; a realidade externa ao interprete; aquele elemento do mundo exterior que gera no interprete algum tipo de reação emocional ou cognitiva interior à sua mente, sendo, portanto, somente alcançável por intermédio dos nossos sentidos; aquele objeto do mundo externo ao qual o signo tenta representar, porém nunca o consegue de forma completa (C.P. 8.314). Já o objeto imediato é a codificação interna à mente da pessoa, gerada por aquele estímulo, com base nas capacidades cognitivas que possui (11).

A transformação do estímulo externo (e aqui, utilizo a concepção psicológica de estímulo, que é “a parte do mundo exterior de complexidade variável, cuja mudança qualitativa e/ou quantitativa gera reações correspondentes, proporcionais aos graus e tipos desta mudança, e capazes de serem distinguidas quanto à qualidade e quantidade” – dicionário Houaiss) em algo palpável para nós, algo que realmente tenhamos compreensão, portanto, depende diretamente daquilo que tenhamos “armazenado”, pois de nada adiantaria o contato prévio com o objeto, se não pudéssemos colher e armazenar alguma impressão. Para corroborar isto, utilizo-me de outra passagem aonde Peirce nos diz: “All that part of the understanding of the Sign which the Interpreting Mind has needed collateral observation for is outside the Interpretant. I do not mean by "collateral observation" acquaintance with the system of signs. What is so gathered is not COLLATERAL. It is on the contrary the prerequisite for getting any idea signified by the sign. But by collateral observation, I mean previous acquaintance with what the sign denotes. Thus if the Sign be the sentence "Hamlet was mad," to understand what this means one must know that men are sometimes in that strange state; one must have seen madmen or read about them; and it will be all the better if one specifically knows (and need not be driven to presume) what Shakespeare's notion of insanity was. All that is collateral observation and is no part of the Interpretant.” (C.P. 8.179) “I think by this time you must understand what I mean when I say that no sign can be understood -- or at least that no proposition can be understood -- unless the interpreter has "collateral acquaintance" with every Object of it.” (C.P. 8.183)

Um fato interessante a ser observado é o de Peirce ter utilizado frases ao abordar a experiência colateral. Acredito ter Peirce se utilizado deste artifício para indicar de uma maneira mais concreta algo que é extremamente abstrato: fora do universo textual a abordagem de sentimentos tornar-se-ia extremamente dificultosa, talvez, até, impossível, já que o nosso vocabulário não é rico o suficiente para expressar e explicar emoções como o amor, por exemplo. Emoções, portanto, ficam como as responsáveis pela introjeção (aqui tomando por base o conceito advindo da psicanálise - processo de identificação por meio do qual uma pessoa absorve como parte integrante do ego, objetos e qualidades inerentes a esses objetos; direcionamento afetivo dos impulsos e reações de uma pessoa, mais para uma imagem subjetiva e internalizada de um objeto do que para o próprio objeto; interiorização - Hoauiss) e consecutivo armazenamento nas várias memórias da representação signica advinda do contato com o estímulo externo. No contato textual utilizado por Peirce, as emoções ficam isoladas e são acessadas de maneira indireta, por meio de uma seqüência semiótica iniciando-se no ícone textual, que remete ao conteúdo armazenado na memória semântica (base de dados fundamental para o processamento signico, onde ficam contidas informações que formam o nosso saber), formando as palavras e depois as frases. O novo objeto formado por este conjunto, pode nos remeter à memória episódica (caso o fato descreva uma situação vivida pelo interprete), chegando, enfim, a emoção atrelada a lembrança do fato, completando assim toda a vivência que o interprete tem ao entrar em contato com o signo textual inicial.

Em todo o momento o conceito de experiência colateral introduzido por Peirce faz-se presente, pois, como já dito, a memória funciona como um grande campo armazenador do conteúdo advindo deste contato, transformando a memória na essência da própria experiência colateral Peirceana, permitindo assim que observação colateral não seja só o produto, mas também a produtora signica. Ademais, podemos observar características intrínsecas da memória que dão base para esta afirmação, tais como:

1) A memória, referindo-me tanto às experiências passadas pela pessoa, como na sua perspectiva funcional – ou seja, a capacidade de armazenar dados – dificilmente pode ser separada das emoções; (12) 2) A memória é a grande biblioteca de informações sobre as quais o sistema cognitivo trabalha para trazer à tona a compreensão dos fatos;

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3) A memória não armazena uma réplica exata do conteúdo apresentado, mas somente sua parte significativa; (13) 4) A memória possui diversas divisões (16). A memória episódica – uma das divisões da LTM – é o maior sistema neurocognitivo que temos (14), possuindo características semânticas (15), ou seja, mecanismos que permitem o processamento de signos lhe são inatos; 5) As emoções funcionam como facilitadoras e motivadoras ao processo de aprendizado (17), que, dentre outros sistemas, envolve uma série de memórias (18). 6) Análises utilizando fMRi (Functional Magnetic Ressonance Imaging) mostram que existem funções ligadas tanto a memória de trabalho quanto ao processo cognitivo envolvido na regulação das emoções (19); 7) Ainda utilizando fMRI, achados sugerem ser as emoções as responsáveis pela modulação das funções neurais envolvidas no resgate e processamento das memórias armazenadas na memória episódica (20); 4) Conclusões Por fim, posso concluir que:

No processo de interpretação de um objeto por mais de um interprete, a experiência colateral ajuda a garantir a menor variabilidade de interpretações – tendo a memória papel importante neste processo – aumentando assim a segurança no processo de comunicação. As emoções têm papel fundamental na formação das memórias, principalmente nas LTM, tendo em vista que podem bloquear ou facilitar o processo de memorização. A experiência colateral além de ser um signo em si, tem a capacidade de gerar novos signos participando da semiose não só como produto, mas também como produtora de signos. Por estarem guardadas nas memórias, principalmente nas LTM, somente partes da experiência real, acredito serem inatos à memória mecanismos de processamento sígnico. Como invariavelmente ocorre um processo de semiose pretérito ao da memorização, acredito serem as memórias um grande banco de interpretantes “compactados” resultantes destas representações dos objetos do mundo real com os quais o interprete tenha entrado em contato.

Com auxílio de ferramentas

computacionais adequadas, certamente uma modelagem da memória, observando aspectos semióticos, é possível, objetivando a criação de uma base sólida para entender o conceito abstrato da experiência colateral.

5) Referencias Bibliográficas (1) – Kolb, B., & Whishaw, I. Q. (1985). Fundamentals of human neuropsychology (2nd edition). San Francisco: W. H. Freeman, 706p. (2) – Santaella, L.B.. (2005).The Computer as a semiotic medium. Artigo não publicado, disponível em formato eletrônico no site da autora, no endereço http://www.pucsp.br/~lbraga/art.html; (3) – Marty, R., 76 Definitions of Sign By C.S.Peirce, disponível on-line no endereço http://www.univ-perp.fr/see/rch/lts/marty/76defeng.htm (4) – Fidalgo, A. & Gradim, A., Manual de Semiótica, Biblioteca On-line das Ciências da Computação (www.bocc.ubi.pt), Universidade da Beira Interior, 2005, 224p.; (5) – Manuscripts of Charles Sanders Peirce, 849, 1911; (6) – Peirce, C.S., Semiotics and Significs - The Correspondence Between Charles Sanders Peirce and Victoria Lady Welby, ed. Hardwick, Charles S., Indiana University Press, 1977, Bloomington, Indiana, p. 32. (7) – McGaugh, J.L.; Memory and emotion: the making of lasting memories; New York : Columbia University Press, 2003, 162p.; (8) – Damásio, A.; Fundamental Feelings, Nature Magazine, October, 2001, p.781; (9) – Ekman, P. Strong evidence for universals in facial expressions: A reply to Russell’s mistaken critique. Psychological Bulletin, 115, 268– 287, 1994; (10) – Linz, A.M.G, A experiência colateral e sua importância para a semiose telejornalistica, Núcleo de Semiótica na Comunicação, XXVI Congresso Anual em Ciência da Comunicação, 2003; (11) – Taborsky, E., The internal and external semiosic properties of reality; Semiosis, Evolution, Energy, Development, Volume 1, Number 1, March 2001;

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(12) – Clocksin, WF. Memory and emotion in the cognitive architecture. In Visions of Mind (D. Davis, ed.), IDEA Group Publishing: Hershey, PA., 122-139, 2004; (13) - Hoerl, C. & McCormack, T., Perspectives on time and memory, Oxford Press 2001; (14) – Schacter & Tulving, E., Memory Systems, MIT Press, 1994; (15) – Howard, M.W. & Kahanna, M.J., When does semantic similarity help episodic retrieval?, Journal of Memory and Language 46, 85-98, 2002; (16) – Klein, SB, Cosmides L., Tooby J.,Chance S., Decisions and the evolution of memory: multiple systems, multiple functions, Psychological Review, vol.109, no.2, 306-329. 2002; (‘7) – Franklin S., McCauley L., Feelings and emotions as motivators and learning facilitators, Architetures for modeling emotions, AAAI Spring Symposia Technical Series Technical Reports SS-04-02. 2004; (18) - Anwar, A., and S. Franklin. Sparse Distributed Memory for "Conscious" Software Agents. Cognitive Systems Research 4:339-354. 2003; (19) – Ochsner KN, Gross JJ, Gabrieli JDE, Bunge SA; Rethinking feelings: a fMRI study of the cognitive regulation of emotion, Journal of Cognitive, 14:8, pp.1215-1229, MIT, 2002; (20) – Maratos EJ, Dolan RJ, Morris JS, Henson RNA, Rugg MD; Neural activity associated with episodic memory for emotional context, Neuropsychologia, 39, pp.910–920, 2001;