A MENINA QUE NÃO TINHA MEDO DO ESCURO

15

Click here to load reader

description

Um escritor solitário e de um passado enigmático se vê às voltas com uma menina de sete anos que o atrapalha enquanto escreve em seu apartamento. Irritado, chama-lhe a atenção inúmeras vezes, aborrecendo-se cada vez mais. Com o tempo, uma forte amizade os une e ela começa a fazer parte de sua vida como ele nunca imaginou ser possível. Entretanto, não poderia supor que aquela menina tinha um elo com seu passado, que causa uma reviravolta em sua vida. O passado e o presente unem-se em uma revelação assustadora e sombria, explicando, assim, fatos ocorridos há dez anos. Uma história de amor, suspense e, sobretudo, uma lição de vida.

Transcript of A MENINA QUE NÃO TINHA MEDO DO ESCURO

Page 1: A MENINA QUE NÃO TINHA MEDO DO ESCURO

A Menina que não Tinha Medo do Escuro

Page 2: A MENINA QUE NÃO TINHA MEDO DO ESCURO
Page 3: A MENINA QUE NÃO TINHA MEDO DO ESCURO

São Paulo 2012

Wilson Mello

A Menina que não Tinha Medo do Escuro

2ª Edição

Page 4: A MENINA QUE NÃO TINHA MEDO DO ESCURO

Copyright © 2012 by Editora Baraúna SE Ltda

Capa Aline Benitez

Diagramação Monica Santos

RevisãoTarsila Lorrof

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

_______________________________________________________________M482m2.ed. Mello, Wilson A menina que não tinha medo do escuro / Wilson Mello. - 2.ed. - São Paulo: Baraúna, 2011. ISBN 978-85-7923-336-4 1. Ficção brasileira. I. Título.

11-4870. CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3

03.08.11 08.08.11 028547

_______________________________________________________________

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br

Rua Januário Miraglia, 88CEP 04507-020 Vila Nova Conceição — São Paulo — SP

Tel.: 11 3167.4261

www.editorabarauna.com.brwww.livrariabarauna.com.br

Page 5: A MENINA QUE NÃO TINHA MEDO DO ESCURO

5

Dedico este livro para Tarsila, uma garota fantásti-ca, que muito tem me ajudado. Sei que é pouco pelo que tem feito por mim; entretanto, é uma forma de dizer muuuito obrigado.

Leiam o blog dela. Ela é a Princesa do blog.www.desaliene.blogspot.com

Page 6: A MENINA QUE NÃO TINHA MEDO DO ESCURO
Page 7: A MENINA QUE NÃO TINHA MEDO DO ESCURO

7

CAPÍTULO 1

Tinha 52 anos e, ultimamente, aparentava bem mais pelo ar de cansaço e desgosto. Ele digitava em seu note-book, entretanto, cada palavra que aparecia no monitor não lhe satisfazia. Deletava e recomeçava.

O trabalho de um escritor era como o de um ouri-ves: trabalhar um material bruto — a ideia — e lapidá-lo, até ser tornar uma joia. Estava acostumado a reescrever seus textos para chegarem ao ponto em que os conside-rava perfeitos, o que poderia significar 20 ou mais vezes.

Escrever era-lhe 85% transpiração, ato de, literal-mente, suar a camisa, ficando horas e horas diante de um computador; 5, inspiração; 10, técnica. Ele vanglo-riava-se por pensar que havia desenvolvido uma fórmula. Fosse como fosse, era seu trabalho como redator em um jornal que lhe dava o sustento, o que não o deixava nem um pouco realizado, já que seu sonho era tornar-se um best-seller, como John Grisham ou Stephen King. Sonho de muitos, privilégio de poucos abençoados.

Gostava do trabalho e não se importava de ficar por 10 horas escrevendo. Com meia dúzia de livros publi-cados, esperava que o novo rendesse louros maiores. A vantagem de não ser tão jovem era ponto positivo para um escritor. Vivera o bastante.

Page 8: A MENINA QUE NÃO TINHA MEDO DO ESCURO

8

Depois de ler o que havia escrito, digitou:“— Há algo que eu possa fazer por você?— Sim, você pode...” O som das teclas soava-lhe como música, gostava de

ouvi-lo. Se não fosse escritor e não apreciasse tanto o que fazia, queria ter sido pianista. Às vezes, escrevia como se tocasse ao piano.

Tarefa árdua a de produzir um livro, além de ser alvo de críticas de toda a espécie. Escrever era se expor e ser julgado a todo o momento. Haveria, com certeza, quem o elogiasse e quem o recriminasse. Profissão, mui-tas vezes, ingrata e cruel. Não adiantava; seu finado avô, o único que lhe incentivara e aventurara-se nas letras, dizia que estava no sangue. Era quase uma maldição: ou você escrevia e sofria, ou não escrevia e sofria.

Habituado ao trabalho por anos a fio e acostumado ao fracasso, não tinha grandes esperanças de ser lem-brado na Forbes como autor bem-sucedido. Escrever era viver embora se sentisse mais morto que vivo, um escritor-zumbi.

A ex-mulher acreditava que ele perdera a fé em Deus por achá-Lo injusto e sem critério. Não que fosse crédulo, contudo, talvez fosse a dose a mais de uísque que o fizera crer que era amaldiçoado. Não o incentiva-va, porque achava o marido um sonhador. Ele colocava a culpa na falta de cultura da mulher. Tinha certeza de que não possuía cultura suficiente para ler as entreli-nhas. Deveria ter se casado com uma amante dos livros, não com alguém que acreditava em almas penadas pe-rambulando por aí.

Page 9: A MENINA QUE NÃO TINHA MEDO DO ESCURO

9

O barulho de uma bola, vindo de sua porta, sendo rebatida ininterruptamente, surpreendeu-o. Fechou os olhos, respirou fundo e recomeçou o trabalho:

“— Sim, posso...?— Você pode, por exemplo...”Detestava ser interrompido. Sabia que, quando per-

dia a concentração, levaria alguns minutos para consegui--la novamente. Alguns pesquisadores dizem que se leva até 25 minutos para recuperá-la por completo. Ele não sabia ao certo quanto tempo, entretanto, muitas vezes, nem conseguia continuar o que fazia.

Escrever era uma arte para poucos e, mais do que conhecimento, a concentração era fundamental. Por gostar muito de música e ter bom ouvido, qualquer barulho perturbava-o.

Houve vez que, tarde da noite, quando silêncio che-gava a ser aterrador — a mulher na casa da mãe, graças a Deus! —, ele ouviu cupins devorando madeira como se fossem europeus medievais depois de uma longa Cruza-da à Terra Santa, fartando-se de seu banquete macabro. O barulho parecia estar ao lado da porta. A bola batia no chão em espaços quase cronometrados: um, dois; um, dois; um, dois...

Parou de escrever ao ouvir os repiques. Cada ba-tida era quase um soco em sua cabeça. Mantinha a expressão de raiva e contrariedade. Não havia algo pior que interromper um escritor quando escrevia! Era-lhe o pior dos pesadelos.

Subitamente, o barulho cessou. Suspirou aliviado. E, mesmo desalentado, digitou:

Page 10: A MENINA QUE NÃO TINHA MEDO DO ESCURO

10

“— Você pode fazer aquilo que devia ter feito há...”Para seu descontentamento, de novo o barulho da

bola tirou-lhe a atenção. Irritado, afastou sua cadeira e foi à porta, abrindo-a bruscamente. Deparou-se com uma menina de sete anos brincando com a bola.

A cena parecia-lhe surreal: tarde da noite, uma me-nina, sozinha, brincava com uma bola de basquete! Ele fitou-a com cara de zangado, não falando sequer uma palavra. Ela continuou rebatendo e, por um instante, não conseguiu dominar a bola, que caiu aos pés dele.

— Moço, jogue pra mim, por favor — ela pediu, sorrindo.

Ele olhou a bola, depois, voltou os olhos para ela, ainda sem proferir uma palavra. Novamente a fitou e, de novo, a bola. Decidiu dar-lhe um forte chute, fazendo com que a bola passasse pela garota a uma velocidade que não pudesse deter. Ele não compreendera sua própria atitude, não era de seu feitio agir assim.

A menina mirou-o em silêncio. Antes de entrar em seu apartamento, ele olhou-a outra vez, demonstrando irritação. Com seu olhar, queria demarcar território: “NÃO INCOMODE!”

Talvez fosse mais prático se tivesse colocado uma plaquinha na maçaneta; ou, quem sabe, mudado para uma casa em que o risco de ter vizinhos, parede a parede, fosse inexistente. De volta ao computador, respirou fun-do e recomeçou o texto:

“— Ter feito o quê?”Estava certo de que a qualidade do trabalho não seria

das melhores; não conseguia pensar direito sempre que se

Page 11: A MENINA QUE NÃO TINHA MEDO DO ESCURO

11

irritava, fosse com que fosse. Parou de digitar, levou as mãos aos cabelos; não estava satisfeito com o desfecho do novo livro. Soltou um suspiro. Leu em voz alta a última frase, escrita pouco antes de ser interrompido:

“— Ter feito o quê?” — Pequeno silêncio. “— Ter feito o quê?” — leu de novo.

Certo de que o texto não prosperaria naquele mo-mento, abandonou o notebook e foi à cozinha. Abriu a geladeira. Ao lado da garrafa de água gelada, havia um litro de uísque já mexido. Fitou a bebida e, então, pegou a garrafa de água e serviu-se de um bom copo. Bebeu. Guardou-a e fechou a geladeira, dando uma ótima olha-dela no litro de uísque, servindo-se de uma dose. Olhou a bebida por algum tempo. Em seguida, tomou o copo na mão e despejou o uísque na pia.

Page 12: A MENINA QUE NÃO TINHA MEDO DO ESCURO
Page 13: A MENINA QUE NÃO TINHA MEDO DO ESCURO

13

CAPÍTULO 2

Na manhã seguinte, depois de um bom e demorado banho, de um café quente com pão fresco, estava certo de que o dia seria produtivo. Sentia-se inspirado. Achava-se capaz de tudo, ou seja, de criar os melhores e impecáveis diálogos para seus personagens. Acreditava inteiramen-te no novo trabalho, era sua esperança de se tornar um autor conhecido do grande público e deixar de ser um escritor de meia dúzia de leitores. Livrar-se da ideia de ser um medíocre homem das letras.

Estava diante da tela em branco há alguns minutos. O silêncio era praticamente total, não fosse o barulho de alguns carros que passavam. Como morava no terceiro andar, não chegava a se aborrecer tanto. Sentia que o dia render-lhe-ia boas ideias.

Fez um pequeno aquecimento com os dedos, como os pianistas antes de tocarem. Acomodou-se confortavel-mente na cadeira giratória e começou a digitar:

“— Não deveria ter se precipitado, acho que foi muito prematuro seu convite para morarmos juntos.”

Parou e leu o texto. Ficou satisfeito.

Page 14: A MENINA QUE NÃO TINHA MEDO DO ESCURO

14

“— Acha mesmo?” — digitou.“— Nos conhecemos há pouco mais de três meses.

Pouco tempo para dividir a escova de dente.”Esboçou um sorriso de satisfação. Ficou olhando cada

palavra. Decidiu deletar o último trecho e recomeçou: “— Pouco tempo para um compromisso tão sério.” Leu em voz alta: “— Pouco tempo para um compromisso tão sé-

rio!” — Coçou a cabeça, parecia indeciso. “— Pouco tempo para dividir a...”

Mal terminou de pronunciar a frase, ouviu nova-mente a bola sendo rebatida próximo à porta, como na véspera. Tornou a falar em voz alta:

“— Pouco tempo para dividir a escova de...” — DROGA!!O barulho da bola sendo arremessada no chão,

como uma picareta quebrando pedra, torturava-o. Res-pirou fundo. Levou novamente as mãos ao teclado. E se decidiu pela frase:

“— Pouco tempo para dividirmos a escova de dente.”

Continuou: “— Três meses não são tão...”A cada rebate, seus nervos ficavam à flor da pele, e

o barulho da bola jogada no azulejo parecia mais alto. Levantou-se de um pulo. Correu até a porta, a expressão era de mais zangado que no dia anterior.

Chegou a pensar como uma criança tão pequena era capaz de tirar um adulto do sério, homem de mais de 50 anos, tão facilmente. Não tinha explicação. Estava decidi-

Page 15: A MENINA QUE NÃO TINHA MEDO DO ESCURO

15

do a brigar com a menina. Afinal, era um escritor e preci-sava de todo o silêncio possível para se concentrar e tentar produzir o melhor. Abriu a porta, avistou-a rebatendo a bola. Ela parou e olhou para ele. Seus olhares cruzaram--se. Ela mantinha a bola na mão; ele, com uma das mãos cofiando a barba por fazer. Foram segundos de completo silêncio. Nada disseram um ao outro, apenas se olharam. Então, ele fechou a porta e voltou para seu livro.

“— Não são o quê?” — ele continuou digitando, dando prosseguimento ao texto. “— Tempo suficiente para...” Sentiu-se aliviado, porque a menina pareceu compreender que o incomodava. Três minutos, nada de barulho. “Afinal, não é uma menina tão má assim!”, pen-sou. Sorriu ao sentir que se apegava à história de novo. Contudo, para seu desalento, frustrou-se ao constatar que se equivocara ao julgar a menina.

As batidas da bola sendo arremessadas recomeçaram, desta vez com mais intensidade. Eram como marteladas em sua cabeça. Uma vez, duas, três... Levantou-se num supetão e, mais rápido que antes, abriu a porta brusca-mente, disposto a tudo para que a menina parasse com aquele barulho infernal. Surpreendeu-se ao não mais a ver por ali. Olhou para um lado e outro. Nada.

Retornou ao livro. Ficou por minutos apenas olhan-do o texto escrito. Não leu, nem digitou mais; apenas olhou. Insatisfeito e desapontado, deletou tudo.