A Moradia Informal No Banco Dos Reus Discurso Normativo e Pratica Judicial

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  • Direito e desigualdades no sculo XXI

  • REVISTA DIREITO GV, SO PAULO7(2) | P. 391-416 | JUL-DEZ 2011

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    RESUMOO PRESENTE ARTIGO, SITUADO ENTRE A SOCIOLOGIA E A TEORIAJURDICA, ENFRENTA INDAGAES EM TORNO DA EFETIVIDADE DADEFESA DO DIREITO MORADIA NO BRASIL, COM FOCO EMPROCESSOS JUDICIAIS CONCRETOS QUE ENVOLVEM ASSENTAMENTOS

    INFORMAIS: FAVELAS, LOTEAMENTOS IRREGULARES E CLANDESTINOS,ETC. QUAL O DISCURSO NORMATIVO VIGENTE EM TORNO DO DIREITO MORADIA? E QUAL A HISTRIA VIVA DO DIREITO MORADIA NOSTRIBUNAIS BRASILEIROS? SO ESSES NOSSOS QUESTIONAMENTOSCENTRAIS. CONTABILIZADOS OS RESULTADOS, EM CONCLUSO,REVELA-SE UMA ENORME DISCREPNCIA ENTRE DISCURSO E PRTICA.

    PALAVRAS-CHAVEDIREITO MORADIA; ASSENTAMENTOS INFORMAIS; DISCURSOE PRTICA.

    Joo Maurcio Martins de Abreu

    A MORADIA INFORMAL NO BANCO DOS RUS: DISCURSO NORMATIVO E PRTICA JUDICIAL

    ABSTRACTTHIS PAPER, SITUATED BETWEEN LAW AND SOCIOLOGY OFLAW, DEALS WITH ISSUES CONCERNING THE EFFECTIVENESSOF JUDICIAL DEFENSE OF HOUSING RIGHTS IN BRAZIL,ESPECIALLY THE LEGAL PROCEEDINGS INVOLVING INFORMAL

    SETTLEMENTS: SLUMS, TENEMENT DWELLERS ETC. WHATIS THE LEGAL DISCOURSE ABOUT HOUSING RIGHTS? WHATIS THE LIVE HISTORY OF HOUSING RIGHTS ON BRAZILIANCOURTS? THOSE ARE OUR CENTRAL QUESTIONS. AS RESULT,WE FOUND A LARGE DISTANCE BETWEEN DISCOURSE AND

    PRACTICE.

    KEYWORDSHOUSING RIGHTS; INFORMAL SETTLEMENTS; (LEGAL)DISCOURSE AND PRACTICE.

    THE DEFENSE OF HOUSING RIGHTS IN THE CASE OF INFORMAL SETTLEMENTS: DISCOURSE AND PRACTICE

    INTRODUONeste artigo pretendemos sondar e analisar, de forma problematizada, o discursonormativo atualmente vigente em torno do direito moradia em comparao com aprtica judicial brasileira em relao aos assentamentos informais: processos judiciaiscontra favelas, ocupaes de prdios pblicos e privados, loteamentos irregulares eclandestinos. Estamos, portanto, no campo da efetividade concreta da defesa dodireito moradia, entre a norma jurdica e o fato social.

    Desde a Declarao Universal dos Direitos Humanos (1948), passando pelo PactoInternacional de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais (1966), por disposiesexplcitas e implcitas de nossa Constituio Federal de 1988, assim como, mais

  • recentemente, por uma srie de leis infraconstitucionais, revela-se a construo, emtese, de uma considervel arquitetura jurdica protetiva do direito moradia. Masqual ser a histria viva desse direito nos tribunais brasileiros, quando so rus mora-dores de assentamentos informais? Eis o nosso problema central.

    A aproximao do real complexa e a defesa da metodologia que empregamosexigiria pouco menos da metade do espao de um artigo. Em nossa dissertao demestrado, onde a citada sustentao pode ser encontrada, percorremos o seguintetrajeto: (a) elegemos como paradigma e analisamos integralmente os autos de umaAo Civil Pblica ajuizada pelo Ministrio Pblico do Estado do Rio de Janeiro, em1998, em face do Municpio de Belford Roxo, RJ, que objetivava a condenao doru a promover o despejo forado de um assentamento informal instalado, desdeo incio dos anos 1980, em via pblica inconclusa e perifrica do municpio; (b)justificamos a escolha desse caso concreto e no de outro, demonstrando sua repre-sentatividade da prtica judicial brasileira e comparando-o com outras fontes deinformao do real, como notcias de jornais, relatos de movimentos sociais, prece-dentes judiciais de outras aes civis pblicas, e tambm de aes de reintegrao deposse e reivindicatrias como pedidos assemelhados; (c) retiramos do caso concretoanalisado em mincias os aspectos generalizveis, que poderiam ser encontrados emprocessos judiciais semelhantes. Este artigo incorpora parte substancial dos resulta-dos de nossa dissertao e trata apenas dos citados aspectos generalizveis para aprtica judicial prevalecente, sem referncia a particularidades do caso concreto pes-quisado no mestrado.

    A hiptese que nos conduz nessa comparao entre discurso normativo e prti-ca judicial uma especificao daquela sugerida por Boaventura de Souza Santos parao caso portugus, em clssico trabalho de Sociologia Jurdica, segundo a qual,

    ... quanto mais caracterizadamente uma lei protege os interesses popularese emergentes, maior a probabilidade de que ela no seja aplicada. Sendoassim, a luta democrtica pelo direito deve ser, no nosso pas, uma luta pelaaplicao do direito vigente, tanto quanto uma luta pela mudana dodireito (Santos, 2001, p. 178).

    Ser que o direito moradia, principalmente quando invocado em defesa dasclasses que habitam assentamentos informais, devido e igualitariamente respeitadoe ponderado nos tribunais brasileiros?

    Partimos do pressuposto de que o homem e a mulher tm o direito, inerente prpria vida, de ocupar um lugar no espao e firmar uma relao com ele; deque, normalmente, podem faz-lo com o intuito de permanecer; e de que morar um ato estritamente ligado constituio de um espao adequado, livre e ntimopara a vida cotidiana; um ato que concorre para a construo da identidade e para

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  • o desenvolvimento da personalidade do sujeito, pois, em torno do ato de morar,normalmente se estabelecem relaes e vnculos sociais fundamentais para a vida,tais como a amizade e/ou a familiaridade com o ambiente em que se vive.1

    Consideramos discurso normativo o contedo propriamente dito da lei (em sen-tido amplo), bem como as correspondentes diretrizes interpretativas abstratamentesugeridas pela doutrina jurdica e/ou por rgos autorizados como o Comit daOrganizao das Naes Unidas, ONU, no caso das declaraes e tratados interna-cionais. O que caracteriza o discurso normativo, portanto, o fato de ser construdoem tese e em geral. Dele difere a prtica judicial, corporificada nos processos judi-ciais instaurados em nossos tribunais, pois aqui estamos no mbito da construo deatos e decises que incidem direta, imediata e coativamente sobre casos concre-tos. Consideramos, por fim, a prtica judicial prevalecente aquela refletida emdecises judiciais reiteradas que revelam uma tendncia de nossos tribunais, forman-do o que se convencionou chamar no Brasil de jurisprudncia.

    1 DO DISCURSO NORMATIVO VIGENTEEste captulo est dividido em duas partes. Na primeira, demonstraremos que exis-te h muito tempo proteo legal vlida e apta a produzir efeitos em torno do direito moradia, proteo essa cada dia mais vigorosa e ramificada. Na segunda, demons-traremos que o alcance interpretativo dessa proteo normativa finca-se numaconcepo genrica e autnoma da moradia, que abrange os assentamentos informais e nem poderia ser diferente.

    1.1 A PROTEO LEGALAssim como numa tragdia grega anunciada, em que o homem, por ultrapassar suamedida (o mtron), punido com a cegueira da razo (a ate), abatendo-se sobre ele odestino cego (as garras da Moira), tambm a cultura jurdica formal-positivista, pre-dominante durante boa parte do sculo XX no Ocidente, paga seu preo. Ficamarcada na Histria como aquela que, em seu apego excessivo e servil autoridadeda norma jurdica como forma abstrata, e no contedo, desmereceu, no Direito,indagaes sobre justia e realidade social; aquela cultura que, buscando a pureza doDireito, desumanizou-o; que institucionalizou genocdios; aquela cultura que, por-tanto, foi punida com a cegueira da prpria lgica que acreditava defender e aceitou,passiva e desorientada, o destino cego da humanidade, entre totalitarismos de direi-ta e esquerda.2

    Como que a fazer um exame forado de conscincia, no ps 2 Guerra, as naesfirmaram unanimemente em 1948 a Declarao Universal dos Direitos Humanos, daento recm-criada ONU.3 A Declarao, hoje sexagenria, visava fundar um orde-namento jurdico internacional centrado no valor fundamental e global da primazia

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  • da dignidade humana, isto , na prevalncia da ideia da pessoa como um fim em simesma, como sujeito de direitos pelo simples fato de ser pessoa, e no coisa ou obje-to, o que tornou no mais uma questo apenas de soberania a relao de umdeterminado Estado com seus nacionais. A despeito de algumas reticncias de juris-tas importantes (Villey, 1969),4 podemos enxergar nesse documento um marcodiscursivo do compromisso humanista de ruptura com a cultura jurdica formal-positivista, que havia institucionalizado, em passado recente, a barbrie do nazismo.

    Sobre o pilar da dignidade humana, a Declarao de 1948 condensa uma srie dedireitos mnimos, com pretenso de universalidade, que so reunidos em dois gru-pos: o dos direitos civis e polticos (vida, presuno de inocncia, liberdade religiosa,sufrgio universal, etc.), e o dos direitos econmicos, sociais e culturais (alimenta-o, padro de vida adequado, trabalho, repouso, instruo, etc.). Dentre os direitoshumanos declarados e protegidos mais especificamente, dentre os direitos huma-nos sociais figura desde ento o direito moradia.

    O artigo XXV da Declarao Universal dos Direitos Humanos, ao estabelecerum padro de vida mnimo como direito de todo e qualquer cidado, inclui comopr-requisito desse padro, expressamente, o direito moradia, equiparado a prin-cpio com a habitao:5

    ... todos tm direito ao repouso e ao lazer, bem como a um padro de vida capaz de assegurar a si e sua famlia sade e bem-estar, inclusivealimentao, vesturio, habitao, cuidados mdicos, e servios sociaisindispensveis, o direito segurana em caso de desemprego, doena,invalidez, viuvez, velhice, ou outros casos de perda dos meios desubsistncia em circunstncias fora de seu controle.

    O que significa a insero da moradia nesse rol de direitos, digamos, bsicos?Qual a relao desse direito com os demais? H hierarquia? Com base na Resoluo32/130 da ONU e no 5 da Declarao de Viena de 1992, a doutrina internaciona-lista esfora-se por realar uma viso de indivisibilidade e interdependncia entretodos os direitos citados, rechaando hierarquias e afirmando que a garantia dosdireitos civis e polticos condio para a garantia dos direitos sociais, econmicos eculturais e vice-versa. Quando um deles violado, os demais tambm o so(Piovesan, 2008, p. 10).6 Trata-se de uma perspectiva importante dos direitos huma-nos, porque no s relaciona visceralmente os valores da liberdade e da justia social,como, mais do que isso, renuncia a um estril questionamento sobre a precedncia deum valor sobre o outro. Ambos se pressupem.

    O direito moradia, portanto, no tido, discursivamente, no plano internacio-nal, como um objetivo distante a perseguir, um direito valorativamente inferior aosdemais, mas como um direito cuja observncia , em si, pressuposto do respeito a todo

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  • o sistema global de proteo dos direitos humanos to importante quanto os direi-tos civis e polticos, to importante quanto os demais direitos econmicos, sociais eculturais presentes na Declarao de 1948.

    O Pacto Internacional de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais, de 1966, emseu artigo 11,7 expressamente reafirmou o reconhecimento de um direito mora-dia universalmente assegurado, impondo aos Estados signatrios que ratificassem, ea seus nacionais, o respeito e a observncia progressiva daquele direito. O ltimodocumento foi ratificado pelo Estado brasileiro em 24 de janeiro de 1992, atravsdo Decreto n 591, introduzindo indubitavelmente o direito moradia de modoexplcito no plano normativo interno de nosso Direito. Assim, a partir dessa datano se pode seriamente questionar sobre a vigncia de norma jurdica vinculanteao Estado brasileiro, em todos os seus segmentos e funes que reconhea e pro-teja dito direito moradia de modo expresso. O que surgira em 1948 sob aaparncia de mera declarao de direito se qualifica e ganha, agora, a fora expres-sa e inequvoca de uma declarao normativa, uma declarao, em tese, dotada defora obrigatria e coativa.

    Ainda assim, apenas em 15 de fevereiro de 2000, quase doze anos aps a promul-gao da Constituio Federal e oito anos aps a concluso do processo de ratificaodo Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais, a moradia pas-sou a constar expressa, autnoma e formalmente do rol de direitos fundamentais denossa Constituio. A Emenda de n. 26 alterou a redao original do artigo 6 parapassar a enunciar o seguinte: So direitos sociais a educao, a sade, o trabalho, amoradia, o lazer, a segurana, a previdncia social, a proteo maternidade e infncia, a assistncia aos desamparados, na forma desta Constituio.

    Muito embora autores das mais diversas vertentes sejam praticamente unnimesem considerar que o direito moradia j estava implcito no rol de direitos funda-mentais (Sarlet, 2004, p. 428; Silva, 2000, p. 317; Saule Jr., 2004, p. 167; Lira apudGodoy, 2006, p. 38-39; Melo, 2008, p. 67; Souza, 1008, p. 120-121), a inseroexpressa, autnoma e formal representa um marco normativo importantssimo noordenamento jurdico brasileiro, porque gerou uma progressiva ramificao legisla-tiva, no mbito infraconstitucional, emanada dessa fonte comum, o que foirobustecendo o discurso normativo.

    As normas constitucionais que preveem a vinculao da propriedade sua fun-o social;8 a necessidade de o salrio-mnimo ser suficiente para custear as despesascom moradia;9 a competncia comum dos entes federativos para promover progra-mas de construo de moradias e a melhoria das condies habitacionais e desaneamento;10 assim como o usucapio urbano11 e rural12 para a posse continuadae incontestada sobre um terreno alheio, quando ali estabelecida a moradia do possui-dor ou de sua famlia, so exemplos que remetem, incontestavelmente, proteoimplcita do direito moradia no texto constitucional, independentemente da emenda

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  • 26. Alm disso, mais do que implicitamente previsto no texto constitucional, o direi-to moradia j gozava desde a promulgao da Constituio Federal de 1988 dostatus at mesmo de direito fundamental, por ser decorrncia lgica e social do prin-cpio da dignidade humana, que impe a satisfao das necessidades existenciaisbsicas da vida.

    Mas foi somente aps a Emenda 26, para ficar em trs exemplos de carter geral,que foi aprovado e promulgado o Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001; que foi edi-tada a Medida Provisria 2.220 no mesmo ano de 2001; e que foi includo, em 2007,no Cdigo Civil o direito real de uso especial para fins de moradia.13

    O Estatuto da Cidade prev uma srie de instrumentos urbansticos que concer-nem direta ou indiretamente ao direito moradia e, em seu artigo 2, I e XIV,expressamente aponta, como diretriz a ser seguida pelo desenvolvimento das fun-es sociais da cidade e da propriedade urbana, a garantia do direito terra urbanae moradia, assim como a regularizao fundiria e a urbanizao de reas ocupadaspor populaes de baixa renda.14 O artigo 1 da Medida Provisria n. 2.220, por suavez, estabelece requisitos para a concesso de uso especial para fins de moradia aospossuidores de imveis pblicos at a data de 30 de junho de 2001 que estivessemnessa condio h mais de cinco anos.15

    No resta dvida, portanto, da existncia em tese de um considervel arcabouonormativo a proteger o direito moradia.

    1.2 O CONTEDO DEFENSIVO DO DIREITO MORADIAQual o alcance interpretativo da proteo legal da moradia? Qual o seu significa-do? Mais especificamente: est inserida nessa proteo legal a chamada seguranajurdica da posse dos milhes de brasileiros que habitam assentamentos informais?

    Ningum na doutrina o nega ao menos abertamente... At porque uma tesecontrria aplicao do direito moradia aos assentamentos informais imporia opesado nus de argumentar contra todas as diretrizes de contedo dos direitos huma-nos e fundamentais.

    Com efeito, o pargrafo 8 da Recomendao n. 4 (1991) da ONU, por exem-plo, haurido em apoio ao Pacto Internacional de Direitos Econmicos, Sociais eCulturais, apresenta a segurana jurdica da posse como o primeiro critrio demonitoramento da efetividade do direito moradia. Ou seja, sem segurana jurdicada posse, segundo a Recomendao, verifica-se uma violao ao direito moradia.Alis, a prpria Recomendao n. 4 (1991) deixa expresso o seguinte comentriosobre esse critrio de avaliao:

    Segurana jurdica da posse: a posse adota uma variedade de formas,inclusive acomodao alugada (pblica ou privada), alojamento cooperativo,arrendamento, moradia prpria, moradia de emergncia e assentamentos

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  • informais, inclusive ocupao da terra ou propriedade. Apesar do tipo deposse, todas as pessoas deveriam possuir um grau de segurana de posse quegarantisse proteo legal contra despejo forado (Piovesan, 2008, p. 152).

    Em 1997 o Comit Geral da ONU volta a tratar do tema e edita a Recomendaon 7, que comenta a relao entre os chamados despejos forados (notadamente dosassentamentos informais) e o direito moradia. Segundo a diretriz de contedo aliexpressa, caso no sejam concedidos meios de proteo legal e de defesa s pessoas,famlias e comunidades ameaadas de remoo dos lugares ou terras que ocupam, aprtica do despejo forado contrariar frontalmente o direito moradia.

    O termo despejos forados (...) definido como o fato de fazer sair aspessoas, famlias ou comunidades de seus lugares e/ou terras que ocupam,de forma permanente ou provisria, sem oferecer-lhes meios apropriadosde proteo legal ou de outra ndole, nem permitir-lhes o acesso a eles.(...) O prprio Estado deve abster-se de levar a cabo os despejos foradose garantir que se aplique a lei a seus agentes ou a terceiros (Piovesan,2008, p. 155-157).

    Existe, portanto, uma concepo genrica e autnoma da moradia que impe aseguinte concluso: no importa a espcie ou o meio pelo qual se acessa a moradia,se atravs da aquisio da propriedade, da locao imobiliria, da compra da posseirregular, da ocupao de reas pblicas ou privadas; a constituio da moradia,independentemente da espcie de moradia, implica, imediatamente, a atrao detodo o arcabouo normativo atualmente vigente em sua defesa se legtima ou no, questo para cada caso concreto e suas circunstncias. Eis a uma pequena sntesedo que propaga o discurso normativo vigente.

    2 ENTRE O DISCURSO E A PRTICA: PROBLEMAS EPISTEMOLGICOSA consequncia lgica do atual discurso normativo em torno do direito moradia tornar, no mnimo, problemtica a questo da legalidade/ilegalidade da moradiaconstituda nos assentamentos informais. Da o anacronismo de referncias a assenta-mentos ilegais, em vez de informais. No h mais ilegalidade preestabelecida emrelao s formas de constituio da moradia. Por isso se justifica, neste momento his-trico, o cotejo entre discurso normativo e prtica judicial. Mas como compar-los?

    Algumas escolhas e observaes precisam ser feitas e, dentro do possvel, explicadas.A primeira escolha diz respeito ao prprio tipo de moradia enfocado: interessa-nos

    a moradia produzida em assentamentos informais e urbanos favelas, loteamentos

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  • irregulares e clandestinos, ocupaes de prdios pblicos e privados, etc.16 Por quevisualizar a moradia nos assentamentos informais? Porque a que a moradia, comodireito, vive seu drama social e coletivizado; a que os cidados encontram no direi-to moradia a sua nica trincheira jurdica contra os despejos forados, enquanto osmoradores-proprietrios e os moradores-locadores de seus imveis j tm amparo id-neo no estatuto da propriedade e do inquilinato.

    A segunda escolha diz respeito ao aspecto do direito moradia a ser realado nodiscurso normativo vigente: trata-se do aspecto defensivo, isto , da chamada efic-cia negativa do direito moradia. O drama da moradia nos assentamentos informaispoderia ser abordado levando em conta o aspecto prestacional do direito moradia,isto , sua eficcia positiva, que consistiria, por exemplo, no direito a uma moradiaadequada, considerando fatores como densidade de habitantes por cmodo, sanea-mento bsico, acessibilidade ao mercado de trabalho e a servios pblicos bsicos,etc. No entanto, tal abordagem esbarraria numa difcil discusso preliminar sobre osrecursos disponveis para atender quelas demandas alm de no haver unanimida-de na doutrina constitucionalista sobre a justicialidade desse aspecto prestacional dosdireitos sociais, ou seja, sobre a possibilidade de exigi-los na Justia. O mesmo noocorre com o aspecto defensivo. Ningum nega ou discute a vinculao imediata einapelvel do Estado e de seus rgos a uma eficcia negativa inerente ao direito moradia, ligada a um dever de absteno do Estado, que no exige empenho derecursos ou algo que o valha, pois simplesmente probe, em tese, que qualquer cida-do seja privado arbitrariamente de sua moradia, ou impedido de obter uma (Silva,2000, p. 318; Sarlet, 2004, p. 447).

    A terceira e mais importante observao diz respeito s dissonncias e re-signi-ficaes inerentes ao trnsito que leva das normas jurdicas abstratas prtica judicialconcreta, dificultando sobremaneira uma anlise comparativa. A situao se agravaquando nosso foco se volta, como o caso, para a defesa do direito moradia ape-nas nos processos judiciais que envolvem assentamentos informais, pois no raroesses assentamentos se consolidam em confronto direto com outros direitos e inte-resses da mesma estatura normativa que a moradia, como o direito de propriedade(pblica ou privada), o direito ordem urbana, e o direito a um meio ambientesadio. Comparar discurso e prtica no seria cair no erro de avaliar realidades distin-tas sem ter o arrimo de uma medida comum?

    Dependendo do que esperamos poder encontrar, a resposta deve ser negativa.Est correta a afirmao de que a moradia estabelecida em assentamentos

    informais, por seu carter muitas vezes desordenado, conflita com diversos outrosdireitos. Tm-se tornado corriqueiras na justia brasileira as aes civis pblicasem defesa da ordem urbana e do meio ambiente; as aes de reintegrao de posseem defesa do direito de posse, do proprietrio pblico ou privado; e as aes rei-vindicatrias do direito de propriedade. O intuito de todas elas o despejo forado

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  • de assentamentos informais, que se defendem com arrimo no direito moradia.So casos difceis de resolver. A eles no se aplica o mtodo da subsuno, mas simo da ponderao dos valores, bens e interesses em conflito, que no tm uma solu-o a priori para todos os litgios concretos que se pem.17 Dentre tais valores,bens e interesses a serem ponderados est, indubitavelmente, a preservao dodireito moradia.

    No podemos, portanto, esperar que a prtica judicial brasileira, em todo e qual-quer caso, d prevalncia ao direito moradia que assiste aos assentados, em desfavordo meio ambiente, da ordem urbana e da propriedade; mas podemos esperar que,diante de casos concretos como os narrados, os atores dos processos judiciais ponde-rem, debatam e argumentem sobre todas as principais normas jurdicas envolvidas,sem preterir ou diminuir a incidncia daquelas pertinentes ao direito moradia.

    Logo, no uma perfeita identidade entre discurso e prtica o pressuposto desteartigo. O que presumimos, e parece irrefutvel, que um direito humano e funda-mental, declarado por normas cogentes e dotado de algumas diretrizes bsicas decontedo no pode ter seu sentido esvaziado na prtica do foro quando posto nobanco dos rus. Para que outros direitos prevaleam sobre a moradia informal, emum dado caso concreto, necessrio que isso seja objeto de judiciosa fundamenta-o; necessrio que sejam conferidas aos assentados as garantias do devido processolegal e da ampla defesa; e, o que ainda mais importante, em qualquer hiptese devepreservar-se um ncleo mnimo do direito moradia, inerente dignidade humana.Se a moradia dos assentados no pode fixar-se em determinado local, deve fixar-seem outro, pois o homem e a mulher no podem viver sem morar.

    Reconhecer a complexidade comparativa e as diferenas ontolgicas entre dis-curso normativo e prtica judicial no implica que atemos nossas mos e paralisemosnosso crebro. Afinal, as normas jurdicas e as interpretaes que se constroem aoseu redor ou seja, o discurso normativo so concebidas justamente visando aconformao da prtica judicial e da realidade social. Compar-los, consequente-mente, um dever.

    3 DA PRTICA JUDICIAL PREVALECENTEDestacamos trs importantes traos gerais da prtica judicial brasileira em relao moradia constituda em assentamentos informais, traos esses que, sem razo paramistrio, revelam um esvaziamento da efetividade concreta do discurso normativoem tese vigente.

    Primeiro trao: a justia brasileira um dos agentes mais acionados para promo-ver, com aparncia de legitimidade jurdica, os despejos forados de assentamentosinformais e costuma aceitar o encargo. o que denunciam relatrios de movimen-tos sociais confederados (Frum Estadual, 2008) e comunitrios (Conca, 2009); o

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  • que noticia a grande mdia, por conta das repercusses no trnsito que tais despe-jos forados por vezes acarretam (Folha de S. Paulo, 2009), e a mdia ligada aosmovimentos sociais, por conta da repercusso dos citados despejos na vida dosrecm-lanados rua (Agncia Brasil de Fato, 2009).

    Que processos judiciais so esses? So aes civis pblicas, aes de reintegraode posse e reivindicatrias que, principalmente as duas primeiras, frequentementeobtm liminar de despejo forado sem oitiva dos assentados e, o mais grave, porvezes tramitam sem oferecer aos assentados ou a representantes que elejam partici-par do processo que os prejudica.

    Para exemplificar, na metrpole do Rio de Janeiro estamos pensando no rumo-roso caso da ao civil pblica ajuizada em 2006 pelo Ministrio Pblico estadualem face do Municpio carioca visando o despejo forado de cerca de cinco mil pes-soas, moradoras de sete comunidades pobres do Alto da Boa Vista. Embora houvesseassentados cinquentenrios entre os que seriam despojados de suas moradias,menos de uma semana aps a distribuio da ao, a liminar foi concedida pelo judi-cirio fluminense e s no foi efetivada porque as comunidades se mobilizaram earticularam politicamente, impedindo a retirada de qualquer morador. Os rumosdo caso ainda esto incertos a despeito de deferida a liminar. Na metrpole de SoPaulo, pensamos no despejo forado da Favela Real Parque, em dezembro de 2007,radicada na Marginal Pinheiros, na qual cerca de setenta famlias foram despojadasde sua moradia em ao de reintegrao de posse promovida pela EmpresaMetropolitana de gua e Esgoto; e pensamos, tambm, no despejo forado da ocu-pao conhecida como Olga Benrio, em 2009, atravs de ao de reintegrao deposse em que o judicirio paulista deferiu liminar em favor da empresa de nibusCampo Lindo, milionria devedora do INSS, na qual: cerca de oitocentas famliasforam desalojadas.18

    A ordinaridade com que se encontram tais casos na Justia brasileira pe em cenauma questo fundamental: Ser a via judicial um meio tecnicamente adequado e poli-ticamente legitimado para ordenar a ocupao urbana?. A questo no nova. JosEduardo Faria, em clssico trabalho cujo intuito era reavaliar o papel do judicirio nocontexto de transformao social e democratizao poltica vividos no Brasil do finalda dcada de 1980, j indagava: Esto os tribunais e os magistrados aptos, funcionale tecnicamente, para lidar com conflitos classistas e transgresses de massa envolven-do grupos, classes e coletividades? (Faria, 1997, p. 95).

    No que tange ao nosso tema, a questo parece ganhar maior relevo, e uma sriede ramificaes, no caso das aes civis pblicas que se multiplicam e invocamargumentos de ordem ambiental e urbana para obter o despejo forado. Estaronossos procedimentos judiciais e nossos profissionais do Direito (no apenas os ju-zes) preparados para construir, democraticamente, uma deciso sobre a ordenaourbano-ambiental? Estaro eles preparados para construir uma deciso que seja

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  • fruto, no de audincias em apertadas salas, mas de verdadeiras assembleias delibe-rativas que renam os interessados em participar do processo; uma deciso que sejafruto, no de uma discusso juridicizada de posies simplesmente antagnicas, masde um debate o mais amplo possvel e que revele o real conflito social que subjaz lide jurdica?

    Ao considerar essas questes, no podemos perder de vista que o Estatuto daCidade, Lei 10.257/2001, tem como um de seus fundamentos a gesto democrticada cidade, por meio da participao da populao e de associaes representativasdos vrios segmentos da comunidade na formulao, execuo e acompanhamentode planos programas e projetos de desenvolvimento urbano (art. 2). E no se tratade mero vetor interpretativo, mas de verdadeira norma jurdica, tendo em vista oque explica a doutrina (Bucci, 2002, p. 323-324) e o que dispem os artigos 43 e 45do Estatuto:

    Art. 43. Para garantir a gesto democrtica da cidade, devero ser utilizados, entreoutros, os seguintes instrumentos:I rgos colegiados de poltica urbana, nos nveis nacional, estadual e municipal;II debates, audincias e consultas pblicas;III conferncias sobre assuntos de interesse urbano, nos nveis nacional,estadual e municipal;IV iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos dedesenvolvimento urbano.(...)Art. 45. Os organismos gestores das regies metropolitanas e aglomeraes urbanasincluiro obrigatria e significativa participao da populao e de associaesrepresentativas dos vrios segmentos da comunidade, de modo a garantir o controledireto de suas atividades e o pleno exerccio da cidadania.

    Algo parecido pode ser feito atravs de um processo judicial? Se procedimentosjudiciais e profissionais do Direito no esto preparados para tanto, h algo altamen-te autoritrio nesses processos. E claro que no esto preparados. Em primeirolugar, por uma questo genrica: a formao de nossos profissionais do Direito estpredominantemente situada no interior de uma dogmtica jurdica que abstrai o fun-damento social dos conflitos judiciais, coisificando-os (Warat, 2002, p. 57-99;Faria, 1997, p. 100-102; Streck, 2003, p. 77-87). Em segundo lugar, por uma ques-to concreta: como j registramos e desenvolveremos a seguir, comum osassentados sequer serem ouvidos no processo que visa o seu desalijo; as aes civispblicas em defesa dos interesses difusos e coletivos, por exemplo, tramitam, coma chancela de nossos profissionais, revelia daqueles mais direta e dramaticamenteafetados: os assentados.

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  • A ordenao urbano-ambiental no se faz levando em conta apenas catego-rias jurdicas.

    O segundo trao de nossa prtica judicial j foi antecipado: especialmente nasaes civis pblicas ajuizadas contra a moradia constituda em assentamentos infor-mais, os moradores diretamente afetados pela questo sub judice, os assentados,simplesmente no so chamados a participar do processo judicial nem eles, nemqualquer representante de seus interesses , integram a relao processual apenas oMinistrio Pblico estadual e o municpio onde se localiza a comunidade cujo des-pejo forado almejado. Citem-se, apenas a ttulo representativo dessa prticageral, os seguintes julgados: STJ, Ag. I. 204.814/DF, julgado em 1999; STJ, R.Esp.189.278/RJ, julgado em 2000; STJ, R.Esp. 1.034.134/RJ, julgado em 2009;TJERJ, Ag. I. 2.200/95, julgado em 1996; TJERJ, Ap. Cvel 2006.001.61756, jul-gada em 2007.

    O que de mais corriqueiro argumentam esses julgados? Em resumo, reza a teseprevalecente o seguinte: em aes civis pblicas, que visam defesa de interessesdifusos e coletivos, incumbiria ao autor normalmente, o Ministrio Pblico escolher com quem demandar, por fora do princpio jurdico da solidariedade, isto, do princpio que obriga, em iguais condies, todos os causadores do dano a repa-rarem-no. Alm dos moradores dos assentamentos informais, tambm seria causadordo dano (ambiental ou ordem urbana, p.ex.) o municpio que se omite e permitea constituio e o desenvolvimento de tais assentamentos. Esses municpios viola-riam a legislao urbanstica e/ou se enquadrariam no conceito tcnico de poluidorindireto do meio ambiente. Ademais, um argumento que aparece com muita fre-quncia sustenta que a exigncia da presena de todos os assentados no processojudicial inviabilizaria o prprio curso da ao e o alcance de seus objetivos, dadas asdificuldades da citao individual e da exata identificao dos assentados, muitasvezes numerosos.

    Seguem excertos de acrdos ilustrativos:

    Ao Civil Pblica. Ao proposta pelo Ministrio Pblico em face de municpioobjetivando a desocupao de via pblica ocupada por favela. Sentena deprocedncia do pedido, ao fundamento de que as construes irregulares foramedificadas em logradouro pblico e no foram licenciadas, violando o Cdigo deObras do Municpio e sua legislao urbanstica, alm de enquadrarem-se noconceito de poluio, previsto no artigo 3, III, c, da Lei Federal n. 6938/81.Recurso dos posseiros, na qualidade de terceiros prejudicados, e do municpio.Desprovimento dos recursos. Objetivando a ao civil pblica ajuizada peloMinistrio Pblico o cumprimento de obrigao de fazer (devida pelo) entepblico, ante a leso perpetrada ao meio ambiente e ordem urbanstica local,no h litisconsrcio necessrio entre o municpio e todas as demais pessoas que

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  • irregularmente ocupam a rea pblica, pois estas no podem ser condenadas asatisfazer a prestao positiva postulada na inicial (TJERJ. Ap. Cvel2006.001.61756. Rel. Des. Nametala Jorge. DJ 19/03/2007).

    ... No prospera o inconformismo do Distrito Federal. Em se tratando, como o caso, de ao civil pblica intentada pelo Ministrio Pblico para proteger omeio ambiente, no h de se falar na presena na lide, como litisconsortespassivos necessrios, de todos os ocupantes da rea que se pretende proteger, sobpena de se inviabilizar o curso da ao e o alcance dos seus objetivos (STJ. Ag.204.814/DF. Rel. Min. Jos Delgado. DJ 09/02/1999).

    Ora, com o devido respeito, tais argumentos, alm de indiferentes realidadesocial, invertem a lgica jurdica; eles mais revelam as inadequaes dos hodiernosprocedimentos judiciais para a resoluo de casos como os indicados do que qualqueroutra coisa. Se, como h muito afirmam os processualistas (Jacob apud Cappelletti eGarth, 1988, p. 69), o procedimento o que insufla vida aos direitos substantivospara torn-los efetivos, h uma grande contradio nas objees participao dosassentados em processos tais, pois eles fazem prevalecer o procedimento sobre odireito substantivo moradia.

    Vale lembrar, em reforo, a lio lapidar de Luiz Guilherme Marinoni (2007),segundo a qual o que legitima a prestao jurisdicional atravs do processo judicial, especialmente, (a) a participao efetiva no processo dos sujeitos que podemsofrer os efeitos diretos da sentena, facultando-lhes plenas oportunidades de inter-ferir na formao da deciso final; assim como (b) a construo e estruturao deprocedimentos concretamente adequados s situaes de direito substancial carentesde tutela e aos direitos fundamentais materiais (como o o direito moradia).

    Significa, ento, afirmar que todos os assentados, que s vezes se contam aosmilhares, deveriam ser pessoalmente citados para integrar o polo passivo das deman-das que visam atingir seu direito moradia, sob pena de o processo ser ilegtimo?No. Significa, isto sim, que o procedimento que vem sendo adotado em muitasaes judiciais revela nfima considerao com a efetividade da defesa do direito moradia, ou seja, com a concretizao prtica do discurso normativo vigente. , porisso, um procedimento inadequado e ilegtimo.

    Ou se buscam alternativas procedimentais que permitam a abertura do debateprocessual, atravs de algum satisfatrio meio de representatividade em juzo dosassentados, ou o direito moradia, mesmo em seu aspecto meramente defensivo,ser convertido em simples instrumento de retrica vazia. As class action do Direitonorte-americano, por exemplo, que inspiraram nossa ao civil pblica, permitemque uma ou mais pessoas ajam no processo como portadores adequados dos inte-resses da classe ou da categoria envolvida no litgio de carter coletivo (Mancuso,

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  • 2001, p. 164-165), ultrapassando assim, atravs da idnea representatividade dosinteresses em xeque, o falso argumento prtico levantado no Brasil contra o litiscon-srcio necessrio.

    Nada de parecido a esse instituto pode ser encontrado em nossas aes civis pbli-cas. No entanto, negar o carter imprescindvel da representatividade dos assentadosnesses processos judiciais negar a sua prpria condio de cidados; negar atmesmo, em ltima instncia, sua condio primeira de pessoas humanas, transforman-do-os em aviltante objeto de uma prestao: o despejo pelo poder pblico.

    Ningum detm poder legtimo para fazer de pessoas seres dotados de desejo,vontade e razo mera coisa inanimada!

    Terceiro trao: segundo nossa prtica judicial prevalecente, a perda da moradiados assentados, quando de seu despejo forado, no indenizvel.

    Nas aes civis pblicas em que ausentes os assentados (ou um representantedestes), assim como nas liminares concedidas sem a oitiva dos assentados em aesde reintegrao de posse, o direito moradia no entra em cena no debate proces-sual instaurado at a deciso de desalijo at porque no tem quem o defenda.Figuram como personagens nicos as normas ambientais, as posturas urbansticas eas normas do Cdigo Civil acerca, por exemplo, da melhor posse. um debateprocessual mutilado. No entanto, quando os assentados intervm no processo judi-cial, seja como rus ou como terceiros prejudicados (este o caso das aes civispblicas), a questo da defesa da moradia e suas repercusses quase sempre emergemno debate processual. dizer: mesmo que tarde, mesmo que a posteriori, o discursonormativo em torno do direito moradia normalmente invocado pelos assentados.A questo que se pe, ento, : Como a prtica recebe e absorve o discurso?.

    O trao geral que encontramos diz respeito defesa subsidiria reiteradamenteapresentada pelos assentados em suas peties, referente a um pedido de indeniza-o pela perda de suas moradias em caso de julgamento favorvel ao despejo forado.A questo goza de grande dramaticidade, pois os processos judiciais no costumamdeliberar sobre o destino dos assentados depois do desalijo; uma indenizao pode-ria atenuar as dificuldades que teriam para produzir sua moradia em outro local.Mas, principalmente no STJ e em especial no que tange a assentamentos constitu-dos historicamente em reas pblicas, a indenizao tem sido sistematicamentenegada. Nesse sentido, vejam-se os seguintes acrdos do STJ: R.Esp. 945.055/DF,julgado em 2009; R.Esp. 863.939/RJ, julgado em 2008; R.Esp. 699.374/DF, julga-do em 2007. No TJERJ: Ap. Cvel 2006.001.61756, julgada em 2007. Em sentidosemelhante, com a diferena de tratar-se de rea pblica tombada, tambm no STJ,R.Esp. 808.708/RJ, julgado em 18/08/2009.

    Com base em qu decidem os tribunais? Normalmente, com base em enrijecidasinterpretaes de Direito Civil, sem dilogo com a arquitetura jurdica do direito moradia. Ou explicam que a moradia constituda, por exemplo, em rea pblica

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  • mera deteno de bem fora do comrcio; ou que, quando muito, posse de m-f,porque constituda sobre bem sabidamente alheio (pblico ou privado). s vezesnossos tribunais acrescentam que as casas dos assentados a serem demolidas nogeram vantagens ao proprietrio (pblico ou privado) e concluem que no devidaindenizao. Simples assim! Sobre o direito moradia presencia-se de um trgicosilncio nesses julgados.

    Vejamos dois casos exemplares.No Recurso Especial 945.055/DF, julgado em 2009, o STJ se pronunciou sobre

    ao reivindicatria manejada contra o assentamento informal conhecido comoChcaras da Colnia Agrcola IAPI Regio administrativa do Guar. Os assenta-dos haviam estabelecido moradia ali e vinham trabalhando a terra havia mais de vinteanos. Alm disso, chegaram a receber do poder pblico documento intituladoCertificado para Regularizao Fundiria. Invocando seu direito de propriedadesobre a rea, a Companhia Imobiliria de Braslia Terracap ajuizou a citada ao eobteve xito em primeira e segunda instncias. O Tribunal de Justia do DistritoFederal e Territrios (TJDFT), todavia, reconheceu como direito dos assentados umaindenizao pecuniria pela perda de suas moradias, dada a cincia e prolongadaomisso e tolerncia do Estado em relao situao ftica, equiparando juridica-mente a ocupao exercida pelos assentados posse de boa-f do Direito Civil, queautoriza a citada indenizao (Cdigo Civil, arts. 1.219 e 1.255 do CC/2002). Acompanhia recorreu, ento, ao STJ, pondo termo controvrsia, acabou por refor-mar a deciso do TJDFT para negar qualquer direito de indenizao. A ementa abaixotranscrita revela o lmpido e rigoroso raciocnio tcnico prevalecente.

    ADMINISTRATIVO. OCUPAO DE REA PBLICA POR PARTICULARES.CONSTRUO. BENFEITORIAS. INDENIZAO. IMPOSSIBILIDADE.1. Hiptese em que o Tribunal de Justia reconheceu que a rea ocupada pelosrecorridos pblica e no comporta posse, mas apenas mera deteno. Noentanto, o acrdo equiparou o detentor a possuidor de boa-f, para fins deindenizao pelas benfeitorias. 2. O legislador brasileiro, ao adotar a TeoriaObjetiva de Ihering, definiu a posse como o exerccio de algum dos poderesinerentes propriedade (art. 1.196 do CC). 3. O art. 1.219 do CC reconheceuo direito indenizao pelas benfeitorias teis e necessrias, no caso dopossuidor de boa-f, alm do direito de reteno. O correlato direito indenizao pelas construes previsto no art. 1.255 do CC. 4. O particularjamais exerce poderes de propriedade (art. 1.196 do CC) sobre imvel pblico,impassvel de usucapio (art. 183, 3, da CF). No poder, portanto, serconsiderado possuidor dessas reas, seno mero detentor. 5. Essaimpossibilidade, por si s, afasta a viabilidade de indenizao por acesses oubenfeitorias, pois no prescindem da posse de boa-f (arts. 1.219 e 1.255 do

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  • CC). Precedentes do STJ. 6. Os demais institutos civilistas que regem a matriaratificam sua inaplicabilidade aos imveis pblicos. 7. A indenizao porbenfeitorias prevista no art. 1.219 do CC implica direito reteno do imvel,at que o valor seja pago pelo proprietrio. Inadmissvel que um particularretenha imvel pblico, sob qualquer fundamento, pois seria reconhecer, por viatransversa, a posse privada do bem coletivo, o que est em desarmonia com oPrincpio da Indisponibilidade do Patrimnio Pblico. 8. O art. 1.255 do CC,que prev a indenizao por construes, dispe, em seu pargrafo nico, que opossuidor poder adquirir a propriedade do imvel se a construo ou aplantao exceder consideravelmente o valor do terreno. O dispositivo deixacristalina a inaplicabilidade do instituto aos bens da coletividade, j que o DireitoPblico no se coaduna com prerrogativas de aquisio por particulares, excetoquando atendidos os requisitos legais (desafetao, licitao, etc.). 9.Finalmente, a indenizao por benfeitorias ou acesses, ainda que fosse admitidano caso de reas pblicas, pressupe vantagem, advinda dessas intervenes, parao proprietrio (no caso, o Distrito Federal). No o que ocorre em caso deocupao de reas pblicas. 10. Como regra, esses imveis so construdos aoarrepio da legislao ambiental e urbanstica, o que impe ao Poder Pblico odever de demolio ou, no mnimo, regularizao. Seria incoerente impor Administrao a obrigao de indenizar por imveis irregularmente construdosque, alm de no terem utilidade para o Poder Pblico, ensejaro dispndio derecursos do Errio para sua demolio. 11. Entender de modo diverso atribuir deteno efeitos prprios da posse, o que enfraquece a dominialidade pblica,destri as premissas bsicas do Princpio da Boa-F Objetiva, estimula invases econstrues ilegais e legitima, com a garantia de indenizao, a apropriaoprivada do espao pblico.12. Recurso Especial provido (STJ. 2 Turma. R.Esp. 945.055/DF. Rel. Min.Herman Benjamin. Unnime. DJ 20/08/2009).

    Embora menos tcnico, o julgamento pelo TJERJ da Apelao Cvel2006.001.61756, datado de 2007, opera os mesmos efeitos do julgamento do STJ.Nele, o tribunal estadual se debruou sobre ao civil pblica proposta em 1998 peloMinistrio Pblico estadual em face do municpio de Belford Roxo, RJ, cujo objeti-vo era impor ao municpio a desobstruo de uma via pblica inconclusa que haviasido ocupada para moradia por cerca de vinte famlias na dcada de 1980, demolin-do as construes ali realizadas: ou seja, mais um despejo forado. O pedido foitotalmente acolhido na sentena de primeira instncia sem a abertura prvia decontraditrio aos assentados. Estes intervieram no processo apenas em segunda ins-tncia, como terceiros prejudicados, ocasio em que, em seu recurso, propugnarampela defesa de sua moradia, arguiram que o poder pblico cobrava e eles pagavam

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  • h anos imposto territorial (IPTU) e, caso prevalecesse a sentena, reivindicaramdireito de indenizao. O Tribunal negou todos os pleitos dos assentados, equiparan-do-os a possuidores de m-f, algo que tangencia a criminalidade, pelo fato de ser viapbica, ainda que inconclusa, a rea em que suas moradias haviam sido edificadas.Como, segundo a letra do Cdigo Civil, no cabe direito de indenizao aos chama-dos possuidores de m-f...

    Ao Civil Pblica. (...) Tendo em vista tratar-se de posse de m-f, inexistedireito de indenizao e reteno pelas acesses e benfeitorias existentes.19 No crvel que os invasores, por mais humildes que fossem, ignorassem que a suaposse estava irremediavelmente viciada. Afinal, ningum constri uma espcie defavela no meio da rua e no tem conscincia de que est agindo em contrariedades normas de convivncia e do direito. Ningum edifica uma casa no meio deuma via pblica sem estar agindo de m-f.20 Ainda mais no caso dosrecorrentes, que desenvolveram sua posse ameaando e amedrontando osvizinhos, que tiveram de assistir impotentes ao surgimento de uma favela aquatro metros de suas portas. No estando, ademais, preenchidos os requisitoslegais, invivel a concesso de uso especial de bem pblico (arts. 1 e 5 daMedida Provisria n. 2220/2001). No h dvida de que a posse deve atender asua funo social e que a invaso em causa reflexo do conjunto de uma srie deproblemas sociais. Entretanto, essas questes devem ser resolvidas em harmoniacom a Constituio e com as leis. A sentena no apresenta qualquercontradio, estando os prazos para seu cumprimento fixados em perfeitasintonia (TJERJ. 10 Cmara Cvel. Ap. Cvel 2006.001.61756. Rel. Des.Nametala Jorge. Unnime. DJ 19/03/07)

    Num concerto to fechado e to bem concatenado de conceitos e institutos deDireito Civil, principalmente acerca da posse, haver espao para a efetiva defesa dodireito moradia em juzo ou seja, para a concretizao prtica do discurso nor-mativo , quando se impuser um confronto com esses mesmos conceitos einstitutos tradicionais?

    No pretendemos discutir teses ou conceitos jurdicos em si, muito menos den-tro do cerco dogmtico tradicional. No entanto, no nos furtamos a registrar que necessrio promover uma profunda renovao do sistema codificado sobre institutoscomo a posse e a propriedade, declarando, inclusive, a inconstitucionalidade dealguns conceitos operacionais caducos, como o de posse de boa-f (Cdigo Civil, art.1.201), quando a posse em questo houver sido instituda para fins de moradia:posse-moradia. Tal conceito essencial, na sistemtica do Cdigo, para definir quan-do h ou no direito de reteno, de indenizao, direito aos frutos, s benfeitorias,etc. (arts. 1.214-1.222), e efeitos de tal magnitude no podem, ainda hoje, estar

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  • merc do subjetivismo de o possuidor ignorar ou no o vcio, ou obstculo, queimpede a aquisio da propriedade!

    Tampouco nos furtamos a afirmar a necessidade de descolar o estudo da possedo estudo da propriedade, rompendo com o paradigma instaurado no Brasil pelateoria da posse do romanista alemo Rudolf Von Ihering (18181892), que a fonteem que foi beber o legislador ao conceituar o possuidor no artigo 1.196 do CdigoCivil de 2002, repetindo o que j fizera o legislador de 1916 (art. 485).21 Segundoessa teoria, grosso modo, a posse a exteriorizao da propriedade e, portanto, seriaem funo do conceito jurdico de propriedade que o estado de fato da posse (aces-srio e dependente) deveria ser pensado (Bevilaqua, 1956, p. 15-92; Bessone, p.221-320). Devemos, ao contrrio, defender a autonomia da posse e de sua tutelaem relao propriedade, antes de tudo por um princpio de realidade: a posse que real; ainda que muito importante, a propriedade descolada da posse um ttu-lo jurdico, um conceito. Alm disso, no caso brasileiro, a propriedade imobiliria,rural ou urbana, no est disseminada pela populao; afora a nossa histrica con-centrao de terras, desde a Lei do Imprio 601/1850 o contrato de compra evenda (ou seja, o mercado formal) o meio por excelncia da aquisio da proprie-dade, mas o mercado formal, que exige escritura pblica e registro imobilirio(Cdigo Civil, arts. 108 e 1.226), no acessvel a todos , talvez nem mesmo maioria (Abreu, 2009, cap. 1). Nesse sentido, valeressaltar o fracasso de programasde disseminao do crdito imobilirio, como o Sistema Financeiro de Habitao,SFH, na tentativa de difundir o acesso casa prpria pelas classes mais pobres dapopulao. Como demonstra recente pesquisa do Instituto de Pesquisa EconmicaAplicada, IPEA, para cada propriedade financiada pelo SFH entre 1964 e 1986(foram 4,8 milhes de reais), foram constitudas ao menos trs posses irregularesou clandestinas em assentamentos informais (cerca de 15 milhes de reais) (Moraise Cruz, 2009). Nesse contexto, ao conceber a legalidade/ilegalidade da apropria-o e ocupao do territrio brasileiro de modo enrijecido, referindo-se em ltimainstncia ao conceito central de propriedade, a dogmtica jurdica tradicional e aprtica judicial que a acolhe correm o mesmo risco do alienista de Machado deAssis, que se v na contradio de, em certo momento, considerar normal apenasuma minoria da populao.

    Uma concepo da posse apartada da de propriedade permitiria, por exemplo,ultrapassar a rgida qualificao de meros detentores atribuda, por alguns acrdoscitados, aos moradores de assentamentos informais historicamente constitudos emreas pblicas, para negar-lhes o direito de indenizao.

    Diga-se, enfim, que o esforo de conferir autonomia de tratamento jurdico possefrente propriedade, utilizando-se principalmente do signo da funo social de uma eoutra, j vem sendo empreendido pela doutrina brasileira, e de forma contundente,podendo-se citar, apenas a ttulo ilustrativo, a tese de Doutorado de Marcos Alcino de

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  • Azevedo Torres (2008) e os artigos interdisciplinares, de Histria e Direito, de LauraBeck Varela (2002a, 2002b, 2002c).

    O que nos importa frisar que, enrijecido o debate processual e preconcebido ocontedo das teses e normas jurdicas, nenhum proveito gera aos assentados todo olongevo e importante discurso normativo construdo em torno do direito moradia;sua sorte, independentemente das circunstncias de cada caso, estar previamentetraada desde a Alemanha oitocentista, desde Ihering.

    Afinal, onde est, na prtica judicial retratada, a necessria ponderao com asegurana jurdica da posse dos assentados, que deveria ser enfrentada para atingir-se uma deciso de despejo forado? Onde est a anlise judiciosa do direito moradia dos assentados, para explicar por que ele deve ceder frente a outros direi-tos e interesses? Onde est indicada a preocupao concreta com o destino dosassentados, aps o despejo forado? No nas decises judiciais ao menos no namaioria delas! No importa que os assentados tenham constitudo sua moradia hanos, s vezes h mais de uma ou duas dcadas; no importa que ajam sem clandes-tinidade ou violncia; no importa a questo social e econmica subjacente; noimporta que o poder pblico municipal tenha tolerado essa conduta prolongada porlongos anos; no importa que o poder pblico tenha passado, at mesmo, a cobrarIPTU dos moradores do assentamento (TJERJ, Ap. Cvel 2006.001.61756, 2007);tampouco importa que o prprio poder pblico tenha concedido aos assentados, nopassado, documento que certificasse a regularidade de sua ocupao (STJ, R.Esp.945.055/DF, 2009; STJ, R.Esp. 808.708/RJ, 2009); tambm no importa que odesalijo cause dano aos assentados, pela perda de suas moradias o que importa,para negar-lhes uma indenizao, como no R.Esp. 945.055/DF, que as construesque edificaram em nada aproveitam ao poder pblico.

    Casos judiciais que envolvem assentamentos informais so casos difceis, em queno cabe o mtodo da subsuno e no h uma resposta a priori, como j destacamos.No estamos, contudo, defendendo uma prevalncia invarivel e absoluta do direito moradia quando em confronto com outros direitos, bens e interesses fundamentais,mas sim que, a contar pelo discurso normativo vigente, as circunstncias concretassupraenumeradas deveriam, obrigatoriamente, ser ponderadas nos processos judiciaisem foco, garantindo-se um mnimo de efetividade que a moradia, como qualqueroutro direito humano e fundamental, deve sempre preservar. Se a moradia no podeser exercida em determinado lugar, e o assentamento informal precisa mesmo serremovido, ela deve ser exercida em outro lugar, que no turbe o acesso ao trabalhoaos assentados. O re-assentamento adequado ou a indenizao cabal formam o ncleomnimo da defesa do direito moradia. E no estamos ss em tal posicionamento.

    A grande novidade da ordem jurdica brasileira, mas que ainda no foitotalmente compreendida, que onde valores constitucionais forem

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  • incompatveis e um tiver que prevalecer sobre o outro, medidas concretas[tm] que ser tomadas para mitigar ou compensar o valor afetado. esse o esprito da mencionada MP n. 2.220/2001: se o direito de moradia dosocupantes de assentamentos informais em terras pblicas no puder serexercido no mesmo local, devido a razes ambientais, o direito de moradiacontinua prevalecendo, devendo ser exercido em outro lugar adequado(Fernandes, 2006, p. 357).

    CONCLUSOA despeito do que declaram nossas leis, o que temos visto em juzo, com poucas exce-es, uma verdadeira espoliao da defesa dos cidados que vivem em assentamentosinformais, em sua maioria pessoas pobres. Em processos judiciais que combatem, comargumentos jurdicos, a produo de moradia nesses assentamentos, mostra-se domi-nante um comportamento processual (principalmente do judicirio) que bloqueia adiscusso e aplicao efetiva do direito moradia em favor dos assentados.

    No toa, portanto, o relatrio de monitoramento do direito moradia no Brasil,endereado ONU em 2004, chega a sugerir que nossos tribunais no enxergam osgrupos vulnerveis (notadamente, a parte das classes mais pobres obrigada a produzirsua moradia na informalidade) como titulares do direito moradia. Diz o relatrio:... uma medida importante o reconhecimento dos grupos vulnerveis como titula-res do direito moradia, no podendo ser discriminados em razo da origem social,posio econmica, origem tnica, sexo, raa ou cor (Saule Jr., 2006, p. 248).

    Tudo isso considerado, podemos infelizmente confirmar, para caso especficoque nos moveu, a hiptese sociolgica de Boaventura de Souza Santos levantada naintroduo deste artigo, no como uma verdade irretorquvel, pois no estamos nocampo das cincias exatas, mas como uma tnica prevalecente em nossa prtica judi-cial atual: Quanto mais caracterizadamente uma lei protege os interesses popularese emergentes maior a probabilidade de que ela no seja aplicada.

    Resta o desafio da luta, no Direito e fora dele, para mudar essa realidade.

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    : ARTIGO APROVADO (08/12/2011) : RECEBIDO EM 24/01/2011

  • NOTAS

    Agradeo a meu orientador de Mestrado, o socilogo Maurcio Vieira Martins, pelo estmulo e pelorigor metodolgico com que avaliou boa parte dos resultados aqui apresentados, desde o incio da pesquisa,em 2007.

    1 Essas pressuposies encontram amparo em documentos internacionais sobre o chamado direito moradia, dentre os quais figura a Recomendao n. 4 (1991) do Comit Geral da ONU acerca do PactoInternacional de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais de 1966: 7. Na viso do Comit, o direito amoradia no deveria ser interpretado em sentido restritivo que o equiparasse com, por exemplo, o abrigoobtido por ter apenas um telhado [sobre] a cabea ou a vises que o equiparam a mercadoria. Ao contrrio,deve ser visto como o direito de viver em algum lugar em segurana, paz e dignidade.

    2 Essas fortes afirmaes encontram amparo, p.ex., em Villey, 2003, p. 185-186; Comparato, 2006, p.361-363; Calamandrei: 2003, p. 179-197, esp. 181-184.

    3 Documento adotado e proclamado pela Resoluo n. 217 A (III) da Assembleia Geral das NaesUnidas, com 48 (quarenta e oito) votos favorveis e 8 (oito) abstenes. Sobre o tema, resumidamente,Piovesan, 2008, p. 3-13, 19-21.

    4 As reservas no podem imobilizar nossa praxis. Por isso, preferimos seguir os passos de Boaventura deSouza Santos, que defende uma apropriao contra-hegemnica dos direitos humanos, a fim de no deixar oseu potencial emancipatrio reprimido pelos estreitos limites do discurso neoliberal que tem sido dominantea respeito do assunto (Santos, 2007, esp. p. 34-35).

    5 No obstante o termo utilizado no artigo ser habitao e no moradia, como passou a ser de praxenos documentos internacionais posteriores, adota-se aqui o termo direito moradia porque as normas deDireito interno referem-se, principalmente, defesa e proviso da moradia e tambm porque existe noDireito Civil brasileiro a figura jurdica do direito real de habitao (art. 1.225, VI do CC/2002), cujocontedo, muito restrito, no se confunde com o amplo espectro do direito moradia.

    6 Nesse sentido, a Resoluo 32/130 da ONU, posteriormente reforada pelo 5 da Declarao deDireitos Humanos de Viena de 1993, estabelece: todos os direitos humanos, qualquer que seja o tipo a quepertencem, se inter-relacionam necessariamente entre si, e so indivisveis e interdependentes.

    7 Art. 11. Os Estados signatrios do presente pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nvelde vida adequado para si prprio e para sua famlia, inclusive alimentao, vestimenta e moradia adequadas,assim como a uma contnua melhoria de suas condies de vida.

    8 Cf. art. 5, XXIII, arts. 170, III e 182, 2, da Constituio.

    9 Cf. art. 7, IV, da Constituio.

    10 o que prev o art. 23, IX, da Constituio.

    11 Cf. art. 183 da Constituio.

    12 Cf. art. 191 da Constituio

    13 A Lei 11.481/2007 acrescentou ao art. 1.225 do CC/2002 um inciso XI e passou a estabelecer: Art.1.225. So direitos reais: (...) XI a concesso de uso especial para fins de moradia.

    14 Art. 2. A poltica urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funes sociais dacidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I garantia do direito a cidadessustentveis, entendido como o direito terra urbana, moradia, ao saneamento ambiental, infraestruturaurbana, ao transporte e aos servios pblicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras geraes; (...)XIV regularizao fundiria e urbanizao de reas ocupadas por populao de baixa renda mediante o

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  • estabelecimento de normas especiais de urbanizao, uso e ocupao do solo e edificao, consideradas asituao socioeconmica da populao e as normas ambientais.

    15 Art.1. Aquele que, at 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamentee sem oposio, at duzentos e cinquenta metros quadrados de imvel pblico situado em rea urbana,utilizando-o para sua moradia ou de sua famlia, tem o direito concesso de uso especial para fins de moradiaem relao ao bem objeto da posse, desde que no seja proprietrio ou concessionrio, a qualquer ttulo, deoutro imvel urbano ou rural. 1. A concesso de uso especial para fins de moradia ser conferida de formagratuita ao homem ou mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. 2.O direito de que trataeste artigo no ser reconhecido ao mesmo concessionrio mais de uma vez. 3.Para os efeitos deste artigo,o herdeiro legtimo continua, de pleno direito, na posse de seu antecessor, desde que j resida no imvel porocasio da abertura da sucesso.

    16 O delicado conceito de favela aqui adotado pela necessidade de alguma objetividade conceitual epelo fato de, segundo parece, as dissidncias em torno do tema no interferirem no que iremos defender seraquele utilizado pelo IBGE, que toma o termo como sinnimo de aglomerado subnormal, isto , conjunto deno mnimo 51 residncias que ocupam terreno alheio (pblico ou privado), que esto organizadas de formadesordenada, com elevada densidade populacional e carncia de servios pblicos essenciais (IBGE, 2000).Acesso em: 23 set. 2009). Para uma crtica dessa definio, Valladares, 2005, p. 149-150. Loteamentoirregular, por sua vez, aquele que, no se enquadrando no conceito de favela, no tem projeto aprovado naprefeitura, mas pode ser regularizado. J o loteamento clandestino, fora mais uma vez o caso das favelas, aquele feito por pessoas que no so proprietrias da rea loteada e, por isso, no passvel de regularizao.

    17 Sobre o tema, desde a dcada de 1960, anota o civilista alemo Karl Larenz, com grande influnciano Brasil: A ponderao de bens no caso concreto um mtodo de desenvolvimento do Direito, pois queserve para solucionar colises de normas para as quais falta uma regra expressa na lei , para delimitar umasdas outras as esferas de aplicao das normas que se entrecruzam e, com isso, concretizar os direitos cujombito, como o do direito geral da personalidade, ficou em aberto (Larenz, 1997, p. 587). No Brasil, o tematem grande relevncia na literatura constitucionalista. Por todos, Sarmento, 2000.

    18 O caso da metrpole fluminense est brevemente relatado em Frum Estadual de Luta pela ReformaUrbana/RJ. Relatrio de situaes de violao do direito moradia digna no estado do Rio de Janeiro.Disponvel em: http://cedes.iuperj.br/PDF/06agosto/anexos/relatorio-direito-a-moradia.pdf. Acesso em:20 nov. 2008. Para mais detalhes, compndio de reportagens e permanente atualizao sobre o conflito.Disponvel em: http://concacidadania.blogspot.com/. Acesso em: 20 set. 2009. J para casos da metrpolede So Paulo, Remoo de favela provoca congestionamento recorde (Folha de So Paulo), e Moradores e PMsentram em confronto (O Estado de So Paulo). Disponvel em:www.sptrans.com.br/clipping_anteriores/2007/dezembro2007/clipping121207/pagina1.htm. Acesso em:20 set. 2009. Ver tambm: Polcia despeja violentamente moradores de ocupao na Zona Sul pelo menos570 das 800 famlias despejadas, do acampamento Olga Benrio, devem permanecer na rua (Agncia Brasil deFato). Disponvel em: www.brasildefato.com.br/v01/agencia/nacional/policia-despeja-violentamente-moradores-de-ocupacao-da-zona-sul. Acesso em: 25 ago. 2009.

    19 Nesse ponto, a ementa faz referncia implcita interpretao a contrario sensu do art. 1.219 doCC/2002, segundo o qual apenas [o] possuidor de boa-f tem direito indenizao das benfeitoriasnecessrias e teis, bem como, quanto s volupturias, se no lhe forem pagas, a levant-las, quando o pudersem detrimento da coisa e poder exercer o direito de reteno pelo valor das benfeitorias necessrias e teis.

    20 Nesse ponto, a ementa faz referncia implcita ao conceito, a contrario sensu, de possuidor de m-finsculpido no caput do art. 1.201 do CC/2002, que enuncia: de boa-f a posse, se o possuidor ignora ovcio, ou o obstculo que impede a aquisio da coisa.

    21 Para Ihering, h, sempre, um certo paralelismo entre a posse e a propriedade. Isso significa que ondeh propriedade sempre possvel a posse; onde no h propriedade, como no caso de coisas fora do comrcio,no h tambm posse. Esse paralelismo (...) vem sempre demonstrar que a proteo possessria concedidacomo complemento da propriedade e para assegurar-lhe o exerccio (Bessone, 1988, p. 252).

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    LEGISLAO CONSULTADA

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    PROCESSO JUDICIAL ANALISADO INTEGRALMENTE

    TRIBUNAL DE JUSTIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Ao Civil Pblica autuada originalmente sobo n 1998.683.010033-9; julgamento do Superior Tribunal de Justia transitado em julgado em maio de 2009.

    PRECEDENTES JUDICIAIS CONSULTADOS

    SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA. Ag. I. 204.814/DF. Rel. Min. Jos Delgado. DJ 09/02/1999._____. R.Esp. 189.278/RJ. Rel. Min. Eliana Calmon. DJ 29/11/2000._____. R.Esp. 699.374/DF. Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito. DJ 18/06/2007._____. R.Esp. 808.708/RJ. Rel. Min. Herman Benjamin. DJ 04/05/2011._____. R.Esp. 863.939/RJ. Rel. Min. Eliana Calmon. DJ 24/11/2008._____. R.Esp. 945.055/DF. Rel. Min. Herman Benjamin. DJ 20/08/2009._____. R.Esp. 1.034.134/RJ. Rel. Min. Humberto Martins. DJ 14/04/2009.TRIBUNAL DE JUSTIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Ag.I. 2.200/95. Rel. Des. MartinhoCampos. DJ 09/04/1996._____. Ap.Cvel 2006.001.61756, Rel. Des. Nametala Jorge. DJ 19/03/2007.

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  • NOTCIAS CONSULTADAS

    AGNCIA BRASIL DE FATO. Polcia despeja violentamente moradores de ocupao na Zona Sul pelomenos 570 das 800 famlias despejadas, do acampamento Olga Benrio, devem permanecer na rua.Disponvel em: www.brasildefato.com.br/v01/agencia/nacional/policia-despeja-violentamente-moradores-de-ocupacao-da-zona-sul. Acesso em: 25 ago. 2009.CONCA Conselho de Cidadania do Alto da Boa Vista. Comunidades do Alto da Boa Vista corremrisco de remoo. Disponvel em: http://concacidadania.blogspot.com/. Acesso em: 20 set. 2009.O ESTADO DE SO PAULO. Moradores e PMs entram em confronto. Disponvel em:www.sptrans.com.br/clipping_anteriores/2007/dezembro2007/clipping121207/pagina1.htm. Acessoem: 20 set. 2009.FOLHA DE SO PAULO. Remoo de favela provoca congestionamento recorde. Disponvel em:www.sptrans.com.br/clipping_anteriores/2007/dezembro2007/clipping121207/pagina1.htm. Acessoem: 20 set. 2009.IPEA. Folha de S. Paulo (SP): 54,6 milhes vivem no pas em moradia inadequada. Disponvel em:www.ipea.gov.br/003/00301009.jsp?ttCD_CHAVE=6717. Acesso em: 11 nov. 2008.

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    Joo Maurcio Martins de AbreuMESTRE EM SOCIOLOGIA E DIREITO PELA UFF

    ADVOGADO

    PROFESSOR LICENCIADO DA UNIVERSIDADEESTCIO DE S (UNESA)