A Música Como Campo de Conhecimento
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EM PAUTA - v. 12 - n. 18/19 - abril/novembro 2001
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A delimitacao daA delimitacao daA delimitacao daA delimitacao daA delimitacao daeducacao musical comoeducacao musical comoeducacao musical comoeducacao musical comoeducacao musical comoarea de conhecimento:area de conhecimento:area de conhecimento:area de conhecimento:area de conhecimento:contribuicoes de umacontribuicoes de umacontribuicoes de umacontribuicoes de umacontribuicoes de uma
investigacao junto a tresinvestigacao junto a tresinvestigacao junto a tresinvestigacao junto a tresinvestigacao junto a tresprofessoras de musicaprofessoras de musicaprofessoras de musicaprofessoras de musicaprofessoras de musica
do Ensino Fundamentaldo Ensino Fundamentaldo Ensino Fundamentaldo Ensino Fundamentaldo Ensino Fundamental
LUCIANA DEL BEN
Defining musicDefining musicDefining musicDefining musicDefining musiceducation as a field ofeducation as a field ofeducation as a field ofeducation as a field ofeducation as a field ofknowledge: contributionknowledge: contributionknowledge: contributionknowledge: contributionknowledge: contribution
from an investigationfrom an investigationfrom an investigationfrom an investigationfrom an investigationof three primary schoolof three primary schoolof three primary schoolof three primary schoolof three primary school
muisic teachersmuisic teachersmuisic teachersmuisic teachersmuisic teachers
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EM PAUTA - v. 12 - n. 18/19 - abril/novembro 2001
ResumoResumoResumoResumoResumo
A discusso, no Brasil, sobre a delimitao da Educao Musical como rea
de conhecimento tem-se intensificado, como revelam publicaes recentes da
literatura especfica. Visando a contribuir com essa discusso, neste trabalho,
apresento e discuto parte dos resultados de uma pesquisa que investigou como
as concepes e aes de educao musical de professores de msica confi-
guram a prtica pedaggico-musical em escolas do ensino fundamental. Utili-
zando como referencial terico a fenomenologia social de Schutz, foram reali-
zados trs estudos de caso qualitativos com trs professoras de msica atuan-
tes em escolas privadas de Porto Alegre-RS. Os construtos subjacentes s con-
cepes e aes das professoras investigadas sugerem que a Educao Musi-
cal parece caracterizar-se por um encontro entre pedagogias e musicologias.
Esses resultados sinalizam algumas propriedades do campo da Educao
Musical. Podero, assim, contribuir com a reflexo sobre o status epistemolgico
da Educao Musical como rea de conhecimento.
PPPPPalavras-chave:alavras-chave:alavras-chave:alavras-chave:alavras-chave: educao musical, epistemologia, concepes e aes de
professores de msica.
AbstractAbstractAbstractAbstractAbstract
The paper discuss the epistemological field of Music Education. It reports part
of a research that aimed to investigate how Brazilian music teachers conceptions
and actions of music education constitute their music teaching practices at
primary schools. Taking the social phenomenology of Schutz as the theoretical
framework, three case studies with primary school music teachers of Porto Ale-
gre, RS, Brazil were carried out. The constructs that underlie music teachers
conceptions and actions reveal the interfaces between musicological and
pedagogical dimensions. These interfaces seem to be characteristic of the field
of Music Education. In this sense, the paper provides information that can
contribute for the discussion about the epistemological status of Music Education
as a field of knowledge.
Key words: Key words: Key words: Key words: Key words: music education, epistemology, music teachers conceptions and
actions.
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IntrIntrIntrIntrIntroduooduooduooduooduo
A discusso, no Brasil, sobre a delimitao da Educao Musicalcomo rea de conhecimento tem-se intensificado nos ltimosanos, como revelam algumas publicaes recentes da literaturaespecfica (ver, por exemplo, Souza, 1996; 2001a; 2001b; Kraemer, 2000). O
debate acerca do status epistemolgico da rea, entretanto, no novo. Con-
forme nos lembra Souza (2001a),
A Educao Musical aparece citada como campo acadmico-cientfico em fins
do sculo XIX, dentro do quadro de campos musicolgicos esboados por Guido
Adler. De l para c, apesar das aparncias, sabemos que no h um consenso
sobre o seu status epistemolgico. Indagar sobre este status, que deve ter como
bases a educao, a msica e o sentido de msica na educao, torna-se
uma tarefa fundamental quando da justificativa sobre o que entendemos por edu-
cao musical (Souza, 2001a, p. 16).
possvel que a discusso atual tenha relao com aproximaes e dilogos
que pesquisadores da rea de Educao Musical vm estabelecendo com ou-
tras reas de conhecimento; entre elas, a Pedagogia, a Antropologia, a Sociolo-
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gia, a Filosofia e a Histria. Por um lado, essas reas, ao oferecerem referncias
tericas e metodolgicas particulares, tm possibilitado aos educadores musi-
cais novos modos de compreender as prticas educativo-musicais concebidas
e concretizadas por atores e grupos diversos em mltiplos espaos de atua-
o. Por outro lado, parece haver a preocupao de que, ao ampliar suas fron-
teiras, a Educao Musical torne-se campo de aplicao de outras cincias,
abrindo mo de seu prprio objeto de estudo e de suas singularidades como
domnio especfico.
Preocupao semelhante tem permeado os debates em torno da natureza e
especificidade da Pedagogia frente s Cincias da Educao (Estrela, 1992; Pi-
menta, 1997a; 1998a; Mazzotti e Oliveira, 2000). Essas discusses, segundo Pi-
menta (1997b), tm levado ressignificao epistemolgica da Pedagogia e da
Didtica, rea da Pedagogia que tem o ensino como objeto de estudo.
O debate sobre o O debate sobre o O debate sobre o O debate sobre o O debate sobre o status status status status status epistemolgico da Pepistemolgico da Pepistemolgico da Pepistemolgico da Pepistemolgico da Pedaedaedaedaedagogia e suasgogia e suasgogia e suasgogia e suasgogia e suascontribcontribcontribcontribcontribuies para a delimitao do campo da educao muies para a delimitao do campo da educao muies para a delimitao do campo da educao muies para a delimitao do campo da educao muies para a delimitao do campo da educao musicalusicalusicalusicalusical
As chamadas Cincias da Educao so aquelas que estudam os fenme-
nos da educao. Constituem ramos das Cincias Sociais e Humanas - entre
outras, Sociologia, Psicologia, Histria e Filosofia - que tomam a educao como
objeto de estudo (Estrela, 1992; Pimenta, 1998a; 1998b). De acordo com Pi-
menta (1997b, p. 28), [a] educao no tem sido suficientemente tematizada
como rea de investigao pelas cincias da educao, pois, conforme res-
salta, as cincias da educao pesquisam sobre e no a partir da educao
(ibid.). A educao torna-se, assim, campo de aplicao dessas cincias, como
revela, a seguir, o argumento de Estrela (1992).
(...) quando o psiclogo trabalha no campo educacional, no faz (nem pode fazer)
Pedagogia: aplica conceitos e mtodos da sua cincia a um dos diversos campos da
actividade1 humana - o da Educao. Os resultados so, pois, de ordem psicolgica,
como o seriam se o psiclogo exercesse a sua aco no campo do trabalho, daclnica ou outro. O mesmo, evidentemente, se poder dizer das outras cincias (Estre-la, 1992, p. 12).
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Por no partirem das prticas educativas como problema de investigao, as
Cincias da Educao tornam-se insuficientes para a compreenso do com-
plexo mundo educacional. Suas explicaes e interpretaes so insuficientes
porque fragmentam o fenmeno educativo, uma vez que este investigado a
partir de perspectivas disciplinares (Pimenta, 1997b). Desse modo,
Quando se analisa o fenmeno educativo sob o ngulo de outras cincias, j constitu-
das (Psicologia, Sociologia, Fisiologia, Economia, Histria), so, na verdade, os
objectos da teoria e da prtica dessas cincias que so detectados. Portanto, a
especificidade do fenmeno educativo fica totalmente diluda, tanto ao nvel da prtica
como ao da formulao terica (Estrela, 1992, p. 14).
Mazzotti e Oliveira (2000), abordando especificamente a educao escolar,
corroboram a viso de Pimenta (1997b) e Estrela (1992):
Durante todo o sculo XX vimos que as cincias que tomam a educao escolar por
objeto mantiveram um no-dilogo entre si. De fato, socilogos, psiclogos, antrop-
logos e bilogos, apenas para apresentar os mais salientes, examinaram a educao
escolar com os instrumentos tericos e metodolgicos de suas disciplinas. Como
uma teoria estabelece o objeto, j que este resultado de uma interpretao, presen-
ciamos um embate entre as disciplinas. Este embate faz com que cada uma se apre-
sente como sendo a que capaz de mostrar o que efetivo, o que significativo, na
prtica educativa (Mazzotti e Oliveira, 2000, p. 37).
A educao um fenmeno complexo, visto envolver mltiplas variveis ou
dimenses. Pela complexidade do fenmeno em estudo, preciso aceitar a
pluralidade de enfoques na sua anlise. Portanto, no se trata simplesmente de
negar as contribuies da Psicologia, Sociologia, Filosofia, Histria, entre ou-
tras reas, para a compreenso das vrias dimenses envolvidas na educa-
o, mas de questionar sua capacidade de gerar teorias fertilizadoras (Pi-
menta, 1997b, p. 24) que sejam capazes de orientar a prtica educativa. Isso
porque suas teorizaes se constituem como discursos disciplinares sobre di-
menses ou aspectos particulares da educao, no sendo suficientes para
apreender e compreender as prticas educativas em sua totalidade e concretude.
O reconhecimento dos limites das Cincias da Educao para a compreen-
so dos fenmenos educativos aponta para o que prprio da Pedagogia.
Para Estrela (1992),
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(...) uma cincia constitui-se quando ela encontra o seu prprio objecto, isto ,
quando um determinado concreto passvel de uma determinada inteligibilidade
atravs de um conjunto coerente de teorias explicativas, construdas a par tir de
uma prtica especfica de metodologias estruturadas (Estrela, 1992, p. 14).
A ressignificao epistemolgica da Pedagogia ocorre a partir da definio
de seu objeto de estudo: a prtica social da educao (Pimenta, 1997b). Enten-
der a educao como prtica social implica assumi-la como objeto inacabado,
pois uma construo que envolve aes de pessoas, entre pessoas e sobre
pessoas (Gimeno Sacristn, 1999), as quais interagem e se influenciam mutua-
mente em contextos sociais e institucionais especficos. Significa conceb-la
como trabalho humano e social, em que os envolvidos trazem consigo os con-
textos a que pertencem, com suas necessidades e determinaes (Gimeno
Sacristn, 1995; Oliveira, 1997; Pimenta, 1997b).
Para Pimenta (1997b), a prtica social da educao o ponto de partida e de
chegada das investigaes pedaggicas. Ainda de acordo com essa autora, a
Pedagogia
(...) no se constri como discurso sobre a educao. Mas a par tir da prtica
dos educadores tomada como a referncia para a construo de saberes - no
confronto com os saberes tericos. (...) E volta-se prtica a par tir da qual e
para a qual estabelece proposies (Pimenta, 1997b, p. 47).
A especificidade da Pedagogia em relao s Cincias da Educao est no
fato de ela ser uma cincia da prtica, com a qual mantm uma relao de
interdependncia recproca. Essa relao ocorre medida que a educao -
como prtica - depende de diretrizes pedaggicas. Por sua vez, a Pedagogia -
como cincia - depende de uma prtica educacional anterior, a partir da qual
se constri (Pimenta, 1998b). uma cincia que toma como referncia a prtica
dos educadores, os fenmenos educativos, buscando conhec-los para, si-
multaneamente, compreend-los e transform-los.
Os argumentos que permeiam o debate acerca do status epistemolgico da
Pedagogia frente s Cincias da Educao podem iluminar a discusso sobre
a delimitao da Educao Musical como rea de conhecimento. Eles sugerem
que, para que as vrias reas que investigam os fenmenos educativo-musi-
cais possam manter um dilogo entre si e contribuir para a definio do status
epistemolgico da Educao Musical, preciso chegar a um acordo acerca do
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objeto de estudo comum a todas elas (ver Mazzotti e Oliveira, 2000, p. 36-37). E
qual o objeto de estudo da Educao Musical? Para Kraemer (2000),
A pedagogia da msica2 ocupa-se com as relaes entre as pessoa(s) e a(s)
msica(s) sob os aspectos de apropriao e de transmisso. Ao seu campo de
trabalho per tence toda a prtica msico-educacional que realizada em aulas
escolares e no escolares, assim como toda cultura musical em processo de
formao (Kraemer, 2000, p. 51).
Quanto natureza da Educao Musical, Souza (1996, p. 81-82; 2001a, p.
16-17), ao revisar a literatura produzida na Alemanha, identifica duas posies
principais: a primeira reconhece a Educao Musical como uma rea de co-
nhecimento autnoma, enquanto a segunda define a Educao Musical como
uma rea de conhecimento no autnoma. Neste ltimo caso, a relao da
Educao Musical com outras disciplinas pode se dar de quatro maneiras. A
primeira delas chamada de aditiva, pois concebe a Educao Musical como
uma justaposio das reas de Pedagogia e Msica. Conforme explica Souza
(2001a, p. 16), nessa concepo, a Educao Musical dividiria o seu tema com
a Pedagogia nos aspectos de ensino e aprendizagem, formao de professo-
res e institucionalizao da aula, entre outros.
Na segunda possibilidade - chamada de adaptativa - a Educao Musical
tomaria de emprstimo conceitos e teorias de outras disciplinas, variando con-
forme instituies ou vises particulares. A terceira possibilidade defende uma
dupla participao da Educao Musical nas reas de Pedagogia e Musicologia
(Souza, 2001a, p. 17). Esta a posio de Kraemer (2000), segundo o qual, a
Educao Musical, por ocupar-se das relaes entre pessoa(s) e msica(s),
divide seu objeto de estudo com as chamadas Cincias Humanas: Filosofia,
Antropologia, Pedagogia, Sociologia, Cincias Polticas e Histria. Alm disso,
ao tratar sempre do objeto esttico msica, est dada sua relao tambm
com a Musicologia (Kraemer, 2000, p. 52). A quarta possibilidade v uma coo-
perao entre a Musicologia e a Pedagogia, considerando a Educao Musical
uma rea de interseco entre essas duas reas (Souza, 2001a, p. 17).
As diferentes formas de conceber a rea revelam, segundo Souza (2001a, p.
17), as dificuldades de que a questo epistemolgica se reveste no campo da
Educao Musical, cuja natureza, objeto e mtodo nem sempre so suficiente-
mente claros. Visando a contribuir com a discusso acerca do status
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epistemolgico da Educao Musical, apresento, a seguir, parte de uma pesqui-
sa realizada entre os anos de 1997 e 2001, junto a trs professoras de msica
atuantes em escolas privadas da rede de ensino de Porto Alegre-RS3 .
Concepes e aes de trs prConcepes e aes de trs prConcepes e aes de trs prConcepes e aes de trs prConcepes e aes de trs profofofofofessoras de msica e suas contri-essoras de msica e suas contri-essoras de msica e suas contri-essoras de msica e suas contri-essoras de msica e suas contri-bbbbbuies para a delimitao do campo da educao muies para a delimitao do campo da educao muies para a delimitao do campo da educao muies para a delimitao do campo da educao muies para a delimitao do campo da educao musicalusicalusicalusicalusical
Referenciais torico-metodolgicos da investigao
A pesquisa acima referida teve o objetivo de investigar como as concepes
e aes de educao musical de professores de msica configuram a prtica
pedaggico-musical em escolas do ensino fundamental. A idia que levou
definio desse objetivo foi a constatao de que, embora a Educao Musical
venha se desenvolvendo significativamente como rea de conhecimento aca-
dmico-cientfico nas duas ltimas dcadas (ver, por exemplo, Beyer, 1996;
Souza, 1996), sua delimitao como campo de estudos no vem sendo realiza-
da com base em dados provenientes das realidades de ensino de msica nas
escolas. Essa constatao trouxe tona a necessidade de investigar o mundo
concreto e cotidiano das prticas escolares vividas pelos professores de msi-
ca para, a partir dele, procurar identificar possveis propriedades do campo da
Educao Musical. Foi nesse sentido que a fenomenologia social de Schutz
(1973; 1979) surgiu como perspectiva terica capaz de orientar a investigao.
O fio condutor da obra de Schutz consiste na preocupao em compreender
o mundo da vida cotidiana, desvelando, descrevendo e analisando suas carac-
tersticas essenciais. A tarefa do pesquisador consiste em examinar a estrutura
de significado subjetivo (Schutz, 1973, p. 35) usada pelos atores para vivenciar
e interpretar seu mundo vivido. A anlise da realidade social refere-se por ne-
cessidade ao ponto de vista subjetivo, isto , interpretao da ao e seu
contexto em termos do ator (ibid., p. 34). Para se compreender a realidade
social, preciso compreender o significado da ao para o prprio indivduo
que a realiza. Assim, cabe ao pesquisador investigar e reconstruir o modo como
as pessoas vivenciam e interpretam o mundo da vida cotidiana.
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Com base nos pressupostos terico-metodolgicos da fenomenologia so-
cial, realizei trs estudos de caso qualitativos com trs professoras de m-
sica atuantes em diferentes escolas da rede privada de ensino de Por to
Alegre-RS, configurando a metodologia de estudos multicasos (Bresler e
Stake, 1992). Em cada um dos casos, os dados foram coletados atravs da
observao naturalista de uma seqncia de aulas ministradas pela pro-
fessora e de entrevistas semi-estruturadas com a mesma. Paralelamente,
foram coletados documentos escritos.
A observao me possibilitou conhecer e registrar as aes de cada pro-
fessora em sala de aula. Foram focalizadas suas abordagens pedaggi-
cas, atividades, contedos e repertrio desenvolvidos, estratgias de ensi-
no, formas de organizao das aulas e avaliao. As entrevistas semi-
estruturadas objetivaram investigar: a) a formao e a atuao profissional
de cada professora; b) concepes de educao musical em termos de
valores, metas, objetivos, contedos, atividades, reper trio e avaliao; c)
concepes relacionadas ao planejamento do ensino; e d) suas percep-
es acerca da relao da escola com a aula de msica. Finalmente, a
anlise de documentos produzidos tanto pela professora de msica quan-
to pela escola revelou informaes sobre o contex to de atuao de cada
professora e sobre a presena da msica na escola. Alm disso, gerou
novos dados referentes s concepes de cada professora em termos de
metas, objetivos, contedos, atividades, reper trio e estratgias de ensino,
complementando as informaes obtidas atravs das entrevistas semi-
estruturadas e das observaes.
Os dados coletados foram analisados a par tir de um sistema de
categorizao desenvolvido com base tanto em temas que emergiram dos
prprios dados quanto em conceitos sociofenomenolgicos (Schutz, 1973;
1979). Par tindo dos pressupostos sociofenomenolgicos, na anlise pro-
curei compreender e reconstruir como as professoras concebem e concre-
tizam o ensino de msica nas escolas. As professoras sero identificadas
pelos nomes de Flora, Beatriz e Rita.
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A Educao Musical como um encontrA Educao Musical como um encontrA Educao Musical como um encontrA Educao Musical como um encontrA Educao Musical como um encontro entre pedao entre pedao entre pedao entre pedao entre pedagogias egogias egogias egogias egogias emmmmmusicologiasusicologiasusicologiasusicologiasusicologias
Ao buscar compreender como cada professora interpreta e vivencia a educa-
o musical escolar, identifiquei certos construtos (Schutz, 1973) subjacentes
s suas concepes e aes. Quando vistos como um conjunto, os construtos
de cada professora sustentam sua forma pessoal de conceber e concretizar a
educao musical. No caso do presente trabalho, esses construtos consistem
em abstraes referentes, por um lado, natureza da msica e, por outro, a
processos de ensino e/ou aprendizagem e/ou a processos de ensino e/ou apren-
dizagem de msica.
Construtos referentes natureza da msica tornam-se necessrios medida
que no parece ser possvel ensinar alguma coisa sem que se saiba em que ela
consiste. Para ensinar msica, preciso antes definir o que se entende por
msica (ver Swanwick, 1979; 1994; Elliot, 1995). Por outro lado, as professoras
no perdem de vista sua funo de mediar a relao dos alunos com a msica.
Por isso, esto atentas aos processos de ensino e aprendizagem, atravs dos
quais definem, orientam, monitoram, refletem sobre e retroalimentam os pro-
cessos de transmisso e apropriao musical que permeiam suas prticas pe-
daggico-musicais.
As concepes e aes da professora Flora, por exemplo, so sustentadas
por construtos que definem a msica como uma forma de comunicao, como
uma linguagem especial que toca a alma humana e que se constitui como
sons nossa volta. Alm disso, da natureza da msica integrar-se de uma
maneira natural s demais expresses artsticas. O trabalho da professora tam-
bm orientado e sustentado pelo construto segundo o qual na escola a m-
sica um pouco recreativa. Nesse ltimo construto, a professora no se refere
especificamente natureza da msica, mas ao carter peculiar que esta adqui-
re quando concebida como disciplina dos currculos escolares, isto , quando
se torna objeto de ensino e aprendizagem em contextos escolares.
Para a professora Beatriz, a msica parece consistir em uma capacidade e
uma manifestao inata aos seres humanos, pois, segundo sustenta, a msica
j existe dentro das pessoas. Alm disso, da natureza da msica tocar os
sentimentos dos alunos, o que a torna capaz de abrir caminhos e fazer as
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pessoas felizes. Embora compartilhem o fato de serem fruto de uma capaci-
dade inata dos seres humanos, nem todas as manifestaes musicais tm
valor, mas somente aquelas cujos elementos constituintes estejam de acordo
com o construto segundo o qual o importante a letra. Esses construtos refe-
rentes natureza da msica e natureza das msicas que tm valor so
complementados por um construto referente aos processos de aprendizagem:
o estudo teria de ser prazer sempre.
O trabalho da professora Rita, por sua vez, sustentado e orientado pela
definio de que a msica uma linguagem. Embora possua caractersticas
especficas, quando se torna objeto de ensino e aprendizagem em contextos
escolares, a linguagem musical deve se relacionar com os outros contedos,
com as outras reas que compem o currculo escolar. Aos construtos que
definem a natureza da msica e especificidades da msica nos contextos es-
colares, somam-se construtos referentes ao ensino e aprendizagem. Para
Rita, o ensino parece caracterizar-se como uma ao com inteno, na qual o
professor define aonde quer chegar. Isso no significa, entretanto, que todos os
alunos chegaro ao mesmo lugar, pois, para Rita, a aprendizagem caracteriza-
se como uma caminhada individual.
O foco dos construtos das trs professoras sugere que suas prticas peda-
ggico-musicais so sustentadas por conhecimentos referentes tanto ao cam-
po da educao quanto ao da msica. As professoras se nutrem desses co-
nhecimentos disciplinares e procuram integr-los para que possam mediar a
relao de seus alunos com a msica. Seu campo de atuao profissional pa-
rece caracterizar-se por um encontro entre educao e msica, em que conhe-
cimentos pedaggicos e musicolgicos so igualmente necessrios. Nesse
sentido, a viso das professoras parece aproximar-se da concepo de Kraemer
(2000), segundo a qual a rea de Educao Musical caracteriza-se por uma
dupla participao na Pedagogia e na Musicologia. Arroyo (1999), partindo de
Kraemer [2000], parece preferir os termos pedagogias e musicologias, as quais
define, respectivamente, como
(...) [a]s vrias disciplinas dedicadas ao estudo da educao e das msicas. No pri-
meiro caso, entre outras, Sociologia da Educao, Filosofia da Educao, Psicologia
da Educao; no segundo, Sociologia da Msica, Etnomusicologia, Musicologia, His-
tria, Teoria Musical so alguns exemplos (Arroyo, 1999, p. 40).
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A dimenso pedaggica
Por estar inserida em contextos escolares, a prtica pedaggico-musical das
professoras constitui-se a partir de um projeto coletivo, ao mesmo tempo que
ajuda a constitu-lo. Esse projeto coletivo, de forma implcita ou explcita, visa a
preparar os alunos para atuarem no mundo (ver Prez Gmez, 1998; Gimeno
Sacristn, 1998a). Sendo assim, consiste em
(...) um projeto coletivo globalizador, que agrupa diversas facetas da cultura, do de-
senvolvimento pessoal e social, das necessidades vitais dos indivduos para seu de-
sempenho em sociedade, aptides e habilidades consideradas fundamentais, etc.
(Gimeno Sacristn, 1998a, p. 55).
As finalidades e contedos do projeto educativo, portanto, no so elabora-
das somente em relao aos conhecimentos pertencentes s vrias disciplinas
que compem o currculo escolar. As concepes e aes das professoras de
msica sugerem que isso tambm parece ocorrer no mbito de cada discipli-
na, pois os contedos trabalhados e as finalidades das aulas de msica vo
alm do que especificamente musical. Os conhecimentos referentes ao cam-
po da educao no parecem ser necessrios s professoras somente para
orientar o ensino e a aprendizagem de msica em sala de aula. Eles tambm
so necessrios para que as professoras possam, atravs da msica, cumprir
finalidades e desenvolver contedos que possibilitem a participao dos alu-
nos no mundo, contribuindo para a concretizao do projeto educativo
globalizador (Gimeno Sacristn, 1998a, p. 55) da escola.
Muitos dos objetivos desse projeto globalizador so competncia de toda a
equipe docente e de cada professor ao longo de todo o ensino (ibid., p. 309),
no constituindo contedo especfico de uma ou outra disciplina. Sendo assim,
as professoras buscam desenvolver um conjunto de habilidades musicais es-
pecficas, de modo que, ao mesmo tempo que possa propiciar o desenvolvi-
mento musical dos alunos, tambm possa contribuir de algum maneira com
suas formas de pensar, sentir e agir.
nesse sentido que a professora Flora afirma que a msica, na escola, no
deve ter a preocupao de formar msicos. Na educao musical no pre-
ciso estar sempre tocando, estar sempre cantando. Seu universo de atuao
mais amplo, o que permite ao aluno desenvolver outras habilidades, que no
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s a habilidade musical, dentro da prpria educao musical. com base
nessa concepo que, em seu trabalho, a professora Flora, alm de objetivos
musicais especficos, tambm estabelece objetivos relacionados parte
[cognitiva,] afetiva e psicomotora dos alunos. Ao ensinar msica, a professora
tambm busca desenvolver memria, criatividade, potencialidade, auto-acei-
tao, gratificao, comunicao individual e grupal, socializao, (...) consci-
ncia corporal; transferir conhecimentos e experincias; adquirir autonomia no
s em relao linguagem musical.
A professora Beatriz, por sua vez, define os valores de vida como um dos
contedos primordiais a serem desenvolvidos pela educao musical esco-
lar. Com isso, ela se mostra preocupada no s com a formao musical dos
alunos, mas com sua formao como pessoa. Atravs dos valores que so
trabalhados a partir do contedo verbal das canes, Beatriz pretende levar
seus alunos a refletirem sobre que tipo de sociedade voc acredita que seja
melhor, que tipo de pessoa voc acredita que seja melhor, que tipo de vida
voc quer ter, que tipo de atitude voc deve ter. A professora tambm tenta
introduzir um pouco essa parte poltica, trabalhando o que define como msi-
cas mais crticas, msicas mais revolucionrias. Alm disso, acredita que, atra-
vs da msica, possvel trabalhar o alunos em termos de personalidade, em
termos de sentimentos, em termos fsicos [e] psquicos, possibilitando que o
aluno se conhea melhor como pessoa.
De modo semelhante, a professora Rita busca a formao integral dos alu-
nos, o que inclui o trabalho com o corpo, o intelecto e a sensibilidade. Para ela,
o desenvolvimento da linguagem musical - alm de envolver habilidades musi-
cais especficas - favorece uma srie de reas da criana, pois foca a sensi-
bilidade (...), mexe com os afetos (...) favorece a motricidade. Alm disso, tra-
balha o raciocnio, desenvolve a ateno e contribui para transmitir e resga-
tar elementos da cultura. Atravs do ensino de msica, Rita tambm objetiva o
desenvolvimento da disciplina, da valorizao da formalizao, das capaci-
dades de se expor, saber convencer e defender sua rea, de construir e
respeitar regras, alm do desenvolvimento do sentido de grupo e do respeito s
diferenas individuais.
Para as professoras, parece ser necessrio que o ensino de msica no seja
uma coisa isolada na escola. Para tanto, a aula de msica deveria se relacio-
nar com o que est sendo vivenciado na escola como um todo, como susten-
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ta a professora Rita. nesse sentido que as professoras acreditam ser neces-
sria - partindo dos termos utilizados respectivamente por Flora, Beatriz e Rita -
a interao, integrao ou relao entre os contedos das aulas de msi-
ca e os contedos vivenciados pelos alunos em outras aulas ou disciplinas.
As trs professoras, a par tir de perspectivas singulares e com diferentes
propsitos, demonstram que no esto preocupadas somente com a for-
mao musical especfica dos alunos. Elas no pretendem somente ensi-
nar msica, mas educar os alunos de maneira global, abrangendo, entre
outros, aspectos cognitivos, afetivos, psicomotores, pessoais, sociais, po-
lticos e culturais. Revelam, assim, seu comprometimento com o projeto
educativo globalizador da escola. Esse comprometimento parece ser um
fator que diferencia o ensino de msica nas escolas de outras modalidades
de educao musical. Utilizando as palavras de Flora, parece que, para as
professoras, a educao musical escolar possui um universo mais amplo
de atuao. Seus depoimentos sugerem que esse universo mais amplo
por contemplar algo mais que contedos especificamente musicais, ao
contrrio das aulas de msica, que acontecem em conservatrios e esco-
las especficas e das aulas de teoria musical e instrumento.
Por estarem comprometidas com um projeto que ultrapassa as peculiarida-
des da disciplina que lecionam, as professoras tambm so levadas a pensar
sobre quais funes a escolarizao - como projeto de formao das novas
geraes - deveria cumprir, tanto em relao aos indivduos quanto em relao
sociedade em que vivem e sociedade a que aspiram (ver Gimeno Sacristn,
1998b). nesse sentido que conhecimentos musicolgicos, embora necessri-
os, no so suficientes para fundamentar e orientar o trabalho das professoras.
Eles precisam estar integrados aos conhecimentos provenientes das vrias dis-
ciplinas que estudam a educao.
A dimenso musicolgica
As professoras se nutrem de conhecimentos pedaggicos mas, ao mesmo
tempo, sinalizam a especificidade da msica quando a definem como discipli-
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na nica, que se diferencia das demais disciplinas contempladas pelo projeto
educativo. com base nessa especificidade que afirmam serem portadoras de
um conhecimento especializado que, como tal, nem sempre compartilhado
com os demais professores da escola ou com seus coordenadores e diretores.
As professoras Flora e Rita sugerem o carter especfico da disciplina que
lecionam quando definem a msica como linguagem. Flora concebe a msi-
ca como uma linguagem no-verbal. Como tal, torna-se uma forma de ex-
presso e de comunicao. Para Rita, a msica uma linguagem porque tem
smbolos, sinais, escrita, leitura, execuo, forma e uma forma de comunicar.
Para elas, a msica parece constituir um sistema simblico nico que, por as-
sim s-lo, capaz de complementar e enriquecer os demais componentes
curriculares (ver Jorgensen, 1994). Beatriz parece conceber a msica como a
expresso de uma certa capacidade de criao humana, dentro de um deter-
minado territrio especializado ou em facetas fronteirias entre vrios deles
(Gimeno Sacristn, 1998a, p. 68). O ensino de msica nas escolas poder, as-
sim, propiciar o desenvolvimento de uma linguagem ou capacidade humana
especfica.
Ao conceberem a msica como linguagem, como o fazem Flora e Rita, ou
como uma certa capacidade de criao humana, como Beatriz, as professoras
sugerem que ela um domnio, um territrio, mais ou menos delimitado, com
fronteiras permeveis [e] com uma certa viso especializada (...) sobre a reali-
dade (Gimeno Sacristn, 1998a, p. 68).
Uma caracterstica fundamental da msica como domnio especializado que
a diferencia das demais disciplinas curriculares a coisa sonora, como diz a
professora Flora. Conforme observa Nattiez (1990, p. 43), as concepes de
msica e do que considerado musical so vrias, pois so especficas a situ-
aes ou contextos determinados. No entanto, a referncia ao som est sem-
pre presente. O som condio mnima, embora no suficiente, para que algo
seja considerado como sendo msica. Essa referncia necessria ao som tam-
bm est presente na afirmao de Small (1998), segundo o qual,
Embora os sons que os msicos produzem no constituam a experincia total, eles
so, entretanto, o catalisador que faz com que a experincia acontea, e sua natureza
e suas relaes so, portanto, uma parte crucial da natureza da experincia como um
todo (Small, 1998, p. 184).
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Passo, a seguir, a discutir cer tos aspectos da prtica pedaggico-musi-
cal das professoras que sugerem imbricamentos, associaes ou entrela-
amentos entre as dimenses pedaggica e musicolgica. Esses aspectos
so definidos a partir do encontro ou confronto entre saberes derivados
das pedagogias e das musicologias. So eles: aprendizagem de msica,
avaliao em msica, subjetividade e intersubjetividade das vivncias e
aprendizagens musicais, definio de conhecimento musical e justificati-
vas para o ensino de msica nas escolas.
Os entrelaamentos entre pedaOs entrelaamentos entre pedaOs entrelaamentos entre pedaOs entrelaamentos entre pedaOs entrelaamentos entre pedagogias e mgogias e mgogias e mgogias e mgogias e musicologiasusicologiasusicologiasusicologiasusicologias
Aprendizagem de msica
A forma pela qual as professoras concebem a aprendizagem de msica est
ancorada tanto em conceitos acerca da aprendizagem e do desenvolvimento
humano de modo geral (dimenso pedaggica) quanto naquilo que reconhe-
cem como particularidades da msica como domnio especializado (dimenso
musicolgica). No decorrer de suas falas, ao discorrerem sobre a aprendiza-
gem, as professoras citam autores como Piaget e Vygotsky. Seus depoimentos
sugerem que princpios construtivistas parecem fundamentar e orientar suas
concepes sobre os processos de aquisio do conhecimento. Para elas, o
conhecimento no algo dado ou inato, mas algo a ser construdo pelos pr-
prios alunos, o que implica a necessidade de interao entre sujeito e objeto.
A idia de interao e construo advinda de teorias psicolgicas da aprendi-
zagem corroborada pela concepo de que o som uma caracterstica fun-
damental da msica. Aprender msica, portanto, envolve, necessariamente, a
vivncia sonora. As professoras acreditam que a msica (...) s acontece fa-
zendo, que o trabalho do professor de msica est muito na produo dos
alunos. Por isso, o fazer musical ou a experincia direta com msica, de dife-
rentes formas e com objetivos diversos, esto sempre presentes nas aulas das
trs professoras.
No caso da professora Flora, o fazer musical ocorre atravs de atividades de
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recepo e expresso musicais, que incluem, por exemplo, compor (...); va-
riar estruturas preestabelecidas; utilizar a voz e os instrumentos acsticos rtmi-
cos e meldicos (...); imitar, interpretar, repetir, classificar, emparelhar, ouvir,
reconhecer, diferentes sons contando com a discriminao e percepo de
variaes (ritmo, melodia, timbre, texturas, etc.). Nas aulas da professora Beatriz,
os alunos vivenciam e aprendem msica por meio de atividades corporais, do
canto, da audio, da criao musical e da criao corporal e teatral a partir da
msica. A professora Rita, por sua vez, ressalta que seus alunos produzem
todo o tempo. Essa produo envolve vivncia corporal dos elementos musi-
cais, improvisao e criao musicais, anlise, execuo instrumental e canto.
Como a prtica fundamental, as principais metas ou objetivos das professoras
consistem em desenvolver a capacidade de seus alunos de fazer msica atravs
de diferentes atividades, seja captando a linguagem musical e se expressando
atravs dela, como prope Flora; descobrindo e expressando a msica que j
existe dentro de cada aluno, como busca Beatriz; ou, no caso de Rita, trabalhan-
do os elementos que caracterizam a linguagem musical.
Avaliao em msica
Embora acreditem que s possvel aprender msica fazendo msica, as
professoras encontram dificuldade em avaliar o fazer ou a prtica musical de
seus alunos. Flora, por exemplo, afirma que muito subjetivo (...) avaliar um
aluno s pela parte prtica musical. Essa subjetividade est relacionada vi-
so da professora de que a msica uma linguagem especial, pois toca o
emocional das pessoas, toca a alma humana. Torna-se, assim, uma lingua-
gem subjetiva e um pouco inexplicvel, pois envolve sentimentos e coisas
pessoais. Diante disso, Flora no se sente no direito de avaliar a vivncia musi-
cal de seus alunos, que estar sempre vinculada subjetividade de cada um
deles. Pela subjetividade envolvida, a msica torna-se diferente das demais
disciplinas curriculares. Para Flora, a msica no (...) como a matemtica,
em que se trabalhou, por exemplo, adio e multiplicao, que parecem cons-
tituir, na viso da professora, contedos mais objetivos. Ao contrrio de disci-
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plinas como histria, geografia ou matemtica, a msica toca em outras coi-
sas, coisas mais emocionais.
De modo semelhante, a professora Beatriz tambm considera muito compli-
cado avaliar a prtica musical de seus alunos. A professora pergunta: como
que eu vou avaliar um aluno em termos de como ele demonstra a msica?. E
ela mesma responde, sugerindo caminhos para aprimorar a prtica musical do
aluno: em termos musicais, eu vou dizer assim para ele: ah, aqui est faltando
isso, aqui podia ser assim, podia ser assado. Embora no exemplifique quais
dimenses da prtica musical seriam consideradas, Beatriz reconhece, nessa
prtica, a existncia de dimenses ou contedos que podem ser compartilha-
dos pelo professor e pelo aluno. Essas dimenses ou contedos, entretanto,
perdem sua relevncia quando comparadas expresso musical dos alunos.
O que o aluno passa para a professora extremamente importante, inde-
pendentemente da forma como isso acontece, de suas caractersticas e qua-
lidades ou das dimenses envolvidas. Para Beatriz, possibilitar que o aluno se
expresse e a expresso em si constituem algo muito mais rico em termos de
avaliao do que sinalizar ao aluno que est faltando isso ou aquilo.
A professora Rita, ao contrrio de Flora e Beatriz, avalia a prtica musical de
seus alunos. Essa avaliao feita a partir dos objetivos estabelecidos por Rita
a cada trimestre, que so transformados em critrios de avaliao. Esses obje-
tivos ou critrios contemplam, por um lado, contedos referentes a habilidades,
hbitos e atitudes a serem trabalhados por toda a equipe docente da escola, e,
por outro, aspectos intrnsecos prtica musical, como ampliar seu repertrio
de canes, memorizando letras, melodias e ritmos; executar as notas traba-
lhadas, utilizando a mo esquerda, com suas respectivas posies (sol, l, si,
d e r); (...) apreciar obras musicais, realizando anlises escritas e orais de
seus elementos (letra, melodia, ritmo, pulso, andamento, acompanhamento ins-
trumental, efeitos sonoros, interpretao, etc.).
Rita no v como problemtica a identificao e avaliao de dimenses ou
contedos da prtica musical. Entretanto, mesmo estabelecendo critrios, con-
sidera que a avaliao algo muito pessoal. Por isso, cada aluno avaliado
em funo de sua caminhada individual e de suas conquistas pessoais. Pa-
rece haver um conflito entre os critrios de avaliao de Rita que, de um lado,
advoga o respeito caminhada individual do aluno e, de outro, sustenta a
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necessidade de o professor estabelecer objetivos bem claros em relao aos
contedos desenvolvidos pelos alunos. Esse conflito no parece ser resolvido
pois, ao afirmar que a avaliao algo muito pessoal e, por isso, realizada
em funo de cada [aluno], Rita prioriza a caminhada individual em detri-
mento dos objetivos por ela estabelecidos.
Quando discorrem sobre a avaliao de modo geral, as professoras susten-
tam que avaliar uma prtica fundamental aos processos de ensino e aprendi-
zagem, pois possibilita ao professor conhecer a trajetria de desenvolvimento e
as aquisies de seus alunos. Possibilita ainda que o prprio aluno compreen-
da suas aprendizagens e identifique suas conquistas. As professoras declaram
ainda que preciso avaliar os alunos qualitativamente, superando vises tradi-
cionais que vinculam a avaliao atribuio de notas ou conceitos
classificatrios. Quando essas concepes so transpostas para a aprendiza-
gem musical, parecem se tornar um tanto problemticas, tendo em vista o car-
ter subjetivo ou pessoal atribudo msica como domnio especializado. Esse
carter subjetivo acaba por dificultar e at mesmo impedir que as professoras
definam o que poderia ser aprendido atravs da prtica musical e possveis
qualidades do fazer musical dos alunos em diferentes etapas de sua trajetria
como aprendiz (ver Swanwick, 1992; 1994).
Nesse caso, as professoras parecem optar por fundamentar suas concep-
es e aes de avaliao recorrendo somente a cer tas concepes
musicolgicas, que no parecem estar sendo confrontadas com aquelas con-
cepes provenientes das disciplinas que investigam a avaliao da aprendiza-
gem. Ou, ento, no confronto entre concepes musicolgicas e pedaggicas,
as primeiras parecem se sobrepor s ltimas.
A subjetividade que, sob a perspectiva das professoras, dificulta o processo
de avaliao dos alunos, remete a dois outros aspectos. O primeiro deles refe-
re-se s dimenses pessoal e compartilhada das vivncias e aprendizagens
musicais; o segundo, dificuldade de se definir o que conhecimento musical.
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Vivncias e aprendizaVivncias e aprendizaVivncias e aprendizaVivncias e aprendizaVivncias e aprendizagggggens mens mens mens mens musicais:usicais:usicais:usicais:usicais: subjetividade e subjetividade e subjetividade e subjetividade e subjetividade einterinterinterinterintersubjetividadesubjetividadesubjetividadesubjetividadesubjetividade
Para as professoras, a msica tambm se caracteriza por sua ligao com a
sensibilidade, com sentimentos, afetos, emoes e coisas pessoais. A rela-
o da msica com os sentimentos, as emoes, com a sensibilidade e a indi-
vidualidade humanas parece sugerir que os significados, propsitos e valores
da vivncia e da aprendizagem musicais, bem como os contedos envolvidos,
so experienciados e interpretados somente a partir de uma base individual e
subjetiva, sem considerar aspectos coletivos e intersubjetivos (ver Bowman, 1998,
p. 72). Parecem depender, exclusivamente, daquilo que particular ao aluno
como indivduo nico.
As professoras parecem no reconhecer que, alm de uma dimenso pesso-
al e, muitas vezes, inacessvel ao professor (Swanwick, 1994) - o que no pare-
ce ser exclusividade da msica -, as relaes dos alunos com a msica e suas
prticas musicais so construdas a partir de conceitos, princpios, convenes,
expectativas e padres compar tilhados. Estes vo sendo aprendidos e
internalizados, de modo formal e/ou informal, ao longo da existncia de cada
aluno, a partir de suas experincias diretas e de interaes com outras pesso-
as, com membros dos grupos, comunidade e/ou sociedade a que pertencem
(Martin, 1995).
Por outro lado, as concepes e aes das professoras em relao ao ensino
revelam que suas prticas pedaggico-musicais resultam no somente de ex-
perincias e crenas pessoais, mas tambm de suas interaes com os esque-
mas prticos e de pensamento que constituem a bagagem cultural consolida-
da acerca da educao musical (ver Gimeno Sacristn, 1999). Alm disso, quan-
do as professoras estabelecem metas, objetivos e contedos de ensino, sinali-
zam aquilo que consideram relevante para que os alunos se desenvolvam no
mbito da disciplina de msica. Elas sugerem o que pode ser compartilhado
em termos musicais, pois as metas, objetivos e contedos so elaborados ten-
do em mente um grupo de alunos, no caso, uma srie escolar especfica, como
revelam tanto os depoimentos das professoras quanto os documentos por elas
produzidos. Isso no significa, contudo, que as professoras no estaro aten-
tas s diferenas individuais entre os alunos.
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O ensino concebido e concretizado pelas professoras a partir de bases
coletivas e intersubjetivas, a partir daquilo que pode ser compartilhado, e no
s a partir de uma dimenso pessoal; a aprendizagem, entretanto, concebida
somente como algo individual e subjetivo. Embora o ensino seja concebido e
concretizado visando aprendizagem dos alunos, parece haver um conflito
entre os princpios que fundamentam a compreenso das professoras acerca
do ofcio de ensinar e aqueles que fundamentam sua compreenso sobre a
aprendizagem. Esse conflito parece derivar de um confronto entre conceitos
derivados das pedagogias e aqueles derivados das musicologias. As professo-
ras parecem fundamentar suas concepes acerca da aprendizagem somente
a partir de suas prprias concepes musicolgicas, sem confront-las com
outras musicologias (que advogam, por exemplo, o carter social das vivncias
e aprendizagens musicais) e com as pedagogias.
Discuto, a seguir, as concepes das professoras Flora e Beatriz referentes
ao conhecimento musical.
Definio de conhecimento mDefinio de conhecimento mDefinio de conhecimento mDefinio de conhecimento mDefinio de conhecimento musicalusicalusicalusicalusical
Para Flora, a msica , por um lado, uma forma de comunicao e expres-
so e, por outro, uma forma de conhecimento. Como forma de comunica-
o e expresso, a msica vista como uma linguagem especial, pois trans-
gride as palavras e toca o emocional das pessoas, tornando-se, assim, um
pouco inexplicvel. A comunicao e expresso musicais esto vinculadas
prtica musical, pois, conforme esclarece a professora, existe uma srie de
verbos (aes) que constituem possibilidades de recepo e expresso musi-
cais: ouvir, reconhecer, imitar, compor, entre outros.
A msica, como forma de conhecimento, abre a possibilidade de se apren-
der atravs daquilo que um compositor fez, seja ele erudito ou no, seja uma
msica vocal ou instrumental. Alm disso, permite a interao da msica com
as demais reas do conhecimento, possibilitando-lhe auxiliar muito a forma-
o e o desenvolvimento do aluno. O conhecimento em msica no desen-
volvido ou construdo a partir da prtica musical, mas encontra-se fora dela e
envolve conhecimento sobre o contexto da obra, histria, aspectos pessoais
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do compositor, teoria, notao musical e estilos.
A professora Beatriz, por sua vez, acredita que a msica tem que levar a
pensar. Como a prtica ou a expresso musical, em funo de sua suposta
subjetividade, so vivenciadas tcita e individualmente, seus elementos no
podem ser compartilhados. Beatriz, ento, recorre ao contedo verbal das can-
es para levar seus alunos a pensarem a partir da msica. Para a professora,
atravs de seu contedo verbal, a msica fala e vai continuar falando. A letra
parece ser algo mais palpvel, que possibilita, tanto professora quanto pr-
pria msica, intervir de alguma forma nos modos de pensar dos alunos. Talvez
essa viso derive da idia de que, dentre os vrios elementos presentes na
expresso musical, somente seu contedo verbal possa ser compartilhado, pois
o nico que envolve idias, conceitos e fatos verbalizados.
Ao associarem conhecimento e pensamento somente a conceitos, fatos ver-
bais, descries, idias e teorias, as professoras sugerem que, para elas, co-
nhecimento aquilo que pode ser expresso na forma de proposies. Conheci-
mento, nesse caso, significa conhecimento proposicional, que, segundo Stubley
(1992, p. 4), denota a posse de informaes especficas, as quais apresentam
um cer to grau de verdade ou validade e que podem ser comunicadas
lingisticamente. O conhecimento proposicional (o saber que) consiste em co-
nhecimento sobre msica. Inclui definies, fatos, informaes, conceitos e
descries sobre msica. um tipo de conhecimento que no necessita do
fazer musical para ser adquirido. Por exemplo: possvel saber que Beethoven
comps nove sinfonias e, para isso, no necessrio ter ouvido ou tocado
qualquer uma delas (Swanwick, 1994).
Parte da dificuldade em definir o que conhecimento em msica deriva, se-
gundo Swanwick (1992), da multiplicidade de tipos de conhecimento envolvi-
dos na experincia musical. Alm do conhecimento proposicional, o autor cita-
do reconhece outros trs tipos de conhecimento. O primeiro deles refere-se ao
saber fazer, por exemplo, saber manusear um instrumento musical. Esse tipo
envolve a prtica musical, embora informaes verbais ou conhecimento
proposicional tambm possam ser teis (Swanwick, 1994). H ainda o conheci-
mento atitudinal, que contempla comprometimento, preferncia e valorao
pessoal (ibid.). Para Swanwick (1994), entretanto, o conhecimento musical ca-
racteriza-se como conhecimento por familiaridade. Consiste no conhecimento
de algo especfico: conhecer isto, seja esta pessoa, este lugar, esta sinfonia,
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esta cano (ibid., p. 17). um conhecimento de primeira mo, desenvolvido
pela prpria pessoa a partir de sua vivncia musical direta, um conhecimento
construdo a partir da prpria experincia, que, como tal, pode permanecer
tcito ou pouco articulado (Swanwick, 1994).
Elliot (1995), por sua vez, reconhece cinco formas de conhecimento musical.
A primeira delas refere-se ao conhecimento musical formal, termo equivalente
ao conhecimento proposicional acima mencionado. A segunda forma o co-
nhecimento musical informal, que consiste no senso comum sensato ou prti-
co desenvolvido por pessoas que sabem como fazer bem coisas em domnios
especficos da prtica (ibid., p. 62). A terceira forma consiste no que Elliot (1995)
denomina de conhecimento musical impressionista. uma espcie de conhe-
cimento intuitivo que envolve tanto pensamento quanto sensao e que auxilia,
por exemplo, um intrprete a avaliar, decidir, julgar, gerar e selecionar opes
musicais no decorrer das aes que constituem seu fazer musical (ibid., p. 65).
Uma quar ta forma de conhecimento musical refere-se ao conhecimento
supervisor, tambm chamado de metaconhecimento ou metacognio. Con-
siste na capacidade de monitorar, administrar, ajustar e regular o prprio pen-
samento tanto durante o fazer musical quanto em termos de desenvolvimento
musical a longo prazo (Elliot, 1995). A quinta forma de conhecimento musical,
que constitui sua caracterstica principal, o conhecimento processual. uma
espcie de conhecimento prtico ou de prtica reflexiva, o qual supe que as
aes envolvem pensamento e conhecimento. As aes so comportamentos
motivados, consistindo em formas no-verbais de pensar e conhecer em si
mesmas (ibid., p. 55). Quando se sabe fazer alguma coisa, esse saber no se
manifesta verbalmente, mas, sobretudo, na prpria prtica. O pensamento e o
conhecimento musicais esto no prprio fazer musical, esto na prtica musi-
cal em si. Como exemplifica esse autor,
(...) a compreenso musical de uma executante demonstrada no naquilo que
a executante diz sobre o que faz; a compreenso musical de uma executante
demonstrada na qualidade daquilo que ela faz nas suas aes de executar e
atravs delas. claro que totalmente possvel refletir sobre, ou falar para siprprio sobre, suas prprias aes medida que elas procedem. Essa reflexo-
sobre-a-ao pode acontecer e realmente acontece. Na maior par te, entretanto,
os executantes pensam no-verbalmente na ao, refletem-na-ao e conhe-cem-na-ao (Elliot, 1995, p. 56).
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Quando sustentam que para aprender msica necessrio fazer msica, as
professoras parecem sinalizar que o conhecimento, o pensamento e a compre-
enso musical se desenvolvem e so revelados atravs das prprias aes
musicais dos alunos. No caso das professoras Flora e Beatriz, entretanto, suas
concepes acerca de em que consiste conhecimento, pensamento e compre-
enso entram em choque com a idia de que a prtica musical caracteriza-se
como um empreendimento subjetivo. Embora definam a msica como um
domnio especializado, no parecem acreditar que esse domnio possa envol-
ver conhecimento.
JJJJJustificativustificativustificativustificativustificativas para o ensino de msica nas escolasas para o ensino de msica nas escolasas para o ensino de msica nas escolasas para o ensino de msica nas escolasas para o ensino de msica nas escolas
Para as professoras, como domnio especializado, a msica possui um valor
intrnseco. O ensino de msica nas escolas uma forma de propiciar aos alu-
nos o entendimento e desenvolvimento desse domnio, que, por ser especi-
alizado, poder contribuir para o seu desenvolvimento global. Suas justificati-
vas, entretanto, sugerem que o entendimento e desenvolvimento da msica,
seja como linguagem ou capacidade humana especfica, no parece algo rele-
vante em si mesmo.
Quando esclarecem de que forma a msica pode contribuir para o desenvol-
vimento dos alunos, embora isso seja contraditrio com os contedos de suas
aulas e/ou com alguns dos propsitos de seu trabalho, as professoras referem-
se a aspectos que a msica compartilha com as demais disciplinas escolares.
No se trata de questionar a capacidade da msica de contribuir com o desen-
volvimento do corpo, da personalidade, da sensibilidade e do intelecto ou com
a aquisio de conhecimento em outras reas curriculares, como acreditam as
professoras. Pretendo apenas ressaltar que, se, por um lado, isso reflete o com-
prometimento das professoras com o projeto educativo globalizador da escola,
por outro, sugere que a msica no parece se justificar como disciplina escolar
especfica, visto que seus valores e benefcios tambm poderiam ser desenvol-
vidos por outros componentes curriculares. preciso ressaltar ainda que, ao
utilizarem argumentos que no se referem s especificidades da msica como
domnio especializado, as professoras podero enfrentar dificuldades para jus-
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tificar aos demais participantes da comunidade escolar qual o sentido daquilo
que preenche a maior parte do tempo de suas aulas: a prtica musical em suas
especificidades.
As justificativas das professoras para o ensino de msica nas escolas pare-
cem fundamentar-se somente em argumentos derivados do campo da educa-
o, aqueles que se referem a algumas das funes da escolarizao. Parece
haver, tambm, nesse caso, um conflito entre concepes pedaggicas e a
concepo especfica ao campo musicolgico de que a msica e o fazer ou a
prtica musicais possuem um carter subjetivo, individual ou muito pessoal.
A prtica constitui, na viso das professoras, a forma privilegiada de propiciar o
desenvolvimento da linguagem ou da capacidade musical em si. Se a prtica
no pode ser compartilhada e, conseqentemente, avaliada, no parece ser
possvel justificar o ensino de msica como uma forma de propiciar algo que
no pode ser compartilhado nem avaliado. Vale lembrar ainda que Flora e Beatriz
no parecem reconhecer que a prtica musical possa envolver conhecimento.
Talvez essas professoras considerem inconsistente justificar a presena da
msica nos currculos escolares como um fim em si mesma se ela no envolve
conhecimento.
Consideraes finaisConsideraes finaisConsideraes finaisConsideraes finaisConsideraes finais
O encontro entre educao e msica ou entre pedagogias e musicologias,
como sugere Arroyo (1999), pela prpria denominao da rea - Educao
Musical -, pode parecer bvio. E justamente em funo dessa possvel
obviedade que considero importante ressalt-lo, pois o que tido como bvio
corre o risco de tornar-se algo esquecido, encoberto pela familiaridade (Masini,
1997, p. 61). Esse encontro parece estar sugerindo propriedades especficas
da Educao Musical como rea de conhecimento.
As concepes e aes das professoras investigadas revelam que, para en-
sinar msica, no suficiente somente saber msica ou somente saber ensinar.
Conhecimentos pedaggicos e musicolgicos so igualmente necessrios, no
sendo possvel priorizar um em detrimento do outro. Se, como observado por
Kraemer (2000, p. 59), a Educao Musical no seria capaz de viver sem a[s]
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musicologia[s], possvel dizer que ela tambm no seria capaz de viver sem
as pedagogias.
O que os dados aqui apresentados sugerem a necessidade de uma maior
articulao entre pedagogias e musicologias. Ao invs de articulao, poss-
vel observar um confronto entre conceitos derivados das pedagogias e aqueles
derivados das musicologias. Esse confronto emerge, por exemplo, quando as
concepes das professoras sobre avaliao como uma das dimenses dos
processos de ensino e aprendizagem contradizem suas concepes acerca do
que pode ou deve ser avaliado nos processos especficos de ensino e aprendi-
zagem de msica. A articulao entre pedagogias e musicologias poderia con-
tribuir para que as professoras repensassem suas prprias concepes e aes,
bem como os contedos e as funes da msica na educao escolar - espa-
o de atuao abordado neste trabalho.
Um dos fatores que parece estar dificultando um maior entrelaamento entre
pedagogias e musicologias por parte das professoras so concepes acerca
da natureza da msica, que a definem como uma atividade subjetiva. A sub-
jetividade atribuda msica e s vivncias e aprendizagens musicais impede
o estabelecimento de dilogos entre musicologias e pedagogias. A subjetivi-
dade isola a dimenso musicolgica, que acaba se tornando surda s contri-
buies da dimenso pedaggica para a compreenso dos modos pelos quais
as pessoas se relacionam com a(s) msica(s), sob a perspectiva dos proces-
sos de apropriao e transmisso (Kraemer, 2000).
Vale ressaltar que, embora tenha me referido a pedagogias e musicologias
no decorrer do texto, reconheo a complexidade e multidimensionalidade do
conhecimento pedaggico-musical (Kraemer, 2000). Em trabalhos futuros, se-
ria importante investigar quais so as dimenses do conhecimento pedaggi-
co-musical reveladas nas concepes e aes das professoras.
Espero que os resultados aqui discutidos possam contribuir com a reflexo
sobre o status epistemolgico da Educao Musical como campo acadmico-
cientfico. Essa reflexo torna-se fundamental medida que, apropriando-me
das idias de Pimenta (1998b),
O no-enfrentamento da questo epistemolgica da educao [musical] dificul-
ta aos educadores [musicais] tanto a ar ticulao das pesquisas que eventual-
mente se realizam nessa rea, como a formulao de pesquisas necessrias
que esto sendo indicadas pelas urgncias da prtica social da educao [mu-
sical] (Pimenta, 1998b, p. 41).
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Notas
1 As citaes em portugus de Portugal foram mantidas nos originais.
2 Souza (2000) esclarece que o termo pedagogia musical (Musikpdagogik) utiliza-do na literatura alem para designar a rea como cincia, enquanto o termo educao
musical (Musikerziehung) refere-se prtica da educao musical. Segundo a autora,esses termos ainda no esto claramente definidos no Brasil.
3 A pesquisa consistiu em minha tese de doutorado, que se intitula Concepes e
aes de educao musical escolar: trs estudos de caso. Com o apoio financeiro
da CAPES, foi desenvolvida junto ao Programa de Ps-Graduao em Msica da
UFRGS, sob orientao da Profa. Dra. Liane Hentschke.