A OPERAÇÃO OURO BRANCO E AS TEORIAS DO AGENDAMENTO E ENQUADRAMENTO

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Universidade Federal da Bahia - UFBA Faculdade de Comunicação – Jornalismo Teorias do Jornalismo- Com 121 – Leandro Colling Aluno: Adalton dos Anjos Fonseca A OPERAÇÃO OURO BRANCO E AS TEORIAS DO AGENDAMENTO E ENQUADRAMENTO. INTRODUÇÃO Nos últimos dias de Outubro o país acompanhou com espanto o resultado das investigações da Policia Federal a respeito de mais uma fraude no país. As investigações tinham começado desde agosto e buscava desarticular o esquema de adulteração do leite. Ela foi intitulada pela PF de Operação Ouro Branco e, a imprensa brasileira acabou aceitando o nome da operação e todo o enquadramento colocado pelas fontes oficiais. Nesse artigo pretendo fazer uma analise da cobertura do jornal A Tarde durante os dias 23 a 26, 30 e 31 de Outubro e 1º de Novembro sobre a Operação Ouro Branco e seus desdobramentos. Tomando por base as Teorias do Agendamento ou Agenda-Setting e do Enquadramento, observarei qual foi o enquadramento usado pelo veiculo, bem como os motivos da inserção desse tema na agenda do público por tanto tempo.

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Nos últimos dias de Outubro o país acompanhou com espanto o resultado das investigações da Policia Federal a respeito de mais uma fraude no país. As investigações tinham começado desde agosto e buscava desarticular o esquema de adulteração do leite. Ela foi intitulada pela PF de Operação Ouro Branco e, a imprensa brasileira acabou aceitando o nome da operação e todo o enquadramento colocado pelas fontes oficiais. Nesse artigo pretendo fazer uma analise da cobertura do jornal A Tarde durante os dias 23 a 26, 30 e 31 de Outubro e 1º de Novembro sobre a Operação Ouro Branco e seus desdobramentos. Tomando por base as Teorias do Agendamento ou Agenda-Setting e do Enquadramento, observarei qual foi o enquadramento usado pelo veiculo, bem como os motivos da inserção desse tema na agenda do público por tanto tempo.

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Universidade Federal da Bahia - UFBAFaculdade de Comunicação – JornalismoTeorias do Jornalismo- Com 121 – Leandro CollingAluno: Adalton dos Anjos Fonseca

A OPERAÇÃO OURO BRANCO E AS TEORIAS DO AGENDAMENTO E ENQUADRAMENTO.

INTRODUÇÃO

Nos últimos dias de Outubro o país acompanhou com espanto o resultado das

investigações da Policia Federal a respeito de mais uma fraude no país. As investigações tinham

começado desde agosto e buscava desarticular o esquema de adulteração do leite. Ela foi

intitulada pela PF de Operação Ouro Branco e, a imprensa brasileira acabou aceitando o nome da

operação e todo o enquadramento colocado pelas fontes oficiais.

Nesse artigo pretendo fazer uma analise da cobertura do jornal A Tarde durante os dias 23

a 26, 30 e 31 de Outubro e 1º de Novembro sobre a Operação Ouro Branco e seus

desdobramentos. Tomando por base as Teorias do Agendamento ou Agenda-Setting e do

Enquadramento, observarei qual foi o enquadramento usado pelo veiculo, bem como os motivos

da inserção desse tema na agenda do público por tanto tempo.

O artigo está dividido em duas partes principais: a primeira delas trás os referenciais

teóricos, e a segunda parte a minha análise sobre a cobertura do jornal A Tarde sobre a

adulteração do leite longa vida.

TEORIA DO AGENDA-SETTING

O conceito de agendamento surgiu em 1972 com McCombs e Shaw com a publicação de

um artigo. Eles se basearam nas idéias de Lippmann e Cohen, na obra Public Opinion publicada

ainda na década de 20, e através de uma pesquisa com eleitores norte-americanos indecisos as

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vésperas das eleições presidenciais, comprovaram que a mídia podia influenciar a opinião dos

eleitores.

A pesquisa consistia numa análise da campanha eleitoral nos Estados Unidos em 1968,

com o acompanhamento da cobertura da imprensa e com entrevistas aos eleitores. McCombs

escolheu eleitores que estavam indecisos na escolha de seus candidatos, pois, achava que esses,

teoricamente, tinham que procurar mais informações a respeito das eleições, sendo assim

estariam mais expostos a serem pautados pela mídia. Em 1972 McCombs se junta com Shaw e

publicam um artigo intitulado: The Agenda Setting Function of Mass Media e concluem que:

o mundo político é reproduzido de modo imperfeito pelos diversos órgãos de

informação. Contudo, as provas deste estudo, de que os eleitores tendem a partilhar a

definição composta dos media acerca do que é importante, sugerem fortemente a sua

função de agendamento (MCCOMBS e SHAW, 1972, In: BRUM, 2003).

A influência da mídia foi tão grande que não só os eleitores indecisos foram agendados,

foi constatado que os candidatos colocaram nas suas agendas os assuntos debatidos pela mídia.

A teoria defende que a audiência exclui ou inclui das suas conversas do dia-a-dia assuntos

que estão presentes na mídia. Assim, os receptores são agendados pelos meios de comunicação e

quanto maior a exposição das pessoas a mídia, maior será a ação do agendamento sobre elas.

Desta maneira é possível perceber o poder que a mídia tem de definir em que as pessoas vão

pensar.

Em conseqüência da ação dos jornais, da televisão e dos outros meios de informação, o público sabe ou ignora, presta atenção ou escuta, realça ou negligencia elementos específicos dos cenários públicos. As pessoas têm tendência para incluir ou excluir dos seus próprios conhecimentos aquilo que os mass media incluem ou excluem do seu próprio conteúdo. Além disso, o público tende a atribuir àquilo que esse conteúdo inclui uma importância que reflete de perto a ênfase atribuída pelos mass media aos acontecimentos, aos problemas, às pessoas (SHAW, 1979. p.96, In: MACIEL SABBATINI ). 

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Os estudos do agenda-setting pressupõem que o acúmulo de informações diárias a qual a

audiência é exposta seria responsável pelo que McCombs chama de efeito de enciclopédia, em

que nós não somos capazes de desenvolver uma reflexão sobre determinado fato, por que outras

ocorrências logo aparecerão tão rapidamente quanto desaparecerão. Através do debate de alguns

temas, que normalmente não teríamos conhecimento, os meios de comunicação preparam nossas

agendas incluindo e escolhendo os temas que passam a ser de nossas preocupações.

Existe uma seleção das notícias que irão pautar a audiência, e fica claro que essa escolha

passa por vários critérios de noticiabilidade como: impacto sobre as pessoas, interesse da

audiência, proximidade entre outros. Entretanto no momento que a mídia escolhe o que vai ser

noticiado ou omitido, ou seja, o que o público vai ficar sabendo ou não, ela está manipulando a

agenda desse público. Essa idéia da influência direta ou a longo prazo dos meios de comunicação

sobre as pessoas, com a idéia dos receptores passivos e os emissores onipotentes, que está

presente na Teoria do Agenda-setting, atualmente é questionável, pois na década de 1970 a

Teoria dos Efeitos ainda estava em voga. Hoje já existem autores que defendem um contra-

agendamento, a sociedade tentando entrar na agenda da mídia.

O termo “pseudo-acontecimentos”, identificado em 1960 por Daniel Boorstin, ensaísta e

historiador norte-americano não é levado em consideração pela Teoria do Agendamento, ele é

bem fácil de ser observado, pois os meios de comunicação são amplamente usados para a difusão

de eventos, manifestações, ocorrências, reclamações etc. O pseudo-acontecimento é um evento

que só existe para causar efeito de mídia, portanto existem pessoas que não fazem parte da mídia,

mas estão tentando agendar a mídia, e muitas vezes conseguem.

A aspiração de estar na agenda na mídia é tão grande que a cada dia que passa os

assessores de imprensa estão ganhando mais importância. Eles são contratados com o objetivo de

desenvolver estratégias para colocar seus clientes na agenda da mídia. Luis Martins da Silva

enumera em seu texto Sociedade, esfera pública e agendamento maneiras de ingressar na agenda

da mídia como: oferecendo um ou mais temas, elaborando produtos, influenciando os editores,

entre outros. A sociedade foi modificando ao longo do tempo, pelos mais diversos motivos e por

isso a maneira como ela está sendo pautada já não é mais a mesma. Os movimentos sociais, como

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o MST, por exemplo, que reivindicam inclusão na sociedade, os movimentos políticos

espetaculares e a utilização das novelas, com o chamado merchandising social, são evidências

dos novos métodos utilizados para agendar a sociedade.

Além de a mídia agendar a sociedade e vice-versa, descobriu-se também que a mídia pode

agendar ela mesma, é o chamado interagendamento. Verifica-se que hoje em dia com os diversos

tipos de mídia e o auxilio da tecnologia acelerando a transmissão das informações, fazem com

que a concorrência entre os meios de comunicação aumente cada vez mais. Os jornais impressos

eram os que mais sofriam com essa atualização das notícias ao longo do dia, mas com o advento

da internet e o conseqüente desenvolvimento do webjornalismo houve várias mudanças que

reduziram essa desvantagem entre os impressos e as outras mídias. Traquina nos mostra que entre

os critérios de noticiabilidade existe um em que os jornalistas buscam neutralizar o seu

concorrente, nesse sentido eles têm que estar todo o tempo prestando atenção em outras mídias.

Observa-se no jornal A Tarde, o veiculo escolhido por mim para fazer a análise a partir das

Teorias do Agendamento e do Enquadramento, que a hora que o jornal é fechado é sempre depois

da edição do Jornal Nacional, o telejornal mais assistido do país.

TEORIA DO ENQUADRAMENTO

Uma das criticas a Teoria do Agenda-setting era por que ela se limitava a analisar os

aspectos que incluiriam ou não determinada notícia na agenda do público. A Teoria do

Enquadramento vai complementar esses estudos quando observa como o jornalismo decide a

maneira da audiência refletir o tema. Segundo Robert Entman com o framing é possível atuar

politicamente, definir problemas, diagnosticar causas, fazer um julgamento moral e sugerir

remediações.

A partir de um enquadramento pode-se destacar ou omitir um determinado fato ou

detalhes dele. Existem várias analises de enquadramentos relacionados com a política, mas isso

não quer dizer que não existam enfoques diferentes na economia, ou na narração de um

determinado acidente ou também nas manifestações de grupos sociais. Na política, o

enquadramento do JN na cobertura das eleições de 1998, nos deixa claro que havia um interesse

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na reeleição de FHC. Quando a crise econômica, em 1998, atingiu o Brasil, o JN atribuía a culpa

sempre à crise internacional e nunca a motivos internos (PORTO, 2004, p. 88).

Um enquadramento feito com sucesso nos mostra ser uma grande fonte de poder, podendo

manipular a audiência, apesar de não ser totalmente eficiente, por motivos que ainda serão

mostrados. Mais uma vez penso numa Assessoria de Comunicação, que além de ter a função de

levar o seu cliente a ser inserido na agenda da mídia e posteriormente a agenda do público, aspira

também que o enquadramento dado pela mídia seja o planejado, por isso uma assessoria também

busca estruturar relações sólidas com a mídia e monitora como o tema está sendo tratado.

É importante ressaltar que nem sempre os jornalistas têm a intenção de elaborar

determinado framing. Sabemos que as rotinas de produção obrigam os jornalistas a muitas vezes

ficarem limitados às fontes oficiais por vários motivos entre eles por que são mais credíveis. O

problema é que essas fontes podem definir o enquadramento que será reproduzido pelo jornalista.

Para efeito didático alguns autores trabalham com a idéia de classificar os

enquadramentos da mídia, podendo ser: enquadramentos noticiosos e enquadramentos

interpretativos. Os enquadramentos noticiosos estariam mais voltados para os jornalistas, eles

escolhem o “ângulo” da notícia que será contado no texto. Esse tipo de enquadramento pode ser

dividido em: enquadramento episódico, que é focalizado em eventos, o enquadramento de

interesse humano, e os mais ligados à época de campanha eleitoral que é: enquadramento corrida

de cavalos e o enquadramento temático, este fala das propostas dos candidatos e aquele das

pesquisas ao longo da campanha. Os enquadramentos interpretativos seriam dados pelas fontes,

mas não podemos esquecer que o jornalista também participa dessa categoria escolhendo quem

serão as suas fontes para a matéria. Ainda podemos classificar os enquadramentos interpretativos

em plurais e restritos. Os restritos são quando apenas um enquadramento é colocado na cobertura,

e os plurais colocam mais de um enquadramento na cobertura. Eles podem ser abertos, nenhum

enquadramento é mais privilegiado, ou fechado quando uma explicação é a mais verdadeira.

(PORTO, 2004).

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Robert Entman, um dos principais estudiosos da Teoria do Enquadramento, nos apresenta

maneiras de identificar o framing de uma reportagem: 1) definição do problema, observando se é

político, econômico, jurídico etc.; 2) identificar os atores envolvidos e ouvidos; 3) solução ou

avaliação moral do problema. Ainda segundo estudos de Entman, ele argumenta que a audiência

tem o livre arbítrio na hora interpretar as reportagens, entretanto quando as notícias são escassas

não há como ir de encontro ao frame dominante.

Contudo Entman não valoriza muito a comunicação interpessoal possa influenciar a

agenda e o enquadramento (COLLING, 2002). Lazarsfeld já tinha ressaltado a importância dos

grupos primários e dos lideres de opinião na Teoria do fluxo de comunicação em duas etapas, em

que a mensagem era transmitida para o líder de opinião e dele para o seu grupo. Nesse tipo de

comunicação a influência é muito eficaz basta lembrar que da propaganda “boca a boca”, que é

uma das maneiras mais eficientes de divulgar um produto ou idéia. As experiências pessoais

também podem interferir no enquadramento colocado pela mídia, fazendo com que os receptores

entendam aquela notícia de modo totalmente diferente.

Essa nova maneira de enxergar o enquadramento, a partir da perspectiva da audiência, é

estudada principalmente por Erving Goffman e depois é seguido por outros autores. O

enquadramento da audiência pode ser o mesmo enquadramento da mídia ou pode acontecer

justamente o contrário. William Gamson desenvolveu uma grande análise do conteúdo das

diversas mídias por um longo período, publicado em Talking politics, visando identificar o

discurso do público a respeito de quatro temas relacionados à política. Ele concluiu que os

trabalhadores entrevistados tinham discussões coerentes e a mídia, apesar de ser um dos mais

importantes meios de ter informação não foi o único utilizado. Existem limitações apontadas por

Mauro Porto em Enquadramento de mídia e política onde ele diz que o estudo de Gamson

ignorou o fato de as pessoas terem consumido o conteúdo ou não.

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AGENDAMENTO, ENQUADRAMENTO E O JORNAL A TARDE.

No dia 22 de Outubro de 2007, foi divulgada a fraude na produção do leite em algumas

cooperativas do país. Toda a mídia noticiava e alertava a população sobre os riscos do consumo

do leite adulterado. As matérias que serão analisadas foram publicadas no jornal A Tarde nos dias

23 a 26, 30 e 31 de Outubro e 1º de Novembro.

Foi possível observar que a denúncia da venda do leite com substâncias químicas

prejudiciais à saúde entrou na agenda do público desde o primeiro momento. Naquela semana o

jornal A Tarde publicou matérias sobre a fraude de terça a sexta, dedicando um grande espaço no

jornal para essas matérias. O veiculo fez entrevistas com consumidores do leite longa vida para

saber se eles confiavam no produto e, além disso estava sempre buscando a opinião de

especialistas da área de saúde e pessoas responsáveis por saber se o leite adulterado chegou aqui

na Bahia. Isso mostra que o tema ainda não tinha sido esgotado na mídia e a audiência buscava

mais informações.

O assunto obedece aos vários critérios de noticiabilidade, que analisam a possibilidade de

uma ocorrência virar notícia, mas, os que valem a pena serem destacados aqui é número de

pessoas envolvidas, o interesse dos leitores e o impacto sobre a nação. (VIZEU, 2007 p. 224 e

225). Um grande número de pessoas consome leite longa vida,é o mais consumido no país, e, ao

saber que o produto ingerido por eles poderia conter substâncias prejudiciais à saúde humana,

houve uma preocupação de todos em identificar a origem do leite adulterado e os possíveis locais

onde ele foi comercializado. A mídia então vai cumprir seu papel mantendo a cobertura com

informações novas para seus receptores, e o jornal A Tarde não vai fugir a regra.

A observação durante esses dias mostra que as matérias tinham a função de prestar

serviços à população, dizendo onde estava o leite adulterado, seus impactos sobre a saúde, as

providências tomadas pelas autoridades, etc.. Todas essas informações objetivavam fomentar

discussões na sociedade. Sendo assim fica claro que o jornal e a mídia em geral obtiveram êxito

quando colocaram na pauta da audiência os desdobramentos da Operação Ouro Branco, pois em

todos os lugares as pessoas procuravam informações e debatiam esse assunto. Entretanto o

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enquadramento do tema não foi diversificado, o jornal não procurou outras fontes e o

enquadramento pode ter sido produzido pelas fontes oficiais e não pelos jornalistas.

De maneira geral é possível observar que o jornal A Tarde se preocupou muito em

divulgar a fraude e alertar os leitores sobre os riscos do consumo do leite adulterado. Por isso em

todas as matérias analisadas existe algum profissional da justiça e da saúde. A cobertura deu

muito pouco espaço para as pessoas que foram presas, na verdade apenas em dois dias o jornal A

Tarde citou o depoimento do presidente da Coopervale, as outras 26 pessoas sequer foram

ouvidas pelo veiculo. Esse enquadramento seria classificado por Mauro Porto como um

enquadramento restrito, por que deu uma interpretação ao tema, mesmo com a presença de várias

fontes, pois estas sempre atacavam à irresponsabilidade daqueles que praticaram a fraude.

Entman nos indica quatro etapas que devem ser levadas em consideração quando se

pretende analisar o enquadramento de uma reportagem. Transportando essa idéia para analisar a

cobertura do jornal A Tarde, nos sete dias escolhidos, começo destacando qual a definição do

problema. Os objetivos da utilização de substâncias no leite consistiam no aumento do volume e

dos prazos de validade, consequentemente uma ampliação nos lucros. Sendo assim a definição do

problema seria econômico e moral. Tanto os donos das cooperativas que adulteravam o leite

quanto os fiscais do Serviço de Inspeção Federal, que deveriam ter identificado as alterações do

leite, agiram de má fé, não demonstrando a menor preocupação com os prejuízos a saúde dos

consumidores.

As causas publicadas pelo A Tarde são: a irresponsabilidade dos donos e funcionários das

cooperativas irregulares e a corrupção dos fiscais. Com o passar dos dias a cobertura sai do

âmbito da denúncia e passa a acompanhar as atitudes que serão tomadas pelos órgãos

fiscalizadores. Desde a noticia que falava da decisão da coleta nacional do produto para análise,

passando pelo dia que foi anunciada a proibição da venda de algumas marcas adulteradas, até

quando a Vigilância Sanitária da Bahia resolveu examinar todas as marcas vendidas no estado.

Quanto aos atores envolvidos, estão presentes nas matérias: as marcas envolvidas na

fraude, os órgão responsáveis pela fiscalização, os consumidores e as pessoas que foram presas.

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Entre os atores envolvidos o jornal ouviu representantes de todos os grupos que foram citados,

contudo o grupo que menos teve espaço foi o das pessoas presas, somente o diretor da

Coopervale teve seu depoimento citado em dois dias dos sete analisados, as outras 26 pessoas

sequer foram ouvidas ou tiveram seus nomes citados. Entretanto existiu a possibilidade de ouvir o

outro lado da história, pois as pessoas que foram presas logo foram soltas. Em contrapartida o

grupo que mais teve espaço na cobertura do jornal A Tarde foi o dos órgãos fiscalizadores, em

todos os dias havia representantes de um desses órgãos, entre eles estão: Anvisa (Agência

Nacional de Vigilância Sanitária), Abase (Associação Baiana de Supermercados), Procon, Divisa

(Diretoria de Vigilância Sanitária e Ambiental) entre outros.

As soluções do problema do leite seriam obtidas através da análise das amostras, da

identificação dos lotes e locais onde estes produtos estavam sendo comercializados para a

proibição da venda e a punição dos responsáveis pela fraude. Portanto os laboratórios,

examinando o leite, e a Anvisa junto com a Policia Federal ficariam responsáveis por retirar do

mercado os produtos adulterados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo tentei mostrar quais os possíveis motivos que levaram a Operação Ouro

Branco ter entrado na pauta da audiência. Percebi também que a PF conseguiu colocar seu

enquadramento na mídia, pelo fato de ser uma fonte oficial e os jornalistas precisarem seguir uma

rotina de produção diária, portanto dando preferências as fontes oficiais. Com o jornal A Tarde

não seria diferente, ele inicialmente qualificou o grupo das pessoas suspeitas como: quadrilha e à

medida que os dias passaram, e grande parte desse grupo já estava solto, portanto podia ser

ouvido, não mais foi citado nas matérias. Durante os dias de cobertura o enquadramento mudou

da denuncia da fraude para as soluções que seriam tomadas para proteger os consumidores dessa

e de outras fraudes. E o jornal tinha realmente que mudar o enquadramento por que não podia

ficar todos os dias da cobertura falando sobre a descoberta da fraude, já que novas informações

estavam sendo divulgadas. O problema é que a mudança do framing continuou não ouvindo o

outro lado da história.

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REFERÊNCIAS

BRUM, Juliana de. A Hipótese do Agenda-Setting: Estudos e perspectivas. Disponível em: <http://www.razonypalabra.org.mx/anteriores/n35/jbrum.html>.Acesso em: 2/11/2007 11h28min

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MACIEL, Betania e SABBATINI, Marcelo. Construção da realidade social, meios de comunicação e jornalismo científico na era da tecnociência: uma reflexão. Disponivel em: <http://www.ufrgs.br/gtjornalismocompos/doc2005/betaniamaciel2005.rtf>Acesso em: 2/11/2007 15h03min

PORTO, Mauro. Enquadramentos de Mídia e Política. In: RUBIM, Antonio Albino Canelas (org). Comunicação e Política: conceitos e abordagens, Salvador: Edufba, 2004, p. 74-104.

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VIZEU, Alfredo. O newsmaking e o trabalho de campo. In: LAGO, Cláudia e BENETTI, Márcia. Metodologia de pesquisa em jornalismo. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 223 - 236.

ANEXOS

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