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A “ORTODOXIA” DE ROSA LUXEMBURG. Soares, Sheila Aparecida Rodrigues. 1 RESUMO: O pensamento político de Rosa Luxemburg é comumente classificado de marxista ortodoxo. Outra interpretação porém, pretende mostrar que os escritos de Luxemburg é marcado por uma constante tensão mal resolvida entre um marxismo ortodoxo,carregado de um traço determinista, e uma outra noção de política, aberta às mudanças, às condições objetivas e subjetivas do momento histórico determinado.O trabalho se propõe à verificar tal tensão em seu pensamento, estabelecida pela questão de como conciliar uma teoria do colapso com a defesa da ação espontânea das massas.Esta problemática não deve ser analisada de maneira simplista se levarmos em conta que o pensamento de Rosa Luxemburg fora sempre apoiado no materialismo histórico, na unidade entre teoria e prática. Palavras chaves: ortodoxia, ação revolucionária, consciência, dialética. Todo autor é também produto de seu tempo, do contexto histórico, do ambiente cultural em que está inserido. O entendimento do contexto em que se inseria Rosa Luxemburg(1870-1919) 2 enquanto militante revolucionária litigante e de teórica do marxismo é essencial para uma justa inserção histórica da autora, que vá além das avaliações de caráter puramente instrumental ou até mesmo no sentido de desqualificação ou exaltação. Rosa Luxemburg foi considerada por muitos intelectuais de peso como pensadora e militante à frente de sua época. Isteván Meszáros(2002) afirma que “suas idéias radicais permaneceram desesperadamente fora de sincronia com sua época,[...] e mesmo com a nossa.[...] Tragédia de alguém cujo tempo ainda chegou.”(p.362) 1 Mestranda em Ciências Sociais pelo programa de Pós-Graduação da Unesp, campus de Marília. 2 Segundo as informações da obra de Ettinger (1986), Rosa Luxemburg nasceu na Polônia em 1870, imigrando em 1898 para a Alemanha, onde se integra à social-democracia mais forte daquele período. As contribuições teóricas de Luxemburg abrangem os campos da economia política e ciência política, além de sua vigorosa militância em prol da revolução proletária.Rosa Luxemburg é assinada em 1919, devido às suas idéias e atitudes revolucionárias.

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A “ORTODOXIA” DE ROSA LUXEMBURG.

Soares, Sheila Aparecida Rodrigues.1

RESUMO: O pensamento político de Rosa Luxemburg é comumente classificado de marxista ortodoxo. Outra interpretação porém, pretende mostrar que os escritos de Luxemburg é marcado por uma constante tensão mal resolvida entre um marxismo ortodoxo,carregado de um traço determinista, e uma outra noção de política, aberta às mudanças, às condições objetivas e subjetivas do momento histórico determinado.O trabalho se propõe à verificar tal tensão em seu pensamento, estabelecida pela questão de como conciliar uma teoria do colapso com a defesa da ação espontânea das massas.Esta problemática não deve ser analisada de maneira simplista se levarmos em conta que o pensamento de Rosa Luxemburg fora sempre apoiado no materialismo histórico, na unidade entre teoria e prática.

Palavras chaves: ortodoxia, ação revolucionária, consciência, dialética.

Todo autor é também produto de seu tempo, do contexto histórico, do ambiente

cultural em que está inserido. O entendimento do contexto em que se inseria Rosa

Luxemburg(1870-1919)2enquanto militante revolucionária litigante e de teórica do

marxismo é essencial para uma justa inserção histórica da autora, que vá além das

avaliações de caráter puramente instrumental ou até mesmo no sentido de desqualificação

ou exaltação. Rosa Luxemburg foi considerada por muitos intelectuais de peso como

pensadora e militante à frente de sua época. Isteván Meszáros(2002) afirma que “suas

idéias radicais permaneceram desesperadamente fora de sincronia com sua época,[...] e

mesmo com a nossa.[...] Tragédia de alguém cujo tempo ainda chegou.”(p.362)

1 Mestranda em Ciências Sociais pelo programa de Pós-Graduação da Unesp, campus de Marília.2 Segundo as informações da obra de Ettinger (1986), Rosa Luxemburg nasceu na Polônia em 1870, imigrando em 1898 para a Alemanha, onde se integra à social-democracia mais forte daquele período. As contribuições teóricas de Luxemburg abrangem os campos da economia política e ciência política, além de sua vigorosa militância em prol da revolução proletária.Rosa Luxemburg é assinada em 1919, devido às suas idéias e atitudes revolucionárias.

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Contrário à esse julgamento feito por Meszáros, expandiu-se principalmente a

partir da década de 20 do século XX, a idéia -de difícil superação- de que as colaborações

teóricas de Rosa Luxemburg estariam ultrapassadas. Segundo Brie (2004) seu

pensamento fora comumente taxado de “marxista ortodoxo”, no sentido dogmático do

termo, devido à sua defesa da teoria do colapso do capitalismo. Seguindo a linha de

raciocínio de Michael Lowy(1989) e Isabel Loureiro (2004), ao analisar a obra de Rosa

Luxemburg, parte-se do princípio de que há na teoria da revolucionária polonesa, uma

“tensão mal resolvida entre a defesa ortodoxa da teoria marxista e uma outra aberta e

inacabada” , de uma política sempre em transformação.

Embora admita-se esse lado “dogmático” de sua teoria, em parte explicado pelas

circunstâncias e limites da época, não se pode negar que Rosa Luxemburg esteve sempre,

fosse em sua teoria ou em suas atitudes, buscando novas soluções para os problemas que

apareciam no curso do desenvolvimento capitalista às organizações de esquerda em geral,

que visavam o objetivo socialista. Suas reflexões sobre as organizações socialistas,

conduzem a uma interpretação emancipadora da luta de classes no fim do século XIX e

início do XX, e ainda hoje, das lutas sociais em voga.

De acordo com Loureiro(2004) a questão da ação revolucionária é o principal fio

condutor nas obras de Luxemburg. Em torno de tal concepção se concentram importantes

questões como das massas, partido, consciência de classe. Esta importância dada por

Luxemburg à ação revolucionária das massas, é sua principal arma contra as críticas e

contra sua própria tendência ao determinismo e ao fatalismo. A teoria de Luxemburg é

marcada pelo pólo determinista e pelo pólo da autonomia, é o que Isabel Loureiro (2004)

chama de “dilemas da ação revolucionária”.

Luxemburg é considerada uma marxista clássica, porém, defende Brie (2004) que

o título não se refere à teoria marxiana em si, mas sim quanto à criação de idéias

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inovadoras, que visavam a teoria e a práxis de uma Realpolitik3revolucionária. Apesar de

seu vigor revolucionário e sua competência intelectual terem sido barrados, quando

ainda era jovem, em 1919 devido à sua morte, seu legado contêm premissas que nos

permite identificar, ainda hoje, a criação de germes socialistas na sociedade capitalista.

A inserção de Luxemburg, no complexo contexto da Segunda Internacional é

extremamente difícil, em partes devido à esses pólos contrastantes em seu pensamento.

Além disso surgem diferentes denominações que passam a ser dadas às diversas correntes

que se denominam marxistas, devedoras do método e análise marxiano, desenvolvido por

Marx e Engels.

[...] as diferenciações mostram leituras diversas de posicionamento diante da operacionalidade das análises marxistas em relação à ação política concreta dos seus diferentes leitores.[...] antes de surgirem distinções quanto a questões histórico-teóricas ou epistemológicas, tais diferenças decorreram muito mais das formas de propor o uso operacional, na ação política, dos resultados das análises marxistas.Bastaria retomar a célebre questão do revisionismo (Revisionismus-Debatte) para entender perfeitamente este ponto.(Bertelli,2000p.24.)

Há uma certa dificuldade em se perceber de imediato as significativas diferenças

quanto aos aspectos histórico-teóricos. Os embates se davam principalmente no campo

político, porém tal diferenciação existe justamente devido à própria análise histórico-

teórica. Esta tinha como objetivo fundamentar alternativas e estratégias políticas práticas,

deveria apontar a ação a ser operacionalizada.Tais fundamentos teóricos eram essenciais

na intervenção da realidade histórico-concreta em que se encontravam os muitos autores

marxistas. As identidades entre uma concepção e outra eram definidas pela direção que

cada uma delas propunha para ser posta em prática.Todas as correntes que se diziam

3 Termo utilizado por Michael Brie no prefácio da segunda edição do livro “Os dilemas da ação revolucionária”,2004, p.14 de Isabel Loureiro.

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devedoras de Marx, buscavam alcançar uma espécie de “marxismo puro”,

“original”,discriminando outros pensamentos como “desvios”, “vulgarização”, “falso

marxismo”. De qualquer forma, cada uma dessas interpretações trouxe alguma

contribuição, histórica-teórica, epistemológica, para a linha teórica geral marxista.

Rosa Luxemburg era polonesa, mudando-se para Alemanha em fins da década de

1890, rapidamente se torna militante do maior partido operário da época o S.P.D. (Partido

Social-Democrata Alemão) e causa polêmica no que ficou conhecido como Berntein-

Debatte, que já estava em curso naquela época. Luxemburg foi uma importante

intelectual, além de militante ativa da revolução proletária, que contribuiu com teorias no

campo da economia política e da política, em que dentre outras coisas refletem sua

posição acerca de como devem ser entendidas e postas em prática as organizações de

massa.

Na época da chamada “crise do marxismo” -que permeou fins do século XIX e

início do XX – em que se colocava a questão do reformismo, da revisão das premissas

marxianas (o Bernstein-Debatte), Rosa Luxemburg juntamente com Lênin formava o

núcleo principal do que Del Roio (2005) denomina de refundação comunista. Este foi o

período mais produtivo e tenso do pensamento produzido na II Internacional. Gerou as

bases teóricas principais para o posterior esfacelamento da organização e divisão do

movimento socialista internacional em: social-democracia (socialistas-democráticos) e

comunismo (socialistas revolucionários), que marcou decisivamente a esquerda em toda a

Europa, e pode-se dizer até em todo o mundo, desde então.

Esta primeira fase da “refundação comunista” consistia em resgatar a dialética

materialista de Marx, em fazer a crítica à fase imperialista do sistema capitalista, em

definir o papel do campesinato no processo revolucionário e por fim discutir a questão da

cisão com o reformismo. O espaço em que ocorreu a refundação comunista do início do

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XX, é justamente este complexo e vasto ambiente, isso partindo do ponto de vista do

movimento operário e da história do marxismo. A chamada refundação teórica do

comunismo se estende por diversas linhas que por fim se tornam indissociáveis.

Rosa Luxemburg, até o prelúdio da derrota do sistema de conselhos no curso da

Revolução Alemã, era contrária à cisão do movimento. Defendia que: “A completa

unidade do movimento operário sindical e socialista,[era] indispensável às futuras lutas

de massas na Alemanha[...]” (Luxemburg, 1979,p.74). A autora considerava que as

diferenças entre as vertentes deveriam ser resolvidas no interior do movimento, do

Partido Social-Democrata Alemão, neste caso. Porém, ao perceber a impossibilidade

deste caminho, devido à vinculação das instituições sindical e partidária dos

trabalhadores ao Estado liberal-burguês, passou a enfatizar a centralidade e a importãncia

da organização autônoma e antagônica da classe operária.

A Guerra foi um ponto decisivo para deixar claro as diversas posições

contrastantes na intelectualidade socialista, marxista. Rosa Luxemburg, que já vinha

percebendo os sinais de integração do SPD à ordem vigente, rompe, pelo menos por

enquanto teoricamente, com a direita e o centro do movimento social-democrata, que em

maioria votou a favor dos créditos de Guerra. Este episódio fez Rosa, que era contrária ao

apoio à Guerra, se distanciar definitivamente do teórico oficial do partido Karl Kautsky.

A questão concreta de 1914, a vergonhosa posição tomada pelo Partido Social Democrata

Alemão (S.P.D.), é que se propiciou a ruptura definitiva e o fim de ricos debates internos.

O termo “Marxismo da Segunda Internacional”, segundo Anderucci (1985) surge

nos anos da Primeira Guerra Mundial, período em que as Internacionais são dividas tal

como conhecemos hoje. Era um momento de luta política e ideológica marcada por uma

crise no movimento operário internacional, que sofre tanto continuidades como

rupturas.O termo se refere a um “marxismo ortodoxo”, típico dos dirigentes social-

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democratas, distorcido, vulgarizado. Muitos autores foram acusados de traidores do

marxismo, de não-marxistas; e se passa a colocar aspas em torno da palavra marxismo,

significando um pseudo-marxismo, quando referente à II Internacional. A II Internacional

ganhou a fama de ter produzido marxistas vulgares, e marxistas ortodoxos. Outra

expressão surgida nesta época e bastante utilizada para designar o “Marxismo da Segunda

Internacional”, é o termo “kautskismo”, devido ao fato de Kautsky representar o teórico

oficial da “ortodoxia” marxista na Segunda Internacional.

Na época da II Internacional estava em voga o chamado Bernstein-Debatte, e

uma de suas principasi linhas de discussão se referia à questão do colapso do capitalismo,

intrinsicamente ligado ai debate acerca da ortodoxia.Eram três os principais eixos de

raciocínio, que, segundo Bertelli (2000) se constituiam no Bernstein-Debatte em relação

à problemática da teoria do colapso. Primeiro os que aceitavam que as premissas

estabelecidas no esquema de reprodução de Marx sugeriam uma teoria do colapso, porém

não acreditavam que este fosse o caminho trilhado pelo capitalismo, já que as

transformações, especialmente as introduzidas pelos capitalistas, criavam novas formas

de adaptação do sistema, que iriam superar ou adiar indefinidamente um colapso total.

Nessa intrepretação admite-se uma revisão da teoria marxiana, que precisaria ser

completada e atualizada.

Outra posição abrangia a crença de que a teoria marxiana previa e configurava

uma teoria do colapso. Alguns reparos deveriam ser feitos, principalmente no que diz

respeito à questão de que o capitalismo analisado por Marx era puro, abstrato, não

existindo na realidade. Deste ponto de vista analítico, o capitalismo só teria como fim sua

própria ruína, se fosse um capitalismo mundial em estado puro. Como concretamente o

funcionamento do capitalismo tinha outros alicerces, poderia demorar mais do que o

esperado a chegada do colapso. Este, embora necessidade histórica, não estaria ainda na

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ordem do dia, principalmente devido aos setores não capitalistas que seriam submetidos à

força pelo capital, e se abririam novos mercados para a apropriação da mais valia. Porém

a chegada do colapso é vista como iminente,já que é descartada a possibilidade de uma

expansão ilimitada e eterna do capitalismo.

Por último havia a idéia de que, ao contrário das opiniões acima, não haveria em

Marx uma teoria do colapso. Estrutural e historicamente o capitalismo não trazia em si os

germes de um colapso. A passagem do sistema capitalista para o socialista só se realizaria

a partir da vontade política da classe operária, que por razões éticas e políticas poderia

encontrar apoio para que a sociedade capitalista fosse superada.

A questão de tais diferenças interpretativas da obra de Marx remetem à dois

pontos da análise marxiana. O ponto metodológico consiste em verificar se Marx se

debruçou em uma realidade existente ou em uma “abstração”, do capitalismo em estado

puro, para a análise da realidade. Surge aqui a questão do método dialético defendido por

Marx , que se baseia relação entre concreto e abstrato, fenômeno e essência. A outra

problemática diz respeito à epistemologia, ou seja, o sentido teórico-prático da

possibilidade de uma intervenção no fenômeno real, histórico, do ponto de vista do

conhecimento.Bertelli afirma que o mais importante não a certeza de uma teoria do

colapso em Marx, mas de lembrar que para ele tratava-se de continuar uma análise

histórica do desenvolvimento da organização social da humanidade, que desse conta dos

problemas enfrentados pela classe operária no curso de sua missão revolucionária.

Marx deu continuidade às análises iniciadas pelos economistas burgueses

clássicos, como Say, Mill, Smith, Ricardo, mostrando como essa tradição explicara o

surgimento e o desenvolvimento do capitalismo. Em sua análise desta linha teórica Marx

demonstrou que a forma de produção capitalista surge historicamente dentro de um

desenvolvimento econômico determinado da humanidade. Este tinha outras formas de

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produção hegemônicas, que atendiam às exigências da época, pelo fato de que cumpria,

diferentemente da forma imediatamente anterior de produção, condições e necessidades

que iam sendo colocadas pelo curso dos acontecimentos.

Alguns pensadores, que continuaram na linha de pensamento da economia

clássica, enxergavam a forma capitalista de produção como a forma ideal e definitiva de

produção.É o que se verifica na teoria de Bernstein, que cede à essa idéia. Porém a visão

marxiana, era de que a forma capitalista de produção, assim como as anteriores, era

temporária e poderia ser superada. Marx abalou a estrutura teórica da economia burguesa

com sua crítica da economia política, que parte da historicidade dessa forma de

sociedade, que teve um início, um desenvolvimento, podendo chegar à seu fim. Tendo

em vista este conhecimento torna-se mais claro onde e como a ação consciente dos

homens poderá intervir para superar tal sistema de produção.

A análise da trajetória da social-democracia alemã e da II Internacional à ela

interligada, remete à questão das reais funções de suas instituições, do partido e dos

sindicatos num processo revolucionário que tem por objetivo a emancipação da classe

trabalhadora. A capacidade em desenvolver uma ação revolucionária que respondesse às

novas necessidades que iam sendo postas pela transformação no seio do sistema

capitalista, ao mesmo tempo que não se distanciasse de uma metodologia, que baseada

em Marx, mantivesse sempre a unidade dialética entre teoria e prática, determinaria o

sucesso dessa empreitada.

A configuração histórica do fim do século XIX e início do XX mostrava os

elementos de uma nova fase do capitalismo, o imperialismo, em que o sistema

aparentemente conseguia senão superar, amenizar suas contradições. Porém juntamente

com isso se observa um grande avanço na força e organização do movimento operário

socialista, que em decorrência dessas mudanças se vê diante da questão da necessidade

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ou não de uma revisão ou de que tipo de revisão, da teoria que representava seu guia

teórico e prático: o marxismo.

Um equívoco teórico na leitura e interpretação das análises de Marx sobre o

desenvolvimento da sociedade capitalista, levou, segundo Bertelli (2000) a erros

fundamentais na avaliação das reais possibilidades que o modo de produção capitalista

tinha de se reinventar, a fim de concluir sua meta final intrínsica e objetiva de sua razão

de ser, que é a produção de mercadorias. A idéia de que somente a ação política do

proletariado organizado na social-democracia, seria suficiente para a derrubada do modo

capitalista de produção e da sociedade burguesa prevaleceu na social-democracia da

época, que acaba por subestimar a força de resistência e de criação de novos meios de

existência da sociedade capitalista de produção. Era grande a crença, e Rosa Luxemburg

definitivamente não escapa à isso, de que as “leis de bronze” da história, trariam o

colapso inevitável do capitalismo.

A formação da ortodoxia social-democrata alemã.

“[...] dizemos apenas que a luta de classes é uma lei da evolução social. Não somos responsáveis por ela. Não é uma invenção nossa.Limitamo-nos a explicá-la, como Newton explicava a lei da gravidade”Jack-London.

A linha de pensamento expressa por London foi recorrente na cultura socialista da

época da II Internacional. Altrelado à essa idéia evolucionista do processo histórico está a

crença de que o processo da luta de classes seria incontrolável, fruto da necessidade

histórica. Estas concepções, presentes nos escritos marxistas deste período empobreceram

a rica relação dialética entre necessidade e liberdade. O dualismo, diferentemente do

princípio dialético se afasta dos elementos essenciais do “socialismo científico”.

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Segundo Korsch4, essa ideologia quebrava a unidade original do marxismo

transformando-a em ideologia da social-democracia alemã, decompondo a totalidade

concreta marxiana em uma série de elementos sem uma complexa e dialética conexão

entre si. A teoria do valor, o materialismo histórico e a teoria da luta de classes se

reduzem a partes de um corpo irreconhecível e não raramente subordinados aos fins

práticos. O revisionismo e a crença na teoria do colapso inevitável do capitalismo são

características importantes dessas distorções. Woltmann5, afirma que não encontra-se

indícios da teoria do colapso do capitalismo nas obras de Marx. Esta concepção, segundo

o autor aparecia apenas em Engels e nos “chamados marxistas”.

Nas últimas duas décadas do século XIX a teoria marxista diante das exigências

práticas do movimento operário, absorvem elementos fatalistas, mecanicistas e

deterministas. Essa forte influência é percebida na “filosofia da práxis” dos partidos

socialistas, dos publicistas da imprensa do partido, dos propagandistas. Nesta mesma

época as obras de Haeckel, Darwin e Spencer foram produzidas em sínteses. A

simplificação cientificista do marxismo pode ser olhada pelo ângulo do contato com esses

autores. A atmosfera dessas obras era muitas vezes aproximada à Marx. As publicações

de Engels, o Anti-Duhring e Do socialismo utópico ao socialismo científico, obtiveram

uma função de sistematização dessas associações, que não eram esperadas por ele.

Engels, no Anti-During, acaba incentivando essa ligação, ao dizer que: “Marx descobriu

as leis do desenvolvimento da história humana, tal como Darwin descobriu as leis de

desenvolvimento da natureza orgânica”(1970). Esse trecho de Engels reflete o espírito

dessa geração.

4 Apesar deste autor também não escapar à tendência determinista.5 Ao intervir no Congresso Social-Democrata Alemão, em Hannover, ano de 1889.

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Se desenvolve dentro desse contexto uma ortodoxia marxista no interior do mais

forte partido da II Internacional. No o fim da década de 70 do século XIX o marxismo se

organiza enquanto uma visão política do mundo. A publicação do livro de Engels, o Anti-

During, que configurava a primeira exposição geral e sistemática das teorias marxianas

contribui muito para a formação desta ortodoxia, e ainda: “contribuiu para tornar

acessível a amplos estratos do partido o grandioso mundo do pensamento marxista, até

agora pouco compreendido, e condicionou seus desenvolvimentos

subsequentes”(STEIBERG, 1985)). A partir desta obra é que se forma uma “escola

socialista”, o movimento operário passa a ter um acesso mais fácil à concepção

materialista da história. A ortodoxia marxista se formou em meio a um ambiente

específico, acontecimentos e influências determinadas que interferem na análise do

fenômeno:

A formação de uma ortodoxia marxista e seu vínculo com o movimento operário alemão e internacional tiveram lugar e condições históricas particulares, que devem ser analisadas, se se quer compreender a natureza específica dessa ortodoxia marxista, substancialmente associada ao nome de Kautsky. Condições que são formadas pelo longo período de crise que atravessou a economia capitalista; pela repressão estatal à classe operária ligada à essa crise e que culminou nas leis anti-socialistas; pela influência do livro de Engels o Anti-Dhhring sobre toda uma geração de jovens intelectuais socialistas que por sua vez sofriam o efeito determinante da ciência da época e sobretudo do darwinismo.( STEINBERG, p.1985,p.208)

A ortodoxia que se forma nos quadros do S.P.D. passa a ser o pensamento

dominante de todo o movimento operário, influenciando internacionalmente suas

diretrizes. Segundo Korsch:

Pode-se dizer que o ‘recebimento do marxismo’, aparente e ideológico, mediante a ortodoxia marxista e especialmente o kautskismo, por parte do movimento operário alemão e

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internacional dos anos 70, 80 e 90 do século XIX, significou nas condições objetivas e subjetivas de então, efetivamente um enorme progresso para o desenvolvimento da consciência de classe do movimento operário moderno.(KORSCH, s.d.)

Apesar deste grande avanço, no sentido da consciência de classe operária

proporcionado pela difusão das teorias marxistas principalmente após o Anti-Duhring,

para Steinberg(1985) a obra de Engels foi crucial também para o aparecimento de

distorções características do marxismo da Segunda Internacional. Ao fazer referência à

obras das ciências naturais, em especial à teoria da evolução, a fim de confirmar a

validade do materialismo histórico, Engles abre uma brecha para interpretações

positivistas do marxismo. Essas leituras evolucionistas das elaborações marxianas

acrescidas da forte influência do darwininsmo nos jovens intelectuais da época,

resultaram na crença de que o determinismo econômico, que rompe uma síntese dialética

entre relações econômicas e prática política revolucionária, era fundamental na teoria

econômica de Marx. Segundo Gramsci, a fase subalterna em que se encontrava o

movimento operário somado ao encontro cotidiano com o darwinismo deram à filosofia

da práxis um “aroma ideológico imediato”, uma “forma de religião”.

No programa de Erfurt em geral, bem como em diversos escritos de Kautsky, o

que em Marx é presente de maneira tendencial, como princípio dinâmico do capitalismo,

passa a ser entendido como uma “lei histórica” válida universalmente. O princípio

dialético do movimento histórico é distorcido, e a revolução socialista vista como natural,

uma questão de evolução para a qual o proletariado deveria se preparar através da

organização. Essa concepção, que influencia também a revolucionária Rosa Luxemburg

foi decisiva em seus primeiros escritos, e consituiu uma tendência ao longo de suas obras.

Ao pensar a ação que deveria ser seguida, a social-democracia alemã incorporou

muitas vezes esse pensamento determinista e evolucionista afirmando que:

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Nossa tarefa não é a de organizar a revolução, mas de nos organizarmos para a revolução; não a de fazer a revolução, mas de nos utilizarmos dela.(LUXEMBURG,1999)

Pode-se perceber então uma complexa desarmonia entre a crítica da economia

política e a ação do movimento social-democrata, que se reflete na análise de questões

fundamentais como a teoria do colapso do capitalismo e a teoria das crises do

capitalismo, ambas intrínsecas à teoria marxiana. A linha de pensamento seguida por

Korsch, entre outros, defendia que estaria no materialismo histórico todas as indicações

sobre as condições necessárias, para que a social-democracia traçasse seu programa

político. Segundo Luxemburg o marxismo servia como prevenção para ilusões e

surpresas.

A teoria marxista pôs nas mãos da classe operária do mundo inteiro uma bússola que lhe permita encontrar o seu caminho no turbilhão dos acontecimentos de cada dia e orientar sua tática de combate em cada hora, na direção do intuito final, imutável. (LUXEMBURG, 1979)

Korsch explica a questão de não ter havido grandes avanços na teoria marxista,

dizendo que:

[...] não porque nós, na luta prática ‘superamos’ Marx, mas ao contrário, porque Marx, na sua criação científica, nos superou de antemão com o partido de luta prático, não porque Marx não baste mais para as nossas necessidades, mas porque as nossas necessidades ainda não são suficientes para o aproveitamento das idéias marxistas.(KORSCH,s.d.)

Tanto a citação de Korsch como a alegação de Luxemburg abrem brechas para

que seja notado o elemento determinista de seus pensamentos. Lênin em sua batalha

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teórica contra Kautsky e Plekanôv, afirmava que a direção da social-democracia alemã

fora responsável por ter “envilecido e desnaturado o marxismo”. Defendia ainda que a

diferença entre o legado organizativo da II Internacional em geral e da social-democracia

alemã em particular era a traição por parte dos chefes oportunistas alemães. Kautsky, se

destacava na análise de Lênin por deformar o marxismo, primeiro atenuando e depois

repudiando o caráter revolucionário da teoria marxista. Lênin estabelece três correntes

principais que conviviam no interior da Segunda Internacional: os oportunistas, tanto os

seguidores de Bernstein quanto os independentes dele que seguiam uma política marcada

pelo pragmatismo reformista; a esquerda, com os bolcheviques à frente; e os “ortodoxos”,

que foram pouco a pouco em direção à paralisia, e que tinha Kautsky como figura central.

Incluo também aqui uma nova esquerda, intitulada de New Linke, que se desenvolve

entre 1910 e 1914, tendo Rosa Luxemburg e Panekoek, como principais representantes. É

porém apenas com a polêmica da guerra que essas diferenciações se concretizaram

Para Korsch era evidente a “infidelidade” política da II Internacional à

Realpolitik revolucionária elaborada por Marx e Engels. Esse marxismo difuso muitas

vezes tomava a forma de religião perdendo elementos revolucionários e práticos políticos

por um radicalismo negativo. Gramsci é outro importante teórico marxista que se

pergunta com que mecanismos a filosofia da práxis havia adquirido um caráter

determinista e fatalista. E coloca que:

Quando não se tem a iniciativa na luta e a própria luta acaba por se identificar com uma série de derrotas, o determinismo mecanicista torna-se uma força formidável de resistência moral, de coesão, de paciente e obstinada perseverânça. ‘Fui momentaneamente derrotado, mas a força das coisas trabalham a meu favor, a longo prazo,etc’. A vontade real se traveste num ato de fé, numa certa racionalidade da história.(Gramsci,2004)

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O surgimento do movimento social-democrata -que se deu em espaço geográfico

pequeno- e depois seu impressionante crescimento, principalmente na Alemanha, além da

organização da classe operária em sindicatos , eram alguns dos reflexos do ponto de vista

da ação política, desta nova configuração socio-política. Era otimista a crença de que a

classe operária organizada, agora constituindo senão a maioria, uma enorme parte da

sociedade, poderia desempenhar importantes ataques contra o inimigo burguês. Uma

nova situação política se colocava, e apesar do fortalecimento do imperialismo, para o

pensamento oficial e majoritário da II Internacional, eram as “leis objetivas da história”

atuando cada vez mais em prol do surgimento inevitável de uma situação revolucionária,

capaz de “dar”ao proletariado a possibilidade da conquista do poder.

Esse otimismo fora incentivado ainda mais pelas grandes conquistas do partido

social-democrata alemão na época. Havia uma certeza quase inabalável quanto à tal

caminho, pelo menos em relação ao nível político, da superestrutura. Porém era

imprescindível que tal direção se desenrolasse também no campo econômico, da

produção; visto que o capitalismo havia mudado sua forma desde a época da criação do

“socialismo científico”.

O debate se inicia oficialmente com a publicação das premissas de Bernstein, que

ataca exatamente essa ortodoxia presente na maioria dos pensadores social-democratas da

época, que acabavam por vezes caindo num determinismo econômico. As tensões e

divergências, originadas com o Bernstein-Debatte criam polêmicas ainda na

contemporaneidade. Até décadas ou mesmo séculos depois, as grandes linhas de

discussão do Bernstein-Debatte não foram superadas. Na Alemanha, o período do

Bernstein-Debatte fez crescer a subestimação à resistência do regime burguês. No início

dos anos 80 do século XIX, Bebel(1881) escreve à Engels que:

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Se- como não há razão para duvidar- as coisas continuarem a se desenvolver nessa direção, considero possível que, em certo momento, as classes dominantes terminem po ser lançadas num estado hipnótico e deixem as coisas seguir seu curso, sem quase opor resistência(...) A condição é que o desenvolvimento possa chegar à plena maturação, sem ser disturbado por incidentes imprevistos e que a explosão não ocorra prematuramente.(IN: WALDENBERG, 1985,p.212)

A “adaptação” da teoria elaborada por Marx e Engels perpassava por essas

contradições em associar o positivismo com o marxismo. Kautsky, no processo de

conhecimento da doutrina marxiana em fins da década de 1870, afirmava ter encontrado

no monismo de Haeckel uma “concepção unitária do mundo”. Kautsky acabava por

inserir a sociedade numa visão de mundo monista, e acreditava que tal concepção ajudava

a solucionar contradições sociais entre dominados e dominadores, entre capitalistas e

trabalhadores e entre trabalhadores braçais e trabalhadores intelectuais. Finalizadas tais

dualidades o “progresso da humanidade” rumaria facilmente para o “objetivo final”, do

“puro comunismo”.

Nem todas es especulações acerca da teoria do colapso do capitalismo produzidas

nesta época tiveram como base os textos de Marx. O pai do socialismo negara sim que o

capitalismo poderia se expandir ilimitadamente, afirmando que a revolução socialista era

necessária. Porém Marx não discorre sobre um colapso econômico determinado.A

revolução ocupava papel fundamental nas concepções de Marx e Engels. Era vista

enquanto problema histórico do desenvolvimento da humanidade, que asseguraria que o

proletariado cumprisse sua missão de superar o capitalismo.

Os jovens intelectuais deste tempo procuravam nas formulações de Marx e

Engels, nas ciência sociais uma concepção geral e unitária do mundo capaz de fornecer

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uma “filosofia da história” no sentido exato do termo. Os principais difusores do

chamado “marxismo puro”, que refletiu para toda Europa na década seguinte, nos anos de

1880 foram intelectuais de peso da social-democracia alemã, como Kautsky, Bebel,

Bernstein, etc. Esta teoria superava outras naquele momento por dar conta dos fenômenos

que estavam em voga como a crise econômica, o acirramento da luta de classes e a

função do Estado como instrumento de opressão da classe burguesa. A classe operária

acreditava no fim de sua condição de miséria, e apoiou a ortodoxia marxista.

Nos artigos publicados na New Zeit nos anos 80, percebe-se uma maior influência

das ciências naturais e do darwinismo do que da própria teoria marxiana. O grande

dilema do socialismo internacional centrava-se na questão de que alguns postulados

básicos da ortodoxia marxista firmados no programa de Erfurt, haviam sido determinados

pela experiência da crise capitalista. Quando o capitalismo retoma seu ritmo, aumentando

sua prosperidade, baseado na concentração monopolista, dá provas de que é capaz de

resistir e se integrar. O próspero desenvolvimento capitalista após a crise da década de 90

derruba as esperânças de um colapso num curto espaço de tempo. Essa nova configuração

choca o movimento operário, causando uma grave crise no campo teórico social-

democrata, marcada como “crise do marxismo6”.

Porém conforme iam surgindo novos fenômenos, destacando-se o imperialismo e

suas implicações, ficava claro a incapacidade da corrente ortodoxa em desenvolver um

instrumental de luta política adequado às condições. Este “calcanhar de aquiles” da

ortoxia social-democrata foi o principal ponto atacado pelas críticas das outras correntes

que disputavam influência no partido, os revisionistas pela direita, e a crítica radical pela

6 Todavia, concordando com a visão de Steinberg, acredita-se que a crise se deu mais na linha ortodoxa do marxismo do que nos escritos marxistas em geral.

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esquerda. A ortodoxia se enquadra num centrismo estático, e não consegue rebater as

críticas lançadas à seu quietismo e determinismo. Os revisionistas e a a esquerda, cada

um a seu modo, tentam a formulação e aplicação de novas estratégias7 de acordo com as

mudanças ocorridas desde a época de Marx.

Rosa Luxemburg no início de sua atuação na social-democracia alemã, se

posiciona na mesma vertente de Kautsky, ortodoxa, principalmente no sentido da defesa

da teoria do colapso do capitalismo contra o revisionismo de Bernstein. A idéia de

Luxemburg, correspondente à essa corrente era de que o que distingue o marxismo do

reformismo gradualista “é o conceito dum colapso, duma catástrofe social...dum

cataclismo”(1979)

A acumulação terá que deter-se.Já não poderão operar-se a realização e a capitalização da mais-valia...e a isso segue-se inevitavelmente o colapso do capitalismo como necessidade histórica objetiva.(LUXEMBURG,1979)

No texto A acumulação do capital, Luxemburg busca fornecer um fundamento

teórico rigoroso ao argumento do colapso do capitalismo.Rosa não faz muitas referências

sobre as formas concretas de luta do proletariado nesta obra, mas mesmo assim coloca

que os limites da acumulação do capital são limites teóricos que não chegarão a ser

concretizados na realidade, já que a ação consciente das massas, acelerará o processo

revolucionário. Apesar desta afirmação Luxemburg não invalida sua posição de que os

limites puramente econômicos da sociedade capitalista irão impreterivelmente conduzi-la

a uma situação em que independente das massas , entrará em colapso.

Em consequência das suas contradições internas, o capitalismo move-se em direção a uma situação em que entra em desequilíbrio, em que pura e simplesmente se torna inviável...a

7 Como ressalta Waldenberg, o uso do termo “estratégia política” não era comum neste contexto, mesmo ao se referir à uma política à longo prazo, a palavra “tática” era usualmente empregada.

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crescente anarquia da economia capitalista conduz inevitavelmente à sua ruína. (LUXEMBURG, 1999, p.70)

Porém, desde a época de Reforma ou Revolução?, é visível a distancia entre seu

pensamento e a estratégia política proposta pelo teórico oficial do S.P.D., traço que se

intensifica posteriormente. A perspectiva fatalista crê que as leis do desenvolvimento

capitalista teriam apenas um desfecho possível, o colapso econômico do capitalismo e a

revolução socialista. A idéia era de que as mesmas leis de bronze da economia que

originariam o colapso do capitalismo, dariam origem também às ações de massa, no

sentido de que apenas a força, a própria dinâmica da história bastariam para solucionar

problemas teóricos e políticos. Tal perspectiva fatalista e economicista não corresponde,

pelo menos não integralmente à concepção de Rosa Luxemburg. Loureiro(2004) afirma

que é importante tal disitinção para o debate do caráter determinista e fatalista na teoria

de Luxemburg. Apesar de fazer parte desta vertente que defende o colapso na medida em

que intrepreta o marxismo como unidade e prática e por dar à consciência de classe papel

central em sua teoria política, afasta-se do determinismo economicista que a rodeia.

Luxemburg, ataca em diversos momentos esse caráter estático da direção social-

democrata. Rosa, principalmente após 1910, critica o modo como Kautsky enxerga o

processo histórico, devido à sua teoria não levar em conta “síntese marxiana do

determinismo econômico e do ativismo político”. Kautsky afirma ainda que a ação

humana no processo revolucionário se torna desnecessária já que a revolução social é

resultado natural das contradições do capitalismo, que será dissolvido por suas próprias

contradições internas. Em Reforma ou Revolução?, Luxemburg afirma que:

[...] o atual procedimento da Social-Democracia não consiste em ficar à espera que os antagonismos do capitalismo se desenvolvam para passar, então, e só então, à tarefa de suprimir.

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Pelo contrário, a essência do procedimento revolucionário consiste em guiarmo-nos pela direção que toma esse movimento e uma vez determinada tal orientação em inferir dela consequências necessárias para a luta política.(LUXEMBURG, 1971, p.71)

Apesar de Luxemburg considerar o colapso do capitalismo como uma fatalidade

já prevista por Marx, afirma também que a criação do socialismo precisa de uma luta

política consciente por parte da classe operária. Nesta passagem Rosa Luxemburg aponta

tanto para a infidelidade da teoria revisionista quanto critica a posição da ortodoxia do

S.P.D., trecho em que inclusive distancia sua teoria do quietismo de Kautsky.

Certamente o verdadeiro marxismo está tão longe da superestimação unilateral do Parlamento quanto da concepção mecânica da revolução e da superestimação da assim chamada inssurreição armada.(LUXEMBURG, 1975)

O socialismo carecia de uma base objetiva, as contradições do capitalismo, mas

também da tomada de consciência da classe operária quanto à necessidade da revolução.

Este eixo lógico perdura nos escritos de Rosa. Mesmo em suas obras mais deterministas

Luxemburg afirma que a passagem para o socialismo só se realizaria com o

“conhecimento subjetivo, por parte da classe operária, da inelutabilidade da supressão da

economia capitalista por meio de uma revolução social”.(LUXEMBURG) A revolução

não seria um acontecimento automático, em sua concepção.

Possuir a arma da ciência aparecia ao movimento operário como pré-requisito

natural de sua própria luta pela emancipação. A educação proletária, a tomada de

consciência revolucionária é imprescindível para uma ação bem sucedida do movimento.

Segundo Hermann Gorter:

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A social-democracia não dirige apenas uma luta econômica e política. Não. Ela conduz também uma luta de idéias, defende uma concepção de mundo contra as classes proprietárias. O operário que deseja contribuir para a derrota da burguesia e levar sua própria classe ao poder deve superar dentro de sua cabeça(idéias) que foram inculcadas desde a juventude pela igreja e pelo Estado. Não basta que ele se inscreva no partido e no sindicato.(In: ANDREUCCI, 1985,p.45)

A posição de Luxemburg de que a conquista do poder pelo movimento social-

democrata não garantiria que a revolução saísse vitoriosa, foi polêmica no seio do S.P.D.,

colaborando para a marginalização de suas idéias na organização. Rosa enxergava que: “a

revolução é acima de tudo, uma mudança radical profunda nas relações sociais de

classe”. (LUXEMBURG,1991,p.42) A revolução teria a função e a capacidade de

transformar a consciência e assim a atitude das pessoas. O conhecimento da massa quanto

às suas tarefas e caminhos é uma condição histórica para a ação revolucionária.Para

Luxemburg deve ser superada a oposição entre uma minoria de ‘chefes’, que determinam

todo o processo de luta e a maioria, a massa, ‘ignorante’ que obedece. O papel dos

dirigentes social-democratas consiste em esclarecer a massa sobre suas tarefas históricas.

Ao contrário de Kautsky Luxemburg considera que para Marx, o homem de ação

e o homem teórico estão intrinsicamente ligados. Segundo Loureiro(2004) a autora busca,

mesmo no texto de O Capital o aspecto prático, revolucionário de sua doutrina. Para

Rosa, em qualquer que seja a conjuntura é a unidade entre teoria e prática que constitui o

materialismo histórico. O marxismo não existe sem esses elementos, a análise crítica , o

método histórico como teoria; e a “vontade ativa da classe operária”, como elemento da

prática revolucionária. Essa vontade, essa atitude revolucionária, foi na conclusão de

Luxemburg exatamente o que faltou à política oficial do S.P.D.

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A teoria de Luxemburg baseava-se, assim como a de Kautsky na crença de uma

tendência histórica inevitável que impunha o crescimento das contradições entre o caráter

social das forças produtivas e as relações capitalistas de propriedade e poder. A visão da

autora era de que:

O socialismo não é de modo algum uma tendência inerente à luta quotidiana da classe trabalhadora; ele é inerente apenas às contradições crescentes da economia capitalista e da compreensão subjetiva da classe trabalhadora acerca da inelutabilidade da supressão da economia por meio de uma transformação social.( LUXEMBURG, 1999)

Apesar da análise de Luxemburg considerar a teoria do colapso do capitalismo e

a inevitabilidade da revolução como premissas verdadeiras, a autora também considera

que a ação do proletariado é imprescindível para desencadear tal processo. A

recionalidade histórica é apenas uma possibilidade teórica sem a ação revolucionária, a

atividade consciente da classe operária é que torna o socialismo uma possibilidade

prática.

O homem não faz a história segundo sua própria vontade, mas, no entanto, faz a história. Nas suas ações, o proletariado está dependente do grau de maturidade que a evolução social atingiu. Mas, mais uma vez, a evolução social não é um fato independente do proletariado; é, igualmente, tanto sua força motriz e sua causa, como o seu produto e seu efeito. E embora não possamos saltar por cima de um período do nosso desenvolvimento histórico tal como um homem não pode voar por cima de sua sombra, está ao nosso alcance acelerar ou retardar esse desenvolvimento...A vitória final do proletariado socialista...nunca se consumará se a chama ardente da vontade consciente das massas não brotar das condições materiais que tiverem sido construídas pelo desenvolvimento precedente. O socialismo não virá como um maná dos céus. Só pode ser ganho por meio de uma longa cadeia de lutas poderosas em que o proletariado, sob a direção da Social-Democracia, aprenda a tomar conta do leme da sociedade para deixar de ser uma

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impotente vítima da história e se tornar seu guia consciente. (LUXEMBURG, 1975,p.21-22)

Dessa forma uma significativa diferença entre Rosa Luxemburg e a ortodoxia

social-democrata alemã aparece na importância que a marxista polonesa dá à questão da

consciência e da ação revolucionária das massas. Tais elementos foram constantemente

desprezados no pensamento do marxismo da II Internacional.

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