A Palavra Poesia Em Bakhtin

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    Lnguas e Instrumentos Lingutiscos N 33 - jan-jun 2014

    A PALAVRA POESIA EM BAKHTIN1

    Adilson Ventura da Silva

    UESB

    Resumo: Este artigo traz uma anlise enunciativa da palavra poesia

    na teorizao de Bakhtin sobre a linguagem. Ventura parte da

    discusso do lugar que a poesia ocupa na teorizao de Bakhtin para

    ento observar as determinaes da palavra ao longo de textos do

    autor, o que lhe permite caracterizar o tratamento da poesia como

    gnero e refletir sobre os lugares da lngua e do autor na sua produo.

    Abstract: This article brings an enunciative analysis of the word

    poetry in Bakhtin's theorization on language. Ventura starts with the

    discussion of the place poetry occupies in Bakhtins theorization to go

    on to observe the determinations of the word throughout some texts of

    Bakhtin. This movement allows him to characterize the treatment of

    poetry as a genre and to reflect on the places of the language and the

    author in its production.

    Introduo

    O nosso interesse ao produzir este artigo pesquisar e discutir a

    relao entre a poesia e as cincias da linguagem. Entendemos que a

    poesia um fato importante de linguagem e, por isso, nos interessamos

    em estud-la a partir de um lugar terico diferente da literatura. Com

    isso pensamos poder contribuir muito para os estudos lingusticos e,

    alm disso, contribuir tambm para os estudos literrios. Assim, em

    nosso doutorado (SILVA, 2012), observamos o modo como alguns

    autores consideram a poesia, levando em conta o que discutem ou

    silenciam sobre a poesia e tambm os sentidos que esta palavra assume

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    Lnguas e Instrumentos Lingutiscos N 32 - jul-dez 2013

    nos textos, nos colocando no lugar terico da Semntica do

    Acontecimento.

    1. A teoria bakhtiniana

    Ao entrar em contato com a obra de Bakhtin, temos inicialmente

    uma questo: ele era um linguista? Seguramente no, no sentido mais

    usual desta expresso. Os interesses de Bakhtin giram muito

    especificamente sobre o texto literrio e a partir disso que ele acaba

    por se interessar por uma certa teorizao sobre a linguagem e sobre o

    texto. Assim ele se interessa por aspectos que podemos colocar como

    do domnio das cincias da linguagem. E nesta medida que ele vai nos

    interessar aqui neste estudo que procura discutir o lugar da poesia nas

    cincias da linguagem. Essa escolha se deu porque Bakhtin produziu

    muitas obras importantes relacionadas aos estudos da linguagem de

    uma forma geral, passando das relaes entre a lngua e os estudos

    marxistas, os quais podemos conferir na obra Marxismo e Filosofia da

    Linguagem (2006)2, em que o autor estabelece problemas e hipteses

    em relao a questes da luta de classes presentes na linguagem, at a

    estudos da potica, os quais podemos ver em Esttica da Criao Verbal

    (2000) e Problemas da Potica de Dostoivski (1981). Sendo assim,

    esse pensador da linguagem de grande importncia para a lingustica

    quanto para os estudos literrios em geral, pois a obra deste autor se

    coloca como precursora dos estudos do discurso e do texto que se

    desenvolvem atualmente, j que ele coloca o texto como fulcro, como

    lugar central de toda investigao sobre o homem (BARROS, 2005,

    p.28). Ou seja, a partir de seus estudos sobre o texto, muitas linhas de

    pesquisa lingustica se desenvolveram, retomando e redefinindo alguns

    de seus conceitos. Dentre esses linguistas, temos O. Ducrot, que se

    apropria livremente do conceito de polifonia para a elaborao de seus

    estudos sobre a Argumentao na Lngua.

    Assim, para termos um pequeno panorama do pensamento deste

    autor, no iremos fazer um estudo exaustivo de sua teoria e sim

    discutiremos alguns de seus conceitos, para nos situarmos em sua teoria

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    para levantarmos algumas consideraes do que seja a poesia em seu

    pensamento. Como lugar de entrada para as nossas reflexes sobre

    Bakhtin, temos a sua questo sobre o modo como se d a criao

    ideolgica na teoria marxista. Levando em conta essa questo, Bakhtin

    coloca a necessidade de se estabelecer um dilogo entre a filosofia da

    linguagem e a teoria marxista, j que, para ele, Tudo que ideolgico

    possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo. Em

    outros termos, tudo que ideolgico um signo. Sem signos no existe

    ideologia (BAKHTIN, 2006, p.31). Ou seja, para se estudar a ideologia

    necessrio estudar a linguagem, pois nessa que, devido ao seu

    carter simblico, se encontra a ideologia, em contraste a qualquer

    corpo fsico, que vale por si mesmo, a menos que ganhe um simbolismo,

    o que s acontece atravs da linguagem. E, nessa relao, aparece a

    questo de valorao do signo (e da ideologia), uma vez que

    Um signo no existe apenas como parte de uma realidade; ele

    tambm reflete e refrata uma outra. Ele pode distorcer essa

    realidade, ser-lhe fiel, ou apreend-la de um ponto de vista

    especfico, etc. Todo signo est sujeito aos critrios de avaliao

    ideolgica (isto , se verdadeiro, falso, correto, justificado,

    bom, etc.). O domnio do ideolgico coincide com o domnio dos

    signos: so mutuamente correspondentes. Ali onde o signo se

    encontra, encontra-se tambm o ideolgico. Tudo que

    ideolgico possui um valor semitico (idem, pg.32-33).

    Com essa reflexo, Bakhtin procura retirar os estudos sobre a

    Ideologia de um aspecto puramente psicolgico, atribuindo-lhe um

    aspecto material, que a linguagem. Assim ele, de certo modo, inverte

    os estudos da Ideologia de sua poca, pois era dada uma explicao

    psicologizante, ou seja, ao entrar em certas discusses tericas, a

    conscincia individual dos sujeitos ganhava o estatuto explicativo do

    que se referia ao meio ideolgico e social. E isso que Bakhtin contesta

    pois, para ele, o que ocorre o contrrio, o meio ideolgico e social

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    que deve explicar a conscincia individual, algo que s possvel

    afirmar teoricamente ao se instituir um lugar material para a Ideologia.

    Porm, dentre os vrios tipos de linguagem, Bakhtin elege a palavra

    como a principal, pois a palavra o modo mais puro e sensvel de

    relao social. (BAKHTIN, 2006, p.36). E, alm disso, enquanto os

    signos e smbolos em geral possuem uma determinada Ideologia

    conforme o domnio em que foi criado, a palavra, ao contrrio, neutra

    em relao a qualquer espcie de funo ideolgica: esttica, cientfica,

    moral, religiosa. (idem, p.37). Sendo assim a palavra possui esta

    possibilidade de assumir qualquer ideologia e, alm disso, a palavra o

    material semitico da vida interior, da conscincia (discurso interior)

    (ibidem, p.37). Por isso que podemos dizer que a palavra consegue, ao

    mesmo tempo, ser a materialidade da ideologia e tambm colocar-se

    como fundante da conscincia e, talvez por essa dupla possibilidade,

    que os marxistas da poca desses estudos de Bakhtin no perceberam a

    importncia terica que essa perspectiva poderia trazer s suas

    reflexes.

    A partir dessas reflexes, tambm temos que os os signos s podem

    aparecer no terreno interindividual (BAKHTIN, 2006, p.35), ou seja,

    temos que os signos, em especial a palavra, possuem esse carter de se

    colocar essencialmente no lugar de contato entre pessoas, sendo assim

    temos que ela no pode ser reduzida conscincia individual pois,

    como dissemos, ela possui um carter social intrnseco.

    Assim, ao levantar essas questes a respeito da Ideologia e seu

    suporte material, que a linguagem, Bakhtin elabora o conceito de

    dialogismo, pois, para ele, "Toda enunciao, mesmo na forma

    imobilizada da escrita, uma resposta a alguma coisa e construda

    como tal. No passa de um elo da cadeia dos atos de fala. (idem,

    p.101). Ou, dito em outras palavras, por seu carter interindividual, a

    linguagem construda em forma de um dilogo, em que sempre uma

    enunciao est em relao com outros dilogos. Porm, para Bakhtin,

    os estudos lingusticos e os estudos da Ideologia no levam essa

    caracterstica em conta, o que traz a essas reflexes uma compreenso

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    totalmente passiva, que no comporta nem o esboo de uma resposta,

    como seria exigido por qualquer espcie autntica de compreenso

    (ibidem, p.101).

    E isso instaura, por sua vez, o discurso da classe dominante em que

    no h este aspecto dialgico da lngua. Isso porque h uma

    modificao desse aspecto, passando de dialgico para monolgico, o

    que atende a interesses da classe dominante, pois dessa forma disfara

    ou mesmo oculta as diferenas de classe e, juntamente com isso, apaga

    as relaes de valor que a se estabelecem. O modo como isso ocorre

    facilitado por esse aspecto dialgico da lngua, o que podemos observar

    nas prprias palavras de Bakhtin:

    Na realidade, todo signo ideolgico vivo tem, como Jano, duas

    faces. Toda crtica viva pode tornar-se elogio, toda verdade viva

    no pode deixar de parecer para alguns a maior das mentiras. Esta

    dialtica interna do signo no se revela inteiramente a no ser

    nas pocas de crise social e de comoo revolucionria. Nas

    condies habituais da vida social, esta contradio oculta em

    todo signo ideolgico no se mostra descoberta porque, na

    ideologia dominante estabelecida, o signo ideolgico sempre

    um pouco reacionrio e tenta, por assim dizer, estabilizar o

    estgio anterior da corrente dialtica da evoluo social e

    valorizar a verdade de ontem como sendo vlida hoje em dia.

    Donde o carter refratrio e deformador do signo ideolgico nos

    limites da ideologia dominante (BAKHTIN, 2006, p.48).

    Por isso que Bakhtin percebe a necessidade de se refletir a respeito

    da lngua dentro de uma perspectiva marxista, para se entender melhor

    o processo em que se d a Ideologia. Ento, alm de estabelecer o

    conceito de dialogismo, ele reflete mais aspectos da lngua, em um

    dilogo com outras teorias, em que sua especificidade esse carter

    social da lngua:

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    Vamos tentar formular nosso prprio ponto de vista com as

    seguintes proposies:

    1. A lngua como sistema estvel de formas normativamente idnticas apenas uma abstrao cientfica que s pode

    servir a certos fins tericos e prticos particulares. Essa

    abstrao no d conta de maneira adequada da realidade

    concreta da lngua.

    2. A lngua constitui um processo de evoluo ininterrupto, que se realiza atravs da interao verbal social dos locutores.

    3. As leis da evoluo lingustica no so de maneira alguma as leis da psicologia individual, mas tambm no podem ser divorciadas

    da atividade dos falantes. As leis da evoluo lingustica so

    essencialmente leis sociolgicas.

    4. A criatividade da lngua no coincide com a criatividade artstica nem com qualquer outra forma de criatividade ideolgica

    especfica. Mas, ao mesmo tempo, a criatividade da lngua no

    pode ser compreendida independentemente dos contedos e

    valores ideolgicos que a ela se ligam. A evoluo da lngua,

    como toda evoluo histrica, pode ser percebida como uma

    necessidade cega de tipo mecanicista, mas tambm pode tornar-

    se uma necessidade de funcionamento livre, uma vez que alcanou a posio de uma necessidade consciente e desejada.

    5. A estrutura da enunciao uma estrutura puramente social. A enunciao como tal s se torna efetiva entre falantes. O ato de

    fala individual (no sentido estrito do termo individual) uma contradictio in adjecto. (BAKHTIN, 2006, p.131 e 132)

    Com essas proposies a respeito da lngua, podemos perceber uma

    grande preocupao de Bakhtin em refutar teorias que constroem o seu

    aparato terico-metodolgico abstraindo alguns aspectos da mesma e,

    principalmente, que no levam em conta a interao social dos

    locutores, ou seja, ele refuta toda a possibilidade de estudos lingusticos

    que no se interessam pelo carter social da lngua. Ele tambm traz

    que a lngua est em constante evoluo, que ocorre tambm por causa

    da interao entre os locutores. E, alm disso, ele tece alguns

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    comentrios a respeito da criatividade da lngua no coincidir com

    nenhuma outra forma de criatividade, mas que s possvel

    compreender essa criatividade levando em conta os valores ideolgicos

    que ela representa. Assim podemos dizer, em uma tentativa de definio

    de conceito, que a lngua, para Bakhtin, um processo social em

    constante evoluo, sendo que tambm a materialidade da Ideologia

    e possui um carter essencialmente dialgico, pois constituda na

    interao verbal dos locutores. A enunciao, por sua vez, tambm se

    constitui pelo social.

    Alm de sua preocupao com questes relativas filosofia da

    linguagem e o marxismo, Bakhtin desenvolveu vrios estudos no

    campo da Literatura. Nesses estudos, queremos refletir um pouco a

    respeito do conceito de polifonia, j que esse conceito foi

    posteriormente retomado por Ducrot, de uma forma bem livre, para

    resolver algumas questes em sua teoria da Argumentao na Lngua.

    Bakhtin, ao entrar em contato com a obra de Dostoivski, afirma que

    ele o criador de um novo tipo de romance, o romance polifnico. Para

    tanto, Bakhtin analisa alguns estudiosos da obra de Dostoivski,

    observando que vrios deles apresentam uma certa particularidade

    nesses estudos, mas que nenhum consegue apreender totalmente esta

    particularidade, conforme Bakhtin comenta:

    por isto que todas as grandes monografias sobre Dostoivski,

    baseadas na monologao filosfica de sua obra, propiciam to

    pouco para a compreenso da peculiaridade estrutural do seu

    mundo artstico por ns formulada (BAKHTIN, 1981, p.5).

    Dessa forma, na tentativa de apreender a especificidade do romance

    de Dostoivski, Bakhtin elabora o conceito de polifonia. Para tanto, ele

    faz um estudo da potica histrica, e observa especialmente um tipo de

    literatura, que ele chama de carnavalizada. Essa literatura d um novo

    tratamento realidade, ao incluir uma atualidade viva, em que aparece

    o dia a dia, sem situar a histria em um tempo passado ou mtico e, alm

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    disso, baseada na experincia ou na fantasia livre. E a outra

    peculiaridade apontada por Bakhtin :

    A terceira peculiaridade so a pluralidade de estilos e a variedade

    de vozes de todos esses gneros. Eles renunciam unidade

    estilstica (em termos rigorosos, unicidade estilstica) da

    epopeia, da tragdia, da retrica elevada e da lrica.

    Caracterizam-se pela politonalidade da narrao, pela fuso do

    sublime e do vulgar, do srio e do cmico, empregam

    amplamente os gneros intercalados: cartas, manuscritos

    encontrados, dilogos relatados, pardias dos gneros elevados,

    citaes recriadas em pardia, etc. (idem, p.93).

    Assim Bakhtin afirma que a literatura carnavalesca o comeo do

    desenvolvimento de uma potica que ir resultar no romance polifnico

    de Dostoivski. Isso se d pois, nessa literatura, aparece mais de uma

    voz em seus textos. Porm, para Bakhtin, a polifonia em Dostoivski

    alcana uma especificidade totalmente nova, pois as diferentes vozes

    que aparecem so independentes. Conforme o prprio Bakhtin:

    A multiplicidade de vozes e conscincias independentes e

    miscveis e a autntica polifonia de vozes plenivalentes

    constituem, de fato, a peculiaridade fundamental dos romances

    de Dostoivski. No a multiplicidade de caracteres e destinos

    que, em um mundo objetivo uno, luz da conscincia una do

    autor, se desenvolve nos seus romances; precisamente a

    multiplicidade de conscincias equipolentes e seus mundos que

    aqui se combinam numa unidade de acontecimento, mantendo a

    sua imiscibilidade (BAKHTIN, 1981, p.2).

    Ou, dito de outro modo, no romance polifnico h vrias vozes ou

    conscincias que no se misturam e nenhuma delas possui uma

    predominncia sobre as outras conscincias, o que transforma a voz do

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    Lnguas e Instrumentos Lingutiscos N 32 - jul-dez 2013

    heri em uma voz plena, em que ele no se coloca no lugar de um

    simples porta-voz do autor.

    A partir desses dois conceitos centrais na teoria de Bakhtin, o

    dialogismo e a polifonia, podemos perceber que o conceito de lngua,

    para este autor, est diretamente relacionado ao social, na medida em

    que na lngua sempre h uma interligao entre dizeres diferentes.

    Ento, dentro desse quadro terico que apresentamos, a poesia no

    recebe uma ateno especial de Bakhtin. Ou seja, apesar de fazer anlise

    da obra de alguns poetas, tais como Viatcheslav Ivnov, Balmont e

    Brissov, Bakhtin, no elaborou nenhuma teoria especfica procurando

    explicar o que seja a poesia. Assim, para tentarmos compreender como

    ele pensa a poesia, vamos nos limitar a observar o modo como esta

    palavra (e suas possveis reescrituras) aparece em sua obra.

    2. Anlise da palavra Poesia em Bakhtin

    Para produzirmos a anlise da palavra poesia nos textos de Bakhtin,

    iremos nos situar no lugar terico da Semntica do Acontecimento.

    Assim, como todo semanticista, nos interessamos pelo estudo do

    sentido, ou seja, o objetivo observar o sentido, no caso especfico que

    tratamos aqui, da palavra poesia. Neste lugar terico, consideramos que

    o estudo do sentido localiza-se na enunciao, que considerada como

    um acontecimento no qual se d a relao do sujeito com a lngua

    (GUIMARES, 2002, p.8). A partir do estudo da enunciao,

    observamos as operaes enunciativas, que so operaes nas quais, na

    enunciao, constitui-se o sentido de determinada forma. Para observar

    as operaes enunciativas, consideraremos dois procedimentos: a

    reescritura e a articulao. Para Guimares, a reescriturao o

    procedimento pelo qual a enunciao de um texto rediz insistentemente

    o que j foi dito fazendo interpretar uma forma como diferente de si.

    Este procedimento atribui (predica) algo ao reescriturado (idem, p.17).

    E a articulao o procedimento pelo qual podemos observar as

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    Lnguas e Instrumentos Lingutiscos N 32 - jul-dez 2013

    relaes de determinada palavra com outras palavras em um enunciado,

    enquanto enunciado de um texto.

    A partir desses dois procedimentos, poderemos constituir o Domnio

    Semntico de Determinao (DSD) da palavra poesia nos textos de

    Bakhtin. O DSD, segundo Guimares (2007, p.81)

    uma anlise de uma palavra. Ele representa uma interpretao do

    prprio processe de anlise e deve ser capaz de explicar o

    funcionamento do sentido da palavra no corpus especificado (...)

    preciso observar, no entanto, que embora no se considere de

    antemo nenhuma realidade a que as palavras reportam, h um

    real que a palavra significa. E as palavras tm sua histria de

    enunciao. Elas no esto em nenhum texto como um princpio

    sem qualquer passado.

    Passamos agora anlise e constituio do DSD da palavra poesia

    em Bakhtin.

    Em diversos textos Bakhtin, ao comentar vrios aspectos de seu

    pensamento, e ao fazer anlises lingusticas e literrias, utiliza a palavra

    poesia. Para o nosso estudo, fizemos um recorte em seus textos e

    analisamos esta palavra no texto Conferncias sobre Histria da

    Literatura Russa, presente no livro Esttica da Criao Verbal, de

    2003. Esse recorte deu-se por se tratar de um texto em que Bakhtin

    produz uma anlise sobre a obra potica de Viatcheslav Ivnov, ou seja,

    um texto em que ele analisa diretamente a obra de um poeta,

    comentando vrios aspectos relacionados a sua produo. Alm disso,

    este texto uma boa amostra do modo como Bakhtin trata a poesia.

    Para analisar a obra de Ivnov, Bakhtin comenta a sua relao com

    a poesia da Antiguidade, da Idade Mdia e do Renascimento, em

    contrapartida a outros poetas da mesma gerao de Ivnov: Balmont e

    Brissov. Tambm faz alguns comentrios a respeito de trs princpios

    estticos, que so o ascenso, o descenso e o caos. Segundo Bakhtin:

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    Lnguas e Instrumentos Lingutiscos N 32 - jul-dez 2013

    Ascenso altives, crueldade, e no s com os outros mas tambm

    consigo mesmo. E se cruel sofrido. Esse o caminho trgico

    para as alturas, a ruptura com a terra, a morte. Se o ascenso no

    acarreta o descenso ele estril porque supramundo.

    Descenso smbolo do arco-ris, do sorriso, do amor terra que

    conserva a lembrana do cu. Vistcheslav Ivnov aplica sua

    teoria do ascenso e do descenso ao processo criador em arte (...).

    (...) O terceiro princpio o catico ou dionisaco. a ruptura do

    indivduo, o desdobramento, a perturbao, o esquartejamento,

    etc. Tanto no ascenso quanto no descenso destri-se a

    personalidade, mas esta s sai reforada dessa destruio. Como

    dizia Goethe, destri tua personalidade se queres refor-la. Toda

    vivncia de ordem esttica expele o esprito dos limites do

    pessoal. (BAKHTIN, 2003, p.412 e 413)

    Observando este recorte, temos que Bakhtin utiliza-se do

    pensamento do prprio Vistcheslav Ivnov para comentar estes trs

    princpios estticos. Nesse comentrio, ele aponta o dionisaco como o

    que constitui o fundamento da arte. Ao colocar dessa forma, ele traz o

    papel central dado ao artista no que se refere arte, em que temos uma

    importante relao entre a arte e o sujeito que cria esta arte, ou seja,

    entre a arte e o artista. Sendo assim, levando em conta que o poeta o

    artista que trabalha com as palavras, temos que ele est nesse lugar de

    ruptura e destruio e, alm disso, esse lugar acaba por levar o prprio

    poeta alm dos limites do pessoal, por coloc-lo em contato com o

    esttico. Apontando esta importncia do sujeito na arte, temos que

    analisar o modo como o poeta aparece nesse texto uma importante

    entrada para o estudo da palavra poesia na obra de Bakhtin. Assim,

    passamos, em um primeiro momento a observar a reescritura da palavra

    poetas, conforme os recortes que fizemos para anlise:

    1. Viatcheslav Ivnov v dois caminhos no simbolismo: um

    idealista e um realista. O primeiro tem incio na Antiguidade,

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    Lnguas e Instrumentos Lingutiscos N 32 - jul-dez 2013

    quando se procurou imprimir marca individual em todos os

    fenmenos da vida. O segundo tem origem na Idade Mdia,

    quando os poetas3 se auto-eximiam, deixando que os prprios

    objetos falassem por si mesmos. Brissov e Balmont tomaram o

    primeiro caminho. Para eles o smbolo apenas uma palavra: no

    lhes interessa se atrs da palavra se esconde alguma coisa. Para

    eles o smbolo no sai do plano da lngua. E a novidade dos

    objetos do mundo exterior depende apenas do estado do artista

    (p.412).

    2. (...) O artista descende, e esse descenso , antes de tudo, para

    os seres que no ascenderam e se acham em fases inferiores de

    conscincia. Quando o poeta procura a palavra, desta necessita

    para traduzir suas conquistas em palavras que todos

    compreendam. Esse um descenso s fraquezas humanas dos

    outros, um descenso queles que nunca ascenderam. Por isso o

    descenso sempre humano e democrtico (p.413).

    Esses dois recortes apresentam o modo como Bakhtin comenta o

    pensamento de Viatcheslav Ivnov a respeito da poesia. Desse modo,

    pelo modo como Bakhtin constri o texto, podemos observar que ele

    acaba por trazer uma reflexo sobre a poesia, e isso podemos dizer que

    uma reflexo dele, j que ele escolhe V.Ivnov para basear as suas

    reflexes. Assim, nesses dois recortes, observamos que a palavra poeta

    reescrita por eles, se, lhes e artista, alm dos nomes prprios Brissov

    e Balmont. Esta reescriturao nos indica uma determinao entre

    poetas e artistas, o que indica uma determinao entre poesia e arte. Em

    contrapartida, tambm temos uma reescritura por uma relao de

    antonmia em seres que no ascenderam e poetas. Assim outros

    seres que no ascenderam e se ope a poeta, ou seja, temos uma

    relao de antonmia entre poeta e seres que no ascenderam. Alm

    disso, a palavra humano traz uma condensao, ao reescrever tanto

    poeta quanto seres que no ascenderam. Mas, mesmo estando

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    condensadas em humano, temos uma diferenciao entre o poeta e seres

    que no ascenderam, na medida em que poeta est em uma relao com

    ascenso, e com descenso, sendo que descenso est articulada tambm a

    seres que no ascenderam, ou seja, enquanto o poeta se articula com as

    duas palavras, seres se relaciona somente com descenso. Isto abre a

    possibilidade de que, mesmo sendo ambos humanos, somente o poeta

    tem essa capacidade de transitar entre o ascenso e o descenso. Dessa

    forma, em um primeiro momento, podemos ver o DSD de poeta da

    seguinte forma:

    Humano Descenso

    Ascenso Artista

    Poeta

    Descenso no poetas (outros) Humano

    Obs.: ler como determina e _________ como antnimo

    Com esse DSD podemos observar uma especificao muito

    particular para poeta, na medida em que poeta determinado por

    artista. Isso traz uma relao de sujeitos em que so colocados em um

    mesmo paradigma o poeta e o artista, e, por extenso, excluindo os

    outros seres humanos. Alm disso, esse paradigma em que poeta

  • A PALAVRA POESIA EM BAKHTIN

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    Lnguas e Instrumentos Lingutiscos N 32 - jul-dez 2013

    colocado aparece como mais amplo do que os outros seres, por ter um

    certo privilgio de transitar pelo ascenso e pelo descenso. Podemos

    dizer tambm que, a partir de nossa anlise, esta articulao entre poeta

    e artista traz uma relao entre sujeitos que nos auxiliar a pensar na

    possibilidade da relao entre a poesia e a arte, no pensamento de

    Bakhtin.

    Alm de comentar as relaes de Ivnov com a poesia antiga e os

    princpios estticos, Bakhtin faz alguns comentrios analticos sobre o

    som e o uso de metforas em seus poemas. E, ao fazer estas anlises,

    ele utiliza por vrias vezes a palavra poesia. Apresentamos a seguir

    alguns recortes em que aparece esta palavra.

    3. (...) As fontes de sua poesia so a Antiguidade, a Idade Mdia

    e o Renascimento, que ele efetivamente dominava e das quais

    recebeu uma influncia imensa, que lhe determinou as razes

    fundamentais da sua obra. Na poesia de Brissov, a Antiguidade

    tambm ocupa um grande espao, mas aparece refratada atravs

    da poesia francesa e inglesa (p.411).

    4. (...) Neste sentido sua poesia no musical. Em seus poemas

    no h uma nica palavra fortuita. Como em todo poeta

    importante, h nesses poemas uma extraordinria plenitude de

    foras semnticas e lgicas sumamente detalhadas. Ele pondera

    cada detalhe do sentido, por isso em seus poemas no h

    pinceladas de pensamento grandes e grosseiras como em

    Balmont (p. 415).

    5. (...) (a alegoria uma metfora que perdeu sua seiva potica)

    (idem).

    6. Uma peculiaridade da poesia de Ivnov o fato de que todas

    as suas coletneas se decompem em captulos e estes esto

    distribudos em ordem sequencial, uns dando continuidade aos

  • Adilson Ventura da Silva

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    Lnguas e Instrumentos Lingutiscos N 32 - jul-dez 2013

    outros. claro que alguns poemas no so tomos mas existem

    como objetos independentes, no entanto saem ganhando

    consideravelmente no conjunto da coletnea. caracterstico que

    Viatcheslav Ivnov sempre editou seus poemas em ciclos

    acabados. Esse aspecto sinttico o liga a George e Rilke,

    particularmente ao ltimo. Tambm em Rilke as coletneas de

    poemas so narrativas que parecem decompor-se em captulos.

    Neste sentido, a poesia de Ivnov se aproxima tambm do

    Sagesse de Verlaine (p.416).

    Observamos que, nas ocorrncias da palavra poesia neste texto, ela

    est sempre em uma expresso referencial, sendo determinada pelo

    artigo a, em alguns casos combinado com o pronome possessivo seu

    (sua), em outro pela preposio de (da) e um outro pela preposio em

    (na). E, alm disso, a palavra poesia sempre recebe uma especificao,

    como sendo a poesia de Ivnov, de Brissov, francesa e inglesa, sua (de

    Ivnov). Quanto s reescrituras, a palavra poesia reescrita por poemas

    e por potica. A palavra poemas aparece sempre no plural e tambm,

    como a palavra poesia, recebe caractersticas especficas, como sendo

    poemas de Ivnov. Poderamos, dessa forma, ter poesia e poemas em

    uma simples relao sinonmica, em que ambas podem ter

    especificaes, tais como poesia inglesa, francesa, etc. e tambm

    poemas de Ivnov.

    Dessa forma, o que vimos at agora mostra algumas importantes

    relaes de especificao para poesia, porm no temos ainda uma

    explicao de forma direta do que seja a poesia em Bakhtin. Ento,

    podemos aqui pensar na possibilidade de que ele no traz nenhuma

    formulao especfica do que seja a poesia, e sim produz suas anlises

    considerando a poesia em um sentido bem geral, sendo conhecido por

    todos, ou seja, Bakhtin trata a poesia como algo de todos conhecido,

    sem a necessidade de uma conceituao mais especfica e, desse modo,

    sem deixar o que ele prprio entende por poesia de um modo direto.

  • A PALAVRA POESIA EM BAKHTIN

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    Lnguas e Instrumentos Lingutiscos N 32 - jul-dez 2013

    Tambm podemos observar que, pela diferena que h por conta de

    poesia estar sempre no singular e poemas sempre no plural, temos um

    funcionamento diferente no uso dessas palavras. Enquanto poesia, por

    estar no singular, aparece como nica, variando somente conforme o

    que a caracteriza, sendo a poesia francesa, inglesa, de Brissov, de

    Ivnov, poemas aparece como unidades da poesia, na medida em que

    temos tipos variados de poemas dentro de um lugar especfico, o que

    podemos observar quando Bakhtin traz Uma peculiaridade da poesia

    de Ivnov, e, logo aps, traz Ivnov sempre editou seus poemas. E

    isso leva na direo de que poesia determina poemas, isso , todo poema

    poesia, o que, por sua vez, nos traz uma outra relao para poesia, mas

    tambm no traz uma especificao direta do que seja a poesia para

    Bakhtin.

    Uma outra possibilidade que podemos pensar a partir da no

    definio direta bakhtiniana do que a poesia que ela ocupa o lugar

    de um gnero especfico, ao qual cada autor ou regio (e podemos

    acrescentar a poca) possui as suas particularidades. Ou seja, por uma

    anlise do DSD dessa palavra, podemos dizer que poesia, para Bakhtin,

    determinada por gnero, ou seja, gnero determina poesia e poemas,

    enquanto que poesia determina poemas:

    Poemas Poesia Gnero

    Obs.: ler como determina

    Sendo assim, podemos dizer que a palavra poemas, pelo fato de estar

    no plural e associada sempre a um autor, designa os textos escritos por

    um poeta, j que o autor possui mais de um texto, ou seja, o autor

    caracteriza cada um dos poemas, sendo que um poema pode ser

    diferente do outro, enquanto que a poesia o que faz parte de um gnero

  • Adilson Ventura da Silva

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    Lnguas e Instrumentos Lingutiscos N 32 - jul-dez 2013

    especfico e que caracteriza um texto como poema. Dito de outro modo,

    os poemas so textos que possuem uma determinao da poesia. Isso

    nos leva a pensar que a poesia um gnero textual como outros. Por

    sua vez, ao ser colocada como um gnero, temos uma caracterizao

    normativa da questo, pois os estudos passam a ser tratados

    genericamente, tal como qualquer outro gnero textual.

    Porm ainda temos mais uma reescritura de poesia para analisarmos.

    Trata-se da que encontramos no recorte 5, que potica. Esta palavra,

    nesse texto, aparece uma vez dentro de uma expresso referencial, sua

    seiva potica, em que a palavra potica especifica seiva. No caso,

    seiva o lquido que contm princpios nutritivos e que circula no

    interior do vegetal e, por metfora, energia fsica ou mental, fora,

    vigor. Ou seja, a seiva uma energia vital para que algo exista. Assim,

    ao se particularizar a seiva como potica, um vigor, uma fora,

    caracteriza algo como sendo poesia. Dessa forma podemos pensar que

    essa seiva potica que transforma um texto em poesia. Mas, alm

    disso, temos que potico tambm traz uma separao entre alegoria e

    metfora, colocando a primeira fora da poesia, na medida em que ela

    perde a seiva potica. Por outro lado, temos que a metfora algo que

    constitui a poesia, j que ela possui essa seiva potica. Ento potica

    o que caracteriza um texto como poesia e, alm disso, o que vamos

    encontrar em poemas.

    Temos tambm a palavra potica em um livro de Bakhtin, intitulado

    Problemas da Potica de Dostoivski. Nesse ttulo, temos a palavra

    potica sendo especificada por Dostoivski, ou seja, existe uma potica

    especfica de um autor e que, nesse caso, trata-se de um autor de

    romances e no especificamente um autor de poesias, o que traz certa

    estranheza. Contudo, em nossa anlise, observamos que potico o que

    traz a caracterstica a um texto de ser uma poesia, ou seja, uma

    caracterstica encontrada em alguns textos. Ao se colocar a palavra

    potica relacionada a um autor de romances, esta palavra tem a sua

    designao estendida, passando caracterstica especfica de um autor.

    Em certa medida, esta palavra aparece em um sentido aristotlico do

  • A PALAVRA POESIA EM BAKHTIN

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    Lnguas e Instrumentos Lingutiscos N 32 - jul-dez 2013

    termo, ou seja, h uma relao no uso deste termo por Aristteles e por

    Bakhtin. Sendo assim, podemos dizer que potica determina a

    caracterstica de um texto ou do conjunto de textos de um autor, isto ,

    podemos dizer que potico est em uma relao de sinonmia com

    caracterstica, trazendo dessa forma o DSD da palavra potico da

    seguinte forma:

    Texto

    Potico caracterstica

    Autor

    Obs.: ler como determina e __________ como sinnimo.

    De um certo modo, podemos dizer que em Bakhtin, por ele colocar

    o potico como uma caracterstica, tanto de autor como de texto, e

    tambm por colocar o poema como um texto e poesia como um gnero

    textual, h uma falta de especificao para o conceito de poesia. Com

    isso, a partir de sua posio sobre gneros textuais, a poesia colocada

    simplesmente como se fosse um gnero entre outros. Dessa forma ele

    no estaria tomado pela distino Austiniana entre linguagem ordinria

    e no-ordinria4. Porm, temos uma questo sobre o sujeito que faz a

    poesia, ou seja, sobre o poeta, que relacionado com artista, o que traz

    uma assimilao de poesia pela arte, isto , por conta da relao entre

    poeta e artista, temos como correlato poesia e arte.

  • Adilson Ventura da Silva

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    Lnguas e Instrumentos Lingutiscos N 32 - jul-dez 2013

    Se projetarmos o DSD de poeta aqui, substituindo poeta por poesia,

    temos:

    Humano Descenso

    Ascenso Artista

    Poesia

    Descenso no poesias (outros) Humano

    Obs.: ler como determina e ____________ como antnimo

    Nesse caso, temos uma relao muito particular de artista com

    poesia, em que poesia aparece como determinada por artista. Alm

    disso, a poesia, tal qual vimos em poetas, transita entre o ascenso e o

    descenso, enquanto que outros textos ficam somente no lugar do

    descenso, ou seja, temos que a poesia est relacionada arte e se

    constitui como um texto que, de certo modo, pode ser considerado como

    de maior alcance, j que tem essa particularidade de transitar entre os

    dois paradigmas de ascenso e de descenso. Com essa projeo, trocando

    poeta por poesia, aparece uma especificao para poesia.

    Consideraes Finais

  • A PALAVRA POESIA EM BAKHTIN

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    Lnguas e Instrumentos Lingutiscos N 32 - jul-dez 2013

    Dessa forma temos que a poesia, para ele, um gnero textual,

    porm, que difere dos outros tipos de texto por ter esta relao com arte,

    enquanto que o poema o texto que pode ser considerado dentro do

    gnero textual poesia. E potico trata da caracterstica de um texto ou

    de um autor, ou, dito de outro modo, trata de um estilo especfico de se

    escrever, o que traz para a nossa reflexo que o que faz a poesia para

    Bakhtin o poeta/artista e no a lngua. Isso dito dentro de um quadro

    terico em que a lngua aparece essencialmente interindividual, em que

    vrias vozes se cruzam, ou como diz Bakhtin, ela essencialmente

    dialgica.

    Temos ento, como dissemos na discusso sobre a teoria de Bakhtin,

    que a insero dele em nossos estudos se deu por ele ser um estudioso

    da linguagem que , fundamentalmente, um crtico da literatura. E, por

    ocupar este lugar, suas preocupaes com a linguagem ficam

    relacionadas com a arte, trazendo uma reflexo bem particular sobre a

    poesia para os estudos da linguagem.

    Notas

    1 Este artigo uma verso modificada de um captulo de minha tese de doutorado,

    intitulada O Sentido da Palavra Poesia nas Cincias da Linguagem, defendida no Programa de Ps-graduao em Lingustica do IEL/UNICAMP. 2 Lembrando que alguns trabalhos, tais como os de Patrick Sriot, colocam em dvida sobre a autoria de Bakhtin para este livro 3 Grifamos certas palavras nos recortes para melhor visualizar as reescrituras. 4 Nas palavras do prprio Austin: O que quero dizer o seguinte: um proferimento

    performativo ser, digamos, sempre vazio ou nulo de uma maneira particular, se dito

    por um ator no palco, ou se introduzido em um poema ou falado em um solilquio,

    etc. De modo similar, isto vale para todo e qualquer proferimento, pois trata-se de

    uma mudana de rumo em circunstncias especiais. Compreensivamente a

    linguagem, em tais circunstncias, no levada ou usada a srio, mas de forma

    parasitria em relao a seu uso normal, forma esta que se inclui na doutrina do

    estiolamento da linguagem. Tudo isso fica excludo de nossas consideraes. Nossos

    proferimentos performativos, felizes ou no, devem ser entendidos como ocorrendo

    em circunstncias ordinrias. (Austin, 1990, p. 36)

  • Adilson Ventura da Silva

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    Lnguas e Instrumentos Lingutiscos N 32 - jul-dez 2013

    Referncias bibliogrficas

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    Palavras-chave: poesia, teorias de linguagem, enunciao

    Key-words: poetry, language theories, enunciation

  • A PALAVRA POESIA EM BAKHTIN

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