A PESQUISA DE OPINIÃO NAS AULAS DE … · contundente nas questões relativas ao racismo, às...

12
A PESQUISA DE OPINIÃO NAS AULAS DE MATEMÁTICA: REFLEXÕES SOBRE PROJETOS DESENVOLVIDOS COM ALUNOS DE 2º CICLO Araujo, Denise Alves Universidade Federal de Minas Gerais/Centro Pedagógico/[email protected] Deodato, André Augusto Universidade Federal de Minas Gerais/Centro Pedagógico/[email protected] Resumo Este artigo tem o objetivo de sistematizar reflexões sobre o uso de pesquisas de opinião como recurso pedagógico em turmas de Ensino Fundamental, em especial sobre as contribuições desse tipo de pesquisa para a aprendizagem da matemática escolar. Essas reflexões dialogam com estudos no âmbito Educação Estatística (dentro dos estudos sobre o Letramento) e da Matemática Crítica. Essas pesquisas estão vinculadas ao programa NEPSO (Nossa Escola Pesquisa Sua Opinião) que busca usar a pesquisa de opinião como um recurso pedagógico para compreender a realidade, realizar trabalhos interdisciplinares e, também, aprender os conteúdos escolares. Essa metodologia consiste em desenvolver uma pesquisa de opinião na qual os alunos são os pesquisadores A descrição de um projeto de pesquisa de opinião desenvolvido com alunos dos 6º anos, em 2014, é apresentada como exemplo dessa prática. Esse projeto buscava problematizar a participação das mulheres, dos negros e dos brasileiros nos diversos campos científicos. Os resultados indicaram, entre outras coisas, hipóteses para não participação de determinados grupos sociais nos meios científicos na opinião das pessoas pesquisadas. A sistematização dessas práticas evidencia a contribuição da Estatística para a formação de leitores na atualidade. Além de ser um contexto significativo para a aprendizagem de diversos conteúdos da matemática escolar, a pesquisa de opinião contribui para uma formação mais geral dos estudantes e dos professores de matemática. Palavras-chave: Tratamento da Informação, Ensino Fundamental, Pesquisa de opinião A PESQUISA DE OPINIÃO E O PROGRAMA NEPSO Neste texto é apresentada uma síntese das reflexões produzidas a partir do uso de uma metodologia que tem o objetivo de utilizar a pesquisa de opinião como um recurso pedagógico. Esse trabalho foi desenvolvido de forma mais sistemática desde 2012 no 2º ciclo de formação humana do Centro Pedagógico da Escola de Educação Básica e Profissional da UFMG. Embora essa metodologia tenha características interdisciplinares, aqui será focado o desenvolvimento realizado por professores de matemática em suas aulas. O programa Nossa Escola Pesquisa Sua Opinião (NEPSO) foi criado em 2000 a partir da parceria entre o Instituto Paulo Montenegro vinculado ao IBOPE e à ONG Ação Educativa. O programa NEPSO tem como principal objetivo promover projetos que envolvem a pesquisa de opinião como um instrumento pedagógico. Esses projetos são

Transcript of A PESQUISA DE OPINIÃO NAS AULAS DE … · contundente nas questões relativas ao racismo, às...

A PESQUISA DE OPINIÃO NAS AULAS DE MATEMÁTICA:

REFLEXÕES SOBRE PROJETOS DESENVOLVIDOS COM ALUNOS

DE 2º CICLO

Araujo, Denise Alves Universidade Federal de Minas Gerais/Centro Pedagógico/[email protected]

Deodato, André Augusto Universidade Federal de Minas Gerais/Centro Pedagógico/[email protected]

Resumo

Este artigo tem o objetivo de sistematizar reflexões sobre o uso de pesquisas de opinião

como recurso pedagógico em turmas de Ensino Fundamental, em especial sobre as

contribuições desse tipo de pesquisa para a aprendizagem da matemática escolar. Essas

reflexões dialogam com estudos no âmbito Educação Estatística (dentro dos estudos sobre

o Letramento) e da Matemática Crítica. Essas pesquisas estão vinculadas ao programa

NEPSO (Nossa Escola Pesquisa Sua Opinião) que busca usar a pesquisa de opinião como

um recurso pedagógico para compreender a realidade, realizar trabalhos interdisciplinares

e, também, aprender os conteúdos escolares. Essa metodologia consiste em desenvolver

uma pesquisa de opinião na qual os alunos são os pesquisadores A descrição de um projeto

de pesquisa de opinião desenvolvido com alunos dos 6º anos, em 2014, é apresentada

como exemplo dessa prática. Esse projeto buscava problematizar a participação das

mulheres, dos negros e dos brasileiros nos diversos campos científicos. Os resultados

indicaram, entre outras coisas, hipóteses para não participação de determinados grupos

sociais nos meios científicos na opinião das pessoas pesquisadas. A sistematização dessas

práticas evidencia a contribuição da Estatística para a formação de leitores na atualidade.

Além de ser um contexto significativo para a aprendizagem de diversos conteúdos da

matemática escolar, a pesquisa de opinião contribui para uma formação mais geral dos

estudantes e dos professores de matemática.

Palavras-chave: Tratamento da Informação, Ensino Fundamental, Pesquisa de opinião

A PESQUISA DE OPINIÃO E O PROGRAMA NEPSO

Neste texto é apresentada uma síntese das reflexões produzidas a partir do uso de

uma metodologia que tem o objetivo de utilizar a pesquisa de opinião como um recurso

pedagógico. Esse trabalho foi desenvolvido de forma mais sistemática desde 2012 no 2º

ciclo de formação humana do Centro Pedagógico da Escola de Educação Básica e

Profissional da UFMG. Embora essa metodologia tenha características interdisciplinares,

aqui será focado o desenvolvimento realizado por professores de matemática em suas

aulas.

O programa Nossa Escola Pesquisa Sua Opinião (NEPSO) foi criado em 2000 a

partir da parceria entre o Instituto Paulo Montenegro – vinculado ao IBOPE – e à ONG

Ação Educativa. O programa NEPSO tem como principal objetivo promover projetos que

envolvem a pesquisa de opinião como um instrumento pedagógico. Esses projetos são

desenvolvidos por alunos de escolas públicas. O programa é organizado em polos situados

em vários estados brasileiros, em outros países da América do Sul, no México e em

Portugal. O polo Minas Gerais existe desde 2002 e atua expressivamente na formação de

professores que desenvolvem a metodologia NEPSO em suas escolas.

Essa metodologia consiste em desenvolver uma pesquisa de opinião na qual os alunos

são os pesquisadores. As etapas para realização da pesquisa são:

1. Escolha do tema. É a definição do que se pretende estudar. Envolve a explicitação

dos objetivos principais e o levantamento de hipóteses.

2. Qualificação do tema. É o momento em que se verifica o que o grupo já sabe sobre

o tema, se busca mais informações para tornar a pesquisa mais consistente e se

estabelece as relações mais diretas com os campos de conhecimento escolares.

3. Identificação da população e definição da amostra. É quando se define a quem se

dirigem as perguntas e quantas pessoas participarão da pesquisa.

4. Elaboração do questionário. É o instrumento para se buscar as opiniões das pessoas.

O questionário pode conter questões abertas ou fechadas. Pode ser preenchido por

um entrevistador ou ser auto-aplicado, quando o próprio entrevistado escreve as

respostas.

5. Trabalho de campo. Consiste na organização e execução de todo o processo que

envolve a coleta dos dados.

6. Tabulação dos dados. Etapa em que as diferentes respostas são contadas e

organizadas de modo a permitir a análise.

7. Análise, interpretação e apresentação dos resultados. Os dados são organizados em

gráficos de modo que seja possível observar as tendências e a prevalência de

determinada opinião.

8. Divulgação dos resultados e plano de ação. Para que a pesquisa realmente seja algo

relevante para os alunos e para a comunidade é preciso divulgar os resultados e, se

for o caso, definir um plano de ação a partir das descobertas conquistadas com a

pesquisa.

Desde 2010 diversas experiências do NEPSO tem sido desenvolvidas em turmas

dos três ciclos escolares e também nos Grupos de Trabalho Diferenciados (GTD)1 no

Centro Pedagógico. A partir de 2012, o Núcleo de Matemática2 iniciou um Projeto de

Ensino denominado „O NEPSO no CP’ para desenvolver sistematicamente projetos usando

a metodologia do NEPSO nas turmas de 4º e 6º anos no 2º ciclo, e 8º ano, no 3º ciclo; e

também atuar na formação inicial e continuada de professores. Um dos principais objetivos

do núcleo, com esse projeto, era desenvolver a educação estatística dos alunos.

A partir das primeiras experiências do NEPSO no Centro Pedagógico foi possível

para o grupo de professores se debruçar, mais sistematicamente, sobre a seguinte questão:

como um projeto de pesquisa de opinião poderia contribuir para a aprendizagem de

matemática escolar pelos alunos?

11

O Grupo de Trabalho Diferenciado é uma disciplina do Currículo na qual os alunos são reagrupados em

turmas menores. Cada turma pode ser composta por alunos de turmas diferentes e de anos escolares

diferentes (dentro do mesmo ciclo). As temáticas de cada grupo visam tanto atendimento de demandas

relacionadas às dificuldades com os conteúdos curriculares quanto à possibilidade de ampliação curricular

com temas variados ligadas não somente à conteúdos escolares, mas às práticas culturais de um modo geral. 2 O CP é uma escola organizada em núcleos de ensino separados por área do conhecimento (Geografia,

Artes, Matemática, etc.). O Núcleo de Matemática é responsável pelo ensino de matemática do 4º ao 9º ano

do Ensino Fundamental.

Assim estabeleceu-se um olhar mais analítico sobre essa prática na escola que

permite que, a partir deste estudo, se inicie uma produção de conhecimento acerca do uso

da pesquisa de opinião como contexto de aprendizagem de matemática.

A IMPORTÂNCIA DA PESQUISA DE OPINIÃO

As demandas por habilidades de leitura e interpretação de informações são cada vez

mais frequentes, pois de acordo com Lima (2007)

Nas relações sociais pautadas pela lógica do consumo e do capital, a

informação é manipulada para ser transmitida da maneira que melhor

responda aos interesses e à ideologia do veículo que a publica.

Diariamente, um grande número de informações é disponibilizado, para

o que se utilizam os mais diversos tipos de representações a fim de

comunicar dados de caráter social, político e econômico. A informação é

apresentada de várias formas e exige diferentes habilidades, inclusive

matemáticas. Em particular, os meios de comunicação utilizam cada vez

mais diferentes estratégias para a divulgação dos dados, análises e

argumentos, como, por exemplo, tabelas, diagramas e gráficos variados.

(p.11-12)

Em cada leitura, seja pelo conteúdo, seja pela forma de apresentação das informações,

será preciso a mobilização de diversos conhecimentos (das mais diferentes áreas) que não

apenas aqueles fornecidos nas aulas de língua portuguesa e, anteriormente, no processo de

alfabetização. A matemática, por exemplo, traz importantes contribuições para a formação

de leitores já que oferece ferramentas para comparar, organizar e analisar informações

numéricas.

A metodologia proposta pelo NEPSO vai ao encontro dessa necessidade de formação

de leitores, aliando-a a formação de pesquisadores. Atividades de pesquisa já são, há algum

tempo, comuns no cotidiano das escolas. Em geral, trata-se de uma busca por informações

específicas que são organizadas e apresentadas na forma de trabalhos, exposições e

apresentações. A pesquisa de opinião é um tipo específico de pesquisa muito presente no

cotidiano fora da escola. Esse tipo de pesquisa é muito utilizado para saber o

posicionamento de uma dada população considerando os mais variados objetivos. Esse

posicionamento interfere nos processos decisórios das pessoas. Um tipo de pesquisa de

opinião muito utilizado é a pesquisa eleitoral que busca saber não somente as intenções de

voto, mas a rejeição a determinado candidato, as razões para a escolha, etc.

Frequentemente temos acesso a resultados de pesquisas de opinião por meio das mídias. O

conhecimento sobre esse tipo de pesquisa – a forma como são realizadas – pode contribuir

para formar “consumidores” mais críticos de pesquisas de opinião.

As temáticas que podem ser escolhidas para o trabalho ultrapassam os campos

disciplinares e atingem as outras esferas da vida social dos alunos. Caminha-se, assim, no

sentido de propor uma alternativa a um modelo escolar que

é predominantemente calcado na transmissão de conhecimentos. Esse

modelo vem dando sinais de esgotamento ao longo do tempo e, hoje,

diante das novas tecnologias da informação e da comunicação, mostra-

se cada vez mais inadequado.

Alterar esse modelo significa um desafio para a escola. Significa

transpor um modelo de transmissão de saberes para construir um modelo

de escola que produz conhecimentos sobre si mesma, sobre sua

comunidade, sobre como interferir nos fenômenos educativos, dando um

novo sentido para a educação escolar. (Montenegro & Ribeiro, 2002,p.

27)

A partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais publicados na década de 90, o

bloco Tratamento da Informação passou a integrar os currículos propostos em todos os

anos escolares do Ensino Fundamental. Assim, conceitos e habilidade antes restritos aos

últimos anos do Ensino Fundamental e ao Ensino Médio seriam construídos ao longo do

período de escolarização e seriam mais articulados as diversas vivências dos estudantes.

Um aspecto importante levantado por Lopes (2004) é a necessidade de vivenciar os

processos inerentes ao Tratamento da Informação. Segundo essa autora

possibilitar aos estudantes vivenciarem as etapas desse processo de

tratamento de dados, permite-lhes adquirir domínio de certos

procedimentos estatísticos, como a organização de dados em tabelas, o

cálculo de certos índices de frequências, das medidas de posição e de

dispersão, como também a representação dos resultados a serem

comunicados. O desenvolvimento de atitudes estatísticas positivas

depende desse processo. Assim, vivenciar o processo de tratamento de

informações é fazer estatística. (p. 194-195)

Essa vivência do processo de tratamento da informação é uma característica central

das pesquisas de opinião desenvolvidas e, como será mostrado mais adiante, reitera a

importância do protagonismo dos estudantes no cotidiano das escolas.

UMA EXPERIÊNCIA COM ALUNOS DE 6º ANO

Para compreensão das reflexões propostas neste texto, será descrito um desses

projetos realizados com as turmas do 2º ciclo no Centro Pedagógico. Esse projeto teve o

objetivo de problematizar a participação das mulheres, dos negros e dos brasileiros nos

diversos campos científicos. A temática proposta escolhida para aquele ano pelas três

turmas de 6º ano – Quem faz a Ciência? – surgiu a partir de conversas com os estudantes

para o levantamento de possíveis temáticas. Nessas conversas apareceram de maneira

contundente nas questões relativas ao racismo, às diferenças entre homens e mulheres e às

tecnologias. O problema tomou forma a partir de uma discussão sobre os grandes cientistas

na qual os alunos explicitaram a ideia de que há poucas cientistas mulheres e, também,

poucos cientistas negros. Também era presente no imaginário dos alunos a ideia de que o

Brasil é um país “atrasado” no que diz respeito ao desenvolvimento científico. O projeto

foi iniciado no mês de julho de 2014 e se encerrou em novembro daquele ano. A

metodologia do NEPSO foi usada para fazer um estudo sobre o tema e desenvolver uma

pesquisa de opinião para saber o que as pessoas pensam sobre a participação da mulher, do

negro e do brasileiro na Ciência e as possíveis causas da não participação de determinados

grupos sociais. Esperávamos debater os paradigmas que colocam determinados grupos

culturais à margem dos meios científicos e quais as consequências dessa exclusão.

O senso comum leva muitas pessoas a ter uma opinião muito pessimista com

relação à posição dos brasileiros no cenário científico mundial. Essa opinião foi expressa

de forma contundente pelos estudantes durante as discussões sobre a temática. Quanto a

situação das mulheres na Ciência e dos negros, já havia certo consenso que provavelmente

seria uma posição desfavorável repetindo outras situações de desvantagem que esses

grupos enfrentam na sociedade. É possível que qualquer pessoa que “puxe pela memória”

encontrará mais dificuldade para citar nomes de cientistas negros e cientistas mulheres do

que homens, especialmente, homens brancos. Porém, é preciso olhar com desconfiança

para essas suposições e não tomá-las como afirmações. Esse olhar é essencial para o

desenvolvimento de um projeto como esse.

Após a escolha do tema, seguindo a metodologia do NEPSO, passamos a etapa de

qualificação. Para isso, fizemos o estudo de textos3 (notícias e artigos) que tratavam da

discriminação de pesquisadores brasileiros que tentam publicar artigos em periódicos de

prestígio internacional, do crescimento da participação das mulheres no meio científico

dentre outros assuntos relacionados. Também fizemos um levantamento para conhecer os

principais cientistas brasileiros e suas áreas de atuação, além de pesquisar (e conhecer) as

cientistas que se destacam em diversas áreas e os cientistas negros que alcançaram

destaque nos últimos séculos.

Os alunos, em cada turma foram divididos em grupos que se dedicaram a leitura de

um texto. Após essa leitura, o conteúdo dos textos foi apresentado e debatido pelo grupo

todo da sala. Em um segundo momento da qualificação as turmas assistiram e debateram

sobre um vídeo no qual o astrofísico Neil deGrasse Tyson4 responde a uma pergunta da

plateia feita com ironia : “O que ocorre com as garotas nas ciências?”. O pesquisador diz

que por “não ser mulher” não poderia responder adequadamente à questão, mas conta sua

trajetória de dificuldades, sendo ele negro, para conseguir realizar seu desejo de ser

cientista. Por fim completou que não seria possível falar em diferenças genéticas quando

não há as mesmas oportunidades para mulheres e para negros ingressarem e atuarem no

meio científico. O vídeo provocou um intenso debate e foi importante para que os

estudantes percebessem a complexidade do tema da pesquisa.

Para elaboração do questionário, os alunos foram organizados em grupo para que

fizessem sugestões de perguntas. Além das perguntas sobre o tema de pesquisa também

deveriam propor questões para traçar o perfil dos entrevistados.

A população a ser pesquisada foi definida dessa forma: 6º ano A entrevistaria

adultos, especialmente pais e mães de alunos da escola; o 6º ano B entrevistaria estudantes

e professores universitários; e 6º C entrevistaria adolescentes, estudantes do 3º ciclo da

escola.

Os professores das turmas organizaram as sugestões dos alunos e construíram um

pré-questionário. A partir deles os alunos sugeriram opções para as respostas. Ficou

definido que cada grupo utilizaria um questionário diferente de acordo com as

especificidades do grupo pesquisado. A seguir são apresentadas, a título de exemplo, duas

perguntas dos questionários:

3 Os referidos textos e os respectivos links de acesso são os seguintes: i) Cientistas Brasileiros Notáveis -

http://www.canalciencia.ibict.br/menu/listaNotaveis.html; ii) Pesquisadores reclamam de preconceito das

revistas - http://www.ufcg.edu.br/prt_ufcg/assessoria_imprensa/mostra_ noticia.php? codigo=3524; iii)

Simpósio discute inserção de negros na ciência e tecnologia - http://www.usp.br/agen/?p=20265; iv) A

mulher na ciência e tecnologia - http://www.ipt.br/institucional/campanhas/8a_mulher_

na_ciencia_e_tecnologia. htm; v) As mulheres na ciência brasileira: crescimento, contrastes e um perfil de

sucesso - http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-401420030003 00016

4 Maiores informações sobre Neil deGrasse Tyson podem ser encontradas em

http://www.haydenplanetarium.org/tyson/profile. O referido vídeo está disponível, no youtube, no seguinte

link: https://www.youtube.com/watch?v=U7ziyJobvgI

Há poucas mulheres atuando como cientistas segundo alguns levantamentos. Na sua opinião, isso ocorre por

quê? Escolha até três causas.

a. ( ) Falta de reconhecimento da comunidade científica.

b. ( ) Preconceito contra a mulher.

c. ( ) Desempenho inferior ao dos homens.

d. ( ) Elas começaram a ocupar esse espaço mais recentemente.

e. ( ) Outros:________________________________

Pense em uma pessoa que trabalhe como cientista. Agora, responda com sinceridade: você pensou em:

A. ( ) um homem branco C.( ) um homem negro

B. ( ) uma mulher branca D.( ) um mulher negra

A coleta de dados do 6º ano A foi realizada durante uma manhã de sábado letivo na

escola. Nesse dia estava programada uma reunião com pais do 2º e 3º ciclo para entrega do

resultado da avaliação do 2º trimestre. Os alunos dessa turma foram divididos pela escola e

orientados a abordar os adultos que circulavam por lá naquele dia. A turma do 6º ano B

realizou a coleta de dados nas dependências da Faculdade de Educação da UFMG. O

objetivo era entrevistar uma população com características mais acadêmicas. No dia da

coleta, os alunos foram organizados em grupos que circulavam pela faculdade abordando

quem passava. Dentre os estudantes que passavam pelo lugar havia um bom número de

alunos da licenciatura intercultural indígena, o que enriqueceu e diversificou a amostra e

fez com que incluíssemos durante as entrevistas mais uma categoria de pertencimento

étnico-racial. E por fim, a coleta de dados do 6º ano C foi realizada na escola com alunos

do 3º ciclo de turmas dos 7º e 8º anos.

Por meio dessa pesquisa foi possível entender, principalmente, a que as pessoas

atribuem a pouca presença de mulheres e negros em determinadas carreiras científicas.

Além disso, foi possível perceber como as variáveis sexo, pertencimento étnico-racial,

idade e escolaridade interferem no modo como as pessoas enxergam essa questão.

Chamou a atenção o número de mulheres que fizeram parte da amostra de

entrevistados no Centro Pedagógico revelando uma participação maior das mães nas

reuniões escolares. Essa predominância trouxe depois, desafios para a análise dos

resultados obtidos.

A análise dos dados coletados mostrou que independente do gênero e do

pertencimento étnico, a primeira imagem que vem à cabeça das pessoas ao pensar em um

cientista é a de um homem branco. Os homens brancos foram apontados como o grupo

cujo acesso à universidade foi mais facilitado ao longo da história. A falta de acesso a

oportunidades de estudo foi apontada pelos entrevistados como a principal causa para uma

participação menor dos negros no meio científico e, no caso das mulheres, o preconceito

foi a principal causa indicada. A grande maioria acredita que a participação dos brasileiros

na Ciência é pequena. E „ser cientista‟ não faz parte dos sonhos dos adolescentes

entrevistados.

Os resultados da pesquisa foram apresentados em dois eventos: uma feira nacional

de colégios de aplicação e um seminário regional promovido pelo polo Minas Gerais do

NEPSO para divulgação dos trabalhos desenvolvidos em diversas escolas de Belo

Horizonte e região metropolitana. A divulgação dos trabalhos em algum âmbito é uma

parte importante do projeto pois está ligada um relevante aspecto da pesquisa de opinião

que é a devolução para a comunidade (sociedade) do que foi descoberto.

Figura 1: Stand dos alunos na 2ª Feira Brasileira de Colégios de Aplicação e Escolas Técnicas

APRENDER MATEMÁTICA COM A PESQUISA DE OPINIÃO

A presença efetiva do Tratamento da Informação nas aulas de matemática vem se

consolidando na medida em que os livros didáticos do Ensino Fundamental passaram, na

última década, a incorporar esse bloco de conteúdos em sua organização seja em capítulos

específicos, seja por meio de seções ou atividades ao longo do livro. O projeto NEPSO está

em consonância com esse movimento. As atividades de leitura de gráficos e tabelas são

muitas vezes usadas durante o projeto para introduzir os alunos nesse tipo de leitura,

especialmente quando a turma é iniciante no NEPSO. Mas são sempre complementadas

por gráficos e tabelas presentes em notícias que tratam de assuntos da atualidade e assuntos

relacionados ao tema. No projeto descrito, sobre quem faz a ciência, durante a qualificação

do tema, além da leitura de textos, os estudantes também tiveram acesso a dados sobre a

quantidade de pesquisadores brasileiros para “diminuir” o preconceito dos estudantes-

pesquisadores do 6º ano.

A produção de gráficos e tabelas pelos estudantes, como aponta Lopes (2004) é um

importante componente da formação desse leitor, pois as decisões que são tomadas ao

longo do processo de construir um gráfico ou uma tabela, levam os alunos a uma

observação mais cuidadosa dos gráficos que, normalmente, chegam a eles “prontos”.

O projeto do NEPSO contudo, amplia essa formação, já que nesse caso há, não um

conjunto de informações já previamente “escolhidos” para abordar determinados aspectos

da construção de um gráfico ou tabela, como ocorre muitas vezes com atividades de livros

didáticos, mas um conjunto de dados “imprevisíveis” que obriga o estudante-pesquisador a

tomar decisões que demandam (e constroem) muito mais conhecimentos estatísticos. Nesse

sentido também possibilita que os estudantes questionem a ideia de infalibilidade da

matemática e caminhem numa formação mais crítica da matemática em oposição à

formação calcada na ideologia da certeza conforme destacam Borba e Skovsmose (2001).

A etapa de tabulação se constitui como uma fase bastante “trabalhosa” da pesquisa.

Particularmente, na pesquisa sobre quem faz a ciência, os questionários eram grandes o

que tornava a organização das informações uma tarefa que exigia muitas habilidades,

mesmo para pesquisadores experientes no NEPSO5 como eram os alunos do 6º ano de

2014. Mesmo recebendo tabelas estruturadas pelos professores, a organização dos dados

se constitui uma tarefa complexa, pois já nesse momento se dividiu as informações por

gênero ou pertencimento étnico-racial que foram as variáveis escolhidas para se produzir

um contraste de opiniões. Um exemplo de um trecho das tabelas é apresentado a seguir.

Figura 2: Exemplo de um trecho da tabela

Na tabulação de dados, as opções de resposta foram numeradas de modo a facilitar

o preenchimento. Os estudantes eram questionados sobre como poderiam controlar o

registro da quantidade de cada resposta. Eles perceberam nessa tarefa que na tabela de

dupla entrada utilizada, o somatório nas linhas indicava o número total de homens e de

mulheres e, o somatório nas colunas, indicava o número total de pessoas que escolheram

cada opção. Mais do que exercícios “de adição”, trata-se de uma estratégia de leitura

importante para um leitor de tabelas.

5 Os alunos dessas turmas já haviam desenvolvido a metodologia NEPSO em anos anteriores na escola e, por

isso, os classificamos como pesquisadores experientes.

Figura 3: Alunos no processo de tabulação dos dados

A construção de gráficos também traz muitos desafios durante o desenvolvimento

dos projetos do NEPSO, pois

Construir um gráfico, em geral, é mais difícil do que interpretar, pois

para construir é preciso conhecer as especificidades da representação e,

principalmente, estabelecer a escala que será utilizada. Como tem se

mostrado em pesquisas, a escala tem sido o maior desafio para os alunos

ao construírem e interpretarem um gráfico. Uma explicação possível

para essa dificuldade é a pouca reflexão sistematizada sobre escalas que

vem ocorrendo na escola. (BRASIL, 2014, p.29)

No projeto do 6º ano, usamos um papel quadriculado para fazer os gráficos. O

desafio para os estudantes era definir uma escala adequada para representar cada conjunto

de dados em um gráfico de barras. Dizendo de outro modo era preciso definir “quantas

respostas” (frequência) são representadas por cada quadrinho. Em uma das discussões para

definir a escala de um gráfico os estudantes sugeriram 2, 3, 4 e 10 para o valor de cada

quadrinho. Um aluno exclamou “três não dá! É um número ruim!” Ao classificar o número

como “ruim”, o aluno, mesmo que intuitivamente, revela uma percepção das vantagens que

determinados números podem trazer quando são pares, quando são divisores de 10 ou

quando possuem muitos divisores. A turma percebeu que determinadas escalas facilitam a

localização de frequências intermediárias. Cabe ao professor ou professora neste momento

a explicitação dessas propriedades dos números com objetivo de compreender a origem (ou

mesmo a veracidade) de uma suposta propriedade para incorporar essa informação ao

repertório necessário para construção de gráficos.

As escolhas durante a construção de gráficos envolvem não só aspectos

estritamente matemáticos, mas também aspectos “estéticos” que são facilitadores da

leitura. Pois o objetivo não é apenas “fazer um gráfico”, mas fazer um texto que transmita

a um leitor “qualquer” as informações obtidas por aquela pesquisa com clareza. Assim,

para se definir a escala do gráfico de barras é preciso se levar em conta outros aspectos: a

disponibilidade de espaço e o efeito estético que se quer causar. O uso eficiente da

linguagem estatística não envolve apenas a organização das informações numéricas, mas

também dos outros elementos textuais: legenda, título, fonte, etc.

Figura 4: Gráfico de barra produzido por uma das alunas

Por trás do conceito de escala, estão os conceitos de razão e proporção, antes

tratados a partir da antiga 7ª série, muitas vezes por meio do ensino de algoritmos (como a

regra de três) para resolução de problemas, quase sempre em contextos artificiais. Com as

mudanças curriculares, especialmente a partir da publicação dos Parâmetros Curriculares

na década de 90, os primeiros contatos com o conceito de proporcionalidade acontecem

bem mais cedo. Nos estudos de Schliemann e Carraher (1997) o raciocínio proporcional é

desenvolvido desde muito cedo pelas crianças e também ocorre nas experiências fora da

escola. Esse raciocínio proporcional construído nas experiências escolares e não-escolares

é aprimorado no desenvolvimento dos projetos do NEPSO. Na pesquisa do 6º ano, mesmo

não dispondo de ferramentas como a porcentagem, para comparar conjuntos desiguais, os

alunos se mostraram capazes de fazer comparações levando em conta, por exemplo, que o

número de mulheres entrevistadas era bem maior que o número de homens.

PARA ALÉM DA MATEMÁTICA

As pesquisas de opinião que vem sendo desenvolvidas com alunos do 2º ciclo tem

se mostrado um excelente contexto de ensino-aprendizagem de matemática. Contudo, esse

tipo de projeto extrapola os espaços disciplinares. Isso ocorre não somente na possibilidade

de se fazer um trabalho conjunto com docentes de diversos campos de conhecimento, mas

também na atitude do próprio professor ou professora de matemática de se colocar como

pesquisador de diversos temas ao lado dos estudantes. Assim, ampliam-se não só os

significados da matemática que se aprende na escola, mas também a atuação do próprio

professor de matemática. Também os alunos saem de seus “tradicionais” papéis para dar

vazão aos seus pontos de vista diante da vida, a seus desejos, seus medos e curiosidades.

Na construção da pesquisa de opinião do 6º ano, houve muitas ocasiões para os alunos

falarem sobre as relações de gênero em suas famílias e também o modo como percebiam o

racismo em sua comunidade. O protagonismo dos alunos é, assim, a principal característica

desse projeto.

Os alunos do 6º ano se surpreenderam com os aspectos qualitativos da pesquisa e

do quanto eles influenciam nos resultados da pesquisa. A composição da amostra é um

desses aspectos. O fato dos entrevistados serem professores universitários e não outro tipo

de profissional, o fato de serem mães e não pais, influencia muito na percepção sobre quem

está “fazendo” a ciência no Brasil e no mundo. Isso ajuda a ter um olhar mais crítico sobre

as informações recebidas por meio das mídias, especialmente sobre as pesquisas de

opinião. Em uma atividade envolvendo uma pesquisa sobre uso de aplicativos de celulares

realizado em um momento posterior, um aluno questionou: “mas como foi escolhida essa

amostra?”. Essa desconfiança revela uma percepção de que há mais que números

envolvidos em uma pesquisa. Nesse sentido entendemos que o trabalho desenvolvido pela

metodologia NEPSO vai ao encontro da demanda feita por Lopes (1999, p.2) segundo a

qual “a formação básica em Estatística e Probabilidade torna-se indispensável ao cidadão nos dias de hoje e em tempos futuros”.

Por fim, cabe destacar a importância de uma organização que permita aos alunos

fazerem pesquisas de opinião em diferentes momentos de sua trajetória na escola. Os

alunos do 6º ano que desenvolveram o projeto descrito neste texto, já haviam realizado

projetos do NEPSO em outros dois anos escolares. É perceptível a evolução dos alunos

como pesquisadores e como leitores de informações. É preciso, contudo, trabalhar para que

projeto seja parte integrante do currículo de matemática e, em um horizonte desejável, do

currículo geral da escola.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:

Matemática. Brasília: MEC, SEF, 1998.

BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Pacto

Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: Educação Estatística. Brasília: MEC, SEB,

2014.

BORBA, M. C; SKOVSMOSE, O. A ideologia da certeza em Educação Matemática.

In_____________SKOVSMOSE, O. Educação Matemática crítica: a questão da

democracia. Campinas, SP: Papirus, 2001.

GOULART, S. M. G. A matemática em uma escola organizada por ciclos de formação

humana. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação – Universidade

Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2005.

LIMA, P. C. Constituição de práticas de Numeramento em eventos de tratamento da

informação na Educação de Jovens e Adultos. Dissertação (Mestrado em Educação) –

Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, 2007.

LOPES, C. A. E. A probabilidade e a Estatística no currículo de matemática no ensino

fundamental brasileiro. Trabalho apresentado na Conferência Internacional: Experiências e

Perspectivas do Ensino da Estatística – Desafios para o século XXI, Florianópolis, p. 167-

174, 1999.

____________________________________. Literacia Estatística e o INAF 2002. IN:

FONSECA, M. C. F. R. (Org.). Letramento no Brasil: reflexões a partir do INAF 2002.

São Paulo: Global: Ação Educativa e Instituto Paulo Montenegro, 2004. P. 187-197.

MONTENEGRO, F.; RIBEIRO, V. M. (editores). Nossa escola pesquisa sua opinião:

manual do professor. 2 ed. São Paulo: Global, 2002.

SCHLIEMANN, A. D. D., CARRAHER, D. Razões e proporções na vida diária e na

escola. In: SCHLIEMANN, A. et a. Estudos em Psicologia da Educação Matemática.

Recife: UFPE, 1997, p. 13 – 39.