A Pintura Setecentista de Gonçalo Francisco Xavier (at. 1742-1775) em...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA Programa de Pós-graduação em História Linha de pesquisa: História Social da Cultura A Pintura Setecentista de Gonçalo Francisco Xavier (at. 1742-1775) em Igrejas e Capelas Mineiras Dissertação de mestrado apresentada por Jáder Barroso Neto como cumprimento das exigências acadêmicas do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. Orientador: Prof. Dr. Magno Moraes Mello. Belo Horizonte 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

Programa de Pós-graduação em História

Linha de pesquisa: História Social da Cultura

A Pintura Setecentista de Gonçalo Francisco Xavier

(at. 1742-1775) em Igrejas e Capelas Mineiras

Dissertação de mestrado apresentada por Jáder Barroso Neto

como cumprimento das exigências acadêmicas do Programa de

Pós-Graduação em História da UFMG.

Orientador: Prof. Dr. Magno Moraes Mello.

Belo Horizonte

2009

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1

Dedicatória

Dedico esta dissertação a meu pai, Jáder Barroso Júnior (in memoriam) e à

minha mãe, Hilda Pereira Barroso.

2

Agradecimentos

Agradeço primeiramente ao meu orientador, Prof. Dr. Magno Moraes Mello,

pela dedicação a mim dispensada em todas as fases deste projeto. Do início da pesquisa

agradeço à Prof. Drª Selma Melo Miranda, cuja atenção me permitiu um começo. Da

fase de elaboração de projeto agradeço aos colegas de trabalho Tarcísio, Marco

Antônio, Henrique, Isabel Lima Chumbinho, Júlio Cavalcanti Lustosa, Walisson

Gontijo, Diva Viveiros e Ângela Dolabela Cânfora.

Na execução da dissertação agradeço à professora Dr.ª Adalgisa Arantes

Campos e ao Prof. Dr. Marcos Hill pelas anotações e sugestões no momento da

qualificação, que muito me ajudaram para um maior entendimento de algumas questões

relativas ao tema; aos amigos Adriano Toledo Paiva, Geraldo Loyola, Paulo Roberto

Agra e Silva e Sabrina Mara Sant’Ana; agradeço também aos meus filhos Caio

Francisco Queiroz Barroso e Luiza Queiroz Barroso; aos funcionários do Arquivo

Público Mineiro, ao Arquivo da Casa Setecentista de Mariana e ao Arquivo Eclesiástico

da Arquidiocese de Mariana, bem como aos atendentes das bibliotecas da Belas Artes,

Letras e FAFICH da UFMG, com destaque para Sindier Antônia Alves e Vilma

Carvalho de Souza.

Não poderia deixar de agradecer ao Departamento de História e aos professores

e funcionários do Programa de Pós-Graduação, do qual fui discente, em especial à

secretaria Norma Guedes.

Finalmente quero agradecer ao programa CAPES pela bolsa concedida durante

todo o período do mestrado, sem a qual esta pesquisa não seria possível.

3

Resumo

Esta dissertação tem como tema central pinturas da decoração arquitetônica de nove igrejas

e capelas setecentistas mineiras. Atribuímos estas obras ao pintor Gonçalo Francisco Xavier,

ativo entre 1742 a 1775, analisamos aspectos relacionados ao pintor, ao desenvolvimento da

pintura e suas características compositivas.

Palavras-chave: Gonçalo Francisco Xavier; Pintura mineira setecentista; Características

compositivas.

Abstract

This dissertation is focused on paintings of architectural decoration of nine churches and

chapels eighteenth mining. We attribute these works to the painter Gonçalo Francisco

Xavier, active from 1742 to 1775, we analyze aspects related to the painter, the development

of painting and its compositional characteristics.

Keywords: Gonçalo Francisco Xavier; mining eighteenth-century painting; compositional

characteristics.

4

Abreviaturas

AEAM – Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana

ACSM – Arquivo da Casa Setecentista de Mariana

APM – Arquivo Público Mineiro

CMOP – Câmara Municipal de Ouro Preto

IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

IEPHA/MG - Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais

Cx.: caixa

Doc.: documento

Fig.: figura

Fls.: folhas

5

Sumário

Lista de Figuras.........................................................................................................................6

Apresentação..............................................................................................................................9

Parte I - A conquista da realidade: a configuração pictórica do espaço

Capítulo I – As principais propostas pictóricas entre o Renascimento e o formulário

maneirista...................................................................................................................................12

Capítulo II – O ciclo do barroco: as primeiras luzes de uma espacialidade.............................26

Capítulo III – A estética do rococó: um ciclo pictórico que avança para o século XIX...........32

Parte II - A pintura de forro no mundo Luso-Brasileiro: um estudo de caracterização

Capítulo I – Aspectos organizacionais acerca dos ofícios mecânicos e dos pintores

portugueses................................................................................................................................36

Capítulo II – Do brutesco português à quadratura joanina (1706-1750): aspectos sobre a

pintura de tetos em Portugal......................................................................................................42

Capítulo III – A morfologia dos tetos pintados no litoral da América Portuguesa do tempo do

barroco: um estudo de síntese....................................................................................................47

Parte III - Gonçalo Francisco Xavier (at. 1742-1775)

Capítulo I – As irmandades leigas, os ofícios mecânicos e a produção artística nas Minas

Setecentistas: um estudo de caracterização...............................................................................54

Capítulo II – A difusão da decoração perspéctica na Capitania do Ouro entre os séculos XVIII

e XIX.........................................................................................................................................67

Capítulo III – Uma história da arte sem nomes: Gonçalo Francisco Xavier...........................76

Capítulo IV – As possíveis atribuições em atividades desenvolvidas entre 1742 e 1775: o

modelo Gonçalo.........................................................................................................................86

Capítulo V – As obras: o estado da questão............................................................................115

Considerações Finais.............................................................................................................120

Anexo I: Documentos............................................................................................................123

Bibliografia .............................................................................................................................136

6

Lista de Figuras

Fig. 1- Giotto di Bondone - Ceia de Caná.......................................................................14

Fig. 2- Duccio di Buoninsegna - A Última Ceia da Maestà..........................................16

Fig. 3- Ambrogio Lorenzetti - A Anunciação.................................................................17

Fig. 4- Pietro da Cortona - Glorificação do Pontificado de Urbano VIII. ....................30

Fig. 5- José Avelar Rebelo- 1654- A Constituição da Eucaristia. Foto Magno Mello....43

Fig. 6 - Francisco Venegas - forro da nave da igreja de São Roque. .............................44

Fig. 7- Caetano da Costa Coelho - forro da capela-mor da igreja de São Francisco da

Penitência.........................................................................................................................48

Fig. 8- Antônio Simões Ribeiro e Vicente Nunes- Teto da Biblioteca da Universidade

de Coimbra. Foto do professor Magno Mello.................................................................49

Fig. 9- João de Deus Sepúlveda - forro da nave da igreja de São Pedro dos Clérigos....51

Fig. 10- Teto da nave da igreja do Convento de Santo Antônio ...................................52

Fig. 11- Teto da capela-mor da capela de Nossa Senhora do Rosário do Padre Faria.

Ouro Preto. Foto professor Magno Mello.......................................................................68

Fig. 12- Forro da nave da capela do Senhor Bom Jesus das Flores do Taquaral, Ouro

Preto. Foto da professora Adalgisa Arantes Campos....................................................70

Fig. 13 - Capela de Santana Forro da capela-mor. Cocais, distrito de Barão de Cocais.

Foto IEPHA/MG..............................................................................................................87

Fig. 14 - Capela de Santana Forro da sacristia.Cocais, distrito de Barão de Cocais. Foto

IEPHA/MG......................................................................................................................88

Fig. 15- Capela de Santana, forro da sacristia. Cocais, distrito de Barão de Cocais. Foto

IEPHA/MG......................................................................................................................89

Fig. 16- Capela de Santana, painel parietal da capela-mor. Cocais, distrito de Barão de

Cocais. Foto IEPHA/MG.................................................................................................89

Fig. 17- Capela de Santana, painel parietal da capela-mor. Cocais, distrito de Barão de

Cocais. Foto IEPHA/MG.................................................................................................90

Fig. 18 - Capela de Santana, detalhe de painel parietal da capela-mor. Cocais, distrito de

Barão de Cocais. Foto IEPHA/MG.................................................................................91

Fig. 19- Capela de Nossa Senhora do Rosário, forro da capela-mor. Catas Altas. Foto

IEPHA/MG......................................................................................................................92

7

Fig. 20- Capela de Nossa Senhora do Rosário, forro da capela-mor. Catas Altas. Foto

IEPHA/MG......................................................................................................................92

Fig. 21- Capela de Nossa Senhora da Glória, detalhe do forro da nave. Ressaca,

povoado de Hermilo Alves, distrito de Carandaí, Foto IEPHA/MG.............................94

Fig. 22- Capela de Nossa Senhora da Glória, detalhe do forro da capela-mor. Ressaca,

povoado de Hermilo Alves, distrito de Carandaí, Foto IEPHA/MG...............................95

Fig. 23- Igreja de Santo Antônio, matriz de Santa Bárbara, pintura do coroamento da

portada da Capela do Santíssimo Sacramento. Foto IEPHA/MG...................................96

Fig. 24- Igreja de Santo Antônio, matriz de Santa Bárbara, detalhe da pintura do

coroamento da portada da Capela do Santíssimo Sacramento. Foto

IEPHA/MG......................................................................................................................96

Fig. 25- Igreja de Santo Antônio, matriz de Santa Bárbara, tábuas recuperadas em

restauração. Foto IEPHA/MG.........................................................................................97

Fig. 26- Igreja de Santo Antônio, matriz de Santa Bárbara, detalhe do óculo central da

pintura das tábuas recuperadas em restauração. Foto IEPHA/MG ...............................98

Fig. 27- Capela de Nossa Senhora Aparecida, painel parietal da capela-mor. Córregos,

distrito de Conceição do Mato Dentro. Foto IEPHA/MG..............................................99

Fig. 28- Capela de Nossa Senhora Aparecida, detalhe de painel parietal da capela-mor.

Córregos, distrito de Conceição do Mato Dentro. Foto IEPHA/MG.............................100

Fig. 29- Capela de Nossa Senhora Aparecida, fundo do altar-mor. Córregos, distrito de

Conceição do Mato Dentro. Foto IEPHA/MG..............................................................101

Fig. 30- Capela de Nossa Senhora do Socorro, forro da capela-mor. Socorro, povoado

de Barão de Cocais. Foto IEPHA/MG...........................................................................102

Fig. 31- Capela de Santa Quitéria, forro da capela-mor. Catas Altas. Foto

IEPHA/MG....................................................................................................................103

Fig. 32- Capela de Santa Quitéria, forro da capela-mor. Catas Altas. Foto

IEPHA/MG....................................................................................................................104

Fig. 33 - Igreja de Nossa Senhora da Conceição, matriz de Catas Altas do Mato Dentro,

pintura do retábulo de Santana. Foto IEPHA/MG.......................................................105

Fig. 34- Igreja de Nossa Senhora da Conceição, matriz de Catas Altas do Mato Dentro,

pintura do retábulo de Santana. Foto IEPHA/MG.........................................................105

Fig 35- Catedral da Sé de Mariana, forro da sala da morte. ........................................106

Fig. 36- Catedral da Sé de Mariana, tarja de caixotão do forro da sala da morte..........107

8

Fig. 37- Igreja de Nossa Senhora da Conceição, matriz de Conceição do Mato Dentro,

forro da sacristia. Foto IEPHA/MG...............................................................................108

Fig. 38- Igreja de Nossa Senhora da Conceição, matriz de Conceição do Mato Dentro,

detalhe do forro da sacristia. Foto IEPHA/MG.............................................................110

Fig. 39- Catedral da Sé de Mariana, cartela central de tarja de caixotão do forro da sala

da morte.........................................................................................................................110

Fig. 40- Igreja de Nossa Senhora da Conceição, matriz de Conceição do Mato Dentro,

respaldo do arcaz da sacristia. Foto IEPHA/MG...........................................................111

Fig. 41- Capela do Senhor Bom Jesus das Flores do Taquaral, retábulo lateral do arco-

cruzeiro, lado do evangelho. Ouro Preto. Foto da professora Adalgisa Arantes

Campos..........................................................................................................................112

9

Apresentação

Nosso objeto de estudo constitui-se de pinturas da decoração arquitetônica de

capelas e igrejas setecentistas mineiras. Tratam-se, em sua maioria, de pinturas de

forros, incluindo alguns painéis parietais e a policromia de um retábulo. As

composições dos tetos incluem caixotões, pinturas de quadratura e de tarja central solta.

As obras foram reunidas por apresentarem indícios de serem da fatura do pintor

Gonçalo Francisco Xavier, ativo entre 1742 e 1775. Como a pesquisa envolve

atribuições de autoria tratamos de elencar certa quantidade de elementos pictóricos

recorrentes às obras, seguindo a metodologia indicada por Carlo Guinzburg em seu

“Mitos, Emblemas, Sinais”. Mais precisamente no que este autor se refere ao método

morelliano. Ressaltamos que a análise de detalhes anatômicos como lóbulos de orelhas

e unhas não se aplica ao nosso objeto de estudo, que nos permitiu comparar elementos

pictóricos como conchas, romãs, volutas, cartelas e quartelões inteiros. Colocadas as

atribuições, detivemo-nos na análise das pinturas à luz da classificação estilística com

sua respectiva cronologia.

O processo de agrupamento de obras que atribuímos ao pintor Gonçalo

Francisco Xavier se iniciou na década de 1980 com trabalhos de restauração que

realizamos a serviço do IEPHA-MG. A partir do contato íntimo com as pinturas sobre

tábuas de painéis parietais, forros e retábulos, pudemos iniciar o levantamento

fotográfico e agregar sob autoria comum, por compartilhamento de características

formais e estilísticas, trabalhos em nove igrejas e capelas de Minas Gerais. Por análise

comparativa foi possível identificar a linguagem pictórica de um mesmo artista nas

pinturas decorativas em forros, painéis parietais e retábulo em templos dispostos ao

longo do prolongamento do Caminho Novo em direção ao norte das Minas.

Em vistoria realizada na igreja de Santo Antônio, matriz de Santa Bárbara,

encontramos similaridades pictóricas com as obras que agrupávamos em quatro tábuas

com pintura recuperadas na parte externa da igreja em restauração. O que ocorreu

também com o friso da portada da capela lateral da nave, capela da Irmandade do

Santíssimo Sacramento. Sabendo da atuação do pintor Gonçalo Francisco Xavier na

matriz de Santo António em meados do século XVIII, pudemos proceder à atribuição de

autoria. As obras foram relacionadas a partir da constatação de identidade entre detalhes

pictóricos, levando em conta que estes elementos estão presentes em pinturas de outras

10

igrejas do mesmo período, mas com diferenças no desenho e pigmentação relativamente

óbvias. As informações sobre as obras que estudamos, de inegável valor artístico, são

mínimas e não haviam sido formuladas atribuições de autoria para nenhuma delas. Com

este estudo esperamos contribuir para uma melhor compreensão da arte do período

colonial em Minas Gerais.

A dissertação se constitui de três partes. Na primeira parte, dividida em três

capítulos, traçamos um percurso histórico contemplando características da arte do

Renascimento, do maneirismo, do barroco e do rococó. Destacamos a recuperação da

técnica da perspectiva, utilizada na Antiguidade Clássica e abandonada na Idade Média,

voltando a constar do vocabulário pictórico de artistas pré-renascentistas e aperfeiçoada

no Renascimento. Encerramos com destaque para a pintura decorativa de tetos, por este

tipo de pintura se constituir na maior parte das obras do barroco mineiro que estudamos.

Na segunda parte, também dividida em três capítulos, focamos características

dos ofícios mecânicos e dos pintores portugueses, o desenvolvimento e peculiaridades

das pinturas de forros em Portugal e no litoral da América Portuguesa. Discorremos

sobre tipologias como o brutesco, técnicas de composição como a quadratura e

nomeamos os autores das obras quando conhecidos.

Na terceira parte, dividida em cinco capítulos, discorremos sobre as irmandades

leigas, os ofícios mecânicos e a produção artística nas Minas Setecentistas, descrevemos

sumariamente os mecanismos de contratação das obras da arquitetura religiosa mineira

pelas irmandades leigas e sua difusão. Relatamos a identificação de características

pictóricas que nos permitiram agregar obras em nove igrejas e capelas mineiras do

século XVIII sob uma única autoria. Também indicamos o percurso que nos permitiu

identificar Gonçalo Francisco Xavier como o possível autor destas obras.

Acrescentamos descrições das pinturas com comparações entre alguns de seus

elementos formais e dados documentados acerca da atuação deste pintor em Minas

Gerais. Analisamos características recorrentes de desenho para anatomias e de pintura

para o jogo de luz e sombra. Seguimos com a explanação acerca de classificações

estilísticas presentes na historiografia da arte mineira. Analisamos os conjuntos

decorativos presentes nas igrejas e capelas observando elos com artes de outras partes

do Império Português e comparando as obras com produções contemporâneas.

11

Parte I

A conquista da realidade: a

configuração pictórica do espaço

12

Capítulo I - As principais propostas pictóricas entre o Renascimento

e o formulário maneirista

Em nosso estudo, julgamos procedente alargar nosso horizonte geográfico e

temporal para observar alguns dados da produção estilística ocidental que antecedem o

barroco. De maneira um tanto prospectiva, mas válida, isto significa estabelecer as

condições de uma conquista da realidade empreendida pelas artes do Renascimento. Ou

seja, entre vários aspectos e características das artes no Renascimento, conferir destaque

para a utilização e desenvolvimento da técnica da perspectiva, presente nas pinturas

barrocas que estamos estudando.

O Renascimento, com origem na Itália, foi o primeiro período histórico que se

autodenominou, consciente da própria existência. O passado então começou a ser

dividido com base nas realizações humanas e não mais, como na Idade Média, em

Antigo e Novo Testamento. A origem desta nova visão é apontada por Janson nos

escritos de Petrarca, por volta de 1330, que via a nova era como a ressurreição dos

textos latinos e gregos, lidos na pureza original de suas línguas. Este movimento se

estende progressivamente para todas as atividades culturais. 1

Para o advento do Renascimento, contribuiu o crescimento de importância das

cidades na Itália. Nos primeiros decênios do século XI surgem as repúblicas marítimas

de Veneza, Amalfi, Pisa e Gênova, independentes dos senhores feudais dos territórios

que as circundam. A estas se seguem, nos séculos seguintes, novas comunidades livres

como Milão, Lucca, Florença e Verona. No final do século XII autocracias militares

assumem o controle destas primitivas democracias, com muitos governos despóticos

tornando-se hereditários no começo do século XIII, mantendo-se a velha constituição

republicana em Florença e Veneza.2 A liberdade declina por toda parte e a classe média

alta passa a controlar o poder do Estado através das guildas, que regulamentam as

atividades econômicas, incluindo a direção das obras e os empreendimentos artísticos.

As guildas recrutavam entre seus membros comissões (os operai) para organizar

licitações e concorrências, contratavam artífices e fiscalizavam a execução das obras.

1 JANSON, H. W. História Geral da arte, renascimento e barroco.Trad. J. A. Ferreira de Almeida. Martins Fontes. São Paulo: 1993, p. 539. 2 HAUSER,Arnold. História social da arte e da literatura. Trad. Álvaro Cabral. Martins Fontes. São Paulo: 2000, p.286.

13

No século XIV as construções comunais e atividades artísticas atingem seu apogeu.

Governantes adulam os cidadãos legando às cidades realizações grandiosas. A arte era

utilizada como propaganda, pela qual os cidadãos acabavam por pagar, como na

edificação da catedral de Milão. Com o tempo, o poder passa a ser concentrado por

poucas famílias poderosas, o que enfraquece o poder das guildas e favorece o mecenato.

No século XV, Florença atinge o auge de seu desenvolvimento econômico. As

encomendas de obras seguem fluxo contínuo e a competição se instala entre seus

mestres.

A mudança da Idade Média ao Renascimento foi a concepção artística ser

retirada de uma representação subjetiva e interior para a representação do mundo

exterior, estabelecendo-se uma distância entre o sujeito e o objeto representado, tal

como ocorre com a perspectiva.3 A novidade não foi simplesmente a observação da

natureza, mas a obra de arte ter se convertido em estudo da natureza. O que mudou foi a

perda de força do simbolismo metafísico pela vontade artística de se representar o

mundo empírico conscientemente. Hauser aponta a presença de caráter anticlerical,

antiescolástico e antiascético, mas se os clérigos eram atacados, a Igreja era poupada e,

quando sua autoridade diminuiu, foi substituída pela da Antiguidade clássica. Não

sendo possível atribuir-se um caráter irreligioso à Renascença. 4

Alguns autores destacam como precursor da Renascença o pintor florentino

Giotto di Bondone (c. 1266-1337), que foi exaltado pelos italianos do Renascimento

como responsável pelo ressurgimento da arte, por ter redescoberto como criar a ilusão

de profundidade numa superfície plana (fig. 1).5 O que significa que sua arte era

considerada equivalente à dos mestres da Antiguidade greco-romana. Na Antiguidade o

homem atingira o ápice em suas realizações, período encerrado pelas invasões bárbaras

que destruíram o Império Romano. Esse período intermediário terminou com o

ressurgimento das artes e ciências da época clássica.

3 PANOFSKY, Erwin. Idea, contribuição à história da antiga teoria da arte. Trad. Paulo Neves. Martins Fontes. São Paulo: 1994, p. 43- 49.Ibidem, p.274. 4 HAUSER,Arnold. História social da arte e da literatura. Trad. Álvaro Cabral. Martins Fontes. São Paulo: 2000, p.274-286. 5GOMBRICH, E.H. A história da arte. Editora Guanabara. Rio de Janeiro: 1988, p. 150.

14

Segundo Gombrich, foi um grupo de artistas florentinos que, nos inícios do

século XV, seguiu um caminho inovador. Seu líder foi o arquiteto Filippo Brunelleschi,

(c. 1377-1446). Não só responsável pela renovação arquitetônica, mas também pela

descoberta da perspectiva com regras matemáticas. Caminho trilhado por Masaccio

(1401-1428) e Donatello (1386?-1466), que seguem a trilha aberta por Giotto e

desenvolvem estilo estatuesco; convivem com vestígios da tradição espiritualista gótica

em Fra Angelico (1387-1455) e Lorenzo Monaco (1370-1425); assim como os

progressistas Andrea del Castagno (1441-1457) e Paolo Uccello (1397-1475). Estas

diferenças não se sucedem cronologicamente. Donatello, Fra Angelico e Masaccio são

de uma mesma geração, Piero della Francesca (1416?-1492) é meia geração mais novo.

O final do Quattrocento assiste mesmo a um revivamento do gótico, como uma contra-

Renascença, numa convivência de tendências progressistas com conservadoras. 6

6 HAUSER,Arnold. História social da arte e da literatura. Trad. Álvaro Cabral. Martins Fontes. São Paulo: 2000, p. 302- 305.

Fig. 1- Giotto di Bondone - Ceia de Caná

Fonte: http://catholic-resources.org/Students/Renaissance/artwork.htm

15

No Norte, o mesmo autor considera a conquista da realidade como realização do

pintor Jan Van Eyck (1390?-1441), que trabalhou em Flandres. Este pintor utilizou uma

nova receita para preparação das suas tintas. Os pintores do período preparavam e

reduziam a pó os pigmentos minerais ou vegetais e os misturavam a aglutinante líquido

obtido de ovos. Utilizando óleo com aglutinante, Van Eyck conseguiu obter cores com

lustro e transparências. O processo de secagem era também mais lento, permitindo

maior acuidade técnica para os detalhes.

É importante destacar o desenvolvimento renascentista da perspectiva. Esta não

foi uma invenção da Renascença, mas até então se ignorava a técnica da perspectiva

central para a representação do espaço. O espaço representado pela secção transversal

da pirâmide óptica.7

Para a ótica da Antiguidade o campo de visão era compreendido como uma

esfera.8 As grandezas representadas eram determinadas pela amplitude dos ângulos de

visão e não por medidas de comprimento das distâncias dos objetos ao observador e dos

objetos entre si. Na pintura da Antiguidade as grandezas dos objetos diminuem para

indicar maior distanciamento, mas sem nenhuma modulação. As distâncias entre os

corpos não eram objeto de regras fixas nas representações pictóricas, o que gerava

representações geométricas ou impressões sensoriais mais ou menos corretas. As

idealizações da “perspectiva moderna” é que aplicarão a intersecção de um plano de

representação em uma pirâmide visual, com a totalidade do mundo mantida em

continuidade regulamentada. O eixo de fuga para o qual convergiam ortogonais já era

usado na Antiguidade.9

7 HAUSER,Arnold. História social da arte e da literatura. Trad. Álvaro Cabral. Martins Fontes. São Paulo: 2000, p. 347. 8 PANOFSKY, Erwin. A perspectiva como forma simbólica. Trad. Elisabete Nunes. Edições 70. Lisboa: 1991, p. 37. 9PANOFSKY, Erwin. A perspectiva como forma simbólica. Trad. Elisabete Nunes. Edições 70. Lisboa: 1991,p. 54, ver ilustrações 1e28.

16

A utilização esquemática do método do eixo de fuga por Duccio di Buoninsegna

(1255-1319) no teto de sua A Última Ceia da Maestà (fig. 2), pintada entre 1301 e 1308,

e também por Ambrogio Lorenzetti (1290-1348), nas suas, A Anunciação (fig.3), de

Fig. 2- Duccio di Buoninsegna - A Última Ceia da Maestà Fonte:

http://www.30giorni.it/br/articolo.asp?id=11005

17

Fig. 3- Ambrogio Lorenzetti - A Anunciação

Fonte: http://oracoesemilagresmedievais.blogspot.com/

1344 e A Apresentação no Templo, de 1342, apresentam várias ortogonais, no teto de

Buoninsegna e nos pisos de Lorenzetti, convergindo para um ponto de fuga. 10

No Norte, antes de meados do século XIV, já era conhecido o método do eixo de

fuga e o método do ponto de fuga passa a ser usado por volta do final do século. Apesar

de, sob um ponto de vista estritamente matemático, a perspectiva dos quadros de Van

Eyck não ser ainda correta, já se encontra evidente a orientação unificada da totalidade

10 PANOFSKY, Erwin. A perspectiva como forma simbólica. Trad. Elisabete Nunes. Edições 70. Lisboa: 1991, p.54, il.10, 11, 12.

18

do plano, com o quadro representando uma fatia da realidade destacada do espaço

contínuo e infinito.11

Na Itália, por volta de 1420, encontra-se já implementada a construzione

legittima, caracterizada pelo concurso de teorias matemáticas. Esta representação consta

na De prospectiva pingendi, de 1474 de Piero della Francesca (1416-1492). Antes não

havia método seguro para se determinar a representação das horizontais de um plano.

Segundo Alberti (1404-1472), na sua época era ainda dominante a prática errada de ir

reduzindo, automaticamente, num terço, cada faixa do chão, traçando assim as linhas

horizontais na pirâmide visual.12 Tanto em Brunelleschi quanto em Alberti, o novo

método é coincidente: definido o triângulo visual do plano, determina-se a maior

distância de profundidade desejada (uma linha horizontal) e traça-se uma diagonal

unindo a intersecção desta linha horizontal com uma das laterais do triângulo ancorado

no ponto de fuga ao vértice oposto. Os pontos de intersecção desta diagonal com as

linhas verticais representadas no interior da pirâmide visual determinam as horizontais

que se quer representar com distâncias de afastamento corretas.13

Com a afirmação do ponto de fuga central, a noção de espaço prolongada ao

infinito não coaduna mais com a visão aristotélica do mundo. Não foi por acaso que a

visão perspectiva do espaço tenha coincidido com a queda da teocracia da Antiguidade

e que tenha marcado o começo da antropocracia moderna E é um infinito, para alem de

sua prefiguração em Deus, tangível na realidade empírica. Do desenvolvimento prático

da perspectiva por artistas, viria a surgir, no século XVII, a geometria projectiva.14

O viés científico da abordagem renascentista da perspectiva é exemplificado

pelas máquinas de imagens, produzidas já no Quattrocento. As construções ópticas,

como as “portinholas” de Albrecht Dürer (1471-1528), a tavollete de Filippo

Brunelleschi e diversas espécies de “câmara escura”, segundo o modelo de

perspectivista monocular que elas pressupunham, participam da concepção mimética

das artes, reproduzindo imagens mais próximas a como se apresentam à visão, sem, por

11 PANOFSKY, Erwin. A perspectiva como forma simbólica. Trad. Elisabete Nunes. Edições 70. Lisboa: 1991,p. 56-57. 12 PANOFSKY, Erwin. A perspectiva como forma simbólica. Trad. Elisabete Nunes. Edições 70. Lisboa: 1991, p.59. 13 PANOFSKY, Erwin. A perspectiva como forma simbólica. Trad. Elisabete Nunes. Edições 70. Lisboa: 1991, p. 37. p. 60, figura 8. 14 PANOFSKY, Erwin. A perspectiva como forma simbólica. Trad. Elisabete Nunes. Edições 70. Lisboa: 1991, p. 55-67.

19

isto, tornar mecanizado o trabalho do artista. 15São instrumentos (technè) intermediários

entre o homem e o mundo.16 É um legado da Renascença e posterior a ela que pensemos

numa pintura ou escultura como uma imagem concentrada da realidade, vista a partir de

um único ponto de vista.17

Na Antiguidade a comparação entre pintura e poesia era esporádica, sendo

famoso o verso de Horácio: ut pictura poesis - poesia é como pintura. Ambas

compartilhavam como base a mimesis, a representação por semelhança com a natureza.

No Renascimento a obra de arte deve ser conforme ao imperativo de semelhança com a

natureza. O processo indicado para o aperfeiçoamento artístico não é a imitação de

obras dos mestres, mas da natureza, mais rica que qualquer obra. O Renascimento

exigiu, como a Antiguidade – pois imitatio e electio são noções aí originadas – que,

além da fidelidade à natureza, fosse acrescentada beleza às obras. O que denota a

intenção de um triunfo artístico sobre a natureza. O objetivo da teoria da arte surgida no

século XV era favorecer regras cientificamente fundamentadas para que a arte de então

fosse não só herdeira da Antiguidade greco-romana, mas que a superasse, merecendo

assim um lugar entre as “artes liberais”. 18

Leonardo da Vinci (1452-1519), em seu Paragone (competição), afirmava a

superioridade da pintura (artes plásticas) sobre a poesia (literatura) e defendia a inclusão

da pintura entre as artes liberais. A comparação entre estes meios ganhou então

importância. As artes, segundo classificação aristotélica, subdividiam-se em artes

mecânicas (pinturas, arquitetura, escultura, artesanato, agricultura, confecção de

vestuário, etc.) e as artes liberais, que se subdividiam em Trívio (dialética, gramática e

retórica) e Quadrívio (aritmética, astronomia, geometria e música). Leonardo reafirma a

sentença de Simônides, comparando a pintura a uma “poesia silenciosa” e a poesia a

uma “pintura falante”. Afirma que a pintura é “coisa mental” e a defende como uma

espécie de ciência natural exata, apregoando, alem do saber matemático do artista,

também seu talento, equivalente ao “gênio poético”. Não é ainda a idéia de “gênio

15 DUBOIS, Fhilippe. Cinema, vídeo, Godard. Cosac Naify São Paulo: 2004, p. 36. 16 DUBOIS, Fhilippe. Cinema, vídeo, Godard. Cosac Naify São Paulo: 2004, p. 38. 17HAUSER,Arnold. História social da arte e da literatura. Trad. Álvaro Cabral. Martins Fontes. São Paulo: 2000, p. 367. 18 PANOFSKY, Erwin. Idea, contribuição à história da antiga teoria da arte. Trad. Paulo Neves. Martins Fontes. São Paulo: 1994, p. 46-50.

20

original”, que só surgirá no século XVIII, com o advento de um “mercado livre e não

protegido” para as artes. 19

No Renascimento a pintura passa, portanto, a se articular no logos da poesia. Na

concepção mimética das artes a pintura passa a ser ilustração que quer ser lida, voltar a

ser texto, inserida nos códigos da retórica.20 A dignificação da pintura deveria, a partir

de então, superar a desaprovação aristotélica das artes mecânicas, que havia perpassado

a Idade Média. O sentido de artes na Antiguidade diferia do hodierno, indicando

doutrinas: as liberais, dignas da ocupação de homens livres, e as mecânicas, apropriadas

aos escravos.21 A partir do Renascimento inicia-se a reivindicação para a pintura (artes

plásticas) da dignidade das artes liberais.

O mercado de arte nos primórdios da Renascença foi determinado pela demanda.

Contudo, isso tendeu a mudar na medida em que o mercado consumidor de arte passou

a ser ocupado pelo amador, pelo connoisseur e pelo colecionador que compravam o que

lhes era oferecido. É do século XVI o primeiro marchand conhecido: o florentino

Giovanni Battista Della Palla, preposto do monarca francês, para o qual adquire obras

em Florença, inclusive de colecionadores. Até meados do século XV, as encomendas

eram majoritariamente destinadas a doações para a Igreja, a partir de então aumentam as

encomendas para fins particulares, com as famílias mais distintas decorando seus

palácios com pinturas e esculturas. O trajeto de doador de arte a colecionador pode ser

acompanhado entre os Médici: Cosimo (1415-1464) é construtor de igrejas, seu filho

Piero (1444-1469) é colecionador sistemático e Lorenzo (1449-1492) é exclusivamente

colecionador.22 A apreciação de qualidade artística destes amadores de arte,

pertencentes à elite intelectual, é bem específica. Lorenzo se faz acompanhar por um

escultor bem postado socialmente, Bertoldo, para quem elaborava alegorias e mitos

clássicos como tema, mas assiste a mudança de Leonardo de Florença a Milão. Talvez a

distância de Leonardo ao movimento neoplatônico explique a indiferença de Lorenzo

por Leonardo.

19 HAUSER,Arnold. História social da arte e da literatura. Trad. Álvaro Cabral. Martins Fontes. São Paulo: 2000, p. 334-341. 20 “Na concepção renascentista das artes- que de certo modo perdurará em muitos dos seus dogmas fundamentais intacta até o Século XVIII- todas as artes partem desse pressuposto que as une: a mimesis.” LESSING, G. E. Laocoonte ou sobre as fronteiras da pintura e da poesia. Tradução do Alemão de Márcio Seligmann-Silva. Iluminuras. São Paulo: 1998, p. 10. 21 LESSING, G. E. Laocoonte ou sobre as fronteiras da pintura e da poesia. Tradução do Alemão de Márcio Seligmann-Silva. Iluminuras. São Paulo: 1998, p. 12 22 HAUSER,Arnold. História social da arte e da literatura. Trad. Álvaro Cabral. Martins Fontes. São Paulo: 2000, p. 309.

21

A Renascença se caracteriza pela presença dos literati, associados aos

movimentos humanista e neoplatônico. Os artistas, antes dependentes da Igreja e das

guildas, passam agora a ser avaliados por esses críticos e connoisseurs qualificados.23

Neste período os artistas ascendem da condição de artesãos a trabalhadores intelectuais

livres. No início do Quattrocento ainda eram considerados como artesãos superiores e

recebiam salário proporcional ao tempo trabalhado. Por volta do final do século XV o

preço das cores deixa de constar em contratos, incluído no custo final das obras. Na

Itália os mestres não são mais necessariamente vinculados às cidades, como no Norte,

são disputados pelos poderosos e deslocam-se pelas cidades isentos das restrições das

guildas locais. Na virada do século a cúria papal rivaliza com o público artístico

florentino na contratação dos artistas mais conceituados e seus pagamentos começam a

variar proporcionalmente à sua fama.

A idéia de estilo pessoal no século XV está presente em um tratado de Filarete,

no qual as formas de uma obra são comparadas aos traços caligráficos de um

manuscrito, que denotam a mão do escritor.24 A educação e a formação dos artistas

mudam. Os aprendizes em oficinas de mestres eram fonte barata de mão-de-obra. A

instrução começava por tarefas assistenciais, passava por progressiva participação em

partes de obras e concluía-se com a realização de uma obra completa. No Quattrocento

já se ensinavam rudimentos de geometria e anatomia em oficinas destacadas. Destas

oficinas originar-se-iam, no início do século XVI, escolas nas quais é dada mais atenção

à instrução teórica, e as guildas não mais detêm o monopólio da educação artística. O

objetivo maior da formação passa da imitação das grandes obras para o estudo direto da

natureza, o que foi inicialmente teorizado por Leonardo da Vinci. O descrédito das

cópias não se deu por crítica à falta de “idéias” na imitação. “O argumento não podia

valer antes que a idéia se tornasse o conceito central da teoria da arte.” 25

A autonomia da arte para ser fruída independentemente de sua utilidade não era

estranha à Antiguidade clássica, fora esquecida na Idade Média e redescoberta no

Renascimento. Esta noção de autonomia pressupõe uma liberdade em relação à proposta

metafísica da Igreja sem, contudo, estabelecer uma relação de subordinação total com a

23 HAUSER,Arnold. História social da arte e da literatura. Trad. Álvaro Cabral. Martins Fontes. São Paulo: 2000, p. 321. 24 HAUSER,Arnold. História social da arte e da literatura. Trad. Álvaro Cabral. Martins Fontes. São Paulo: 2000,p. 341. 25 PANOFSKY, Erwin. Idea, contribuição à história da antiga teoria da arte. Trad. Paulo Neves. Martins Fontes. São Paulo: 1994, p. 48.

22

ciência. Antes significa uma eqüidistância em relação à transcendência da fé e ao

mundo prático. Hauser cita, concordando com Dilthey, a sua afirmação de que é

possível falar de uma “imaginação artística” para a ciência e de uma “imaginação

científica” para a arte no início da Renascença. A nova concepção científica de arte,

base do ensino em academias, começa com Leon Battista Alberti (1404-1472), o

primeiro a pensar na matemática como base comum da arte e das ciências.26

O conflito medieval entre corpo não espiritual e espírito não sensível deixa de

existir no Quattrocento, ainda não se estabelecem vínculos diretos entre beleza física e

qualidades intelectuais e espirituais, o que será feito no Cinquecento. Na Alta

Renascença (1500-1520) o nu volta a ser permitido para figurações supra reais, como

nas obras de Michelângelo (1475-1564), modelos agora de perfeição, que equilibram

beleza e força espiritual. Na arte está representado o ideal de personalidade humanista:

compostura, comedimento, tranqüilidade e segurança. Prevalece então o ideal de

Kalokagathia, razão direta entre o belo e o bem.27 Beleza e energia física alinham-se a

significados intelectuais. Os artistas têm como modelo a beleza madura e não mais a

elegância juvenil e pretensiosa do Quattrocento. Este tipo de beleza só encontra paralelo

na Antiguidade clássica. O modelo a ser adotado é definido pelo ideal de personalidade

descrito por Castiglione em Il Cortegiano. A compostura e o autodomínio devem se

manter em quaisquer circunstâncias, dando-se impressão de desembaraço e

espontaneidade, sem ostentação, exagero e posturas afetadas ou teatrais. A boa postura

social requer uma dignidade imperturbável e natural. Na moda é recomendável o

exemplo espanhol: roupas negras ou escuras. As cores desaparecem da arquitetura e

escultura, dificultando imaginar estas realizações gregas como originalmente coloridas.

A Renascença foi um destes períodos de euforia na história da humanidade entre

miséria e sofrimento. O aspecto de crise no Renascimento tomou forma no maneirismo:

uma crise do humanismo, que perseguia um ideal estóico de superação do meramente

humano. E foi a fé no homem que ruiu.28 O tempo de crise se instaura a partir de 1520

com a perda da supremacia econômica da Itália, o choque sentido pela igreja com a

Reforma, a invasão da Itália por franceses e espanhóis e o saque de Roma. O que dá

26 HAUSER,Arnold. História social da arte e da literatura. Trad. Álvaro Cabral. Martins Fontes. São Paulo: 2000, p. 333. 27 HAUSER,Arnold. História social da arte e da literatura. Trad. Álvaro Cabral. Martins Fontes. São Paulo: 2000, p. 364. 28 HAUSER,Arnold. Maneirismo, a crise da Renascença e o surgimento da arte moderna. Trad. Magda França. Perspectiva, Ed. Da Universidade de São Paulo. São Paulo: 1976, p. 17-18.

23

origem a diversas tendências antagônicas nas artes, engendrando um formalismo frio e

quase árido que situa a “visão interior” acima da supremacia da natureza e dos antigos.29

As fórmulas de equilíbrio isentas de tensão já não são adequadas e o classicismo

degenera em imitação externa de modelos clássicos ou num alheamento espiritual em

relação a eles. O formalismo rigoroso da Alta Renascença se esvaiu rapidamente com o

maneirismo.30

Hauser desautoriza os epítetos de “afetado” ou “amaneirado” do conceito de

maneirismo. Destaca que Vasari usa manieira para designar individualidade artística, ou

“estilo”, em sentido amplo.31 Também Borghini usou o termo em sentido positivo,

lamentando a falta desta “qualidade” em certos artistas. Após a perda da supremacia

econômica da Itália, o choque representado pela Reforma Protestante, a invasão do país

pelos franceses e espanhóis e o saque de Roma, o estado de ânimo que se propaga da

Itália para o resto da Europa Ocidental é de descalabro. Uma arte que reflete a

idealização de equilíbrio e permanência fica, portanto, sem razão de ser. A solução

artística adotada é derivada, afinal, do classicismo. O modelo de perfeição artística já

havia atingido o seu cume estreito na Alta Renascença, e permaneceria como referência

por muito tempo ainda. Para os artistas de então, as conquistas da Alta Renascença não

podiam ser simplesmente abandonadas, apesar das formas clássicas de equilíbrio não

servirem mais. A emulação dos modelos clássicos continua a atraí-los para uma ansiosa

imitação, como uma compensação pelo alheamento espiritual em relação a eles. Mas

com mudanças em relação ao tratamento da espacialidade nas representações.

O caráter maneirista do espaço é essencialmente produto de um ‘horror vacui’ que não está, como em tantos casos, associado à prática de deixá-lo vazio em

29 JANSON, H. W. História Geral da arte, renascimento e barroco.Trad. J. A. Ferreira de Almeida. Martins Fontes. São Paulo: 1993, p.669. 30 HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. Trad. Álvaro Cabral. Martins Fontes. São Paulo: 2000, p. 366. 31 “Os critérios de Vasari incluem o disegno- a arte do bom desenho ou traçado. Aqui, Vasari usa a concepção neoplatônica de que o artista tem a idea do objeto que ele está tentando reproduzir plantada em sua mente por Deus. A obra de arte, seja ela pintura ou escultura, refere-se tanto ao objeto que o artista vê quanto à forma perfeita que existe apenas em sua mente. O segundo critério é natura- a arte como imitação da natureza era um conceito novo no século XV. Aqui, também, Vasari introduz a idéia platônica de que os artistas são capazes de superar a natureza pelo conhecimento das formas perfeitas. O terceiro, grazia- ou graça- é uma qualidade essencial da arte, como fica patente na suavidade de obras de artistas como Michelangelo. O quarto, decoro, refere-se à decência artística ou adequação- por exemplo, o santo, homem ou mulher devia aparentar virtude. Isso passou a significar também uma forma de pudor que exigia que a genitália de nus esculpidos ou pintados fosse coberta- às vezes, depois de a obra ter sido terminada. A categoria final de Vasari era maniera, que se refere tanto ao estilo pessoal do artista quanto ao estilo de uma escola específica.” In: ARNOLD, Dana. Introdução à história da arte. Trad. do inglês de Jacqueline Valpassos. Ática. São Paulo: 2008, p. 48.

24

certos lugares, mas resulta neste caso num tal abarrotamento de todo o quadro que o efeito é similar ao de uma tapeçaria com um padrão ornamental cerrado.32

O processo de emulação resulta em acréscimo de características subjetivas como o

aprofundamento e espiritualização da vida religiosa, o intelectualismo exagerado, ou

ainda na incorporação de traços do bizarro, verificável nas obras de El Greco (1541?-

1614), Parmigianino (1503-1540), Bronzino (1503-1572), Tintoreto (1518-1594) e

Bruegel(1525?-1569). 33

O que mudou foi o mundo e a visão de mundo dos artistas. Esta heterogeneidade

de tendências não é apenas fruto de escolhas arbitrárias, mas sinal de fragmentação dos

critérios de realidade e tentativa de harmonizar a espiritualidade medieval com o

realismo renascentista.34 As conexões das obras maneiristas, em abstrata relação,

encontram analogia no mundo confuso do sonho, mas com os objetos integrantes

rigorosamente naturalistas. Observam-se duas tendências opostas: uma espiritualista e

outra sensualista. Aí se enquadram El Greco e Bruegel.

O maneirismo domina da terceira década do século XVI ao seu final. Mas

mistura-se no começo e no final do período com tendências barrocas, essas duas linhas

já se ligam nas obras finais de Rafael (1483-1520) e Michelângelo, estas obras já

apresentam competição entre as características expressionistas do barroco e a concepção

de base surrealista do maneirismo.35 O barroco é reprimido em favor do maneirismo por

mais de seis décadas após o saque de Roma. O maneirismo é o estilo aristocrático e o

barroco inicial representa uma tendência mais popular. O barroco triunfará à medida

que a propaganda eclesiástica da Reforma Católica se difunde para o povo. Nas cortes

européias do século XVI o maneirismo é a tendência predileta e se propaga da Itália

para outros países com o absolutismo. Um novo misticismo encontra expressão na

tensão entre elementos espirituais e físicos. Como se, nas figurações, fosse captado o

esforço da alma para dar forma ao corpo.

32 HAUSER, Arnold. Maneirismo, a crise da Renascença e o surgimento da arte moderna. Trad. Magda França. Perspectiva, Ed. Da Universidade de São Paulo. São Paulo: 1976, p. 171. 33 HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. Trad. Álvaro Cabral. Martins Fontes. São Paulo: 2000, p. 368-369. 34 HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. Trad. Álvaro Cabral. Martins Fontes. São Paulo: 2000, p. 372. 35 HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. Trad. Álvaro Cabral. Martins Fontes. São Paulo: 2000, p. 374.

25

No maneirismo, à liberdade de composição contrapõe-se uma tensão interna do

estilo, por se pretender unificar a totalidade do quadro. A arte maneirista renega o lado

impetuoso do espaço barroco tanto quanto a ordem estável do espaço renascentista.36

36 PANOFSKY, Erwin. Idea, contribuição à história da antiga teoria da arte. Trad. Paulo Neves. Martins Fontes. São Paulo: 1994, p. 77.

26

Capítulo II - O ciclo do barroco: as primeiras luzes de uma

espacialidade

O maneirismo é sucedido cronologicamente pelo barroco, iniciado na Itália. Este

termo tem sido usado por quase um século para designar o estilo dominante entre 1600

e 1750. O seu significado original de irregular, contorcido e grotesco está largamente

ultrapassado. Janson destaca que, por volta de 1600 o movimento de renovação interna

da Igreja já havia alcançado seus objetivos e que o protestantismo se encontrava na

defensiva, tendo já perdido alguns territórios para o catolicismo. Por isso e pelo barroco

ter sido assimilado rapidamente pelo Norte protestante, nega validade a que tenha sido

expressão do espírito da Contra-Reforma. Acha problemática também a associação do

barroco com o absolutismo, pois, apesar do reinado de Luís XIV representar o auge do

absolutismo, a concentração de poderes políticos já vinha se formando desde a década

de 1520, sob Francisca I da França, e os Médici, duques de Toscana. À associação com

a ciência e filosofia do período, contrapõe a complexidade dos sistemas então vigentes,

o que impediria que os artistas usassem as informações destas áreas como fonte de

inspiração. Julga que o barroco não foi resultado, mas uma característica a mais,

juntamente com o catolicismo revigorado, o Estado absolutista e o novo papel da

ciência.37

Hauser destaca a importância para os homens do período da ciência natural que

se desenvolvia então, especialmente a cosmovisão copernicana. O espaço tornado

infinito mudou o antigo lugar do homem no universo atribuído pela Providência. E

também que o universo tornado infinito reduziu o homem a uma escala minúscula, mas

o levou a desenvolver um sentimento de orgulho e amor-próprio Sendo isto verificado

nas obras de arte por suas diagonais, escorços e contrastes de luz exagerados.38

É opinião corrente no século XVII que a pintura se eleva a modelo para todas as

demais artes, o que fica evidente pela incorporação do neologismo “pitoresco” pelas

línguas latinas.39 Sem a tridimensionalidade da arquitetura e escultura, a pintura se vale

de técnicas que permitem “corrigir” o mundo representado, e nesse mundo cambiante e

37JANSON, H. W. História Geral da arte, renascimento e barroco.Trad. J. A. Ferreira de Almeida. Martins Fontes. São Paulo: 1993, p. 716. 38 HAUSER,Arnold. História social da arte e da literatura. Trad. Álvaro Cabral. Martins Fontes. São Paulo: 2000, p.451. 39 MARAVALL, José Antonio. A cultura do barroco, análise de uma estrutura histórica. Trad. Silvana Garcia. Editora Universidade de São Paulo. São Paulo: 1997, p. 395.

27

hierarquizado, os elementos formais constituintes das obras têm que apresentar graus de

clareza e importância conformes à sua posição relativa e grau de importância.

Para Maravall o barroco é um conceito histórico que supera um conceito de

estilo, sendo manifestação cultural de uma determinada época e que se localiza na

Europa e nas áreas sob influência direta de alguns países europeus. Este autor defende o

epíteto de “sociedade de massa” para a sociedade barroca. Não só pela extensiva

utilização de vocábulos como “manufatura” e “fábrica”. Mas principalmente pelo

enfraquecimento dos laços de parentesco, pelo caráter contratual nas inter-relações: com

destaque para termos como “aluguel”, “salário” e “compra” e “venda”. Alude também

para o crescimento das cidades, o êxodo rural e deslocamentos que alteram os nexos

sociais. Maravall utiliza o termo Kitsch para obras culturais voltadas para o vulgo, de

baixa qualidade, mas guardando semelhança suficiente com a produção cultural superior

para participar da mesma classificação de barroca. Explica este fato com a necessidade

de produção massiva para atender a uma maior demanda de consumo de cultura.

Os tratadistas de meados do século XVI julgaram que a arte havia alcançado sua

plenitude com Rafael e Michelângelo. Acreditavam ser possível codificar as conquistas

experimentais dos mestres desde duas gerações anteriores a eles para elaborar uma

estética contendo a natureza, a finalidade e os conteúdos válidos para a arte. Foi Giovan

Pietro Bellori, teórico e crítico de arte do século XVII, quem aproximou a teoria

artística ao aristotelismo, evitando teorias platônicas, ao propugnar a imitação como

modelagem da idéia, não uma idéia subjetiva, mas originária da própria natureza.40

Tanto Horácio quanto Aristóteles haviam estabelecido a identidade entre pintura e

poesia como fonte de instrução e deleite.41 Outros autores clássicos já haviam

assinalado as similitudes entre poesia e pintura. É de Plutarco a célebre sentença:

picturam esse poesim tacentem, poesim picturam loquentem.42 Mas é no período do

barroco que a máxima ut pictura poesis alcançou sua máxima evidência e

significação.43

40 CREMADES, Fernando Checa. TURINA, José Miguel Morán. El barroco. Ediciones Istmo, S.A.. Toledo: 2001, p.118. 41 CREMADES, Fernando Checa. TURINA, José Miguel Morán. El barroco. Ediciones Istmo, S.A.. Toledo: 2001, p.119. 42 “Pintura é poesia muda, poesia é pintura falante.” CREMADES, Fernando Checa. TURINA, José Miguel Morán. El barroco. Ediciones Istmo, S.A.. Toledo: 2001, p. 117. 43 “Poesia é como pintura (ut pictura poesis); uma te cativa mais, se te deténs mais de perto; outra, se te pões mais de longe; esta prefere a penumbra; aquela quererá ser contemplada em plena luz, porque não teme o olhar penetrante do crítico; essa agradou uma vez; essa outra, dez vezes repetida, agradará

28

Na emblemática, que surge por volta do século XVI, as imagens têm nomes legíveis e as palavras, matéria visível. As noções retóricas de verossimilhança; de engenho; de decoro; de ofício; de afeto; de juízo e de agudeza são mobilizadas pelas artes, e a agudeza determina a possibilidade e o nível de sua compreensão. Neste sentido, a pintura oferecia maior alcance que a poesia: “ a pintura é livro de néscios, e a poesia livro de sábios, e assim aquela é entendida até do ignorante, e esta não se dá a entender mais que ao estudioso.44

A orientação humanista já declinava quando o termo ut pictura poesis ressurgiu

no final do século XVI e o binômio pintura-eloquência se deriva do binômio pintura-

poesia.45 Isto é possibilitado para a obra que é também discurso demonstrativo e

passível de ser transcrita em valores literários. As academias preparam os artistas para

serem profissionais independentes. A pintura deve ser eloqüente e provocar uma reação

sentimental, despertando emoções afins à sociedade a que se dirige. “É uma técnica da

persuasão que deve levar em conta não só os próprios meios e possibilidades e, mas

também as disposições do público”.46 O que se investiga então é a alma humana. Para

provocar reações desejadas os modelos já não devem se ater totalmente ao real, mas ao

verossímil, para comover o público visado. O verossímil, proposição da Retórica de

Aristóteles, é diverso do verdadeiro. Embora produzam efeito análogo para fins de

persuasão. O importante não é a finalidade ou utilidade da persuasão, mas o próprio ato

de persuadir, pelo que não se pode reduzir a arte barroca a serva da Reforma Católica. A

forma do trompe-l’oeil, tão usual no barroco, é apresentada por Argan como exemplo

desta persuasão sem objeto. Este autor supõe que a arte usada como persuasão dependa

tanto das ideologias religiosas quanto do novo modo de vida social, principalmente da

afirmação das burguesias européias nos grandes Estados monárquicos. 47

A questão básica da teoria barroca da arte foi: por que se limitar a atuar entre a

imitação e a idealização? Estas correntes foram representadas pelo caravaggismo e pelo

carracciismo. Caravaggio (1573-1610) caracterizado pela imitação através da seleção ou

escolha dos modelos a serem reproduzidos, os Carracci, pela técnica mental ou da

imaginação. De um lado está a técnica no pincel, o exercício do olho; do outro há a

sempre.” HORÁCIO. Ars Poética (361-365). Aristóteles, Horácio, Longino, A Poética Clássica. Trad. Jaime Bruna. São Paulo: Cultrix, 1988, p. 65. 44 MUHANA, Adma. Tratado seiscentista de Manuel Pires de Almeida/Adma Muhana. Trad. do Latim de João Ângelo Oliva Neto. Editora da Universidade de São Paulo/Fapesp. São Paulo: 2002, p. 174. 45ARGAN, Giulio Carlo. Imagem e persuasão, ensaios sobre o barroco.Trad. Maurício Santana Dias. Companhia das Letras. São Paulo: 2004, p.34. 46 ARGAN, Giulio Carlo. Imagem e persuasão, ensaios sobre o barroco.Trad. Maurício Santana Dias. Companhia das Letras. São Paulo: 2004, p.35. 47 ARGAN, Giulio Carlo. Imagem e persuasão, ensaios sobre o barroco.Trad. Maurício Santana Dias. Companhia das Letras. São Paulo: 2004. p.36-37-38.

29

generalização pintura-poesia.48 A arte barroca mergulha na diversidade dos fenômenos,

no fluxo em devir, produz composições dinâmicas, abertas e tendendo a romper

fronteiras. As formas integrantes estão ligadas numa mesma ação orgânica e não podem

ser separadas. São inquietas e esvoaçantes, marcadas pelo patético em composições que

expressam sentimentos, vida, morte e violência. Várias diferenças estilísticas coexistem

em regiões próximas, às vezes num mesmo país. Por vezes a arquitetura apresenta

características clássicas, com as artes decorativas em estilo barroco. Mas a tendência

geral é a de que todas as artes se encaminhem para um mesmo propósito expressivo. O

barroco é rico em variedades, facilitadas pelo intenso fluxo de formas, apresentando um

internacionalismo não reprimido por diferenças de credo religioso. No primeiro quartel

do século XVII, a cidade de Roma atrai artistas de várias partes da Europa que para lá

afluem no intuito de conhecer as obras dos mestres do Renascimento.

Os Carracci, Anibale (1560-1609) e Agostino (1557-1602) com seu primo

Lodovico (1555-1619), fundaram em Roma a Academia degli Incamminati onde

criaram um modelo de pintura mitológica e estabeleceram o tipo de pintura retabular

dividido em duas partes representando o mundo terreno e o celestial em diálogo por via

da retórica sacra. Durante o século XVII, formas sacras e profanas, alegóricas e

narrativas multiplicam-se em telas, paredes e tetos de palácios e de igrejas italianos.

Durante este século foi constante o desenvolvimento da perspectiva aérea em tetos,

destacando-se na pintura decorativa de Pietro da Cortona (1596-1669), Giovanni

Battista Gaulli (1639-1709) e Andréa Pozzo (1642-1709), tratadista que pintou A Glória

de Santo Inácio, entre 1691 a 1694, em Roma.

A Aurora de Guercino (1591-1666), na Galeria Farnese, por sua combinação de

perspectiva arquitetônica com figuras em escorço, vistas de baixo, com nuvens e céu ao

fundo, proporcionando ilusão de abertura a espaço ilimitado no teto, é apontada por

Janson como iniciadora do “que em breve se tornaria uma autêntica vaga de visões

semelhantes pelos tetos das igrejas e palácios”. Para Janson o ápice do barroco e da

pintura de perspectiva aérea em tetos foi a Glorificação do Pontificado de Urbano VIII,

pintado por Pietro da Cortona (1596-1669) no átrio do Palácio Barberini, em Roma,

entre 1633 e 1639 (fig. 4).

48 ARGAN, Giulio Carlo. Imagem e persuasão, ensaios sobre o barroco.Trad. Maurício Santana Dias. Companhia das Letras. São Paulo: 2004, p.33-34.

30

Fig. 4- Pietro da Cortona - Glorificação do Pontificado de Urbano VIII – Fonte:

http://www.lasiciliainrete.it/barocco/personaggi/cortona/cortona.htm

Figuras esvoaçantes se distribuem em profundidade no teto, com algumas

parecendo pairar no interior do átrio enquanto outras parecem estar mais recuadas na

luminosidade do infinito.49.

Nesta mesma linha Janson destaca também o Triunfo do nome de Jesus, pintado

por Giovanni Battista Gaulli (1639-1709) na abóbada da igreja de Jesus, em Roma,

entre 1676 e 1679.

Para Magno Mello, de extrema importância para a pintura de perspectiva a céu

aberto, é o pintor-cenógrafo Andrea Pozzo que, no final do século XVII, atinge o

49 JANSON, H. W. História Geral da arte, renascimento e barroco.Trad. J. A. Ferreira de Almeida. Martins Fontes. São Paulo: 1993, p. 721.

31

ápice na tratadística das representações perspécticas com uma metodologia que é

divulgada por todo o mundo europeu, do México à China.50 O seu tratado foi

publicado em Roma (1693-1700). Andrea Pozzo pintou o teto da nave da igreja de

Santo Inácio, em Roma, (1691-1694), com características similares às duas pinturas

citadas anteriormente (A Aurora de Guercino e a Glorificação do Pontificado de

Urbano VII): figuras esvoaçantes em diferentes posições na escala de profundidade.

A professora Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira faz uma síntese deste

assunto em artigo intitulado “A Pintura de Perspectiva em Minas colonial”:

Os princípios da perspectiva vertical foram elaborados na Itália, onde, desde o século XVI, praticavam-se nos tetos das igrejas e palácios as duas modalidades fundamentais da visão sottinsù, isto é, de baixo para cima: a da perspectiva geométrica, expressa pelo desenho arquitetônico e também chamada de “quadratura”, e a da perspectiva aérea, baseada apenas nas figuras esvoaçantes em pleno céu. O primeiro processo, explorado primeiramente pelos pintores maneiristas, encontraria depois no Padre Pozzo seu mais genial representante, enquanto o segundo, desenvolvido precursoramente por Corregio, nas cúpulas das igrejas de São João Evangelista e Duomo de Parma, teria no século XVIII seus princípios reinventados pelos pintores venezianos, que podem ser considerados seus mestres incontestáveis. Em alguns casos, como na nave de Santo Inácio, os dois processos foram utilizados simultaneamente.51

Nos fins do século XVII, no reinado de Luís XIV, a França destaca-se como a

nação mais poderosa da Europa, militar e culturalmente. A arte francesa desenvolveu

então estilo próprio para o qual os franceses utilizam a denominção estilo Luís XIV

ou “clássico”, mas que Janson prefere denominar de “barroco classicista” ou

“classicismo barroco”. Com a morte de Luís XIV e o emperramento da máquina

administrativa que Colbert criara, a alta burguesia, antes restrita ao palácio de

Versalhes, transfere-se para Paris onde construiu residências elegantes cuja decoração

requintada originaria um novo estilo, o rococó, que se internacionalizaria e

“corresponde a um requinte em tom menor do barroco curvilíneo e ‘elástico´ de

Borromini e Guarini.” 52

50 MELLO, Magno Moraes. A Pintura de Tectos em Perspectiva no Portugal de D. João V. Editorial Estampa: Lisboa, 1998, p.23. 51 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. A Pintura de Perspectiva em Minas colonial. ÁVILA, Afonso. (org.) Barroco: Teoria e análise. Tradução Sérgio Coelho e Perola de Carvalho, Elza Cunha de Vicenzo, Eldécio Mostaco, Marise Levy. São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, 1997, p.445. 52 JANSON, H. W. História Geral da arte, renascimento e barroco.Trad. J. A. Ferreira de Almeida. Martins Fontes. São Paulo: 1993, p. 789.

32

Capítulo III - A estética do rococó: um ciclo pictórico que avança

para o século XIX

O desenvolvimento da arte palaciana, iniciado no final da Renascença, tem

seu desenvolvimento interrompido no final do século XVIII. É neste século que a

burguesia se afirma, obtendo poder econômico, social e político. Movimento que se

inicia na França, no período da Regência, com a transferência da corte de Versalhes a

Paris coincidindo com progressiva corrosão do poder real como princípio de

autoridade absoluta. Com o regente Felipe de Orléans entra em voga o hedonismo e o

libertinismo, com os membros da nobreza dispersos por seus castelos e palácios,

divertindo-se nos teatros, bailes e salons da cidade.53 Essa atitude tem base filosófica

alheia ou contrária à fé cristã, o que remete à idéia do propalado anti-religiosismo do

século XVIII; mas isto merece um aparte: os ataques dos filósofos racionalistas eram

mais anticlericais que anti-religiosos, visando menos o cristianismo do que suas

rígidas instituições. Nos Estados onde o poder da Igreja havia sido consolidado no

século XVII, tais como Portugal, Espanha, Itália, Áustria, Alemanha do Sul, Polônia

e Boêmia (Atual República Tcheca) “a fé cristã das populações continuou se

alimentando nas fontes medieval e contra-reformista, inspiradoras da arte religiosa

nas diversas versões do barroco tardio e do rococó”.54

A atitude de reabilitação do prazer como princípio moral tem origem na

tradição clássica e antecedentes próximos em filósofos do século XVII, como

Descartes, Malebranche, Shaftsbury e Spinosa. Teólogos e moralistas católicos,

principalmente os jesuítas, tentam uma acomodação deste ideário com os princípios

da religião cristã, buscando uma conciliação entre prazer e virtude.55 A aproximação

entre religião e racionalismo não chegou a se popularizar na França, apesar de ter

resultado em várias publicações. Mais frutuosa foi a tentativa dos moralistas de

53 HAUSER,Arnold. História social da arte e da literatura. Trad. Álvaro Cabral. Martins Fontes. São Paulo: 2000, p. 499. 54 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. O rococó no Brasil e seus antecedentes europeus. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, p. 55. 55 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. O rococó no Brasil e seus antecedentes europeus. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, p. 53.

33

associar o prazer à felicidade também na esfera religiosa, gerando uma concepção

mais positiva da fé cristã.56

Isto teve reflexo no plano artístico, engendrando um novo esquema de

decoração religiosa, desaparecendo a tendência para o monumental, o cerimonioso e

o solene já nos primeiros tempos do rococó, dando lugar a uma qualidade mais

delicada e mais íntima.57 Em lugar das cores fortes do barroco: vermelho, azul e

terras, utilizam-se cores claras em tons pastéis e delicados. Há um incremento do

sermão e do teatro, cuja potencialidade de convencimento é valorizada pela Igreja,

sendo sintomático que a expressão “teatro sacro” tenha sido usada para designar

decorações internas de igrejas do rococó germânico.58

O rococó religioso se originou na França, mas aí não encontrou

desenvolvimento pleno por fatores como:

a forte tradição acadêmica do país, que privilegiava o classicismo como herança nacional, e o legado de austeridade do jansenismo e sua moral melancólica, que apesar de derrotado no plano dogmático continuava fortemente impregnado no catolicismo francês.59

Aspecto que não se verifica na Europa Central em regiões germânicas da

Baviera, Suábia e Francônia e a Boêmia eslava. Notadamente na região limítrofe ao

Danúbio onde, aproximadamente entre 1690 e 1775, assistiu-se a uma verdadeira

febre construtiva. Nas igrejas construídas em estilo rococó o fator ornamental tem

peso equivalente ao arquitetônico. 60 Quando arquitetos e decoradores trabalham em

sintonia pode-se alcançar o conceito de gesantkunstwerk’, em alemão, significando

obra de arte total. O que ocorreu nas igrejas de peregrinação de Steinhausen (1728-

1735) e Wies (c. 1745-1754), construídas pelos irmãos Dominikus (1685-1766) e

Johan Baptist Zimmermann (1680-1758). São de Johan Baptist as pinturas dos forros

das naves destas igrejas. São pinturas de perspectiva aérea, com arrombamento

perspéctico nas representações do céu. A ilusão de profundidade é dada pelos efeitos

56 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. O rococó no Brasil e seus antecedentes europeus. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, p. 54. 57 HAUSER,Arnold. História social da arte e da literatura. Trad. Álvaro Cabral. Martins Fontes. São Paulo: 2000, p. 497. 58 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. O rococó no Brasil e seus antecedentes europeus. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, p.56. 59 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. O rococó no Brasil e seus antecedentes europeus. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, p. 75. 60 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. O rococó no Brasil e seus antecedentes europeus. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, p. 78-82.

34

de gradação de luz e cores, com as partes mais claras no centro da composição

sugerindo o infinito dos espaços celestiais. A trama arquitetônica, pintada nas laterais

em tetos italianos deste tipo, foi suprimida. A transposição da arquitetura real para o

céu é feita por faixa de ornamentos em estuque, onde a rocalha encontra espaço

privilegiado.61

Contemporâneo dos irmãos Zimmermann é o arquiteto Balthasar Neumann

(1687-1753). O seu projeto para o Palácio Episcopal de Würzburg inclui a Kaisersaal,

um salão elíptico com elementos estruturais como colunas, pilastras e arquitraves

reduzidos ao mínimo. O teto deste salão tem pintura do veneziano Giovanni Battista

Tiepolo (1696-1770). Esta pintura é de perspectiva aérea em seu desenvolvimento

final, com um céu com nuvens banhadas pelo sol onde anjos vagam acima e entre

sólidos grupos de figuras.62

Ressaltamos que estas composições de perspectiva aérea com o céu ocupando

a quase totalidade da área do forro não serão assimiladas pelo conjunto dos artistas do

império lusitano, para onde dirigiremos agora a nossa atenção.

61 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. O rococó no Brasil e seus antecedentes europeus. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, p.86. 62 JANSON, H. W. História Geral da arte, renascimento e barroco.Trad. J. A. Ferreira de Almeida. Martins Fontes. São Paulo: 1993, p. 440-441.

35

Parte II

A pintura de forro no mundo

Luso-Brasileiro: um estudo de

caracterização

36

Capítulo I – Aspectos organizacionais acerca dos ofícios mecânicos e

dos pintores portugueses

D. João I alça os ofíciais mecânicos à condição de participantes nas instâncias de

governo local com a criação da Casa dos Vinte e Quatro e a sua representação na

Câmara lisboeta através de quatro procuradores. Mas o aprimoramento da organização

dos ofícios, suas formas de aprendizagem e seus interesses corporativos têm origem nas

Cortes de Évora de 1481-2. As Cortes solicitam que oficiais ignorantes sejam proibidos

de serem mestres dos respectivos ofícios, enquanto não fossem examinados por mestres

competentes, eleitos pelos ofícios, sob controle das câmaras. D. João II então argumenta

que tal atitude tolheria a liberdade de ação dos oficiais nas suas respectivas profissões,

relativizando o poder de controle ao exercício profissional inepto. 63

De acordo com José Newton Coelho Menezes, o primeiro regimento de

corporação de ofícios mecânicos em Portugal, de 1489, faz referência ao “direito

costumeiro”, anterior às Cortes de Évora. O exame para o exercício profissional dos

oficiais mecânicos se normaliza com a “Compilação dos Regimentos dos Ofícios

Mecânicos de Lisboa”. Mas a ordenação dos ofícios acentua-se com os descobrimentos,

a reboque da maior complexidade dos aglomerados urbanos e da economia. D. João III

reforma a Casa dos Vinte e Quatro a partir de 1539, em 1545 exige da Câmara de

Lisboa a revisão dos regimentos existentes e a redação dos que não existissem, e que ela

os fizesse cumprir. Esta determinação se estende como recomendação a todos os

conselhos do reino. O oficial mecânico, para se submeter ao exame de ofício,

encaminhava um requerimento ao Senado da Câmara, o exame era realizado perante

dois juízes de ofício. Aprovado, recebia uma certidão elaborada pelo escrivão do ofício,

solicitava então, em petição à Câmara, a “carta de exame”. O exame era confirmado em

seção plenária e oficializado o ato em “carta de confirmação” registrada em livro

próprio. Seguia-se o juramento aos santos evangelhos do oficial examinado em seção da

Câmara, estabelecendo-se o compromisso público de bem servir à comunidade,

exercendo seu ofício de acordo com os preceitos que o normatizam. Lavrava-se a seguir

63 MENEZES, José Newton Coelho. Artes fabris e ofícios banais: ofícios mecânicos e as Câmaras no final do Antigo Regime. Minas Gerais e Lisboa- 1750/1808. 2003. 387 f. Tese (Doutorado no Programa de Pós-Graduação em História)- Universidade Federal Fluminense, p. 13-85.

37

um “termo de juramento”, sendo fornecida então a “carta de exame”. O ritual público de

compromisso com o bem comum, principalmente o juramento, é típico das sociedades

do Antigo Regime, onde ser ou ter algo não é suficiente para a inserção social do

indivíduo. O “oficial examinado” passava a ter direito de se estabelecer em tenda, loja

ou oficina próprias, podendo empregar obreiros e admitir aprendiz.

Em 1569 Duarte Nunes Leão é designado pela Câmara de Lisboa para estruturar

os regimentos de ofícios da cidade. Produz as “Posturas gerais para os oficiais

mecânicos” que normatiza a forma dos regimentos de todos os ofícios. Regulamenta a

assembléia anual dos ofícios, os eleitores, a eleição do escrivão e dos dois juízes

encarregados de realizar os exames de ofício. Normaliza os procedimentos para

concessão das “cartas de examinação” a serem fornecidas pelos juízes e confirmadas

pela Câmara, detalhando os exames de maestria com especificação para os tipos de

obras que deviam ser produzidas. Estabelece regras para evitar acirramento da

concorrência, especificando as matérias primas a serem utilizadas e a qualidade final

dos produtos. Prescreve procedimentos para a fiscalização- as correições- e especifica o

papel auxiliar das forças policiais.

A composição da Casa dos Vinte e Quatro era de dois representantes por

bandeira entre as doze mais importantes. O cargo de “juiz do povo”, presidente da casa,

tem origem em 1484 com D. João II. O escrivão e os quatro procuradores eram eleitos

por sorteio. Para se habilitar a um mandato de um ano nestes cargos o candidato tinha

que ser representante de sua bandeira, ser maior de quarenta anos, ser casado e já ter

exercido todos os cargos na respectiva bandeira. Reconduções aos cargos só eram

permitidas com intervalo de quatro anos entre os exercícios. O “juiz do povo” se

encarregava da regulamentação e da fiscalização dos ofícios e das lojas; da

regulamentação dos mercados; do abastecimento e do tabelamento de preços de obras e

serviços; da nomeação de funcionários; da elaboração de representações e

requerimentos, sendo então a Câmara a primeira instância e o Rei a final; era o

representante da cidade em acontecimentos sociais, festividades e comemorações. Os

quatro procuradores dos mestres tinham função deliberativa no conselho dos

vereadores, debatiam no Senado da Câmara questões relacionadas ao bem público. Sua

presença era imprescindível para a validação das decisões camarárias. Podiam ainda

solicitar arbítrio real para decisões tomadas contrariamente a seu voto e deviam manter

a Casa dos Vinte e Quatro informada sobre os assuntos debatidos no Senado da Câmara.

Os ofícios embandeirados contavam com dois mordomos por bandeira para convocação

38

dos mestres e oficiais para as assembléias. As corporações contavam com os

“compradores do ofício” para a aquisição de matérias primas. Os “juízes vedores” dos

ofícios se encarregavam das correições, sendo auxiliados pelos almotacés das execuções

e pelo meirinho da Câmara. Os “juízes de ofício” eram eleitos anualmente no dia de

Reis. Votavam todos os mestres e oficiais do ofício. Num prazo de quinze dias após sua

eleição prestavam juramento na Câmara. Uma de suas funções era fazer “correição”

sempre que desejassem ou, obrigatoriamente, de dois em dois meses, vistoriando

oficinas e obras para aplicação de multas em caso de irregularidades ou por encontrarem

obras realizadas que não se enquadrassem nas normas estabelecidas. Estavam sujeitos a

pesadas multas caso não cumprissem o compromisso do ofício e o estatuto da sua

confraria, de acordo com seu juramento na Câmara

A partir do Século XVI o cortejo da Procissão de Corpus Christi passa a contar

com regimento próprio especificando a ordem e as formas de apresentação das

bandeiras, com descrição das alegorias e tipos de representações: invenções e castelos,

sendo invenções as alegorias representadas e castelos os mastros de bandeira enfeitados.

Não só as solenidades civis, mas também os atos litúrgicos são exemplares para a

exposição pública dos vários estratos sociais integrantes da vida econômica da cidade.

Neste ponto é importante especificar regimento de ofício, compromisso de

confraria e bandeira. Regimento é o conjunto de normas impostas para o exercício de

atividades profissionais, com poder legal. Compromisso é um acordo entre confrades,

de adesão livre. As bandeiras eram estandartes sob os quais se agrupavam oficiais

mecânicos nas apresentações públicas, em especial na procissão de Corpus Christi. Sob

uma bandeira podiam se associar vários ofícios, embora nem todos fossem

embandeirados.

Natália Marinho Ferreira Alves64 informa que, no Porto, o artista, para sua

formação, passava pelos estágios de aprendiz, oficial e mestre. O rapaz, entre doze a

vinte e um anos, era entregue por seu pai ou responsável ao mestre por meio de um

contrato. O jovem se dedicava então a tarefas servis, daí se originando em Portugal a

designação destes ajustes como “contratos de servidão”.65 O ajuste especificava a

64 ALVES, Natália Marinho Ferreira. A arte da talha no Porto na época barroca. (Artistas e clientela. Materiais e técnica). Porto. Arquivo Histórico/Câmara Municipal do Porto, 1989, 1º vol. Documentos e memórias para a história do Porto- XLVII. 65 ALVES, Célio Macedo. Minas colonial: pintura e aprendizado. O caso exemplar de João Batista de Figueiredo in. Telas e Artes nº 15. Belo Horizonte. Maciel Artes e Projetos Culturais Ltda. p. 37.

39

obrigação do mestre em ensinar ao aprendiz todos os aspectos do ofício ou arte em

questão, abrigá-lo em sua casa, alimentá-lo, vesti-lo e calçá-lo, alem de assisti-lo na

doença, por prazo não superior a quinze dias, não podendo despedi-lo sem motivo justo.

O aprendiz não podia se ausentar da oficina do mestre e, caso fugisse, seria preso e

reconduzido ao mestre. O responsável pelo aprendiz ficava obrigado a arcar com o custo

de um oficial para substituí-lo caso não pretendesse concluir o prazo de aprendizagem

previamente acordado, da mesma forma deveria cobrir prejuízos provocados por ele ou

possível furto perpetrado pelo mesmo.

José Newton Coelho Menezes, abordando o mesmo tema, informa que o

aprendiz passava à responsabilidade de um mestre contando de treze a vinte e um anos e

que o tempo de aprendizagem podia ser determinado em regimento do ofício, como

quatro anos para tecelão, por exemplo; mas que normalmente cada mestre ajustava este

tempo com o responsável pelo aprendiz, baseado no “direito costumeiro”, notificando o

dado ao escrivão do ofício para controle. O conteúdo técnico do aprendizado era bem

determinado no regimento de alguns ofícios, mas era geralmente determinado tendo em

vista as exigências do exame de ofício. 66

Segundo este autor, em alguns ofícios havia regulamentos determinando que o

aprendiz devesse saber ler e escrever; tinha direito a cama e comida na casa do mestre e,

normalmente, a uma pequena soma em dinheiro para seu lazer, que era controlado pelo

mestre. Este era responsável pelos atos do aprendiz e poderia vir a pagar por

transgressões a regras sociais perpetradas pelo mesmo. Findo o período de aprendizado,

o aprendiz, depois de ter trabalhado determinado tempo como oficial, podia requerer do

mestre uma “Atestação” para requerer submissão à exame junto ao escrivão da

agremiação, pagando as taxas devidas. Natália Marinho Ferreira Alves especifica este

assunto mais detalhadamente a seguir.67

A duração do aprendizado não era a mesma para todos os ofícios, variando de

dois a cinco anos para ensambladores, entalhadores, escultores e torneiros, e de cinco a

nove anos para os pintores. Exigência não observada para os filhos de mestres,

considerados “filhos da arte”. O mestre só podia ensinar o ofício no qual era oficial

66 MENEZES, José Newton Coelho. Artes fabris e ofícios banais: ofícios mecânicos e as Câmaras no final do Antigo Regime. Minas Gerais e Lisboa- 1750/1808. 2003. 387 f. Tese (Doutorado no Programa de Pós-Graduação em História)- Universidade Federal Fluminense. p. 126- 128. 67 ALVES, Natália Marinho Ferreira. A arte da talha no Porto na época barroca. (Artistas e clientela. Materiais e técnica). Porto. Arquivo Histórico/Câmara Municipal do Porto, 1989, 1º vol. Documentos e memórias para a história do Porto- XLVII. p. 69- 77.

40

examinado. Cada mestre só podia admitir um aprendiz por vez em sua oficina, sendo

necessária a matrícula de todos os aprendizes em livro de registro na corporação de

ofício indicando a data, o nome do responsável, o nome do mestre e o nome e o local de

nascimento do aprendiz. A passagem de um aprendiz de um mestre a outro só era

permitida com o consentimento por escrito do primeiro, procedimento regulado por

penalizações severas.

O mestre ficava obrigado a informar ao juiz, mordomos e escrivão da respectiva

confraria da conclusão do tempo de aprendizagem. Os aprendizes podiam então tomar

assento na confraria como irmãos, pagando a “espórtula de entrada”. Eram elevados a

oficiais, tornando-se obreiros ao passarem à condição de empregados mediante salário

na oficina do mestre. O oficial obreiro ficava obrigado a informar ao mestre de sua saída

com pelo menos quinze dias de antecedência e, caso o mestre tivesse iniciado obra, só

poderia sair após a sua conclusão. Também o mestre não podia dispensá-lo, mesmo sem

obra a executar, sem expedir aviso prévio com oito dias de antecedência.

Após seis anos como obreiro, o oficial podia se submeter ao exame para

ascender à categoria de “mestre de ofício”. Caso reprovado tinha que voltar ao trabalho

por mais seis meses para poder se submeter a novo exame. O exame era realizado na

presença de dois juízes do ofício. A prova constava de aspectos teóricos e práticos,

variando conforme a arte. Aprovado o candidato pelos “juízes do ofício”, o escrivão da

confraria lhe fornecia uma “certidão de exame”, esta deveria ser confirmada na Câmara,

que fornecia então uma “carta de exame”, registrada nos livros do Senado. Obtido o

grau de mestre podia-se abrir loja própria. Alem dos mestres examinados, só as viúvas

de mestres que não se casassem novamente e que mantivessem um oficial a seu serviço

poderiam ter loja aberta. Para proteger o mercado de concorrência, os mestres oriundos

de outras paragens passavam por entraves burocráticos para poder se estabelecer.

Tinham que requerer licenças da Junta de Comércio e do Senado da Câmara, pagar

avultada quantia para a respectiva confraria e submeter-se às disposições do

compromisso do ofício.

O oficial mecânico é identificado pela natureza artesanal do seu trabalho, do

qual retira remuneração para sobrevivência. Os oficiais mecânicos não eram

considerados cidadãos, pertenciam à parcela denominada “pobres do reino”. No entanto,

o espaço de representação política e social que usufruíam os destacava e permitia-lhes

parecer ser cidadãos. A Casa dos Vinte e Quatro manteria sua importância até o reinado

41

de D. João V, apesar dos questionamentos à sua legitimidade oriundos da nobreza e das

classes comerciais.

Os pintores portugueses lutaram para se desligar da estrutura corporativa de

origem medieval a que estavam submetidos, unidos em confraria aos oficiais mecânicos

sob a bandeira de São Jorge. Em 1602, agregam-se em Lisboa à irmandade de São

Lucas, com compromisso firmado em 1609. Esta irmandade se extinguiria só em 1808

com a invasão francesa.68 Por volta de 1630 os pintores portugueses já passam a gozar

de maior reconhecimento, como parecem indicar a obtenção de cargos e privilégios e o

acesso a patentes militares na colônia brasileira.69 Com um “Acordão em favor da

Pintura e da Escultura” firmado em 1689 no reinado de D. Pedro II, os artistas

portugueses conseguiram se desligar da Casa dos Vinte e Quatro sem permanecerem

sujeitos a nenhuma bandeira como os demais ofíciais mecânicos.70 No entanto, pintor

não era designação que por si caracterizasse a posição social do signatário:

A categoria de pintor podia abranger desde o simples artífice que encarnava e estofava as imagens, pintava bandeiras, ou outros objetos, como também podia nomear os peritos na arte da pintura especializados em policromar os forros das naves e capelas-mores das igrejas ou capelas.71

68 ARAÚJO, Janeth Xavier de. A pintura de Manoel da Costa Ataíde no contexto da época moderna. Campos, Adalgisa Arantes. (org.) Manuel da Costa Ataíde- Aspectos históricos, estilísticos, iconográficos e técnicos, p.33-34 69 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. O rococó no Brasil e seus antecedentes europeus. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, p. 318, nota 42. 70 Mello, Magno Moraes. Perspectiva Pictorum: As arquiteturas ilusórias nos tetos pintados em Portugal no século XVIII. Dissertação de Doutoramento em História da Arte sob a orientação do Prof. Doutor Rafael Moreira, para a Universidade Nova de Lisboa, no prelo, p. 90. 71 ARAÚJO, Janeth Xavier de. A pintura de Manoel da Costa Ataíde no contexto da época moderna. Campos, Adalgisa Arantes. (org.) Manuel da Costa Ataíde- Aspectos históricos, estilísticos, iconográficos e técnicos, p. 50-51

42

Capítulo II - Do brutesco português à quadratura joanina (1706-

1750): aspectos sobre a pintura de tetos em Portugal

O século XVI assiste a introdução em Portugal da pintura de brutesco, que

ganha autonomia e diversificação no século seguinte, com figuras humanas

estilizadas, elementos fantasiosos e galantes entre enrolamentos naturalistas.72 A

inspiração do brutesco vem da pintura dos grottesche italianos do século XVI. Em

1480, com a descoberta das grotte do pallazzo da Domus Áurea- palácio do

imperador Nero- os artistas do Renascimento recuperaram formas pictóricas romanas

do século I. Utilizadas pela escola de Rafael no período entre 1517 e 1519-1520 e

divulgadas por gravuras de Zoan Andrea, de Mântua, e de Nicoletto Rosex, de

Modena, tornaram-se acessíveis aos artistas europeus. 73 Em Portugal a nova maneira

de pintar se difunde por gravuras nórdicas e adquire características próprias.

Existe um caráter bem português, distinto dos grottesche italianos ou nórdicos, que se expressa particularmente bem na amplitude das folhas acânticas, no timbrado cromatismo raiado a oiro das composições geométricas, na exuberância dos ‘motivos’ acessórios, dinâmicamente associados à turgidez da talha lavrada e à majestosa articulação do Azulejo parietal.74

O brutesco, com sua feição de tópicos maneiristas de extravagância irrealista e

ambigüidade suntuosa, não se enquadrava bem na imagem de decoro da ideologia da

Contra-Reforma. Mas manteve-se em voga mesmo após a superação do maneirismo.

Vítor Serrão estabelece uma tipologia evolutiva do brutesco em Portugal para

o período transcorrido, aproximadamente, entre 1625 e 1725. O primeiro período é o

arcaizante, inserido na tradição maneirista e sob influência das ferroneries flamengas.

O segundo é o do brutesco nacional português, correspondente ao período estável do

reinado de D. Pedro II, posterior ao tratado de paz de 1668 com Castela. As

72 MELLO, Magno Moraes. A Pintura de Tectos em Perspectiva no Portugal de D. João V. Editorial Estampa: Lisboa, 1998, p. 60. 73 SERRÃO, Vítor. A pintura de brutesco do século XVIII em Portugal e as suas repercussões no Brasil. Revista Barroco. Nº15. 1990/92, p.114. 74 SERRÃO, Vítor. A pintura de brutesco do século XVIII em Portugal e as suas repercussões no Brasil. Revista Barroco. Nº15. 1990/92, p.114.

43

ferroneries dão lugar à enrolamentos acânticos e à profusão de elementos gordos.75 O

terceiro período é o de convergência com a perspectiva ilusionística, momento de

declínio da autonomia do brutesco como gênero pictórico. As cartelas com figurações

de caráter decorativo, comuns tanto no brutesco arcaico como no nacional, são

substituídas pela presença do grande quadro recolocado, muito mais arrojado na sua

tridimensionalidade.76 Seguindo este modelo temos a pintura de José Ferreira de

Araújo no teto da Sala de Hércules em Vila Viçosa, do início do século XVIII,

pintura em afresco com cena central emoldurada por volutas volumosas. O brutesco

persistirá até mais tarde, como no trabalho do pintor José da Silva Braga na abóbada

da Capela de São Jacinto do Convento de São Gonçalo do Amarante, de 1735.

Na primeira metade do Século XVI havia pintura retabular com alguma

aplicação de perspectiva. Na primeira metade do Seiscentos, Domingos da Cunha (o

Cabrinha), Domingos Vieira (o Escuro) e José Avelar Rebelo (fig. 6) são representantes

de uma linhagem tenebrista, com certo cuidado em dispor matematicamente o espaço

em suas proporções e volumetria. Marcos da Cruz e António de Oliveira Bernardes são

75 SERRÃO, Vítor. A pintura de brutesco do século XVIII em Portugal e as suas repercussões no Brasil. Revista Barroco. Nº15. 1990/92p.118. 76 MELLO, Magno Moraes. A Pintura de Tectos em Perspectiva no Portugal de D. João V. Editorial Estampa: Lisboa, 1998, p. 91.

Fig. 5 - José Avelar Rebelo- 1654- A Constituição da Eucaristia. Foto

Magno Mello.

44

Fig. 6 - Francisco Venegas - forro da nave da igreja de São Roque Fonte:

http://www.pbase.com/diasdosreis/image/64631912

os dois artistas com maior destaque nesta segunda metade do Século XVII em

Portugal.77

A pintura ilusionista de tetos portugueses tem sua origem em modelos

quinhentistas. Com vários exemplares perdidos, destaca-se como uma das mais antigas

77 LEITÃO, Henrique. MELLO, Magno Moraes. A pintura barroca e a cultura matemática dos Jesuítas: Tratado de Prospectiva de Inácio Vieira, S.J. (1715). in Revista de História da Arte, nº 1. Instituto de História da Arte- Faculdade de Ciências Sociais e Humanas- UNL- Universidade Nova de Lisboa: Lisboa, 2005, p. 112.

45

utilizações de arquitetura fingida o trabalho de Francisco Venegas (?-1594) no forro da

nave da igreja de São Roque, em Lisboa, executado entre 1588 a 1590 (fig.5). A

composição, aplicada sobre suporte em taboado plano, transmite a impressão de ser

abóbada levemente arqueada, apresentando três falsas cúpulas com balaustradas em

aberturas no eixo longitudinal do teto.78 A abertura central traz representação da

elevação da cruz de Cristo com figuração eucarística, sendo intervenção posterior

executada por Amaro do Vale por volta de 1610.

Com as intervenções do pintor-decorador italiano Vicenzo Bacherelli (1672-

1741), inicia-se o uso sistemático da perspectiva aplicada à pintura.79 A estadia em

Portugal deste pintor florentino, de 1701 a 1721, foi de extrema importância para o

desenvolvimento das pinturas decorativas portuguesas. Seu único trabalho remanescente

é a pintura do teto da antiga portaria do convento lisboano de São Vicente de Fora, de

1710. Apresenta grande abertura central com figuras esvoaçantes em céu aberto,

rodeada por sancas em arquitetura fingida. A influência de Bacherelli prosseguiu após

seu retorno à Itália pelas mãos de discípulos como Antonio Simões Ribeiro, Vicente

Nunes e outros, a pintarem tramas de falsa arquitetura em capelas e igrejas.

Além destes elementos de elevação da sala, o aspecto mais original que este

tecto pode demonstrar e que serviria de modelo para toda a pintura de tectos durante a

fase barroca em Portugal, foi a realização de um espaço atmosférico com intenso

cromatismo e rico em termos luminosos, como o país ainda não conhecia. “A passagem

das gordas volutas e do entrelaçamento de florões e outros elementos do receituário do

brutesco para a novidade de formas arquitectónicas era uma profunda transformação”. 80

A partir da atuação e influência de Baccherelli e da divulgação do tratado de

perspectiva do irmão jesuíta Andrea Pozzo, as decorações com o centro em cenas

historiadas, envoltas por acantos e enrolamentos de volutas, são substituídas pela

quadratura, com as cenas hagiográficas simples dando lugar ao quadro recolocado.

Enquanto na Itália a quadratura cedia espaço para representações celestiais com

nuvens em círculos e figuras esvoaçantes em escorço, Portugal se manteve fiel à

78 MELLO, Magno Moraes. A Pintura de Tectos em Perspectiva no Portugal de D. João V. Editorial Estampa: Lisboa, 1998, p. 39. 79 LEITÃO, Henrique. MELLO, Magno Moraes. A pintura barroca e a cultura matemática dos Jesuítas: Tratado de Prospectiva de Inácio Vieira, S.J. (1715). in Revista de História da Arte, nº 1. Instituto de História da Arte- Faculdade de Ciências Sociais e Humanas- UNL- Universidade Nova de Lisboa: Lisboa, 2005,, p. 113. 80 MELLO, Magno Moraes. Perspectiva Pictorum: As arquiteturas ilusórias nos tetos pintados em Portugal no século XVIII. Dissertação de Doutoramento em História da Arte sob a orientação do Prof. Doutor Rafael Moreira, para a Universidade Nova de Lisboa, p. 143.

46

representação da visão central como um quadro recolocado, possivelmente

“reminiscência das cartelas historiadas ou dos forros apainelados do século XVII.”81

Desta maneira, a luminosidade clara dos tetos italianos não vigora em Portugal, onde o

colorido corresponderá a uma menor luminosidade, própria da trama arquitetônica

fingida que parte das cimalhas e termina na falsa cornija que emoldura a cena central.

De qualquer forma, devemos encarar a utilização do quadro recolocado como uma

característica peculiar dos pintores de teto portugueses, que utilizaram a trama

arquitetônica fingida, mas preferiram, ao invés do arrombamento perspéctico da cena

central, tratá-la em perspectiva frontal ou oblíqua.82

É possível aventar uma suposta incapacidade técnica dos artistas portugueses

para a realização do arrombamento perspéctico. Mas a utilização da perspectiva oblíqua,

inclusive para figuras postadas em balcões laterais nas quadraturas, não corrobora esta

hipótese. Julgamos como mais provável resposta a esta questão especificidades da

espiritualidade lusitana, que encontrará maior conforto e identificação com o santo de

devoção em compartimentação proporcionada pelo quadro recolocado.83

Segundo Argan, nas obras barrocas não prevalece a expressão da religiosidade

do artista, estas refletem a interação da religiosidade dos devotos, sendo este o efeito

almejado pelos artistas. Estes buscam realizar as suas composições, cujo fim último é a

persuasão, em conformidade com as disposições sentimentais do público para realizar a

comoção dos afetos. No labor artístico os aspectos de refinamento técnico são

secundários, sendo primordiais no processo de execução das obras a operatividade dos

mecanismos persuasivos.84

O quadraturismo perderá força em Portugal com o terremoto de 1755,

mantendo-se em voga na cenografia, mas terá continuidade em tetos do litoral brasileiro

durante todo o século XVIII e, em algumas áreas, até parte do século XIX.

81 MELLO, Magno Moraes. A Pintura de Tectos em Perspectiva no Portugal de D. João V. Editorial Estampa: Lisboa, 1998, p. 110. 82 MELLO, Magno Moraes. A Pintura de Tectos em Perspectiva no Portugal de D. João V. Editorial Estampa: Lisboa, 1998, p. 67. 83 MELLO, Magno Moraes. A Pintura de Tectos em Perspectiva no Portugal de D. João V. Lisboa: Editorial Estampa, 1998, p. 107- 115. 84 ARGAN, Giulio Carlo. Imagem e persuasão – Ensaios sobre o barroco. São Paulo: Companhia das Letras: 2004. P. 37.

47

Capítulo III - A morfologia dos tetos pintados no litoral da América

Portuguesa do tempo do barroco: um estudo de síntese

A primeira fase da pintura religiosa colonial no Brasil está intimamente ligada

aos trabalhos dos jesuítas. Os tetos são em caixotões com pinturas de brutesco em

linguagem maneirista. São comuns painéis com medalhão central trazendo a

representação de personalidades da Companhia. O teto da sacristia da catedral da Bahia,

nesta linhagem, foi obra do irmão Domingos Rodrigues (1657-1706), nascido em

Portugal. Pintou aí exemplares da fauna brasileira, com figuras centrais copiadas de

gravuras européias. O forro em caixotões da sacristia da igreja de Nossa Senhora de

Belém, do seminário de Cachoeira, Bahia, apresenta pinturas em chinesice, “por

influência do padre Charles Bellevile (1657-1730), que esteve na China e chegou à

Bahia em 1725, época da realização da pintura”.85

O teto da capela-mor da igreja de Nossa Senhora do Rosário, de Embu, São

Paulo, edificada em fins do século XVII, é artezoado, com pinturas de brutescos.

Atribuído ao padre Belchior Pontes (?-1719), apresenta abacaxis nas molduras. Na

sacristia o forro tem pintura em chinesice. Verificamos, nos exemplares citados,

influência dos recantos orientais do império português e assimilação de motivos

brasileiros. Tudo na linguagem brutescada, bem aceita à época em Portugal.

Também digno de nota é o teto da nave da igreja de Nossa Senhora da

Conceição dos militares, em Recife, Pernambuco. O painel central e quatro painéis

menores nos cantos são policromados, mas seu emolduramento é feito por talha pintada

em branco e dourado: talha e pintura se complementam.

Aqui cabe um parênteses para a questão do forro da igreja da Conceição dos

militares de Recife, que Germain Bazin associa à talha de São Bento de Olinda, 86

subordinando ambas as obras à influência direta da região portuguesa do Minho-

Douro, que praticava então a chamada “rocalha inchada”87, de vigoroso relevo e

grande efeito monumental.

85 ZANINI, Walter (org). História Geral da Arte no Brasil. Instituto Moreira Sales, São Paulo: 1983. III Salão Nacional de Arte Moderna – Salão Preto e Branco – 1954, p.280. 86 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. A escultura devocional na época barroca – aspectos teóricos e funções. In: Revista Barroco. Belo Horizonte, nº 18, p. 247-267, 1997-2000. 87 Ou: “Talha gorda. Talha do Rococó do Alto Minho, com composições auriculares e assimétricas, desenvolvidas num estilo vigoroso e monumental.” In: TEIXEIRA, Luís Manuel. Dicionário ilustrado de belas-artes. Lisboa: Editorial Presença: 1985. p. 212.

48

Fig. 7- Caetano da Costa Coelho - forro da capela-mor da igreja de São Francisco da Penitência. Fonte:

http://www.flickr.com/photos/14164718@N03/3320210049/

As pinturas de perspectiva ilusionista chegaram ao Brasil na década de 1730.

Entre 1732 e 1736, Caetano da Costa Coelho (ativo na América Portuguesa na

primeira metade do século XVIII) pintou o forro em abóbada de berço da capela-mor

da igreja de São Francisco da Penitência, no Rio de Janeiro (fig. 7). De 1737 a 1743,

pintou o teto da nave, também em abóbada de berço.

São pinturas de quadratura com quadros recolocados nas cenas centrais. A

composição de ambas as pinturas é semelhante: densas perspectivas de pilastras e

entablamentos correndo no sentido longitudinal, unidas por pesados arcos na parte

49

mediana, ao centro da qual se situa o painel figurado, em perspectiva frontal, à moda

portuguesa.88

Na Bahia, este tipo de pintura teve sua introdução pelas mãos de Antônio

Simões Ribeiro (?-1755), pintor do teto da Biblioteca da Universidade de Coimbra, na

companhia de Vicente Nunes (fig. 8).

Ribeiro chegou à Bahia em 1735. Neste ano começou a pintura do teto

abobadado da capela-mor da igreja da Santa Casa de Misericórdia e, em 1745, pintou a

igreja do convento de Santa Clara do Desterro, é considerado o pai da escola baiana de

pinturas em perspectiva. 89

Provavelmente influenciados por Ribeiro, foram os pintores Domingos da Costa

Filgueira (?-1797) e José Joaquim da Rocha(1737-1807). Filgueira pintou o teto da

88 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. A Pintura de Perspectiva em Minas colonial. ÁVILA, Afonso. (org.) Barroco: Teoria e análise. Tradução Sérgio Coelho e Perola de Carvalho, Elza Cunha de Vicenzo, Eldécio Mostaco, Marise Levy. São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, 1997, p.450. 89 CIVITA, Victor (Ed.). Arte no Brasil. Prefácio Pietro Maria Bardi; introdução Pedro Manuel. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 59.

Fig. 8- Antônio Simões Ribeiro e Vicente Nunes- Teto da Biblioteca da Universidade de

Coimbra. Foto do professor Magno Mello.

50

igreja de Nossa Senhora da Saúde e Glória, em Salvador, em 1769, cuja parte central foi

posteriormente repintada. José Joaquim da Rocha trabalhava como ajudante do pintor

Leandro Ferreira de Souza em 1764, na pintura e douramento de um painel da Santa

casa de Misericórdia. Não há registros historiográficos de José Joaquim da Rocha entre

1766 e 1769 no Brasil. Supõe-se que, neste período, tenha estado na Europa

aperfeiçoando-se. No entanto esta suposição não é documentalmente amparada.90 De

qualquer forma, em 1769 disputou uma encomenda para a execução da pintura do forro

da nave da igreja de Nossa Senhora da Saúde, trabalho executado por Domingos da

Costa Filgueira. Entre fins de 1772 e começo de 1773 venceu o concurso para pintar o

teto da nave da igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, com a cena central

mostrando a glorificação de Santo Agostinho em quadro recolocado. Segundo Carlos

Ott, esteve em atividade até 1801, deixando discípulos como José Teófilo de Jesus

(1758-1847).91 João de Deus Sepúlveda, pintor ativo em Pernambuco de 1760 a 1781,

pintou o forro da nave da igreja de São Pedro dos Clérigos, em Recife, em 1764 (fig. 9).

A cena central mostra São Pedro em um trono, portando a cruz papal e abençoando o

mundo católico, rodeado de figuras da hagiografia. A trama arquitetônica circundante

constitui-se de intrincada sobreposição de arcadas e balcões.92

90 CIVITA, Victor (Ed.). Arte no Brasil. Prefácio Pietro Maria Bardi; introdução Pedro Manuel. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 59-62. 91 Conferir OTT, Carlos. José Joaquim da Rocha, in Pintura e escultura II. Textos escolhidos da Revista do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. FAUUSP e MEC-IPHAN, 1978, p. 109 a157. 92 CIVITA, Victor (Ed.). Arte no Brasil. Prefácio Pietro Maria Bardi; introdução Pedro Manuel. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 69-71. A este respeito pode-se também consultar. E CARDOSO, Joaquim. Notas sobre a antiga pintura religiosa em Pernambuco. In OTT, Carlos; CARDOSO, Joaquim; BATISTA, Nair; Pintura e Escultura II. Textos escolhidos da Revista do Instituto do patrimônio Histórico e Artístico Nacional. São Paulo: FAUUSP e MEC-IPHAN,1978, p. 11-21

51

Fig. 9- João de Deus Sepúlveda - forro da nave da igreja de São Pedro dos Clérigos. Fonte:

http://www.jornallivre.com.br/136984/joao-de-deus-sepulveda.html

Na região litorânea brasileira, há que se destacar, pela sua qualidade, uma das

maiores pinturas de perspectiva do Brasil (40m. x 15m.). É a pintura, de autor anônimo,

do teto da nave da igreja do Convento de Santo Antônio, em João Pessoa, na Paraíba

(fig. 10).

52

Fig. 10- Teto da nave da igreja do Convento de Santo Antônio

Fonte: http://inventamarinho.blogspot.com/2008_06_01_archive.html

A cena central alongada representa a apoteose de São Francisco de Assis,

acompanhado de dignatários eclesiásticos.93 A trama arquitetônica fingida constitui-se

de pilastras, entablamentos, arcos e balcões.

Ambas as pinturas são de quadratura, barrocas. Vamos encontrar este tipo de

composição com relativa freqüência também na região de Minas Gerais, para onde

dirigiremos nossa atenção a aspectos relacionados ao desenvolvimento da pintura

decorativa de tetos.

93 CIVITA, Victor (Ed.). Arte no Brasil. Prefácio Pietro Maria Bardi; introdução Pedro Manuel. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p.73.

53

Parte III

Gonçalo Francisco Xavier (at.

1742-1775)

54

Capítulo I – As irmandades leigas, os ofícios mecânicos e a produção

artística em Minas Setecentista: um estudo de caracterização

A descoberta de ouro no final do Século XVII acarretou imediato afluxo de

toda sorte de aventureiros para a região das minas. A Igreja Católica então não se fez

presente de forma organizada. Eclesiásticos se deslocaram em grande número para a

área, mas o fizeram de forma individualizada, envolvendo-se com o comércio, o

abastecimento e a exploração aurífera. Sua resistência à taxação da atividade

mineradora, pregação antitributária junto à população e relaxação dos costumes foram

alguns dos motivos para a Coroa se decidir a tolher sua livre circulação e impedir a

construção de mosteiros e conventos na região. O Estado Português proibiu o

estabelecimento das ordens regulares no território mineiro. Quando Antônio de

Albuquerque toma posse como governador de Minas Gerais e São Paulo, recebe a

incumbência de expulsar os religiosos que se dedicavam a atividades estranhas ao

ofício religioso.94

Os povoamentos iniciais se constituíram ao redor das edificações das primeiras

capelas, que foram o centro das práticas religiosas e da vida social que se instaurava,

delas se emanando as normas de comportamento social. A edificação dos templos e a

manutenção do clero encarregado da prática dos ofícios sacros foram assumidas pela

população organizada em irmandades leigas. Funcionando como força auxiliar da

Igreja, assumiam tarefas assistencialistas que seriam de responsabilidade do Estado. Os

irmãos professos tinham direito a alimentos fornecidos pela irmandade em caso de

indigência, por exemplo. Nas primeiras vilas constituídas por Antônio de Albuquerque,

em 1711, a atuação das irmandades já estava consolidada. Sabará possuía as irmandades

de Santa Quitéria, Santo Antônio do Bom Retiro e do Santíssimo Sacramento; São João

Del Rei as de Nossa Senhora do Rosário e do Santíssimo Sacramento; Vila do Ribeirão

do Carmo (atual Mariana) e Vila Rica (atual Ouro Preto) a de Nossa Senhora do Rosário

dos Pretos.95 Fritz Teixeira de Salles, citando as Ephemérides Mineiras de Xavier da

Veiga (vol. I, p.194.) destaca Carta Régia de novembro de 1712, que informa haver em

94 BOSCHI, Caio César. Os leigos e o poder: irmandades leigas e política colonizadora em Minas Gerais. São Paulo: Ática, 1986, p. 79. 95 BOSCHI, Caio César. Os leigos e o poder: irmandades leigas e política colonizadora em Minas Gerais. São Paulo: Ática, 1986, p.23.

55

Minas nesta data “mais de vinte igrejas providas de párocos, embora cobertas de

colmo.” Alem destas igrejas com vigários colados existiam outras. Em 1720 temos em

Minas, já fundadas, pelo menos vinte corporações: seis irmandades em Vila Rica, sete

na Vila do Ribeirão do Carmo, três em São João Del Rei e quatro em Sabará. 96

Os fiéis organizavam-se em agremiações de acordo com suas devoções,

fundavam uma corporação, elegiam democraticamente sua mesa diretora, designavam

um irmão alfabetizado como secretário e este redigia o livro de compromisso, que

ficava sujeito à aprovação por parte das autoridades. No início do Século XVIII, os

Compromissos das irmandades, seguindo observância da regulamentação das

Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, deveriam ser enviados a um Bispo

para obterem aprovação. Em meados do Setecentos, com a política regalista de Pombal,

os pedidos de licença passam a ser remetidos diretamente à Mesa de Consciência e

Ordens de Lisboa. 97 Segue-se como exemplo a disposição dos cargos da mesa diretora

da Ordem Terceira de Nossa Senhora das Mercês dos Perdões, na paróquia de Antônio

Dias em Vila Rica, de meados do Século XVIII:

Prior, Priora, Vice-Prior, Vice-Priora, Secretario e Procurador Geral, Síndico, Doze Definidores, Um Vigário do Culto Divino, Quatro mordomos, Um zelador e o Secretário Comissário... seis Sacristãos, Um mestre e Uma mestra de Noviços, um andador, e os Presidentes que forem necessários para os Presidir, que se criarem e estiverem já criados, bem como um Enfermeiro, uma Enfermeira e seis Sacristãos.98

As irmandades tinham direitos de propriedade das igrejas e capelas que

construíam, bem como de seus bens móveis e imóveis e de seu cemitério, com os

irmãos tendo o funeral e campas custeados pelas associações.

A garantia do sepultamento parece ter sido uma verdadeira obsessão por parte das populações mineiras coloniais. Praticamente só aqueles indivíduos que se filiassem a uma irmandade tinham a referida garantia, pois os cemitérios se localizavam nos terrenos das irmandades, quase sempre dentro dos próprios templos.99

96 SALLES, Fritz Teixeira de. Associações religiosas no ciclo do ouro. Belo Horizonte, UFMG, 1963 (Estudos, 1), p. 31-32. 97 BOSCHI, Caio César. Os leigos e o poder: irmandades leigas e política colonizadora em Minas Gerais. São Paulo: Ática, 1986, p. 118-119-120. 98 SALLES, Fritz Teixeira de. Associações religiosas no ciclo do ouro. Belo Horizonte, UFMG, 1963 (Estudos, 1), p.20. 99 BOSCHI, Caio César. Os leigos e o poder: irmandades leigas e política colonizadora em Minas Gerais. São Paulo: Ática, 1986. p.150.

56

Some-se a isto a necessidade de salvação da alma, para o que era prática usual se

fazerem “doações piedosas” para as atividades assistenciais, para obras de edificação,

manutenção ou embelezamento de templos e até pagar em vida ou deixar em testamento

certa quantia em dinheiro para o pagamento de sufrágios, missas que a Ordem mandava

celebrar para a salvação da alma do irmão falecido.100 A irmandade de Nossa Senhora

do Carmo da Viva do Ribeirão do Carmo garantia sufrágio de quarenta missas para seus

irmãos, a Ordem Terceira de São Francisco oferecia trinta.101 Os irmãos defuntos que

tivessem ocupado assento em mesa diretora, e isto valia para todas as irmandades,

recebiam sufrágio maior, de pelo menos dez missas a mais que os irmãos comuns. O

que resultava caro: uma missa no Arraial do Tejuco custava em 1735 a quantia de

seiscentos e quarenta réis, aproximadamente meia oitava de ouro. Uma oitava equivale à

oitava parte da onça: 31,913 gramas, ou mil e duzentos réis.

As primeiras irmandades a surgir nas Minas foram a de Nossa Senhora do

Rosário e a do Santíssimo Sacramento, a primeira de negros escravos e a segunda de

brancos. 102 A estratificação social das Minas Setecentistas se baseou, em princípio, na

diferenciação étnica de sua população. As irmandades refletem a discriminação racial de

sua época. As irmandades do Santíssimo Sacramento, de Nossa Senhora da Conceição,

de São Miguel e Almas e do Bom Jesus dos Passos eram de brancos. As de Nossa

Senhora das Mercês, de Nossa Senhora do Amparo e a Arquiconfraria do Cordão de

São Francisco, de mulatos e crioulos (negros nascidos na América Portuguesa) ou

mesmo de pretos forros. Houve uma irmandade que aceitava tanto pretos quanto

brancos: a de Nossa Senhora do Rosário do Alto da Cruz em Vila Rica, mas este estado

de coisas só durou até 1743, quando os brancos foram expulsos e fundaram a seguir a

irmandade do Rosário dos Brancos, na Capela do Padre Faria. Havia, alem da

discriminação racial, discriminação social: a Ordem Terceira de Nossa Senhora do

Carmo pertencia aos comerciantes ricos e a Ordem Terceira de São Francisco de Assis,

aos altos dignatários do Estado e intelectuais, sendo ambas de meados do século XVIII.

100 ALVES, Célio Macedo. Artistas e irmãos: o fazer artístico no ciclo do ouro mineiro. 1997. 191f. Dissertação (Mestrado em História Social)- Universidade de São Paulo. p.55. 101 SALLES, Fritz Teixeira de. Associações religiosas no ciclo do ouro. Belo Horizonte, UFMG, 1963 (Estudos, 1), p.74-75. 102 O culto do Santíssimo Sacramento origina-se do mistério do sacramento da eucaristia, a transformação do pão e do vinho na carne e no sangue de Deus. Tem início em 1264 sob o Papa Urbano IV. No Século XV a irmandade já se encontrava instalada em Lisboa. SALLES, Fritz Teixeira de. Associações religiosas no ciclo do ouro. Belo Horizonte, UFMG, 1963 (Estudos, 1), p.29. A irmandade do Santíssimo dividia o altar-mor com o santo padroeiro da igreja matriz e lá tinha um culto aos domingos. (Informação da professora Adalgisa Arantes Campos)

57

Com o impedimento das ordens religiosas, estas não implementaram nas Minas

liceus de artes e ofícios, o que caracterizou a arte mineira como obra de artistas leigos.

Esta arte ficou, portanto, livre da rigidez e do hieratismo das obras produzidas pelas

congregações religiosas do litoral. Os irmãos das mesas diretoras das irmandades eram

responsáveis pela concepção das encomendas e a escolha dos artistas, indicando debate

de questões estéticas entre si e, possivelmente, entre estes e os artistas. Sabemos que

alguns destes irmãos eram letrados, haja vista a necessidade de se manter os livros das

associações em dia. Mas mesmo nas irmandades de pretos, com a maioria da mesa

formada por analfabetos, é de se supor que alguns tivessem senso estético condizente

com a sua época. Monumentos subsistentes destas associações assim o indicam. É deste

contato entre irmãos e artistas que o gosto estético foi se apurando e incorporando novas

formas, permitindo à arte mineira do período colonial apresentar características próprias

em relação às suas congêneres da região litorânea do Brasil e da metrópole.103

Os pedidos de autorização para construção de templos solicitados pelas

irmandades leigas tinham que ser remetidos a Lisboa, para aprovação real. Submetidos a

inquéritos administrativos morosos, foram freqüentes os casos de edificações iniciadas

com autorização de autoridades locais. Decidida a construção do templo, era necessário

seguir uma série de procedimentos iniciais. Obtinha-se o terreno, por compra, doação de

particular ou concessão da Câmara do Senado local, providenciava-se a elaboração do

projeto, um “risco” com suas “condições”, as plantas e a descrição da obra com

especificação dos materiais a serem empregados, para que a obra pudesse ser “posta em

praça” ou hasta pública, durante período de aproximadamente um mês, para ser

“arrematada” por construtor capacitado. Este tipo de contrato era comum nas obras de

vulto, como a edificação do corpo da igreja, ou nas obras contratadas pelo Senado da

Câmara, ou ainda nas edificações das igrejas matrizes, nas quais concorriam subsídios

do Erário Régio.104 Firmava-se então um contrato entre a irmandade contratante e o

construtor. Como garantia para a boa execução da obra era exigida a hipoteca dos bens

do executante e, por vezes, para segurança do cliente, era necessária a apresentação de

um ou mais fiadores a garantir a execução da obra dentro do prazo acertado, estes

ficavam responsáveis por quaisquer prejuízos que pudessem advir da errática execução

103 BOSCHI, Caio César. O barroco mineiro: artes e trabalho. São Paulo: Editora Brasiliense, col. Tudo é História, 1988. p.27. 104ALVES, Célio Macedo. Artistas e irmãos: o fazer artístico no ciclo do ouro mineiro. 1997. 191f. Dissertação (Mestrado em História Social)- Universidade de São Paulo.,p.35.

58

dos trabalhos.105 Alguns contratos chegavam a estipular que a associação contratante

poderia contratar outros oficiais para executar os reparos necessários, às expensas do

arrematante da obra. Os contratados também se resguardavam juridicamente contra

atrasos ou recursos de pagamento por parte de seus contratantes, com responsabilidades

garantidas “por si e por suas pessoas e bens”, por exemplo, isto “quando não se exigiam

reciprocamente fiadores.”106

Normalmente com o corpo da edificação concluído procedia-se às obras da

decoração arquitetônica. Todas as etapas deveriam ser precedidas por contrato firmado

entre a parte contratante e a executora. Os contratos especificavam o projeto como

descrito anteriormente. De maneira geral segue-se o modelo utilizado em Portugal, com

algumas diferenças. Lá, geralmente, as obras eram contratadas por ordens primeiras,

segundas e confrarias, sendo sempre postas a “pregão”- em hasta pública- nos locais

mais importantes da cidade, com edital exposto em praças e ruas principais. Os

contratos eram firmados diante de notários, na forma de escrituras públicas.107 No caso

do contratante ser irmandade leiga o contrato era assinado diretamente entre as partes, o

que não invalidava a natureza jurídica do documento como “instrumento público”,

passível de ser submetido a juízo. O contrato era firmado entre a mesa diretora da

associação e o artífice contatado. Assinavam-no o escrivão da agremiação, os mesários

presentes, o artista, testemunhas e os fiadores, estes quando exigidos no contrato.108

As formas de contrato eram por jornal, com um valor especificado para cada dia

trabalhado ou por empreitada. Sendo comum que o artista se iniciasse no ramo

trabalhando por jornal sob a supervisão de um oficial competente, passando a empreitar

obras à medida em que se qualificava, quando podia então admitir o serviço de

terceiros, escravos ou livres. “Joaquim (José) da Silva, José Rodrigues Silva e José

Soares da Silva ajustaram serviços com a mesa administrativa da Ordem Terceira de

Nossa Senhora do Carmo tendo como mestre Antônio Francisco Lisboa.”109

105 ALVES, Célio Macedo. Artistas e irmãos: o fazer artístico no ciclo do ouro mineiro. 1997. 191f. Dissertação (Mestrado em História Social)- Universidade de São Paulo. p.29. 106 BOSCHI, Caio César. O barroco mineiro: artes e trabalho. São Paulo: Editora Brasiliense, col. Tudo é História, 1988. p. 45. 107 ALVES, Natália Marinho Ferreira. A arte da talha no Porto na época barroca. (Artistas e clientela. Materiais e técnica). Porto. Arquivo Histórico/Câmara Municipal do Porto, 1989, 1º vol. (Documentos e memórias para a história do Porto- XLVII. p.159. 108 ALVES, Célio Macedo. Artistas e irmãos: o fazer artístico no ciclo do ouro mineiro. 1997. 191f. Dissertação (Mestrado em História Social)- Universidade de São Paulo. p.29. 109 BOSCHI, Caio César. O barroco mineiro: artes e trabalho. São Paulo: Editora Brasiliense, col. Tudo é História, 1988. p.46.

59

Os contratos de arrematações públicas possuíam cláusulas minuciosas, nas quais

se definiam, alem dos custos da mão-de-obra, as dimensões dos trabalhos, sua

localização específica, os materiais a serem utilizados, aspectos estéticos, as obrigações

face a imprevistos e os prazos de entrega das etapas até a conclusão das obras. O texto

destes contratos apresentava uma introdução explicando as circunstâncias em que se deu

a arrematação e necessitava da publicação, ou exposição pública do edital, e ainda da

participação de um porteiro para anunciar o resultado. No entanto, foram com certa

freqüência acionadas as ouvidorias da Capitania para dirimir questões contratuais entre

as partes.110

Findo um contrato, a entrega era precedida pela louvação, o exame minucioso da

obra realizada por um ou mais profissionais de valor reconhecido em suas áreas de

atuação, convocados pelo contratante, estes aferiam a adequação da obra em relação ao

contrato. Estes profissionais também prestavam serviços às autoridades civis e à justiça,

procedendo à avaliação de bens ou de serviços que, em alguns casos eram objeto de

processo entre as partes.

Célio de Macedo Alves identifica “certo envolvimento de credibilidade, de

confiança e até de amizade e respeito entre as partes contraentes,” citando como

exemplo alguns contratos firmados pelo pintor Manuel da Costa Ataíde e a Ordem

Terceira do Carmo de Vila Rica, da qual este era irmão professo.111 Este pintor sugere

em 1827 aos irmãos terceiros do Carmo de Vila Rica a realização no teto do corpo de

seu templo de uma pintura rococó:

Uma bonita, valente e espaçosa pintura de perspectiva, organizada de corpos de arquitetura, ornatos, varandas, festões, e figurado, o que for mais acertado; sem que confunda os espaços brancos que devem aparecer para benefício, e distinção da mesma pintura...112

Cita também algumas obrigações impostas pelos artífices nos apontamentos como

forma de ter acesso exclusivo à continuação das obras no templo, como é o caso do

ajuste entre o entalhador Justino Ferreira de Andrade (ativo na primeira metade do

século XIX) e a mesma Ordem Terceira do Carmo de Vila Rica. O entalhador fez

110 BOSCHI, Caio César. O barroco mineiro: artes e trabalho. São Paulo: Editora Brasiliense, col. Tudo é História, 1988. p.45. 111 ALVES, Célio Macedo. Artistas e irmãos: o fazer artístico no ciclo do ouro mineiro. 1997. 191f. Dissertação (Mestrado em História Social)- Universidade de São Paulo. p. 30. 112 ALVES, Célio Macedo. Artistas e irmãos: o fazer artístico no ciclo do ouro mineiro. 1997. 191f. Dissertação (Mestrado em História Social)- Universidade de São Paulo. p.132.

60

constar no ajuste de obra, que não chegou a ser realizada, a ressalva de “que em

quaisquer obras que a ordem pretenda fazer terá a preferência o dito mestre.”113

Algumas condições são bem detalhistas em relação à obra que se pretende

executada, como no caso do ajuste da pintura do forro da nave da capela da Ordem

Terceira do Carmo de Sabará, descrito em detalhe no contrato, que estabelece o tema da

pintura: “um painel da Coroação da mesma Senhora... doze Apóstolos ou doze Santos

da mesma Ordem... anjos com emblemas de Nossa Senhora nas mãos... um banco de

arquitetura com cartelas.”114 Outras são mais vagas, sem que isto signifique que os

artistas pudessem divagar na sua execução.

Com relação aos prazos a posição variava muito, dependendo do tipo de obra a

executar, da disponibilidade de mão-de-obra, materiais, e até das condições

atmosféricas. O ajuste feito entre o pintor Silvestre de Almeida Lopes e a Irmandade de

Nossa Senhora do Amparo do Arraial do Tejuco especificava que a obra seria tocada à

medida em que recursos se tornassem disponíveis. Mas havia também contratos com

prazos bem definidos, pois ocorriam atrasos, o que gerava recursos junto às ouvidorias

da Capitania.

Os preços das obras não seguiam tabelamento e também variavam muito. Ao

invés de se estabelecerem em lojas ou oficinas, os artistas estavam preparados para se

deslocar rapidamente de uma obra a outra e assim os preços dos trabalhos não eram

regulamentados pelas Câmaras, ao contrário dos ofíciais mecânicos que tinham que se

estabelecer em lojas, como ferreiros, serralheiros, alfaiates, etc. Os preços eram tratados

diretamente entre os artistas e os contratantes, sendo fenômeno de opinião, variando de

acordo com o prestígio individual dos contratados ou, até mesmo, dentro de parâmetros

hierarquizados, de acordo com a situação de cada ofício na escala das posições

sociais.115 Geralmente os pagamentos eram, como em Portugal, divididos em três partes

iguais, a primeira no início, a segunda no meio e a última no fim, após a obra ter sido

vistoriada. Nos casos de arrematação de pinturas era comum, caso a agremiação não

fornecesse as tintas, que se facultasse um adiantamento para o contratado, quase sempre

o próprio pintor, adquirir o material, caso em que se fazia necessário um fiador, com

113 ALVES, Célio Macedo. Artistas e irmãos: o fazer artístico no ciclo do ouro mineiro. 1997. 191f. Dissertação (Mestrado em História Social)- Universidade de São Paulo. p.30. 114 ALVES, Célio Macedo. Artistas e irmãos: o fazer artístico no ciclo do ouro mineiro. 1997. 191f. Dissertação (Mestrado em História Social)- Universidade de São Paulo. p.32. 115 BOSCHI, Caio César. O barroco mineiro: artes e trabalho. São Paulo: Editora Brasiliense, col. Tudo é História, 1988. p.41.

61

exceção das obras de pequeno vulto, nas quais geralmente bastava que o arrematante se

obrigasse por pessoa e bens. Tanto os artistas e artífices quanto os membros das

irmandades contratantes das obras comungavam do mesmo fervor religioso, trabalhando

para a maior glória de Deus.

Mesmo após o Estado se instalar nas Minas Gerais, não se observaram os

componentes de associativismo profissional presentes em Portugal: assistencialismo

mútuo, igualdade entre os membros, exclusividade e monopólio da produção e

comercialização de produtos. Os regimentos de ofício limitavam-se a relatar as

atividades pertinentes ao exercício profissional e a tabelar os preços dos produtos e

serviços oferecidos pelos respectivos oficiais, preços estes fiscalizados pelas Câmaras,

sem preocupações quanto a normalizações das atividades profissionais ou questões

associativas. A eleição de juízes e escrivãos de ofício e a reforma de estatutos se dava

em seção da Câmara com a presença dos juízes, escrivão do ofício e oficiais, suprindo-

se assim a falta de associações corporativas, inexistentes na colônia. A falta de sedes

corporativas próprias pode ser a causa de só se encontrar documentação sobre os ofícios

mecânicos nas documentações das Câmaras.

Não encontramos na historiografia referências à existência de qualquer

organização profissional de artistas na América portuguesa no século XVIII. Hannah

Levy cita que, para o Rio de Janeiro, no mesmo período, este ponto “não ficou

inteiramente resolvido”.116 A autora afirma não ter encontrado nenhuma referência a

avaliadores do ofício de pintura no Arquivo Municipal do Rio de Janeiro, apesar de ter

“encontrado avaliadores de carpinteiro, marceneiro, pedreiro, latoeiro, alfaiate,

correeiro, de ouro e pedras preciosas, de escravos, etc. etc..” Levy afirma que “é natural

que a organização dos ofícios na colônia tenha obedecido ao modelo das organizações

semelhantes existentes na Metrópole”. 117

O regime corporativo português não se implantou eficazmente no Brasil, onde

artistas e artesãos estabeleceram mais laços religiosos que profissionais, o espírito

associativo se implementou através das irmandades, confrarias e Ordens Terceiras, para

as quais afluíram os artistas e artífices presentes na América Portuguesa. Aqui não se

implantou instituição profissionalizante como a Casa dos Vinte e Quatro. Às Câmaras

116 LEVY, Hannah; JARDIM, Luiz; Pintura e Escultura I. Textos escolhidos da Revista do Instituto do patrimônio Histórico e Artístico Nacional. São Paulo: FAUUSP e MEC-IPHAN, 1978, p.47. 117 LEVY, Hannah; JARDIM, Luiz; Pintura e Escultura I. Textos escolhidos da Revista do Instituto do patrimônio Histórico e Artístico Nacional. São Paulo: FAUUSP e MEC-IPHAN, 1978, p.49.

62

coube o controle e a regulamentação de atividades artesanais e ofícios mecânicos. E

dentre estes, os mais ligados às obras arquitetônicas, como carpintaria, marcenaria,

entalhe, escultura e pintura, eram praticamente livres de supervisão camarária, entregues

à livre negociação entre os contratantes das obras e os contratados. Também não se

estabeleceu em Minas a prática do arruamento para os ofícios, um dos traços

característicos do sistema corporativo desde a Idade Média, o que dificultava ao Estado

e aos próprios pares inspecionar as atividades dos ofícios.

O que definia o padrão das obras era o contato direto dos oficiais com a

clientela, por trato pessoal ou cláusulas contratuais nas encomendas, não disposições

regimentais impostas pelos poderes públicos ou associações profissionais. O exercício

profissional em Vila Rica no Século XVIII deu-se das seguintes maneiras: trabalho livre

até cerca de 1725; licenças com fiador com tempo de validade de seis meses a um ano;

licenças com exame dos candidatos e expedição de cartas de habilitação, estas em

pequeno número. Acrescentando-se a convalidação pelas Câmaras mineiras de cartas de

exame emitidas em outras partes da Colônia ou da Metrópole.118

Quando ocorria exame de ofício em Minas, o que não era muito freqüente, este

era prestado perante dois juízes de ofício, constituindo-se na confecção de uma obra-

prima. Resultava do processo a emissão de uma carta de habilitação confirmada e

registrada nas Câmaras, que dava direito ao oficial a se estabelecer com loja, tenda ou

oficina e a contratar obras para execução. Contudo esta prática não era obedecida por

todos os ofícios, sendo mais comum encontrarem-se registros de exame para alfaiates,

sapateiros e ferreiros, ao contrário de pintores e entalhadores, com registro em Minas de

apenas uma carta para pintor e nenhuma para entalhador.

Há uma relativa indistinção entre ofícios mecânicos e artes figurativas em Minas

no século XVIII, com os oficiais mecânicos gozando de maior autonomia que em

Portugal devido à inexistência ou fraqueza das corporações de ofício. A regulamentação

profissional era função exercida pelas Câmaras. Poucos pintores e entalhadores

passaram pelos processos de controle dos Conselhos municipais.119 Os pintores são os

que se diferenciam mais dos oficiais mecânicos por serem considerados pertencentes à

118 BOSCHI, Caio César. O barroco mineiro: artes e trabalho. São Paulo: Editora Brasiliense, col. Tudo é História, 1988. p. 59. 119 SANTIAGO, Camila Fernanda Guimarães. Cativos da arte, artífices da liberdade. In:PAIVA, Eduardo França, Org.; IVO, Isnara Pereira, Org. Escravidão, mestiçagem e histórias comparadas. São Paulo: Annablume; Belo Horizonte: PPGH-UFMG; Vitória da Conquista: Edunesb, 2008.

63

categoria dos profissionais liberais.120 As corporações de ofício não chegaram a ser

implementadas no Brasil, onde se pode afirmar a existência de bandeiras, e mesmo estas

só no sentido de serem objetos sob os quais os profissionais de cada ofício participavam

de cerimônias públicas, cumprindo dever social. A guarda das bandeiras dos ofícios em

Vila Rica dava-se na Câmara, sendo liberadas para solenidades públicas. As razões

deste estado de coisas são várias. A característica de sociedade escravista baseada no

trabalho compulsório, com a proibição da habilitação de cativos a trabalhos greminais

sendo desrespeitada. Também dentre as causas temos a resistência dos oficiais

mecânicos a se submeter aos requisitos corporativos regulamentados pelas Câmaras e a

dificuldade destas em exercer efetiva fiscalização. A itinerância de artistas e artesãos,

que circulavam livremente pela região, e o exercício por estes de mais de uma atividade

especializada. A livre negociação entre artistas e clientela, impulsionando a competição

pelo sucesso pessoal e o lucro, em situação contrária ao protecionismo das corporações

de ofício. O Estado, preocupado em controlar as atividades mineradoras, não tinha

interesse em estimular o surgimento de espírito corporativo na população,

potencialmente perigoso como foco de contestação. Some-se a estes fatos as vantagens

das associações leigas, confrarias, irmandades e Ordens Terceiras. Nestas entidades não

havia restrições à profissão de seus integrantes. Atendiam aos anseios de proteção

social. Orientavam-se por normas estatutárias elaboradas pelos próprios confrades ou

irmãos e gozavam de relativa autonomia, tanto em relação ao poder civil quanto ao

eclesiástico.121

Nas Minas Setecentistas os artistas, a princípio, eram oriundos da Metrópole ou

das regiões litorâneas da Colônia e a transmissão dos ofícios mecânicos difere de

Portugal. O aprendizado dos ofícios de pintor e entalhador, na falta de sistematização do

ensino, deu-se diretamente nos canteiros de obras, com o grande número de obras

resultando em grande número de aprendizes. O ensino se fazia pela relação direta entre

mestre e aprendiz, com os ensinamentos ministrados por um artista mais velho ao qual

era reconhecida a qualidade de professor. Em Minas foi afamado professor o abridor de

cunho João Gomes Batista, que teve como alunos o entalhador Antônio Francisco

120 ARAÚJO, Jeaneth Xavier. Para a decência do culto de Deus: artes e ofícios na Vila Rica setecentista. Belo Horizonte: UFMG/FAFICH, Dissertação de Mestrado, 2003, p.137-138. 121 BOSCHI, Caio César. O barroco mineiro: artes e trabalho. São Paulo: Editora Brasiliense, col. Tudo é História, 1988. p. 72- 73.

64

Lisboa, o Aleijadinho, e Antônio Fernandes Rodrigues, pintor que também ascenderia a

professor.122

Por ser sociedade escravista, a América portuguesa não abriu mão da mão-de-

obra escrava também nas artes. Como os negros escravos também podiam ser

aprendizes de ofícios mecânicos, muitos se tornaram escravos de ganho.123 Artistas e

oficiais mecânicos ensinavam os ofícios a seus escravos em contato direto nas oficinas e

canteiros de obra. Adquirida a proficiência o escravo podia obter sua alforria. O

entalhador Francisco Vieira Servas, em testamento, alforriou seu escravo Joze Angola,

legando-lhe quarenta mil réis e ferramentas para que pudesse seguir com o ofício.124Se

inicialmente foram empregados em atividades menos especializadas, pelo final do

Século XVIII negros e mulatos participavam da realização de trabalhos de relevante

expressão artística. Especialmente, mas não exclusivamente, os mulatos:

Foram contudo os mulatos que levaram a palma. Sua penetração na esfera artística dos ofícios mecânicos, consolidou-se na segunda metade do século XVIII, em todas as regiões brasileiras, com relevo particular no Rio de Janeiro e Minas Gerais onde atuaram artistas de primeira grandeza como o Aleijadinho e Mestre Valentim. Essa atuação é geralmente citada como um dos principais fatores da originalidade artística do período, quando floresceram as escolas regionais e a arte produzida na colônia elaborou novas sintaxes no âmbito do barroco tardio e do rococó internacionais. 125

A presença do negro escravo exercendo ofício mecânico, por si só, já se constitui

em diferencial significativo no ensino e aprendizagem, sendo exemplar o caso do

escravo Silvério Dias, de uma tal Ana Pulquéria, que durante sete anos aprendeu o

ofício de entalhador com o mestre português Francisco Vieira Servas. Não se conhece

“termo” de aprendizagem para este caso, se é que tal documento chegou a ser

redigido.126 Mas há um contrato de aprendizagem para o ofício de pintor nas Minas

Gerais. Uma cópia sua está anexada a uma “Ação de Libelo Cívil” movida pelo pintor

122 BOSCHI, Caio César. O barroco mineiro: artes e trabalho. São Paulo: Editora Brasiliense, col. Tudo é História, 1988. p. 27. 123 BOSCHI, Caio César. O barroco mineiro: artes e trabalho. São Paulo: Editora Brasiliense, col. Tudo é História, 1988. p. 28. 124 SANTIAGO, Camila Fernanda Guimarães. Cativos da arte, artífices da liberdade. In:PAIVA, Eduardo França, Org.; IVO, Isnara Pereira, Org. Escravidão, mestiçagem e histórias comparadas. São Paulo: Annablume; Belo Horizonte: PPGH-UFMG; Vitória da Conquista: Edunesb, 2008, p. 80. Testamento de Francisco Vieira Servas. Anuário do Museu da Inconfidência, Ouro Preto, nº 4, 1955-1957, p. 43. 125 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. O rococó no Brasil e seus antecedentes europeus. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, p.180. 126 MARTINS, Judith. Dicionário de Artistas e Artífices dos séculos XVIII e XIX em Minas Gerais. v. 1, p.246.

65

João Batista de Figueiredo contra seu “ex-mestre”, o português Manoel Rabelo de

Souza em 1771.127

Digo eu abaixo assinado que é verdade, me ajustei com o Sr. Manoel Rabelo de Souza e o Senhor Anastácio de Azevedo Correia Barros, como Artífice da Arte de Pintor, ensinarem um filho meu, por nome João, a dita Arte, por tempo de seis anos, sendo eu obrigado a vesti-lo e calçá-lo e tudo o mais que para se precisar, pois só da parte dos Mestres está ensiná-lo, doutriná-lo e sustentá-lo. E [em] caso que o Rapaz falte por malícia sua, agindo ou induzido, serei obrigado a buscá-lo e entregá-lo aos ditos mestres até completar os ditos seis anos, aliás serei obrigado a pagar-lhe por cada dia que faltar, seis tostões cada dia, o que faço por minha livre vontade e contento de todos, principalmente do mesmo rapaz ao que tudo me obrigo a satisfazer e cumprir. E por verdade de tudo faço este de minha letra e sinal. Hoje, Mariana 12 de Dezembro de 1760 anos. Antônio Lopes de Figueiredo. (...).128

Destoando do usual em Portugal, este documento indica que o pai firma o

“contrato de servidão” com dois mestres, ou pelo menos com um mestre e seu

assistente. Continua obrigado a vestir o filho, a calçá-lo e “tudo o mais”, cabendo aos

mestres administrar-lhe ensino, doutrinação religiosa e sustento. Os percalços previstos

nos contratos correlatos portugueses ocorrem em profusão no processo de aprendizagem

de João Batista de Figueiredo. Na versão de Manoel Rabelo de Souza, logo após a

assinatura do termo, com a morte do pai do aprendiz, este se recusa a cumprir o ajuste e

foge, sendo reconduzido ao mestre por capitão-do-mato. Estando ambos a trabalhar no

Mosteiro de Macaúbas, em Santa Luzia, João Batista de Figueiredo é acusado de furto,

açoitado por Manoel Rabelo de Souza, confessa sua culpa. Três dias depois foge para

Vila Rica, onde é preso e enviado pelo governador ao Rio de Janeiro. Consegue retornar

a Vila Rica e, apresentando-se na casa de Manoel Rabelo de Souza, é readmitido para

concluir o tempo de aprendizagem. Trabalha então em algumas obras com o mestre,

dentre elas o forro da nave da capela de Santa Efigênia de Vila Rica.

É por trabalho de pintura realizado em alguma obra que João Batista de

Figueiredo processa Manoel Rabelo de Souza, cobrando 36 oitavas de ouro pelo

serviço. O réu alega que o acusado era aprendiz à época da realização do trabalho, não

tendo, portanto, direito a jornais. Em seu depoimento, João Batista de Figueiredo afirma

que Manoel Rabelo de Souza era apenas mestre dourador, não tendo sido seu mestre por

127 ALVES, Célio Macedo. Minas colonial: pintura e aprendizado. O caso exemplar de João Batista de Figueiredo. in. Telas e Artes nº 15. Belo Horizonte. Maciel Artes e Projetos Culturais Ltda. p. 34- 40. 128. Códice 185, Auto 2535, Cartório do 1º Ofício. Arquivo Histórico do Museu da Inconfidência/ IPHAN/ 13ª S. R. apud ALVES, Célio Macedo. Minas colonial: pintura e aprendizado. O caso exemplar de João Batista de Figueiredo. in Telas e Artes nº 15. Belo Horizonte. Maciel Artes e Projetos Culturais Ltda. p. 40.

66

não poder ensinar o que não sabia. Alguns testemunhos corroboraram a tese de que

Manoel Rabelo de Souza era dourador que empreitava obras de pintura, contratando

oficiais capacitados para executá-las. Depois de três anos em julgado o juiz dá ganho de

causa a João Batista de Figueiredo.

67

Capítulo II - A difusão da decoração perspéctica na Capitania do

Ouro entre os séculos XVIII e XIX

As obras pictóricas mais significativas nas Minas Gerais foram realizadas em

igrejas ou edifícios públicos. O desenvolvimento da pintura foi subsidiário ao da

arquitetura, assim como em todo o Brasil. E isso não significa demérito para a pintura

mineira, que desenvolveu características próprias e diferenciações regionais129,

exercendo influência nos pintores de capitanias vizinhas. Rodrigo de Melo Franco de

Andrade aponta insuficiência e imprecisão das fontes impressas para o estudo da pintura

mineira, cita a perda da parte referente à pintura nas memórias de Joaquim José da

Silva, vereador da câmara de Mariana, reproduzidas por Rodrigo José Ferreira Bretas na

sua biografia de Antônio Francisco Lisboa.130 Segundo este autor, as primeiras obras

foram painéis retangulares em paredes e tetos (caixotões) cuja mais antiga pintura é a da

capela de Nossa Senhora do Ó, em Sabará, com execução próxima a 1720. Na nave

estão representadas cenas alusivas aos episódios da Fuga para o Egito, passagens dos

Mistérios Gozosos e as Bodas de Caná. O arco-cruzeiro, seus panos e o altar-mor

apresentam pinturas em chinesice. Nos painéis que revestem as paredes da capela-mor

estão representadas cenas com o menino Jesus. No forro, em seis caixotes, cenas da vida

da Virgem. Andrade atribui a autoria destas últimas a uma mão distinta da que executou

as anteriores. A autoria das pinturas (com exceção às do forro da capela-mor),

principalmente às em chinesice, é atribuída por Andrade a Jacinto Ribeiro, pintor

atuante à época na região, originário da Índia e com atuação documentada entre 1711 e

1744.131

Na tradição do brutesco nacional português é a pintura do teto em barrete de

clérigo da capela-mor da igreja de Santo Antônio, matriz da Vila de São José (atual

Tiradentes) executado entre 1730 e 1737. O teto da nave tem dezoito caixotões com

pintura de brutesco adornando cartelas com símbolos da eucaristia e litanias marianas.

129 A este respeito destacamos a influência exercida pelo Guarda-mor José Soares de Araùjo na região de Diamantina e as figuras mulatas de Manoel Ataíde. 130 ANDRADE, Rodrigo de Melo Franco de. Revista do PHAN. Ministério da Educação e Cultura, 1978, p. 12-13. 131 ANDRADE, Rodrigo de Melo Franco de. Revista do PHAN. Ministério da Educação e Cultura, 1978, p.11-75.

68

Antônio Rodrigues Belo, natural do Porto, com presença assinalada em Minas

desde 1738, recebeu nos anos de 1755 e 1756 por trabalhos de pintura na matriz de

Cachoeira do Campo. Sabemos hoje que a pintura observada no forro da capela-mor é

uma repintura posterior ao seu trabalho, que continua inédito.132 A pintura do forro da

capela-mor da capela de Nossa Senhora do Rosário do Padre Faria, em Vila Rica, sem

datação e autoria conhecidas, pode ser considerada estilisticamente como a mais antiga

pintura de perspectiva conservada na região (fig.11).

Seu esquema de composição, baseado em densos segmentos longitudinais de

pilastras e entablamentos, unidos por arcos medianos e enquadrando no centro um

pequeno painel com moldura circular, aproxima-se bastante do empregado por Caetano

132 Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira cita informação do professor de restauração, Jair Afonso Inácio, da existência de pintura original sob repintura neste forro. OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. A Pintura de Perspectiva em Minas colonial. ÁVILA, Afonso. (org.) Barroco: Teoria e análise. Tradução Sérgio Coelho e Perola de Carvalho, Elza Cunha de Vicenzo, Eldécio Mostaco, Marise Levy. São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, 1997, p.451.

Fig. 11- Teto da capela-mor da capela de Nossa Senhora do Rosário do Padre Faria. Ouro Preto. Foto

professor Magno Mello

69

da Costa Coelho na pintura da capela-mor de São Francisco da Penitência do Rio de

Janeiro, a mais antiga pintura de perspectiva brasileira datada.133

Do pintor português de Braga, Manuel Rebelo de Souza (?-1775), são as

pinturas das duas abóbadas da capela-mor da Sé de Mariana, de 1760, e a do forro da

nave da igreja de Santa Efigênia de Vila Rica, de 1768. Myriam Andrade Ribeiro de

Oliveira destaca neste último forro

a presença pioneira no contexto mineiro, do motivo ornamental da rocalha, que aparece na moldura do medalhão e em alguns pontos da estrutura arquitetônica. Inserido entretanto na pesada trama composicional desse forro, de colorido predominantemente sombrio, o motivo por assim dizer se barroquiza, negando o próprio espírito do rococó, de características diametralmente opostas.134

Na descendência composicional das pinturas de Sé de Mariana, temos a pintura do teto

da capela-mor da matriz de Ouro Branco, de feitio ingênuo e popular. Não se tem

atribuição de autoria e datação para este forro.

Também sem informações acerca de datação e autoria temos as pinturas dos

forros da nave e da capela-mor da capela do Senhor Bom Jesus das Flores do Taquaral,

em Vila Rica (fig. 12). Ambas estruturam-se por entablamentos longitudinais amarrados

nos eixos transversais por pilastras unidas por arcos. As pinturas são escuras,

predominando tons terrosos. Apesar da simplicidade na composição, atestam domínio

da realização da quadratura e certa erudição do pintor. Estilisticamente aparentam ser

mais antigas que a pintura do forro da capela-mor do Padre Faria.

A região de Diamantina foi palco de desenvolvimento de uma escola de pintura

de perspectiva, dominada pela figura do português também de Braga, o Guarda-Mor

José Soares de Araújo (?-1799). “O forro da capela-mor do Carmo de Diamantina,

ajustado em 1766, pode também ser considerado como a primeira pintura de perspectiva

executada na região”.135 A trama arquitetônica da quadratura é bem elaborada e, no

quadro recolocado da visão central, a virgem entrega os escapulários a São Simão

133 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. A Pintura de Perspectiva em Minas colonial. ÁVILA, Afonso. (org.) Barroco: Teoria e análise. Tradução Sérgio Coelho e Perola de Carvalho, Elza Cunha de Vicenzo, Eldécio Mostaco, Marise Levy. São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, p.451 e 454. 134 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. A Pintura de Perspectiva em Minas colonial. ÁVILA, Afonso. (org.) Barroco: Teoria e análise. Tradução Sérgio Coelho e Perola de Carvalho, Elza Cunha de Vicenzo, Eldécio Mostaco, Marise Levy. São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, p.444-445. 135 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. A Pintura de Perspectiva em Minas colonial. ÁVILA, Afonso. (org.) Barroco: Teoria e análise. Tradução Sérgio Coelho e Perola de Carvalho, Elza Cunha de Vicenzo, Eldécio Mostaco, Marise Levy. São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, 1997, p.445.

70

Stock. O forro da nave da mesma igreja, executado entre 1778 e 1784, tem pintura de

composição estruturada por entablamentos longitudinais, sustentados por pilastras com

colunas adossadas. O espaço central é dividido por seis arcos em sete compartimentos.

O quadro recolocado ao centro mostra o profeta Elias no carro de fogo e, acima e

abaixo,

Fig. 12- Forro da nave da capela do Senhor Bom Jesus das Flores do Taquaral, Ouro Preto. Foto da professora

Adalgisa Arantes Campos

71

estão representadas estruturas arquitetônicas em perspectiva de um terceiro nível com

anjos esvoaçantes. Os quatro vãos nas extremidades do eixo longitudinal são fechados.

Nas pinturas predomina um tom azulado, característico do Guarda-Mor. Além dos

forros citados, são documentalmente atribuídas a José Soares de Araújo as seguintes

pinturas de teto em Diamantina: capela-mor de Nossa Senhora do Rosário, de 1779-

1780, e capela-mor de São Francisco de Assis, de 1782-1783. Por semelhança

estilística, ao Guarda-Mor são atribuídas as pinturas dos forros da nave e da capela-mor

da igreja de Sant’ Ana de Inhaí e da capela-mor da igreja de Nossa Senhora da

Conceição na região de Diamantina, atual município de Couto Magalhães. A seus

discípulos são atribuídas as pinturas dos forros da capela-mor da capela do Bonfim, em

Diamantina e da capela-mor da igreja de Santo Antônio em Santo Antônio do Norte,

distrito de Conceição do Mato Dentro, e ainda as da capela-mor da matriz de São

Gonçalo do Rio das Pedras, distrito do Serro.136

A introdução do estilo rococó em pinturas de forros mineiros dá-se nos

primeiros anos da década de 1770. É de 1768 a utilização da rocalha no forro da nave da

igreja de Santa Efigênia de Vila Rica, tendo este motivo decorativo ficado meio

deslocado na composição de quadratura desta pintura. Já no forro da capela-mor do

santuário de Bom Jesus de Matozinhos de Congonhas do Campo, pintado por Bernardo

Pires da Silva entre 1773 e 1774, o motivo se harmoniza com a composição. O papel da

quadratura, de dar sustentação ao quadro recolocado no centro, é ultrapassado. A cena

central, emoldurada por rocalhas, é por estas ligada às extremidades do forro,

conferindo leveza e movimento à composição. A esta pintura seguem-se outras, nas

quais o quadro recolocado ao centro é sustentado à maneira de dossel e, em alguns

casos, recorre-se a utilização de tarjas centrais soltas, como nos dois forros do Guarda-

Mor citados anteriormente. Em outros casos ainda a visão central está inserida entre

nuvens. 137

A pintura do forro da nave do Santuário de Congonhas do Campo, executada

entre 1777 e 1787 por João Nepomuceno Correia e Castro (?-1795), apresenta três

sólidas pilastras em cada lateral, sustentando trama de enrolamentos por meio de arcos.

136 Em relação à obra do Guarda-Mor, pode-se também consultar: DEL NEGRO, Carlos. Nova contribuição ao estudo da pintura mineira (norte de Minas), pintura dos tetos de igrejas. Rio de Janeiro: IPHAN, 1978. 137 A respeito deste tema, pode-se consultar: OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. A Pintura de Perspectiva em Minas colonial – Ciclo Rococó. ÁVILA, Afonso. (org.) Barroco: Teoria e análise. Tradução Sérgio Coelho e Perola de Carvalho, Elza Cunha de Vicenzo, Eldécio Mostaco, Marise Levy. São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, 1997.

72

No centro o quadro recolocado traz a Santíssima Trindade entre nuvens e querubins. Na

mesma linha é a pintura do forro da capela-mor do Seminário Menor de Mariana, de

1782, pintado por Antônio Martins da Silveira, ativo em Minas na segunda metade do

século XVIII, em partido similar ao da pintura da nave do Santuário de Congonhas, mas

com balcões de parapeito vazado logo acima das paredes do altar e arco-cruzeiro. 138

O teto da nave da igreja de Nossa Senhora de Nazaré, matriz de Santa Rita

Durão, pintado em 1778 por João Batista de Figueiredo, ativo na segunda metade do

século XVIII, estrutura-se sobre três pesadas pilastras de cada lado, com o milagre de

Nossa Senhora de Nazaré representado na visão central. Também de João Batista de

Figueiredo são os forros da nave e capela-mor da igreja de Nossa Senhora do Rosário de

Inficionado (atual Santa Rita Durão). A pintura do forro da capela-mor, anterior a 1792,

estrutura-se em trama de enrolamentos com rocalhas como o da capela-mor de

Congonhas.139 A pintura da nave apresenta quadro recolocado de grandes dimensões,

com representação da Assunção de Nossa Senhora. A sustentação desta visão central se

faz por meio de dois pares de pilastras com colunas adossadas de cada lado.

No início do século XIX destaca-se a figura de Manuel da Costa Ataíde, natural

de Mariana, nascido em 1762 e falecido em 1830.140 Deixou extensa obra alem de

pinturas de forros: pinturas de painéis parietais, de cavalete e risco, douramento e

pintura de retábulos. Em 1782 recebeu dezesseis oitavas de ouro por trabalho não

identificado na capela do Menino Deus da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo

de Mariana.141

São de sua autoria as pinturas do forro da nave da capela de São Francisco de

Assis de Ouro Preto, executada entre 1801 e 1812; a do forro da capela-mor da

igreja de Santo Antônio, matriz de Santa Bárbara, de cerca de 1806 e a do forro

da capela-mor da capela de Nossa Senhora do Rosário de Mariana, de 1823.

Outras pinturas, como as dos tetos das naves das matrizes de Ouro Branco e

138 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. A Pintura de Perspectiva em Minas colonial. ÁVILA, Afonso. (org.) Barroco: Teoria e análise. Tradução Sérgio Coelho e Perola de Carvalho, Elza Cunha de Vicenzo, Eldécio Mostaco, Marise Levy. São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, 1997, p. 466. 139 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. A Pintura de Perspectiva em Minas colonial. ÁVILA, Afonso. (org.) Barroco: Teoria e análise. Tradução Sérgio Coelho e Perola de Carvalho, Elza Cunha de Vicenzo, Eldécio Mostaco, Marise Levy. São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, 1997, p. 468. 140 A respeito de Ataíde, pode-se consultar: CAMPOS, Adalgisa Arantes (org.). Manuel da Costa Ataíde, aspectos históricos, estilísticos, iconográficos e técnicos. Belo Horizonte: C/Arte,2005. 141 MENEZES, Ivo Porto de, Uma releitura da trajetória do pintor marianense. Campos, Adalgisa Arantes. (org.) Manuel da Costa Ataíde- Aspectos históricos, estilísticos, iconográficos e técnicos. Belo Horizonte: C/Arte,2005, p. 17 e 23.

73

Santa Bárbara devem ser atribuídas a discípulos (...) embora possa ser admitida

a hipótese da participação pessoal do mestre na execução de partes essenciais

da composição, como as figuras do medalhão central de Ouro Branco.142

Suas composições seguem

esquema já elaborado no período anterior: medalhão ricamente emoldurado de rocalhas, formando no centro da abóbada uma espécie de baldaquino suntuoso, sustentado por quatro possantes pilastras interligadas por arcos plenos, sobre os quais repousam diretamente as laterais da moldura do medalhão.143

Mas há outro partido de composição a ser destacado. Inicia-se na nave da capela

do Senhor Bom Jesus de Matozinhos de Itabira do Campo (atual Itabirito),

“provavelmente (...) das décadas finais do século XVIII”. 144 Nesta pintura a visão

central com o Descimento da Cruz está inserida em nuvens, sem ligação com a

representação arquitetônica das laterais, reduzida a um muro-parapeito com púlpitos e

balcões.145 Neste esquema inclui-se a pintura do forro da nave da capela de Nossa

Senhora das Mercês de Tiradentes, com fatura entre1804 e 1824 de Manuel Víctor de

Jesus (ativo na primeira metade do século XIX).146 O mesmo tipo de composição está

presente no forro da nave da Capela de Nossa Senhora do Carmo de Sabará, de 1818,

pintado por Joaquim Gonçalves da Rocha (1755-1831). Na mesma configuração é a

pintura do forro da capela-mor da mesma capela de Nossa Senhora do Carmo de Sabará,

com visão central emoldurada por rocalhas e rodeada por muro-parapeito. E também

nas pinturas dos forros da nave e capela-mor da matriz de Santa Luzia, de autoria e

datação desconhecidas.

142 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. A Pintura de Perspectiva em Minas colonial. ÁVILA, Afonso. (org.) Barroco: Teoria e análise. Tradução Sérgio Coelho e Perola de Carvalho, Elza Cunha de Vicenzo, Eldécio Mostaco, Marise Levy. São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, 1997, p. 473. 143 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. A Pintura de Perspectiva em Minas colonial. ÁVILA, Afonso. (org.) Barroco: Teoria e análise. Tradução Sérgio Coelho e Perola de Carvalho, Elza Cunha de Vicenzo, Eldécio Mostaco, Marise Levy. São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, 1997, p. 473. 144 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. A Pintura de Perspectiva em Minas colonial. ÁVILA, Afonso. (org.) Barroco: Teoria e análise. Tradução Sérgio Coelho e Perola de Carvalho, Elza Cunha de Vicenzo, Eldécio Mostaco, Marise Levy. São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, 1997, p. 468. 145 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. A Pintura de Perspectiva em Minas colonial. ÁVILA, Afonso. (org.) Barroco: Teoria e análise. Tradução Sérgio Coelho e Perola de Carvalho, Elza Cunha de Vicenzo, Eldécio Mostaco, Marise Levy. São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, 1997, p.468. 146 Olinto dos Santos Filho julga possível que a pintura tenha sido iniciada em fins do século XVIII. Manoel Victor de Jesus, pintor mineiro do ciclo rococó. In: Revista Barroco. Nº 12, 1982/3, p. 234.

74

Há ainda outro tipo de composição sem trama arquitetônica a sustentar a visão

central, inserida em tarja central solta, sem nuvens ao redor. Foi utilizado pelo Guarda-

Mor José Soares de Araújo na nave da matriz de Inhaí e na capela-mor da capela de São

Francisco de Assis de Diamantina. Segundo Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, este

novo vocabulário apresenta “espírito ainda barroco no medalhão de São Francisco, mas

já bem próximo do rococó no da matriz de Inhaí”.147 E é no espírito rococó e sob

influência de José Soares de Araújo a pintura de Manuel Álvares Passos (ativo na

segunda metade do século XVIII) no forro da capela-mor da igreja de Nossa Senhora

das Mercês de Diamantina, ajustada em 1794, com esquema de composição adotando

muro-parapeito contínuo nas laterais e tarja emoldurada no centro.148 No forro da

capela-mor da capela do Senhor Bom Jesus de Matozinhos do Serro, obra atualmente

atribuída a Caetano Luiz de Miranda (ativo na passagem do século XVIII ao XIX), a

visão central do recolhimento da imagem de Cristo na praia de Matozinhos, em

Portugal, encontra-se emoldurada em uma tarja solta, rodeada por flores.149

Em Minas Gerais, seguindo uma linha de evolução estilística, os forros com

pintura em perspectiva foram sucessores dos tetos artezoados, de caixotões e das

pinturas de brutesco. A pesquisadora Myriam Ribeiro propõe a divisão das pinturas

perspécticas em dois ciclos: um barroco e um rococó:

A própria existência de um ciclo barroco, precedendo o ciclo rococó da pintura de perspectiva em Minas, é, por exemplo, questão que nunca foi colocada de maneira precisa, sendo muitas vezes atribuída primordialmente a diferenças pessoais de estilo ou de escolas regionais a enorme distância que vai entre um forro do guarda-mor José Soares de Araújo e um de Manoel da Costa Athaíde.150

Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira apontou a presença pioneira da rocalha no

forro da nave da igreja de Santa Efigênia de Vila Rica, de composição barroca do

147 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. A Pintura de Perspectiva em Minas colonial. ÁVILA, Afonso. (org.) Barroco: Teoria e análise. Tradução Sérgio Coelho e Perola de Carvalho, Elza Cunha de Vicenzo, Eldécio Mostaco, Marise Levy. São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, 1997, p.462. 148 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. A Pintura de Perspectiva em Minas colonial. ÁVILA, Afonso. (org.) Barroco: Teoria e análise. Tradução Sérgio Coelho e Perola de Carvalho, Elza Cunha de Vicenzo, Eldécio Mostaco, Marise Levy. São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, 1997, p. 489. 149 CAMPOS, Adalgisa Arantes. Introdução ao barroco mineiro, cultura barroca e manifestações do rococó em Minas Gerais. Crisálida. Belo Horizonte: 2006, p. 65. 150 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. A Pintura de Perspectiva em Minas colonial. ÁVILA, Afonso. (org.) Barroco: Teoria e análise. Tradução Sérgio Coelho e Perola de Carvalho, Elza Cunha de Vicenzo, Eldécio Mostaco, Marise Levy. São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, 1997, p. 451.

75

primeiro ciclo e datado por volta de 1768, situando esta obra no momento de transição

estilística para a temática rococó na pintura de perspectiva ilusionista mineira, seguida

pela utilização do esquema compositivo de tarja central sustentada por uma trama de

concheados, com aplicação de rocalhas e delicados ramos de flores na capela-mor do

santuário do Bom Jesus de Matozinhos de Congonhas, pintado por Bernardo Pires da

Silva entre 1773 e 1774.151 E referindo-se à transição do barroco ao rococó na região de

Diamantina, cita:

A uma etapa final da evolução estilística do guarda-mor filiam-se os forros da capela-mor de São Francisco de Assis de Diamantina, datado de 1782-1783, e da nave da matriz de Inhaí. Neles o artista, provavelmente influenciado por novas tendências anunciadoras do rococó, como sugeriu Rodrigo Mello Franco de Andrade, reduz drasticamente a trama arquitetônica a uma moldura circundante formada por arcadas transversais interligadas por balaustradas (São Francisco) ou a suprime completamente (Inhaí). Tanto num como noutro caso, o tema fundamental é agora o motivo do medalhão com a figura do santo padroeiro, suntuosamente emoldurado por conchóides, palmas, guirlandas e até mesmo tímidas rocalhas, medalhão este que se destaca no centro de um amplo espaço vazio, uniformemente pintado de branco. Esse novo esquema de composição caracterizará os forros do ciclo rococó na região, só iniciado efetivamente em Diamantina a partir da última década do Século XVIII.152

E ainda estudando as pinturas do “ciclo rococó” refere-se a: “Um segundo

modelo, bem mais simples, que reduz a perspectiva arquitetônica a um muro-parapeito

circundando em linha contínua as laterais da abóbada e deixando vazia a parte central

em torno do medalhão.” 153 Temos, portanto, segundo a divisão classificatória em ciclos

preconizada por Myrian Ribeiro, um nexo entre composição com tarja central solta e o

“ciclo rococó”. Este nexo deve ser destacado por ter importância fundamental para

nosso estudo. Entre as pinturas de teto que estamos atribuindo a Gonçalo Francisco

Xavier, algumas apresentam composição de tarja central solta, mas sem utilização de

rocalhas, sendo pinturas barrocas. Voltaremos a este assunto oportunamente, por agora

passamos a verificar sucintamente aspectos relacionados ao processo de atribuição de

autorias ao pintor Gonçalo Francisco Xavier.

151 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. O rococó no Brasil e seus antecedentes europeus. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, p.274. 152 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. A Pintura de Perspectiva em Minas colonial. ÁVILA, Afonso. (org.) Barroco: Teoria e análise. Tradução Sérgio Coelho e Perola de Carvalho, Elza Cunha de Vicenzo, Eldécio Mostaco, Marise Levy. São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, 1997, p. 462. 153 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. O rococó no Brasil e seus antecedentes europeus. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, p.283.

76

Capítulo III - Uma história da arte sem nomes: Gonçalo Francisco

Xavier.

O processo de agrupamento de obras que atribuímos ao pintor Gonçalo

Francisco Xavier se iniciou na década de 1980 com trabalhos de restauração da capela

de Santana, em Cocais, atualmente distrito de Barão de Cocais. A partir do contato

íntimo com as pinturas sobre tábuas de painéis e forros que decoram esta igreja,

pudemos iniciar o levantamento fotográfico e agregar sob autoria comum, por

compartilhamento de características formais e estilísticas, trabalhos em outras nove

igrejas de Minas Gerais.

A capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro foi a próxima a atrair nossa

atenção. E aí tivemos um problema. O histórico do IEPHA-MG para esta capela,

elaborado pela Fundação João Pinheiro, refere-se à pintura do forro da capela-mor como

sendo uma obra rococó, o que implicava uma separação temporal entre as obras

barrocas da capela de Santana e este forro. Seguíamos a classificação estilística e

cronológica contida no verbete pintura do Glossário Mineiro de Arquitetura e

Ornamentação.154

Posteriormente agregamos o forro da capela-mor da capela de Nossa Senhora do

Rosário, em Catas Altas do Mato Dentro, como sendo de mesma fatura que os forros e

painéis parietais da capela de Santana. As semelhanças entre estas pinturas são por

demais evidentes. Desenvolveremos este tópico oportunamente.

Quando vistoriamos a pintura do teto da capela-mor da capela de Santa Quitéria,

também em Catas Altas do Mato Dentro, percebemos que o artista que buscávamos

utilizava-se, além da quadratura, também de composição com a tarja central solta.

Facilitou esta nossa conclusão a comparação com o forro da sacristia da Capela de

Santana. Embora aí a ausência de trama arquitetônica ao redor da visão central se deva à

representação de alvenaria lisa de uma cúpula circular ao redor do óculo central.

Pudemos então retornar ao teto da capela-mor da Igreja de Nossa Senhora do

Perpétuo Socorro. Este forro apresenta uma fieira de tábuas curtas a complementá-lo na

junção com o retábulo do altar-mor. Estas tábuas apresentam pintura de flores e

154 Consultar o verbete pintura em: ÁVILA, Afonso, GONTIJO, João Marcos Machado, MACHADO, Reinaldo Guedes. Barroco mineiro, glossário de arquitetura e ornamentação. Rio de Janeiro: Fundação João pinheiro e Fundação Roberto Marinho, 1979, p.165-166-167.

77

rocalhas. Estes elementos, somados ao fato da pintura do forro ser de tarja central solta,

devem ter induzido o historiador da Fundação João Pinheiro que elaborou o histórico da

igreja a considerar o forro todo como rococó. Possivelmente o retábulo do altar-mor

original era mais projetado à frente que o atual, daí a necessidade de se complementar o

forro.

Na década de 1990 fomos informados pelo restaurador do IEPHA-MG, Paulo

Roberto Agra e Silva, da descoberta de algumas tábuas com pintura na igreja de Santo

Antônio, matriz de Santa Bárbara. Havíamos trabalhado juntos na restauração da capela

de Santana de Cocais e ele julgava possível que as tábuas encontradas fossem

pertencentes à decoração da capela de Santana, onde há falta de tábuas em todos os

forros e painéis restaurados. Antes de realizarmos vistoria na matriz de Santa Bárbara,

mostramos o levantamento fotográfico que estávamos formando à pesquisadora Selma

Melo Miranda. Sabendo que ao Gonçalo Francisco Xavier não havia nenhuma obra

atribuída até então e que este pintor havia sido contratado em 1756 para realizar pinturas

na matriz de Santa Bárbara, ela teceu o seguinte raciocínio: para ser contratado para

trabalhar em uma matriz o pintor em questão deveria ser autor de uma obra que o

respaldasse. Estávamos lhe apresentando um conjunto de obras sem autoria, logo o

autor destas obras poderia ser Gonçalo Francisco Xavier. Vistoriamos a matriz de Santa

Bárbara no intuito de verificar a possibilidade do autor da obra reunida ser Gonçalo

Francisco Xavier, com atuação documentada nesta matriz em 1756; no entanto, sem

obra identificada por esta igreja ter sido reconstruída em anos posteriores. Encontramos

embaladas no consistório quatro tábuas recuperadas, em restauração anteriormente

executada na igreja, do beiral do telhado da capela lateral da nave. Estiveram pregadas,

sobrepostas lateralmente umas sobre as outras. Faixas longitudinais, anteriormente

recobertas por sobreposição das tábuas, apresentam parte de uma pintura de perspectiva,

com visão central e trama arquitetônica circundante. As partes que haviam ficado

expostas foram raspadas para aplicação de tinta a óleo verde, cor das cimalhas da matriz

da Santa Bárbara. No interior da igreja, observamos que o friso da portada da capela

lateral da nave- capela da Irmandade do Santíssimo Sacramento- continha elementos em

grisaille vermelho e branco similares, quase idênticos, aos presentes no friso do

coroamento do retábulo de Santana da matriz de Nossa Senhora da Conceição em Catas

Altas do Mato Dentro (segundo retábulo lateral da nave do lado da epístola). Os

elementos formais subsistentes das tábuas retiradas do exterior da igreja e os do friso do

78

coroamento da portada apresentavam similaridade absoluta com os equivalentes

presentes nas demais obras que estávamos agrupando.

Por análise comparativa é possível identificar a linguagem pictórica de um

mesmo artista nas pinturas decorativas em forros, painéis e retábulos de nove Igrejas

e capelas em seis municípios dispostos ao longo do prolongamento do Caminho Novo

em direção ao Norte de Minas. Nas pinturas relacionadas estão presentes vários

elementos com as mesmas formas e com tratamento pictórico de volume idênticos:

grisados paralelos para os planos e, para as cavidades e concavidades, pinceladas

sucessivas, geralmente duas a duas, de branco e preto em arco ou em ondas sinuosas,

na forma de verga alteada, e delicadas hachuras cruzadas. Notam-se ainda volutas

com enrolamentos em forma de cornos de carneiro, conchas, flores, folhas de acanto,

romãs e bocetes (marcas circulares negras representando cabeças de cravos).

Compartilham também a paleta em azul escuro, azul claro, vermelhão, ocre e terras.

Estes elementos constantemente reutilizados caracterizam um modelo reprisado nas

pinturas que atribuímos a Gonçalo Francisco Xavier.

As obras foram relacionadas a partir da constatação de identidade entre estes

detalhes, levando em conta que estes elementos estão presentes em pinturas de outras

igrejas do mesmo período, mas com diferenças no desenho e pigmentação

relativamente óbvias. Algumas pinturas apresentam trama arquitetural ilusória

cerrada, quadratura, ao redor de visão central, outras, tarja central solta, e ainda um

exemplar é decoração de forro artezoado. Constata-se que o artista, utilizou três tipos

de composição.

A última igreja a ser incluída em nossa relação foi a catedral da Sé de Mariana.

O forro da sala da Morte havia sido restaurado pelo IEPHA-MG na década de 1980.

Vendo foto do forro após o restauro, suspeitamos da possibilidade de que se tratasse de

pintura de Gonçalo Francisco Xavier, o que se confirmou em vistoria realizada em julho

do corrente ano.

Deste pintor temos poucas informações. No dia 12 de dezembro de 1742, em

solenidade na “praça do Conselho” de Vila Rica155, foi anunciado Gonçalo Francisco

Xavier como arrematante da pintura da Capela de Santa Rita dos Presos por vinte e uma

oitavas de ouro. O primeiro parágrafo do documento informa a quantia de 28 oitavas, já

no meio do texto é citada a quantia de 21 oitavas, valor informado também na petição

155 Doc. 1: APM. CMOP- 41- Termo de Arrematações- 1734-1745. Fls. 110 e 110 v.

79

solicitando pagamento pela obra 156. O acerto de arrematação descreve o ambiente

teatralizante e ritualístico da época. Gonçalo Francisco Xavier se lança na obra por 21

oitavas de ouro, o que é anunciado pelo porteiro que deu “hua, duas, e três, e outra mais

pequenina”, como em um leilão. Não havendo proposta menor, o porteiro acerca-se de

Gonçalo Francisco Xavier e lhe entrega em mãos um ramo verde dizendo: “fasa-lhe

muito bom proveito”. A obra então é arrematada. Achavam-se presentes o “Juis

vereadores e Procurador do Sennado da Camera”, o porteiro Domingos Martins e o

escrivão da Câmara Manoel Pinto de Queiroz, que lavrou o termo de arrematação. Não

se achou necessário que se tomasse termo de fiança do pintor, talvez pelo pequeno valor

da obra. O documento foi assinado pelo escrivão e pelo pintor.

A capela localizava-se na antiga Casa de Câmara e Cadeia, na paróquia de

Antônio Dias, em reforma por esta época. As condições da obra estipulavam pintura da

(...) porta principal por dentro e por fora com duas manos de oleo, e na ultima fingindo rais de oliveira, e a ferrage da dita porta será de Preto; e os portais de dentro e de fora serão tambem com duas manos a óleo fingindo pedra branca, e o vão da porta de madeira por cima da mesma sorte a sumalha toda por fora e cruz será tudo tambem a duas manos a oleo fingindo a mesma pedra branca; o forro que se acha liso por dentro e simalha e molduras será tambem com duas manos a oleo pintando tudo conducente o mais pintura que se acha feita tudo com perfeição (...).157

Consta da documentação uma petição, ao que indica a semelhança caligráfica

com sua assinatura, escrita por Gonçalo Francisco Xavier, solicitando ao Senado

recebimento da obra, que se achava pronta em 31 de dezembro do corrente ano. A

louvação foi efetuada na mesma data por dois oficiais de pintura, o primeiro deles

indicado por Gonçalo Francisco Xavier:

Antônio Caldas preto forro oficial da mesma arte de pintor e logo pelo procurador atual do senado José Correia Maia foi dito e declarado que convinha no dito nomeado como tambem logo nomeou por parte do senado para o dito exame Bento de Oliveira o oficial do dito oficio e declararam eles ditos rematante e procurador e darem pela determinação e louvacão que na dita obra fizessem e de como assim o disseram e declararam fiz este termo que assinaram e eu Manoel Pinto de Queiróz escrivão da Câmara que o escrevi. 158

156 Doc. 3: APM. CMOP- Cx. 14- Doc. 32- 1742-12-29. Fls. 1. 157 Doc. 2: APM. CMOP. Cx. 41- Termo de arrematações- 1734-1745- fls. 111 158 Doc. 3: APM. CMOP. Cx. 14, doc. 32. (1742- 12- 29) fls. 3

80

Aprovada a obra, foi lavrado o recibo. A antiga Casa de Câmara e Cadeia, juntamente

com a capela, foi demolida no século XIX, substituída pela edificação que hoje abriga o

Museu da Inconfidência, na Praça Tiradentes.

Pela documentação observamos que as condições não detalhavam o tipo de

pintura a ser aplicado no forro, apenas indicando imitação ilusionista de raiz de oliveira

e pedra branca em alguns elementos. A arrematação foi no dia 12 de dezembro de 1742

e a louvação e recibo no dia 31. Dezenove dias constituem um prazo curto para a

realização de uma pintura decorativa de forro em quadratura ou de tarja central. Some-

se a isso o valor pago, que foi baixo, e somos impedidos de inferir a realização de uma

pintura de forro elaborada. Podemos apenas aventar a realização de pintura decorativa

simples no interior da capela, tendo ficado seu forro com pintura lisa. Neste caso

recorremos ao conceito de cripto-história de arte, na vertente da “cryptanalysis”, pois as

informações sobre a obra inexistente constam em referência documental escrita.159

O primeiro louvado designado por indicação de Gonçalo Francisco Xavier era

preto forro, “oficial da mesma arte de pintor”, evidenciando, em 1742, a presença do

elemento africano nas artes em Vila Rica. Podemos deduzir que Antônio Caldas devia

ser pintor competente e bem inserido na sociedade local. Os fatos de ter sido o primeiro

louvado a ser nomeado- a nomeação do segundo se dá após a aprovação do seu nome

pelo procurador do Senado da Câmara- e de ser louvado de uma obra da administração

pública indicam que as barreiras oficiais à ascensão profissional dos negros não eram

totalmente observadas na capital das Minas.

Em 20 de janeiro de 1756 a Irmandade do Santíssimo Sacramento de Santa

Bárbara ajusta com Gonçalo Francisco Xavier, por 128 oitavas de ouro de 1.200 réis, a

pintura e douramento de sua capela na igreja de Santo Antônio, matriz de Santa

Bárbara.160 O documento citado faz referência à existência de condições de ajuste das

quais ficaram de fora a obrigação da pintura “da porta da Caza da Fábrica”, também

ajustada. Tendo sido esta igreja reconstruída em anos posteriores, os elementos que

relacionamos anteriormente provavelmente pertenceram à sua primitiva decoração:

sendo as tábuas de forro recentemente encontradas remanescentes do teto da capela da

159 SERRÃO, Vitor. A cripto-história de arte: análise de obras de arte inexistentes. Lisboa: Livros Horizonte, 2001, p. 12. 160 Doc. 4: ACMM.Prateleira X, livro 12. Irmandade do SS. Sacramento, Santa Bárbara. 1741-1805, fls. 39v.- 40

81

Irmandade do Santíssimo Sacramento e a portada desta capela, atualmente capela lateral

da nave, a “porta da Caza da fábrica”.

Gonçalo Francisco Xavier foi processado em Mariana, por não pagamento de

material de pintura pelo comerciante João Gonçalves de Bragança. São dois processos

nos Cartórios do Primeiro e do Segundo Ofício.161

O processo do Cartório do Segundo Ofício (Doc. 5) contem 16 páginas,

incluindo bilhetes do pintor ao comerciante solicitando materiais.162 Na p. 03, de 16 de

agosto de 1771, o comerciante nomeia João Dias e Paulo da Silva Magalhães como seus

procuradores. Este documento informa que João Gonçalves de Bragança é Familiar do

Santo Ofício. O Tribunal do Santo Ofício nas Minas se constituiu em três grupos de

agentes: os Comissários, os Notários e os Familiares do Santo Ofício.

A rede de Comissários era a autoridade inquisitorial máxima da Colônia,

subordinados diretamente aos inquisidores de Lisboa. Alem de terem sangue puro, não

poderiam ter ascendentes condenados pela Inquisição; deveriam ser eclesiásticos de

bons costumes, com prudência e virtude reconhecidas e, de preferência, letrados. Com

as Ordens Regulares proibidas de se estabelecer na Colônia, os Comissários eram

recrutados entre os membros da hierarquia eclesiástica secular.

As principais funções dos Comissários eram ouvir testemunhas nos processos de réus; realizar contraditas; coletar depoimentos nos processos de habilitação de agentes inquisitoriais; fazer prisões e organizar a condução dos presos; vigiar os que cumprissem pena de degredo nas áreas de sua atuação.163

Os Regimentos Inquisitoriais especificavam as atividades desempenhadas pelos

Notários na sede dos Tribunais da Inquisição: passar certidões, comissões, róis e termos

diversos. Tinham que ser clérigos de ordens sacras, alfabetizados e serem cristãos

velhos de boas virtudes e comportamento.

Os Familiares eram os funcionários civis do Santo Ofício, exerciam papel

auxiliar nas atividades inquisitoriais: confisco de bens, notificações, prisões e condução

de presos. Podiam apresentar denúncias ou encaminhar denúncias alheias aos

Comissários ou diretamente a Lisboa. Deveriam ser cristãos velhos de sangue limpo de

161 Doc. 5: ACSM. Cartório do Segundo Ofício. Cx. 549- auto nº 20037 e Doc. 6: ACSM. Cartório do Primeiro Ofício. Cx. 482- auto nº 10764. 162 Doc. 5: ACSM. Cartório do Segundo Ofício. Cx. 549- auto nº 20037. 163 RODRIGUES, Aldair Carlos. Sociedade e Inquisição em Minas Colonial: os Familiares do Santo Ofício (1711-1808). Dissertação apresentada ao Programa de pós-graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. São Paulo: 2007. p.29-30.

82

contaminação das raças de Mouro ou Judeu, não podiam ser recém convertidos à fé

cristã nem ter sido presos ou penitenciados pela Inquisição e ainda não podiam ter

ascendentes nestas condições.164

Para obter a Carta de Familiar do Santo Ofício um candidato das Minas deveria

constituir um procurador na Corte em Lisboa para tratar da burocracia de seus processos

de habilitação. Habilitados recebiam como insígnia a medalha de Familiar do Santo

Ofício. Embora de uso restrito para quando estivessem a serviço da Inquisição, os

Familiares as usavam livremente. Ser agente do Santo Ofício emprestava dignidade

social, facilitando o atendimento dos anseios cotidianos. Dois governadores das Minas

foram Familiares do Santo Ofício: Dom Lourenço de Almeida, Familiar desde 1696 e

Luis Diogo da Silva, desde 1739. O fato de ser Familiar do Santo Ofício indica que o

comerciante João Gonçalves de Bragança provavelmente possuía bens, sendo bem

posicionado socialmente.

Os bilhetes que o pintor encaminhou ao comerciante são datados e assinados.

Gonçalo Francisco Xavier se intitula pintor em todos. Em alguns assinala os termos

senhor e Vila Riqua (Vila Rica). Na p. 02 do Doc. 5, de 16 de setembro de 1771, João

Gonçalves de Bragança faz citar a Gonçalo Francisco Xavier, referido também como:

“por alcunha (sic) oficial de pintar.” O pintor parece demonstrar orgulho de seu ofício,

demarcando com a titulação sua posição social. O mesmo documento especifica a

dívida “de 23 oitavas e 3 quartos e um vintém de ouro como resto”. A dívida é como

resto, o que indica ter havido pagamentos. Informação que é reforçada na p. 04v:

“Gonçalo Francisco Xavier 8 ¾ Devem destes bilhetes abatidos todos os recibos 23/8 ¾

e sete vinténs.” A datação mais recuada dos bilhetes é 27 de março de 1766, bilhete

transcrito na p. 09 do Doc. 5. Este documento informa que o material solicitado era

destinado à pintura das varas da Câmara. A mesma informação se repete no Doc. 5 à

p.13, sem datação. As varas da Câmara de Vila Rica ou Mariana? Os documentos não

informam diretamente. Como não é feita referência à localização desta Câmara

julgamos que sua locação seja a mesma da loja do comerciante João Gonçalves de

Bragança. O bilhete do Doc. 5, p.06, datado de 6 de setembro de 1766, indica existência

de uma loja: “senhor João Gonçalves de Bragança ou outro qualquer senhor que na Casa

estiver mandar-me pelo portador que é esse senhor meu vizinho duas libras de óleo de

linhaça se o que puder levar (...) que este me obrigo a satisfazer.” Julgamos indicativo

164 As condições para habilitação ao cargo de Familiar são expressas no Regimento do Santo Ofício (Séculos XVI-XVII). Regimento de 1640. Livro I, Título I, § 2º.

83

da localização desta “Casa” ou loja em Vila Rica o fato do nome desta vila estar

presente, acompanhando a assinatura do pintor, em alguns bilhetes.

No mesmo Doc. 5, à p. 04, datado de 4 de maio de 1766, consta a referência:

“Para a Capela de Nossa Senhora da Conceição”, sendo requerido:

Meia Arroba de gesso grosso 4/8 4 ditas de gesso mate 1/8 4 ditos de retalho 1/8 2 libras de (sic) 1 ½ 4 libras de alvaiade 1/8 1 broxa grande ¼

Pela relação de materiais podemos concluir que nesta capela haveria pintura- alvaiade é

pigmento branco- e douramento por folha de ouro- os dois tipos de gesso servem de

base de preparação para a aplicação das folhas. Os demais bilhetes informam materiais

utilizados nestes dois tipos de técnica. Na p. 09 v. constam três pincéis de dourar,

referência direta à aplicação do douramento.

No processo no Cartório do Primeiro Ofício (Doc. 6)165 o documento na p. 04, a

sentença de ação civil, com autuação em 16 de setembro de 1771, informa que as

despesas de Gonçalo Francisco Xavier junto a João Gonçalves de Bragança foram

relativas à compra de tintas para a pintura da capela de Nossa Senhora da Conceição de

Guarapiranga. 166 Em Manja Léguas, distrito de Santo Antônio do Pirapetinga há uma

capela de Nossa Senhora da Conceição, mas sem decoração interna elaborada. Fomos

informados por moradores locais de que existiu outra capela de Conceição em uma

fazenda próxima, mas não conseguimos localiza-la.

A petição que abre o processo, na p. 02, informa que não estava sendo possível

entregar a execução ao pintor por este se achar em Bacalhau pintando uma capela da

qual só saía “fora de hora” para se hospedar na casa do padre Francisco Pires da Silva.

Solicita-se que os oficiais de justiça possam entregar a execução da sentença a qualquer

“reverendo sacerdote por não deverem servir de couto para os executados não pagarem

seus credores.”167 Bacalhau, no Vale do Piranga, é região dos atuais municípios de

Santo Antônio do Pirapetinga e Piranga.

165 Doc. 6: ACSM. Cartório do Primeiro Ofício. Cx. 482- auto nº 10764. 166 Julgamos improvável que esta capela de Nossa Senhora da Conceição de Guarapiranga seja a mesma capela de Conceição citada no Doc. 5, p. 04. As datas são muito afastadas: 1766 e 1771. 167 Se Gonçalo Francisco Xavier se encontrava em capela localizada no distrito atual de Manja Léguas e se o caminho atual segue a mesma trilha percorrida pelos oficiais de justiça, é mais provável que os estes

84

Na p. 03 afirma-se que Gonçalo Francisco Xavier não tem “domicílio certo por

andar de uma parte para outra sem existência alguma.” Por isso solicita-se um prazo de

24 horas para que o mesmo pague ou nomeie “bens livres desembargados” para quitar a

dívida e as custas do processo. Solicita-se ainda que ao final deste prazo o executado

deveria ser “recolhido a cadeia; e dela não seja solto sem que primeiro pague a dívida e

as custas que de outra sorte fica o juiz em lusorio e perde o suplicante a sua dívida.”

Na p. 13v. informa-se que em 09 de maio de 1772 o “meirinho dos ausentes

Fernandes de Souza” foi à casa do padre Francisco Pires da Silva comunicar ao réu o

prazo de 24 horas para quitação da dívida. O meirinho e seu escrivão realizaram a

penhora de bens. Na p. 18 consta a penhora de uma sela aparelhada da qual ficou como

depositário “João Barbosa de Andrade ao qual quer fazer citar para no termo de vinte e

quatro horas por em praça a dita sela pena de quer não o faz ser preso.” As custa finais

do processo estão na p. 21 e têm datação de 06 de junho de 1775, no entanto não

conseguimos transcrever este documento por dificuldades paleográficas.

Os dados acerca do Gonçalo Francisco Xavier indicam sua presença em Minas

entre 1742, quando arremata a pintura da capela de Santa Rita dos Presos, e 1775,

quando se encerra o processo no qual constou como réu, com passagem por nove igrejas

e capelas. Julgamos ser possível estimar um tempo de cerca de vinte e cinco anos de

vida para o aprendizado do ofício de pintor: alfabetização, desenvolvimento de aptidões

e habilidades natas, apreensão de conhecimentos técnicos específicos sobre pintura e

exercício da profissão como assistente de outro pintor, procedimentos necessários para

aquisição de proficiência que permitisse a um pintor se lançar em empreitadas. São,

possivelmente, trinta anos de atividade produtiva e ele teria cinqüenta e oito anos de

vida em 1775. Idade em que já teria ultrapassado o período de maior vigor físico de sua

vida, embora maduro técnica e intelectualmente. Evidentemente nada impede que ele

tenha completado sua formação mais cedo, ou que, quando da realização do trabalho de

pintura na capela de Santa Rita dos Presos, fosse mais jovem e contasse com

habilidades incompletas, tendo em vista que as condições da obra mencionam apenas

execução de pintura marmorizada, de porta e ferragens. E também devemos contar com

a possibilidade de que sua produção tenha extrapolado essas datas limítrofes, ou que

tenha realizado obras que desconhecemos ainda, ou que não mais existam. Mas os

indícios de sua ação na matriz de Santa Bárbara em 1756 revelam um pintor com pleno

passassem pela povoação da capela onde o pintor estava trabalhando e seguissem para o casario mais denso de Bacalhau, num dos atuais municípios de Santo Antônio do Pirapetinga ou Piranga.

85

domínio do desenho e da trama arquitetural fingida. E o conjunto de pinturas nos nove

templos relacionados é suficiente para avaliar a consistência de uma obra bem inserida

em seu tempo e comparável à produção que lhe é contemporânea. Não pudemos

identificar nas obras analisadas uma hierarquização de qualidade, ou seja, um

desenvolvimento técnico que nos permitisse estabelecer uma cronologia dos trabalhos

executados.

As informações sobre as obras que estamos estudando, de inegável valor

artístico, são mínimas e não foram ainda formuladas atribuições de autoria para

nenhuma delas. Destacamos que são obras inéditas, não contempladas por nenhum

pesquisador. Sabemos que, durante a construção da matriz de Santo António, em Santa

Bárbara, a Irmandade do Santíssimo Sacramento firmou contrato com Gonçalo

Francisco Xavier para a pintura e douramento da sua capela e da “porta da Caza da

fábrica” em 20 de Janeiro de 1756.168 E também que esta Igreja foi reconstruída a partir

de 1760. É mais plausível que as tábuas de forro com pintura ilusionista de quadratura

lá encontradas tenham pertencido à primitiva capela do Santíssimo que terem sido

aproveitadas na parte externa desta matriz vindas de desmonte de outra igreja ou capela,

e que a “porta da Caza da fábrica” seja a atual portada da capela do Santíssimo. Nisto se

baseia nossa atribuição destas pinturas a Gonçalo Francisco Xavier e, por comparação

estilística, a atribuição de todas as demais pinturas relacionadas.

A matriz de Catas Altas teve programa de edificação grandioso. Tendo sido a

obra iniciada por volta de 1738, com gastos para o douramento da capela-mor entre

1779 e 1800, a pintura de forros não foi realizada.169 Dentre os vários artistas

participantes desta edificação relacionados por Bazin, três são aventados como possíveis

louvados do risco do altar de São Gonçalo, realizado por Francisco Antônio Lisboa. Há

documentação acerca da louvação feita entre 1744 e 1745 por um certo pintor chamado

Francisco Xavier. Bazin cita os nomes de Francisco de Faria Xavier, Francisco Xavier

de Brito e ainda “um tal de Gonçalo Francisco Xavier”.170 A última hipótese,

apresentada como a mais fraca, ganha destaque na medida em que atribuímos a Gonçalo

Francisco Xavier pinturas na capela do Rosário, na capela de Santa Quitéria e a pintura

de um dos retábulos da matriz.

168 AEAM. Livro 12, fl. 39 v. 169 BAZIN, Germain. A Arquitetura religiosa barroca no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1971, p. 54-59. 170 Ibidem, p.55-56.

86

Capítulo IV- As possíveis atribuições em atividades desenvolvidas

entre 1742 e 1775: o modelo Gonçalo

Procederemos agora à relação de obras que atribuímos a Gonçalo Francisco

Xavier. Optamos por iniciar a listagem dos templos pela capela de Santana de Cocais,

pois ali se encontram dois dos tipos de composição utilizadas: cena central integrando

quadratura e cena central solta. Por possuírem pinturas de tetos em quadratura seguem-

se a capela de Nossa Senhora do Rosário de Catas Altas, a capela de Nossa Senhora da

Glória de Ressaca, a igreja de Santo Antônio, matriz de Santa Bárbara e a capela de

Nossa Senhora Aparecida de Córregos. Prosseguimos a sequência com a capela de

Nossa Senhora do Socorro, em Socorro e a capela de Nossa Senhora do Carmo de Catas

Altas, por possuírem pinturas de teto com tarja central solta. Seguimos com a igreja de

Nossa Senhora da Conceição, matriz de Catas Altas, por possuir pintura por nós

estudada em apenas um retábulo. A Sé de Mariana , com um forro artezoado, é a última

da relação. Como o forro artezoado da sala da morte é o único exemplar com este tipo

de construção, não forma grupo com nenhum outro. Como relacionamos as pinturas por

semelhança entre elementos formais, vários exemplares se entrecruzam no processo

comparativo que se segue.

Relacionamos a seguir as obras em igrejas e capelas constantes em nossa

pesquisa:

1- Capela de Santana, em Cocais, distrito de Barão de Cocais: os forros da capela-

mor (com quadratura) e da sacristia (quadratura simplificada, com aparência de

tarja central solta), dois painéis parietais atualmente localizados nas ilhargas da

capela-mor.

O forro em abóbada de berço da capela-mor da capela de Santana, em Cocais171,

distrito de Barão de Cocais, (fig. 13) apresenta esquema de composição simétrico e

similar ao do forro da capela-mor do Padre Faria em Ouro Preto. A cerrada trama

arquitetônica origina-se de bases acima das cimalhas, à maneira de muros com

reentrâncias e saliências.

171 “Cocais - Distrito do município de Barão de Cocais. A primitiva capela [capela de Santana] foi fundada por dois irmãos, Antônio Furtado Leite e João Furtado Leite. Por alvará régio de 1769, foi aos dois irmãos concedido o direito de padroado. A lei provincial nº 760, de 2 de maio de 1856, elevou o distrito de Cocais a freguesia, sendo a matriz ‘a capela de N. Sra. do Rosário’. Pertencia então ao município de Santa Bárbara.” BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário Histórico e Geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte – Rio de Janeiro, 1995, p. 89.

87

Duas pilastras de cada lado, encimadas por entablamentos, separam balcões e são unidas

por prolongamentos arqueados, dos quais, infelizmente, só restou uma pequena parte. A

abertura circular central, entre os arcos e a seção mediana dos entablamentos, é

emoldurada por frisos, com a face plana ornamentada por romãs vermelhas.

Ladeiam o medalhão central duas tarjas com escudo e volumosas volutas

marrons nas laterais, adornadas por pares de elementos fitomorfos vermelhos, como

plumas, e pares de conchas azuis. As tarjas são sustentadas por dois anjos encarnados

apoiados no muro e sustentam outros dois acima, sentados nas volutas à altura do

entablamento.

De um dos lados da moldura da cena central elemento fitomorfo e volutas

marrons, sobre pontas de concha em azul marinho, sustentam panejamento vermelho

com querubim de rosto encarnado e asas azuis ao centro, como um lenço pintado

afixado à sólida trama arquitetural pendendo sobre a tarja. Abaixo desta, os muros

apresentam uma reentrância adornada por guirlandas de flores, à maneira de um balcão

invertido, para dar espaço à parte inferior do seu escudo.

Os corpos das pilastras, nas faces externas de suas saliências centrais, são

decorados por representações escultóricas de cabeças de anjos em vermelho e branco,

Fig. 13 - Capela de Santana Forro da capela-mor

Cocais, distrito de Barão de Cocais. Foto IEPHA/MG

88

de onde pendem chambranles172 ocres em arrecada sobre fundo grisado por pinceladas

horizontais em branco e vermelho.

O forro da sacristia, também em abóbada de berço, continha, abaixo de repintura

a cal, tábuas misturadas de partes de três composições. Constituíam-se em pouco mais

da metade da pintura original da sacristia, partes de dois painéis parietais, atualmente

montados na capela-mor, e algumas poucas tábuas com pintura do forro do átrio.

A pintura original do forro da sacristia (fig. 14) apresenta um óculo central. A

disposição de pássaros e panos indica que se pretendeu representar uma cúpula circular

no forro em abóboda. A abertura circular central é encimada por balaustrada em visão

oblíqua, por onde se observa a visão de um anjo pairando num céu com pequenas

nuvens. O emolduramento da abertura é similar ao da capela-mor, sendo idêntico o friso

com romãs vermelhas, e é adornado nos eixos longitudinal e transversal por quatro

conchas ladeadas por volutas vermelhas com o mesmo tratamento pictórico das da

capela-mor. Guirlandas de flores e pássaros circundam a cena central.

172 Conferir o verbete chambranle em: ÁVILA, Afonso, GONTIJO, João Marcos Machado, MACHADO, Reinaldo Guedes. Op.cit., p. 135.

Fig. 14 - Capela de Santana Forro da sacristia

Cocais, distrito de Barão de Cocais. Foto IEPHA/MG

89

Nos cantos da composição, observamos cartelas (fig. 15) delimitadas por volutas

em tons de vermelho, azul e terra, com enrolamentos em forma de cornos de carneiro e

conchas, Entre as cartelas postam-se grandes aves marrons com asas abertas para trás, o

bico adunco, olhos redondos e penacho sobre a cabeça ereta.

Fig. 16- Capela de Santana, painel parietal da capela-mor.

Cocais, distrito de Barão de Cocais. Foto IEPHA/MG

Fig. 15- Capela de Santana, forro da sacristia

Cocais, distrito de Barão de Cocais. Foto IEPHA/MG

90

Na composição espelhada dos painéis parietais (fig. 16), localizados nas ilhargas

da capela-mor - foram feitos para ser colocados um defronte ao outro - temos um arco

abatido emoldurando pintura reticulada imitativa de azulejo com edificações orientais,

árvores, animais e figuras humanas.

Encerra a parte inferior uma jardineira marrom, de cujas extremidades laterais

partem pilastras em tom escuro com volumosas volutas vermelhas, à maneira de

quartelões de grande ressalto, adornadas por conchas no meio e vegetais azuis com

forma de garra na parte de baixo (figs. 17 e 18). Encima a composição o arco abatido

com volutas marrons e romãs vermelhas em sua face frontal, sob faixa de grisados em

vermelho e branco.

Fig. 17- Capela de Santana, painel parietal da capela-mor

Cocais, distrito de Barão de Cocais. Foto IEPHA/MG

91

2- Capela de Nossa Senhora do Rosário, em Catas Altas do Mato Dentro: o forro da

capela-mor (com quadratura), o retábulo do altar-mor.

A pintura do forro da capela-mor da capela de Nossa Senhora do Rosário em

Catas Altas do Mato Dentro173 (fig. 19) apresenta composição na mesma linha

utilizada nas capelas-mores de Santana (fig. 13) e do Padre Faria (fig. 11). Os

entablamentos dividem-se em duas seções de cada lado, sustentadas por dois pares de

pilastras unidas por prolongamentos arqueados no meio. Entre os arcos, o medalhão

com a visão central é quadrilobado, com os ângulos internos chanfrados, e não redondo

como em Santana, mas o friso de emolduramento é decorado por idênticas romãs

vermelhas. Os muros acima das cimalhas são baixos e, sob as tarjas, ladeando a visão

central, há balcões circulares salientes, adornados por guirlandas de flores.

173 “Cata Altas – Distrito do município de Santa Bárbara. O nome ‘provem das profundas escavações que se faziam no alto do morro’ (Eschwege, Rev. A.P. M., II, 628). O lugar, também chamado Catas Altas do Mato Dentro, para o distinguir de Catas Altas da Noruega, foi fundado em 1703. Francisco de Assis Carvalho Franco, com base em Taunay, aí situa o paulista Manuel Dias, em 1703, como descobridor; e, de acordo com Basílio de Magalhães, dá, como um dos fundadores do arraial, o sertanista Domingos Borges, português. Cônego Trindade informa que, em 1710, já tinha seu vigário, Pe. André do Couto Leal (Arquidiocese de Mariana, 1º , 68). Lê-se no ‘Livro de Lotação das Freguesias deste Bispado’ (Arquivo Eclesiástico de Mariana), fls. 104, que ‘consta do 1º batismo que se celebrou na capela de N. Sra. da Conceição de Catas Altas, noano de 1712, que sua fundação havia sido muito anterior ao tempo em que começou a ser provida de Vigários encomendados”. A freguesia foi tornada colativa por alvará de 16 de fevereiro de 1724. E o primeiro vigário colado foi Pe. Domingos Luís da Silva. [...]” BARBOSA, Waldemar de Almeida. Op.cit., p. 85-86.

Fig. 18 - Capela de Santana, detalhe de painel parietal da capela-mor

Cocais, distrito de Barão de Cocais. Foto IEPHA/MG

92

Fig. 19- Capela de Nossa Senhora do Rosário, forro da capela-mor.

Catas Altas. Foto IEPHA/MG

Fig. 20- Capela de Nossa Senhora do Rosário, forro da capela-mor.

Catas Altas. Foto IEPHA/MG

93

As tarjas (fig. 20) entre as seções de entablamentos são constituídas por escudo

circular convexo marrom sobre plano grisado em vermelho e branco, envolto por

volutas marrons adornadas por pares de conchas em cinza e branco e elementos

fitomorfos vermelhos. Sobre o escudo, querubim em vermelho e branco, como uma

representação escultórica, é encimado por voluta, concha marrom e elemento fitomorfo

cinza, que se sobrepõe à moldura da visão central. Pares de anjos com coroa de louro

tocam corneta assentados nas volutas das tarjas, à altura dos entablamentos. Cada uma

das pilastras dos pares internos, na face saliente de seu fuste, é decorada por friso com

volumosas volutas vermelhas, à maneira de quartelões de grande ressalto, adornadas por

elementos fitomorfos vermelhos, guirlanda de flores e concha cinza na parte inferior. Os

quartelões (fig. 20, à esquerda) têm perfil idêntico aos dos painéis parietais da capela de

Santana (figs. 16 e 17), são idênticas também as conchas e as unhas de gato (os

elementos fitomorfos em forma de garra). As semelhanças se acentuam principalmente

com o forro da capela-mor de Santana (fig. 13). As figuras de Nossa Senhora de ambas

as visões centrais apresentam a mesma maquiagem branca em suas faces. Os

emolduramentos destas visões centrais são decorados com romãs vermelhas nos frisos e

estes só se diferem na forma de contorno: circular em Santana e quadrilobado no

Rosário. As tramas arquitetônicas seguem paleta similar em frisos de claro-escuro na

representação pictórica de pilastras e entablamentos. São idênticos os querubins com

asas cruzadas na altura do peito, pintados como se fossem relevos de estuque nas tramas

arquitetônicas fingidas. Esta identidade se repete nas plumas marrons e nas grinaldas de

flores.

3- Capela de Nossa Senhora da Glória, em Ressaca, povoado do distrito de Hermilo

Alves, de Carandaí: os forros da nave (com quadratura), da capela-mor e do

camarim do altar- mor.174

A composição do forro em abóbada de berço da nave da capela de Nossa

Senhora da Glória, em Ressaca, povoado de Hermilo Alves, distrito de Carandaí, 175

simula três visões em aberturas circulares no seu eixo longitudinal: um óculo e duas

174 Devo a indicação da semelhança das obras desta igreja com outras que estava agrupando ao historiador Olinto dos Santos Filho. 175 “Carandaí – Santana da Ressaca era o nome primitivo do lugar que foi elevado a freguesia por lei provicial Nº 1887, de 15 de julho de 1872. A lei Nº2325, de 12 de julho de 1876, mudou a denominação de Santana da Ressaca para Santana do Carandaí; [...] É constituído de três distritos: Carandaí, Hermilo Alves e Pedra do Sino. Segundo Teodoro Sampaio, o vocábulo Carandaí significa ‘rio das carnaúbas’(O Tupi na Geografia Nacional). [...]”BARBOSA, Waldemar de Almeida. Op.cit., p.78.

94

lunetas. Nas laterais, acima das cimalhas, observam-se balcões com plintos,

balaustradas e dosséis, cujas cortinas são mantidas abertas por anjos marrons (fig.

21). Estes elementos são decorados com volutas, guirlandas de flores, elementos

fitomorfos e flores de papoula. Prolongamentos das pilastras cruzam o forro

perpendicularmente entre as aberturas centrais e têm seus intradorsos decorados com

chambranles em arrecada. Romãs em tons de cinza, ocre e sépia recobrem grandes

áreas da superfície, locadas nas áreas representativas de alvenaria lisa entre as

aberturas circulares e os prolongamentos medianos das pilastras e também nas faces

dos plintos.

O forro da capela-mor, em abóbada de barrete de clérigo, apresenta em três de

suas faces a representação de evangelistas. O tratamento pictórico das figuras e do

fundo difere das demais pinturas da igreja.

É possível ter havido repintura nestes painéis, indicativo disto é o recorte em

ângulos retos do manto azul claro de São Lucas, com os evangelistas podendo ser

acréscimos posteriores.

Fig. 21- Capela de Nossa Senhora da Glória, detalhe do forro da nave.

Ressaca, povoado de Hermilo Alves, distrito de Carandaí, Foto IEPHA/MG

95

Na faceta acima do altar-mor a pintura é original (fig. 22) e estão presentes

flores de papoula, aves, conchas, uma guirlanda de flores, romãs como as da nave e

volutas vermelhas em forma de corno de carneiro. Estas volutas volumosas e as

conchas são quase idênticas aos seus pares presentes nas pinturas dos forros da

capela-mor e sacristia e dos painéis parietais da capela de Santana em Cocais (figs.

13, 14, 15, 16, 17 e 18), na capela de Nossa Senhora do Rosário, em Catas Altas (figs.

19e 20), na capela de Nossa Senhora do Socorro, em Barão de Cocais (fig. 30) e na

sala da morte da Sé de Mariana (fig. 35 e 36).

Fig. 22- Capela de Nossa Senhora da Glória, detalhe do forro da capela-mor.

Ressaca, povoado de Hermilo Alves, distrito de Carandaí, Foto IEPHA/MG

96

Fig. 24- Igreja de Santo Antônio, matriz de Santa Bárbara, detalhe da pintura do coroamento da

portada da Capela do Santíssimo Sacramento. Foto IEPHA/MG

Fig. 23- Igreja de Santo Antônio, matriz de Santa Bárbara, pintura do coroamento da

portada da Capela do Santíssimo Sacramento. Foto IEPHA/MG

97

4- Igreja de Santo Antônio, matriz de Santa Bárbara: o entablamento da portada da

Capela do Santíssima Sacramento e a pintura original de quatro (04) tábuas lá

encontradas durante trabalhos de restauração constituintes de um forro (com

quadratura, as tábuas apresentam perda da policromia original em faixas no eixo

longitudinal).

Na igreja de Santo Antônio, matriz de Santa Bárbara,176 a pintura do

coroamento da portada da Capela do Santíssimo Sacramento, capela lateral da nave

(figs. 23 e 24), é similar às pinturas do retábulo de Santana da Matriz de Conceição de

Catas Altas (figs. 33 e 34), os enrolamentos de ambos são praticamente idênticos e

encontram similar nos enrolamentos das tarjas do teto da capela de Santa Quitéria,

também em Catas Altas do Mato Dentro(figs.31 e 32).

Quatro tábuas avulsas com pintura ilusionista de forro (fig. 25), que haviam

sido encontradas constituindo partes de cimalha externa da Igreja de Santo Antônio,

matriz de Santa Bárbara, foram recuperadas em restauração no fim da década de

1980. Apresentam pintura de partes de medalhão central e trama arquitetônica

ilusionista circundante. Serviu-nos aqui a vertente da “reconstituição” do conceito de

176 “Santa Bárbara – Freguesia das mais antigas de Minas, foi tornada colativa pelo alvará de 16 de fevereiro de 1724. Seu primeiro vigário colado foi o Padre Manuel de Souza Tavares (1724-1750). (Cônego Trindade). Importante centro de mineração foi a origem do arraial e, depois, da atual cidade de santa Bárbara. [...]”BARBOSA, Waldemar de Almeida. Op.cit., p. 293.

Fig. 25- Igreja de Santo Antônio, matriz de Santa Bárbara,

tábuas recuperadas em restauração. Foto IEPHA/MG

98

cripto-história de arte, constando da montagem dos fragmentos da obra em ordem

lógica baseada em seus elementos composicionais subsistentes.177

O emolduramento é decorado com romãs vermelhas, idênticas às dos frisos

nas visões centrais dos forros da capela-mor e da sacristia da capela de Santana (figs.

13 e 14) e da. Capela-mor da capela de Nossa Senhora do Rosário (fig.19) Os

elementos, as cores utilizadas e a forma quadrilobada do emolduramento da visão

central (fig. 26) são similares aos do forro da capela-mor de Nossa Senhora do

Rosário, em Catas Altas. Sabemos da forma quadrilobada da visão central pela

interrupção do arco interno do friso vermelho, verificável na parte mediana inferior

da figura 26.

Na vertente da “dedução” do conceito de cripto-história de arte enquadra-se a

identificação de uma estrutura composicional de pintura de quadratura com forma

quadrilobada da visão central. A “dedução” aplica-se na percepção da forma

quadrilobada do friso de emolduramento, similar à forma da visão central da pintura

do forro da capela-mor da capela de Nossa Senhora do Rosário, em Catas Altas (ver p.

78-79).178

177 SERRÃO, Vitor. A cripto-história de arte: análise de obras de arte inexistentes. Lisboa: Livros Horizonte, 2001, p. 12. 178 SERRÃO, Vitor. A cripto-história de arte: análise de obras de arte inexistentes. Lisboa: Livros Horizonte, 2001, p. 12.

Fig. 26- Igreja de Santo Antônio, matriz de Santa Bárbara, detalhe do óculo central da

pintura das tábuas recuperadas em restauração. Foto IEPHA/MG

99

5- Capela de Nossa Senhora Aparecida, em Córregos, distrito de Conceição do Mato

Dentro: pinturas originais de dois painéis parietais das ilhargas da capela-mor,

do prolongamento das tábuas do forro do camarim do altar-mor (encontram-se

repintadas, podendo-se observar as pinturas originais por “janela” estratigráfica

que abrimos a serviço do IEPHA/MG).

Nos painéis parietais das ilhargas da capela-mor da capela de Nossa Senhora

Aparecida em Córregos, 179 distrito de Conceição do Mato Dentro, é possível observar

vestígios da existência de pintura original sob repintura. Uma grande janela

estratigráfica no painel do lado da epistola (fig. 27) mostra, à esquerda, parte de um

emolduramento de quadro- infelizmente faltante- com volutas, uma guirlanda de flores,

conchas e parte de um grisado em branco e vermelho. À direita, observa-se parte do

179 “Córregos – Distrito do município de Conceição do Mato Dentro. O distrito foi criado pela lei Nº 902, de 8 de junho de 1858 e foi elevado a paróquia, com o título de Nossa Senhora da Aparecida de Córregos, pela lei Nº 2420, de 5 de novembro de 1877. BARBOSA, Waldemar de Almeida. Op.cit., p. 104

Fig. 27- Capela de Nossa Senhora Aparecida, painel parietal da capela-mor.

Córregos, distrito de Conceição do Mato Dentro. Foto IEPHA/MG.

100

corpo de uma pilastra com folhas de acanto marrons no capitel, no fuste um cesto com

flores encima um querubim marrom sobre pano vermelho (fig.28), de onde pende borla;

a parte inferior é decorada com romãs em azul marinho e branco e uma folha de acanto

marrom. Estes elementos também são idênticos aos similares utilizados nas obras

citadas anteriormente.

O querubim acima referido tem desenho idêntico ao do querubim sobre escudo na

capela do Rosário de Catas Altas (fig. 20).

Fig. 28- Capela de Nossa Senhora Aparecida, detalhe de painel parietal da capela-mor.

Córregos, distrito de Conceição do Mato Dentro. Foto IEPHA/MG.

101

O retábulo do altar-mor da capela de Nossa Senhora Aparecida encontra-se

inteiramente repintado. As tábuas do teto de seu camarim prolongam-se no verso do

retábulo até a parede posterior da Igreja, deixando à mostra parte de pintura original

(fig. 29), na qual se observa parte de emolduramento circular de uma visão central

com um friso decorado por romãs vermelhas idênticas às dos forros da capela-mor e

da sacristia da Capela de Santana, em Cocais (figs. 13 e 14) e da capela de Nossa

Senhora do Rosário, em Catas Altas (fig. 19). A visão central é circundada por

elemento fitomorfo marron e guirlanda de flores sobre fundo em grisado ocre e

branco.

Fig. 29- Capela de Nossa Senhora Aparecida, fundo do altar-mor.

Córregos, distrito de Conceição do Mato Dentro. Foto IEPHA/MG.

102

6- Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Socorro, povoado de Barão de

Cocais, forro da capela-mor.

A pintura do forro da capela-mor da capela de Socorro,180 povoado de Barão de

Cocais, (fig. 30) tem paleta em tons de vermelho, ocre, preto, terras e azul claro. A

composição apresenta tarja central solta, circundada por guirlandas de flores sobre

fundo cinza; flores de papoula nos quatro cantos, idênticas às de Nossa Senhora da

Glória, em Ressaca, povoado de Hermilo Alves, distrito de Carandaí, encimadas por

elementos fitomorfos vermelhos. É perceptível a ampliação do forro, com o acréscimo

180 “Socorro – Pequeno povoado no município de Barão de Cocais. É lugar antigo, surgido na primeira metade do século XVIII. A capela [igreja da Nossa Senhora do Perpétuo Socorro] teve seu patrimônio constituído por Manuel Perdigão da Costa, conforme escritura de 17 de março de 1738”. BARBOSA, Waldemar de Almeida. Op.cit., p.346.

Fig. 30- Capela de Nossa Senhora do Socorro, forro da capela-mor. Socorro,

povoado de Barão de Cocais. Foto IEPHA/MG

103

de uma seção de tábuas com pintura de flores no centro e, nas laterais, cartelas rococó,

fazendo a complementação do espaço entre a pintura original e o coroamento do altar-

mor. A tarja é constituída por volutas com enrolamentos em forma de cornos de

carneiro, elementos fitomorfos e conchas. Estes elementos são similares aos

encontrados nos forros da capela-mor e da sacristia da igreja de Santana, em Cocais.

(figs. 13 e 14).

7- Capela de Santa Quitéria, em Catas Altas do Mato Dentro: o forro da capela-mor

O forro da capela-mor da capela de Santa Quitéria, em Catas Altas do Mato

Dentro, também apresenta pintura com tarja central solta (fig. 31), no mesmo partido

da observada em Socorro. É circundada por guirlandas de flores e pássaros sobre fundo

marrom, com cartelas menores nos quatro cantos. Tanto a cartela central como as

cartelas nas quinas são constituídas por conchas nervuradas, elementos fitomorfos e

Fig. 31- Capela de Santa Quitéria, forro da capela-mor. Catas Altas. Foto

IEPHA/MG

104

com as características e recorrentes volutas gordas com sugestão de volume

proporcionada por duas linhas sinuosas em branco e preto. A tarja no centro traz a

pomba do Espírito Santo sobre nuvens com querubins, é emoldurada por friso com

romãs em tons de terras sobre fundo em tons de vermelho com pétalas de flores

separadas por quadriculado.

Entre as cartelas dos cantos postam-se, acima de partes de volutas atrás das

cimalhas, duas grandes aves de cada lado (fig. 32). Estão pintadas em branco e cinza,

têm asas abertas para trás, o bico adunco, olhos redondos e penacho sobre a cabeça

ereta. São similares, quase idênticas na forma, às do forro da sacristia da Capela de

Santana. (fig. 15)

8- Igreja de Nossa Senhora da Conceição, matriz de Catas Altas do Mato Dentro: o

retábulo de Santana (segundo retábulo lateral da nave do lado da epístola).

Na igreja de Nossa Senhora da Conceição, matriz de Catas Altas do Mato

Dentro, a pintura do retábulo de Santana, o segundo lateral da nave, do lado da

epistola, à direita de quem entra pela porta principal, apresenta a mesma tipologia

pictórica das demais pinturas pesquisadas. As pilastras externas e o seu

Fig. 32- Capela de Santa Quitéria, forro da capela-mor. Catas Altas. Foto

IEPHA/MG

105

prolongamento em arco pleno (figs. 33 e 34) têm pintura em grisaille azul marinho

com delineamentos em branco e preto, com folhas de acanto, volutas, conchas,

grisados e romãs. As conchas nervuradas, folhas de acanto e romãs, correspondentes

na forma às já citadas, são idênticas, inclusive na cor, às do painel parietal da capela-

mor de Nossa Senhora Aparecida, em Córregos (fig. 25).

As conchas (fig.33) são similares na forma às dos frisos de emolduramento

dos forros da capela-mor, da sacristia e à parte do arco entre os quartelões dos painéis

parietais da capela-mor da capela de Santana, em Cocais (figs. 13, 14, 15, 16 e 17).

As volutas gordas, elementos que lembram plumas, são idênticas no desenho às

presentes no friso do coroamento da portada da capela do Santíssimo Sacramento na

nave da igreja de Santo Antônio, matriz de Santa Bárbara (figs. 23 e 24), são

diferentes apenas nas cores: vermelho, branco e preto na portada da matriz de Santa

Bárbara e azul marinho, branco e preto no retábulo da matriz de Catas Altas. As

romãs do intradorso do arco pleno (fig. 34) são idênticas às romãs presentes na

pintura original do painel parietal encontrado na Capela de Nossa Senhora Aparecida,

em Córregos (fig. 28).

Figs. 33 e 34- Igreja de Nossa Senhora da Conceição, matriz de Catas Altas do Mato Dentro,

pintura do retábulo de Santana. Foto IEPHA/MG

106

9- Catedral da Sé de Mariana: forro da sala da morte (forro artezoado)

O forro em taboado da sala da morte na Sé de Mariana181 é artezoado e em

forma de gamela. Quatro painéis retangulares ladeiam o central e os cantos são

decorados por estruturas triangulares. (fig. 35)

181 “Mariana – [...] Mariana foi a primeira vila criada em Minas Gerais, como foi também a primeira capital, a primeira cidade e sede do primeiro bispado. ‘Em 1698, João Lopes de Lima, morador em Atibaia, em São Paulo, levando consigo o Padre Manuel Lopes e seu irmão, que tinha a alcunha de Dué, descobriu e ocupou o ribeirão que denominou de Nossa Senhora do Carmo...’ [...]O ouro do Ribeirão do Carmo logo chamou a atenção, [...]. a total repartição das datas, pelas barrancas do ribeirão, numa extensão de duas léguas, só se operou em 1700. Em 1701 vários arraiais se viam pelo ribeirão afora. [...] Informa Cônego Trindade que o primeiro vigário aí encontrou capela de N. Sra. da Conceição, que teria sido a primeira, na sua opinião, coberta de palha e que servia também para agasalho de animais. [...] Não ficara vestígio da ermidazinha de N. Sra. do Carmo; mas, criada a freguesia em 1704, foi encontrada a capela, dedicada a N. Sra. da Conceição [...] A freguesia foi realmente criada em 1704, por Dom Frei Francisco de São Jerônimo, com o título de Nossa Senhora da Conceição do Ribeirão do Carmo. [...]A paróquia foi tornada colativa pelo alvará de 16 de fevereiro de 1724. [...] Carta régia de 23 de abril de 1745 determinou: [...] ‘criar cidade a dita vila do Ribeirão do Carmo, que ficará chamando-se Mariana...’ Realmente, atendendo a pedido de D. João V, o papa Bento XIV criou o bispado de Mariana a 6 de dezembro de 1745. O orago da matriz sempre fora N. Sra. da Conceição. Entretanto, o motu-próprio que elevou essa matriz à dignidade de Catedral, mudou o titular da mesma para Assunção de Nossa Senhora (Cônego Trindade, Titulares de Igrejas e Patronos de Lugares, pág. 13). [...] A Catedral, a Sé, é a antiga Matriz de N. Sra. da Conceição. Sua construção foi iniciada no tempo de D. Antônio de Albuquerque

Fig 35- Catedral da Sé de Mariana, forro da sala da morte.

107

As pinturas dos cinco painéis retangulares em caixotões são independentes, mas

apresentam-se ligadas pela repetição das suas composições. Apresentam, nos seus

escudos centrais, símbolos da Paixão de Cristo no centro de cartelas com predomínio de

vermelho, são enrolamentos espessos e volumosos, (fig. 36) idênticos aos enrolamentos

similares presentes nas capelas de Santana e Nossa Senhora do Rosário.

Alem destas igrejas e capelas, há uma igreja e uma capela que apresentam

pinturas similares às que estamos estudando. Na igreja de Nossa Senhora da Conceição,

matriz de Conceição do Mato Dentro,182 a pintura do forro da sacristia, que foi

modernizado por retoques, apresenta tarja central solta. Vale a pena nos determos um

pouco nesta pintura e em outras desta matriz, por apresentarem características formais

[1711], primeiro governador; informa Cônego Trindade que sua construção se prolongou até 1760, quando se fizeram as pinturas.” BARBOSA, Waldemar de Almeida. Op.cit., p. 195-197. 182 “Conceição do Mato Dentro – Depois de descobertas as minas do Serro Frio, a ânsia de novos descobertos leva os sertanistas a novas aventuras. Enquanto uns exploram o norte, uma bandeira segue para o sul: Gaspar Soares, Manuel Correia de Paiva e Gabriel Ponce de León chefiavam-na. Descobrem Itapanhoacanga. Avançam mais. [...] ‘Nas areias do minguado Cuiabá, Gabriel Ponce de Lion encontrou , de uma só bateada, cerca de 20 oitavas de ouro. Sem dúvida, era o El-Dorado”.(História de Conceição do Mato Dentro, Geraldo Dutra de Morais) [...] Ponce de Leon levanta a primeira capela, dedicada a N. Sra. da Conceição. O autor acima citado publica interessante documento extraído do Livro da Vara da Vila do Príncipe (Nº 3, fls. 31v., 1736), pelo qual se verifica que Ponce de Leon não só levantara a capela dedicada a N. Sra. da Conceição, como, em 1703, mandara buscar em Itu a imagem da padroeira. O mesmo autor afirma que Conceição, em 1709, era freguesia provida de vigários encomendados. A paróquia foi elevada à natureza colativa por alvará régio de 16 de janeiro de 1752. [...]”BARBOSA, Waldemar de Almeida. Op.cit., p.92.

Fig. 36- Catedral da Sé de Mariana, tarja de caixotão do forro da sala da morte.

108

similares às pinturas que estamos atribuindo a Gonçalo Francisco Xavier, inclusive por

não fazerem uso da rocalha. Também devemos mencionar a pintura do coroamento do

retábulo lateral do arco-cruzeiro, lado do evangelho, da capela do Senhor Bom Jesus das

Flores do Taquaral, pelos mesmos motivos.

A composição do forro da sacristia da matriz de Conceição do Mato Dentro, em

abóbada de berço, constitui-se de tarja central solta sobre fundo branco. (fig. 37) Nas

laterais, sobre as cimalhas, balaustradas são adornadas com guirlandas e vasos de flores.

Nas extremidades laterais há cartelas em quatro plintos, sobre cada um dos plintos

sentam-se duas figuras femininas. Ressaltamos que estas figuras foram acrescidas à

pintura original. O indicam o contraste da tinta sem brilho à base de cal nelas utilizada e

a vivacidade da têmpera das cartelas. Também há transparência no pé esquerdo de uma

delas, permitindo observação de romãs na camada de pintura anterior.

As romãs sépias estão à mostra no corpo do plinto. Em partes da tarja central

também há romãs, similares às vislumbradas sob repintura. Descrevendo esta grande

tarja, Del Negro destaca a identidade desta pintura com a do respaldo do arcaz da

sacristia.

Fig. 37- Igreja de Nossa Senhora da Conceição, matriz de

Conceição do Mato Dentro, forro da sacristia. Foto IEPHA/MG

109

Os enrolamentos em forma de S, espessos, nervurados e adornados com meia-cana ou pérolas e, nas concavidades, com entalhes. Enrolamentos tão espessos, cuja terminação lembra o perfil de carretel. Julgamos serem idênticos aos do respaldo do arcaz os enrolamentos, os anjos e os querubins. Moderadas aplicações de acanto e conchas. Entretanto, a composição do respaldo é mais singela e equilibrada.183

Concordamos com a maioria das observações deste autor. Concordamos com a

identidade dos enrolamentos espessos, mas não estamos seguros da identidade entre

anjos e querubins das pinturas do forro e do respaldo do arcaz, visto estarem repintados

no teto, com opaca pintura a base de cal, e com colorido vivo de têmpera no respaldo.

Justificamos a maior harmonia da pintura do respaldo do arcaz pela ausência aí de

repintura, ao contrário do forro, o que, aliás, foi observado por Del Negro: “com toda

certeza, ao começar a deteriorar-se a pintura, ela deve ter sido repintada no intuito de

não perde-la, disto resultando a alteração da paleta original.”184 Ao nosso juízo esta

repintura foi aplicada aproveitando o delineamento da pintura anterior, com alguns

elementos mantidos integralmente, daí se originando alterações de brilho e colorido em

certas áreas. São os elementos em cores mais vivas que garantem a identidade desta

pintura com a do respaldo do arcaz. Agora vamos nos deter um pouco nas similaridades

das pinturas desta igreja com as que estamos atribuindo a Gonçalo Francisco Xavier.

Na representação de volumes nos enrolamentos em forma de S da pintura do teto

da sacristia foram usadas achurras cruzadas e pinceladas sucessivas, duas a duas, de

branco e preto em linhas sinuosas, em tratamento similar ao destes elementos nas

demais pinturas que relacionamos.

O elemento convexo vermelho acima da cartela com martelo e torquês de um

dos plintos (fig. 38) apresenta similaridades com os mesmos elementos presentes abaixo

de conchas grandes coroando as visões centrais das capelas de Nossa Senhora do

Socorro de Cocais (fig. 30) e de Santa Quitéria de Catas Altas (fig. 31).

183 DEL NEGRO, Carlos. Nova contribuição ao estudo da pintura mineira (norte de Minas), pintura dos tetos de igrejas. Rio de Janeiro: IPHAN, 1978, p.97-98. 184 DEL NEGRO, Carlos. Nova contribuição ao estudo da pintura mineira (norte de Minas), pintura dos tetos de igrejas. Rio de Janeiro: IPHAN, 1978, p. 97.

110

Fig. 38- Igreja de Nossa Senhora da Conceição, matriz de Conceição

do Mato Dentro, detalhe do forro da sacristia. Foto IEPHA/MG

Fig. 39- Catedral da Sé de Mariana, cartela central de tarja de

caixotão do forro da sala da morte.

111

Podemos verificar que o martelo tem a mesma forma do que se encontra no

escudo do forro da sala da morte da Sé de Mariana (fig. 39), especialmente por erro de

perspectiva, intencional ou não, na representação em primeiro plano tanto da cabeça do

martelo como do seu pé fendado.

O respaldo do arcaz (fig. 40), painel parietal da parede lateral da sacristia,

apresenta tarjas pintadas entre os três quadros emoldurados com cenas da Paixão aí

afixados. As tarjas constituem-se de escudos com inscrição, são ladeadas por

querubins, guirlandas de flores e volutas em azul marinho e marrom com terminações

em forma de corno de carneiro. Estes enrolamentos são similares aos citados

anteriormente.

Salientamos que, apesar das similaridades descritas, não atribuimos as pinturas

desta igreja a Gonçalo Francisco Xavier. As similaridades não nos parecem tão

evidentes para que as tomemos por identidades formais, alem de haver diferenças. Os

enrolamentos em forma de corno de carneiro são similares mas não idênticos aos das

outras pinturas. Os querubins do respaldo do arcaz da sacristia não apresentam em suas

faces encarnadas o tom esbranquiçado observado nos anjos das capelas de Santana de

Cocais e Rosário de Catas Altas, tendo fisionomia diferente. A tarja central do forro

apresenta um enquadramento de representação pictórica de alvenaria nas laterais de sua

parte superior, o que não ocorre nas tarjas centrais soltas das capelas de Socorro de

Barão de Cocais e do Carmo de Catas Altas, onde as tarjas não contam com suporte

Fig. 40- Igreja de Nossa Senhora da Conceição, matriz de Conceição do Mato Dentro,

respaldo do arcaz da sacristia. Foto IEPHA/MG

112

ilusório de alvenaria. Carlos Del Negro anota moderada presença de conchas na tarja

central.185 Nos tetos da sacristia da capela de Santana, da capela-mor da capela de Nossa

Senhora do Perpétuo Socorro e da capela-mor da capela de Santa Quitéria as conchas

ocupam lugar de destaque. O enrolamento vermelho acima do escudo com martelo e

torquês em um dos plintos é um elemento que, tomado solitariamente, poderia fazer

parte da atribuição, mas é um único elemento; assim como o martelo e a torquês podem

ser uma coincidência formal com os mesmos elementos na sala da morte na Sé de

Mariana. A respeito da presença de romãs sépias em partes da tarja central e dos plintos

do teto da sacristia, estes elementos apresentam localização similar apenas com as

romãs da capela-mor e da nave de Nossa Senhora da Glória, em Ressaca e também

podem ser resultado de coincidência formal.

185 DEL NEGRO, Carlos. Nova contribuição ao estudo da pintura mineira (norte de Minas), pintura dos tetos de igrejas. Rio de Janeiro: IPHAN, 1978, p. 98.

Fig. 41- Capela do Senhor Bom Jesus das Flores do Taquaral, retábulo lateral do arco-

cruzeiro, lado do evangelho. Ouro Preto. Foto da professora Adalgisa Arantes Campos

113

No coroamento do retábulo lateral do arco-cruzeiro, lado do evangelho, da

capela do Senhor Bom Jesus das Flores do Taquaral, há uma cena em que está

representada a família de Maria (fig.41). Os enrolamentos em tons de ocre que

emolduram a pintura apresentam, nas laterais, duas linhas sinuosas ladeando bocetes. O

fundo externo é azul claro e, nas extremidades, após folhas de acanto vermelhas, outros

enrolamentos em ocre, vermelho e azul marinho envolvem conchas nervuradas em azul

escuro e branco. Todos os enrolamentos e as conchas apresentam alguma similaridade

com os elementos correspondentes nas obras que relacionamos, mas aqui a técnica é

mais policrômica. Também as conchas, alem de apresentarem nervuras em passagens

suaves do azul às nervuras brancas, são representadas em formas irregulares, o que não

ocorre com as conchas das pinturas com atribuição de autoria a Gonçalo Francisco

Xavier, apresentadas com nervuras sem gradação de tons e em sua forma simétrica.

Para procedermos à atribuição de obras em nove igrejas e capelas e, ainda, para

apresentarmos obras semelhantes em outros dois templos elaboramos um rol de

elementos formais recorrentes que nos permitem aventar a existência de um modelo

Gonçalo de pintura. São repetições das mesmas formas e de tratamentos pictóricos de

volume idênticos: grisados paralelos para os planos e, para as cavidades e concavidades,

pinceladas sucessivas, geralmente duas a duas, de branco e preto em arco ou em ondas

sinuosas, na forma de verga alteada, e delicadas hachuras cruzadas. Destacamos

também a presença de elementos convexos com bocetes (marcas circulares negras

representando cabeças de cravos) ao centro, encimados por conchas nervuradas,

conchas estas que se repetem combinadas com outros elementos, e ladeados por volutas

gordas. Notam-se ainda a profusa utilização de romãs, volutas com enrolamentos em

forma de cornos de carneiro, folhas de acanto e flores, com destaque para as flores de

papoula. As pinturas compartilham também a paleta em azul escuro, vermelhão, ocre e

terras. Estes elementos constantemente reutilizados caracterizam o que denominamos

modelo Gonçalo.

Em algumas das obras estudadas utilizamos o conceito de cripto-história,

desenvolvido por Vitor Serrão. Este autor subdivide a aplicação do conceito em quatro

vertentes:

a) A vertente que designarei por ‘Cryptanalysis’ que significa a origem, o acto ou a ciência de decifrar mensagens em código sem conhecimento

114

anterior da sua chave, ou seja, o nível de decifração possível de códigos ou mensagens artísticas em obras sobre as quais nada se sabe de concreto porque foram destruídas deliberadamente ou por calamidade. (...) b) A vertente da ‘dedução’, ou seja, o enfoque em obras já desaparecidas no conjunto de um ciclo artístico ou da produção geral de um dado artista, à qual tentamos dar forma, na medida do possível, pela análise visual, documental, estilística e iconográfica, das outras obras de conjunto. (...) c) A vertente da ‘reconstituição’, ou seja, a análise do fragmento de um conjunto artístico nos nossos dias parcialmente inexistente, a fim de desvendar a sua possível estrutura original, (...) d) A vertente a que chamaria da ‘incriação’, ou seja, o estudo das ‘obras incriadas’ – obras concebidas mas não realisadas, ou só parcialmente realisadas – , não no sentido metafísico de que fala, por exemplo, um pensador do século XVI como Francisco de Holanda nas suas teses neo-platônicas sobre a arte da Pintura, mas na perspectiva do estudo das obras que nunca existiram fisicamente mas cujos fundamentos e bases programáticas podem ser reconhecidos. (...)186

No conceito de “Cryptanalysis” enquadra-se a análise da pintura da capela de

Santa Rita dos Presos, na antiga Casa de Câmara e Cadeia de Vila Rica (ver p. 78-79-

80). Desta obra subsistiu apenas uma descrição sucinta na sua encomenda, fornecendo

pistas para se inferir que o tipo de obra realizada foi de decoração ilusionista simples,

com a pintura de forro possivelmente lisa. O mesmo procedimento foi seguido na

hipótese, baseada na documentação, de que na inexistente capela de Nossa Senhora da

Conceição de Guarapiranga se aplicou douramento com folhas de ouro (ver p. 83).

Nas vertentes da “dedução” e da “reconstituição” enquadra-se a análise da

pintura decorativa de forro sobre apenas quatro tábuas encontradas na igreja de Santo

Antônio, matriz de Santa Bárbara (ver p. 96-97-98). A “reconstituição” aplica-se na

análise permitida pela montagem das quatro tábuas, alinhando-se os fragmentos de

pintura subsistentes, o que permitiu a identificação de uma estrutura composicional de

pintura de quadratura. A “dedução” aplica-se na percepção da forma quadrilobada do

friso de emolduramento da visão central, similar à forma da visão central da pintura do

forro da capela-mor da capela de Nossa Senhora do Rosário, em Catas Altas (ver p. 91-

92-93).

186 SERRÃO, Vitor. A cripto-história de arte: análise de obras de arte inexistentes. Lisboa: Livros Horizonte, 2001, p. 12.

115

Capítulo V - As obras: o estado da questão

Pelo conjunto das pinturas agrupadas podemos identificar três tipos de

composições utilizadas: quadraturas, tarjas centrais soltas e painéis isolados em

caixotões. Podemos inferir que tipos diversos de composição não se distanciam

obrigatoriamente em sua cronologia, sendo sua variação, possivelmente, resultado dos

entendimentos entre os contratantes e o artista estudado.

Tanto as pinturas de quadraturas quanto as de tarja central solta que agrupamos

não apresentam rocalhas, o pintor não conheceu ou não assimilou este motivo

decorativo. A segunda hipótese não pode ser descartada, haja vista a introdução em

Minas deste modelo em 1678 no teto da nave da capela de Santa Efigênia de Ouro

Preto. Lembramos que temos documentações referentes a três datas associadas à

realização de pinturas decorativas em igrejas por Gonçalo Francisco Xavier: em 1742

realiza a pintura da capela de Santa Rita dos presos em Vila Rica; em 1756 é contratado

para pintar o teto da capela da irmandade do Santíssimo Sacramento na matriz de Santa

Bárbara e, entre 1771 e 1775, é processado pelo comerciante João Gonçalves de

Bragança, estando a realizar pintura em uma capela de Nossa Senhora da Conceição em

Guarapiranga. É valido se pensar que o nosso pintor possa ter visto as rocalhas em

Santa Efigênia. De qualquer forma não adotou o motivo.

As pinturas ilusionistas com quadratura- trama arquitetônica ilusionista ao redor

da cena central- apresentam características similares entre si. As figuras de Nossa

Senhora têm o rosto esbranquiçado, o mesmo ocorrendo com os querubins. Os

emolduramentos destas visões centrais são decorados com romãs vermelhas nos frisos.

A paleta das quadraturas é similar, com o mesmo tipo de representação pictórica de

pilastras, entablamentos, balcões e quartelões, assim como os querubins em relevo

ilusório com asas cruzadas na altura do peito e as plumas marrons e as grinaldas de

flores. Os forros das capelas-mores das capelas de Santana de Cocais e do Rosário de

Catas Altas são muito similares. Já no forro da nave da Capela de Nossa Senhora da

Glória, em Ressaca, povoado de Hermilo Alves, distrito de Carandaí, há algumas

diferenças, este forro apresenta um óculo e duas lunetas. As romãs são em tons de cinza,

ocre e marrom e recobrem não os frisos das cenas centrais, mas grandes áreas

representativas de alvenaria lisa entre as aberturas circulares e os prolongamentos

medianos das pilastras e também as faces dos plintos.

116

As pinturas decorativas de tarja central solta apresentam vários elementos em

comum. A generosa dimensão das tarjas centrais, constituídas por enrolamentos em

forma de corno de carneiro, conchas, volutas gordas, elementos volumosos convexos

com bocetes ao centro e outros em forma de pluma; a decoração sobre grandes áreas de

pintura lisa ao redor destas tarjas, com grinaldas de flores, pássaros e tarjas menores

aproximam as composições entre si. Relembramos os elementos circulares convexos em

vermelho, abaixo de grandes conchas, coroando as visões centrais dos forros das

capelas-mores das capelas de Nossa Senhora do Socorro de Cocais e de Santa Quitéria

de Catas Altas. Elementos que estão presentes também abaixo das conchas ao redor da

visão central da pintura da sacristia da capela de Santana de Cocais e em cartelas

laterais do mesmo forro.

Estes tipos de pinturas- por não apresentarem nenhuma rocalha- podem ser

desenvolvimento das composições dos tetos do brutesco nacional português, do período

de convergência do brutesco com a perspectiva ilusionista. Com exemplos em Portugal

na abóbada da sacristia da igreja da Misericórdia em Santarém, pintada por Luís

Gonçalves Sena em 1747 e principalmente no teto da Sala de Hércules em Vila Viçosa,

pintado por José Ferreira de Araújo no início do Século XVIII.

Há também aproximação compositiva com o tipo de tarja central volumosa do

teto da nave da igreja de Nossa Senhora da Conceição dos militares, em Recife,

Pernambuco, cujo emolduramento do painel central e dos quatro painéis menores nos

cantos é feito por talha em relevo pintada de branco e dourado. Possivelmente influência

originada da região portuguesa do Minho-Douro, onde se fazia uso da “rocalha

inchada”, de grande relevo. 187

Mas em Minas Gerais, as composições com tarja central solta são usualmente

associadas com o período rococó. A composição de tarja central sem trama

arquitetônica circundante foi utilizada pelo Guarda-Mor José Soares de Araújo na nave

da matriz de Inhaí e na capela-mor da capela de São Francisco de Assis de Diamantina,

pintado entre 1782 e 1783. Segundo Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, este novo

vocabulário corresponde à evolução estilística final do guarda-mor, suprimindo a

representação da quadratura em favor de um fundo liso ao redor da cena central. Em

São Francisco a trama arquitetônica reduz-se a uma balaustrada nas laterais, em Inhaí

simplesmente não existe, com as pinturas apresentando características ainda barrocas

187 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. A escultura devocional na época barroca – aspectos teóricos e funções. In: Revista Barroco. Belo Horizonte, nº18, p. 247-267, 1997-2000.

117

em São Francisco e já próximas do rococó em Inhaí. Esta autora salienta que este novo

tipo de composição será característico dos tetos com pintura decorativa que se

implantam na região de Diamantina a partir da última década do Século XVIII. 188 A

tarja central solta está presente no forro da capela-mor da capela do Senhor Bom Jesus

de Matozinhos do Serro, de autoria de Caetano Luiz de Miranda (at. 1799-1800). E

ainda no teto da nave da capela de Nossa Senhora do Rosário de Santa Bárbara, pintado

por Manoel Ribeiro Rosa (at. 1784-1827) entre fins do Século XVIII a início do Século

XIX, com limite de 1808, ano do falecimento deste pintor.189 Em ambas as pinturas as

rocalhas encontram-se perfeitamente desenvolvidas.

É importante lembrar que, entre as pinturas de tarja central solta que

relacionamos, a do teto da sacristia da capela de Santana de Cocais se constitui em um

caso à parte. Neste forro em abóbada de berço o artista pretendeu representar uma

cúpula circular em alvenaria rebocada com um óculo circular central. Assim o indicam

os pássaros pousados nos dois eixos da composição e os panos caídos para as

extremidades no eixo longitudinal. O arranjo é como uma contradição em termos pois, à

primeira vista, o que se percebe é uma tarja central e as cartelas laterais soltas. Só com a

observação dos bocetes afixando elementos convexos abaixo de conchas e dos detalhes

anteriormente citados é que podemos atinar para a pretensão do pintor. Lá, apesar da

visão central do forro da sacristia não se constituir em uma tarja solta, a composição já

dispensa trama arquitetônica circundante.

Nos forros da capela-mor da Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em

Socorro, povoado de Barão de Cocais e da capela-mor da Capela de Santa Quitéria, em

Catas Altas do Mato Dentro, as tarjas são efetivamente soltas, em que pese a presença

de bocetes nos mesmos elementos circulares convexos abaixo de conchas acima das

tarjas. Aliás, a utilização de bocetes parece ser um cacoete pictórico do pintor. Na

grande tarja da Capela de Santa Quitéria de Catas Altas registramos um único destes

elementos, o que é inadequado se a intenção foi a de indicar sustentação material para

todos os elementos constituintes da tarja. É tentadora a hipótese de que a pintura da

sacristia da capela de Santana de Cocais possa ter sido para Gonçalo Francisco Xavier o

188 OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. A Pintura de Perspectiva em Minas colonial. ÁVILA, Afonso. (org.) Barroco: Teoria e análise. Tradução Sérgio Coelho e Perola de Carvalho, Elza Cunha de Vicenzo, Eldécio Mostaco, Marise Levy. São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, 1997, p.462. 189 Célio Macedo Alves. in. Telas e Artes nº 10. Belo Horizonte. Maciel Artes e Projetos Culturais Ltda. p. 31.

118

elemento de transição das pinturas de quadratura para as de tarja central solta.

Destacamos que a pintura do forro da capela-mor é de quadratura. O efeito alcançado é

vibrante e alegre e pode ter servido de incentivo para este pintor seguir fazendo pinturas

de tarja central solta.

Julgamos mais conveniente associar as composições de tarja central solta que

estamos estudando como um tipo de composição decorativa entre as pinturas de

perspectiva com quadratura e os esquemas compositivos das pinturas rococós que a

estas serão posteriores. Neste caso, as tarjas centrais soltas antecederiam a adoção das

rocalhas, representando um elo entre as pinturas barrocas e as rococós. A historiografia

da pintura barroco-rococó mineira indica separação temporal significativa entre estas

tipologias, não se dando destaque a elementos de transição, com exceção das rocalhas

meio deslocadas no forro de quadratura do teto da nave da capela de Santa Efigênia de

Ouro Preto. Podendo-se citar também, embora um pouco retardadas cronológicamente,

as duas pinturas do final da produção do Guarda-Mor José Soares de Araújo, falecido

em 1799, nos tetos da capela-mor de São Francisco de Assis de Diamantina, de talhe

barroco, e da nave da matriz de Inhaí, já no espírito rococó, com conchas assimétricas,

nas quais a visão central está inserida em tarja solta.

Não nos parece possível que os modelos com rocalhas plenamente

desenvolvidas, com utilização de amplas áreas em branco seguindo influência francesa

do rococó, teriam sido implantados já em adiantado estado de desenvolvimento e sido

imediatamente assimilados pelos pintores e os encomendantes das obras.

Lembramos que na pintura rococó mais antiga em Minas, executada entre 1773 e

1774 no teto da capela-mor do Santuário do Bom Jesus do Matozinhos, em Congonhas

do Campo, a composição de Bernardo Pires da Silva já é rococó no que Carlos Del

Negro denominou de “trama de enrolamentos”, tendo sido substituída a quadratura por

finas colunas arrocalhadas com aplicação de rocalhas e flores. Este tipo de composição

tem continuidade no que Del Negro denominou escola de Mariana, sendo Manoel da

Costa Ataíde seu expoente máximo.190 Parece-nos que as pinturas com enrolamentos

sustentando a cena central representam um meio termo entre as de tarja central solta e as

de quadratura, com a valorização dos espaços brancos entre os enrolamentos.

190 DEL NEGRO, Carlos. Contribuição ao estudo da pintura mineira. Rio de Janeiro: Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1958, p.132.

119

O que estamos verificando é a proximidade temporal da fatura de variados tipos,

o que nos indica que as datações de obras pelo aspecto estilístico têm valor genérico e

não implicam em certezas absolutas, pois há sempre possibilidade de se lidar com

elementos intermediários e exceções. Mesmo que se tome como certa a hipótese de ter

Gonçalo Francisco Xavier se inspirado para suas pinturas de tarja central solta em tetos

com pintura de brutesco ou de tarja central emoldurada por entalhes em relevo, não

perde validade se pensar que estas pinturas possam ter exercido influência para a

utilização e aceitação deste tipo de composição no período de vigência do rococó.

Evidentemente não podemos deixar de aventar a hipótese de que as pinturas de tarja

central solta deste pintor possam ter sido resultado de influência das composições

rococó deste tipo. O pintor, neste caso, não teria assimilado a rocalha e teria executado

as pinturas em questão em datas posteriores a 1775. Julgamos isto improvável, tendo em

foco a decoração da capela de Santana, onde convive pintura de quadratura com de tarja

central solta. O conjunto pictórico de Santana é uniforme e inteiramente barroco. Se a

composição da pintura do forro da sacristia fosse resultado de alguma influência de

pintura rococó de tarja central solta o forro da capela-mor refletiria de alguma forma

esta influência, o que não é o caso. Julgamos que, quando as composições de tarja

central solta do rococó surgiram, a inovação continuou sendo o uso da rocalha e não a

composição em si, pois este tipo já havia sido experimentado.

120

Considerações Finais

Iniciamos nossa dissertação por um percurso histórico das artes do

Renascimento até o rococó. Buscamos caracterizar as principais correntes artísticas do

Renascimento, destacando a recuperação da técnica da perspectiva, utilizada na

Antiguidade Clássica, mas abandonada na Idade Média.

Seguimos com o maneirismo e suas principais características pictóricas.

Tratamos do barroco, com origem italiana, sua difusão pela Europa e sua caracterização

histórica vista por autores como Janson, Hauser e Maravall. Destacamos a pintura e a

importância da persuasão na arte barroca, com o advento da perspectiva aérea em tetos,

citados os principais exemplares e pintores. Contemplamos o surgimento do rococó na

França, com características pictóricas do estilo, sua difusão e possível justificativa

filosófica.

Assim procedemos para melhor situar nosso objeto de estudos, que envolve

atribuição de autoria de pinturas da decoração arquitetônica de igrejas e capelas

setecentistas mineiras; estudamos pinturas barrocas de perspectiva ilusionista que se

situam cronologicamente no limiar da introdução do rococó em Minas.

Ao dirigirmos nossa atenção à pintura decorativa de tetos em Portugal

observamos a organização dos ofícios mecânicos portugueses, seus sistemas de ensino e

capacitação de oficiais; também a busca dos pintores portugueses por maior autonomia

e reconhecimento, criando bandeira própria. Estudamos o desenvolvimento do brutesco

e da pintura de quadratura, com destaque para a visão central tratada como quadro

recolocado. Seguimos com a transposição de modelos portugueses ao Brasil, dos

caixotões às pinturas ilusionistas, com breve descrição dos exemplares mais

significativos.

A seguir exploramos características da ocupação do território das minas, o

povoamento inicial ao redor de primitivas capelas e a proibição da instalação das ordens

religiosas regulares, com algumas de suas funções assumidas pelas irmandades leigas.

Citamos os mecanismos de contrato entre as confrarias e os construtores dos templos,

de etapas diversas às louvações das obras concluídas. Contemplamos as características

peculiares da atuação dos oficiais mecânicos em Minas, com os artistas exercendo seu

ofício com espírito associativo implementado nas irmandades leigas e Ordens Terceiras.

121

Exploramos também as formas de ensino de artes na colônia, similares mas diversas das

portuguesas. Seguimos com o desenvolvimento da decoração de tetos em Minas nos

séculos XVIII e XIX, com pinturas em chinesice, de brutesco e de perspectiva

ilusionista barroca e rococó. Citamos as obras mais marcantes destes estilos com

algumas ilustrações.

Levantamos dados documentais sobre o pintor Gonçalo Francisco Xavier, o que

nos permitiu estabelecer a atribuição de autoria para as partes de um forro policromado

encontradas na matriz de Santa Bárbara e também para o entablamento da portada da

capela do Santíssimo Sacramento. A partir destas atribuições pudemos agregar as

demais.

Relacionamos as obras de nossa atribuição, com descrição e levantamento

fotográfico: Capela de Santana, em Cocais, distrito de Barão de Cocais: os forros da

capela-mor (com quadratura) e da sacristia (quadratura simplificada, com aparência de

tarja central solta), dois painéis parietais atualmente localizados nas ilhargas da capela-

mor; Capela de Nossa Senhora do Rosário, em Catas Altas do Mato Dentro: o forro da

capela-mor (com quadratura); Capela de Nossa Senhora da Glória, em Ressaca,

povoado do distrito de Hermilo Alves, de Carandaí: os forros da nave (quadratura), da

capela-mor e do camarim do altar- mor; Igreja de Santo Antônio, matriz de Santa

Bárbara: o entablamento da portada da Capela do Santíssima Sacramento e a pintura

original de quatro tábuas lá encontradas durante trabalhos de restauração constituintes

de um forro (de quadratura); Capela de Nossa Senhora Aparecida, em Córregos, distrito

de Conceição do Mato Dentro: pinturas originais de dois painéis parietais das ilhargas

da capela-mor, do prolongamento posterior das tábuas do forro do camarim do altar-

mor; Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Socorro, povoado de Barão de

Cocais: o forro da capela-mor (tarja central solta); Capela de Santa Quitéria, em Catas

Altas do Mato Dentro: o forro da capela-mor (tarja central solta); Igreja de Nossa

Senhora da Conceição, matriz de Catas Altas do Mato Dentro: o retábulo de Santana

(segundo retábulo lateral da nave do lado da epístola); Catedral da Sé de Mariana: forro

da sala da morte (forro artezoado). Agregamos, para efeito de comparação, o forro da

sacristia da igreja de Nossa Senhora da Conceição, matriz de Conceição do Mato Dentro

e uma pintura integrante do retábulo lateral do arco-cruzeiro, lado do evangelho, da

Capela do Senhor Bom Jesus das Flores do Taquaral de Ouro Preto. Entre as obras

incluem-se composições de quadratura, de tarja central solta e a policromia de um

122

retábulo. Comparamos elementos pictóricos que constituem o que denominamos

modelo Gonçalo, justificando as atribuições.

Destacamos positivamente a proposta da professora Myriam Ribeiro de divisão

das pinturas perspécticas em um ciclo barroco e outro rococó, apontando a presença

pioneira da rocalha, ainda que meio deslocada em uma composição barroca, no forro da

nave da igreja de Santa Efigênia de Vila Rica, datado por volta de 1768. Dedicamos

atenção à superação composicional da quadratura dando sustentação à visão central,

como ocorre no teto da capela-mor do santuário do Bom Jesus de Matozinhos de

Congonhas do Campo, pintado por Bernardo Pires da Silva entre 1773 e 1774, onde a

cena central é ligada por rocalhas às extremidades do forro. Citamos também as pinturas

de tarja central solta, com a visão central inserida entre nuvens, sendo exemplares a

pintura do teto da nave da capela do Senhor Bom Jesus de Matozinhos de Itabirito, com

fatura datada das décadas finais do século XVIII; a pintura do teto da nave da capela de

Nossa Senhora das Mercês de Tiradentes, pintado por Manuel Víctor de Jesus entre

1804 e 1824 e a pintura do forro da nave da capela de Nossa Senhora do Carmo de

Sabará, de 1818, pintado por Joaquim Gonçalves da Rocha. Seguem-se duas pinturas do

Guarda-Mor José Soares de Araújo, falecido em 1799, nos tetos da capela-mor de São

Francisco de Assis de Diamantina, de talhe barroco, e da nave da matriz de Inhaí, já no

espírito rococó, nas quais a visão central está inserida em tarja sem nuvens ao redor.

Citamos ainda a pintura de Manuel Álvares Passos no forro da capela-mor da capela de

Nossa Senhora das Mercês de Diamantina, ajustada em 1794, com esquema de

composição adotando muro-parapeito contínuo nas laterais e tarja emoldurada no

centro.

A divisão classificatória em ciclos, preconizada por Myrian Ribeiro, estabelece

um nexo entre composição com tarja central solta e o “ciclo rococó”. Este nexo deve ser

destacado por ter importância fundamental para nosso estudo. Entre as pinturas de teto

que atribuímos a Gonçalo Francisco Xavier, algumas apresentam composição de tarja

central solta, mas sem utilização de rocalhas, sendo pinturas barrocas. Tentamos

associar as composições de tarja central solta de nosso estudo como um tipo de

composição decorativa entre as pinturas de perspectiva com quadratura e os esquemas

compositivos das pinturas rococós, que a estas serão posteriores. Neste caso, as tarjas

centrais soltas antecederiam a adoção das rocalhas, representando um elo entre as

pinturas barrocas e as rococós.

123

Anexo I: documentos

124

Doc. 1

CMOP- 41- Termo de arrematações- 1734-1745- fls. 110 e 110 v.

Acerto de Arrematação da pintura da capella de Santa Rita dos Prezos que fes

Gonçalo Francisco Xavier por preço e conthia de 28/ 8as de ouro

Aos doze dias do mês de dezembro de mil e setecentos corenta e dois annos

nesta Villa Rica de Nossa Senhora do Pillar do Ouro Preto na praça do Concelho della

honde se achavão presentes o Juis vereadores e Procurador do Sennado da Camera

comogo escrivão dele ao diante nomiados e assignado e sendo ali apareceo presente o

porteiro deste auditório Domingos Martins e dou fé de haver trazido em praça os dias

dali aobra da pintura da Capella de Santa Rita dos Presos conforme as condições que na

sua mão trazia, e que por último chegará ou lhe ( ) Gonçalo Francisco Xavier e que se

lançara na dita obra vinte e hua oitava de ouro o que tudo ouvido pellos ditos oficiais da

Camera mandarão ao dito Porteiro que oufrontaçe e aremataçe, o que logo fez o dito

Porteiro andandona Prasa de baixo para sima e de sima para baixo dizendo em vós alta e

inteligível que de todos se deixava bem entender que vinte e h~ua oitava de ouro lhe

pedião pella obra da pintura da Capella de Santa Ritta como cobrava das condições que

em sua mão havia e ao diante se achão resistradas que se havia quem por menos o fizeçe

chegaçe a elle receberia o seu lanso, e que afronta faria porque menos não achava que se

menos achara menos tomara, e que dava hua e duas, e três, e outra mais pequenina, e

chegandoce ao dito Gonçallo Francisco Xavier lhe meteo h~u ramo verde na mão

dizendolhe fasa lhe muito bom proveito e com esta solenidade de direito lhe houverão

elles ditos oficiais da Camera a obra por rematado ao dito Gonçalo Francisco Xavier e

mandarão se lhe não tomase termo de fiança por lhe parecer não se nesesário de que dou

minha fé, e por tudo mandara o fazer o dito rematante e Porteiro e Comigo Manoel

Pinto de Queirós escrivão da Camara que escrevi e assinei.

Em 31 de Dezrº de 1742 se satisfce esta rematação por mandº

corrente.

[assinaturas de Gonçalo Francisco Xavier e do escrivão, Manoel Pinto de

Queirós]

125

Doc. 2

CMOP- 41- Termo de arrematações- 1734-1745- fls. 111

Registro das condições de Pintura da Capela de Santa Rita dos Presos de que

consta arrematação a (sic) 110

Primeiramente rebocará a porta principal por dentro e por fora com duas

manos de óleo, e na última fingindo rais de oliveira, e a ferrage da dita porta será de

Preto; e os portais de dentro e de fora serão tambem com duas manos a óleo fingindo

pedra branca, e o vão da porta de madeira por cima da mesma sorte a simalha toda por

fora e cruz será tudo também a duas manos a óleo fingindo a mesma pedra branca; o

forro que se acha liso por dentro e simalha e molduras será tambem com duas manos a

óleo pintando tudo conducente o mais pintura que se acha feita tudo com perfeição e se

carecer o rematante debolir no telhado para a pintura de simalha o tornará a por da

forma que se acha o mesmo; o que tudo será feito e exzaminado e no fim da obra se lhe

satisfará o seu traporte. O Porteiro do auditório desta Villa tragua em praça a obra que

consta das condições acimas e dos lanços que achar os trará a mesa Villa Rica em

Camera de vinte e oito de novembro de mil e setecentos coerenta e dous; o que tudo

será feito e corrente dentro de hu mês //Queiros// eu Manoel Pinto Queiros por escrivão

da Camera que resistrei já que das própias que entreguei ao rematante que de como as

recebeu assignou comigo o sobredito escrivão que escrevi.

[assinaturas de Gonçalo Francisco Xavier e do escrivão, Manoel Pinto de

Queirós]

126

Doc. 3

CMOP- cx. 14- Doc. 32- 1742-12-29 (seis folhas costuradas)

(fls. 1)

Senhores do Senado

Diz G.lo Fram.co X.er q ele rematou em Praça publica, obra da pintura da

Capella de S-ta Rita dos Prezos, por ordem deste senado pela coantia de vinte e hua

oitava de ouro, com as condicõns que constam do papel junto, rubricado pelo escrivão

deste senado, o suplicante tem satisfeito inteiramente as ditas condições e para ser

satisfeito, carece de que vossa merce assim o mande.

Para Vossa merce lhe faça merce mandar passar mandato para lhe

satisfazerem

E R M (e receberá mercê)

Senhores do Senado

Como esta obra foi rematada em praça e ouve condição que se apresenta deve

ser esremada

(fls. 1 v.) Se está conforme a elas e satisfeito e aos mais extremos necessários

Vossa mercê faram justiça.

Villa Rica- 29 de dezembro de 1742

(fls. 3)

Nomeação dos louvados “Antônio Caldas, preto forro, oficial da mesma arte de

pintor” e Bento de Oliveira e louvação.

Aos trinta e hum dias do mês de dezembro de mil e setecentos e corenta e dois (

) nesta Villa Ria de nossa senhora do Pillar do ouro preto nos passos do conselho dela

onde presentes se achavam o juiz vereadores e procurador do Senado comigo escrivão

dele adiante nomeado e sendo ali apareceo presente o arrematante da obra da pintura da

capela de S. R. dos Pr. Gonçalo Fco Xer e por ele foi nomeado para o exame da dita

pintura Antônio Caldas preto forro oficial da mesma arte de pintor e logo pelo

procurador atual do senado José Correia Maia foi dito e declarado que ele convinha no

dito nomeado como também logo nomeou por parte do senado para o dito exame Bento

de Oliveira oficial do dito ofício e declararam eles ditos rematante e procurador e darem

pela determinação e louvação que na dita obra fizessem e de como assim o disseram e

127

declararam fiz este termo que assinaram e eu Manoel Pinto de Queiróz escrivão da

Câmara que o escrevi.

(fls. 3 v. a 4)?

“A pintura se achava perfeita e acabada na forma das condições q. se tinha

arrematado o dito arrematante.”

128

Doc. 4

ACMM. Prateleira X, livro 12. Irmandade do SS. Sacramento, Santa Bárbara.

1741- 1805, fls. 39 v.- 40

(fls. 39 v.)

Ao vinte de Janr. de mil e setecentos e cincoenta e seis annos Estando em meza

o Provedor e mais offes de Meza p.a ajustar a pintura e douramento da capella da Nossa

Irmandade com Gonçalo Fran.co X.er, e com effº ajustarão em cento e vinte e oito

oitavas de ouro de 1200 reis, e o dito Gon.lo Fran.co se obrigou a fazer a d.a obra pela

referida quantia, de que passou papel com as condições do ajuste ficando de fora a

obrigação de pintar a porta da Caza da Fabrica, que também ajustou e de tudo fiz este

(fls. 40) termo q todos assinarão comigo Joze Carlos de Souza que o escrevi.

129

Doc. 5

ACSM. Cartório do Segundo Ofício. Cx. 549 – auto nº 20037.

Execução 1771:

João Gonçalves de Bragança

Gonçalo Francisco Xavier

p. 2 – “Diz João Gonçalves de Bragança que ele o suplicante quer fazer citar a

Gonçalo Francisco Xavier por alcunha (sic) oficial de pintar (...) na quantia de 23

oitavas e 3 quartos e um vintém de ouro como resto como consta de seus bilhetes que se

acham assinados que ele mesmo suplicado (...)”

16/09/1771

Solicita ao oficial de justiça para efetuar a diligencia. 13/08/1771.

p.3 – João Gonçalves de Bragança – Familiar do Santo Oficio

Pela presente procuração por mim feita e assinada faço meus bastantes

procuradores os (sigla) DD. João Dias e Paulo da Silva Magalhães e solicitadores de

causas (...) para que todos juntos possam requerer meu direito (...)

13/08/1771

p.4 – Ro. Para tintas (sic.)

Para a Capela de Nossa Senhora da Conceição

Meia Arroba de gesso grosso 4/8

4 ditas de gesso mate 1/8

4 ditos de retalho 1/8

2 libras de (sic) 1 ½

4 libras de alvaiade 1/8

1 broxa grande ¼

Soma 8 ¾

4 de maio de 1766

Assinatura

p. 4 v –

Gonçalo Francisco Xavier 8 ¾

130

Devem destes bilhetes abatidos todos os recibos 23/8 ¾ e sete vinténs

p. 5 – uma libra de zarcão ¼ 4

1 libra de retalho ¼

4 onças de sinopla 1/8

Meia onça de pupelina [popeline/ tecido] ¼

Agosto de 1766

p.6 – senhor João Gonçalves de Bragança ou outro qualquer senhor que na Casa

estiver mandar-me pelo portador que é esse senhor meu vizinho duas libras de óleo de

linhaça se o que puder levar (...) que este me obrigo a satisfazer.6/09/1766.

p.08 – “senhor João Gonçalves de Bragança pelo portador me mandará 7 libras

de óleo de linhaça”

7 de maio de 1766

p. 9 – Duas onças de óleo de linhaça

Uma quarta de alvaiade para as varas da câmara

Gonçalo Francisco Xavier – 27/03/1766

p. 09 v – 34 e 4 vinténs de tintas de pintor – 28 de março de 1766;

Uma brocha pequena

3 pinceis de dourar

p.12 –

duas onças de (sic)

Vila Rica 14 de agosto de 1766.

Gonçalo Francisco Xavier

p. 13 -

4 Lo (libra) de vermelhão fino 1/8

4 Lo de verniz de xarão ¾

4 Lo de Aniz de Castela 1 ½

4 Lo de Bolo armênio 4

4 Lo de Bolo Dourar 4

Que tomei para as varas da Câmara 3 ½

131

p.14 – Uma libra de Zarcão ¼ 4

Hua libra de Rom

p.15 – uma onça de anil 6/09/1766

p. 16 – meia arroba de óleo de Linhaça 4/8

24 libras de alvaiade 5 ¼

4 libras de Gesso grosso ¾ 4

4 libras de gesso mate

5 libras de Sinopla ¼ 7

Libra de Rom brochas grande e pequenas ¼ 6

12/ ¼

1 libra de Zarcão 8 ¼ 4

1 libra de couro de luva

Mais uma de couro de luva 8 ¼

4/09/1769

132

ACSM. Cartório do Segundo Ofício. Cx. 549 – auto nº 20037, p.16.

133

Doc. 6

ACSM. Cartório do Primeiro Ofício. Cx. 482 – auto nº 10764.

1772 –

João Gonçalves de Bragança

Gonçalo Francisco Xavier

p. 02

Nam sendo na capella como pede

Rua

Diz João Gonçalves Bragança que ele suplicante alcançou sentença junta para

por ela ser executado Gonçalo Francisco Xavier o que não tem sido possível pelo

suplicado se achar no arraial do Bacalhau pintando uma capela da qual não sai se não e

fora de hora e se recolhe em casa do Padre Francisco Pires da Silva servindo lhe de

couto, huma e outra cousa, só a fim de não pagar ao suplicante e perder este a sua divida

pelo suplicado não ter domicilio certo e certamente saindo dali se ausenta por cuja razão

requer a VM para que se sirva de conceder licença para que os oficiais de justiça

possam dar a execução a dita sentença com qualquer parte que ao suplicado for achado,

tanto na dita capela como de qualquer reverendo sacerdote por não deverem servir de

couto para os executados não pagarem aos seus credores.

P. VS. Seja conceder a licença pedida.

ERM

p.03

Diz João Gonçalves de Bragança que ele suplicante alcançou a sentença junta

contra Gonçalo Francisco Xavier para por ela mesmo ser (sic) o executado e como este

não tem casa, nem domicilio certo por andar de um parte para outra sem existência

alguma por cujo motivo o quer fazer requerer debaixo de vara para pagar ou nomear

bens livres desembargados no termo de vinte e quatro horas ficando-lhes os mesmos

livres para pagar e nomear; e que asas ditas vinte e quatro horas concorrerão na mão

dos oficiais e findos não pagando e nomeando dentro delas seja recolhido a cadeia; e

dela não seja solto sem que primeiro pague principalmente e custas que de outra sorte

fica o juiz em lusorio e perde o suplicante a sua divida.

134

PVM seja servido deferir no suplicado na forma que requer.

p. 04-

Juramento de almas;

Sentença de ação civil.

Redigida pelo vereador mais velho e juiz de fora e órfãos de Mariana Capitão

Antônio Luiz Brandão;

Authuação – 16/09/1771

23 oitavas 3 quartos e um vintém de ouro;

Despesas relativas às compras de tintas para pintura da capela de Nossa Senhora

da Conceição de Guarapiranga;

p. 13 v - “Certifico que em cumprimento da sentença termo de (...) de baixo de

vara no arraial de Bacalhau 09 dias do mês de maio de 1772 adiante nomeado com

meirinho dos ausentes Fernandes de Souza (...)”

Obs.: foram a casa do Padre Francisco Pires da Silva e comunicaram ao Réu o

prazo de 24 horas para quitar as suas dividas com o comerciante Bragança.

Auto de penhora:

O meirinho e seu escrivão realizam a penhora dos possíveis bens de Gonçalo

Francisco Xavier.

p.18

“Diz João Gonçalves de Bragança que na execução que faz a Gonçalo Francisco

Xavier lhe fez penhora em uma sela aparelhada da qual ficou por depositário João

Barbosa de Andrade ao qual quer fazer citar para no termo de vinte e quatro horas por

em praça a dita sela pena de quer não o faz ser preso.”

Para VM mandar passar para o referido

Audiência Pública - Autuação:

09/08/1773 – Declaração datada em 1774.

p. 21

As custas finais do processo têm datação de 6 de junho de 1775.

135

Assinatura de Gonçalo Francisco Xavier em bilhete empregado na compra de materiais

para pintura da Capela de Nossa Senhora da Conceição, Freguesia de Guarapiranga

(07/05/1766). O artista se identifica nos bilhetes como “pintor” e emprega o termo

senhor em alguns dos bilhetes. ACSM. Cartório do Segundo Ofício. Cx. 549 – auto nº

20037, p.7v.

Glossário de termos dos documentos:

Onça – unidade de medida de peso que corresponde a “duodécima parte de uma

libra” romana. A onça é a oitava parte de um marco e cada onça tem oito oitavas e cada

oitava tem de grãos grandes quatro e meio e de pequenos setenta e dois.

Libra – corresponde a 16 onças;

Oitava – oitava parte de uma onça. Unidade de medida empregada no Rio de

Janeiro para o peso de ouro, em Portugal emprega-se o onça e o arretel.

Vintém – menor unidade de medida que forma uma oitava.

Arroba – unidade de medida que corresponde atualmente a 15 quilogramas.

Fonte: BLUTEAU, Raphael. Vocabulário Português e Latino. Lisboa; Oficina de

Pascoal da Sylva, 1713. Obra digitalizada e disposta em Cd.

136

Bibliografia

137

ALVIM, Sandra. Arquitetura religiosa colonial no Rio de Janeiro: plantas, fachadas e

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