A Poesia de Pessoa
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SUMÁRIO
Poesia Moderna A consciência poética de renovação
O poeta do exílio
A situação portuguesa Poesia Portuguesa
Desenvolvimento da escrita
Alberto Caeiro
Poemas selecionados
“Multipliquei-me para ne sentir” As diversas facetas do poeta
Os principais heterônimos
Características da poesia
O poeta visto pelos seus contemporâneos
Álvaro de Campos
Ricardo Reis
O amor à pátria
Um retrato detalhado do poeta para aqueles que o admiram e se identificam com sua obra.
Jéssica Maciel
A consciência poética de renovação
No livro intitulado como “A Poesia
de Fernando Pessoa”, coordenado
pelos escritores José Santiago Naud e
Fernando Mendes Viana e constituído
por uma seleção dos principais
poemas do poeta português,
apresenta-se as características poéticas
do início do século XX e a situação
portuguesa nesse contexto.
A literatura, inevitavelmente,
refletira o desconcerto provocado
pelo aperfeiçoamento das máquinas
que um dia prometera a felicidade e
mostraram-se altamente destrutivas
através da guerra. Sobretudo, a poesia
avançou as inovações. Valorizando-se
como elemento de luta contra a
realidade, como último reduto de
liberdade e dignidade humana diante
do arco crescente de asfixia social.
Na América, a sucessão de
movimentos e grupos enriquece e
atualiza a arte do Novo Mundo. No
Brasil, em 1922, a Semana de Arte
Moderna em São Paulo constitui um
dos eventos mais extensos e bem
organizados levando a poesia a
intensificar-se nas raízes nacionais sem
perda do nível universal. Países
distantes e diferentes em igual
vibração aos apreensivos da verdade e
da beleza, ostentando atualmente um
dos elencos mais completos da poesia
mundial.
Em todos os cantos do mundo, a
inquietação com o mítico e o
religioso, o metafísico ou o social, em
dimensão dramática ou épica
comporta uma constelação de nomes
que são referência e têm sua
grandiosidade propagada até os dias
de hoje.
A literatura, inevitavelmente, refletira o desconcerto provocado pelo aperfeiçoamento das máquinas
que um dia prometera a felicidade e mostraram-se altamente destrutivas através da guerra.
“Pintura", Amadeo de Souza-
Cardoso 1917, Centro de Arte
Moderna, Lisboa
Na arte, o francês Apollinaire e o
italiano Marinetti desenvolvem
especificidades que formam as
grandes vertentes do Futurismo e
Surrealismo. No Impressionismo a
atração pelo esoterismo oriental
empolgava as pessoas, tendo a arte
japonesa, por exemplo, como
contribuinte no acrescentamento de
geniais como Van Gogh ou Gauguim.
Fernando Pessoa, contemporâneo
deste panorama, destaca-se pela
complexidade de sua obra e
pluralidade de incidências. Não
houvera terreno, na poesia, que ele
não tenha explorado e conceito e
pensamento que não haja mentado.
Imagens de divulgação da
Semana de Arte Moderna, em
1922, no Brasil
Poema visual, também
chamado "caligrama, publicado
pela primeira vez pelo poeta
Apollinaire.
Pintura do italiano Marinetti
A modernidade portuguesa
inicia-se a partir de um desastroso
acontecimento político relacionado ao
imperialismo vigente no país. Na
literatura predomina a exaltação às
paixões e o sentimento patriótico,
reagindo, deste modo, a alma
nacional aos clamores da sua
identidade. Várias personalidades
geniais meditam de maneira nunca
antes vista as retrospectivas e a
prospectiva das linhas de forças
nacionais.
Sucedem-se esforços de
dimensão coletiva com o objetivo de
renascer contra as fatalidades do
findar-se e do devir. Isto se inicia com
o movimento denominado “A
Renascença Portuguesa” que publica a
revista Águia. Logo em seguida, cria-
se o “Orpheu”. O qual se destacam os
escritores: Mário de Sá-
Carneiro (1890-1916), Almada
Negreiros (1893-1970) e Fernando
Pessoa (1888-1935). Formando um
grupo seletivo, porém diversificado
que viviam a colocar em dia a cultura
de expressão europeia.
A aspiração pelo ‘moderno’ marca
profundamente a geração de Pessoa.
Ao afirmar-se moderno o poeta não
intenciona fazer concorrência ao
noticiarista de jornal, mas manifestar,
mesmo implicitamente, que sua
estética revigorou os princípios
clássicos e românticos preexistentes.
À poesia importa agora exprimir uma
troca entre o poeta e o mundo, uma
interpenetração em que se exprima a
consciência do presente.
A aspiração pelo ‘moderno’ marca profundamente a geração de Pessoa. À poesia
importa agora exprimir uma troca entre o poeta e o mundo, uma interpenetração em
que se exprima a consciência do presente
.
A poesia de Fernando Pessoa
está claramente marcada pela
racionalidade nata e crítica lúcida
presentes na identidade do poeta.
Características em destaque na
identificação de suas obras e que
abrem um leque de possibilidades
para interpretações.
Curiosamente, Pessoa não tivera
preocupação com a publicação de
seus escritos - caso raro na
Literatura. Preocupara-se,
sobretudo, com a produção. O
poeta parecia indiferente ao
fenômeno da celebridade
póstuma.. Estava consciente da
grande missão de seu
gênio e sabia, visivelmente, que
algum dia obteria a notoriedade
por ele desprezada em vida..
Possivelmente, outros fatores o
influenciaram a tal posicionamento.
Tais como: o desfavor literário
português, a ausência de grandes
rivais no domínio da especulação
estética ou até mesmo de estímulos
para a publicação
Era dentro de um grande baú de madeira que o poeta Fernando Pessoa guardava seus poemas. Alguns foram colocados dentro de envelopes, amarrados com barbantes, outros ficaram soltos
O poeta do
exílio
A obra poética de Fernando
Pessoa trouxe para a literatura a
sonoridade do dia a dia e, além de
ser uma das mais ricas e profundas
da lírica contemporânea, presta-se
a tal número de leituras, às vezes
contraditórias entre si, que ainda
não se chegou e talvez não se
chegue nunca, a um relativo
consenso critico sobre a melhor
direção a seguir para explorar os
seus inesgotáveis filões estéticos.
O poeta foi fundador da poesia
moderna, junto com Cesário Verde
– poeta português que ele
admirava. Trabalhou como
ninguém o ritmo das palavras e das
frases. Soube descrever a tragédia
da existência, a incerteza da vida e
da morte, os sonhos, as ambições,
as desilusões, as contradições, as
falhas dos nossos diversos egos.
Apaixonamo-nos por Pessoa pelo
modo que ele transforma a vida e o
quotidiano, o seu pensamento e
sua viagem intelectual numa
experiência universal que
partilhamos.
É impressionante se pensar
como, em apenas 30 anos de vida,
constrói uma imensa obra, de
qualidade assombrosa e tudo isto
não passando, toda a vida, de um
anônimo empregado de escritório.
Levando uma vida boemia
disciplinada dentro de um dia a dia
apagado e mesquinho, detestava a
prática de atividades desportivas,
preferia ler, escrever e sonhar. Fez
do seu mundo os livros.
Cultivava o isolamento para
escrever, queria estar só, mas não
vivia, de fato, sozinho. Era um
solitário acompanhado. Mantinha
relações estreitas com a família, tias
e irmãos. Tinha amigos, vários
amigos com quem trocava intensa
correspondência, com quem se
encontrava quase todos os dias nas
tertúlias dos cafés. Desses cafés, o
Martinho da Arcada e a Brasileira
do Chiado são sobreviventes únicos
Fernando Pessoa fez de seu pensamento e sua viagem
intelectual numa experiência universal.
Características da sua poesia
· Sente com o pensamento e com a imaginação.
· Obsessão da análise.
· Impossibilidade de viver a vida.
· Solidão interior, angústia existencial, melancolia,
resignação.
· Tédio, náusea, desencontro com os outros, desamparo.
· Inquietação perante o enigma indecifrável do mundo.
· Fragmentação do eu, perda de identidade.
· Procura. Absurdo.
· Ansiedade.
· Nostalgia do bem perdido, do mundo fantástico da
infância, período em que foi verdadeiramente feliz.
· Profunda lucidez, inteligência intuitiva.
Hoje só me quero tal qual meu caráter nato quer que eu seja. E
meu génio, com ele nascido, me impõe que eu não deixe de ser.
Os anos de 1913 e 1914 marcam
o período de criação dos poemas
heteronímicos. Tais poemas não
são evidentemente alheios a grande
complexidade psíquica do poeta e
o pluralismo das tendências
contraditórias que sentia dentro de
si. Dificultando-lhe a ação, ao
menos como personalidade
voluntariosa e absolutamente
coerente.
Iria Fernando Pessoa perder-se
nas circunvoluções da sua
perplexidade vital e desgosto pela
realidade tal como lhe parecia,
como sucedido tragicamente a seu
amigo Sá Carneiro (“Perdi-me
dentro de mim/ Porque eu era
labirinto...”) ou iria escolher um
caminho, afirmar-se como um
homem adulto e na plena posse de
si próprio, projetar-se para fora, ser
alguém?
E termina, escrevendo: Um raio
hoje deslumbrou-me de lucidez.
Nasci.
Os períodos seguintes revelam o
compromisso metafísico que
Pessoa toma a partir daí: Tornar-se
o maior poeta da literatura
mundial.
Desce não se por onde
Até não me encontrar.
Ascende um leve fumo
Das minhas sensações.
Deixo de me incluir
Dentro de mim. Não há
Cá-dentro nem lá-fora.
E o deserto está agora
Virado para baixo.
A noção de mover-me
Esqueceu-se do meu nome.
Na alma meu corpo pesa-me.
Sinto-me um reposteiro
Pendurado na sala
Onde jaz alguém morto.
Qualquer coisa caiu
E tiniu no infinito.
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
.
Não sou
nada.
Nunca
serei nada.
Não posso
querer ser
nada.
À parte
isso,
tenho em
mim todos
os sonhos
do mundo.
Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é,
Sentir, sinta quem lê!
Cai chuva do céu cinzento
Que não tem razão de ser.
Até o meu pensamento
Tem chuva nele a escorrer.
Tenho uma grande tristeza
Acrescentada à que sinto.
Quero dizer-ma mas pesa
O quanto comigo minto.
Porque verdadeiramente
Não sei se estou triste ou não,
E a chuva cai levemente
(Porque Verlaine consente)
Dentro do meu coração.
Mas não, é abstrata, é uma ave
De som volteando no ar do ar,
E a alma canta sem entrave
Pois que o canto é que faz cantar.
Como um vento na floresta.
Minha emoção não tem fim.
Nada sou, nada me resta.
Não sei quem sou para mim.
E como entre os arvoredos
Há grandes sons de folhagem,
Também agito segredos
No fundo da minha imagem.
E o grande ruído do vento
Que as folhas cobrem de som
Despe-me do pensamento :
Sou ninguém, temo ser bom.
De aqui a pouco acaba o dia.
Não fiz nada.
Também, que coisa é que faria ?
Fosse a que fosse, estava errada.
De aqui a pouco a noite vem.
Chega em vão
Para quem como eu só tem
Para o contar o coração.
E após a noite e irmos dormir
Torna o dia.
Nada farei senão sentir.
Também que coisa é que faria?
.
Desde que começaram
a ser publicadas e
difundidas as obras de
Pessoa, há uma extensa e
variada quantidade de
estudos sobre os
heterônimos e a
complexidade de sua
existência. O fenômeno da
heteronímia, inexistente
até então, ganha destaque
através da poesia pessoana
e continua a ser tema de
grandes discussões e
debates.
Sabe-se o significado
de pseudônimo - sendo
este a representação de um
escritor através de um
nome fictício.
No entanto, o termo
heterônimo, criado por
Pessoa, significa a
representação de
personagens imaginários a
quem o escritor atribui
auto-
Multipliquei-me para me sentir... .
ria de determinadas obras
suas, com características e
tendências próprias,
diversas das do autor
verdadeiro.
Pessoa afirmava, em
vários de seus consagrados
escritos, que seus
heterônimos deveriam ser
lidos como poetas
independentes dele
mesmo, apesar da
intimidade claramente
presente entre si. O poeta
queria fazer-se crer não na
realidade biológica, mas na
realidade poética - muito
mais real para ele do que a
primeira – dos seus
heterónimos, o que
equivalia a afirmar que ele,
enquanto autor, era o
resultado de diversos
poetas diferentes
Uma leitura da obra dos
heterónimos, mostra-nos sem a
necessidade de ser muito profunda,
que cada um deles tem, com efeito,
um estilo, uma arte poética, uma
escrita – se se prefere -
característica e original.
Os primeiros
estudiosos do poeta
não aceitaram, ou
fizeram-no com
reservas, esta
representação teatral
sem palco, que antes
lhes parecia uma
mistificação, e
tenderem a considerar
os heterónimos como
simples
Foram os críticos
poetas Adolfo Casais
Monteiro e Jorge de Sena
que decidiram tomar
muito a sério a maneira
como Pessoa tinha querido
que se lesse a sua obra
poética; com uma
diferença: enquanto o
primeiro esteve quase a
ponto de desistir, o
segundo teve a brilhante e
acertada ideia de
considerar como um
heterónimo mais o autor
dos poemas assinados por
Fernando Pessoa.
“Graduei as influências, conheci as
amizades, [dos heterónimos], ouvi,
dentro de mim, as discussões e as
divergências de critérios, e em tudo
isto me parece que fui eu, criador de
tudo, o menos que ali houve. Parece
que tudo se passou
independentemente de mim. E
parece que assim ainda se passa. Se
algum dia eu pude publicar a
discussão estética entre Ricardo
Reis e Álvaro de Campos, verá como
eles são diferentes, e como eu não
sou nada na matéria.”
A sua personalidade desdobra-se
em seus heterônimos: Alberto Caeiro,
o naturalista da percepção
aparentemente ingénua dos objetos,
Ricardo Reis, classicizante e estoico,
Álvaro de Campos, espetacular e
futurista, Bernardo Soares, autor da
prosa intimista. Além deles, Fernando
Pessoa é, só por si, um grande poeta
do simbolismo e do modernismo,
pela temática da evanescência,
indefinição e insatisfação das coisas e
dos seres, e pela inovação praticada
por entre diversas sendas de
formulação do discurso poético .
“Os Heterónimos” por Almada
Negreiros
O GUARDADOR
DE REBANHOS
Mestre dos heterônimos e do
próprio Pessoa, Caeiro viveu uma vida
pacata no campo, não teve profissão
tampouco educação intelectual. Surge
como um homem de visão ingênua,
instintiva, entregue à infinita variedade
do espetáculo das sensações,
essencialmente as visuais. Em suma,
defende que o real é a própria
exterioridade, que a realidade não
necessita de subjetivismo. E este ponto
de vista reduz as coisas a simples
conceitos. Sua escrita é facilmente
reconhecida.
“ Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.”
Características temáticas Objetivismo; Sensacionismo;
Anti-metafísico;
Panteísmo naturalista (adoração pela
natureza).
O que Nós Vemos
O que nós vemos das cousas são as cousas.
Por que veríamos nós uma cousa se houvesse outra?
Por que é que ver e ouvir seria iludirmo-nos
Se ver e ouvir são ver e ouvir?
O essencial é saber ver,
Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê
Nem ver quando se pensa.
Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!),
Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender
E uma seqüestração na liberdade daquele convento
De que os poetas dizem que as estrelas são as freiras eternas
E as flores as penitentes convictas de um só dia,
Mas onde afinal as estrelas não são senão estrelas
Nem as flores senão flores.
Sendo por isso que lhes chamamos estrelas e flores.
ÁLVARO DE CAMPOS
. Não nos importa tanto o
vanguardismo ideológico e formal
de que faz gala, a sua pretensa
admiração pelas máquinas e a
velocidade, como esse
sadomasoquismo que lhe faz
desejar a sua própria destruição,
como se tivesse que pagar a dívida
de um pecado secreto, e como a
sua capacidade de voltar ao seio do
mundo mítico, no qual a Noite
parece ser a deusa mãe e
misteriosa.
Nascido em Tavira no ano de 189,
Álvaro de Campos, engenheiro
naval, retirou-se cedo para Lisboa
onde levou uma vida ociosa. Um
homem culto, viajante, conhecera o
Oriente e sabia latim. A sua poesia
é a mais tumultuosa dentre a dos
heterônimos. Sendo este o de
personalidade mais nervosa e
emotiva, que por vezes vai até à
histeria. Campos despe a alma de
Pessoa como poucos poetas se
atreveram a fazê-lo
Características temáticas Decadentismo – cansaço, tédio, busca de
novas sensações ;
Futurismo - corte com o passado,
exprimindo em arte o dinamismo da vida
moderna. O vocabulário onomatopaico
pretende exaltar a modernidade;
Sensacionismo - corrente literária que
considera a sensação como base de toda a
arte;
Pessimismo – última fase, vencidismo;
“Começo a conhecer-me. Não existo. Começo a conhecer-me. Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser e
os outros me fizeram,
Ou metade desse intervalo, porque
também há vida...
Sou isso, enfim...
Apague a luz, feche a porta e deixe de
ter barulhos de chinelos
no corredor.
Fique eu no quarto só com o grande
sossego de mim mesmo.
É um universo barato”.
Ricardo Reis
Ricardo Reis de formação clássica
jesuíta, formado em medicina,
monárquico, muda-se para o Brasil.
Segue Caeiro no amor à vida rústica,
junto da natureza. Mas ao contrario do
Mestre, Reis é um ressentido que sofre
e vive o drama da transitoriedade
doendo-lhe o desprezo dos deuses.
Aflige-se com a imagem antecipada da
morte e a dureza do fado, Então, busca
o refugio dum epicurismo temperado
de certo estoicismo. Lúcido e cauteloso
constrói uma felicidade relativa para si,
mista de resignação e moderado gozo
dos prazeres que não comprometam a
seu interior. Seu estilo é densamente
trabalhado e revela seu atributo à
tradição clássica no uso ritmado de
estrofes.
“Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa.
Põe quanto és No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.”
Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.
A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.
Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.
Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.
Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.
Características temáticas Epicurismo - procura do viver do prazer;
Estoicismo - crença de que o Homem
é insensível a todos os males físicos e morais;
Horacionismo - seguidor literário de Horácio;
Paganismo - crença em vários deuses;
Neoclacissismo - devido à educação clássica e
estudos sobre Roma e Grécia antigas;
O POETA VISTO
PELOS SEUS
CONTEMPORÂNEOS
E será, obviamente, uma espécie
de retrato-robot, isto é uma
recolha de indícios e de sinais de
identificação, que nunca poderão
traduzir seu mistério último.
Aliás, que retrato vai até o fim do
mistério humano?
P o r A l m a d a
N e g r e i r o s
De Fernando Pessoa, os artistas plásticos do seu tempo deixaram-nos escassa
documentação iconográfica. Almada Negreiros, seu companheiro do Orpheu
desenhou-o primeiro e pintou-o mais tarde. Suas representações são, na verdade,
retratos insatisfatórios. Nota-se que o notável pintor não chegou a entender toda a
complexidade e profundidade do amigo e companheiro. O desenho que fizera ao
Diário Português, em 1935, é praticamente uma caricatura embora os olhos,
quase ausentes, por detrás dos óculos, lhe deem uma sugestão esfíngica. Os
desenhos do poeta e dos heterônimos deixadas por ele numa das paredes
exteriores da Faculdade de Letras da Cidade Universitária de Lisboa, parecem
caricaturais, ainda mais caricaturais. Sente-se que o tema não apaixonou o grande
poeta.
É interessante e, até mesmo,
fundamental tentar oferecer ao leitor
um retrato tão aproximado quanto
possível desse homem de gênio que
Pessoa veio a ser, mas homem
introvertido, complicado e secreto.
Quanto aos documentos testemunhais de escritores e
essencialmente pelo que foi o melhor amigo de Fernando
Pessoa, isto é, Mario de Sá Carneiro, quase nada dizem a
este respeito as 114 cartas que lhe escreveu de Paris. São,
resumidamente, cartas de discípulo a seu mestre e o seu
tema recorrente é a obra do próprio Sá Carneiro, que
P o r S á C a r n e i r o
duvida de si, apresenta esboços e planos e pede conselhos.
Contudo, até pela admiração incondicional que aqui ou ali manifestava pode-se
perceber a imagem que tinha de Fernando Pessoa. As cartas mostram a
admiração que Sá Carneiro tinha pelo poeta, porém a sua analise perante a obra
de Pessoa é estritamente impiedosa e crítica. Algo que, aparentemente, agradava
o poeta.
P o r O p h é l i a Q u e i r o z A única namorada que teve, contou, em depoimento, o seu
primeiro encontro com Fernando pessoa. Disse que fora
uma situação engraçada e inusitada, pois o conhecera num
escritório onde fora fazer uma entrevista de emprego, este no
qual o poeta trabalhava e, logo de cara, sua fisionomia
chamara a atenção. O chapéu de aba revirada e debruada, os
óculos e o laço no pescoço despertaram em Ophélia uma
grande vontade de rir. Mais adiante, trabalhando lado a lado
com Pessoa, conheceu um homem atencioso, bem
humorado, sobretudo na presença de crianças, porém
excessivamente reservado.
“Repudiei sempre que me
compreendessem. Ser
compreendido é prostituir-se.
Prefiro ser tomado a sério como
o que não sou, ignorado
humanamente com decência e
naturalidade”
O AMOR À PATRIA
Logo na primeira página do
diário íntimo, escrito em inglês,
dizia Fernando Pessoa:
“[...] O meu intenso sofrimento
patriótico, o meu intenso desejo de
melhorar a situação de
Portugal, suscitam em mim mil
projetos... [...] E, depois,
incompreendido. Ninguém
suspeita do meu amor patriótico,
mais intenso do que o de toda a
gente que encontro, de toda a gente
que conheço.”
O poeta chegara a Lisboa três
anos antes, depois de parte da
infância e adolescência passadas na
África do Sul. Ali se sentira
verdadeiramente um exilado não
só em terra alheia, mas também
numa situação familiar que
acentuara as suas tendências para o
isolamento. Com a morte de seu
pai nos primeiros anos de vida, a
mudança do seu país de origem
posterior ao casamento da mãe.
“À minha querida mamã
Eis-me aqui em Portugal
nas terras onde eu nasci.
Por muito que goste delas,
ainda gosto mais de ti.”
Quando jovem compara o amor à mãe
com o amor à Pátria, à nação. Uma
devoção que irá cultivar ao longo de
toda a vida.
Era na pátria atlântica de sua
primeira infância que tinha afinal as
suas raízes, nessa pátria
oniricamegloriosa que o seu
sentimento infeliz de órfão de um
pai ali deixado para trás na “fuga” e
na “traição” da sua mãe, aureolava
um sentimento épico e de mito.
Ali, junto às raízes, procura o
poeta a sua reidentificação, através
da participação num destino
coletivo, a que se sentia pertencer
como nunca pudera pertencer à
África do Sul. Havia sobretudo
uma necessidade vital, uma paixão,
uma obsessão. Tornava-se
imperioso que a pátria lhe
preenchesse inteiramente o vazio
afetivo deixado pela dupla
orfandade tão ressentida.
Sentia dentro de si um amor
patriótico de força desgarradora só
explicável porque Portugal tornava-
se agora, não apenas a terra das
raízes mas também a família de
quem tudo passava a esperar.
E era angustiosa a situação deste
Portugal que reencontrara afligido
de problemas. O seu patriotismo a
partir daqui tornou-se ativo e ate
revolucionário.
A Mensagem
cujas poesias
componentes
Foram escritas
entre 1913 e
1934, é sem
dúvida a obra
prima onde
Pessoa
imprimiu o
seu ideal
patriótico.
. É um poema nacional, uma
versão moderna, espiritualista e
profética
dos Lusíadas. Em suma, é a obra
que manifesta claramente o amor
incondicional do poeta pela
pátria. Sendo esta a única obra
do poeta publicada em vida