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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA INSTITUTO DE ECONOMIA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO A Política de Preços para o Gás Natural no Brasil e seu Impacto sobre a Competitividade e o Desenvolvimento do Mercado Gasífero MARIANA GONÇALVES TANNUS FILGUEIRAS Registro nº: 107393992 ORIENTADOR: Prof. EDMAR LUIZ FAGUNDES DE ALMEIDA Rio de Janeiro Novembro 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA

INSTITUTO DE ECONOMIA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

A Política de Preços para o Gás Natural no Brasil e seu Impacto sobre a Competitividade e o Desenvolvimento do

Mercado Gasífero

MARIANA GONÇALVES TANNUS FILGUEIRAS Registro nº: 107393992

ORIENTADOR: Prof. EDMAR LUIZ FAGUNDES DE ALMEIDA

Rio de Janeiro

Novembro 2009

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A Política de Preços para o Gás Natural no Brasil e seu Impacto sobre a Competitividade e Desenvolvimento do

Mercado Gasífero

MARIANA GONÇALVES TANNUS FILGUEIRAS

Dissertação apresentada ao corpo docente do Instituto de Economia da Universidade Federal

do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de

Mestre em Economia.

Banca Examinadora:

____________________________________________ Prof. Edmar Luiz Fagundes de Almeida

____________________________________________ Prof. Edmilson Moutinho dos Santos

____________________________________________ Prof. João Luiz Simas P. de Souza Pondé

Rio de Janeiro

NOVEMBRO 2009

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Resumo

O objetivo desta dissertação é verificar os impactos que a política de preços praticada no Brasil possui sobre a competitividade do gás natural e o desenvolvimento deste mercado. Tendo em vista as perspectivas positivas para a indústria gasífera no que diz respeito à disponibilidade de oferta no médio e longo prazo, esta dissertação tem como objetivo central tentar responder a seguinte questão: “Da maneira como tem sido praticada atualmente no

Brasil, pode-se afirmar que a política de preços é suficiente para garantir a competitividade

do gás natural frente aos concorrentes?”. A resposta para esta pergunta foi encontrada através da análise das metodologias tradicionais de precificação do gás natural, à luz dos fundamentos microeconômicos, e levando em consideração o histórico de preços praticado no Brasil. Assim, com base nas análises realizadas, concluiu-se que a política de preços brasileira apresenta riscos para a competitividade do gás natural, de forma que se o objetivo da política energética nacional estiver baseado no desenvolvimento do mercado gasífero, a política de precificação do gás natural no país deverá ser revista e apresentar-se mais coerente e adequada frente à realidade da indústria gasífera nacional.

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Abstract

The objective of this dissertation is to examine the natural gas pricing policy in Brazil in order to assess its possible impacts on the competitiveness and development of this particular market. Given the positive outlook for the natural gas supply, our main interest is to assess whether natural gas pricing policies have been effective to ensure its competitivenes. The answer to this question was found by analyzing the traditional methods of pricing of natural gas in light of the microeconomic framework, and taking into account the historical prices. Based on this analysis, we concluded that the prevailing pricing mechanisms in Brazil do not assure necessarily the natural gas competitiveness, so that if the goal of national energy policy is based on the development of the natural gas market, the pricing policy should be reviewed to become more consistent with the present conditions of the gas industry in Brazil.

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer aos meus pais pelo exemplo de vida e apoio incondicional para minha

formação pessoal e profissional. Agradeço ao meu namorado, Luiz Felipe, por todo amor,

dedicação e companheirismo, que foram fundamentais para a conclusão deste trabalho.

Agradeço aos meus amigos pela compreensão nos momentos de ausência e por fazerem parte

da minha vida. Agradeço o apoio dos meus amigos Finepianos, em particular, Ana Czeresnia,

Jacques Cleiman, Marina Szapiro, Patrícia Moura e Ricardo Jabace; e também dos meus

amigos da turma de mestrado 2007, em especial, Max Ferraz e Pedro Guimarães. Gostaria de

agradecer também a colaboração de todos os colegas do Grupo de Economia da Energia.

Ao Professor Edmar Luiz Fagundes de Almeida, muito obrigada pela sua total dedicação e

comprometimento durante o desenvolvimento desta dissertação, assim como pelos

ensinamentos em sala de aula.

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Dedico esta dissertação a minha família e ao meu namorado, Luiz Felipe, pelo carinho e apoio, e a Gabi, por ter tornado a vida de todos nós muito mais feliz.

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INTRODUÇÃO................................................................................................................... 11 CAPÍTULO I – ANÁLISE DAS METODOLOGIAS DE DETERMINAÇÃO DE PREÇOS DO GÁS NATURAL........................................................................................................... 16

I. 1 – Introdução............................................................................................................... 16 I. 2 – Custos na Cadeia do Gás Natural ............................................................................ 17

I. 2. 1 – Custos do Segmento Upstream ........................................................................ 18 I. 2. 2 – Custos do Segmento Downstream.................................................................... 21

I. 3 – Metodologias de Determinação de Preços do Gás Natural e as Estruturas de Mercado........................................................................................................................................ 33

I. 3. 1 – As Metodologias de Precificação do Gás Natural: Cost Plus e Netback Value.. 33 I. 3. 2 – Caracterização do Ambiente e a Lógica de Precificação do Gás Natural .......... 38 I. 3. 3 – Análise acerca das Estruturas de Mercado e das Metodologias de Precificação 44

I. 4 – Política de Preços, Eficiência e Competitividade do Gás Natural............................. 46 I. 4. 1 – Relação entre Preços e Competitividade .......................................................... 47 I. 4. 2 – Relação entre Política de Preços e Eficiência ................................................... 53

I. 5 – Conclusão ............................................................................................................... 59 CAPÍTULO II – O HISTÓRICO DA FORMAÇÃO DE PREÇOS DO GÁS NATURAL NO BRASIL............................................................................................................................... 62

II. 1 – Introdução ............................................................................................................. 62 II. 2 – O Histórico de Preços do Gás Natural no Brasil ..................................................... 63

II. 2. 1 – O Preço Máximo do Gás Nacional ................................................................. 64 II. 2. 2 – O Preço do Gás Importado ............................................................................. 71 II. 2. 3 – O Preço do Gás Natural Destinado ao Programa Prioritário de Termeletricidade..................................................................................................................................... 74

II. 3 – A Política Tarifária das Distribuidoras Brasileiras de Gás Natural.......................... 78 II. 3. 1 – Aspectos Relevantes da Atividade de Distribuição de Gás Natural no Brasil .. 78 II. 3. 2 – As Tarifas de Distribuição de Gás Natural no Brasil....................................... 83

II. 4 – O Papel da Petrobras na Determinação de Preços do Gás Natural........................... 88 II. 4. 1 – Breve Histórico da Participação da Petrobras na Indústria de Gás Natural do Brasil ........................................................................................................................... 88 II. 4. 2 – A Nova Política de Preços da Petrobras.......................................................... 90 II. 4. 3 – A Petrobras e a Política de Preços para o Gás Natural no Brasil ..................... 91

II. 5 – Conclusão.............................................................................................................. 98 CAPÍTULO III – A COMPETITIVIDADE DO GÁS NATURAL NO BRASIL................ 100

III. 1 – Introdução .......................................................................................................... 100 III. 2 – A Competitividade do Gás Natural ao Longo da Cadeia de Formação de Preços no Brasil ............................................................................................................................. 101 III. 3 – Apresentação da Metodologia para a Construção dos Indicadores de Competitividade do Gás Natural..................................................................................... 107

III. 3. 1 – A Metodologia Utilizada para o Segmento Industrial .................................. 111 III. 3. 2 – A Metodologia Utilizada para o Segmento Automotivo .............................. 116

III. 4 – Os Indicadores de Competitividade do Gás Natural ............................................ 118 III. 5 – Conclusão........................................................................................................... 129

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CAPÍTULO IV – ANÁLISE DA ATUAL POLÍTICA DE PREÇOS PARA O GÁS NATURAL NO BRASIL E OS IMPACTOS SOBRE A COMPETITIVIDADE................ 131

IV. 1 – Introdução.......................................................................................................... 131 IV. 2 – Diagnóstico da Atual Política de Preços para o Gás Natural no Brasil e Perspectivas para a Indústria Gasífera Brasileira................................................................................. 132 IV. 3 – Contribuições para o Novo Desenho da Política de Preços do Gás Natural no Brasil...................................................................................................................................... 140 IV. 4 – Conclusão .......................................................................................................... 148

CONCLUSÃO GERAL..................................................................................................... 150 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................ 157

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ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1 - Resumo da Cadeia Produtiva do Gás Natural ....................................................... 17 Figura 2 - Cadeia Produtiva do GNL.................................................................................... 29 Figura 3 - Netback Value...................................................................................................... 35 Figura 4 - Precificação do Gás Natural em Mercados Não Liberalizados.............................. 40 Figura 5 - Precificação do Gás Natural em Mercados Liberalizados ..................................... 43 Figura 6 - Mapa das Concessionárias de Gás Natural no Brasil ............................................ 80 Figura 7 - Cadeia de Formação de Preços do Gás Natural no Brasil ................................... 102 Figura 8 - Composição do Preço do Gás – Uso Industrial (CEGÁS)................................... 103 Figura 9 - Composição do Preço do Gás – Uso Automotivo (CEGÁS)............................... 104 Figura 10 - Categorias das Parcelas que Compõem o Preço do Gás Natural........................ 106

ÍNDICE DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Custos de Transporte: Gás Natural e Petróleo..................................................... 22 Gráfico 2 - Comportamento do Custo Total de um Gasoduto de Transporte ......................... 27 Gráfico 3 - Curva de Custo Médio de Longo Prazo do Gás Natural ...................................... 33 Gráfico 4 - Ponderação do Netback Value ............................................................................ 37 Gráfico 5 - Preço Único do Gás Natural ............................................................................... 55 Gráfico 6 - Efeito do Controle de Preços sobre a Eficiência do Mercado .............................. 56 Gráfico 7 - Preços Diferenciados do Gás Natural ................................................................. 57 Gráfico 8 - Histórico de Preços Médios do Gás Nacional no City Gate................................. 70 Gráfico 9 - Evolução da Importação de Gás Natural no Consumo Nacional ......................... 72 Gráfico 10 - Dispêndio com Importação e Valores Médios do Gás Natural Importado ......... 73 Gráfico 11 - Histórico de Preços Médio do Gás Importado no City Gate .............................. 74 Gráfico 12 - Histórico de Preços do Gás Natural para o PPT ................................................ 76 Gráfico 13 - Histórico de Preços do Gás Natural no Brasil x Preço Brent ............................. 78 Gráfico 14 - Lucro Consolidado Petrobras X Gás e Energia ................................................. 95 Gráfico 15 - Preço de Venda e Compra do Gás Boliviano .................................................... 97 Gráfico 16 - Evolução da Competitividade do Gás Natural (COMGÁS)............................ 105 Gráfico 17 - Tarifas por Faixa de Consumo – (Ago/ 2009) ................................................. 112 Gráfico 18 - Comparação de Preços: Gás Natural x Óleo Combustível (Ago/ 2009)........... 114 Gráfico 19 - Comparação de Preços: Gás Natural x Óleo Combustível (Dez/ 2007) ........... 115 Gráfico 20 - Comparação de Preços: Gás Natural x GLP (Ago/ 2009)................................ 116 Gráfico 21 - Comparação de Preços: Álcool, Gasolina e GNV (Ago/ 2009) ....................... 117 Gráfico 22 - Indicador de Competitividade do Segmento Industrial (Valor Absoluto) ........ 119 Gráfico 23 - Indicador de Competitividade do Segmento Industrial (Valor Relativo) ......... 120 Gráfico 24 - Indicador de Competitividade do Segmento Automotivo (Valor Absoluto)..... 122 Gráfico 25 - Indicador de Competitividade no Segmento Automotivo (Valor Relativo)...... 123 Gráfico 26 - Indicador de Competitividade com Diferencial de Rendimento (Valor Absoluto)

................................................................................................................................... 126 Gráfico 27 - Indicador de Competitividade com Diferencial de Rendimento (Valor Relativo)

................................................................................................................................... 126 Gráfico 28 - Indicador de Competitividade Total (Valor Absoluto) .................................... 127 Gráfico 29 - Indicador de Competitividade Total (Valor Absoluto) .................................... 128

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Gráfico 30 - Projeção da Demanda por Gás Natural no Brasil ............................................ 133 Gráfico 31 - Impactos da Regra de Reajuste sobre o Preço do Gás ..................................... 144 Gráfico 32 - Matriz Energética do Setor de Transporte Rodoviário (2000 e 2007) .............. 146

ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1 - Custos Incorridos na Cadeia do GNL................................................................... 30 Tabela 2 - Combustíveis Concorrentes ao Gás Natural por Setor.......................................... 48 Tabela 3 - Parcelas Referencias de Transporte por Estado .................................................... 68 Tabela 4 - Resumo da Política de Preços do GN no Brasil após 2000 ................................... 77 Tabela 5 - Participação Acionária da Petrobras nas Distribuidoras Estaduais........................ 80 Tabela 6 - Agências Reguladoras Estaduais ......................................................................... 83 Tabela 7 - Resumo dos Contratos de Distribuição ................................................................ 86 Tabela 8 - Fonte de Pesquisa das Tarifas das Distribuidoras ............................................... 110 Tabela 9 - Política Tarifária do Segmento Automotivo....................................................... 124 Tabela 10 - Simulador de Economia do GNV..................................................................... 125

INTRODUÇÃO

O gás natural é um energético que possui um largo número de aplicações, mas que,

entretanto, não possui mercado cativo. Dessa forma, a sensibilidade da demanda é

relativamente alta frente aos movimentos de preços. Ou seja, os consumidores estarão sempre

atentos para possíveis perdas de competitividade do gás que, uma vez identificada, poderá

implicar momentaneamente na perda de um consumidor (caso ele possua um veículo ou

planta industrial flex fuel) ou na perda definitiva (pois, dependendo da intensidade da perda de

competitividade, o consumidor pode optar por converter sua planta ou veículo, caso seja

interessante em termos econômicos).

Por não possuir mercado cativo, a competitividade do gás frente aos substitutos é uma

variável-chave para o desenvolvimento deste mercado. Assim, tem-se que tanto o preço do

gás natural quanto o preço do seu concorrente são variáveis fundamentais para o consumo

deste energético. Neste contexto, a política de preços é de extrema importância,

principalmente quando se trata de indústrias pouco maduras, como a indústria gasífera

brasileira, e quando o objetivo da política energética estiver, de fato, atrelado ao

desenvolvimento do mercado. Neste caso, a política de preços deve ser transparente – o que

pressupõe a definição de regras claras e simples de formação de preços, assim como sua

divulgação para os interessados – e coerente com a realidade da indústria para contribuir com

o desenvolvimento do mercado, dado que os preços não se ajustam apenas via mercado.

A indústria gasífera brasileira pode ser considerada como uma indústria pouco

madura, tanto no que diz respeito ao tempo do seu desenvolvimento, quanto no que se refere à

extensão relativa da sua rede de transporte e distribuição; e marcada pela presença de um

grande player, a Petrobras. A estatal atua de forma integrada na indústria do petróleo, gás e

derivados, sendo responsável por quase a totalidade das reservas, produção e importação de

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gás no Brasil. Além disso, possui participação acionária em 20 das 27 companhias

distribuidoras de gás canalizado.

No âmbito da definição da política de preços para o gás natural no país, existem

basicamente dois atores: o Governo Federal, representado pelo Ministério de Minas e Energia

(MME), e a Petrobras, empresa quase-monopolista do setor e a maior propulsora do

desenvolvimento da indústria gasífera no país. Assim, quando se observa o histórico de

preços, nota-se que mais do que uma política de preços administrados – talvez essencial para

indústrias como a brasileira –, há uma definição de políticas que ora refletem decisões de

governo e ora refletem estratégias empresariais da Petrobras, podendo ser classificada como

uma política híbrida de preços.

Atualmente, a política de preços praticada no Brasil é definida pela Petrobras, que

estabelece tanto as regras de definição do preço commodity quanto as tarifas de transporte. A

autonomia da estatal para definir preços, desde o fim da fase de controle em 2002, tem sido

alvo constante de críticas principalmente das distribuidoras que julgam que a liberdade da

Petrobras para fixar preços tem comprimido suas margens de distribuição, pois sustentada no

seu poder de mercado, a empresa fixa preços sem qualquer regra pré-definida (ANP, 2004).

O país encontra-se saindo de uma situação de escassez de oferta de gás, iniciada em

2006 a partir da crise com a Bolívia, que começou a se alterar a partir do segundo semestre de

2008 por conta da crise internacional. Entretanto, cabe ressaltar que, no médio e longo prazo,

a perspectiva é de que este cenário se altere de forma significativa, evoluindo para uma

situação de alta disponibilidade de gás natural. O PLANGÁS, a importação do GNL e a

descoberta do pré-sal são exemplos de que possivelmente no futuro o Brasil vivenciará um

quadro de grande oferta de gás natural, no qual cogita-se a possibilidade do país tornar-se um

exportador. Por isso, frente a estas perspectivas, talvez este seja o momento mais apropriado

para que a política de precificação do gás natural no país seja repensada.

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No novo contexto, provavelmente haverá gás suficiente para estimular a demanda de

forma racional e sem comprometer o fornecimento de gás no país. Diante deste cenário cabe

questionar: “Será que a política de preços tal como é praticada atualmente será suficiente

para assegurar a competitividade do gás frente aos concorrentes, estimulando a demanda e o

desenvolvimento do mercado gasífero?”. Essa é a pergunta central que esta dissertação busca

responder.

Dessa forma, o principal objetivo desta dissertação é analisar os impactos que a

política de preços para o gás natural atualmente praticada no Brasil possui sobre a

competitividade deste energético e, consequentemente, sobre o desenvolvimento do mercado.

Para isso, será feita uma análise levando em consideração os fundamentos da teoria

microeconômica e as metodologias tradicionais de precificação do gás natural.

Além desta seção introdutória, esta dissertação está dividida em cinco partes. O

primeiro capítulo apresentará o arcabouço teórico desta dissertação, que servirá como

instrumento para identificar os aspectos fundamentais da política de preços no Brasil e

analisar os impactos sobre a competitividade do gás natural. Assim, em um primeiro

momento, serão analisados os custos ao longo da cadeia de produção do gás natural,

destacando as particularidades mais importantes dos segmentos upstream e downstream. Em

seguida, serão apresentadas as metodologias tradicionais de precificação do gás natural, a

saber, o netback value e o cost plus, ressaltando a relação entre as estruturas de mercado, o

ambiente no qual a indústria está inserida e a metodologia mais adequada. Por fim, neste

capítulo, serão discutidas as relações existentes entre a política de preços, a eficiência e a

competitividade do gás natural.

No segundo capítulo será apresentado o histórico de formação de preços do gás natural

no Brasil. Dessa forma, serão apresentadas as regras de precificação, assim como sua

evolução ao longo do tempo, para a determinação do preço do gás nacional, do gás importado

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e do gás destinado para as termelétricas. Em seguida, será analisada a política tarifária das

companhias distribuidoras locais (CDLs) de gás canalizado, com ênfase nas margens de

distribuição, que se configuram como uma variável importante no que diz respeito à

determinação da competitividade do gás. Ainda neste capítulo, será apresentada a participação

da Petrobras na indústria brasileira de gás natural e o seu importante papel sobre a

determinação de preços.

Tendo em vista que a demanda por gás natural relaciona-se não apenas com o processo

de formação de preços ao longo da sua cadeia, como também com o comportamento de

preços dos energéticos substitutos, o terceiro capítulo terá como objetivo analisar a

competitividade do gás frente aos concorrentes no segmento industrial e automotivo,

responsáveis respectivamente por 53% e 15% do consumo final de gás em 2007 (BEN, 2008).

Em um primeiro momento, será analisada a competitividade do gás natural ao longo da cadeia

de formação de preços, buscando identificar os seus principais determinantes. Em seguida,

serão apresentadas as metodologias utilizadas para a construção dos indicadores de

competitividade do gás, que posteriormente serão analisados.

O quarto capítulo analisará a relação existente entre a política de preços praticada no

Brasil e seus impactos sobre a competitividade do gás natural e, consequentemente, sobre o

desenvolvimento do mercado e sua maior inserção na matriz energética nacional, à luz da

contribuição dos assuntos discutidos nos demais capítulos. Será apresentado um diagnóstico a

respeito da política de preços e as perspectivas para a indústria gasífera brasileira, destacando

a necessidade de se repensar sobre a política de precificação atualmente adotada. Assim, será

feita uma análise crítica acerca da política de preços praticada no país, assim como seus riscos

e impactos sobre o nível de competitividade do gás natural. A partir das variáveis que

compõem o preço ao consumidor final e do histórico brasileiro recente de definição de preços

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tentar-se-á oferecer algumas reflexões acerca do desenho de uma nova política de preços. Por

fim, na quinta parte desta dissertação serão expostas as considerações finais.

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CAPÍTULO I – ANÁLISE DAS METODOLOGIAS DE DETERMINAÇÃO DE

PREÇOS DO GÁS NATURAL

I. 1 – Introdução

A entrada de gás natural em um determinado mercado depende, em grande medida, do

seu preço relativo frente aos energéticos substitutos. Logo, a discussão em torno da política de

preços adotada, assim como as discussões acerca das consequências sobre a competitividade,

dos impactos sobre a eficiência e dos níveis de preços estabelecidos, são de extrema

importância para a formação do mercado gasífero. O gás natural é uma fonte energética que

não possui mercado cativo e sua demanda é relativamente elástica em relação ao preço. Dessa

forma, a demanda por gás varia conforme sua competitividade frente aos substitutos. Por

conta disso, as regras de precificação do gás natural geralmente associam o preço do gás aos

energéticos substitutos, na maioria das vezes, ao óleo combustível.

O objetivo deste capítulo é analisar as metodologias de precificação do gás natural e

verificar seus efeitos sobre o grau de competitividade deste energético. Assim, este capítulo

divide-se em cinco seções, considerando esta seção introdutória. Na segunda seção, serão

analisados os custos presentes ao longo da cadeia de produção do gás natural. Em seguida, na

terceira seção, serão discutidas as principais metodologias de precificação do gás natural

(netback value e cost plus), levando em consideração o ambiente no qual a indústria gasífera

se encontra. Na quarta seção, será abordada a relação existente entre a política de preços, a

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eficiência e a competitividade do gás natural. Na quinta seção, por fim, serão expostas as

conclusões deste capítulo.

I. 2 – Custos na Cadeia do Gás Natural

A cadeia do gás natural divide-se em dois segmentos. O primeiro segmento, conhecido

como upstream, compreende as atividades referentes à exploração e produção (E&P) do gás

natural; já o segundo, chamado de downstream, abrange as atividades de processamento,

transporte e distribuição, conforme sintetizado na Figura 1 abaixo.

Figura 1 - Resumo da Cadeia Produtiva do Gás Natural

Fonte: Elaboração própria

Embora apresentem particularidades muito específicas, vale ressaltar que cada uma

das atividades compreendidas nos segmentos upstream e downstream está inter-relacionada

com as demais e os investimentos nestes segmentos possuem alto grau de interdependência.

Ou seja, a decisão de investir no segmento upstream dependerá do volume de investimentos

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na infra-estrutura de transporte e distribuição do gás e, portanto, do nível de desenvolvimento

do mercado.

Os custos do gás natural, grosso modo, compõem-se de custos referentes ao produto

(commodity) e à infra-estrutura. Essas funções de custos possuem características distintas, de

forma que para estudar as metodologias de precificação do gás natural é importante

compreender bem essas diferenças.

I. 2. 1 – Custos do Segmento Upstream

O gás natural é uma mistura de hidrocarbonetos que se encontra acumulado em rochas

porosas no subsolo, constituindo reservatórios naturais. Por possuírem características muito

similares, as tecnologias utilizadas na E&P do gás são bastante parecidas com aquelas

empregadas na E&P do petróleo, de modo que a prospecção do petróleo e do gás natural pode

ser desenvolvida em conjunto, propiciando a produção dos dois compostos ao mesmo tempo

pela mesma empresa. Por conta disso, as atividades do segmento upstream em geral são

realizadas por empresas petrolíferas. Quando o gás não se encontra associado ao petróleo, a

similaridade entre esses hidrocarbonetos muitas vezes possibilita que as empresas de petróleo

diversifiquem suas atividades e explorem também o gás natural.

As atividades de E&P iniciam-se a partir dos estudos geológicos e geofísicos que, uma

vez concluídos, indicam se haverá continuidade do processo de exploração com o objetivo de

descobrir petróleo e gás natural. A confirmação da existência ou não desses hidrocarbonetos

somente ocorrerá após a perfuração dos poços que serão submetidos às análises de viabilidade

técnica e econômica. Se, após os testes de produção, for confirmado que o óleo e gás

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encontrados possuem viabilidade, dá-se início à fase de produção, na qual o gás será separado

das demais substâncias.

Dessa forma, as atividades referentes à E&P demandam grandes investimentos em

pesquisa e desenvolvimento, pois requerem a utilização de ativos com alto grau de

especificidade e, portanto, possuem custos muito elevados. As etapas compreendidas nesse

segmento são determinantes para a continuidade ou não das atividades ao longo da cadeia do

gás, de forma que seu retorno não está garantido caso o volume de gás descoberto não seja

economicamente viável (Laureano, 2005).

Quando o gás natural se encontra associado ao petróleo, o seu custo de produção não é

tão significativo quando comparado aos custos de processamento e transporte, pois grande

parte do volume de investimento necessário para viabilizar a produção de gás natural será

remunerada pela produção de petróleo – produto com maior valor intrínseco. Ou seja, os

esforços empreendidos na pesquisa e prospecção do gás associado são compartilhados com o

petróleo. Sendo assim, o custo final do gás associado refletirá em grande medida os seus

custos de tratamento e escoamento.

A empresa responsável por explorar uma determinada reserva que contenha gás

associado pode ou não optar por produzir o gás natural, tendo em vista que o seu principal

objetivo é explorar petróleo que é economicamente mais atrativo. Essa decisão, conforme já

mencionado, baseia-se nas análises de viabilidade técnica e econômica. Caso o custo de

produção do gás associado não seja viável técnica e/ ou economicamente, a empresa pode

optar por reinjetar o gás no poço ou então até mesmo queimá-lo.

No entanto, os governos que incentivam o uso de gás natural1 – seja por razões

ambientais ou por uma questão de diversificação da matriz energética – podem aplicar multas

1 É válido ressaltar que a legislação ambiental de muitos países tem restringindo cada vez mais a queima de gás nas plataformas de produção.

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àqueles que não produzirem o gás associado. Desse modo, a empresa pode deparar-se com um

trade-off entre produzir, obtendo prejuízo, e não produzir, incorrendo em multas. Por conta

disso, o custo de oportunidade do gás associado pode tornar-se negativo, ou seja, a opção de

não produzir pode se apresentar desvantajosa para o produtor, que poderá preferir obter

prejuízos em função da E&P do gás associado do que incorrer no pagamento de multas.

O custo de produção do gás não-associado geralmente é mais elevado quando

comparado com o custo de produção do gás associado, pois todas as etapas de pesquisa e

avaliação serão desenvolvidas apenas para explorar e produzir o gás natural, de modo que os

custos referentes a essas etapas não serão compartilhados com o petróleo. Todos os esforços

característicos de E&P (estudos geológicos e geofísicos, prospecção, perfuração para testes,

etc.) devem ser empreendidos para viabilizar apenas a produção de gás.

Pelo fato do gás natural ser uma fonte de energia não renovável, sua exploração

relaciona-se intimamente com o custo de oportunidade de produção ao longo do tempo e com

a existência da renda econômica no mercado – assim como o petróleo, o gás natural possui

um alto valor intrínseco e estratégico. Ou seja, a exploração de gás natural é uma atividade

que gera renda econômica (renda gasífera2) acima dos lucros normais das atividades

industriais e as repartições de tais rendas podem ou não ser repassadas às demais atividades

(Laureano, 2005).

Deste modo, a etapa de produção do gás natural deve ser vista com muita atenção, pois

são geradas rendas gasíferas, as quais podem gerar ineficiência quanto a sua alocação. Pinto

Jr. et al. (2007) ressaltam que a possibilidade de aferição de renda pura (renda mineral) dá

margem à prática de subsídio cruzado entre o segmento de produção, transporte e distribuição

e também destaca que a dinâmica da indústria do gás depende tanto da formação e

2 A renda gasífera pode ser definida como o valor do preço final ao consumidor, subtraídos os custos referentes à exploração, transporte, estocagem e liquefação/ regaseificação do gás quando houver (Percebois 1989 apud Soares 2004).

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apropriação de rendas econômicas quanto das condições de monopólio natural observadas em

indústrias de rede.

Em função disso, as atividades upstream são geralmente reguladas pelo governo – por

meio do regime de concessões para exploração ou por meio do pagamento de royalties3 – ou

até mesmo exploradas pelo próprio governo através de empresas estatais, como ocorre na

Arábia Saudita e no México (Pinto Jr. et al., 2007).

I. 2. 2 – Custos do Segmento Downstream

A atividade de transporte é responsável por conduzir o gás natural do ponto de

produção ao city gate – ponto onde o gás natural a alta pressão é entregue para ser distribuído

pelas companhias distribuidoras locais (CDLs). A viabilização do consumo de gás natural

demanda uma grande infra-estrutura de transporte e distribuição e, por conta disso, este é um

elo da cadeia produtiva do gás que possui implicações diretas no desenvolvimento do

mercado gasífero.

“Understanding gas market requires an understanding of gas transportation, which

to a large extent determines the market’s characteristics. (…) its gaseous form

implies a number of physical requirements that the transportation infrastructure

cannot neglect. The resulting characteristics of gas transportation – high investment

costs, high degree of inflexibility and significant economies of scale – create a

different market dynamic from that of oil and have led to a different institutional

history” (IEA, 1994, p. 2).

A parcela de preço do gás natural relativa ao transporte e à distribuição é muito

significativa no preço final, pois os custos dessa infra-estrutura podem representar de 50% a

3 O pagamento dos royalties é realizado mensalmente pelos concessionários, como forma de compensação financeira em relação a cada campo, e este pagamento tem início no mês em que começa a produção. Os royalties são distribuídos entre Estados, Municípios, Comando da Marinha do Brasil, Ministério da Ciência e Tecnologia e um Fundo Especial, administrado pelo Ministério da Fazenda.

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70% dos custos totais do gás para o consumidor. A relevância desses custos está intimamente

relacionada com a expansão da indústria gasífera, muitas vezes condicionando-a à existência

de consumidores concentrados espacialmente, para garantir que os elevados investimentos em

infra-estrutura sejam remunerados (Alveal e Almeida, 1999).

O Gráfico 1 abaixo compara os custos de transporte do gás natural e do petróleo, de

forma que é possível notar a importância que os aspectos referentes ao transporte possuem

para a indústria de gás natural. Em função dessa característica, diversos esforços são

empregados no sentido de reduzir os custos do segmento downstream, de modo que existem

basicamente três opções tecnológicas4 distintas para o transporte: (i) transporte de gás natural

por dutos; (ii) transporte de gás natural liquefeito (GNL) e (iii) transporte de gás natural

comprimido (GNC).

Gráfico 1 - Custos de Transporte: Gás Natural e Petróleo

0

1

2

3

4

5

6

800 1600 3200 4800 6400 8000

GN Gasoduto (offshore)

GN Gasoduto (onshore)

GNL

Óleo (Dutos)

Óleo (Tanques)

Km

US$

/ M

ilhõ

es d

e B

TU

Fonte: Elaboração própria a partir da IEA (1994)

4 Uma nova alternativa para transportar o gás natural que vem sendo desenvolvida é o Gas to Liquids (GTL). Essa tecnologia permite converter o gás natural em derivados líquidos, facilitando o transporte e reduzindo seus custos. No entanto, essa alternativa tecnológica implicará em outros custos como, por exemplo, o de construir plantas de conversão do gás.

23

O segmento downstream possui características particulares às indústrias de infra-

estrutura e, assim, configura-se como uma indústria de rede, demandando elevados

investimentos em sua fase inicial de desenvolvimento. As redes podem ser definidas como um

conjunto de lugares geográficos interligados, os quais compõem um sistema formado por

inter-relações entre os agentes econômicos. Dessa forma, as redes exploram e beneficiam-se

da multiplicidade de relações transacionais existentes entre os diversos agentes que se

encontram nos diferentes nós, envolvendo um princípio de organização espacial e territorial

(Pinto Jr. e Fiani, 2002).

Em linhas gerais, pode-se destacar algumas características básicas pertinentes a essas

indústrias, a saber, necessidade de equilíbrio instantâneo entre oferta e demanda, devido às

dificuldades técnicas referentes à estocagem; imprevisibilidade da demanda; existência de

economia de escopo; alto grau de especificidade dos investimentos; presença de economias de

escala no que se refere ao transporte e distribuição, que são segmentos tradicionais de

monopólio natural; existência de externalidades5; articulação em torno da infra-estrutura

necessária para escoar o fluxo de produtos/ serviços e, por fim, flexibilidade restrita, do ponto

de vista do consumidor, em função da extensa rede de interconexões fixas (Dias e Rodrigues,

1997 e Pinto Jr. e Fiani, 2002). Assim, as indústrias de infra-estrutura em rede constituem-se

como um caso especial de monopólio natural.

“If production is characterized by economies of scale everywhere, then average cost

is declining with output, and it is always less costly for one firm to produce any

given output than split the output up among several firms. Therefore, when average

cost falls with the output, there is a natural monopoly” (CARLTON e PERLOFF, 1989, p.114).

5 A externalidade em rede implica que o benefício de um usuário da rede dependerá do número de usuários ligados à rede.

24

A atividade de transporte de gás é caracterizada pela existência de elevados custos

fixos (CF) e custos marginais6 (CMg) pequenos. Ou seja, a tecnologia e a infra-estrutura

necessária para o escoamento do gás natural implicam em custos fixos muito elevados (como,

por exemplo, a construção e manutenção da rede de gasodutos), contudo, os custos marginais

são reduzidos. Uma vez que a malha de gasodutos necessária para transportar o gás já está

instalada, o custo operacional é baixo e, então, transportar quantidades adicionais de gás não

impactará tanto a curva de custos (Varian, 2000).

Por se tratar de um caso de monopólio natural, a estrutura de custos referente à

atividade de transporte caracteriza-se pela existência de economias de escala em todos os

níveis da faixa de produção relevante, pois a escala mínima de eficiência7 (EME) é tão grande

que supre todo o mercado (Pinto Jr. e Fiani, 2002).

“(...) transportation costs for natural gas are high and, hence, large-scale

operations are important to realize investments in bringing gas to the market. The

advantages of large-scale operation and vertical integration imply that few

companies operate as gas transporters in any gas market” (AUSTVIK, 2003, p. 14).

Dessa forma, apenas uma única firma atua nesse mercado, sendo responsável pela

montagem de toda a infra-estrutura e capacidade de transporte, pois a atuação de mais de uma

empresa gerará ineficiência na indústria.

Austvik (1997) destaca que, enquanto o transporte de gás se caracterizar como

monopólio natural, com fortes elementos de economias de escala e escopo, o seu

comportamento e a prática de preços deverão ser regulados pelas autoridades públicas. O

6 A curva de CMg mede a variação no custo total para uma dada variação na produção. Assim, CMg decrescente significa que a produção de uma unidade adicional implicará em um aumento proporcionalmente menor nos custos totais. Tendo em vista o horizonte de longo prazo, o CMg decrescente significa que o custo para fornecer uma unidade suplementar do produto diminui devido à expansão da capacidade de produção (Varian, 2000).

7 A comparação entre a EME e o tamanho do mercado determina a quantidade de empresas que devem operar na indústria. A EME é o nível da planta onde todas as economias de escala possíveis são exauridas e, portanto, representa a menor quantidade de produto que minimiza a curva de custo médio de longo prazo (CMeLP). Em situações de monopólio natural, a EME é tão grande que, para que haja eficiência na indústria, há espaço apenas para uma empresa atuar (Iootty e Szapiro, 2002).

25

autor ainda afirma que não é possível alcançar o nível de eficiência existente em ambientes

competitivos apenas removendo a barreira à entrada de novos agentes, pois se a eficiência no

que diz respeito ao transporte é atingida quando uma ou poucas firmas estão atuando, estas

trabalham no sentido de aumentar a eficiência e a entrada de novos atores poderá aumentar os

custos operacionais e representar um desperdício de recursos.

(i) Transporte de Gás Natural por Dutos

O principal papel do transporte via dutos é assegurar uma oferta ininterrupta de gás a

um determinado fluxo e pressão, do ponto de produção ao ponto de entrega, que normalmente

é a entrada para um sistema de distribuição local. Os gasodutos movimentam grande volume

de um produto que apresenta baixa densidade energética8, o que implica em consequências

relevantes para o desenvolvimento dessa atividade, como elevados custos de investimento,

baixa flexibilidade e grandes economias de escala (IEA, 1994).

A questão da baixa densidade energética do gás natural pode acarretar em elevados

custos de transporte para grandes distâncias e de distribuição para os consumidores finais

(Pinto Jr. et al., 2007). As economias de escala no transporte a longa distância são ainda mais

relevantes, pois a proporção dos CFs sobre os custos totais de transporte é muito elevada.

Segundo a OCDE (2000), o transporte de gás natural por meio de gasodutos é viável em

termos econômicos para distâncias de até 6 mil km.

O custo incorrido na construção de um gasoduto é determinado em função da sua

extensão, das condições de localização e do volume a ser transportado. Os custos associados 8 Um metro cúbico de gás natural ocupa um volume cerca de mil vezes superior à energia na forma de petróleo (Pinto Jr. et al., 2007) e conforme a IEA (1994), “It is this low energy density that makes transportation such a

demanding and critical link in the gas chain” (p. 31).

26

ao investimento em tubulações de transporte e distribuição são divididos em custo de material

(custo dos tubos, que são proporcionais ao diâmetro, e custo das estações de recompressão),

custo com obras civis (compreendem os custos referentes à preparação do terreno, à

desapropriação da área de servidão por onde passará o gasoduto e às obras necessárias para a

montagem – escavação, assentamento das tubulações, soldagem, aterramento e recuperação

do local) e custos diversos (como o custo de revestimento dos dutos) (Pinto Jr. et al., 2007;

Soares, 2004).

Os custos de montagem e de desapropriação da área representam de 50% a 60% dos

custos totais de transporte, variando apenas conforme a distância percorrida e não com o

volume transportado, o que caracteriza a existência de economias de escala. Assim, Pinto Jr.

et al. (2007) destacam que a redução dos custos médios de transporte implica na maximização

dos volumes transportados. Os custos anuais de manutenção e operação correspondem a 2%

dos custos totais de construção e os custos operacionais dos compressores correspondem a

0,3% do total de gás transportado. Isto posto, torna-se claro que no âmbito da atividade de

transporte de gás natural, “(...) os custos de investimento são significativamente maiores do

que os custos operacionais e de manutenção” (PINTO JR. et al., 2007, p. 238).

As estações de recompressão são uma alternativa para solucionar a recomposição das

perdas de carga que ocorrem no decorrer do processo de transporte do gás natural. Outra

alternativa que se apresenta para reduzir as perdas de gás durante o transporte é o aumento do

diâmetro do duto. Existe, portanto, um trade-off econômico entre o investimento em

tubulações e o investimento em estações de recompressão, representado no Gráfico 2 abaixo,

onde (CT) corresponde ao custo total de transporte em um gasoduto, (CΦΦΦΦ) ao custo fixo da

tubulação e (C∆∆∆∆h) ao custo variável de recompressão.

27

Gráfico 2 - Comportamento do Custo Total de um Gasoduto de Transporte

CT = CΦ + C∆h

C∆h

Custo de Transporte

Capacidade do Gasoduto

Fonte: Hafner e Nogaret (1995) apud Soares (2004)

Em relação a esse trade-off, Pinto Jr. et al. (2007) destacam que ele se dá entre a opção

de incorrer em um menor custo de capital – devido à construção e montagem de dutos com

diâmetros menores – e a opção de incorrer em custos operacionais maiores – relativos à

instalação de uma maior capacidade de compressão, necessária à manutenção da mesma

vazão. No entanto, ressaltam que:

“(...) o aumento da capacidade do duto reduz o custo médio de capital, explicitando

as economias de escala latentes nessa atividade, ao passo que o aumento da

capacidade das estações de compressores não reduz significativamente o custo

médio de capital dessas unidades. Ou seja, os dutos apresentam economias de

escala, já os compressores não apresentam essas economias de forma significativa” (PINTO JR. et al., 2007, p. 238).

De acordo com Hafner e Nogaret (1995) apud Soares (2004), o custo mínimo de

transporte ocorre quando as seguintes condições são atendidas: manutenção de um diâmetro

constante ao longo do gasoduto; manutenção do espaçamento regular entre as estações

recompressoras; e operação a uma taxa de recompressão uniforme ao longo do percurso, com

exceção do ponto de entrada. É válido destacar que o custo de tranporte por dutos também

depende do perfil de consumo, de modo que quanto mais pulverizados estiverem os

consumidores, maiores serão os custos de transporte do gás natural, que por sua vez podem

reduzir a competitividade do gás frente aos combustíveis concorrentes. Isso ocorre em função

28

da tecnologia de transporte de gás natural via dutos possuir certo caráter de rigidez no que se

refere à integração espacial (Pinto Jr. et al., 2007).

Por fim, cabe ressaltar que para explorar as economias de escala e minimizar os custos

operacionais, o gasoduto deve ser projetado para operar inicialmente com capacidade ociosa,

pois o CMg de expansão da rede tende a ser menor nos casos em que o gasoduto é duplicado

do que nos casos onde o aumento da capacidade de transporte se dá a partir da construção de

novos gasodutos. Assim, observa-se que os custos incrementais de expansão do gasoduto

tendem a ser inferiores aos custos de instalação da capacidade inicial.

(ii) Transporte de Gás Natural Liquefeito (GNL)

O GNL se apresenta como uma alternativa ao transporte por meio de gasodutos,

quando as condições necessárias de infra-estruturas não estão presentes, seja por razões

técnicas ou econômicas. Para obter o GNL, o gás natural é submetido a uma abrupta redução

de temperatura (160° negativos), passando para a fase líquida9. Este processo reduz o volume

do gás em 600 vezes, viabilizando o transporte de grandes quantidades do produto. O

transporte do GNL envolve um grau de complexidade maior do que o anteriormente

analisado, pois a cadeia produtiva do GNL demanda unidades de resfriamento e liquefação,

navios metaneiros e unidades de regaseificação (unidades responsáveis pela chegada do gás

natural ao mercado).

9 A primeira carga de GNL foi transportada em 1959 dos Estados Unidos para Inglaterra. No início da década de 1960 foi construída a primeira unidade de GNL na Argélia e no final dessa mesma década foi construída a unidade do Alasca que iniciou o abastecimento para o Japão – atualmente, o maior consumidor de GNL no mundo, absorvendo cerca de 60% da produção mundial.

29

Figura 2 - Cadeia Produtiva do GNL

Fonte: GasNet

Dessa forma, nota-se que essa cadeia envolve ativos ainda mais específicos,

demandando investimentos mais elevados e CFs muito significativos. Por conta dos elevados

custos de capital, as plantas de GNL são somente construídas onde o mercado para este

produto é garantido (IEA, 1994). Em 2006, a GasNet publicou uma estimativa dos custos10

incorridos ao longo da cadeia do GNL, tomando como exemplo uma planta com capacidade

de produção de 7 milhões de toneladas por ano. Assim, a GasNet encontrou os seguintes

resultados sintetizados abaixo:

• Custos de Exploração: um projeto GNL não pode consumir gás cujo custo de

exploração ultrapasse US$ 1,00/ milhão de Btu. No entanto, os custos de

exploração de gás para a planta de produção analisada em questão variam entre

US$ 1 e 2 bilhões.

• Unidades de Liquefação: atualmente, a instalação de uma unidade de liquefação

com a capacidade determinada no exemplo custa US$ 1,92 bilhões. 10 A publicação da GasNet refere-se a uma estimativa de custos para o GNL. No entanto, cabe ressaltar que os custos referentes à cadeia do GNL podem variar de forma significativa de acordo com outros fatores, tais como: o preço no mercado de petróleo, o preço dos equipamentos e a existência ou não da infra-estrutura dos portos em determinados locais ou países.

30

• Navios: o custo de uma unidade de navio atualmente encontra-se em torno de US$

175 milhões.

• Terminal de Regaseificação: os custos necessários para a construção do terminal

de regaseificação variam conforme a capacidade de estocagem. No caso tomado

como exemplo, o terminal para uma planta de 7 milhões de toneladas de GNL por

ano custaria mais de US$ 1 bilhão.

Tabela 1 - Custos Incorridos na Cadeia do GNL Atividade Custos (US$ bilhões)

Custos de Exploração 1,50Unidade de Liquefação 1,92Navios (8) 1,40Terminal de Regaseificação 1,00Total 5,82

Fonte: GasNet

A produção, transporte e regaseificação do GNL exigem elevados investimentos e

também perdas significativas, entre 10% e 15% durante o processo – quantidade muito

superior à perda envolvida no transporte por dutos, cerca de 1% ou 2%. Assim, o GNL fica

restrito às situações nas quais o transporte via gasoduto não possui viabilidade técnica ou

econômica. Utilizando a tecnologia atual, a partir de 4 mil quilômetros os custos de um

sistema GNL são compatíveis com o transporte por gasodutos (GasNet).

Tendo em vista essas características, geralmente os processos inovativos se

direcionam na tentativa de explorar as economias de escala em todas as fases da cadeia do

GNL. Com vistas a reduzir os custos de investimento da capacidade instalada, por exemplo, a

capacidade das unidades de liquefação – que correspondem a uma parcela considerável dos

investimentos na cadeia do GNL – tem aumentado com o passar dos anos (Pinto Jr. et al.,

31

2007). Da mesma forma, a capacidade de transporte dos navios metaneiros11 vem aumentando

e revelando economias de escala significativas. O desenvolvimento de plantas GNL

embarcadas é uma alternativa que reduz as especificidades dos ativos envolvidos na cadeia de

produção do GNL e também permite maior flexibilidade, uma vez que estas podem viabilizar

a comercialização do GNL em diferentes mercados.

Santos et al. (2002) destacam que, em função da expansão mundial da indústria de gás

natural recentemente observada, tem-se verificado uma considerável ampliação das cadeias

GNL – “The fast growing trade on LNG is regarded by some as a factor that will lead to the

creation of a global gas market” (Energy Charter Secretariat, 2007, p. 101). Contudo, é

importante destacar que, além dos esforços tecnológicos empreendidos no sentido de reduzir

os custos ao longo da cadeia do GNL, é fundamental analisar fatores como a localização da

jazida, as distâncias percorridas, a escala da produção e as características do mercado alvo

(Soares, 2004).

(iii) Transporte de Gás Natural Comprimido (GNC)

A partir da tecnologia GNC, o gás natural é submetido a uma alta taxa de compressão,

reduzido seu volume em cerca de 200 vezes, de modo que este pode ser transportado em

cilindros especiais até ser transferido para o ponto de descarregamento (seja estocagem ou

gasoduto) com pressões inferiores. O fato do GNC permanecer no estado gasoso faz com que

seja desnecessário os elevados investimentos referentes às plantas de liquefação e

regaseificação.

11 Embora apresente melhorias significativas no que diz respeito ao aumento de capacidade de transporte, Pinto Jr. et al. (2007) destacam que o desenvolvimento dos navios metaneiros esbarra nos gargalos tecnológicos da infra-estrutura portuária das plantas de regaseificação do GNL.

32

A capacidade das embarcações para o transporte de GNC varia de 6 a 15 milhões de

m3 e seu custo estimado está entre US$ 100 milhões e US$ 120 milhões, representando 90%

do custo total desta cadeia produtiva (Schechtman, 2005). O número de embarcações

necessárias para garantir o abastecimento ininterrupto dependerá da distância em relação à

área de produção. O custo de transporte varia entre US$ 0,50 e US$ 1,20 por milhão de Btu,

conforme a distância e o volume transportado.

O GNC, portanto, é uma opção para o abastecimento de regiões desprovidas de infra-

estrutura de redes de distribuição de gás canalizado. Essa alternativa tecnológica tem sido

utilizada em pequena escala para atender a demanda de algumas indústrias e para atender a

situações bem específicas, como por exemplo, diante da interrupção do fornecimento dos

gasodutos, da necessidade de atendimento de demanda de pico, do aproveitamento de

pequenos campos de gás em terras distantes dos gasodutos, etc. (Pinto Jr. et al., 2007; Soares,

2004).

Tendo em vista toda a exposição referente aos custos incorridos na cadeia do gás

natural e o elevado nível de representatividade dos custos do segmento downstream sobre os

custos totais – que representam em média 2/ 3 dos custos totais da cadeia – pode-se afirmar

que a indústria de gás natural configura-se como um exemplo de indústria de rede, possuindo

CMg decrescente em função das grandes economias de escala intrínsecas às atividades de

transporte e distribuição. Os elevados CFs das indústrias de rede não aumentam na mesma

proporção que a produção, resultando em uma curva de CMeLP decrescente. O Gráfico 3

abaixo ilustra a curva de CMeLP, cujo comportamento é determinado pelo CMg de expansão

da rede decrescente.

33

Gráfico 3 - Curva de Custo Médio de Longo Prazo do Gás Natural

Custos

Volume de GNEME

CMeLP

Fonte: Elaboração própria a partir do Varian (2000)

Portanto, devido ao elevado volume de investimento na infra-estrutura de rede para

dar início às atividades da cadeia gasífera há uma tendência de existirem apenas poucos

players nessa indústria, os quais geralmente se caracterizam como grandes atores, com

elevado poder de mercado e de barganha. Logo, quando a indústria gasífera é pouco

desenvolvida, os altos custos de investimento inviabilizam a concorrência, de forma que as

grandes empresas são responsáveis por montar a estrutura necessária para o seu

desenvolvimento.

I. 3 – Metodologias de Determinação de Preços do Gás Natural e as Estruturas de

Mercado

I. 3. 1 – As Metodologias de Precificação do Gás Natural: Cost Plus e Netback Value

34

A lógica de definição de preços para o gás natural deve atender, em linhas gerais, a

duas restrições básicas: i) remunerar os investimentos referentes à infra-estrutura realizados

pelos produtores e transportadores de gás e à cobertura dos custos de regaseificação (quando

se tratar de GNL), estocagem e distribuição incorridos pelos distribuidores de gás; e ii)

substituir de maneira competitiva as fontes de energia utilizadas (Percebois 1989 apud Soares

2004).

A determinação de preços ao consumidor final ocorre geralmente por meio de duas

metodologias de cálculo distintas. A primeira metodologia, conhecida como cost plus,

constitui-se em uma agregação de custos ao longo da cadeia e pode ser definida como:

“A pricing approach which is based on covering costs incurred, inclusive of

investment, operating and financing costs and risk compensation, plus eventually a

premium, regardless of the market value determined by demand” (ENERGY CHARTER SECRETARIAT, 2007).

De acordo com essa abordagem, o preço do gás ao consumidor final corresponderá ao

seu custo de aquisição, somado a um mark up sobre os demais custos, isto é, a uma taxa

mínima de retorno sobre o capital investido. Formalizando, P = P (commodity) + P (transporte) + µµµµD.

Ou seja, essa metodologia leva em conta a “ótica do produtor”, segundo a qual é estabelecido

um preço mínimo de venda que corresponde à soma dos custos incorridos pelas CDLs até o

momento da oferta do gás natural. Essa abordagem exerce uma pressão competitiva indireta,

que irá depender da taxa de retorno estabelecida, sendo mais adequada para contextos nos

quais o gás seja abundante e esteja localizado próximo aos locais de consumo (Soares, 2004).

A segunda metodologia, conhecida como netback value, tem como pano de fundo a

“ótica do consumidor”, segundo a qual o preço de compra é estabelecido de acordo com o

preço máximo que os consumidores estão dispostos a pagar para consumir o gás natural e não

um combustível substituto. Ou seja, leva-se em consideração a disposição do consumidor para

substituir o energético tradicionalmente empregado tendo em vista a competitividade

35

econômica do gás e a equivalência energética. O preço do gás é determinado em função do

perfil de demanda do consumidor e em função dos custos de utilização de outros

combustíveis.

O netback pode ser calculado em diversas etapas da cadeia do gás, como no ponto de

consumo e no ponto de transmissão ou fronteira – neste caso, quando o gás for importado. Em

cada etapa da cadeia, são retirados os custos de distribuição, transmissão, estocagem e

impostos, assim como também são retiradas margens de lucros das empresas transmissoras e

distribuidoras. A precificação através do netback value garante um retorno mínimo para as

empresas envolvidas na indústria do gás, possibilitando, assim, um aumento da participação

do gás no mercado energético.

Figura 3 - Netback Value

Consumidor Final

Distribuidor

Transportador

Produtor

PD = Preço calculado

com base em

energéticos

concorrentes.PT = PD menos

custos e mark up

da distribuidora.

PP = PT menos

custos e mark up

da transportadora.

Fonte: Elaboração própria

No ponto de consumo, o netback value é calculado da seguinte forma: Netback = PC +

∆∆∆∆K, onde PC corresponde ao preço de entrega do combustível alternativo de menor custo para

o consumidor (incluindo taxas e ajustado para diferenças na eficiência ou custo de se atingir

padrões ambientais) e ∆∆∆∆K corresponde ao diferencial de custo de capital na utilização do

36

combustível alternativo. No ponto de transmissão ou fronteira o netback value é calculado da

seguinte forma: Netback = PC + ∆∆∆∆K – CT – CE – I, onde CT corresponde ao custo de

transporte do gás no ponto de transmissão ao consumidor, CE corresponde ao custo de

estoque de gás para atender às flutuações da demanda diária ou sazonal do consumidor e I são

os impostos sobre o gás.

A precificação por meio do netback value limita o preço ao consumidor final pelo

valor do gás, em termos do preço dos combustíveis concorrentes. Para exemplificar essa

metodologia de precificação, considere três tipos distintos de consumidores que,

consequentemente, atribuem ao gás diferentes valores.

i) Consumidores que já utilizam o gás natural – o netback value calculado nesta

situação é o mais elevado, pois além do custo de adquirir o combustível alternativo,

existe a necessidade de incorrer em custos correspondentes à construção de uma nova

planta industrial adequada a este combustível, ou seja, a disposição a pagar pelo uso

do gás natural neste caso é alta (VALOR 1);

ii) Novos consumidores de energia – o netback calculado nesta situação é inferior ao

caso acima, pois os novos consumidores de energia não incorreram em investimentos

anteriores para utilizar o gás natural, entretanto, terão que incorrer em custos

referentes à construção de uma planta industrial adequada ao combustível de sua

escolha (VALOR 2); e

iii) Consumidores de combustíveis alternativos – o netback value calculado nesta

situação é o menor, pois para utilizar o gás natural estes consumidores incorrerão em

custos referentes à construção de uma planta industrial para utilização do gás e

37

também em perdas de investimentos referentes às plantas que se encontram em

operação, ou seja, a disposição a pagar pelo uso do gás natural neste caso é baixa

(VALOR 3).

O Gráfico 4 abaixo ilustra a ponderação do netback value em função das distintas

categorias de consumidores, levando em consideração o valor de mercado do gás natural. A

primeira coluna discrimina os componentes de custo do gás, desde a produção até a

distribuição ao consumidor final, e as demais colunas descrevem a disposição a pagar pela

aquisição de gás natural conforme cada categoria de consumidor.

Gráfico 4 - Ponderação do Netback Value

Valor do Gás Natural

Valor 1 Valor 2 Valor 3

Custo Base GN

Custo Transporte e Distribuição

Impostos

Preços/ Custos

Preço Máximo de Venda

Preço Mínimo de Venda

Fonte: Elaboração própria a partir da IEA

Assim, o preço mínimo de venda do gás natural deve ser suficiente para garantir não

somente a recuperação dos custos envolvidos na cadeia, como também uma margem de lucro

razoável para seus participantes. O preço máximo de venda, por sua vez, deve ser suficiente

para garantir a competitividade do gás natural e evitar que este perca mercado. Logo, preços

fixados acima do preço máximo, podem incentivar a conversão da planta industrial que opera

com o gás natural para óleo combustível. Do mesmo modo, preços fixados abaixo do preço

38

máximo de venda podem incentivar a utilização do gás por parte dos consumidores já

existentes, como também podem atrair novos consumidores de energia.

O preço do gás deve ser competitivo para manter os consumidores existentes de gás e

atrair novos consumidores. No entanto, quando o objetivo é atrair novos consumidores, o grau

de competitividade do gás natural deve ser ainda maior. Observa-se, então, que existe um

trade-off entre a busca pela lucratividade de curto prazo da empresa e o crescimento de longo

prazo do mercado (Camacho, 2005).

I. 3. 2 – Caracterização do Ambiente e a Lógica de Precificação do Gás Natural

A lógica que permeia a formação de preços do gás natural geralmente se altera

segundo as características do ambiente no qual a indústria está inserida. Em função disso, é

importante compreender as diferentes estruturas de mercado, a fim de facilitar o entendimento

acerca da definição dos preços do gás natural.

Tendo em vista as peculiaridades da indústria gasífera apresentadas anteriormente, a

integração vertical torna-se muitas vezes uma opção vantajosa para as empresas que atuam

nessa indústria. O mais alto grau de integração implica que a produção, o transporte por

gasodutos e a distribuição do gás aos consumidores finais são atividades executadas por uma

única empresa, de modo que o gás natural e o serviço de transporte são comercializados na

forma de um único produto (bundle). Essa situação confere à empresa exclusividade na oferta

de gás natural para os consumidores finais, caracterizando uma condição de monopólio.

Grosso modo, considerando que a estrutura de mercado reflete, entre outros aspectos,

a história e a maturidade da indústria gasífera, a integração das atividades da cadeia do gás

natural ocorre quando a indústria em questão encontra-se em sua fase inicial de

39

desenvolvimento ou possui baixo grau de maturidade, pois nessa fase os CFs, referentes

principalmente à infra-estrutura, ainda não foram depreciados e o CMg de expansão da rede

ainda é significativo.

Em geral, as empresas integradas verticalmente estabelecem contratos firmes de longo

prazo, o que lhes confere certeza quanto à demanda e permite que os CFs referentes ao

transporte do gás sejam recuperados através das receitas dos contratos vigentes. Nesses

contratos são estipulados a vigência, o volume de gás a ser entregue no período e, muitas

vezes, cláusulas do tipo “take-or-pay12”, pois dessa maneira é possível garantir que o volume

de gás previamente acordado entre as partes seja pago ao fornecedor independentemente se a

entrega for realizada.

Nesses casos, a ausência da pressão competitiva – que pode ser interpretada, em linhas

gerais, como uma ausência de incentivo para o aumento da eficiência, da redução dos custos

e, consequentemente, da redução do preço ao consumidor – faz com que seja necessária a

existência de algum mecanismo de regulação para evitar que a empresa monopolista exerça

seu poder de mercado.

Austvik (1997; 2003) ilustra13 a formação de preços do gás natural em mercados

pouco maduros, onde a competição não está presente (Figura 4). Nesses casos, os contratos

são desenhados para reagir às mudanças de preços das demais fontes de energia, isto é, o

preço do gás natural reflete o custo de oportunidade do consumidor frente à opção de utilizar

combustíveis alternativos. O preço do gás acordado nessas transações é influenciado pelo tipo

e pelo peso do energético concorrente contido na fórmula, assim como pela configuração

12 Segundo a cláusula “take-or-pay”, o comprador assume a obrigação de pagar um percentual mínimo sobre a quantidade total de gás natural contratada, em um período especificado, independentemente se o consumo foi realizado ou não. A inserção desta cláusula nos contratos estabelecidos no mercado gasífero visa assegurar o retorno mínimo dos investimentos realizados pelo vendedor ao longo da cadeia produtiva.

13 A fim de simplificar a metodologia utilizada, o autor considera o preço do óleo cru e os custos iguais para todos os tipos de derivados.

40

inicial do preço relativo entre o gás e a fonte alternativa, produzindo distintos níveis de

preços.

Figura 4 - Precificação do Gás Natural em Mercados Não Liberalizados

Impo

stos

óleo

Preço Óleo Cru

Custo de Refino, Transp, Marketing, etc

Commodity

Transmissão

Distribuição

Impostos

Preço do Gás NaturalPreço dos Derivados de Petróleo

Fonte: Elaboração própria a partir de Austvik (1997)

As mudanças no preço das energias alternativas provocam alterações no preço de

venda do gás natural, ou seja, o preço de venda do gás é “netbacked” (retiram-se as margens

das distribuidoras e das empresas de transporte) a partir do preço ao consumidor. Assim, o

preço do gás em relação aos concorrentes determina as margens entre produtores,

transportadores e distribuidores.

Em situações como esta é comum a existência de contratos de longo prazo, pelas

razões já mencionadas. Estes contratos podem gerar problemas referentes à

intertemporalidade, pois a rigidez contratual pode tornar a precificação do gás inadequada

com o passar do tempo: tanto o preço máximo quanto o mínimo podem variar.

Diferentemente do que ocorre em situações de monopólio, a competição tende a

ocorrer em contextos onde a indústria de gás natural apresenta considerável nível de

maturidade, infra-estrutura de transporte desenvolvida e mercados com elevado grau de

41

liberalização, pois os vultuosos investimentos em infra-estrutura já foram depreciados e os

CMgs, assim como os riscos associados a essa indústria, já se encontram consideravelmente

reduzidos. Assim, o retorno dos investimentos referente a esta indústria torna-se maior,

atraindo a entrada de novos players e intensificando ainda mais as condições de competição

estabelecidas neste mercado.

A situação de concorrência pode estar presente ao longo de toda a cadeia do gás

natural ou em parte dela. A competição apenas no segmento upstream apresenta ganhos de

eficiência em relação à integração total das atividades, pois permite a negociação entre os

produtores de gás e as empresas responsáveis pelo transporte e distribuição. No entanto, é

válido destacar que, ainda que haja competição na produção, esta estrutura de mercado ainda

se encontra bastante verticalizada e a empresa responsável pelo transporte e distribuição do

gás caracteriza-se como monopsonista14. Somado a isso, tem-se o fato de que a empresa

responsável pelo transporte e distribuição do gás pode não repassar aos consumidores finais

os benefícios alcançados na negociação com os produtores.

O livre acesso ao transporte por gasoduto faz com que a indústria de gás natural

alcance determinados ganhos de eficiência ao permitir que o grau de concorrência aumente ao

longo da cadeia. Nessa estrutura há uma distinção entre o gás natural enquanto produto e os

serviços de transporte, que passam a ser negociados de forma separada. Além de introduzir a

concorrência na distribuição de gás natural, o livre acesso aos gasodutos abre espaço também

para o aumento da concorrência no segmento upstream – as empresas produtoras podem optar

pela venda direta do gás produzido à empresa transportadora ou pela negociação do gás no

mercado atacadista com as distribuidoras, traders ou consumidores de grande porte, evitando

14 O poder de monopsônio traduz a habilidade de uma firma pagar por um insumo preços menores do que o preço que seria pago em um mercado competitivo, mantendo lucros econômicos no longo prazo (Carlton e Perloff, 1989). Esse efeito pode ser evidenciado nesta situação onde existe um único comprador de gás natural que o adquire por meio de negociações com os produtores em um mercado competitivo.

42

os problemas decorrentes da situação de monopólio e de monopsônio. Portanto, quanto mais

desverticalizada a estrutura de mercado, maior é o ganho de eficiência econômica.

Quando há separação completa entre a oferta de gás natural, o transporte por

gasodutos e a distribuição até os consumidores finais (unbundling15), as atividades da cadeia

do gás natural encontram-se totalmente desverticalizadas. Neste caso, existem as empresas

responsáveis pela produção e pela oferta do gás natural enquanto produto final e existem as

empresas responsáveis pelo fornecimento do gás enquanto serviço de transporte,

caracterizando um elevado grau de competição. A competição entre as empresas faz com que

os mark ups de revenda diminuam, facilitando o repasse da redução de custos no segmento

produtor para os consumidores finais (Camacho, 2005).

À medida que o grau de competição aumenta e qualquer possível barreira à entrada é

eliminada, a possibilidade de novos atores no mercado se amplia e, assim, o ambiente se torna

cada vez mais complexo, pois abre espaço para novas formas de competição e diferentes

abordagens comerciais16. A competição, portanto, dá margem à diversificação de contratos, os

quais podem se tornar cada vez mais vantajosos para o consumidor final.

Logo, qualquer que seja o nível de competição introduzido na indústria, maior será o

ganho potencial relativo à eficiência. A introdução da concorrência faz com que o fator

fundamental para determinar o preço e, consequentemente a competitividade do gás, seja o

seu preço-base ou valor commodity. Ou seja, introduz o que se chama de “gas-to-gas

competition”, onde o preço final do gás natural reflete basicamente a competição entre as

diversas CDLs que, por sua vez, reflete o valor intrínseco do gás.

15 A separação da comercialização de gás natural e do serviço de transporte é conhecida também como unbundling, refletindo um desempacotamento dos serviços: “Separation of production, transportation and

distribution functions in a vertically-integrated company. Usually three types of unbundling are identified:

ownership, operational and financial” (ENERGY CHARTER SECRETARIAT, 2007, p. 236).

16 Almeida e Tujeehut (2006) destacam que “A existência e a intensidade da concorrência são resultado da

interação das formas de regulação, das regras de mercado escolhidas, da estrutura da indústria e do grau de

maturidade da indústria de gás natural” (p. 10).

43

Em mercados onde há um grau maior de liberalização e, que por conta disso, apresenta

grande número de players, a velocidade na qual uma alteração em determinado segmento da

cadeia do gás afeta as outras também aumenta, pois o volume de cada transação diminui,

podendo reduzir o poder de mercado dos grandes players. Nessas situações os preços se

tornam mais voláteis até mesmo no curto prazo, pois a determinação de preço do gás natural

no curto e médio prazo não será feita com base nas fontes alternativas, mas sim com base na

competição gás – gás (Austvik, 1997; 2003).

A Figura 5 ilustra a definição de preços em mercados liberalizados. Neste caso, a

definição de preços dependerá das questões mercadológicas dentro do próprio mercado

gasífero – ou seja, das condições de oferta e demanda.

Figura 5 - Precificação do Gás Natural em Mercados Liberalizados

Impo

stos

óleo

Preço Óleo Cru

Custo de Refino, Transp, Marketing, etc

Commodity

Trans

Distrib

Impost

Preço do Gás NaturalPreço dos Derivados de Petróleo

Commodity

Trans

Distrib

Impost

Commodity

Distrib

Impost

Trans

Preço de Equilíbrio

Mercado Fraco

Mercado Aquecido

Fonte: Elaboração própria a partir de Austvik (1997)

Austvik (2003) afirma que em mercados perfeitamente liberalizados, tanto o transporte

quanto a distribuição de gás natural deveriam ter seus lucros marginais determinados pela

autoridade regulatória ou, então, pela competição. Este autor ainda destaca que devido à

possibilidade dos produtores venderem diretamente o gás para as companhias distribuidoras,

para as plantas de geração elétrica e para os grandes consumidores industriais, o papel das

44

empresas responsáveis pelo transporte do gás fica reduzido, de forma que “The pipeline

companies may in a fully liberalized market become more occupied by influencing the

regulatory authorities who set the framework for their activities” (AUSTVIK, 2003, p. 51).

I. 3. 3 – Análise acerca das Estruturas de Mercado e das Metodologias de Precificação

A empresa monopolista, grosso modo, pode optar pela determinação de preços com

base no conceito cost plus ou netback value. Alguns autores afirmam que, em situações onde

as características de monopólio estão presentes, a abordagem netback tornou-se o modelo

tradicional para a precificação do gás natural (Camacho, 2005). Contudo, tanto a precificação

a custo histórico (cost plus) quanto a precificação por meio do netback value apresentam

pontos para potencial distorção de preços no mercado consumidor, seja em função da

restrição da demanda imposta pela determinação de preços ou da apropriação inadequada da

renda gasífera (Soares, 2004).

A utilização da metodologia cost plus pode não ser adequada caso as indústrias

apresentem baixo grau de maturidade, pois ao refletir todos os custos ao longo da cadeia, e

levando em conta que a falta de maturidade significa que elevados investimentos ainda não

foram realizados, a utilização dessa abordagem pode limitar o mercado em decorrência da

perda de competitividade do gás. Trata-se de uma abordagem, portanto, que não se classifica

como adequada para gerar eficiência, na medida em que favorece a “ótica do produtor”,

dependendo basicamente da taxa de retorno determinada.

O preço ao consumidor final estabelecido de acordo com o cost plus poderá ser tão

elevado, que não estimulará os novos usuários de energia como também poderá desestimular

os usuários já existentes de gás natural. Dessa forma, a fim de não perder mercado e de

45

expandir a sua participação, a empresa monopolista deve estabelecer o preço em valor igual

ou menor ao valor de mercado dos novos consumidores de energia. Caso o estabeleça acima,

a empresa correrá o risco de perder seu mercado já que os consumidores podem substituir o

gás por combustíveis alternativos de menor custo. Caso o estabeleça abaixo desta faixa, a

empresa correrá o risco de não conseguir recuperar os seus custos incorridos.

A precificação via netback pode implicar na discriminação de preços conforme o perfil

dos consumidores e, assim, pode levar à prática de subsídios cruzados. Isso significa que o

netback value pode exceder os custos referentes a determinadas categorias de consumidores,

levando à ocorrência de significativas margens de lucros, de modo que a categoria de

consumidor que possui menor custo de atendimento irá gerar maior lucro e subsidiará a

categoria que possui maior custo. A fim de evitar maiores distorções, a regulação deve limitar

a faixa de extensão na qual a precificação via netback é utilizada. Nesse sentido, Austvik

(2003) afirma que se deve introduzir a regulação de tarifas e de preços (“mão visível”) sempre

que necessário.

A introdução da competição17 na indústria gasífera altera a dinâmica do mercado e sua

lógica de precificação. De acordo com Austvik (2003), qualquer grau ou forma de

liberalização dos mercados possui potencial para afetar os preços e a lucratividade de uma ou

mais partes da cadeia. Prova disso é que quando existe livre acesso aos gasodutos e o mercado

gasífero se caracteriza como competitivo, a precificação tende a abandonar as metodologias

17 A competição e a eliminação de qualquer controle sobre os preços dão espaço a diversas mudanças nas relações comerciais referentes ao gás natural. Uma vez que a competitividade permite maior flexibilidade nas negociações, os contratos passam a ser negociados com prazos mais curtos, acarretando no desenvolvimento de mercados spot e futuro de gás, em função do dinamismo que estes apresentam no gerenciamento de grande volume de transações.

46

tradicionais e passa a ser determinada pela interação entre as curvas de oferta e demanda do

mercado gasífero18.

Nesta situação, a existência de diversos níveis de preços, por conta da discriminação

permitida pela condição de monopólio, deixa de existir e dá lugar à existência de um preço

único a cada instante para o gás, determinado pelo ponto de interseção entre as curvas. Assim,

o gás passa a ser considerado como uma commodity e, caso não haja limitações de transporte,

o diferencial de preço entre uma região e outra refletirá apenas os custos de transporte.

Pode-se concluir que a estrutura de formação de preços para o gás natural varia

conforme o grau de maturidade e a estrutura dos mercados. Assim, quando o nível de

desenvolvimento possibilita a competição (ainda que restrita), obtêm-se impactos positivos

sobre a eficiência do mercado, porém, a metodologia usada geralmente continua a ser

netback. No entanto, vale ressaltar que, como não se trata mais de um mercado monopolizado,

as margens embutidas ao longo da cadeia tendem a se reduzir, pois coincidem com a redução

dos custos médios. Conforme visto anteriormente, o CMeLP da indústria gasífera é

decrescente, o que implica que no longo prazo muitos ativos já foram amortizados, permitindo

a redução das margens. Nota-se, portanto, que quando o grau de competição presente nos

mercados é baixo, a importância do energético concorrente ainda é levada em conta.

I. 4 – Política de Preços, Eficiência e Competitividade do Gás Natural

18 As curvas de oferta e demanda podem sofrer no curto prazo alterações devido às modificações nos fatores que as determinam. A curva de oferta pode se alterar por conta da política de produção das empresas, assim como a curva de demanda pode se alterar por conta da sazonalidade e das variações de preço dos energéticos concorrentes.

47

I. 4. 1 – Relação entre Preços e Competitividade

O gás natural é uma fonte energética que possui diversas aplicações19 (energéticas ou

não-energéticas), podendo substituir seja no segmento industrial, automotivo e até mesmo na

geração elétrica, os seus concorrentes mais tradicionais. No segmento industrial, a aplicação

energética do gás natural pode ocorrer tanto na queima direta (substituindo o GLP) quanto na

produção de calor de processo (substituindo o óleo combustível e a lenha). No que diz

respeito ao uso não energético, cabe destacar que o gás pode atuar como redutor siderúrgico

ou como insumo na indústria química, como por exemplo, na produção de etanol.

No setor de transportes, substitui o óleo diesel, a gasolina e o álcool. Na geração

elétrica, concorre com todas as fontes de geração (incluindo a hidroeletricidade e a energia

nuclear) substituindo principalmente o carvão, o óleo combustível e o diesel. Na

Petroquímica, o gás é utilizado como matéria-prima não energética, podendo substituir a nafta

(Pinto Jr. et al., 2007; Santos et al., 2002).

Pode-se observar recentemente que a participação do gás natural na matriz energética

mundial vem ganhando importância, em grande parte, devido à abundância e às vantagens

ambientais decorrentes da sua utilização. O gás apresenta vantagens importantes quando

comparado com outros combustíveis, pois possui baixo nível de emissão de gases que

provocam o efeito estufa.

Além das vantagens ambientais, o gás apresenta inúmeras vantagens no que diz

respeito a sua utilização, operação e manuseio20. Por não apresentar alto teor de produtos

19 A utilização energética do gás natural se dá essencialmente por meio da queima direta, a partir do aproveitamento do conteúdo térmico dos gases de sua combustão. O uso não energético do gás natural compreende os processos químicos nos quais as moléculas de gás natural são incorporadas ao produto final. Assim, o gás pode ser usado na produção de amônia, do metanol e também na produção do aço como redutor siderúrgico. Trata-se, portanto, da utilização do gás como insumo químico (Soares, 2004).

20 Santos et al. (2002) destacam que o gás é menos inflamável e apresenta risco de explosão inferior à gasolina, ao querosene e ao GLP e também proporciona economia na manutenção e instalação de equipamentos.

48

contaminadores durante a queima, o gás natural evita que etapas intermediárias de

transformação energética sejam realizadas, permitindo que os gases de combustão entrem em

contato direto com os produtos. Essa característica dá ao gás certas vantagens competitivas,

pois os produtos finais fabricados a partir da utilização do gás natural terão melhor qualidade

e agregarão mais valor, podendo ser vendido com um preço superior ou em mercados mais

sofisticados (Santos et al., 2002).

Tendo em vista essas importantes vantagens apresentadas pelo gás natural, este se

posiciona como uma alternativa imediata para a redução da dependência do petróleo e para a

diversificação da matriz energética. A versatilidade de aplicações proporcionada pelo gás

natural o torna um potencial competidor frente quase todos os combustíveis alternativos

(Santos et al., 2002). A Tabela 2 lista, conforme a finalidade, os energéticos que competem

com o gás natural.

Tabela 2 - Combustíveis Concorrentes ao Gás Natural por Setor SETOR ENERGÉTICOS

Aquecimento de Água GLP; Eletricidade; LenhaCocção de Alimentos GLP; Eletricidade (forno de microondas); LenhaAquecimento/ Ar Condicionado EletricidadeCocção de Alimentos GLP; Eletricidade; LenhaVeículos Leves Álcool; GasolinaÔnibus; Caminhões Óleo DieselFerro Gusa e Aço

Fabricação Óleo Combustível;Gás de Alto Forno; EletricidadeProcessamento Coque

Outros da Metalurgia Óleo Combustível;Gás de Alto Forno; Eletricidade; GLPMinerais e Não Metálicos Eletricidade; Óleo Combustível; GLPAlimentos e Bebidas Óleo Combustível; Coque; Carvão Pulverizado; BiomassaFornos e Secadores

Caldeiras GLP; Diesel; EletricidadeEquipamentos para Torrefação Óleo Combustível;Eletricidade; GLP

TêxtilSecadores GLP (secagem direta); Óleo Combustível e Lenha Caldeiras GLP; Diesel; Eletricidade (secagem indireta)

Papel e Celulose Óleo Combustível; Lenha; CarvãoQuímica e Petroquímica Óleo Combustível; Nafta; Eletricidade

Residencial

Comercial

Transportes

Industrial

Fonte: Elaboração própria a partir de Santos et al. (2002)

No entanto, embora possua um largo número de possíveis utilizações, o gás natural

não possui uma aplicação para a qual ele seja indispensável ou insubstituível – seja qual for a

49

aplicação, em cada um dos segmentos onde o gás natural pode atuar, ele sempre enfrentará

forte concorrência de outros energéticos. Assim, pode-se observar que o gás natural não

possui um segmento de consumo energético onde ele seja cativo, ou seja, não possui um

mercado unicamente direcionado a ele.

Pinto Jr. et al. (2007) destacam que devido à difusão tardia do gás natural, em função

dos gargalos tecnológicos21 verificados na infra-estrutura de transporte, este produto passou a

competir no mercado energético com outras fontes de energia já consolidadas e por isso o

desenvolvimento de mercados exclusivos para o gás natural ficou comprometido. Por conta

disso, o valor de mercado do gás é determinado em função do preço dos combustíveis

concorrentes.

O mercado de gás natural é caracterizado pela competitividade definida por custos. O

aumento de preço do gás em determinados setores produz como resultado a substituição deste

energético por um concorrente mais barato. Por conta da alta elasticidade-preço, qualquer

alteração considerável no comportamento dos preços referente a este energético produzirá

impactos diretos sobre a sua demanda. Assim, a ausência de mercado cativo faz com que o

valor do gás natural seja determinado em função do preço das fontes substitutas.

Para exemplificar, pode-se citar o caso da indústria cerâmica, na qual o gás natural é a

principal fonte de geração de energia térmica e também é um importante componente dos

custos totais de produção (Alves et al., 2008). Diante de uma elevação de preços do gás, a

indústria cerâmica pode substituí-lo por lenha, que é um energético de menor qualidade para a

queima direta, porém, mais barato. Alves et al. (2008) destacam que em cenários onde a

redução de custos relaciona-se de forma direta com o aumento da participação no mercado,

21 Até a década de 1920, o transporte do gás a alta pressão não era possível, pois não haviam sido desenvolvidas tubulações resistentes a elevadas pressões. Este fato limitava o consumo de gás aos centros próximos às jazidas encontradas. Com o passar do tempo, os tubos de madeira que distribuíam o gás aos centros de consumo foram sendo substituídos pelos tubos de ferro e cobre. Somente após o desenvolvimento da tecnologia para fabricação de dutos em aço e sem costura, o transporte a alta pressão foi viabilizado e, assim, a distribuição do gás natural passou a se difundir para os centros mais distantes das regiões produtoras.

50

como é o caso dos produtos cerâmicos, qualquer ação neste sentido é bem quista pelas

empresas.

Nota-se, portanto, que frente à ausência de mercado cativo, a competitividade do gás

torna-se fundamental para o desenvolvimento e, até mesmo, para a sobrevivência do mercado.

Vale ressaltar que os benefícios ambientais e a agregação de valor a partir do uso do gás

natural podem tornar a demanda por gás menos elástica. Novamente, no caso da indústria

cerâmica, onde o tipo de combustível utilizado nos fornos e aquecedores possui interferência

direta sobre a qualidade do produto final, a utilização do gás natural pode fazer diferença. O

uso do gás em produtos com elevado valor agregado, como a cerâmica branca22, pode

possibilitar uma aproximação do mercado gasífero ao mercado cativo.

Soares (2004) destaca que o uso não energético do gás natural é um uso nobre, pois

permite uma maior agregação de valor. Assim, o autor destaca que:

“Embora não seja uma ‘âncora’ para o consumo do gás em si, o uso como matéria-

prima apresenta evidentes benefícios como a (...) agregação de valor e pode,

outrossim, se constituir em um dos vetores de disseminação do gás para outros usos

que, per se, não alavancam isoladamente um mercado gasífero, mas que

desempenham um papel complementar bastante relevante” (SOARES, 2004, p. 23).

A utilização do gás natural implica na substituição de um concorrente. Pinto Jr. et al.

(2007) afirmam que “(...) a política de precificação do gás natural depende quase sempre do

custo de oportunidade relacionado com o deslocamento de outras fontes energéticas” (p.

251). O resultado desse deslocamento é a redução da participação do energético concorrente

na matriz energética. Santos et al. (2002) ressaltam que essa substituição não é “pacífica” na

medida em que a substituição dos energéticos envolve um conflito de interesses e acirra a

competição, gerando impactos sobre as empresas de energia. O autor ainda ressalta que, caso

22 Segundo a ABCERAM (Associação Brasileira de Cerâmica), a cerâmica branca compreende materiais constituídos por um corpo branco e, em geral, recobertos por uma camada vítrea transparente e incolor. A partir dela são fabricadas louças sanitárias, louças de mesa, isoladores elétricos para alta e baixa tensão, cerâmica artística (decorativa e utilitária) e cerâmica técnica para fins diversos, tais como: químico, elétrico, térmico e mecânico.

51

ocorra a substituição, o energético substituído deverá se adaptar à nova realidade

concorrencial.

Como a indústria de gás natural caracteriza-se como uma indústria de rede e, dessa

forma, demanda elevados investimentos em infra-estrutura e possui elevado prazo de

maturação, a decisão de utilizar o gás natural dependerá do seu preço relativo e da sua

capacidade de gerar receitas para amortizar tais investimentos (Soares, 2004).

No que diz respeito ao setor industrial, o gás apresenta certas particularidades, as quais

tornam a sua utilização mais vantajosa23. No entanto, essas vantagens não são suficientes para

garantir que o gás seja escolhido frente às demais alternativas – o preço relativo do gás diante

dos combustíveis concorrentes é a variável-chave para que ele seja eleito. Ou seja, o principal

fator que motiva o uso de gás natural não são as vantagens proporcionadas por ele, mas sim a

competitividade apresentada pelo seu preço.

Grande parte do aumento do consumo de gás natural é justificada pela sua

competitividade frente aos energéticos concorrentes. Santos et al. (2002) afirmam que, em

geral, o consumidor deveria pagar um “prêmio” pela utilização do gás natural, tendo em vista

sua maior eficiência e as inúmeras vantagens apresentadas por ele. Contudo, o autor destaca

que em países menos desenvolvidos, nos quais a cultura do gás ainda não está presente, a

maior inserção desta fonte na matriz energética se dá apenas por meio da redução de preços

junto ao usuário final.

23 Além dos aspectos ambientais e da facilidade operacional, Santos et al. (2002) destacam que as características físico-químicas do gás proporcionam um controle muito preciso de temperatura e que, por ser um combustível gasoso, o gás aumenta a eficiência do processo e dispensa processos de nebulização ou atomização, diminuindo o consumo de energia no decorrer do processo.

52

“O recurso ao gás natural é, portanto, uma questão econômica, pois a sua

incorporação às matrizes energéticas dos países não é realizada sem grandes

investimentos e custos adicionais, mas também envolve uma escolha voluntária das

sociedades humanas que tenham atingindo níveis elevados de desenvolvimento,

industrialização e urbanização, passando a privilegiar outros valores no momento

de decidir sobre as suas fontes energéticas. Essa escolha requer disponibilidade de

capital e capacidade técnica, mas também uma visão e atuação política moderna,

esclarecida e de longo prazo, para a definição dos usos mais racionais para o gás” (SANTOS et al., 2002, p. 101).

A ausência de mercado cativo faz com que o valor do gás natural seja determinado em

função do preço das fontes substitutas, fazendo com que o gás natural não possua um único

valor, mas sim diversos níveis a fim de permitir que este possa competir com os demais

energéticos conforme a sua finalidade de uso.

Em países onde a indústria de gás natural ainda é incipiente, como no Brasil, o gás

enfrenta certo grau de dificuldade para substituir os concorrentes que possuem infra-estrutura

já consolidada, pois os investimentos necessários para a expansão da infra-estrutura de

transporte e distribuição do gás são tão elevados que fazem com que o preço do gás para os

consumidores finais seja pouco atrativo (Santos et al., 2002).

Assim, por conta do baixo grau de maturidade da indústria gasífera brasileira,

justificada principalmente pelos gargalos impostos pela carente infra-estrutura de transporte, o

gás natural se apresenta, muitas vezes, como uma alternativa pouco competitiva para as

indústrias e não muito vantajosa para os consumidores finais. Somado a isso, tem-se o fato de

que as condições macroeconômicas desfavoráveis, como taxas de juros elevadas e riscos

cambiais, comprometem a realização dos investimentos e da expansão da infra-estrutura

necessária (Santos et al., 2002).

Tendo em vista as características da indústria brasileira de gás natural, a definição de

uma política de preços coerente que garanta a competitividade do gás frente aos energéticos

concorrentes é condição necessária para o seu desenvolvimento. Almeida (2005) destaca que

a definição de uma política de preços é fundamental para o desenvolvimento das indústrias de

infra-estrutura em geral, seja qual for seu grau de desenvolvimento e ressalta também que, no

53

caso da indústria brasileira de gás natural, esta necessidade se intensifica por três razões: i)

por se tratar de uma indústria de rede, os investimentos necessários nesta indústria são de

grande volume e o tempo de maturação destes investimentos também é alto; ii) pelo fato da

indústria gasífera do país apresentar baixo grau de maturidade e a infra-estrutura necessária

para o seu desenvolvimento ainda se encontrar muito aquém do nível desejado; e iii) devido

ao alto grau de integração presente nesta indústria.

Isto posto, fica claro que a determinação de preços para o gás natural ocorre, com

frequência, em função do comportamento dos preços dos energéticos concorrentes. Portanto,

é importante observar que a política de definição de preços para o gás natural é extremamente

relevante para o surgimento e para a manutenção da competitividade deste energético e,

consequentemente, para a expansão e desenvolvimento do mercado gasífero. Para que haja

difusão e aumento do consumo de gás natural é necessário haver uma política de

determinação de preços adequada e coerente com realidade de cada segmento de consumo.

I. 4. 2 – Relação entre Política de Preços e Eficiência

Conforme foi discutido anteriormente, o valor do gás natural é determinado em função

da disposição a pagar dos consumidores que, por sua vez, varia de acordo com as

características de cada mercado. Por exemplo, a disposição a pagar pelo uso do gás natural

não é a mesma para os consumidores de GLP e de lenha, isto é, o valor atribuído ao gás por

cada um desses mercados diferencia-se em função das particularidades contidas em cada

energético. Considerando que o GLP é uma fonte de energia mais nobre do que a lenha e é

muito utilizada na queima direta (ou seja, possui interferência sobre a qualidade do produto

54

final), a disposição a pagar pelo gás por parte do usuário de GLP é mais elevada que a do

usuário de lenha.

Assim, as regras de precificação do gás natural se deparam com um problema

relevante, a saber, a possibilidade de haver diferentes níveis de valores e apenas um único

preço. A existência de um preço único pode ser vista como uma característica de mercados

liberalizados, pois quando o mercado é controlado é possível que haja diferenciação de preços

em função do perfil de consumo de cada usuário.

A existência de um preço único pode restringir o mercado, na medida em que aqueles

consumidores de energia que possuem baixa disposição a pagar pelo uso do gás natural

poderão não ser atendidos. O Gráfico 5 abaixo ilustra a disposição a pagar em quatro

mercados distintos (GLP, Óleo Diesel, Óleo Combustível e Lenha) e a curva de CMeLP da

indústria gasífera, já analisada anteriormente – dado que o desenvolvimento da infra-estrutura

de rede demanda grandes investimentos, os CFs são muito elevados e não aumentam na

mesma proporção que a produção, resultando em uma curva de CMeLP decrescente.

Isto posto, tem-se que P* corresponde ao preço de equilíbrio (P= CMg), EC24 ao

excedente do consumidor e EP25 ao excedente do produtor. Pode-se observar que o mercado 4

não será atendido pelo gás natural caso o preço estabelecido seja P*, pois sua disposição a

pagar pelo gás é inferior ao preço de equilíbrio e, assim, o valor atribuído ao gás neste

mercado não é suficiente nem para cobrir o CMeLP.

24 O excedente do consumidor (EC) mede a diferença entre o valor que o consumidor está disposto a pagar por uma determinada quantidade de um bem ou produto e o preço efetivamente pago por ele, ou seja, mede o beneficio líquido obtido pelos consumidores. Graficamente, o EC é representado pela área abaixo da curva de demanda (Varian, 2000).

25 O excedente do produtor (EP) mede a diferença entre o valor mínimo pelo o qual o produtor está disposto a vender determinada quantidade de um bem ou produto e o preço pelo qual realmente os vende, isto é, mede o benefício líquido agregado dos consumidores. Graficamente, o EP é representado pela área acima da curva de oferta (Varian, 2000).

55

Gráfico 5 - Preço Único do Gás Natural

Preços e Custos

Valores do GN

CMeLPP*

1 2 3 4

GLP

Óleo Diesel

Óleo Combustível

Lenha

Fonte: Elaboração própria

No entanto, em situações de monopólio ou em mercados controlados pode ocorrer a

discriminação de preços conforme o perfil de consumo de cada usuário ou o estabelecimento

de piso e/ ou teto, pois a empresa monopolista ou o governo asseguram a existência desses

diferentes níveis de preços.

A política de controle de preços, seja para estabelecer preço máximo ou mínimo,

sempre está associada a custos referentes à sua implementação. Ou seja, caso seja

regulamentada a existência de um preço máximo para o gás natural, este controle poderá dar

origem ao excesso de demanda, devido à redução do nível de produção e ao aumento da

quantidade demandada. Neste caso, a eficiência econômica que reflete o bem-estar agregado

será menor, pois haverá perda do excedente total (EC + EP), representada pela área colorida

no Gráfico 6 a seguir.

56

Gráfico 6 - Efeito do Controle de Preços sobre a Eficiência do Mercado

Preço

Quantidade

Oferta

Demanda

Q1 Q0

P1

P0

Fonte: Elaboração própria a partir de Pindyck e Rubinfeld (1994)

Essa situação pode ser verificada na história do mercado gasífero norte americano

quando o controle de preços, estabelecido pela Suprema Corte a partir de 1954, começou a

apresentar problemas referentes ao fornecimento de gás no final dos anos 1960, gerando

escassez. Devido ao controle de preços, o mercado não respondeu à escassez e provocou um

excesso de demanda, que ficou conhecido como “gas bubble”, se recuperando anos depois, a

partir do início do processo de desregulamentação do mercado (Energy Charter Secretariat,

2007).

O controle de preços e a intervenção no mercado podem ser justificados tanto pela

ineficiência26 quanto pela existência de externalidades. É importante ressaltar que, embora

haja um custo de implementar controle de preços, essa política não necessariamente

configura-se como ruim, pois ela pode ser implementada para atingir algum objetivo político

ou para incentivar o consumo de gás natural em setores considerados estratégicos (Pindyck e

Rubinfeld, 1994).

26 Grosso modo, a ineficiência de mercado ocorre quando os preços não são capazes, por si só, de oferecer a sinalização adequada aos consumidores e produtores.

57

No que diz respeito à discriminação de preços possibilitada por conta da existência de

poder de mercado, cabe ressaltar alguns pontos. Por um lado, a discriminação dá margem para

que haja distorção de preços relativos, na medida em que os consumidores dos mercados com

maior disposição a pagar pelo gás natural irão pagar um preço maior do que o preço que

equilibra o mercado para, assim, viabilizar o consumo daqueles com a menor disposição a

pagar.

O Gráfico 7 ilustra a fixação de duas faixas distintas de preços, representadas por P1 e

P2. Os consumidores dos mercados 1, 2 e 3 pagarão P1 (onde P1 > P*) para consumir gás e

este pagamento gerará um lucro maior para a empresa fornecedora de gás natural e subsidiará

o consumo daqueles que pagam P2. O EC será reduzido e o EP aumentará, gerando perda de

bem-estar para os consumidores dos mercados com maior disposição a pagar pelo gás natural.

Gráfico 7 - Preços Diferenciados do Gás Natural

Preços e Custos

Valores do GN

CMeLPP*

P1

P2

1 2 3 4

GLP

Óleo Diesel

Óleo Combustível

Lenha

Fonte: Elaboração própria

Além da possibilidade de causar distorções de preços, a prática de subsídios cruzados

pode gerar também ineficiência quanto à alocação dos recursos, fazendo com que, por conta

do preço mais acessível, seja consumido mais gás natural do que a quantidade que seria

consumida em um contexto de livre mercado, causando um problema de escassez de oferta. É

58

importante também que haja algum tipo de controle ou fiscalização sobre o gás vendido ao

preço subsidiado, para garantir que os benefícios decorrentes do uso do gás natural sejam

repassados aos consumidores.

Por outro lado, a discriminação de preços possibilita que todos os mercados

consumidores sejam atendidos pelo gás natural, como se pode observar no gráfico acima –

com a diferenciação de preços, os consumidores de lenha podem passar a consumir gás

pagando P2. É válido destacar que os subsídios cruzados podem ocorrer no âmbito de um

único mercado – entre os diferentes perfis de consumidores ou segmentos conforme ilustrado

no exemplo acima –, ou então entre diferentes regiões de consumo.

Tendo em vista as características das indústrias de rede, durante a fase inicial de

desenvolvimento da indústria gasífera a prática de subsídios cruzados pode ser uma opção

razoável, contribuindo para acelerar o desenvolvimento do mercado, de modo que valerá a

pena pagar pela distorção de preços. Devido à existência de externalidades em rede e à

interdependência da demanda, quando os grandes consumidores são obrigados a pagar um

preço maior para subsidiar outros consumidores, este preço viabiliza a construção da infra-

estrutura necessária, que por sua vez contribui para o desenvolvimento de outros mercados e

serviços, como manutenção e instalação de equipamentos especializados em gás, por

exemplo. O desenvolvimento de outros mercados fará com que a disposição a pagar pelo gás

natural aumente com o passar do tempo.

Logo, embora o subsídio cruzado cause distorções e ineficiências alocativas, é

importante destacar que por conta das características das indústrias de rede presentes na

indústria gasífera, no seu período inicial de desenvolvimento, algum tipo de subsídio pode ser

justificado. Isto significa que, dependendo da disponibilidade de gás natural, o subsídio

cruzado pode ser utilizado para acelerar a velocidade de desenvolvimento do mercado e, deste

modo, para reduzir os elevados CFs da indústria gasífera.

59

Por fim, além da política de definição de preços, cabe ressaltar a importância das

regras de reajuste, as quais podem se configurar também como uma possível fonte de geração

de ineficiência. Conforme já analisado, os reajustes de preço no mercado gasífero geralmente

levam mais tempo para se adequarem às novas condições do mercado energético do que os

seus concorrentes derivados de petróleo, em função dos contratos de longo prazo comumente

estabelecidos. Os energéticos concorrentes, grosso modo, se ajustam mais rapidamente devido

ao fato de estarem majoritariamente atrelados ao mercado internacional de petróleo.

Como, principalmente em mercados pouco maduros, o preço do energético substituto

possui grande relevância para a definição de valores e preços no mercado gasífero, a

possibilidade de um “descasamento no tempo” entre os reajustes de preço dos energéticos

substitutos e o valor atribuído ao gás naquele momento pode comprometer a competitividade

do gás natural. Logo, para que o gás natural mantenha-se competitivo frente aos concorrentes

é necessário que haja, não apenas uma definição quanto à política de precificação, como

também uma regra de reajuste adequada a fim de minimizar os problemas decorrentes da

intertemporalidade.

I. 5 – Conclusão

Neste capítulo buscou-se ressaltar a importância que a política de preços possui para a

manutenção da competitividade do gás natural frente aos concorrentes, dado que este não

possui mercado cativo e possui uma elasticidade-preço relativamente elevada no curto e

médio prazo.

Inicialmente foi feita uma análise dos custos ao longo da cadeia de produção do gás

natural. Assim, foram identificados dois aspectos relevantes: a geração da renda gasífera na

60

atividade de E&P e os elevados custos de investimentos do segmento downstream. O primeiro

aspecto possui potencial para gerar ineficiência econômica, caso a renda auferida totalmente

apropriada diretamente pelo produtor, não sendo repartida entre as demais atividades ao longo

da cadeia. O segundo aspecto pode comprometer em alguns momentos a competitividade do

gás, na medida em que os custos de investimentos são elevados, porém, previsíveis; enquanto

o valor atribuído ao gás, medido pela disposição a pagar pelos consumidores, não o são e

variam ao longo do tempo.

Buscou-se analisar também as metodologias tradicionais de precificação do gás

natural, tendo em vista a estrutura de mercado e as características da indústria gasífera. Deste

modo, foi analisada a metodologia de determinação de preços do gás natural em contextos

competitivos e não competitivos, assim como foi abordada a metodologia de determinação de

preços do gás natural ao longo da cadeia, de forma que ficaram evidentes as complexidades

envolvidas tanto na produção, transporte e distribuição do gás natural.

A penetração do gás natural na matriz energética depende do resultado que se obtém

do conflito de interesses entre os atores que atuam na cadeia gasífera, os que atuam na cadeia

dos energéticos substitutos e os atores que atuam no âmbito do governo. Foi visto, portanto,

que em geral a política de preços para o gás natural pode ser administrada pelo governo e/ ou

pela empresa monopolista do setor ou pode ser determinada pelo mercado, conforme seu nível

de desenvolvimento.

No entanto, quando se observa o Brasil, o que se verifica é a existência de uma política

de preços “híbrida”, que se situa em uma fronteira não muito clara entre preços administrados

e preços de mercado. A ausência de clareza em relação à determinação de preços do gás no

país pode causar problemas no que diz respeito ao desenvolvimento deste mercado, na medida

em que a falta de critérios adequados produz impactos sobre a competitividade do gás natural.

Assim, no próximo capítulo será analisado o histórico da política de preços para o gás natural

61

no Brasil, levando em consideração as características específicas da indústria brasileira de gás

natural.

62

CAPÍTULO II – O HISTÓRICO DA FORMAÇÃO DE PREÇOS DO GÁS NATURAL

NO BRASIL

II. 1 – Introdução

Conforme visto no capítulo anterior as decisões referentes à precificação do gás

natural podem ser discutidas basicamente no âmbito do governo e/ ou pela empresa

monopolista – quando o grau de maturidade for baixo e a competição não estiver presente –

ou então no âmbito do mercado, sem interferências políticas. No entanto, o que se verifica no

setor gasífero brasileiro pode ser caracterizado como uma decisão híbrida, que por ora reflete

decisões administrativas e por outra reflete decisões de mercado.

Tendo em vista a importância da política de preços sobre a competitividade do gás

natural anteriormente analisada, este capítulo se propõe a analisar o histórico de preços do gás

natural no Brasil, levando em consideração o papel de destaque da Petrobras neste contexto.

Para isso, este capítulo divide-se em cinco seções, incluindo esta seção introdutória. A

segunda seção apresentará o histórico de preços do gás natural no país e analisará

separadamente as regras de determinação de preços para o gás nacional, importado e PPT. A

terceira seção discutirá a política tarifária das companhias distribuidoras locais. A quarta

seção destacará o papel e a importância da Petrobras para determinação dos preços do gás

natural, principalmente após a liberalização em 2002. E, por fim, a quinta seção trará as

considerações finais deste capítulo.

63

II. 2 – O Histórico de Preços do Gás Natural no Brasil

Em geral, a lógica tradicional que permeia a definição de preços no mercado de gás

natural é ditada pelo governo ou pela empresa monopolista ou então é determinada por algum

tipo de negociação realizada no âmbito do mercado. Contudo, quando se observa a lógica de

formação de preço do gás natural no Brasil o que se verifica é uma forma híbrida de

determinação de preços que envolve, em diferentes graus, tanto as decisões de governo quanto

as negociações de mercado. Desse modo, a política de preços para o gás natural no país situa-

se em uma fronteira não muito clara entre preços administrados e preços de mercado.

O histórico da formação de preços do gás natural no Brasil revela que a regra para a

determinação de preços desta fonte de energia nunca foi única – as regras se alteraram ao

longo do tempo, conforme o contexto e as condições do mercado. Em determinados

momentos, o preço do gás era exclusivamente associado ao preço do óleo combustível, seu

principal concorrente; em outros, o preço do gás boliviano era a variável principal.

Inicialmente, cabia ao governo a responsabilidade pela precificação do gás no Brasil, porém,

após o aumento expressivo do uso do gás natural, esta responsabilidade passou a ser da

Petrobras.

É importante destacar, conforme ainda será discutido no decorrer desta dissertação,

que a ausência de clareza em relação à determinação de preços do gás natural pode causar

problemas no que diz respeito ao desenvolvimento do mercado, na medida em que a falta de

critérios produz impactos sobre a competitividade. A falta de uma política de preços com

critérios transparentes e bem definidos pode comprometer a viabilidade da política energética

do país (Almeida, 2005).

O mercado brasileiro de gás natural pode ser considerado como um mercado pouco

maduro, com considerável grau de integração e caracterizado, em grande medida, como um

64

monopólio27. Assim, a dinâmica de preços no mercado gasífero brasileiro é mais influenciada

por regulamentações e contratos, muitas vezes inflexíveis, do que por variações

mercadológicas de oferta e demanda.

A falta de maturidade do mercado de gás natural brasileiro pode ser justificada,

principalmente, pelos gargalos impostos pela carente infra-estrutura de transporte.

Diferentemente dos Estados Unidos e da Europa, onde houve um planejamento em torno da

questão do transporte do gás natural, a infra-estrutura para o gás no Brasil não foi planejada

de maneira conjunta com o processo de industrialização, de modo que as redes não foram

implantadas acompanhando o crescimento das cidades (Leite, 2007; Pinto Jr. et al., 2007).

Logo, o incipiente desenvolvimento do mercado brasileiro de gás natural pode ser justificado

pela falta de uma maior integração regional, decorrente da embrionária malha dutoviária

existente no país.

O gás natural que circula no mercado gasífero brasileiro possui basicamente três

formas distintas de determinação de preços, conforme origem e utilização. Assim, tem-se uma

forma para estabelecer o preço do gás natural produzido internamente, outra para determinar o

preço do gás importado e outra para precificar o gás natural destinado às termelétricas, que

serão discutidas a seguir.

II. 2. 1 – O Preço Máximo do Gás Nacional

27 A indústria de gás natural brasileira, embora revele algumas características de competição, tais como a preocupação com o estímulo ao aumento de demanda de gás e o livre acesso de terceiros ao transporte por gasodutos, ainda apresenta um modelo monopolista, na medida em que existe uma grande empresa, responsável por cerca de 90% da produção nacional, das reservas e dos investimentos, e que atua de forma integrada.

65

Até 1999, as regras de precificação do gás natural no Brasil estabeleciam um teto que,

por sua vez, correspondia ao preço do seu principal concorrente – o óleo combustível.

Levando em conta a equivalência energética entre estes combustíveis, a Portaria DNC nº 24

de 07 de junho de 1994 estabeleceu uma paridade máxima de 75% entre o preço de venda do

gás para fins combustíveis e o preço do óleo combustível A128, não identificando a parcela de

preço referente ao transporte de gás natural. Esta regra de determinação de preços apresentou-

se consideravelmente estável devido ao controle de preços do óleo combustível que existia até

então (ANP, 2004).

Entretanto, a aprovação da Lei 9.478/ 97 (conhecida como a “Lei do Petróleo”29)

introduziu importantes mudanças na indústria e na precificação do petróleo, gás e derivados,

prevendo a liberação de preços anteriormente controlados. Devido à existência de um grande

número de contratos de longo prazo, estabeleceu-se em lei um período de transição para a

liberação dos preços. O período compreendido entre agosto de 1997 e 31 de dezembro de

2001 tornou-se um período de transição, dentro do qual os reajustes e as revisões de preços

seriam determinados em ato conjunto pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e

Ministério da Fazenda (MF).

As Portarias Interministeriais MF/ MME nº 90 e 91 de 1999 determinaram a variação

mensal do preço do óleo combustível, conforme as variações do mercado internacional e neste

mesmo ano a Portaria MF/ MME nº 92 ratificou as portarias anteriores e modificou a paridade

entre o gás e o óleo combustível: 86,22% para o gás de origem nacional e 97,72% para o gás

importado.

28 O óleo combustível A1 apresenta viscosidade cinemática máxima de 620 mm2/s (a 60° C) e teor de enxofre máximo de 2,5%, além de outras características especificadas no Regulamento Técnico n.º 003/99, aprovado pela Portaria ANP nº 80/99.

29 A Lei n.º 9.478, de 6 de agosto de 1997, instituiu o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e dispôs, entre outros aspectos, sobre a política energética nacional e as atividades relativas ao monopólio do petróleo, gás e derivados. Para mais detalhes, consultar a Lei n° 9.478/97 no endereço eletrônico da ANP < http:// www.anp.gov.br/conheca/lei.asp >.

66

A flexibilização das regras para a fixação dos preços dos óleos combustíveis após a

Lei nº 9.478/ 97 e a conjuntura desfavorável no mercado internacional, refletida na forte

volatilidade de preços do petróleo, conduziram os preços do gás natural para uma trajetória de

instabilidade a partir de 1999 e o preço máximo de venda do gás passou a experimentar

oscilações consideráveis (ANP, 2002a).

Diante dessa situação, tornou-se importante a definição de mecanismos de preços que

refletissem a estrutura de custos das diversas etapas da cadeia produtiva do gás natural,

reestruturando as relações comerciais neste mercado. Basicamente, tratava-se da necessidade

de separar definitivamente as atividades de comercialização e transporte. Em fevereiro de

2000, a Portaria MF/ MME nº 003 fixou os preços máximos de venda à vista do gás natural

produzido internamente às distribuidoras estaduais nos city gates, desta vez levando em

consideração não somente os custos relacionados ao produto30, como também os custos

referentes ao transporte (PM = PGT + TRef). A parcela referente ao transporte passou a refletir

a distância percorrida pelo gás, provocando diferenciações de preços entre os diversos estados

brasileiros (ANP, 2002a).

Através destas modificações, buscava-se dar maior transparência à formação de

preços, introduzir mecanismos para corrigir cada parcela do preço, reduzir a prática de

subsídios cruzados e aumentar a eficiência na utilização das redes de transporte. A fixação de

preços imposta por esta portaria tinha caráter transitório, dado que a Lei 9.478/ 97 previa a

liberação dos preços após 31 de dezembro de 2001.

A parcela referente ao produto (PGT), denominada preço do gás na entrada do

gasoduto de transporte ou preço commodity, correspondia à diferença entre o preço no city

gate praticado ao longo do segundo semestre de 1999 (R$ 130,20/ mil m3) e a parcela

30 Nesta parcela referente ao produto, incluem-se todos os custos e a remuneração até a entrada do gás no sistema de transporte, ou seja, equivale à soma dos custos e remuneração referentes à produção, transferência e processamento do gás.

67

referencial de transporte (TRef), portanto, calculada de forma residual. Segundo esta

metodologia, a fórmula de atualização do preço commodity era: [PGT = 0,5 x PGT(Ant) + 0,5 x

PGT(0) x ∆∆∆∆ Cesta de Óleo Combustível x (TC/TC0)], onde PGT(Ant) corresponde ao PGT do

trimestre anterior; PGT(0) corresponde ao valor inicial de PGT (R$ 110,80/ mil m3); TC

corresponde valor médio do câmbio de venda do dólar norte-americano do trimestre relativo

aos meses m-4, m-3 e m-2, onde m é o primeiro mês do trimestre para vigência do preço; e

TC0 valor médio do câmbio de venda do dólar norte-americano de junho a agosto de 1999.

A TRef foi especificada com o objetivo de remunerar todo o sistema de transporte,

levando em consideração o custo de reposição da malha de gasodutos de transporte existente.

A Portaria ANP nº 108 (junho de 2000) estabeleceu as parcelas referenciais de transporte por

estado, levando em conta a variável distância. Devido à escassez de informação e a fim de

evitar a introdução de grandes mudanças nas tarifas, foram considerados apenas 30% dos

custos proporcionais à distância (ANP, 2002a).

A metodologia31 utilizada para o cálculo destas tarifas foi reavaliada – houve

atualização dos valores anteriores pelo IGP-M (Índice Geral de Preços do Mercado), aumento

da proporcionalidade da distância para 40% e incorporação dos volumes de gás que não

utilizavam os gasodutos definidos como de transporte – e a Portaria ANP n° 101/ 2001

divulgou os novos resultados obtidos. A Tabela 3 abaixo expõe os resultados obtidos pelas

duas portarias.

31 Para saber mais detalhes acerca da metodologia utilizada pela ANP para o cálculo das tarifas referenciais de transporte por estado, ver ANP (2002a) p. 15-226.

68

Tabela 3 - Parcelas Referencias de Transporte por Estado Portaria ANP 108/ 2000 Portaria ANP 101/ 2001

R$/ mil m3 R$/ mil m3

Ceará 22,13 19,40Rio Grande do Norte 18,67 18,99Paraíba 23,74 26,50Pernambuco 27,51 32,08Sergipe 16,46 12,83Bahia 16,84 16,29Espírito Santo 16,80 16,23Rio de Janeiro 17,31 16,25São Paulo 23,97 26,85Minas Gerais 26,49 30,57

ESTADO

Fonte: Elaboração própria, a partir da ANP

De acordo com ANP (2002a), as alterações realizadas pela nova portaria

representaram um avanço, na medida em que proporcionaram uma alocação mais eficiente

dos custos entre os usuários do sistema de transporte e de transferência do gás, evitando

progressivamente a prática de subsídios entre estes. Entretanto, a publicação desta portaria

deu margem à interposição de recursos por parte do Sindicato da Indústria de Refinação do

Sal no Estado do Rio de Janeiro, que questionou alguns pontos como a estabilidade da

regulamentação, o benefício concedido a CSN, o limite da competência da ANP para fixar as

tarifas incidentes sobre a distribuição do gás canalizado e falta de audiência pública. Assim, a

Portaria n° 130/ 2000 suspendeu a Portaria n° 101/ 2001, restabelecendo a Portaria 108/ 2000

durante o período de suspensão.

É importante ressaltar que a edição da Portaria MF/ MME n° 03 revelou que o

principal objetivo pertinente à regulação econômica naquele momento era discriminar as

atividades de comercialização e transporte (unbundling) dentro dos critérios de formação de

preço do gás natural. Assim, neste momento, a preocupação acerca do vínculo entre o preço

do gás e o preço do seu principal concorrente e a preocupação quanto à atratividade das

atividades de E&P relacionadas ao gás natural foram postas em um segundo plano.

69

Após o período de transição estabelecido em lei, os preços do gás natural deixaram de

ser fixados pelo governo e passaram a ser negociados livremente entre as partes interessadas

de forma direta. Assim, estabeleceu-se um ambiente de preços livres para o gás natural

nacional vendido às distribuidoras estaduais. No entanto, ao mesmo tempo em que se

instaurou um ambiente com certos aspectos competitivos, começaram a surgir alguns

problemas referentes à atuação da Petrobras na determinação de preços. Algumas CDLs,

através da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (ABEGÁS),

passaram a se queixar do uso do poder de mercado da Petrobras, empresa monopolista no

segmento upstream da cadeia do gás, conforme será discutido nas subseções a seguir.

Embora tenha havido um período de transição para a liberação dos preços do gás

natural, muitos contratos antigos ainda se encontravam em vigência e estavam desenhados

para um contexto de controle geral dos preços. Dessa forma, a estrutura contratual existente

era o principal entrave à efetiva separação das atividades de comercialização e transporte, e o

gás natural era comercializado como um “pacote fechado” pela Petrobras (ANP, 2002a).

Além disso, algumas CDLs passaram a enfrentar dificuldades nas negociações com a

Petrobras, uma vez que esta estabelecia suas condições de preços sem regras previamente

definidas.

O Gráfico 8 apresenta a evolução dos preços médios32 do gás nacional no city gate, a

partir de 1999, no qual é válido observar o movimento dos preços após a liberalização em

2002. Nos últimos dez anos, observa-se um aumento acumulado de 342% no preço do gás

natural produzido no Brasil.

32 O gráfico apresenta o histórico de preços médios do gás natural, tendo em vista que os preços divergem entre os estados em função das tarifas de transporte.

70

Gráfico 8 - Histórico de Preços Médios do Gás Nacional no City Gate

0,00

1,00

2,00

3,00

4,00

5,00

6,00

7,00

8,00

9,00

10,00

Trim

19

99

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20

00

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20

00

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20

01

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20

01

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20

02

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20

02

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20

03

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20

03

Trim

20

04

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20

04

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20

05

Trim

20

05

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20

06

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20

06

Trim

20

07

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20

07

Trim

20

08

Trim

20

08

Trim

20

09

US$

/ M

ilhõ

es d

e B

TU

Fonte: Elaboração própria, a partir de dados da Petrobras

Cabe destacar que a partir de janeiro de 2008, essa metodologia foi abandonada e a

Petrobras adotou uma nova política de preços junto às distribuidoras estaduais de gás

canalizado. De acordo com a nova política, o preço passou a ser composto por uma parcela

fixa, atualizada anualmente pelo IGP-M, e por uma parcela variável, reajustada

trimestralmente pela variação de uma cesta de óleos e do câmbio. O objetivo da parcela fixa é

remunerar os custos de transporte do gás natural e evitar uma grande volatilidade do preço

final do gás em função de flutuação do câmbio e do preço do petróleo que reajustam a parcela

variável. Em função da introdução da nova política de preços, é possível notar que houve uma

redução significativa dos preços do gás nacional no city gate a partir do terceiro semestre de

2008, devido à queda de preços no mercado de petróleo após a crise econômica.

71

II. 2. 2 – O Preço do Gás Importado

O Brasil consome anualmente cerca de 23 bilhões de m3 e produz apenas 18 bilhões de

m3, sendo que cerca de 5,5 bilhões de m3 do volume total produzido correspondem às

variações de estoque, perdas e ajustes, o que aumenta ainda mais a necessidade de importação

do país para que a demanda nacional seja devidamente atendida (BEN, 2008).

Desde a entrada em operação do gasoduto Bolívia-Brasil33 (GASBOL) em 1999, a

importação de gás boliviano é crescente na pauta de importações brasileiras. Em 2000, apenas

um ano após o início das operações, o volume de importações provenientes da Bolívia cresceu

mais de 400% (ANP, 2008a). Atualmente, o volume total de gás importado ultrapassa 10

bilhões de m3 e cerca de 98% deste total corresponde à importação do gás boliviano (ANP,

2008a).

Em 2000, o Brasil começou a importar gás da Argentina, no entanto, o volume

importado deste país possui pouca relevância quando comparado ao gás boliviano. Em 2007,

por exemplo, o Brasil importou 166 milhões de m3 de gás argentino, o que representou uma

queda de 65% em relação ao ano anterior. Por outro lado, neste mesmo período as

importações de gás provenientes da Bolívia cresceram quase 10% (ANP, 2008a).

A participação do gás importado no consumo total brasileiro vem se tornando cada vez

mais significante, como se pode observar no Gráfico 9. A produção nacional considerada

abaixo exclui o volume queimado, perdido e reinjetado.

33 O Gasoduto Bolívia-Brasil é o maior gasoduto da rede de transporte operante no país, possuindo uma extensão de 3.150 km (567 km em solo boliviano e 2.583 km em solo brasileiro) que liga Santa Cruz de La Sierra (Bolívia) a Porto Alegre (Brasil). Este gasoduto possui uma capacidade de transporte de até 30 milhões m3 por dia e é formado por dois trechos – Norte, que liga Corumbá (MS) a Guararema (SP), e Sul, que liga Campinas (SP) a Refinaria Alberto Pasqualini (Refap) localizada em Canoas (RS). Sua operação é realizada pela Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil S.A – TBG, constituída em 1997, com a finalidade principal de atuar no transporte de gás natural oriundo da Bolívia. A empresa nasceu de uma associação entre Petrobras, através da subsidiária Petrobras Gás S.A – Gaspetro, e outras importantes empresas no setor de energia, com uma estrutura acionária composta com as seguintes participações: Gaspetro com 51%, BBPP Holding com 29%, Transredes com 12% e Shell com 4% e Prisma Energy com 4% (ANP, 2008b).

72

Gráfico 9 - Evolução da Importação de Gás Natural no Consumo Nacional

0

5.000

10.000

15.000

20.000

25.000

19

99

20

00

20

01

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20

03

20

04

20

05

20

06

20

07

Milh

ões

de

m3

IMPORTAÇÃO

PRODUÇÃO

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do BEN (2008)

No que diz respeito à definição de preço para o gás natural importado, cabe mencionar

que este passou a ser livremente negociado entre as partes após a Portaria MF/ MME n° 03 de

fevereiro de 2000, cabendo à ANP apenas a arbitragem no caso da ocorrência de conflitos. O

preço do gás natural boliviano definido em contratos firmados entre a Petrobras e as

distribuidoras é formado pelo valor do produto (commodity) – reajustado trimestralmente,

cuja atualização está atrelada ao reajustes da cesta de óleos combustíveis composta de um

óleo pesado (HSFO) e dois óleos leves (LSFO), com cotações no golfo americano e no sul e

norte da Europa, onde o óleo HSFO tem um peso de 50%, enquanto os óleos leves têm peso

de 25% cada um – e pela tarifa de transporte, reajustada anualmente (site Petrobras).

Os primeiros contratos de fornecimento foram realizados entre a Petrobras e as

seguintes companhias distribuidoras de gás natural: MSGÁS (MS), COMGÁS (SP),

COMPAGÁS (PR), SCGÁS (SC) E SULGÁS (RS). No primeiro semestre de 2001, o preço

do gás importado totalizava US$ 3,475/ milhões de Btu, sendo US$ 1,80/ milhões de Btu e

73

US$ 1,675/ milhões de Btu as parcelas referentes, respectivamente, ao produto e ao transporte

(ANP, 2001).

Em 1999, quando o Brasil passou a importar gás natural, o total gasto com as

importações foi da ordem de US$ 19 milhões, sendo que o valor médio do gás natural neste

ano era US$ 48/ mil m3. Em 2007, o dispêndio de recursos brasileiros com a importação do

gás ultrapassou US$ 1,7 bilhão, registrando um crescimento de cerca de 14% em relação ao

ano de 2006. Atualmente o valor médio do gás importado está em torno de US$ 172/ mil m3

(ANP, 2008b).

Os Gráficos 10 e 11 a seguir apresentam, respectivamente, os dispêndios brasileiros

com a importação e o histórico de preços do gás importado no city gate. A queda do preço do

gás importado a partir do terceiro semestre de 2008 pode ser explicada em função da parcela

variável atrelada ao mercado de petróleo, introduzida após a alteração da política de preços da

Petrobras.

Gráfico 10 - Dispêndio com Importação e Valores Médios do Gás Natural Importado

0

200

400

600

800

1.000

1.200

1.400

1.600

1.800

2.000

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

US

$ m

ilhõ

es

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40

60

80

100

120

140

160

180

200

US

$ / m

il m

3

Dispêndio Valor Médio

Fonte: Elaboração própria a partir do Anuário Estatístico Brasileiro ANP (2008a)

74

Gráfico 11 - Histórico de Preços Médio do Gás Importado no City Gate

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Fonte: Elaboração própria, a partir de dados da Petrobras

Por fim, é válido destacar que, apesar da crise ocorrida em 2006 entre Brasil e

Bolívia34, as exportações de gás natural para o Brasil são essenciais para a economia boliviana

e representam cerca de 18% do PIB daquele país – do volume total produzido de gás na

Bolívia, 75% é exportado para o Brasil e 15% para a Argentina, restando apenas 10% para o

mercado interno (Rosa, 2006).

II. 2. 3 – O Preço do Gás Natural Destinado ao Programa Prioritário de Termeletricidade

34 Em maio de 2006, o governo boliviano decidiu nacionalizar suas reservas de petróleo e gás natural e exigiu um aumento de mais de 50% no preço do gás exportado ao Brasil. O decreto de nacionalização das reservas determinou que as empresas produtoras de petróleo e gás na Bolívia deveriam transferir seus ativos para a estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), que assumiria a comercialização dos hidrocarbonetos e se responsabilizaria pela definição de volumes e preços (Santos et al., 2006).

75

O Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT) foi um plano emergencial lançado

pelo Governo Federal para fazer frente ao cenário de escassez de energia elétrica vivenciado

pelo país no final da década de 1990. O baixo volume de investimentos realizados pelas

empresas após a reforma do setor elétrico em 1996 juntamente com a queda significativa dos

estoques de água nos reservatórios brasileiros foram, em grande medida, responsáveis pela

crise no setor elétrico nacional, marcada por dois grandes blackouts de energia: o primeiro em

abril de 1997 e o segundo em março de 1999 (Santos et al., 2002).

Tendo em vista essa situação e na tentativa de reduzir a dependência energética

nacional em relação à hidroeletricidade, o governo brasileiro lançou o PPT, o qual previa a

construção de usinas termelétricas, utilizando o gás natural importado da Bolívia (Santos et

al., 2002). A primeira versão do PPT foi lançada em 1999, dois anos antes do racionamento

de energia em 2001. Por conta da aparente falta de interesse por parte dos investidores, o

governo lançou uma segunda versão do PPT em fevereiro de 2000, através do Decreto nº

3.371, projetando um aumento de 17 GW da capacidade de energia elétrica do país, a ser

produzida por 49 termelétricas, das quais 44 seriam movidas a gás natural (Trebat, 2003).

Assim, além de garantir a confiabilidade do sistema elétrico, o PPT tinha como objetivo

aumentar a participação do gás natural de 3% na matriz energética brasileira para 12% em

2010.

No entanto, segundo Freitas (2004), em 2001 apenas 10 dos projetos previstos no PPT

estavam em andamento, demonstrando um atraso significativo na construção das termelétricas

e expondo o país a um iminente déficit de energia elétrica, dado que o nível dos reservatórios

continuava baixo. Os reservatórios das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste

apresentavam o nível de armazenamento de 32% em abril de 2001 (Giambiagi et al., 2002).

No que se refere à precificação do gás natural destinado às usinas termelétricas no

âmbito do PPT, cabe destacar a Portaria MF/ MME nº 176/ 01. Esta portaria determinou que o

76

preço do gás natural produzido pela Petrobras deveria ser único, não havendo distinção de

preços em função da origem e do custo de transporte, e fixou o preço do gás em US$ 2,581/

milhões de Btu, devendo ser corrigido anualmente pelo índice de inflação norte-americano

(Producer Price Index – PPI). O Gráfico 12 abaixo apresenta o histórico de preços do PPT.

Gráfico 12 - Histórico de Preços do Gás Natural para o PPT

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Fonte: Elaboração própria, a partir da Petrobras

Esta portaria introduziu também um mecanismo de compensação das variações

cambiais para as plantas com capacidade de até 40 milhões de m3 por dia e que entraram em

operação comercial até junho de 2003, posteriormente adiado para dezembro de 2004,

visando eliminar o risco de perdas cambiais no período entre os reajustes de preço do gás

natural e os reajustes das tarifas de energia elétrica (ANP, 2002a).

O reajuste de preço do gás natural, segundo a Portaria MF/ MME nº 176/ 01, divide-se

em duas parcelas distintas: (i) 80% do preço total do gás fornecido para as termelétricas deve

ser reajustado de acordo com a variação do câmbio e com o índice de preços ao atacado no

77

mercado dos Estados Unidos; e (ii) 20% deve ser reajustado em função das correções anuais

pelo IGP-M.

É importante destacar que as térmicas que foram incluídas até dezembro de 2004 no

programa, cujos contratos de fornecimento de gás ainda estão em vigor, continuam pagando o

preço do gás calculado no âmbito do PPT. No entanto, os contratos para as novas

termelétricas, ou seja, após dezembro de 2004, não apresentam mais esta regra de

precificação, conforme será relatado na próxima seção.

A Tabela 4 resume a política de preços praticada no Brasil a partir de 2000, para o gás

nacional, importado e destinado ao PPT e o Gráfico 13 apresenta a evolução dos preços do

gás natural nos últimos dez anos e traça uma comparação com o histórico de preços do

petróleo no mercado internacional.

Tabela 4 - Resumo da Política de Preços do GN no Brasil após 2000 PPT

Plantas com até 40 milhões de m 3 / dia

Commodity

Reajuste Trimestral

Cesta de Óleos

Variação Cambial

1,87

US$/

MMBTU

Reajuste Trimestral

Cesta de Óleos

Variação Cambial

1,39

US$/

MMBTU

Tarifa de Transporte

Reajuste Anual

30% Proporcional à

Distância

0,22

US$/

MMBTU

Reajuste Anual (0,5% aa)

Variação Cambial

1,65 (*)

US$/

MMBTU

Preço Final

(City Gate )

2,09

US$/

MMBTU

3,04

US$/

MMBTU

(*) Capacidade + Movimentação

Portaria MF/MME 003/ 2000 Contrato Petrobras - DistribuidorasGás Nacional Gás Importado

Preço Total:

2,581 US$/ MMBTU

Reajuste Anual

0,8 x PPI X Cambio

0,2 x IGP-M

Fonte: Elaboração própria a partir de ANP (2001)

78

Gráfico 13 - Histórico de Preços do Gás Natural no Brasil x Preço Brent

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Gás Nacional Preço do Gás Natural para PPT Gás Boliviano Preço do Brent

Fonte: Elaboração própria, a partir de dados da Petrobras e da EIA

Observa-se que, após 2002 quando houve a liberalização do preço commodity, os

preços se comportaram de forma muito instável e que, principalmente a partir do primeiro

trimestre de 2007, vivenciaram uma fase de ascensão. Destaca-se o segundo trimestre de

2008, onde o preço do barril de petróleo apresentou na média o pico US$ 121, 39,

influenciando assim a alta de preços do gás natural no Brasil.

II. 3 – A Política Tarifária das Distribuidoras Brasileiras de Gás Natural

II. 3. 1 – Aspectos Relevantes da Atividade de Distribuição de Gás Natural no Brasil

79

A atividade de distribuição compõe o segmento downstream da cadeia produtiva do

gás natural e constitui-se como um elo importante frente aos consumidores finais. Até o final

da década de 1980, apenas os Estados do Rio de Janeiro e São Paulo possuíam companhias

distribuidoras locais (CDLs) de gás canalizado e nos demais estados a Petrobras fornecia

diretamente o gás para os consumidores industriais. Contudo, após a promulgação da nova

Constituição Federal em 1988, a distribuição de gás canalizado no país passou a ser uma

atividade competente aos Estados da Federação, conforme estabeleceu o Art. 25 § 2º:

“Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão a empresa estatal,

com exclusividade de distribuição, os serviços locais de gás canalizado”.

A partir da nova Constituição, diversos estados instituíram através de leis estaduais

suas próprias companhias distribuidoras, aptas a operar por meio de contratos de concessão.

Em 1995, a emenda constitucional nº 0535 modificou o Art. 25, permitindo não somente que

as empresas estatais como também as empresas privadas pudessem atuar na atividade de

distribuição. Dessa forma, os Estados do Rio de Janeiro e São Paulo outorgaram suas áreas de

concessão de distribuição de gás natural a empresas privadas e as configurações do mercado

de distribuição36 no país começaram a se delinear.

Atualmente, a atividade de distribuição de gás canalizado no Brasil é realizada por 27

companhias distribuidoras estaduais (Figura 6), das quais a Petrobras possui participação

acionária em 20, através das subsidiárias Gaspetro e BR Distribuidora (Tabela 5).

35 Segundo a emenda constitucional nº 05 “Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os

serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua

regulamentação”.

36 A Lei 9.478/ 97, em seu Art. 6° inciso XXII, ratificou a definição acerca da atividade de distribuição de gás canalizado conforme os termos do § 2º do Art. 25 da Constituição Federal.

80

Figura 6 - Mapa das Concessionárias de Gás Natural no Brasil

Fonte: site ABEGÁS

Tabela 5 - Participação Acionária da Petrobras nas Distribuidoras Estaduais

Estados Distribuidoras

Estaduais

Participação

Acionária da

Petrobrás (%)Alagoas Algás 41,50Amapá Gasap 37,30Bahia Bahiagás 41,50Ceará Cegás 41,50Distrito Federal Cebgás 32,00Espírito Santo BR 100,00Goiás Goiásgás 34,46Maranhão Gasmar 23,50Mato Grosso do Sul MSGás 49,00Minas Gerais Gasmig 40,00Paraíba Pbgás 41,50Paraná Compagás 24,50Pernambuco Copergás 41,50Piauí Gaspisa 37,25Rio de Janeiro CEG Rio 37,40Rio Grande do Norte Potigás 83,00Rio Grande do Sul Sulgás 49,00Rondônia Rongás 41,50Santa Catarina SCGás 41,00Sergipe Emsergás 41,50

Fonte: Elaboração própria a partir de Petrobras (2007)

81

Entre as empresas nas quais a Petrobras não possui participação destaca-se a

COMGÁS – maior distribuidora de gás natural canalizado do país, tanto no que diz respeito à

extensão da rede de gasodutos, ao número de clientes e no que se refere ao volume de ativo

investido. Sua área de concessão abrange 177 municípios do Estado de São Paulo e atende

cerca de 770 mil clientes. Em 2008, a companhia distribuiu aproximadamente 5,25 bilhões de

m3 de gás natural – o que representou mais de 25% das vendas totais de gás no país (Site

COMGÁS). A COMGÁS foi privatizada em 1999 e os seus principais acionistas são o Grupo

BG (antiga British Gas) e a Shell.

Quando se observa a estrutura de capital das distribuidoras, é possível notar uma

diferença significativa em relação ao nível de extensão da rede e ao grau de investimento. Em

geral, as empresas privadas investem mais e por isso possuem uma rede mais extensa. A

COMGÁS, por exemplo, possui uma rede de aproximadamente de 6 mil km enquanto a

SCGÁS (distribuidora do Estado de Santa Catarina) possui apenas cerca de 800 km (site

ABEGÁS). Por conta disso, quase que a totalidade dos consumidores de gás natural é cliente

de empresas privadas.

A atividade de distribuição, conforme já discutido no primeiro capítulo desta

dissertação, envolve elevados custos associados à construção das redes físicas de gasodutos.

Essa característica faz com que o monopólio muitas vezes se apresente como a solução

economicamente mais viável para o desempenho desta atividade e justifica a participação

significativa da Petrobras. No entanto, cabe ressaltar que apenas a distribuição física do gás

natural pode ser tratada como um caso de monopólio natural, pois as demais atividades

referentes à distribuição, como a comercialização e os serviços de medição, não apresentam

características de monopólio (Ferraro, 2006).

A distribuição compreende a construção, manutenção e operação das redes físicas de

gasodutos e, portanto, trata-se de uma atividade com elevados custos associados. A

82

comercialização diz respeito à compra de gás de um carregador ou produtor e sua revenda aos

consumidores finais. Sendo assim, a atividade de comercialização é uma atividade

potencialmente competitiva desde que não associada à atividade de distribuição.

A fiscalização da atividade de distribuição é realizada pelas agências reguladoras

estaduais (Tabela 6). Em linhas gerais, a regulação do setor de distribuição tem como

objetivo central a tentativa de adequar os interesses privados aos interesses públicos. Dessa

forma, todos os aspectos referentes aos contratos estabelecidos entre os governos locais e as

empresas concessionárias – tais como prazos, tarifas de distribuição, regras de reajustes de

tarifas, qualidade dos serviços prestados, manutenção e operação das atividades,

investimentos a serem realizados pelas concessionárias, entre outros – são regulados por essas

agências.

Por fim, vale ressaltar que as distribuidoras de gás natural no país estão centralizadas

majoritariamente nas Regiões Sul e Sudeste. A venda de gás natural concentra-se em apenas

nove estados – Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo,

Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul –, totalizando quase 50 milhões m3 diários ou

95,5% do total vendido pelas distribuidoras brasileiras (site GasNet).

83

Tabela 6 - Agências Reguladoras Estaduais ESTADO AGÊNCIAS ESTADUAIS

Alagoas ARSAL – Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas

AmazonasARSAM – Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos do

Amazonas

BahiaAGERBA – Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos de

Energia, Transportes e Comunicações da Bahia

Ceará ARCE – Agência de Regulação do Ceará

Espírito Santo ASPE - Agência de Serviços Público de Energia do Estado do Espírito Santo

GoiásAGR – Agência Goiânia de Regulação, Controle e Fiscalização de Serviços

Públicos

Mato GrossoAGER/ MT – Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos

Delegados do Estado do Mato Grosso

Mato Grosso do SulAgência Campo Grande – Agência de Regulação dos Serviços Públicos

Delegados de Campo Grande

Pará ARCON – Agência de Regulação e Controle de Serviços Públicos do Pará

Paraíba ARPB - Agência de Regulação do Estado da Paraíba

PernambucoARPE – Agência Estadual de Regulação dos Serviços Delegados de

Pernambuco

Rio de JaneiroAGENERSA – Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do

Estado do Rio de Janeiro

Rio Grande do Norte ARSEP – Agência Reguladora de Serviços Públicos do Rio Grande do Norte

Rio Grande do SulAGERGS – Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados

do Rio Grande do Sul

São Paulo CSPE – Comissão de Serviços Públicos de Energia

Sergipe ASES – Agência Reguladora dos Serviços Concedidos do Estado de Sergipe

Fonte: Elaboração própria a partir da Associação Brasileira das Agências de Regulação

II. 3. 2 – As Tarifas de Distribuição de Gás Natural no Brasil

No Brasil, como em muitos outros países, as companhias de distribuição de gás

operam sob o regime de exclusividade geográfica, ou seja, as empresas possuem o monopólio

territorial da distribuição. Pinto Jr. et al. (2007) destacam que: “Em alguns casos, o principal

fator de incentivo aos investimentos na rede de distribuição é a exclusividade de mercado por

longos períodos tempo (Brasil e Bolívia, por exemplo)” (p. 275).

84

No que diz respeito aos contratos de concessão referentes à atividade de distribuição,

cabe mencionar que os mesmos podem ser estabelecidos junto a empresas estatais ou

privadas, conforme já mencionado. Entretanto, é possível encontrar três tipos distintos de

contratos de concessão que regulamentam a prestação do serviço de distribuição: um modelo

para as empresas públicas e dois modelos para as empresas privadas.

Os contratos com características do modelo estatal foram firmados no início dos anos

1990 junto às empresas estaduais de distribuição. Esses contratos garantem às concessionárias

a exclusividade na prestação do serviço de distribuição e comercialização por 50 anos. Os

contratos não estabelecem metas de investimentos. Em geral, determinam a taxa de retorno

mínima que os projetos devem obter. Por exemplo, a cláusula sétima do contrato de concessão

assinado entre o Estado da Bahia e a Companhia de Gás da Bahia (BAHIAGÁS) determina

que:

“A Concessionária promoverá, a seu encargo exclusivo, todas e quaisquer obras,

instalação de canalizações, redes e equipamentos nas áreas cujos estudos de

viabilidade econômica justifiquem a rentabilidade dos investimentos realizados,

segundo as taxas de retorno não inferiores a 20% (vinte por cento) ao ano, para tal

considerada como a média ao longo do ano e critérios de depreciação estabelecido

no presente Contrato, garantindo sempre a segurança e a justa retribuição do

capital investido”.

Os contratos nestes moldes não estabelecem regras para fixação de tarifas. As

concessionárias propõem tarifas, que por sua vez estarão sujeitas à aprovação ou não por parte

da autoridade concedente. No entanto, geralmente nos estados onde as distribuidoras possuem

características do modelo de controle estatal, a metodologia adotada para determinar as tarifas

do gás canalizado é a cost plus, ou seja, os contratos desenhados nesses moldes estabelecem

que as tarifas fixadas pelas concessionárias sejam tais que recuperem todas as despesas

incorridas e remunerem o capital investido.

As tarifas são atualizadas anualmente com base no IGP-M, mas podem ser reajustadas

a qualquer momento caso esteja em risco o equilíbrio econômico-financeiro das

85

concessionárias e a viabilidade econômica dos investimentos. É válido destacar que no

modelo estatal as concessionárias podem repassar para as tarifas aos consumidores finais as

eventuais variações nos preços de compra e transporte de gás (Ferraro, 2006).

É importante mencionar que a diferenciação de tarifas conforme a sazonalidade,

interruptibilidade do fornecimento, perfil do consumo diário, fator de carga e do preço do

energético a ser substituído é permitida.

No que diz respeito às empresas privadas, há um contrato que regulamenta as

atividades das distribuidoras do Estado do Rio de Janeiro (CEG e CEG Rio) e outro que

regulamenta as atividades do Estado de São Paulo (COMGÁS, GÁS NATURAL, GÁS

BRASILIANO)37. Em comum, tem-se que os contratos no âmbito do modelo privado

determinam as metas de investimento, as tarifas e as revisões tarifárias.

Nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo o critério utilizado é o de tarifas tetos,

instituindo as margens máximas a serem praticados pelas concessionárias. Essa metodologia,

também conhecida como “price-cap”, estabelece as tarifas teto por um prazo de cinco anos,

reajustadas anualmente pelo IGP-M dos doze meses anteriores e discriminadas conforme tipo

de serviço, qualidade do gás, segmento e classe de consumo.

Essa metodologia tem com objetivo proteger os consumidores cativos de preços

abusivos. A definição de uma margem máxima (µµµµMáx) visa permitir a obtenção de receitas

suficientes para cobrir os custos de operação, manutenção, impostos – exceto imposto de

renda, encargos e depreciação, relacionados com a prestação dos serviços de distribuição de

gás canalizado – e uma rentabilidade justa.

Em geral, a tarifa teto é composta por termos fixos e variáveis, sendo o termo variável

formado pela margem máxima somada ao preço do gás e do transporte (Tarifas Teto = PGás + 37 Os contratos baseados neste modelo são vistos como os contratos que mais se aproximam do desenvolvimento do mercado nacional de gás natural. Este modelo impõe rigorosas metas de investimentos a serem cumpridas no prazo máximo de dez anos, que dizem respeito à captação de clientes, expansão da rede de distribuição, entre outros.

86

P Transporte + µµµµMáx). A atualização dos preços do gás e do transporte pode ocorrer durante o

período de reajuste ou quando, extraordinariamente, as variações dos preços colocarem o

equilíbrio econômico-financeiro da prestação dos serviços em risco (site ARSESP).

A revisão tarifária é realizada a cada cinco anos e seu objetivo é adequar as tarifas

praticadas pelas concessionárias de modo a refletir as alterações referentes ao custo de capital,

custo operacional, estrutura de mercado, investimentos na expansão do sistema, aumento da

produtividade e de avanços tecnológicos (site ARSESP).

A política de descontos livres, segundo a classe de consumo, permite às

concessionárias que estão sob o molde contratual privado a estabelecer preços competitivos,

incentivando muitas vezes a substituição de outros energéticos pelo gás natural (CSPE, 2004).

A Tabela 7 abaixo resume as principais características referentes aos três tipos de

contratos analisados.

Tabela 7 - Resumo dos Contratos de Distribuição

ContratoPrazo de

ConcessãoMetas de

InvestimentosRegulação Tarifária

Repasse de Aumentos dos Custos do Gás e Transporte

Revisão Tarifária

Privado São Paulo30 anosprorrogável por mais 20 anos

Determinado pelos órgãos reguladores

TT = PGás + P Transporte + μMáxMediante autorização do órgão regulador

Realizada a cada 5 anos.Considera estrutura, nível e classe das tarifas.

Privado Rio de Janeiro30 anosprorrogável por mais 30 anos

Determinado pelos órgãos reguladores

TT = PGás + P Transporte + μMáxMediante autorização do órgão regulador

Realizada a cada 5 anos.Considera estrutura, nível e classe das tarifas.

Estadual 50 anosNão há metas.Retorno mínimo exigido de 20%

Não há regras específicas.São permitidas tarifas diferenciadas.

Repasse automático

Realizada anualmente, podendo ser feita a qualquer momento.

Fonte: Elaboração própria, a partir de ARSESP e Ferraro (2006)

Uma vez exposta as características dos diferentes tipos de contratos para o serviço de

distribuição de gás canalizado, cabe ressaltar um aspecto relevante comum aos três modelos –

a definição das margens das distribuidoras. As margens de distribuição configuram-se como

87

uma importante variável, na medida em que podem impactar diretamente a competitividade

do gás natural frente aos energéticos substitutos.

A definição das margens é freqüentemente assunto de discussão entre a Petrobras e as

distribuidoras estaduais. A Petrobras alega que as margens de distribuição são elevadas e que

no período entre 2003 e 2005 a empresa absorveu sucessivos reajustes de preços do gás

boliviano. De acordo com o Presidente da Petrobras, em entrevista a GasNet, de 2005 até

meados de 2008 a estatal repassou apenas a metade do aumento de 90% do gás boliviano para

as distribuidoras, que tiveram suas margens de ganho expandidas. Entretanto, por conta do

aumento no consumo de gás no país, o ajuste de preços tornou-se uma solução necessária para

a empresa, uma vez que a mesma descartou a possibilidade de racionamento de gás. De

acordo com o Presidente da estatal, as distribuidoras deveriam arcar com o reajuste do

produto, alegando que elas possuem margem para isso:

“(...) a diferença é de sete ou oito vezes mais entre o preço que a distribuidora

paga a nós (Petrobras) e o que o consumidor paga a elas. A margem é muito

grande. Há possibilidade de eles não repassarem porque, se elevarem muito o

preço, o consumidor final sai do gás natural e vai para o GLP ou volta para a

energia elétrica”. (Presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli em entrevista a GASNET em 07/09/2008)

Por outro lado, as distribuidoras de gás canalizado do país alegam que desde o início

de suas operações absorvem a flutuação do dólar referente ao custo da commodity e às

correções anuais das tarifas de transporte. A SCGás afirma que em agosto de 2002 sua

margem foi reduzida em 5% por conta apenas da flutuação do câmbio e da defasagem entre o

custo de aquisição do gás e a tabela das distribuidoras, corrigidas a cada três meses (Revista

Brasil Energia, 2003).

As distribuidoras ainda questionam a falta de transparência da Petrobras no que tange

à tarifa de transporte que, dependendo do preço da commodity, pode representar uma parte

significativa da tarifa final, e o fato de apenas a margem de distribuição ser regulada na

composição da tarifa final do gás.

88

A ABEGÁS também questiona a formação de preços para o gás natural no país.

Segundo a Associação, o valor pago pelas indústrias é cerca de 100% mais elevado do que o

de referência no mercado internacional. Os preços são formados quase que em sua totalidade

pelo preço da commodity (70%) e pela carga tributária (20%), restando apenas 10% de

margem bruta para a distribuidora (ABEGÁS, 2009).

Como conseqüência direta desse processo de formação de preços e por conta do

elevado custo da commodity, é possível observar uma redução na competitividade do gás

natural no país e, consequentemente, uma acentuada redução no consumo deste energético.

II. 4 – O Papel da Petrobras na Determinação de Preços do Gás Natural

II. 4. 1 – Breve Histórico da Participação da Petrobras na Indústria de Gás Natural do

Brasil

A Petrobras, empresa estatal criada em 1953, está presente em todos os segmentos da

cadeia do petróleo e gás natural, atuando de forma integrada no E&P, refino, comercialização,

transporte, petroquímica e distribuição de petróleo, gás e derivados.

A empresa detém atualmente 92% da reservas provadas de gás natural no país

(equivalente a 336 bilhões de m3) e produz pouco mais de 50 milhões m3 por dia, o que

corresponde a 87% da produção brasileira (ANP, 2008a; Petrobras). A Petrobras possui

reconhecimento internacional devido ao desenvolvimento de tecnologia para exploração de

petróleo e gás em águas ultra-profundas e recentemente foi destaque no cenário mundial por

89

conta da descoberta das reservas do pré-sal38, que se estende do Estado de Santa Catarina até

o Espírito Santo. O novo modelo regulatório para a camada pré-sal encontra-se em fase de

aprovação no Congresso Nacional. A proposta de lei enviada ao Congresso concede a

Petrobras o direito de operar os novos campos ainda não licitados da camada pré-sal e a

participação mínima de 30% em todos os novos campos. Caso a lei sob essas premissas seja

aprovada, a Petrobras se fortalecerá ainda na indústria de petróleo e gás.

Além da participação de destaque nas atividades compreendidas pelo segmento

upstream, a Petrobras também atua de forma intensa no segmento downstream, por meio de

suas subsidiárias. A Petrobras Transporte S.A. (Transpetro), criada em 1998 conforme a Lei

9.478/ 97, é subsidiária integral da Petrobras e é responsável pelos serviços de transporte e

armazenamento na indústria de petróleo e gás natural, movimentando cerca de 75% de todo o

gás natural consumido diariamente no Brasil através de uma malha de 4.500 km. Isto é, a

empresa movimenta cerca de 50 milhões de m³ que chegam diariamente às distribuidoras para

abastecer mais de um milhão de residências, 17 mil pontos comerciais, mil indústrias, mais de

mil postos GNV e 12 termelétricas (site Transpetro).

Ainda no setor de transporte, destaca-se a Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-

Brasil S.A. (TBG), empresa criada em 1997 para participar da construção do lado brasileiro

do gasoduto Brasil-Bolívia e para operar o gasoduto após o término da construção. A TBG é

responsável pelo transporte e comercialização do gás natural proveniente da Bolívia, por um

gasoduto com 2.593 km de extensão do lado brasileiro, capaz de transportar até 30 milhões de

m³ por dia. Cabe destacar que a Petrobras Gás S.A. (GASPETRO), cujo controle é 100% da

Petrobras, possui 51% da composição acionária da TBG (site Transpetro).

38 A chamada camada pré-sal é uma faixa que se estende ao longo de 800 km entre os Estados do Espírito Santo e Santa Catarina e engloba três bacias sedimentares (Espírito Santo, Campos e Santos). A camada de petróleo e gás natural encontrado nesta área chega a superar os 7 mil metros de profundidade, abaixo de uma extensa camada de sal.

90

Na distribuição, a Petrobras atua por meio da subsidiária Petrobras Distribuidora (BR

Distribuidora), criada em 1971. Além da atividade de distribuição, a BR Distribuidora é

responsável pela comercialização e industrialização de produtos de petróleo e derivados e

pelas atividades de importação e exportação. Já em 1974, a empresa tornou-se a maior

distribuidora de derivados de petróleo do país, competindo e superando as distribuidoras

concorrentes; até tornar-se líder do setor. A empresa atende cerca de 7.200 postos de serviços

e possui mais de dez mil grandes clientes entre indústrias, termelétricas, companhias de

aviação e frota de veículos leves e pesados (site BR Distribuidora).

A BR Distribuidora possui desde 1993 a concessão para explorar a distribuição de gás

canalizado no Estado do Espírito Santo. A atuação da empresa começou com a distribuição de

400 mil m³ por dia, que foram crescendo até alcançarem 2.100 milhões de m³ diários em

2008, o que demonstra a participação ativa da empresa na expansão do mercado de gás

natural naquele estado (site BR Distribuidora). Ainda no setor de distribuição, cabe destacar,

conforme exposto na seção anterior, que Petrobras participa de 20 das 27 companhias

distribuidoras de gás do país.

Assim, a Petrobras está presente em todos os elos da cadeia do petróleo e gás natural e

pode ser considerada a principal propulsora do desenvolvimento da indústria gasífera no país.

Desde a sua criação, a Petrobras praticamente não enfrentou concorrência nessas atividades,

beneficiando-se das economias de escala e escopo, decorrentes da integração.

II. 4. 2 – A Nova Política de Preços da Petrobras

Conforme já mencionado na seção II. 2. 1, a partir de 2008 a Petrobras adotou uma

nova política de preços para o gás natural, a qual possui regras distintas para o gás destinado

91

ao consumo termelétrico e não termelétrico. De forma simplificada, esta seção irá apresentá-

la, pois por se tratar de uma política recente e interna à estatal, não são facilmente encontradas

informações a respeito do assunto.

Em linhas gerais, para o gás não termelétrico, os preços são compostos por duas

parcelas distintas, sendo uma fixa e outra variável. A parcela fixa tem como objetivo

remunerar os investimentos realizados no transporte, processamento e regaseificação do gás

natural. Esta parcela é corrigida anualmente, sendo reajustada pelo IGP-M.

A parcela variável, por sua vez, varia conforme o mercado internacional do petróleo e

derivados. Esta parcela é reajustada trimestralmente e possui um amortecedor de 50% do

impacto de reajuste. Ou seja, a fórmula de cálculo desta parcela repassa para o trimestre

seguinte apenas 50% das variações ocorridas no trimestre anterior.

Para o gás destinado ao consumo termelétrico, a política de preços adotada pela

Petrobras apresenta certas particularidades. Os contratos realizados a partir da nova política

são feitos nos moldes do contrato de importação de GNL. O preço também é composto por

uma parcela fixa, cujo objetivo também é cobrir os custos da cadeia do gás natural até o city

gate; e por uma parcela variável que diz respeito à remuneração da commodity e pela a qual as

térmicas pagam o preço equivalente ao Henry Hub.

II. 4. 3 – A Petrobras e a Política de Preços para o Gás Natural no Brasil

O limite que separa a atuação da Petrobras como empresa e como governo é muito

tênue: ao mesmo tempo em que se trata da maior empresa do país, também se trata de uma

empresa estatal, onde as questões referentes aos interesses políticos também estão presentes.

92

A Petrobras desde sua criação desempenha um papel muito importante no que diz

respeito à precificação dos combustíveis derivados de petróleo e do gás natural. Como já

discutido, o gás possui diversas aplicações, contudo não possui mercado cativo. Tendo em

vista que o maior consumidor de gás natural no Brasil é o setor industrial, pode-se considerar

o óleo combustível como seu principal concorrente. Assim, tem-se que dois produtos com alto

grau de substitutibilidade são produzidos pela mesma empresa e isso confere a Petrobras

grande poder de mercado. Dessa forma, a empresa concentra em suas decisões as duas

variáveis-chaves para o mercado gasífero: o preço do gás (incluindo preço commodity e tarifas

de transporte) e o preço do seu principal concorrente. É importante destacar que este fato,

além de conferir à empresa poder de mercado, também pode comprometer o desenvolvimento

do mercado gasífero.

Durante o período de controle de preços, os preços do gás natural eram associados ao

preço do óleo combustível, de acordo com a paridade máxima de 75%. Esse percentual foi

alterado posteriormente, em função das Portarias Interministeriais MF/ MME nº 90 e 91, que

modificaram a paridade entre o gás e o óleo combustível para 86,22% (para o gás de origem

nacional) e 97,72% (para o gás importado). Assim, enquanto havia controle de preços,

prevaleciam no mercado gasífero as decisões tomadas no âmbito do MME, isto é, as decisões

de governo.

A liberalização deu início a um ambiente de preços livres, negociados entre as partes

interessadas de forma direta. O preço do gás continuou contendo parcelas referentes ao

produto e ao transporte. A definição do preço commodity passou a ser responsabilidade das

empresas produtoras que a partir deste momento estavam aptas a negociar com autonomia o

gás natural nacional vendido às distribuidoras estaduais. A parcela referente ao transporte

seguiu até 2007 sendo estabelecida pela ANP, contudo em 2008, a Petrobras alterou a política

de preços junto às distribuidoras, e as tarifas de transporte passaram, então, a ser determinadas

93

pela própria empresa (conforme seção II. 2. 1). Portanto, desde 2002 a Petrobras possui

autonomia no que diz respeito à determinação do preço commodity e a partir de 2008 também

passou a tê-la no que se refere à determinação da parcela referente ao transporte.

Conforme já mencionado, a Petrobras congrega simultaneamente características

referentes à sua existência enquanto empresa e aspectos que dizem respeito a sua estrutura

enquanto parte do governo. Dessa forma, a tentativa de delimitar em quais circunstâncias as

estratégias empresariais ou as decisões tomadas no âmbito do governo foram privilegiadas

pela Petrobras nas tomadas de decisão em relação aos preços do gás natural não é uma tarefa

fácil. O que se pode afirmar é que em alguns momentos, o governo desenhou planos e

estruturou programas nos quais competia à Petrobras o papel de protagonista. Como será

discutido a seguir, a Petrobras por algumas vezes teve de deixar para segundo plano seus

interesses quanto empresa e “acatar” as decisões de governo.

O PPT, já apresentado na seção II. 2. 3 desta dissertação, pode ser citado como

exemplo de programa de governo que não ia ao encontro dos interesses da Petrobras – uma

vez que obrigava a empresa a praticar preços baixos para a geração termelétrica –, mas que

contou com a participação da empresa.

O PPT, que em linhas gerais visava reduzir a dependência energética nacional em

relação à hidroeletricidade, previa a construção de usinas termelétricas que utilizariam o gás

natural importado da Bolívia. O programa foi concebido para ser coordenado pelo MME e

coube a Petrobras o papel de grande colaborador: foi delegada à empresa a tarefa de garantir o

suprimento de gás natural para as usinas termelétricas inseridas no PPT, pelo prazo de até 20

anos.

A construção das usinas, conforme previa o PPT, seria realizada principalmente pelos

investidores privados. Entretanto, devido à existência de incertezas – por conta das

fragilidades do marco regulatório do setor elétrico e da ausência de um marco regulatório para

94

o setor gasífero –, e dos próprios riscos associados ao setor – demanda por elevados volumes

de investimentos e elevado prazo de maturação dos mesmos –, a atração de investidores ficou

comprometida. Então, a Petrobras passou a ser vista como uma alternativa para solucionar

este problema: por meio da formação de consórcios, a Petrobras contribuiria para reduzir os

riscos e incertezas e, assim, atrairia os investidores privados e viabilizaria a construção das

usinas termelétricas.

Dessa forma, além da responsabilidade pelo suprimento de gás natural, a Petrobras

também passou a ser responsável pela atração de investidores e pela construção das usinas.

Neste momento, a empresa firmou três tipos de contratos para a construção das usinas

termelétricas, a saber, Produtor Independente de Energia Convencional, Petrobras Off-Taker39

e os consórcios com as usinas Merchant.

Segundo os contratos com as usinas Merchant (Macaé Merchant, Eletrobolt e

Termoceará MPX), a Petrobras não realizaria nenhum investimento inicial nessas

termelétricas, contudo quando as receitas auferidas pelas usinas não fossem capazes de cobrir

os investimentos e os custos operacionais incorridos pelos proprietários das termelétricas,

caberia a Petrobras o pagamento de multas, com o objetivo de reembolsar as despesas

operacionais, os impostos e o custo de oportunidade do capital investido.

Porém, o mesmo contexto que levou o governo a lançar o PPT deu origem ao

programa de racionamento de energia em meados de 2001, que foi responsável pela redução

de cerca de 7% da demanda de energia elétrica do país (Petrobras, 2003). Além disso, o verão

que se seguiu foi marcado pelo elevado volume de chuvas que contribuiu para aumentar o

39 A descrição destes contratos não faz parte do objetivo central dessa dissertação. No entanto, é possível resumi-los da seguinte forma: (i) de acordo como contrato Produtor Independente de Energia Convencional, a Petrobras deveria investir em projetos com participação minoritária e eventualmente adquirir energia elétrica e/ou vapor, destinada ao consumo interno. A energia elétrica restante deveria ser comercializada com terceiros por meio de contratos do tipo Power Purchase Agreement (PPA); (ii) já segundo o contrato Off-Taker, a Petrobras deveria investir, através de parcerias ou isoladamente, em projetos nos quais adquire vapor e/ ou energia elétrica destinados à comercialização no mercado (Petrobras, 2003).

95

nível de água dos reservatórios. Assim, o programa de racionamento, juntamente com as

chuvas no verão de 2002/ 2003, fez com que não fosse necessária a operação das usinas

termelétricas, cujo custo de operação é superior quando comparado às hidrelétricas (Petrobras,

2003).

Isto posto, torna-se claro que a demanda por gás natural para a geração térmica não

atingiu as expectativas previstas pelo PPT e Petrobras passou a incorrer em elevados

prejuízos, principalmente devido aos contratos assinados com as usinas Merchant. Essa

situação está ilustrada no Gráfico 14 abaixo. Conforme é possível observar, mesmo diante do

bom desempenho econômico e financeiro da empresa refletido no crescimento dos lucros

totais, a partir de 2001 a Petrobras passou a obter prejuízos financeiros significativos na área

de Gás e Energia.

Gráfico 14 - Lucro Consolidado Petrobras X Gás e Energia

0

5.000

10.000

15.000

20.000

25.000

30.000

35.000

(1.600)

(1.400)

(1.200)

(1.000)

(800)

(600)

(400)

(200)

-

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

R$ m

ilhões -

Petro

brás co

nsolid

ado

R$

milh

ões

-G

ás e

Ene

rgia

Petrobras Consolidado Gás e Energia

Fonte: Elaboração própria a partir da Petrobras

Não obstante a Petrobras seja uma empresa estatal, fica evidente que os programas

lançados pelo Governo Federal estavam indo de encontro aos seus interesses e estratégias

enquanto empresa. Com base nos resultados encontrados, a Petrobras, diferentemente do

governo, não acreditava que as termelétricas eram suficientes para ancorar o desenvolvimento

96

do setor brasileiro de gás natural e, assim, não fariam frente ao volume de gás contratado

junto a YPFB. Este fato preocupava a Petrobras, pois o contrato de importação do gás

boliviano continha cláusulas do tipo take-or-pay.

Diante desta situação, a Petrobras passou a estimular o consumo de gás pelo setor

industrial, o qual acreditava ser de fato a âncora para o desenvolvimento do mercado. Assim,

por meio da participação no capital das companhias distribuidoras, a Petrobras passou a

investir no segmento de distribuição para estimular o consumo de gás principalmente naquele

setor e em 2003 elaborou o Plano de Massificação do gás natural.

Como o próprio nome sugere, o plano visava estimular o consumo de gás natural – no

segmento automotivo e, principalmente no industrial – e para isso estabeleceu a seguinte

meta: atingir em 2010 o consumo diário de 77,6 milhões de m3, com uma taxa de crescimento

anual de 14,2% (Agência Canal Energia, 2004). Dessa forma, a Petrobras promoveu uma

espécie de congelamento dos preços de venda às distribuidoras, como é possível observar no

Gráfico 15 abaixo. De 2003 até meados de 2005 nota-se que o preço de venda do gás

importado no Brasil manteve-se praticamente constante, enquanto os preços de compra do gás

boliviano pagos pela Petrobras vivenciaram algumas oscilações. No terceiro semestre de

2005, enquanto os preços de compra experimentavam uma fase de alta acentuada, com um

aumento de 19% em relação ao trimestre anterior, os preços de venda haviam crescido apenas

4%.

97

Gráfico 15 - Preço de Venda e Compra do Gás Boliviano

0,00

1,00

2,00

3,00

4,00

5,00

6,00

Trim

20

01

Trim

20

01

Trim

20

01

Trim

20

01

Trim

20

02

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20

02

Trim

20

02

Trim

20

02

Trim

20

03

Trim

20

03

Trim

20

03

Trim

20

03

Trim

20

04

Trim

20

04

Trim

20

04

Trim

20

04

Trim

20

05

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20

05

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20

05

Trim

20

05

Trim

20

06

Trim

20

06

Trim

20

06

Trim

20

06

US$

/ M

ilhõ

es d

e B

Tu Preço de Venda do

Gás Boliviano

Preço de Compra do

Gás Boliviano

(QDCA)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Petrobras e YPFB

Se por um lado a estratégia da Petrobras era estimular o consumo de gás por parte dos

segmentos automotivo e industrial, por outro o governo tinha como prioridade a geração

termelétrica. Essa divergência acerca de qual setor deveria ser priorizado gerou uma crise de

abastecimento de gás em 2006, quando o Operador Nacional do Sistema (ONS) tentou

acionar as termelétricas e não conseguiu por conta da falta de disponibilidade de gás natural

no país. Por conta disso, o governo obrigou a Petrobras a assinar um termo de compromisso

junto a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) em maio de 2007, através do qual a

Petrobras se comprometeu a garantir a oferta de combustíveis até 2011 para 24 usinas

termelétricas, das quais 17 usariam gás natural.

O contrato também previa a realização de testes semestrais e caso fossem identificadas

possíveis indisponibilidades de geração, a Petrobras poderia ser multada, podendo até mesmo

ter o termo de compromisso cancelado se o descumprimento ultrapassasse 60 dias. Em julho

de 2007, a Petrobras foi acusada pela ANEEL de não fornecer 916 MW, descumprindo o

98

termo de compromisso, e diante desta situação a estatal foi multada em R$ 84,6 milhões. No

entanto, a Petrobras recorreu alegando que o termo de compromisso previa a possibilidade de

adequação do cronograma de oferta de energia aos fatos que comprovadamente escapassem o

controle da Petrobras (Valor Online, 2007) e foi dispensada de pagar a multa.

Logo, tem-se que o termo de compromisso é mais um exemplo de diretriz

governamental no âmbito do setor energético que não está em consonância com as estratégias

empresariais da Petrobras. Portanto, a partir das situações discutidas acima é possível ratificar

que a avaliação do papel desempenhado pela Petrobras no âmbito da política de preços para o

mercado gasífero não é uma tarefa fácil, pois a empresa representa também o governo. Além

disso, as mudanças constantes presentes no mercado também forçam governo e empresa a

alterarem sua postura diante das situações de escassez e excesso de oferta.

Com base no exposto, é possível afirmar que a política de preços para o gás natural no

Brasil não possui uma trajetória única, ora reflete o mercado ora os interesses, seja da empresa

monopolista do setor ou do governo. Desta maneira, pode-se classificar a política de preços

para o gás natural no país como híbrida, pois ao mesmo tempo em que leva em consideração

as decisões do governo, também considera as decisões e estratégias de mercado da principal

propulsora do desenvolvimento deste setor, a Petrobras.

II. 5 – Conclusão

Conforme discutido, a política de preços para o gás natural no Brasil sofreu alterações

ao longo dos anos, deixando clara a ausência de regras definidas para precificar este

energético. A presença de uma grande empresa com elevado poder mercado, como a

Petrobras, juntamente com os interesses políticos em torno do gás, dificultam a definição de

99

preços simplesmente por meio da interação entre oferta e demanda, ou seja, por decisões de

mercado. Por conta disso, pode-se caracterizar a política de definição de preços do gás natural

no Brasil como híbrida – dado que a competição não está plenamente presente, a

determinação de preços fica por conta da Petrobras e do governo, funcionando de acordo com

os critérios definidos por estes – critérios que se alteram segundo o contexto do mercado.

Tendo em vista que as mudanças nas estratégias de formação de preços do gás natural

possuem impactos sobre o desenvolvimento do mercado e também sobre a competitividade

dos diversos setores da economia, será analisada no capítulo seguinte a importância dos

preços sobre a competitividade do gás natural no Brasil.

100

CAPÍTULO III – A COMPETITIVIDADE DO GÁS NATURAL NO BRASIL

III. 1 – Introdução

Uma vez apresentado o histórico de preços do gás natural no Brasil e tendo em vista as

diversas mudanças referentes à precificação, o objetivo deste capítulo é analisar a situação

atual e as perspectivas acerca da competitividade do gás natural no Brasil. Conforme já

discutido, o preço é uma importante variável no mercado gasífero e mudanças nas estratégias

de formação de preços possuem impactos sobre a competitividade dos setores da economia

que consomem gás natural, dado que alterações nos níveis de preços do gás darão margem à

prática de subsídios cruzados.

O objetivo deste capítulo é analisar a competitividade do gás natural nos segmentos

industrial e automotivo, responsáveis respectivamente por 53% e 15% do consumo final de

gás natural do país (BEN, 2008). Como discutido no primeiro capítulo desta dissertação, a

demanda pelo gás natural está estreitamente relacionada não apenas com o comportamento

dos preços ao longo de sua cadeia (ou seja, com o movimento de preços no city gate, nas

distribuidoras e ao consumidor final), como também com o comportamento de preços dos

energéticos concorrentes.

Para isso, este capítulo divide-se em cinco seções, sendo a primeira composta por esta

introdução. A segunda seção apresentará o processo de formação de preços do gás natural e

identificará os principais determinantes da competitividade. A terceira seção desenvolverá a

metodologia utilizada para a criação dos indicadores com vistas a medir a competitividade do

gás natural no país. A quarta seção apresentará os indicadores e analisará os preços praticados

101

pelas distribuidoras de gás natural e seus impactos sobre a competitividade. Por fim, a quinta

seção trará as considerações finais referentes a este capítulo.

III. 2 – A Competitividade do Gás Natural ao Longo da Cadeia de Formação de Preços

no Brasil

Conforme discutido no primeiro capítulo desta dissertação, por conta da ausência de

mercado cativo, o nível de competitividade do gás torna-se fundamental para o

desenvolvimento e expansão deste mercado. Por meio de alguns exemplos, também ficou

claro que o principal fator que motiva o uso do gás natural não diz respeito às vantagens

ambientais e nem às facilidades operacionais oferecidas por ele, mas sim à competitividade

refletida pelo seu preço.

Por se tratar de uma indústria de rede e pelo fato da indústria brasileira mostrar-se

pouco madura e apresentar alto grau de integração, é necessário haver uma política de preços

coerente com os aspectos e características específicas do país e que seja capaz de garantir a

competitividade deste energético frente aos concorrentes.

Dessa forma, observa-se que a questão da competitividade pode ser vista como

variável-chave para o desenvolvimento do mercado gasífero. Até chegar ao consumidor final,

o preço do gás natural no Brasil passa por um processo de formação, conforme descrito na

Figura 7 abaixo.

102

Figura 7 - Cadeia de Formação de Preços do Gás Natural no Brasil

Preço no City

Gate com Impostos

Preço Commodity

Tarifa Transp.

ICMS

ICMS

PIS / COFINS

Custo do Gás para as CDLs

Margem Bruta das

CDLs

ICMS

Preço ao Consumidor

Fonte: Elaboração própria

De acordo com a ilustração acima, a composição de preços do gás natural inicia-se a

partir do preço commodity, determinado pelas empresas produtoras. Sobre este preço, recai a

tarifa da transportadora, que já inclui o ICMS, formando o preço do gás no city gate. O preço

no city gate mais os impostos (ICMS e PIS/ COFINS) representam os custos totais de

aquisição do gás natural para as companhias distribuidoras. A partir deste preço, as CDLs

acrescentam suas margens brutas de distribuição e também incide o ICMS, dando origem ao

preço ao consumidor final.

Tendo em vista esta ilustração, cabe destacar que o processo de formação de preços do

gás natural ao consumidor final utilizado pelas distribuidoras brasileiras segue a metodologia

cost plus, apresentada no capítulo teórico desta dissertação, e segundo a qual o preço de venda

é estabelecido a partir da soma dos custos incorridos pelas distribuidoras até o momento da

oferta do gás mais uma taxa de retorno (margens)40. Assim, nota-se que este processo é

40 No segundo capítulo foi visto que as distribuidoras que possuem contrato do tipo estatal utilizam a metodologia cost plus e que os contratos das distribuidoras do Estado do Rio de Janeiro e São Paulo limitam as tarifas máximas (price cap).

103

composto por diversas variáveis, as quais possuem importantes impactos sobre a

competitividade do preço final do gás natural.

As Figuras 8 e 9 abaixo ilustram a cadeia de formação de preços, a partir de

informações encontradas no endereço eletrônico41 da distribuidora CEGÁS, para o gás de uso

industrial e automotivo, respectivamente42.

Figura 8 - Composição do Preço do Gás – Uso Industrial (CEGÁS)

Preço Commodity

Tarifa Transporte

Margem CEGÁS

Preço Médio ao Consumidor

R$ 0,40574 / m3

R$ 0,0446 / m3PIS/ COFINS

e ICMS

R$ 0,20962 / m3

R$ 0,1379 / m3

R$ 0,79786 / m3

100%

17,28%

26,27%

5,59%

50,85%

Custo do Gás para CEGÁS

Fonte: Elaboração própria a partir da CEGÁS

41 http://www.cegas.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=83&Itemid=165 .

42 O exemplo ilustrado considera os preços vigentes em outubro de 2007 e o imposto estadual de 17% de ICMS. Para o segmento automotivo, ressalta-se que para os postos de bandeira branca (os quais trabalham com vários distribuidores) a margem corresponde à soma da margem de distribuição (bandeiras) e da margem de revenda (postos).

104

Figura 9 - Composição do Preço do Gás – Uso Automotivo (CEGÁS)

Preço Commodity

Tarifa Transporte

Margem CEGÁS

Preço Médio ao Consumidor

R$ 0,40574 / m3

R$ 0,0446 / m3 PIS/ COFINS e ICMS

R$ 0,3912 / m3

R$ 0,0569 / m3

R$ 1,56604 / m3

100%

3,63%

24,98%

2,85%

25,91%

Margem Distribuição

R$ 0,3338 / m3

21,31%

Margem Revenda

R$ 0,3338 / m3

21,31%

Custo do Gás para CEGÁS

Fonte: Elaboração própria a partir da CEGÁS

É possível observar nos exemplos acima que o preço commodity é uma variável

bastante significativa na cadeia de formação de preços da CEGÁS, chegando a representar

mais de 50% do preço final para o uso industrial. Da mesma forma, os impostos

correspondem a uma fatia considerável na composição de preços do gás. Por fim, destaca-se a

participação da margem de distribuição da CEGÁS que no caso do segmento industrial

corresponde a 17,28% e no segmento automotivo representa apenas 3,63%, pois neste caso

existem outras margens ainda embutidas. A partir destes exemplos, fica mais fácil identificar

as variáveis relevantes para a determinação da competitividade do preço final do gás.

Além das variáveis referentes à política ou à cadeia de formação de preços do gás

natural, cabe destacar outra variável que pode possuir impactos significativos sobre a

competitividade do gás, a saber, as regras de reajustes de preços, conforme discutido no

capítulo teórico desta dissertação. Uma vez que as regras de reajustes podem ser vistas como

uma fonte de geração de ineficiência, estas podem comprometer a competitividade e,

consequentemente, o desenvolvimento do mercado gasífero.

105

A regra de reajuste de preços estabelecida no contrato de importação do gás boliviano,

por ser citada como exemplo. Conforme já mostrado o gás procedente da Bolívia representa

quase 50% do volume total consumido no Brasil. A regra prevista no contrato de importação

estabelece que os reajustes correspondentes ao preço commodity ocorram trimestralmente,

levando em conta a cesta de óleos, anteriormente apresentada. Uma vez que o preço do óleo

combustível, principal concorrente do gás no segmento industrial, é atrelado ao preço do

petróleo no mercado internacional e geralmente acompanha suas variações, o preço do gás

fica defasado no tempo.

O Gráfico 16 apresenta uma comparação ao longo do tempo entre o preço do gás

destinado ao segmento industrial da distribuidora COMGÁS e o preço do óleo combustível. O

gráfico foi feito a partir das tarifas que são divulgadas pela ARSESP, em geral anualmente.

Gráfico 16 - Evolução da Competitividade do Gás Natural (COMGÁS)

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

jan

/06

mar

/06

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/06

jul/

06

set/

06

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v/0

6

jan

/07

mar

/07

mai

/07

jul/

07

set/

07

no

v/0

7

jan

/08

mar

/08

mai

/08

jul/

08

set/

08

no

v/0

8

Óleo

Combustível

COMGÁS -

Industrial

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da ARSESP e ANP

É válido destacar que cerca de 70% do gás que abastece as indústrias do Estado de São

Paulo provêem da Bolívia. A perda de competitividade em determinados momentos,

106

conforme destacados acima, pode ser explicada pelo fato do preço do gás boliviano (preço

commodity) ser reajustado apenas trimestralmente, enquanto o preço do óleo combustível é

livre e acompanha as movimentações do mercado de petróleo. Não obstante os critérios de

reajuste tenham como objetivo limitar a volatilidade de preços do gás, estes também geram

uma defasagem de preços no tempo e impactam diretamente a competitividade do gás.

Além do fato do preço commodity ser reajustado trimestralmente, repassando apenas

50% das variações ocorridas no trimestre anterior, existe outro fator que também ajuda a

explicar a defasagem de preço do gás frente ao óleo combustível. Na cadeia de formação de

preços do gás natural é possível identificar duas categorias distintas: (i) aquela que guarda

relação com os movimentos do mercado de petróleo, ou seja, a formação do preço commodity;

e (ii) aquela que não possui relação com o mercado de petróleo, isto é, a parte composta pelas

tarifas de transporte e pelas margens de distribuição.

Figura 10 - Categorias das Parcelas que Compõem o Preço do Gás Natural

Preço Commodity

Tarifa de Transporte

Distribuição

Parcela Fixa

Parcela Variável

Fonte: Elaboração própria

Frente a fortes oscilações no mercado de petróleo, o preço do óleo combustível

responde mais rapidamente do que o preço do gás, pois a regra de reajuste da commodity e

existência de parcelas que não variam com o preço do petróleo são suficientes para garantir a

baixa volatilidade de preços do gás. Quando o mercado gasífero é liberalizado, estes fatos não

107

acarretam necessariamente em problemas de competitividade, pois a demanda responde às

variações de preços, que via mercado se ajustam. Entretanto, quando não existe competição,

como no mercado gasífero brasileiro, mesmo que a demanda responda ao aumento de preços,

por exemplo, o preço do gás não irá necessariamente cair, comprometendo seu nível de

competitividade.

Com base no que foi discutido nesta seção, é possível identificar os diversos

determinantes da competitividade do gás natural e separá-los em dois grupos distintos: (i)

variáveis que dizem respeito ao preço do gás até o city gate (produção, importação, transporte

e regras de reajuste de preços); e (ii) variáveis referentes à distribuição (margem de cada

CDL, carga tributária e subsídios praticados pelas distribuidoras por faixa de consumo).

As variáveis do primeiro grupo já foram expostas no segundo capítulo desta

dissertação, de forma que cabe agora tentar avaliar os impactos que as outras variáveis

possuem sobre a competitividade do gás natural no Brasil. Dado que a determinação do nível

de competitividade do gás é extremamente importante para o desenvolvimento do mercado e

para a sua maior inserção na matriz energética brasileira, as próximas seções terão como

objetivo analisar a competitividade do gás, por meio da criação de indicadores.

III. 3 – Apresentação da Metodologia para a Construção dos Indicadores de

Competitividade do Gás Natural

O fato do gás possuir diversas aplicações e ser um potencial competidor frente quase

todos os combustíveis alternativos faz com que sua elasticidade-preço seja relativamente alta

e que este energético não possua mercado cativo. Assim, qualquer alteração considerável no

comportamento de preços do gás provocará impactos diretos sobre a sua demanda. Isto

108

significa, portanto, que frente à ausência de mercado cativo, a competitividade do gás torna-se

fundamental para o desenvolvimento do mercado.

Uma vez visto como se dá o processo de formação de preços ao consumidor final no

Brasil, cabe agora identificar o impacto que este processo possui sobre a competitividade do

gás natural e, para isso, foram construídos os indicadores de competitividade.

Os indicadores de competitividade foram criados com o objetivo de tentar medir a

competitividade do gás natural frente aos energéticos concorrentes, tendo em vista a ótica das

distribuidoras, e avaliar quais são suas perspectivas no país. Uma vez que a base de dados

utilizada para compor os indicadores foi formada pelos preços de venda das distribuidoras

estaduais de gás canalizado, os indicadores de competitividade serviram também como

ferramenta para avaliar em quais localidades o gás natural se encontra mais competitivo para

o consumidor final.

Para construir os indicadores de competitividade do gás natural foram analisados o

segmento industrial e o automotivo. O segmento residencial não foi analisado nesta

dissertação em virtude dos preços neste mercado estarem mais atrelados às questões

regulatórias locais do que propriamente ao nível de competitividade do gás natural. Pela

mesma razão, o segmento comercial também não fez parte do objeto de análise deste trabalho.

Contudo, é possível considerar que os grandes consumidores comerciais consomem o mesmo

volume dos pequenos e médios consumidores industriais. Além disso, em alguns estados não

existe discriminação por tipo de segmento e sim apenas por faixa de consumo. Dessa forma,

pode-se dizer que os grandes consumidores comerciais (como, por exemplo, shopping centers

e grandes redes de supermercados), ainda que em parte, foram contemplados nesta análise.

O segmento de geração termelétrica também não fez parte do escopo desta dissertação,

pois a utilização do gás natural para a geração de energia elétrica está mais suscetível às

questões regulatórias próprias do setor e também à questão da co-habitação entre eletricidade

109

e termeletricidade. Os preços neste segmento são fixados em contratos de longo prazo e são

importantes para os leilões e construção de termelétricas. Grosso modo, quem determina o

consumo ou não do gás neste caso é o despacho, e não a competitividade refletida nos preços.

Uma vez delimitada a análise setorial, cabe agora descrever a metodologia utilizada

para a criação dos indicadores. A primeira etapa diz respeito à formação do banco de dados

que foi realizada a partir do levantamento de preços do gás natural por distribuidora e dos

preços dos demais energéticos. No segmento industrial foram considerados como

concorrentes do gás natural o óleo combustível A1 e o GLP. No segmento automotivo, por

sua vez, foram considerados como concorrentes o álcool e a gasolina.

Os preços referentes ao óleo combustível A1, GLP, gasolina, álcool e GNV foram

obtidos no endereço eletrônico da ANP, enquanto os preços do gás natural43 referentes ao

segmento industrial foram obtidos nos endereços eletrônicos das agências reguladoras

estaduais e das distribuidoras de cada estado do país, conforme dispõe a Tabela 8 abaixo.

43 As tarifas de gás natural pesquisadas incluem todos os tributos: PIS (1,65%), COFINS (7,60%) e ICMS (que varia por estado).

110

Tabela 8 - Fonte de Pesquisa das Tarifas das Distribuidoras ESTADOS/ DISTRIBUIDORAS FONTE DE PESQUISA

SÃO PAULO

COMGÁS

GÁS BRASILIANO

GÁS NATURAL

RIO DE JANEIRO

CEG

CEG RIO

ESPÍRITO SANTO

BR DISTRIBUIDORA www.br.com.br

MINAS GERAIS

GASMIG www.gasmig.com.br

SANTA CATARINA

SCGÁS www.scgas.com.br

RIO GRANDE DO SUL

SULGÁS www.sulgas.rs.gov.br

PARANÁ

COMPAGÁS www.compagas.com.br

ALAGOAS

ALGÁS www.algas.com.br

BAHIA

BAHIAGÁS www.bahiagas.com.br

CEARÁ

CEGÁS www.cegas.com.br

PARAÍBA

PBGÁS www.pbgas.pb.gov.br

PERNAMBUCO

COPERGÁS www.copergas.com.br

RIO GRANDE DO NORTE

POTIGÁS www.potigas.com.br

SERGIPESERGÁS www.sergipegas.com.br

www.arsesp.sp.gov.br

www.ceg.com.br

Fonte: Elaboração própria

A segunda etapa correspondeu à manipulação dos dados e conversão para uma mesma

unidade, de maneira a possibilitar comparações entre os diferentes preços. Os preços obtidos

para gasolina (R$/ l), álcool (R$/ l), GNV (R$/ m3), GLP (R$/ 13 kg), óleo combustível A1

(R$/ kg) e gás natural (R$/ m3) – vigentes a partir do mês de agosto de 2009 – foram

convertidos para milhões de Btu. Em seguida, foi pesquisado o consumo de gás natural por

distribuidora correspondente ao mesmo período e, a partir destes dados, foi calculada a

participação do gás natural no consumo industrial e automotivo de cada distribuidora.

Por fim, é importante mencionar que não foram encontradas séries de preços

completas para todas as distribuidoras, o que por sua vez não permitiu uma comparação do

111

gás frente aos combustíveis substitutos ao longo do tempo. Assim, os indicadores criados

dizem respeito à “fotografia” do momento atual e não à evolução histórica da

competitividade. No entanto, ao longo da análise em torno dos indicadores, tentar-se-á

discutir as possíveis alterações sofridas pela competitividade do gás ao longo do tempo.

A seguir, serão apresentadas as metodologias específicas aos dois segmentos

analisados e, posteriormente, serão analisados os indicadores de competitividade do gás

natural.

III. 3. 1 – A Metodologia Utilizada para o Segmento Industrial

O preço do gás natural destinado ao segmento industrial no Brasil varia de forma

significativa conforme o estado no qual se encontra a distribuidora, pois os preços ao

consumidor final são definidos pelos governos estaduais de acordo com diversas faixas de

consumo, ou seja, conforme o tamanho ou perfil do consumidor. É importante ressaltar que,

uma vez que a definição de preços do gás ao consumidor final é responsabilidade dos

governos estaduais, os critérios utilizados não são necessariamente iguais para todos os

estados e tampouco as alterações sofridas ao longo do tempo são equivalentes, o que reforça

ainda mais os diferenciais de preços encontrados em cada estado.

Para desenvolver a análise proposta nesta dissertação, foram selecionadas três faixas

distintas de consumo na indústria, a saber: Faixa 1 (consumo de até 30.000 m3/ mês); Faixa 2

(consumo de até 900.000 m3/ mês) e Faixa 3 (consumo de até 3.000.000 m3/ mês). A escolha

das faixas de consumo foi realizada levando em consideração que grande parte das indústrias

de gás natural do país consomem até 3 milhões de m3 por mês – em linhas gerais, pode-se

112

considerar que as grandes indústrias consomem a partir de 900 mil m3 por mês, as médias

consomem até 900 mil m3 por mês e as pequenas consomem até 30 mil m3 por mês.

O Gráfico 17 abaixo apresenta as tarifas máximas autorizadas pelos reguladores

estaduais para as diferentes distribuidoras de gás natural no Brasil, conforme as três faixas de

consumo. Observa-se que os preços variam de maneira significativa não somente entre as

distribuidoras estaduais, como também entre os perfis de consumo. No entanto, cabe destacar

que nos estados da Região Nordeste o preço cobrado por cada faixa de consumo não se

diferencia tanto entre si quanto nos estados da Região Sudeste. Ou seja, as distribuidoras do

Estado de São Paulo e Rio de Janeiro adotam uma política mais “agressiva” de subsídios

cruzados entre as faixas de consumo do que as distribuidoras do nordeste.

Gráfico 17 - Tarifas por Faixa de Consumo – (Ago/ 2009)

0,00

5,00

10,00

15,00

20,00

25,00

30,00

35,00

40,00

45,00

50,00

CO

MG

ÁS

-SP

S B

RA

SILI

AN

O -

SP

S N

ATU

RA

L -

SP

CEG

-R

J

CEG

RIO

-R

J

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A -

ES

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-M

G

SCG

ÁS

-SC

SULG

ÁS

-R

S

CO

MP

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ÁS

-P

R

ALG

ÁS

-A

L

BA

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BA

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S -

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CO

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PE

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ÁS

-R

N

SER

S -

SE

R$/

Milh

ões

de B

tu

Faixas 1

Faixa 2

Faixa 3

Fonte: Elaboração própria a partir de dados das distribuidoras

Além dos diferentes critérios adotados pelos reguladores estaduais, as diferenças entre

as tarifas cobradas pelas distribuidoras também podem ser explicadas em função da origem do

113

gás, ou seja, a diferença existente entre os preços do gás nacional e do gás boliviano também

está refletida nas diferentes tarifas cobradas pelas distribuidoras. Conforme visto no Gráfico

13, a relação entre os preços do gás nacional e do gás boliviano sofre alterações ao longo do

tempo, o que contribui para justificar o diferencial de preços encontrado em cada estado.

Para realizar a análise acerca da competitividade do gás natural no segmento

industrial, foi necessário estimar o preço final do óleo combustível A1, dado que os contratos

de venda para o consumidor final não são públicos e que também não existem levantamentos

de preços sistemáticos para o mercado industrial. Portanto, foi necessário estimá-lo a partir

dos preços de venda divulgados pela ANP, os quais não incluem impostos.

O preço do óleo combustível divulgado pela ANP é regional. Contudo, como os

preços na refinaria variam relativamente pouco por estado, foi adotada a hipótese de não

discrepância de preços entre os estados. Por outro lado, como é razoável pensar que haja um

diferencial de preços relevante para as diferentes faixas de consumo, o preço final do óleo

combustível foi estimado com base na atribuição de margens brutas de comercialização,

incluindo impostos, conforme as faixas de consumo. Assim, foram atribuídas margens de

50%, 40% e 30%, respectivamente para os pequenos (Faixa 1), médios (Faixa 2) e grandes

consumidores (Faixa 3).

O Gráfico 18 apresenta uma comparação entre o preço do gás natural e o preço do

óleo combustível A1 para a Faixa de Consumo 2 (900.000 m3/ mês). O gráfico confirma a

hipótese de não discrepância entre os preços estaduais de óleo combustível, que varia entre R$

29,00 e R$ 30,00 por milhões de Btu. É importante chamar a atenção para a perda de

competitividade do gás recentemente observada no segmento industrial. De acordo com o

Gráfico 18 que compara os níveis de preços praticados a partir de agosto de 2009, pode-se

observar que em alguns estados, como Pernambuco, Paraíba e Santa Catarina, e nas áreas do

Estado de São Paulo atendidas pela distribuidora COMGÁS, o consumo de óleo combustível

114

pode ser economicamente mais atrativo para o segmento industrial do perfil correspondente à

Faixa 2.

Gráfico 18 - Comparação de Preços: Gás Natural x Óleo Combustível (Ago/ 2009)

0,00

5,00

10,00

15,00

20,00

25,00

30,00

35,00C

OM

S -

SP

S B

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SILI

AN

O -

SP

S N

ATU

RA

L -

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CEG

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J

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OR

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- M

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SCG

ÁS

- SC

SULG

ÁS

- R

S

CO

MP

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- P

R

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ÁS

-AL

BA

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S -

BA

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S -

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S -

PE

PO

TIG

ÁS

- R

N

SER

S -

SE

R$

/ M

ilhõ

es d

e B

tu

Gás (Faixa 2)

O. Comb.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados das distribuidras e ANP

Entretanto, cabe observar que a perda de competitividade do gás natural frente ao óleo

combustível é um fato recente, justificado pela queda de preço do barril de petróleo no

mercado internacional a partir de setembro de 2008, após ter vivenciado uma fase de forte

expansão. Como o preço do óleo combustível acompanha o movimento do preço internacional

do petróleo, nos últimos meses este preço veio apresentando uma trajetória instável marcada

por significativas quedas.

A partir do Gráfico 19 abaixo, que traz a mesma análise apresentada no gráfico

anterior, mas referente aos dados de dezembro de 2007, pode-se notar que a situação da

competitividade do gás natural no país era bem diferente da atual: em todos os estados

115

analisados, o gás natural possuía um nível de competitividade relativo muito elevado frente ao

óleo combustível.

Gráfico 19 - Comparação de Preços: Gás Natural x Óleo Combustível (Dez/ 2007)

0,00

5,00

10,00

15,00

20,00

25,00

30,00

35,00

40,00C

OM

S -

SP

S

BR

ASI

LIA

NO

- S

PG

ÁS

NA

TUR

AL

-

SP CEG

- R

J

CEG

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J

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A

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SCG

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- SC

SULG

ÁS

- R

S

CO

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BA

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- R

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S -

SE

R$

/ M

ilhõ

es d

e B

tu

Gás (Faixa 2)

O. Comb.

Fonte: Elaboração Própria a partir de dados das distribuidoras e ANP

Para medir a competitividade do gás natural no segmento industrial frente ao GLP,

também foi necessário estimar os preços deste energético. As informações divulgadas pela

ANP referem-se ao GLP P13 que é destinado para o mercado residencial. Assim, por conta da

dificuldade para obter informações a respeito do preço final do GLP para o segmento

industrial, assumiu-se a hipótese de que o preço final para o mercado residencial é maior do

que o preço para o mercado industrial. Esta hipótese baseou-se no fato de que os custos de

distribuição do GLP residencial são superiores aos custos de distribuição do GLP industrial.

Deste modo, também foram atribuídas margens para o GLP industrial, segundo os

perfis de consumo. As margens estimadas para as Faixas 1, 2 e 3 foram, respectivamente,

10%, 20% e 30%. Porém, neste caso as margens estabelecidas foram de desconto. A partir

da atribuição das margens, tornou-se possível comparar o preço do gás natural por

116

distribuidora e o preço do GLP por estado para o segmento industrial (Faixa 2), como pode

ser observado no Gráfico 20. É válido destacar que neste caso a competitividade do gás

natural apresentou-se consideravelmente mais forte do que quando comparada ao óleo

combustível.

Gráfico 20 - Comparação de Preços: Gás Natural x GLP (Ago/ 2009)

0,00

10,00

20,00

30,00

40,00

50,00

60,00

CO

MG

ÁS

- SP

S B

RA

SILI

AN

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SP

S N

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- R

J

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UID

OR

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ES

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- M

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SCG

ÁS

- SC

SULG

ÁS

- R

S

CO

MP

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- R

N

SER

S -

SE

R$

/ M

ilhõ

es d

e B

tu

Gás (Faixa 2)

GLP

Fonte: Elaboração própria a partir de dados das distribuidoras e ANP

III. 3. 2 – A Metodologia Utilizada para o Segmento Automotivo

A manipulação dos dados levantados para o segmento automotivo apresentou-se

menos complexa do que para o segmento industrial. Os preços referentes ao álcool e à

gasolina, utilizados para medir a competitividade do gás natural neste segmento, foram

obtidos diretamente no endereço eletrônico da ANP e não foram necessários ajustes e nem

117

atribuições de margens nos preços encontrados. O Gráfico 21 traça uma comparação de

preços entre o álcool, gasolina e GNV, por estado.

Gráfico 21 - Comparação de Preços: Álcool, Gasolina e GNV (Ago/ 2009)

0,00

10,00

20,00

30,00

40,00

50,00

60,00

70,00

80,00

90,00A

LAG

OA

S

AM

AZO

NA

S

BA

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TO

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MA

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RO

SSO

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SÃO

PA

ULO

R$

/ M

ilhõ

es d

e B

tu

ÁLCOOL

GNV

GASOLINA

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da ANP

Conforme se pode observar, com exceção do Estado de Rondônia, o GNV em termos

absolutos é fortemente competitivo frente à gasolina. Entretanto, quando comparado ao

álcool, a competitividade do GNV não é tão elevada, principalmente no Estado de São Paulo

onde, embora existam incentivos para o consumo de GNV, também existem fortes incentivos

fiscais para o consumo de álcool. A discussão a respeito dos incentivos fiscais no segmento

automotivo será feita a seguir, ao longo da análise dos indicadores de competitividade. De

antemão, pode-se citar como exemplo que, enquanto no Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte

a alíquota do ICMS sobre o álcool hidratado é de 25%, no Estado de São Paulo há uma

redução para 12%.

118

III. 4 – Os Indicadores de Competitividade do Gás Natural

Analisar os preços dos energéticos que podem substituir o gás natural é extremamente

importante para que a competitividade desta fonte de energia estabeleça-se nos diversos

setores da economia e, deste modo, aumente sua participação na matriz energética nacional.

Por conta da ausência de mercado cativo, conforme discutido no primeiro capítulo desta

dissertação, a comparação entre os preços relativos dos diversos substitutos é fundamental

para determinar o grau de competitividade do gás natural nos segmentos industrial e

automotivo.

Deste modo, levando em consideração o preço ao consumidor final, foram construídos

três tipos de indicadores, a saber: (i) indicador de competitividade do segmento industrial; (ii)

indicador de competitividade do segmento automotivo e (iii) indicador total de

competitividade – que corresponde à soma dos indicadores (i) e (ii), ponderada pela

participação de cada segmento na distribuição total da companhias estaduais, calculada a

partir de dados obtidos no endereço eletrônico da ABEGÁS44.

(i) Indicador de Competitividade do Segmento Industrial

O indicador de competitividade (IC) do gás natural na indústria foi calculado levando

em consideração o diferencial médio de preços encontrados entre o gás natural e óleo

combustível e entre o gás natural e o GLP, tendo em vista cada uma das três faixas de

consumo. Formalizando:

44 Disponível em: http://www.abegas.org.br/imp_noticia_view.php?CodNot=9269&CodEditoria=6 . Acesso em 20, setembro, 2009.

119

IC Industrial = ((Σ do Diferencial de Preços entre Óleo Combustível e Gás Natural

por Faixa de Consumo) + (Σ do Diferencial de Preços entre GLP e Gás Natural

por Faixa de Consumo))/ 2.

Os Gráficos 22 e 23 apresentam, respectivamente, a competitividade presente no

segmento industrial em valor absoluto e relativo, tomando a distribuidora COMGÁS como

referência.

Gráfico 22 - Indicador de Competitividade do Segmento Industrial (Valor Absoluto)

0,00

2,00

4,00

6,00

8,00

10,00

12,00

14,00

16,00

18,00

CO

MG

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- SP

GA

S N

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L -S

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- SC

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N

GA

SMIG

- M

G

R$

/ M

ilhõ

es d

e B

tu

Fonte: Elaboração própria a partir de dados das distribuidoras, ANP e ABEGÁS

120

Gráfico 23 - Indicador de Competitividade do Segmento Industrial (Valor Relativo)

0

50

100

150

200

250

300

350

400

CO

MG

AS

- SP

GA

S N

ATU

RA

L -S

P

GA

S B

RA

SILI

AN

O -

SP

PB

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PB

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GA

S -

SE

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CO

MP

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J

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BA

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AS

- C

E

SCG

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- SC

PO

TIG

AS

- R

N

GA

SMIG

- M

G

mer

o Ín

dic

e

Fonte: Elaboração própria a partir de dados das distribuidoras, ANP e ABEGÁS

Entre as distribuidoras analisadas, observa-se que a área atendida pela GASMIG é a

que possui maior nível de competitividade no segmento industrial. De acordo com o Gráfico

22, atualmente o gás distribuído no Estado de Minas Gerais possui um grau de

competitividade aproximadamente 3,5 vezes superior ao gás distribuído pela COMGÁS. A

partir das informações analisadas é possível identificar que o gás natural ofertado pela

distribuidora mineira para o segmento industrial é fortemente competitivo em relação tanto ao

óleo combustível quanto ao GLP.

Conforme mostrou o Gráfico 17, a GASMIG é a distribuidora que apresenta menor

discrepância de preços entre as três faixas de consumo consideradas nesta dissertação. Por

conta disso, a Faixa de Consumo 1, geralmente a menos competitiva entre as demais faixas,

apresentou-se como a mais competitiva em relação aos dois energéticos concorrentes

analisados. Assim, pode-se observar que o sacrifício da margem de distribuição neste caso foi

121

favorável a GASMIG, cuja participação do segmento industrial alcança cerca de 72% do seu

mercado total de distribuição.

Por outro lado, o gás natural distribuído pelas três companhias do Estado de São Paulo

apresentou menor nível de competitividade no âmbito do segmento industrial. O gás

distribuído pela COMGÁS, distribuidora tomada como referência para esta análise, obteve

baixo grau de competitividade no segmento industrial em relação principalmente ao GLP,

onde se mostrou menos competitiva quando considerados os três perfis de consumo.

Após a exposição da análise com base nos indicadores de competitividade, é

importante chamar atenção para o fato de que, embora o preço seja a variável-chave para

determinar o grau de competitividade do gás natural, outros fatores anteriormente abordados

também devem ser considerados. Ou seja, para as indústrias que utilizam gás para o

aquecimento direto, como o caso da indústria de cerâmica branca, a escolha do energético a

ser utilizado também levará em conta a qualidade do produto final. Dessa forma, a decisão a

respeito do energético a ser utilizado não deve incluir o óleo combustível, ou seja, isto

significa que a escolha deve girar em torno do gás natural e do GLP e, consequentemente, das

variáveis pertinentes a estes mercados. Além deste aspecto, incentivos gerados por questões

ambientais ou por parte dos governos para a utilização do gás natural podem pesar na decisão

acerca da fonte de energia a ser utilizada na produção.

(ii) Indicador de Competitividade do Segmento Automotivo

O indicador de competitividade (IC) do gás natural no segmento automotivo foi

calculado com base no diferencial de preços médios entre o GNV e o álcool e entre o

diferencial de preços médios entre o GNV e a gasolina. Formalizando:

122

IC Automotivo = ((Σ do Diferencial de Preços entre Álcool e GNV) + (Σ do Diferencial

de Preços entre GLP e GNV))/ 2.

Os Gráficos 24 e 25 apresentam os indicadores de competitividade do segmento

automotivo em valor absoluto e relativo, tomando mais uma vez a distribuidora COMGÁS

como referência.

Gráfico 24 - Indicador de Competitividade do Segmento Automotivo (Valor Absoluto)

0,00

2,00

4,00

6,00

8,00

10,00

12,00

14,00

16,00

PB

GA

S -

PB

CO

MG

AS

- SP

SER

GA

S -

SE

SULG

AS

- R

S

GA

SMIG

- M

G

GA

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ATU

RA

L -S

P

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SP

BA

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GA

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BA

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TRIB

UID

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A -

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PE

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L

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TIG

AS

- R

N

CEG

- R

J

CEG

RIO

- R

J

R$

/ M

ilhõ

es d

e B

tu

Fonte: Elaboração própria a partir de dados das distribuidoras, ANP e ABEGÁS

123

Gráfico 25 - Indicador de Competitividade no Segmento Automotivo (Valor Relativo)

0

50

100

150

200

250

300

PB

GA

S -

PB

CO

MG

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TIG

AS

- R

N

CEG

- R

J

CEG

RIO

- R

J

mer

o Ín

dic

e

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da ANP e ABEGÁS

Sem dúvida, é no segmento automotivo que existe a maior discrepância no que diz

respeito ao nível de competitividade do gás natural entre as distribuidoras. Conforme pode ser

observado nos gráficos acima, é no Estado de São Paulo que o GNV se apresenta menos

competitivo. Embora a competitividade nas áreas de distribuição da COMGÁS, GÁS

BRASILIANO E GÁS NATURAL possa ser considerada elevada quando o GNV é

comparado à gasolina, o baixo nível de competitividade frente ao álcool é responsável pelo

desempenho total neste segmento analisado.

É importante destacar que no Estado de São Paulo a política de incentivos fiscais

destinada para o consumo de álcool também se aplica sobre o GNV, conforme resume a

Tabela 9 abaixo.

124

Tabela 9 - Política Tarifária do Segmento Automotivo

Fonte: Elaboração própria

Por outro lado, existem estados que oferecem fortes incentivos fiscais para o consumo

do GNV, como ocorre no Estado do Rio de Janeiro. De acordo com a tabela acima, é

importante chamar atenção para o fato de que o Estado do Rio de Janeiro não dá ao álcool o

mesmo tratamento dado ao GNV, conforme ocorre em São Paulo e, além disso, possui uma

política mais agressiva em relação à gasolina. Por conta da redução do ICMS e do IPVA para

os automóveis convertidos a GNV, o Estado do Rio de Janeiro lidera o número de conversões

e isso explica o fato de pouco mais de 40% do consumo total da CEG ser destinado para o

segmento automotivo.

No entanto, cabe ressaltar que, embora o GNV não se apresente tão competitivo

quando comparado aos demais estados, o mesmo é largamente utilizado no Estado de São

Paulo. O Estado de São Paulo possui a maior frota de veículos do Brasil e isso justifica o fato

de estar concentrado neste estado o segundo maior número de postos GNV do país: dos 1.751

postos cadastrados do país, 494 se encontram no Estado do Rio de Janeiro e 481 se encontram

no Estado de São Paulo (site GasNet).

Além da variável preço, cabe destacar outro fator determinante para a escolha do

combustível, a saber, o rendimento. Um veículo que percorre 100 km por dia, em média fará

10 km por litro de gasolina, 8 km por litro de álcool e 12 km por m3 de GNV. A Tabela 10

apresenta uma simulação da economia gerada a partir do uso do gás natural. Portanto, mesmo

ESTADOS GNV ÁLCOOL GASOLINA GNV ÁLCOOL GASOLINA

Rio de Janeiro 12% 24% 31% 1% 2% 4%

São Paulo 12% 12% 25% 3% 3% 4%

Minas Gerais 18% 25% 25% 4% 4% 4%

Bahia 12% 19% 27% 2,5% 2,5% 2,5%

Ceará 17% 25% 27% 2,5% 2,5% 2,5%

ICMS IPVA

125

que o preço do gás seja superior ao do álcool, como mostra o exemplo abaixo, o consumo de

GNV implicará em uma economia mensal de R$ 161,80, por conta do melhor rendimento

proporcionado por este combustível.

Tabela 10 - Simulador de Economia do GNV

COMBUSTÍVELCONSUMO

DIÁRIO

CONSUMO

MENSAL

PREÇO MÉDIO

NACIONAL

GASTO

MENSAL TOTAL

Gasolina 10 litros 300 l itros R$ 2,459/ litro R$ 748,50

Álcool 12,5 l itros 375 litros R$ 1,464/ litro R$ 549,00

GNV 8,3 m3

249 m3

R$ 1,555/ m3

R$ 387,20

Economia Mensal em Relação à Gasolina: R$ 361,30Economia Mensal em Relação ao Álcool: R$ 161,80

Fonte: BR Distribuidora

Caso o rendimento energético seja considerado na análise de competitividade do

segmento automotivo, o nível de competitividade do GNV aumenta sensivelmente em todos

os estados. Os Gráficos 26 e 27 apresentam os indicadores de competitividade do GNV,

considerando os dados referentes ao rendimento do gás veicular expostos na tabela acima. No

Gráfico 26, que apresenta o indicador para o segmento automotivo em valores absolutos, o

aumento da competitividade em função do melhor rendimento do GNV fica mais evidente.

Como se pode observar, o nível de competitividade médio do gás entre as distribuidoras

analisadas aumenta cerca de 200% e reduz o diferencial de competitividade entre os estados.

126

Gráfico 26 - Indicador de C

ompetitividade com

Diferencial de R

endimento (V

alor A

bsoluto)

0,0

0

5,0

0

10

,00

15

,00

20

,00

25

,00

30

,00

35

,00

ALGAS - AL

BAHIAGAS - BA

CEGAS - CE

BR DISTRIBUIDORA - ES

GASMIG - MG

COMPAGAS - PR

PBGAS - PB

COPERGAS - PE

CEG - RJ

CEG RIO - RJ

POTIGAS - RN

SULGAS - RS

SCGAS - SC

SERGAS - SE

COMGAS - SP

GAS BRASILIANO -SP

GAS NATURAL -SP

R$/ Milhões de Btu

Fonte: E

laboração própria a partir de dados das distribuidoras, AN

P e AB

EG

ÁS

Gráfico 27 - Indicador de C

ompetitividade com

Diferencial de R

endimento (V

alor R

elativo)

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

COMGAS - SP

GAS BRASILIANO -SP

GAS NATURAL -SP

PBGAS - PB

COMPAGAS - PR

GASMIG - MG

SERGAS - SE

SULGAS - RS

SCGAS - SC

COPERGAS - PE

BAHIAGAS - BA

BR DISTRIBUIDORA - ES

ALGAS - AL

CEGAS - CE

POTIGAS - RN

CEG - RJ

CEG RIO - RJ

Número Índice

Fonte: E

laboração própria a partir de dados das distribuidoras, AN

P e AB

EG

ÁS

127

(iii) Indicador Total de Competitividade

O indicador total de competitividade (ITC), conforme já mencionado, corresponde à

soma do IC industrial e do IC Automotivo, ponderados pela participação de cada segmento no

volume de gás distribuído pelas companhias estaduais. Formalizando:

ITC = ((IC Industrial x Participação do Segmento Industrial) + (IC Automotivo x

Participação do Segmento Automotivo))/ 2.

Os Gráficos 28 e 29 apresentam respectivamente o indicador total de competitividade

absoluto e relativo do gás natural.

Gráfico 28 - Indicador de Competitividade Total (Valor Absoluto)

0

2

4

6

8

10

12

14

16

CO

MG

AS

- SP

GA

S N

ATU

RA

L -S

P

PB

GA

S -

PB

SER

GA

S -

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AS

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N

GA

SMIG

- M

G

R$

/ M

ilhõ

es d

e B

tu

Fonte: Elaboração própria a partir de dados das distribuidoras, ANP e ABEGÁS

128

Gráfico 29 - Indicador de Competitividade Total (Valor Absoluto)

0

50

100

150

200

250

300

350

CO

MG

AS

- SP

GA

S N

ATU

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P

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CEG

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J

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AS

- R

N

GA

SMIG

- M

G

mer

o Ín

dic

e

Fonte: Elaboração própria a partir de dados das distribuidoras, ANP e ABEGÁS

Segundo a metodologia utilizada para medir a competitividade do gás natural, a

GASMIG foi apontada como a distribuidora com maior grau de competitividade entre as

companhias analisadas. O ITC encontrado para a distribuidora mineira corresponde a mais de

três vezes o nível de competitividade da distribuidora tomada como referência, a COMGÁS.

Este resultado se deve, principalmente, ao fato do gás apresentar-se fortemente competitivo

no segmento industrial no Estado de Minas.

Por fim, mais uma vez é importante chamar a atenção para o fato de que a

metodologia utilizada nesta dissertação utilizou as tarifas das distribuidoras vigentes em

agosto de 2009. Portanto, não foram feitas análises e comparações ao longo dos anos, o que

poderia apresentar resultados diferentes, em função das variações das tarifas do gás natural e

dos concorrentes, como também das alterações no mercado gasífero e das políticas

direcionadas a ele.

129

III. 5 – Conclusão

Este capítulo teve como objetivo central analisar a competitividade do gás natural no

Brasil, tendo em vista sua cadeia de formação de preços. Assim, foram identificados os

principais determinantes no que diz respeito à competitividade, a saber, o preço commodity, as

margens de distribuição e os impostos.

O preço commodity representa um percentual significativo no processo de formação de

preços ao consumidor final. Além disso, a regra de reajuste deste preço possui certa

defasagem em relação ao movimento de preços no mercado de petróleo, o que justifica por

vezes ganho de competitividade e, por outras, perda de competitividade frente ao óleo

combustível.

As margens de distribuição, constituídas por meio da metodologia cost plus,

representam uma parcela considerável e configuram-se como um ponto de divergência entre

as distribuidoras e a empresa responsável pela determinação do preço commodity. A carga

tributária que recai sobre o preço final do gás natural também representa uma fatia expressiva

do preço final.

Os resultados verificados a partir dos indicadores de competitividade mostraram que

no segmento industrial, o gás natural vem perdendo competitividade em relação ao óleo

combustível, por conta da recente queda de preços observada deste último energético.

Entretanto, o gás apresenta um nível de competitividade considerável em relação ao GLP, o

que pode permitir a manutenção e/ ou a expansão do mercado gasífero nos segmentos que

demandam o uso de um energético com características consideradas mais nobres, ou seja,

quando o óleo combustível não for uma alternativa viável de uso.

No que tange o segmento automotivo, os indicadores revelaram que o GNV é

altamente competitivo quando comparado à gasolina, mas frente ao álcool este nível de

130

competitividade não se verifica. Porém, quando considerado o rendimento energético dos

combustíveis, a margem de competitividade do GNV se amplia, inclusive frente ao álcool. Os

incentivos fiscais neste segmento são fortes e o mercado gasífero tem se beneficiado disso.

Ficou claro que o processo de formação de preços apresenta riscos no que diz respeito

à competitividade do gás e que, portanto, algumas mudanças na política de preços poderiam

ser realizadas a fim de preservar e/ ou estimular a competitividade do gás. Ou seja, a política

tributária para o gás natural poderia ser alterada de forma a incentivar o uso deste energético

em momentos de abundância ou, então, a regra de reajuste do preço commodity poderia adotar

uma metodologia que permitisse uma resposta mais rápida do mercado gasífero às oscilações

do mercado de petróleo, quando isso implicasse em perda de competitividade. Dessa forma,

este será o assunto de discussão do próximo capítulo.

131

CAPÍTULO IV – ANÁLISE DA ATUAL POLÍTICA DE PREÇOS PARA O GÁS

NATURAL NO BRASIL E OS IMPACTOS SOBRE A COMPETITIVIDADE

IV. 1 – Introdução

Ao longo desta dissertação foram discutidos os seguintes pontos referentes à definição

de preços para o gás natural: (i) as metodologias tradicionais de precificação, (ii) o histórico

brasileiro de formação de preços e (iii) a cadeia de formação de preços e análise em torno da

competitividade do gás comercializado pelas diferentes distribuidoras do país. Assim, cabe

agora analisar a relação entre a política de preços para o gás natural praticada no Brasil e os

seus impactos sobre a competitividade e, consequentemente, sobre o desenvolvimento do

mercado e sua maior inserção na matriz energética nacional.

Dessa forma, este capítulo divide-se em quatro seções, incluindo esta seção

introdutória. A segunda seção apresentará um breve diagnóstico da política de preços e traçará

as perspectivas futuras para indústria brasileira de gás natural, destacando que possivelmente

haverá espaço para que a atual política de preços seja repensada. A terceira seção apresentará

uma análise crítica a respeito da política de preços praticada no país, assim como seus riscos e

impactos sobre o nível de competitividade do gás natural. A partir das variáveis que compõem

o preço ao consumidor final e do histórico brasileiro recente de definição de preços, esta

seção ainda fará algumas reflexões acerca do desenho para uma nova política de preços. Por

fim, a quarta seção apresentará as considerações finais referentes a este capítulo.

132

IV. 2 – Diagnóstico da Atual Política de Preços para o Gás Natural no Brasil e

Perspectivas para a Indústria Gasífera Brasileira

Atualmente o Brasil encontra-se saindo de uma situação de escassez de oferta de gás

natural que teve início em 2006, associado às crises regionais da Bolívia e Argentina, e que

começou a ser alterar no segundo trimestre de 2008, por conta da crise financeira

internacional. Ao longo deste período, a política de preços da Petrobras buscou sinalizar para

a demanda o contexto de restrição de oferta de gás e, dessa forma, houve uma forte redução

da taxa de crescimento da demanda por gás natural no país, principalmente por parte do

segmento industrial e de geração termelétrica.

Este fato provocou uma queda no ritmo de crescimento da demanda, conforme é

possível observar no Gráfico 30 a seguir. De acordo com as projeções45 do gráfico, a

retomada do ritmo de crescimento da demanda não deverá ser suficiente para recuperar a fase

de desaquecimento pelo menos no médio prazo, pois por mais que a demanda retome sua

trajetória de crescimento, seu ritmo será mais lento. A área compreendida entre as linhas

pontilhadas ilustradas no gráfico abaixo corresponde ao volume de gás natural que deixará de

fazer parte da demanda total, segundo a projeção feita até 2011.

45 As projeções da demanda até 2011 foram feitas da seguinte forma: (i) Projeção sem crise: foi levada em consideração a taxa média de crescimento da demanda no período compreendido entre 2000 e 2005 (19,79%), essa mesma taxa foi utilizada para projetar a demanda caso não houvessem ocorrido as crises após 2006; e (ii) Projeção com crise: foi considerada taxa médio de crescimento da demanda no período compreendido entre 2000 e 2008 (16%)

133

Gráfico 30 - Projeção da Demanda por Gás Natural no Brasil

0,00

5.000,00

10.000,00

15.000,00

20.000,00

25.000,00

30.000,00

35.000,00

40.000,00

45.000,00

50.000,00

19

99

20

00

20

01

20

02

20

03

20

04

20

05

20

06

20

07

20

08

Pro

jeçã

o 2

00

9

Pro

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o 2

01

0

Pro

jeçã

o 2

01

1

Milh

õe

s d

e m

3Projeção da

Demanda sem as Crises

Projeção da

Demanda com as Crises

Fonte: Elaboração própria a partir do Anuário Estatístico ANP (2008a)

Não obstante tenham ocorridos estes fatos que acabaram por implicar na redução da

demanda, recentemente também se destacam episódios que certamente irão contribuir para a

expansão da oferta de gás natural no país, no médio e longo prazo. Entre estes fatos destaca-se

o Plano de Antecipação da Produção de Gás46 (PLANGÁS), lançado em 2006 pela Petrobras

para fazer frente ao quadro de instabilidade vivenciado pelo setor gasífero nacional. O

PLANGÁS, com vistas a mitigar os riscos associados ao fornecimento de gás boliviano,

determinou como objetivo o crescimento da produção doméstica de gás natural, com meta de

produzir 55 milhões de m3 por dia até o final de 2010.

A importação de GNL também se caracteriza como uma fonte de aumento e

diversificação da oferta de gás natural no país. Para importar GNL e atender a meta de

comercializar 70 milhões de m3 diariamente até 2011, a Petrobras divulgou em seu Plano de

46 As informações a respeito do PLANGÁS encontram-se disponíveis em: https://www.lenep.uenf.br/~bueno/download/DVD_DADOS_GRUPO_LDSC/02- Disciplinas/DisciplinaCpp/Avaliacoes-Provas/Prova-01-Plangas/Cafe12CAntonello.pdf e http://www2.petrobras.com.br/publicacao/imagens/2942_pac_-_ing.pdf .

134

Negócios 2007 – 2011 que os investimentos referentes à ampliação da malha de gasodutos e à

construção de terminais de regaseificação de GNL demandarão cerca de US$ 6,5 bilhões. Os

terminais de regaseificação no Porto do Pecém (CE) entraram em operação no início deste

ano e possuem capacidade para regaseificar diariamente 7 milhões de m³, o equivalente a

cerca da metade do consumo de gás natural demandado pelo mercado térmico em todo país

(site do Governo do Estado do Ceará).

E, por fim, destaca-se o gás proveniente da camada pré-sal. De acordo com a

Petrobras, os primeiros resultados indicam a existência de volumes muito expressivos de óleo

e a presença de gás associado:

“(...) só a acumulação de Tupi, na Bacia de Santos, tem volumes recuperáveis

estimados entre 5 e 8 bilhões de barris de óleo equivalente (óleo mais gás). Já o

poço de Guará, também na Bacia de Santos, tem volumes de 1,1 a 2 bilhões de

barris de petróleo leve e gás natural (...).” (site PETROBRAS47)

A descoberta do pré-sal deu início a uma série de discussões a respeito da posição do

Brasil no mercado internacional de gás natural. Segundo Marco Tavares – Diretor da Gas

Energy –, a camada pré-sal tem potencial para produzir 120 milhões de m3 por dia e para

garantir não só a auto-suficiência do país, como também para exportar para os países vizinhos

(Entrevista ao Jornal O GLOBO48, em 10/ 05/ 2009).

Dado que a política de preços atualmente praticada no Brasil apresenta riscos para a

competitividade do gás, conforme discutido no terceiro capítulo, e tendo em vista que as

perspectivas para o mercado gasífero são muito positivas por conta dos fatos já abordados,

talvez esse seja o momento mais apropriado para repensar a respeito das regras de

precificação do gás natural no país.

47 Informação disponível em: http://www2.petrobras.com.br/presal/perguntas-respostas/. Acesso em: 29, Outubro, 2009.

48 Disponível em: http://www.gasenergy.com.br/chemicals/novidade-detalhe.php?NovidadeID=26. Acesso em: 29, Outubro, 2009.

135

A política de preços, conforme discutido ao longo desta dissertação, deve ser vista

como uma variável fundamental para propiciar o desenvolvimento do mercado gasífero

quando a competição não estiver presente. A liberalização dos mercados faz com que a

determinação de uma política de preços para o gás natural deixe de ser uma peça relevante,

pois quando há competição o preço tende a refletir a interação entre as curvas de oferta e

demanda e nestas circunstâncias a política de preços se resolve via mercado.

Contudo, quando a competição não está presente no mercado gasífero, a política de

preços torna-se uma variável-chave para garantir a competitividade do gás e possibilitar o

desenvolvimento deste mercado, pois na ausência de competição tem-se que os preços não

responderão necessariamente aos movimentos de oferta e demanda do mercado, sendo

necessário, portanto, o estabelecimento de regras que determinem o seu comportamento. Em

linhas gerais, pode-se afirmar que, quanto menor o grau de competição presente nesta

indústria, maior deve ser a preocupação em torno da política de preços.

Atualmente, a indústria gasífera brasileira encontra-se em um estágio de baixo grau de

maturidade no qual, embora tenha havido a introdução de certos aspectos competitivos

principalmente após a Lei do Petróleo, ainda é possível observar fortes características de um

modelo monopolista. Mesmo após a quebra do monopólio legal da Petrobras, a estatal

permaneceu como praticamente monopolista do setor, sendo responsável por cerca de 90% da

produção nacional, das reservas e dos investimentos realizados no país.

Por se tratar de uma indústria pouco madura, conforme já discutido, os CFs da

indústria brasileira de gás natural ainda não foram depreciados e muitos investimentos ainda

não foram realizados. Como consequência, o CMg de expansão da rede ainda é elevado, o que

dificulta o surgimento da concorrência e faz com que a integração das atividades se apresente

como uma alternativa razoável para o desenvolvimento do mercado. Por conta disso, a

136

Petrobras possui espaço para atuar de forma integrada no setor gasífero, participando

ativamente dos segmentos upstream e downstream.

Dessa forma, frente ao baixo grau de maturidade e competição presentes na indústria

nacional, faz-se necessária a existência de regras bem definidas e coerentes com a realidade e

com as especificidades da indústria gasífera brasileira, de modo a propiciar o

desenvolvimento do mercado. Ou seja, como a possibilidade de haver única e exclusivamente

a definição de preços tomada no âmbito do mercado não faz parte da atual realidade

brasileira, é necessário que a lógica por trás da definição de preços esteja estruturada de forma

a possibilitar o desenvolvimento do mercado, no sentido de promover sua inserção em um

contexto no qual a competição esteja cada vez mais presente.

Para isso, é necessário que o governo brasileiro busque formular uma política de

preços adequada para o mercado gasífero nacional, de forma direta ou indireta, ou seja, com

ou sem a participação da Petrobras. Este fato contribui para justificar a existência de uma

política de preços híbrida no país, pois na ausência de preços de mercado, é necessário que

haja uma política de preços, ainda que em certo grau, administrada.

No que diz respeito às perspectivas para a indústria de gás natural no Brasil, pode-se

afirmar que no futuro a expectativa é de haja mais competição. A Lei do Gás (Lei nº 11. 909),

publicada em 4 de março de 2009, além de definir algumas questões importantes que não

foram explicitadas na Lei do Petróleo, instituiu aspectos relevantes que poderão contribuir

para a promoção da competição no âmbito da indústria brasileira. O novo marco regulatório49

introduziu o regime de concessão para os novos gasodutos que, por sua vez, abre espaço para

aumentar a competição no transporte e aumentar os investimentos em infra-estrutura.

49 A regulamentação das atividades de estocagem e armazenamento, o acesso regulado aos gasodutos e o tratamento legal aos aspectos da contingência no suprimento também foram contemplados na Lei do Gás e poderão contribuir para o desenvolvimento e consolidação da indústria do gás natural no Brasil.

137

A Lei do Gás também regulamentou a existência do consumidor livre, definindo-o

como “consumidor de gás natural que, nos termos da legislação estadual aplicável, tem a

opção de adquirir o gás natural de qualquer agente produtor, importador ou

comercializador” (Art. 2°, inciso XXXI, Lei nº 11. 909/ 2009). O Capítulo VI, que dispõe

sobre a distribuição e comercialização do gás natural, determina em seu Art. 46 que:

“O consumidor livre, o autoprodutor50

ou o auto-importador51

cujas necessidades

de movimentação de gás natural não possam ser atendidas pela distribuidora

estadual poderão construir e implantar, diretamente, instalações e dutos para o seu

uso específico, mediante celebração de contrato que atribua à distribuidora

estadual a sua operação e manutenção, devendo as instalações e dutos ser

incorporados ao patrimônio estadual mediante declaração de utilidade pública e

justa e prévia indenização, quando de sua total utilização.”

É importante ressaltar que os contratos de concessão das distribuidoras do Estado de

São Paulo e Rio de Janeiro já previam a figura do consumidor livre. De acordo com estes

contratos, os grandes consumidores industriais e termelétricos podem escolher seus

fornecedores que terão livre acesso à infra-estrutura de distribuição, no décimo e no décimo

segundo ano da concessão, respectivamente nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo (Pinto

Jr. et al., 2007). Ou seja, no Rio de Janeiro os contratos junto aos consumidores livres estão

em vigor desde 2007 e em São Paulo entrarão em vigor a partir de 2011.

Dessa forma, a partir do reconhecimento do consumidor livre, que terá a opção de

adquirir o gás natural de qualquer agente produtor, importador ou comercializador, é possível

que haja espaço para que produtores independentes ou importadores contestem o poder de

mercado da Petrobras (site Gás Brasil).

Além das questões abordadas na Lei do Gás, cabe destacar o desenvolvimento do

mercado secundário de gás natural no Brasil, o qual também poderá contribuir para alterar o

50 O autoprodutor é definido no inciso XXXII como o agente explorador e produtor de gás natural que utiliza parte ou totalidade de sua produção como matéria-prima ou combustível em suas instalações industriais.

51 O auto-importador é definido no inciso XXXIII como o agente autorizado para a importação de gás natural que utiliza parte ou totalidade do produto importado como matéria-prima ou combustível em suas instalações industriais.

138

atual contexto, introduzindo a indústria nacional em um ambiente com maior nível de

competição. Um grande entrave ao desenvolvimento do setor de gás natural relaciona-se com

o fato da oferta ser em grande medida inflexível e a demanda ser muito variável. Por conta

disso, ao longo dos anos, verifica-se que foram feitos esforços no sentido de diversificar a

oferta de gás no país, como, por exemplo, através da importação do GNL. No entanto, o

desenvolvimento do mercado secundário pode ser interpretado como uma forma de

flexibilizar a demanda de gás por parte dos grandes consumidores em vez de flexibilizar a

oferta, o que pode contribuir para reduzir o custo da oferta de gás no país.

Pinto Jr. et al. (2007) destacam que o gás possui um concorrente direto em cada

segmento de mercado e, assim, o seu valor não é o mesmo em todos os segmentos, pois varia

conforme a dinâmica dos mercados dos energéticos concorrentes. Como a dinâmica destes

mercados não é necessariamente equivalente, o valor atribuído ao gás em um determinado

segmento pode ser completamente distinto de outro. E é justamente devido a este fato que o

autor destaca a importância do desenvolvimento de um mercado secundário para o gás

natural:

“(...) caso exista um mercado secundário para os contratos de fornecimento de gás

natural, seria possível que os segmentos onde o gás apresenta um baixo valor

revendessem temporariamente seus contratos de fornecimentos aos segmentos em

que o gás apresenta um valor maior.” (PINTO JR. et al., 2007, p. 285)

Em função da existência de um grande número de contratos de longo prazo no setor

gasífero, o desenvolvimento do mercado secundário no Brasil tem sido liderado pela

Petrobras. A partir de 2007, a Petrobras passou a oferecer contratos interruptíveis52 de gás

52 Diferentemente do contrato firme, o contrato interruptível estabelece que o fornecimento de gás pode ser suspenso pelo supridor, conforme as condições negociadas, cabendo ao cliente a responsabilidade pelo combustível alternativo. Por não compartilhar riscos entre supridor e cliente, neste tipo de contrato o preço do gás possui um desconto em relação ao preço do gás firme inflexível.

139

natural às distribuidoras, por conta da dificuldade vivenciada naquele momento53 para garantir

a oferta de gás para as térmicas e para atender a demanda dos demais segmentos. Assim,

diante do contexto de escassez de oferta, o setor de gás natural passou a aceitar a

flexibilização dos contratos de fornecimento de gás.

Este contexto de escassez de oferta alterou-se após a crise econômica em 2008, pois

houve forte redução da demanda por parte das térmicas e do segmento industrial. Frente ao

aumento da disponibilidade de gás, a Petrobras decidiu acelerar o desenvolvimento do

mercado secundário de gás no país, ofertando através de leilões de curto prazo o gás

contratado pelas térmicas que, no entanto, não foram demandados. Em função da

possibilidade de adquirir grandes volumes de gás a preços mais acessíveis, estes leilões geram

incentivos para a flexibilização da demanda das distribuidoras e dos grandes consumidores

industriais.

A realização dos leilões de curto prazo e o desenvolvimento do mercado secundário de

gás natural podem contribuir para acelerar o amadurecimento da indústria gasífera nacional,

criando um ambiente mais favorável à entrada de novos atores e incentivando, assim, a

competição pela oferta de gás no país.

Estes fatos permitem inferir que no longo prazo o mercado gasífero nacional

possivelmente se caracterizará pela presença de aspectos mais competitivos quando

comparado à situação atual. O desenvolvimento de um mercado secundário e a presença de

produtores e importadores independentes poderão colaborar para que o mercado gasífero não

seja tão dominado pela Petrobras como é nos dias atuais.

53 Pode-se resumir, em linhas gerais, que a dificuldade para garantir a oferta de gás no país em 2007 estava fortemente atrelada às questões decorrentes da crise com a Bolívia, que se iniciou a partir da nacionalização das reservas de gás naquele país, e dos problemas de setor gasífero argentino, que durante o inverno teve de enfrentar a escassez e o racionamento de energia, dificultando os planos do Brasil de aumentar o volume de gás importado.

140

Obviamente que, por se tratar de uma grande empresa consolidada no setor energético

nacional, sua participação continuará sendo significativa e importante para o desenvolvimento

do mercado, porém, a Petrobras passará a dividir o mercado gasífero com outros atores. Dessa

forma, espera-se que no longo prazo, o nível de competição da indústria gasífera brasileira se

intensifique e que as características de monopólio atualmente presentes se diluam cada vez

mais.

IV. 3 – Contribuições para o Novo Desenho da Política de Preços do Gás Natural no

Brasil

Conforme discutido no capítulo teórico desta dissertação, a lógica que se encontra por

trás das políticas de precificação do gás natural devem atender a dois requisitos básicos: (i)

remunerar os investimentos realizados para desenvolver a infra-estrutura necessária tão

específica da indústria gasífera e (ii) substituir de maneira competitiva os demais energéticos.

A metodologia de precificação do gás natural utilizada no país leva em conta a “ótica do

produtor” e, deste modo, assegura a remuneração dos investimentos em infra-estrutura. Tendo

em vista que o gás natural não possui mercado cativo, o segundo requisito se torna muito

relevante para contribuir com a expansão do mercado gasífero e com a difusão do gás na

matriz energética nacional.

No entanto, com base no que foi exposto ao longo desta dissertação, ficou claro que a

política de preços utilizada no Brasil não atende necessariamente ao segundo requisito, na

medida em que adota a metodologia cost plus para definir o preço ao consumidor final. É

válido ressaltar que apenas o fato do preço commodity variar trimestralmente em função das

variações no mercado de óleo não é suficiente para garantir o netback.

141

Como a indústria brasileira é pouco desenvolvida e existem diversos investimentos

que ainda não foram realizados, a agregação dos custos ao longo da cadeia pode implicar em

perda de competitividade e limitar o desenvolvimento do mercado. Diante do exposto,

observa-se que a utilização do cost plus para precificar o gás natural no Brasil não é uma

metodologia muito adequada, no que diz respeito à eficiência. Conforme visto, o cost plus

exerce uma pressão competitiva indireta sobre o mercado e, sendo assim, Soares (2004)

afirma que essa abordagem é mais apropriada para contextos onde o gás seja abundante e

esteja próximo aos locais de consumo.

Frente à realidade da indústria gasífera brasileira, recomenda-se a utilização do

netback value, que tem sido largamente utilizada em contextos onde as características de

monopólio estão presentes. Neste caso, em vez do preço refletir os custos agregados ao longo

da cadeia, o preço máximo tenderá a refletir o valor do gás, isto é, a disposição do consumidor

a pagar pelo consumo de gás natural e não de um energético concorrente. O netback limita o

preço ao consumidor final pelo valor do gás, em termos dos preços dos substitutos.

A precificação via netback garante um retorno mínimo para as empresas envolvidas na

indústria gasífera e, assim, contribui para o aumento de participação neste mercado. Esta

metodologia gera pressão competitiva direta sobre o mercado que pode contribuir para

resolver os problemas existentes na indústria brasileira em relação à questão das margens.

Uma falha apontada desta metodologia diz respeito à possibilidade de discriminação

de preços segundo o perfil de consumo (discriminação de terceiro grau). Ou seja, na medida

em que avalia a disposição a pagar pelo gás dos diversos mercados consumidores, o netback

pode levar à prática de subsídios cruzados: o mercado com maior disposição a pagar subsidia

o preço pago pelo mercado com a menor disposição a pagar.

No entanto, conforme já mencionado no capítulo teórico desta dissertação, a

discriminação de preços segundo o perfil de consumo pode ser vista como uma opção

142

razoável para as indústrias pouco maduras, como é o caso da indústria brasileira. A existência

de externalidades em rede e a interdependência da demanda podem contribuir para acelerar o

desenvolvimento do mercado que, por sua vez, ao longo do tempo implicará no aumento da

disposição a pagar.

Diante das perspectivas em relação à oferta interna de gás no país em função da

camada pré-sal e tendo em vista que os custos de transporte do gás natural são muitos

elevados, conforme já discutido, talvez seja interessante pensar em uma política que incentive

ao máximo o consumo interno de gás natural, antes de se pensar em exportá-lo aos países

vizinhos. Porém, como foi discutido ao longo desta dissertação, para estimular o consumo de

gás é preciso que este energético apresente-se como uma alternativa com alto grau de

competitividade. Assim, a existência de preços diferenciados pode fazer sentido

principalmente para aqueles setores intensivos em gás natural, que enfrentam concorrência

internacional e onde a utilização de gás implique na agregação de valor, como por exemplo,

para o setor gás químico.

De toda forma, Austvik (2003) recomenda a regulação dos preços, limitando a faixa de

extensão do netback. Além disso, as próprias empresas participantes do mercado gasífero têm

a consciência de que para atrair novos consumidores, o preço do gás deve ser altamente

competitivo, de modo que devem considerar o trade-off entre obter lucros altos no curto prazo

ou contribuir para o crescimento de longo prazo do mercado (Camacho, 2005). Assim, mesmo

que a metodologia netback apresente um potencial para provocar distorção de preços, ela

pode se apresentar adequada para a indústria brasileira, pelo menos no médio prazo.

A partir da análise da cadeia de formação de preços do gás natural, foi possível listar

todas as variáveis que compõem o preço do gás natural e dividi-las em dois grupos distintos:

(i) as variáveis que dizem respeito à formação do preço até o city gate e (ii) as variáveis

referentes à formação do preço ao consumidor final. As primeiras variáveis que compõem o

143

preço do gás natural são aquelas relacionadas com a produção, importação e com o transporte

até city gate. Dentro deste grupo encontra-se um determinante-chave para a competitividade

do gás, o preço commodity. A definição do preço commodity, que conforme já discutido

representa uma parcela muito significativa do preço final do gás natural, é ponto comum de

discussão entre as empresas produtoras e as companhias distribuidoras.

Após o fim da fase de controle de preços, a Petrobras passou a determinar os preços

referentes ao produto com autonomia e seu poder de mercado passou a ser questionado pelas

distribuidoras, que reclamavam da falta de regras pré-definidas para a definição dos preços.

As distribuidoras afirmam que após a liberalização dos preços e a quebra do monopólio legal

da Petrobras, o mercado gasífero tornou-se um monopólio desregulado, pois a estatal passou a

fixar as metodologias referentes às tarifas de transporte e à commodity, assim como as regras

de reajuste, com liberdade.

De fato, é possível observar um aumento substancial do preço do gás natural no city

gate, conforme apresentou o Gráfico 8, que dá margem para interpretação de que a Petrobras

usou do seu poder de mercado para determinar preços não competitivos. Contudo, é válido

ressaltar que entre 2003 e 2005, durante o período do Plano de Massificação do gás natural, a

Petrobras absorveu integralmente os aumentos da commodity boliviana para estimular a

demanda de gás e as margens das distribuidoras não foram sacrificadas.

Ainda no que se refere ao preço commodity, é importante ressaltar a questão da regra

de reajuste. As regras que estabelecem o reajuste do gás podem, em certa medida,

comprometer a competitividade do gás frente aos seus concorrentes. Dado que o reajuste da

commodity é realizado trimestralmente e que repassa apenas 50% das alterações vivenciadas

no trimestre anterior, esta regra provoca um descompasso no tempo entre preço do gás e preço

do óleo combustível. Ou seja, a regra de reajuste dá margem para o surgimento de problemas

relacionados à intertemporalidade.

144

A regra de reajuste vigente para o preço commodity está exemplificada no Gráfico 31.

Suponha que em T1 haja um aumento de preços no mercado de petróleo. Neste momento, o

preço do óleo combustível irá rapidamente subir enquanto o preço do gás não irá se alterar em

função deste aumento, pois ele apenas estará refletindo o cálculo de reajuste do trimestre

anterior a T1. Contudo, caso o preço do óleo comece a se restabelecer em T2, o preço do gás

estará sofrendo um reajuste de 50% referente ao aumento ocorrido em T1. Assim, quando o

mercado de óleo estiver retornado ao seu patamar normal em T3, o mercado de gás ainda

estará repassando os outros 50% para o preço. Como conseqüência, observa-se que a situação

inicial de elevado nível de competitividade passa para uma situação na qual o gás deixa de ser

competitivo.

Gráfico 31 - Impactos da Regra de Reajuste sobre o Preço do Gás

T1 T2 T3

Tempo

$

Preço do Óleo

Preço do Gás

Competitividade Boa

Perda de Competitividade

Fonte: Elaboração própria

Assim, da maneira como o reajuste é realizado atualmente, sua fórmula de cálculo

pode resultar na perda temporária da competitividade do gás. O processo de decisão no

âmbito da indústria gasífera implica em realizar investimentos em ativos com alto grau de

especificidade, de forma que a perda de competitividade, ainda que temporária, pode gerar

insegurança e reduzir a disposição a pagar pelo gás por parte do consumidor. Deste modo, é

145

razoável considerar que algumas alterações poderiam ser implementadas na regra vigente no

sentido de garantir a competitividade do gás que, por sua vez, deve ser o principal objetivo da

política de preços. Seria interessante que alguma forma de flexibilização das regras de

reajuste fosse estudada para os momentos nos quais ela possivelmente implicaria em perda de

competitividade do gás.

Além da regra de reajuste, outro fator já mencionado que também é responsável pelo

descasamento no tempo entre o preço do óleo combustível e do gás natural é o próprio

processo de composição do preço do gás. Como preço do gás natural é formando por parcelas

fixas, isto é, por parcelas referentes ao transporte e distribuição que não variam de acordo com

o mercado de petróleo, apenas a parcela referente à commodity irá variar conforme os

movimentos do barril de petróleo. Assim, caso haja uma queda brusca do barril, por exemplo,

o preço do óleo combustível cairá rapidamente enquanto a parcela variável do gás irá se

ajustar parcialmente no próximo trimestre. Isto significa que durante este período, o gás

perderá muito em termos de competitividade. Cabe lembrar que esta questão deve ser uma

preocupação da política de preços brasileira, dado que a competição não está presente e os

preços não se ajustam via mercado.

O segundo grupo de variáveis que compõe o preço do gás natural compreende

basicamente as margens de distribuição e a carga tributária que incide sobre o gás natural.

Embora as margens sejam determinadas pela metodologia cost plus, as distribuidoras têm em

mente que se a margem estabelecida for muito alta elas perderão competitividade e,

consequentemente, mercado. Por isso, conforme já mencionado, elas questionam tanto a

definição do preço commodity que, segundo a ABEGÁS, pode representar até 70% do preço

ao consumidor final.

No que se refere à carga tributária, é válido destacar que esta é um determinante

importante da competitividade do gás, pois a parcela referente aos impostos geralmente

146

correspondem de 20% a 25% do preço final do gás. A política tributária utilizada para o GNV

pode ser citada como exemplo de que os incentivos fiscais estimulam de forma considerável a

demanda por gás. Os incentivos para o segmento automotivo têm conseguido deslocar de

forma competitiva os concorrentes tradicionais do gás natural. O Gráfico 32 a seguir

apresenta uma comparação entre a matriz energética do setor rodoviário em 2000 e 2007.

Gráfico 32 - Matriz Energética do Setor de Transporte Rodoviário (2000 e 2007)

0,60%

54,70%

31%

13,60%

Gás Natural Óleo Diesel Gasolina Álcool

4,30%

52,40%27%

16,30%

Gás Natural Óleo Diesel Gasolina Álcool

2000 2007

Fonte: Elaboração própria a partir do BEN (2008)

No entanto, os incentivos fiscais restringem-se ao segmento automotivo, não se

aplicando sobre o segmento industrial e fazendo com que a parcela referente aos impostos

neste caso seja bastante expressiva. Conforme o exemplo exposto na Figura 9, a carga

tributária incidente sobre o gás natural alcançou 26,27% do preço ao consumidor final da

CEGÁS.

Da mesma forma que existem fortes incentivos fiscais para o consumo de gás no

segmento automotivo, em momentos de abundância de oferta de gás, como é esperado no

médio e longo prazo, a política de incentivos tributários poderia se estender a outros

segmentos, como o industrial, por exemplo. O segmento industrial é o maior consumidor de

gás natural do país – em 2007, foi responsável por 53% do consumo final no Brasil (BEN,

147

2008). Uma redução dos impostos que recaem sobre o preço final para este segmento poderia

estimular de forma significativa a demanda de gás.

Tendo em vista que se trata de um energético que possui diversas vantagens – tanto

ambientais, quanto no que se refere a sua utilização, operação e manuseio, conforme visto no

primeiro capítulo – o uso de incentivos fiscais para estimular sua demanda parece ser

razoável, quando isso não implicar em problemas de abastecimento e principalmente quando

o mercado se encontra em um contexto de aumento significativa da oferta interna, como é o

caso do Brasil. Assim, os incentivos tributários poderiam ser gerados no âmbito no Governo

Federal, através da CIDE, por exemplo; ou então no âmbito do Governo Estadual através de

reduções do ICMS, quando houver perda de competitividade do gás natural frente aos

concorrentes.

Com base no que foi exposto, pode-se concluir que a política de preços para o gás

natural praticada no país não tem atendido aos requisitos básicos necessários para garantir a

competitividade. A ausência de uma política de preços com critérios transparentes e bem

definidos pode comprometer a viabilidade da política energética do país, uma vez que se abre

espaço para a alteração da lógica de precificação, tal como pode ser observado no histórico

brasileiro recente.

As mudanças na estratégia de formação de preços do gás natural possuem efeitos

sobre a lógica de desenvolvimento do mercado. Aumentos constantes do preço do gás podem

resultar em perda de competitividade em alguns setores, principalmente naqueles intensivos

na utilização de gás natural. O preço mais elevado do gás também pode contribuir para o

aumento da prática de subsídios cruzados, uma vez que as distribuidoras podem passar a

direcionar os aumentos de preço para os setores que tenham maiores condições de absorvê-

los. Assim, observa-se que as estratégias de precificação do gás natural podem gerar impactos

148

não somente sobre a competitividade do próprio gás como também sobre os diversos setores

da economia.

IV. 4 – Conclusão

Diante do que foi discutido ao longo deste capítulo, ficou claro que a política de

preços praticada no Brasil nem sempre atua no sentido de tornar o gás natural um energético

mais competitivo frente aos concorrentes. Trata-se de uma política que apresenta riscos, não

assegurando a competitividade do gás. No entanto, como a existência de uma política de

preços adequada e coerente com as especificidades da indústria brasileira é extremamente

relevante para viabilizar a expansão e consolidação do mercado gasífero nacional, é

importante que a atual política de preços seja repensada com atenção.

Tendo em vista que as perspectivas para o gás natural após o PLANGÁS, o GNL e a

descoberta da camada pré-sal são positivas, este capítulo tentou oferecer uma reflexão para

um redesenho da política de preços atualmente praticada no Brasil, de modo a tentar assegurar

sua competitividade frente aos seus principais concorrentes. Estima-se que a situação das

reservas e da produção de gás natural irá aumentar sensivelmente, de modo que

provavelmente haverá espaço para estimular a demanda de gás de forma racional e

consciente, sem por em risco e sem comprometer a política energética do país e o consumo de

gás em segmentos considerados estratégicos, como a geração de energia elétrica. Além disso,

é natural pensar que juntamente com o desenvolvimento do mercado gasífero nacional,

surgirão novas formas contratuais, uma vez que a competição dá margem à diversificação de

contratos.

149

Assim, foi sugerida a modificação da metodologia, recomendando-se a utilização da

abordagem netback value, dado que a metodologia cost plus não tem se mostrado muito

adequada para a realidade da indústria gasífera brasileira. Também foram feitas sugestões de

modificações para as variáveis determinantes da competitividade do gás, como a regra de

reajuste, as margens e os impostos.

150

CONCLUSÃO GERAL

Com base na revisão teórica acerca da economia do gás natural e dos fundamentos

microeconômicos, foi visto que a política de preços para o gás natural deve ter como objetivo

central a garantia da competitividade frente aos energéticos concorrentes, principalmente

quando a competição não estiver presente e o nível de desenvolvimento da indústria for

considerado baixo. Em geral, o gás não possui mercado cativo e esta característica faz com

que a competitividade seja uma variável importante para a manutenção e expansão do

mercado gasífero.

Quando o mercado de gás natural se caracteriza pela competição, os preços tendem a

se ajustar conforme as condições de oferta e demanda, sem necessitar de mecanismos de

controle de preços. Neste caso, pode-se dizer que a política de preços se resolve através do

mercado, não necessitando a intervenção do governo. Este caso é típico de indústrias

maduras, com elevado grau de desenvolvimento, o qual não corresponde à realidade da

indústria gasífera brasileira.

A indústria nacional de gás natural, apesar da introdução de aspectos competitivos

após a Lei do Petróleo e do estabelecimento de um ambiente de preços livres sem controle

governamental, ainda apresenta fortes característica de monopólio. Deste modo, como o

mercado não é concorrencial, os preços não respondem necessariamente às mudanças nas

condições de oferta e demanda, sendo necessária a introdução mecanismos para administrar

os preços e garantir, assim, a competitividade do gás natural frente aos concorrentes.

A partir da revisão teórica acerca da economia do gás natural foi visto que a indústria

gasífera apresenta particularidades muito específicas. As atividades de E&P, que compõem o

segmento upstream, envolvem custos que geralmente não são previsíveis, como os custos de

151

investimento do downstream, e podem gerar renda econômica, que se não forem repartidas ao

longo da cadeia de produção do gás natural podem causar ineficiências e distorções de preços.

O segmento downstream possui características de indústrias de infra-estrutura e

configura-se como uma indústria de rede, demandando elevados investimentos em sua fase

inicial de desenvolvimento. A atividade de transporte possui características de monopólio

natural e, assim, envolvem CFs elevados e CMg de expansão decrescente. Como estes se

caracterizam como os custos mais significativos em termos econômicos da cadeia do gás, a

curva de CMeLP da indústria gasífera é decrescente.

Dessa forma, quando a indústria gasífera é pouco madura, os elevados custos de

investimento dificultam a concorrência e, assim, há uma tendência de existirem poucos

players com elevado poder de mercado que se tornam responsáveis por montar toda a infra-

estrutura necessária para o desenvolvimento da indústria. E é exatamente isso que se encontra

na indústria de gás natural do país.

A partir das análises das metodologias tradicionais de precificação do gás natural e do

histórico brasileiro de determinação de preços, foi possível concluir que o processo de

formação de preços do gás natural no Brasil se dá por meio da metodologia cost plus, ou seja,

através da agregação de custos ao longo da cadeia. Porém, devido ao fato da indústria gasífera

brasileira se caracterizar pelo seu baixo grau de maturidade, a utilização desta metodologia

pode comprometer a competitividade do gás.

Por conta do baixo grau de maturidade e da escassa rede de transporte e distribuição

de gás no país, nota-se que diversos investimentos ainda não foram feitos de forma que a

curva de CMeLP ainda não atingiu sua fase descendente, pois ainda existem elevados CFs a

serem incorridos, fazendo com que o CMg de expansão da rede ainda seja elevado.

Isto posto, é possível afirmar que a metodologia cost plus pode contribuir para

dificultar o desenvolvimento do mercado gasífero nacional. A utilização da metodologia

152

netback value seria mais recomendada para situações como a realidade brasileira, onde as

características de monopólio ainda estão fortemente presentes. Na medida em que garante um

retorno mínimo para as empresas envolvidas nesta indústria, a abordagem netback dá margem

para o aumento do número de participantes na indústria. Ao limitar o preço do gás ao

consumidor final pelo valor atribuído ao gás nos diferentes mercados, gera pressão

competitiva e oferece maior segurança ao consumidor, por isso, é recomendada para as

indústrias que se encontram em sua fase inicial de desenvolvimento.

Quando se trata de indústrias pouco maduras, cujo mercado ainda se encontra pouco

desenvolvido, a metodologia netback pode ser vista como um incentivo considerável para

alterar tal situação. Tendo em vista que o preço do gás é determinado pelos valores atribuídos

a este energético nos diferentes mercados, a possibilidade de definir preços diferenciados

pode ser vista como uma alternativa razoável para acelerar o desenvolvimento do mercado.

Ou seja, a prática de subsídios cruzados por mais que possa causar distorções de preços e,

assim, gerar algum tipo de ineficiência no mercado, pode também funcionar como um

mecanismo de incentivo para o desenvolvimento de indústrias não maduras. Dessa forma,

quando a indústria atingir o nível de maturidade desejado, tanto a metodologia netback, assim

como os incentivos decorrentes da discriminação de preços, não serão mais necessários.

Em relação à análise do histórico de preços do gás natural no Brasil, foi possível

verificar que a política de preços se alterou diversas vezes ao longo dos últimos dez anos,

quando o Brasil passou a importar gás. Durante este período, o mercado vivenciou programas

de estímulo à demanda e situações nas quais, por conta da escassez de oferta, a demanda teve

de ser desaquecida, muitas vezes por meio da política de preços. Deste modo, foi possível

verificar também que as mudanças na estratégia de formação de preços do gás natural

possuem efeitos sobre a lógica de desenvolvimento do mercado.

153

Em função do histórico analisado, a política de preços para o gás natural no Brasil foi

caracterizada como uma política híbrida, tendo em vista que reflete tanto as decisões de

governo (tal como ocorreu durante o período de controle de preços e durante os programas do

governo para o setor energético, como o PPT), quanto as decisões tomadas no âmbito do

mercado, levando em consideração a estratégia empresarial da Petrobras (como por exemplo,

durante o Plano de Massificação).

Atualmente, a Petrobras além de fixar o preço commodity desde 2002, quando os

preços passaram a ser negociados livremente entre as partes, também passou a estabelecer a

partir de 2008 a parcela do preço referente ao transporte. A empresa abandonou a política de

preços baseada na determinação das tarifas referenciais de transporte pela ANP e passou a

determinar os preços em função de uma parcela fixa (que remunera os investimentos

realizados no transporte, processamento e regaseificação do gás) e outra variável

(correspondente ao preço commodity).

Dessa forma, além da indústria brasileira de gás natural se caracterizar pelo seu baixo

grau de maturidade, ela esta suscetível à determinação de preços por parte da maior empresa

do setor, a Petrobras. Em conjunto, estes fatos dão margem para a ocorrência de diversos

conflitos entre a estatal e as companhias distribuidoras, que constantemente estão

questionando a definição do preço commodity, argumentando que devido ao seu elevado

valor, suas margens de distribuição ficam comprometidas.

Conforme foi discutido, a ausência de mercado cativo faz com que o preço do gás ao

consumidor final em relação aos seus concorrentes nos mais diversos segmentos seja

extremamente importante para o desenvolvimento do mercado. Por conta disso, foi analisado

o nível de competitividade do gás nos segmentos industrial e automotivo, dois importantes

segmentos de consumo. Para isso, foi desenvolvida uma metodologia que deu origem aos

154

indicadores de competitividade, que permitiu comparar a competitividade do gás nos diversos

estados brasileiros.

No segmento industrial, o gás mostrou-se mais competitivo no Estado de Minas

Gerais, no qual ele obteve o maior nível de competitividade quando comparado ao óleo

combustível A1 e ao GLP. Para este segmento foi feita uma observação de que a

competitividade frente ao óleo combustível se reduziu consideravelmente no último ano, em

função da crise internacional que provocou quedas bruscas de preços no mercado de petróleo

e derivados.

No segmento automotivo, de acordo com a análise realizada, o Estado do Rio de

Janeiro apresentou-se como o mais competitivo, em função da forte política de incentivos

tributários: redução de IPVA para os veículos convertidos à GNV e ICMS reduzido para 12%.

Neste caso, ficou claro que a política tributária foi um fator fundamental para aumentar a

competitividade do gás natural em relação aos seus concorrentes.

Assim, a partir das análises realizadas ao longo desta dissertação, foi possível concluir

que a atual política de preços praticada no Brasil para o gás natural apresenta, muitas vezes,

risco para a sua competitividade que, por sua vez, configura-se como uma variável de extrema

importância para o desenvolvimento do mercado gasífero, tendo em vista as características da

indústria nacional. Como exemplo do risco apresentado pela política de preços, basta observar

a recente perda de competitividade do gás por conta das oscilações do mercado internacional

de petróleo.

Portanto, frente às perspectivas de mudanças no médio e longo prazo, no que diz

respeito à oferta de gás natural – PLANGÁS, GNL e pré-sal –, torna-se importante repensar

sobre os mais diversos aspectos da política de precificação atualmente adotada a fim de que

ela possa assegurar aquele que deveria ser seu principal objetivo, a saber, a garantia da

competitividade do gás natural frente aos energéticos concorrentes. Deste modo, foram

155

destacados alguns aspectos importantes da política de preços e foi recomendado que a

definição do preço commodity, as regras de reajuste de preços, a determinação das margens de

distribuição e a política tributária para o mercado gasífero sejam revistas com a devida

atenção.

A partir da análise da cadeia de formação de preços do gás natural, foi visto que tanto

a regra de reajuste do preço commodity quanto o seu próprio processo de formação podem

causar perdas temporárias de competitividade do gás natural. Dessa forma, foi sugerido que

alguma forma de flexibilização destas regras fosse pensada para evitar tais perdas, as quais

podem ter efeitos significativos sobre a demanda e o desenvolvimento do mercado. Como os

investimentos na indústria gasífera envolvem ativos muito específicos, as perdas temporárias

de competitividade podem gerar incertezas e reduzir a disposição a pagar pelo gás natural.

Embora a metodologia utilizada no Brasil seja a cost plus, as distribuidoras devem

levar em consideração o fato de que se o gás não se apresentar devidamente competitivo no

mercado, ele será substituído por outro energético. Assim, tanto o processo de formação do

preço commodity quanto a definição das margens podem ser vistos como importantes

determinantes da competitividade do gás. No que diz respeito à carga tributária, foi visto que

os incentivos destinados ao segmento automotivo foram fundamentais para a utilização

crescente do gás natural. Assim, frente às perspectivas para o mercado gasífero nacional foi

destacada a possibilidade dos incentivos fiscais serem estendidos aos demais segmentos,

como o industrial, por exemplo.

Por conta das perspectivas de oferta a partir do pré-sal e considerando que os custos de

transporte do gás natural são muitos elevados, foi sugerida a utilização de preços

diferenciados como uma alternativa para incentivar ao máximo o consumo interno de gás

natural, antes de se pensar em exportá-lo aos países vizinhos. Contudo, para alcançar tal

objetivo é necessário que o preço do gás natural apresente um grau de competitividade

156

considerável, conforme foi discutido ao longo desta dissertação. Assim, a discriminação de

preços pode fazer sentido principalmente para os setores intensivos em gás natural e nos quais

a utilização de gás acarrete na agregação de valor. Esta estratégia pode contribuir para

acelerar o desenvolvimento do mercado gasífero nacional.

Por fim, foi discutido que no longo prazo o mercado gasífero nacional possivelmente

se caracterizará pela presença de aspectos mais competitivos quando comparado à situação

atual, em função do desenvolvimento do mercado secundário e da presença de produtores e

importadores independentes. Estes aspectos poderão contribuir para que haja a entrada de

novos players no mercado gasífero nacional, de forma que a Petrobras passará a dividir o

mercado com outros atores. Assim, espera-se que no longo prazo o nível de competição da

indústria gasífera brasileira se intensifique e que as características de monopólio atualmente

presentes se diluam cada vez mais.

157

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