A política educacional pombalina

20
A POLÍTICA EDUCACIONAL POMBALINA Cristiane Tavares Fonseca de Moraes Nunes 1 RESUMO A historiografia educacional clássica negligencia a existência de uma política educacional ainda no Brasil Colônia, ou, quando admite, credita méritos à Companhia de Jesus, renegando as reformas geridas por Pombal em quase sua totalidade. O presente artigo pretende mostrar as ações presentes na legislação pombalina e as reformas promovidas no ensino, bem como o trato com a instrução pública, a história da profissão docente e a reforma na Universidade de Coimbra, em 1772. O estudo permite compreender as finalidades do ensino em atender ao Estado, e mais adiante, na concepção de construção da nacionalidade brasileira pelos egressos da citada universidade. O novo projeto social iluminado era baseado na ideia oposta da decadência e estagnação das sociedades alienadas pela superstição e pelo obscurantismo religioso existente à época. Na concepção de uma soberania nacional, a Universidade de Coimbra é posta no centro de uma produção cultural ou sociocultural que dará formação a uma nova mentalidade que os intelectuais deveriam dispor. Palavras-Chave: Reformas Pombalinas; Nacionalidade; Políticas Educacionais. ABSTRACT A classical education historiography neglects the existence of an educational policy even in colonial Brazil, or when she admits, credit merits the Society of Jesus, denying the reforms managed by Pombal in its totality. This article highlights the actions of Pombal in legislation and the reforms in education, as well as dealing with public education, the history of the teaching profession and reform at the University of Coimbra in 1772. The study provides insight into the purposes of education 1 Mestre em Administração (Universidad de Extremadura (Espanha, 2002), com titulo revalidado pela UFRN) e Mestranda em Educação (UFS, 2012), professora e gestora acadêmica da Faculdade São Luís de França, membro do GPHELB/CNPq, e-mail: [email protected] .

Transcript of A política educacional pombalina

Page 1: A política educacional pombalina

A POLÍTICA EDUCACIONAL POMBALINA

Cristiane Tavares Fonseca de Moraes Nunes1

RESUMOA historiografia educacional clássica negligencia a existência de uma política educacional ainda noBrasil Colônia, ou, quando admite, credita méritos à Companhia de Jesus, renegando as reformasgeridas por Pombal em quase sua totalidade. O presente artigo pretende mostrar as ações presentes na legislação pombalina e as reformas promovidas no ensino, bem como o trato com a instrução pública, a história da profissão docente e a reforma na Universidade de Coimbra, em 1772. O estudo permite compreender as finalidades do ensino em atender ao Estado, e mais adiante, na concepção de construção da nacionalidade brasileira pelos egressos da citada universidade. O novo projeto social iluminado era baseado na ideia oposta da decadência e estagnação das sociedades alienadas pela superstição e pelo obscurantismo religioso existente à época. Na concepção de uma soberania nacional, a Universidade de Coimbra é posta no centro de uma produção cultural ou sociocultural que dará formação a uma nova mentalidade que os intelectuais deveriam dispor.

Palavras-Chave: Reformas Pombalinas; Nacionalidade; Políticas Educacionais.

ABSTRACTA classical education historiography neglects the existence of an educational policy even in colonialBrazil, or when she admits, credit merits the Society of Jesus, denying the reforms managed byPombal in its totality. This article highlights the actions of Pombal in legislation and the reforms ineducation, as well as dealing with public education, the history of the teaching profession and reform at the University of Coimbra in 1772. The study provides insight into the purposes of education to serve the state, and later in the design of construction of Brazilian nationality by graduates of that university. The new design was based on enlightened social opposite idea of decadence and stagnation of the companies divested by superstition and religious obscurantism by existing at the time. In the conception of national sovereignty, the PA is placed at the center of a cultural or socio-cultural production that provide training to a new mentality that intellectuals should have.

Keywords: Pombal, Nationality, Educational Policy.

1 Mestre em Administração (Universidad de Extremadura (Espanha, 2002), com titulo revalidado pela UFRN) e Mestranda em Educação (UFS, 2012), professora e gestora acadêmica da Faculdade São Luís de França, membro do GPHELB/CNPq, e-mail: [email protected].

Page 2: A política educacional pombalina

Introdução

Sebastião José de Carvalho e Melo, compõe o gabinete do Rei D. José I (1750-

1777) como ministro responsável pela Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da

Guerra, depois de ter passado pelas embaixadas de Londres e Viena. Após seis meses como

ministro, ele foi nomeado Secretário de Estado dos Negócios do Reino, cargo da mais alta

relevância junto ao rei. Dessa maneira, em 1759 recebe o título de Conde de Oeiras e dez

anos depois, em 1769, torna-se Marquês de Pombal. Tal ascensão pode ser atribuída à sua

contribuição na reconstrução de Lisboa, por conta da ocorrência do terremoto que, em

1755, que devastou a cidade2.

Pombal3 era considerado um “estrangeirado”, - para os portugueses,

“estrangeirado” era aquele que deixou Portugal para viver novas culturas pela Europa,

sendo assim rotulado de forma pejorativa pelos católicos mais conservadores.

Representante do despotismo esclarecido europeu, que promovia o poder do Estado e do

Rei pelos ideais de progresso e reforma, com foco na economia e na educação, ele

vislumbrou no ideal iluminista a concepção de uma nova sociedade e de um novo modelo

de homem “iluminado”, composto pelo intermédio da educação, que desde o início da

colonização do Brasil esteve a cargo da Companhia de Jesus. A proposta consistia ainda em

estabelecer uma educação pública.

O ensino jesuítico se tornou ineficaz para atender às exigências de uma sociedade em transformação, representando, logo, o atraso, a estagnação, a escuridão ao progresso do homem, sendo uma das aquisições da época das Luzes a idéia de que o homem podia ser considerado como um objeto de ciência (FALCON, 1982).

Sendo assim, o sistema educacional centralizado na Companhia de Jesus, que

foi por mais de duzentos anos a detentora absoluta da educação portuguesa e brasileira que

seguiam normas padronizadas pela Ratio Studiorum4, previa a divisão dos “estudos

menores” e dos “estudos maiores”. Em 1759, o modelo vigente sofre uma ruptura histórica 2 2 O prestígio de Pombal também é creditado à ação dele por conta do atentado ao Rei D. José I, em 1758, quando este regressava numa carruagem ao Palácio. Os responsáveis foram perseguidos e punidos por Pombal, dentre os quais estavam membros da alta aristocracia e alguns jesuítas. Sobre o assunto, ver Perfil do Marquês de Pombal, de Branco (1882), que caracteriza Pombal como um tirano sanguinário.

3 Pombal nasceu em Lisboa em 13 de maio de 1699. Depois da morte do rei D. José I, foi condenado e expulso da Corte e faleceu no dia 8 de maio de 1782, com 83 anos.

Page 3: A política educacional pombalina

com a expulsão dos jesuítas5 pelo Marquês de Pombal. Os interesses da fé e da alma dão

lugar aos interesses do Estado, como detentor do poder absoluto, baseado no regalismo, ou

seja, no sistema político que dava aos reis o direito de interferir na vida interna da igreja.

Segundo Carvalho (1978, p. 15), um de seus objetivos era a remodelação dos métodos

educacionais vigentes, pela introdução da filosofia moderna e das ciências da natureza. O

mesmo autor enfatiza ainda que,

É preciso reconhecer, entretanto, que o programa pedagógico do pombalismo traduziu, nos seus fins, o imperativo do regalismo doutrináriodo tempo. As escolas de latim e humanidades deveriam servir, antes de tudo, aos interesses seculares, econômicos, políticos e ideológicos do Estado.

Daí por diante, em todo o discurso pombalino será atribuída à Companhia de

Jesus todos os males e infortúnios da educação na metrópole e na colônia, motivo pelo qual

os jesuítas são responsabilizados pela decadência cultural e educacional imperante na

sociedade portuguesa, como podemos perceber através dos Novos Estatutos.

O espaço para estudar a historiografia do período pombalino, é, pois, um espaço

que pode ser caracterizado como “negligenciado” por parte de alguns estudiosos que por

mero preconceito atribuem a Pombal um vácuo ocasionado com a expulsão dos jesuítas, o

que teria representado, no Brasil, um retrocesso na educação escolar, com o

desmantelamento completo da estrutura educacional brasileira oferecida pelo antigo

sistema de educação jesuítica, tido como melhor estruturado do que as aulas régias

propostas por Pombal. Essa concepção, presente em Fernando Azevedo, através do livro A

Cultura Brasileira, obra de referência para a compreensão do modo como se fazia educação

no Brasil Colônia, foi compreendido por uma série de pesquisadores, como verdade posta e

validada.

Para Azevedo (1996), as Reformas Pombalinas somente desarranjaram a

estrutura seriada mantida pela Companhia de Jesus, para dar lugar ao modelo pombalino de

4 Constituiu-se numa espécie de plano de estudos, sistematizado pela Companhia de Jesus contendo regras pedagógicas a serem adotadas pelo professor.

5 A Companhia de Jesus chega ao Brasil em 1549 para catequizar os índios. A conversão dos indígenas e ainstalação de colégios constituíram na missão atribuída aos jesuítas.

Page 4: A política educacional pombalina

aulas fragmentadas com professores mal preparados. Ele ainda afirma que, mesmo depois

da legislação pombalina, muitos professores continuaram adotando o método pedagógico

jesuítico.

Com a nova proposta educacional estabelecida através do Alvará de 28 de junho 1759, na qual, ao mesmo tempo em que era extinto o ensino dos jesuítas, eram instituídas as aulas régias de latim, grego e retórica, com ênfase ao estudo da língua nacional. Com essa ação, é institucionalizada a profissão docente no Brasil, sendo regulamentadas as Aulas Régias e a seleção e nomeação de Professores Régios, que passam a ser funcionários e representantes do Estado português (OLIVEIRA, 2010, P. 74).

Logo, através do citado alvará, foi criado também o cargo de Diretor Geral de

Estudos, com a atribuição de nomear esses novos professores que seriam admitidos.

Pombal tinha o objetivo de reforçar a autoridade do estado monárquico. Na concepção do

Estado regulador, está o pensamento mercantilista que supõe a própria política econômica

desse Estado. Falcon (1982) aborda as ideias do mercantilismo como formas de progresso

econômico e desenvolvimento social na vanguarda dessa nova era. O Marquês quis tornar

Portugal menos dependente da Inglaterra, incentivando uma política mercantilista que

pudesse garantir uma proteção aos comerciantes através de uma economia de exploração

colonial. De fato, a expansão comercial passou a tomar novos rumos. As reformas

propostas por Pombal visavam colocar Portugal numa posição de maior destaque na

Europa, seguindo o exemplo da Inglaterra, e transformá-lo numa metrópole capitalista,

além de posicionar o Brasil como importante mantenedor de riqueza. Talvez essa tenha sido

a mais forte motivação para as reformas pombalinas: pôr o reinado português em condições

econômicas de competir com as nações estrangeiras.

Pela proposta de (re)posicionamento de Portugal no cenário europeu e mais

ainda, pela concentração de poder do Estado é que está configurado um projeto de Nação

nas reformas propostas por Pombal. Neste projeto reformista estava a formação superior.

Com a justificativa de decadência e retrocesso em seus estudos, passa a dita universidade

por reformas de caráter filosófico e educacional. Com a educação tutelada pelo Estado, o

papel da universidade se constituiu como força motriz do progresso.

Page 5: A política educacional pombalina

O processo de reforma da Universidade de Coimbra foi formalizado pela Junta

de Providência Literária6, criada com o objetivo de promover a criação dos novos Estatutos,

que ocorreu em 1772. Existiam nesse período quatro cursos: Teologia, Cânones, Direito e

Medicina. De acordo com Carvalho (1978, p. 139),

Seu objetivo superior foi criar a escola útil aos fins do Estado e, nesse sentido, ao invés de preconizarem uma política de difusão intensa e extensa do trabalho escolar, pretenderam os homens de Pombal organizar a escola que, antes de servir aos interesses da fé, servisse aos imperativos da Coroa.

O progresso do Estado era a representação do “novo” contraposto ao “velho”,

representado pelos jesuítas. A atribuição ao caos, desse modo, é dada aos inacianos.

Portanto, outra ordem religiosa recebe crédito, que são os oratonianos8. Quebrava-se o

monopólio jesuítico, mas não o eclesiástico, no campo decisivo da pedagogia (FALCON,

1982, p. 209). Os ideais cristãos continuavam a servir de sólidos alicerces a uma educação

renovada.

No contexto das reformas pombalinas, os adversários dos construtores da modernidade lusitana – que se propunham a reatar uma linha de continuidade com uma espécie de modernidade interrompida no século XVI – são os jesuítas, que se tornam os responsáveis pelo atraso de Portugal em todos os setores – econômico, político e cultural (OLIVEIRA, 2010, p.22).

A reforma da Universidade de Coimbra é a mais conhecida ação reformista, de

cunho educacional, promovida por Pombal, que veio precedida e fundamentada por

documentos que, somados ao Compêndio Histórico atribuem os malefícios ocasionados

pelos jesuítas à nação lusitana. Tratou-se, na verdade, de uma ação contínua que destruiu o

ethos educacional jesuítico. O compêndio é um texto de convencimento explícito de que de

fato e verdadeiramente a educação centralizada nas mãos dos jesuítas representou um

fracasso cultural, um atraso econômico e toda uma desgraça generalizada com foco certo na

Companhia de Jesus7.

6 Para a Junta de Providência Literária, presidida por Sebastião José de Carvalho e Melo, conhecido Marquês de Pombal, os conselheiros escolhidos eram o cardeal da Cunha, um familiar dos Távoras fiel a Pombal, freiManuel do Cenáculo, censor e preceptor do Príncipe D. José; e os irmãos João Pereira Ramos de AzeredoCoutinho e D. Francisco de Lemos Faria Pereira Coutinho, este ocupando já o lugar de Reitor Reformador daUniversidade. Ver, sobre o tema, ARAÚJO (2000, p. 33).

7 Foi fundada em Roma com expansão na Europa, a Congregação do Oratório obteve respaldo nas ideias

Page 6: A política educacional pombalina

A preocupação fundamental dos reformadores da Universidade foi, semdúvida, a elaboração de um programa de estudos secularizados que, sem ferir os ideais da cristandade, correspondesse às necessidades da ideologiapolítica dominante (CARVALHO, 1978, p. 152).

A reforma da universidade visava modernizar as faculdades de teologia e de lei

canônica, incorporar o estudo de fontes portuguesas no currículo da faculdade de direito e

atualizar a faculdade de medicina, pouco procurada por alunos, fazendo voltar o estudo de

anatomia por intermédio da dissecação de cadáveres, antes proibida por questões religiosas.

Os cursos jurídicos tiveram redução de oito para cinco anos de duração.

Como finalidade do ensino, havia tanto a preparação para o exercício das profissões correspondentes a cada uma das faculdades como também a necessidade de fazer progredir os conhecimentos na prática das ciências. Com a reforma educacional, foi criado um programa pedagógico que se definiu como uma doutrina contra o sistema adotado nas escolas jesuíticas (CARVALHO, 1978, p. 47).

Assim sendo, a reforma, dentre os aspectos mercantilistas a que se destinou,

procurou a investidura do progresso das investigações através da experiência, da vivência

do pesquisador, com o objetivo de se chegar a novas conclusões a partir da gestação

experimental do outro. O método que passou a vigorar foi o “sintético-demonstrativo”,

mostrando que “quem estuda sem ordem, adianta-se pouco na Estrada das Ciências”8. Tais

reformas foram incorporadas nos Novos Estatutos de 1772 da Universidade de Coimbra.

O projeto da Nação Brasileira

iluministas, logo, servindo de oposto ao modelo jesuítico.

8 Compêndio Histórico da Universidade de Coimbra (1980, p. 245). Os outros documentos que deram corpo ao Compêndio Histórico são duas obras anteriores: a Dedução Cronológica e Analítica, concebida em forma de memorial acusatório contra os jesuítas e a Cúria Romana, sendo enviado a todas as partes do reino e domínios ultramarinos, e Origem infecta da relaxação moral dos denominados jesuítas, livro editado anonimamente pela Régia Oficina Tipográfica. Todas elas serviram de fundamentação para a elaboração dos Novos Estatutos. Ver ARAÚJO (2000).

Page 7: A política educacional pombalina

A referência do papel exercido pela intelectualidade brasileira formada em

Coimbra na construção do Estado-Nação no Brasil é solidificada pela via da Independência.

Outras universidades européias também foram berço dessa intelectualidade,

mesmo em menor proporção, a exemplo de Montpellier, Edimburgo, Paris e Estratsburgo9.

O próprio José Bonifácio de Andrada e Silva10, considerado o Patriarca da Independência,

foi egresso de Coimbra, bem como muitos brasileiros que foram fundamentais ao

movimento em 1822, como José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu. Segundo Gauer

(2007, p. 192), a questão da nacionalidade diz respeito à separação da metrópole, ficando

claro que não existia nenhum tipo de consciência nacional antes da Independência do

Brasil.

Desse modo, a contribuição de Coimbra para a formação da nacionalidade

brasileira deve ser analisada através da ação dos egressos da Universidade de Coimbra nos

movimentos em favor da Independência. Esse corpo técnico de brasileiros, conforme

Gauer, desempenhou tantas funções políticas, culturais, profissionais, obtiveram tantos títulos de

nobreza de honraria e títulos eclesiásticos, assumiram tantos cargos públicos e políticos que dão

conta da grande atividade desenvolvida pelos Egressos.

Assim, compreendemos a contribuição dos egressos de Coimbra na formação da nacionalidade brasileira, em todas as funções políticas, culturais e científicas em que estiveram envolvidos. No caso dos juristas, esse corpo esteve ligado diretamente à montagem do Estado-Nação brasileiro, pois eles atuaram como deputados, senadores, ministros e conselheiros, além de presidentes de Províncias (GAUER, 2007, p. 234).

A partir de 1808, foram criados cursos e academias destinados a formar

burocratas para o Estado e especialistas na produção de bens simbólicos; como subproduto,

formar profissionais liberais (CUNHA, 2007, p. 63). Já no Império, com a instalação dos

Cursos Jurídicos no Brasil, em 1827, nas duas cidades consideradas, à época, capazes de

recebê-los – São Paulo e Olinda, toda a formação jurídica passou a ser voltada para as

9 Ver DIAS (2005, p. 39).

10 O brasileiro José Bonifácio foi filósofo, advogado, professor, intelectual, cientista e político. Catedrático demineralogia em Coimbra; deputado, vice-presidente da Província de São Paulo, ministro do Império; exiladopolítico, tutor do imperador Pedro II e articulador da independência brasileira.Fonte: educacao.uol.com.br/biografias acessado em 11/07/2010.

Page 8: A política educacional pombalina

questões brasileiras, direcionadas às características e problemas do país. Os dois cursos

foram implantados em casas religiosas. Em São Paulo, no Convento de São Francisco, e em

Olinda no Mosteiro de São Bento, onde permaneceu até 1854, quando foi transferido para o

Recife.

Os cursos que preparavam os burocratas para o Estado eram as academias

militares e os cursos cirúrgicos. Dessa forma, a chegada dos cursos de direito vieram

legitimar o cumprimento das atividades cotidianas de elaborar, discutir e interpretar as leis,

como tarefa principal do aparato jurídico, fundamental para a concepção da identidade

nacional através de um Estado forte e soberano. Segundo GEARY (2005, p. 51),

Tanto em Estados fortes e hegemônicos como em movimentos pela independência, afirmações como “nós sempre fomos um povo” são, no fundo, apelos para que se tornem povos – apelos sem base histórica que na verdade são tentativas de se criar a história. O passado, como sempre foi dito, é um país estrangeiro, e nunca nos encontraremos lá.

O ideal de nação, portanto, não apareceu da noite para o dia, nem nasceu de

uma consciência nacional. A definição de uma consciência nacional é fenômeno bem

posterior e só há de refletir-se na literatura, no movimento romântico de meados do século

XIX (DIAS, 2005, p. 77). Podemos considerar que a cultura ilustrada progressista e

modernizadora, baseada em uma ciência mais pragmática, foi se incorporando lentamente

na mentalidade dos intelectuais brasileiros, pela obra que vislumbravam realizar para o

progresso de sua terra.

Neste sentido, as instituições de ensino tiveram uma importante função. Depois

da independência, formaram-se dois setores, o do ensino estatal (laico) e o do ensino

particular (religioso ou laico) CUNHA (2007, p.78).

Dessa forma, instituições educacionais se tornaram o lócus da criação doEstado-nação, tanto com a imposição da ideologia nacionalista como, deforma mais sutil, com a disseminação da língua nacional, na qual estavaimplícita essa ideologia (GEARY, 2005, p. 46).

Outro egresso de Coimbra, José da Silva Lisboa (1756-1835), conhecido por

Visconde de Cairu, bacharelou-se em Cânones e foi autor de importantes tratados sobre

economia, sendo ainda escolhido mais tarde senador do Império. Os estudos universitários

despertavam nos estudantes o senso crítico e a tomada de consciência da posição do Brasil

Page 9: A política educacional pombalina

em relação a Portugal, paradoxalmente conscientes também do papel da economia

brasileira como mola propulsora da economia portuguesa, por isso mesmo eram adeptos ao

rompimento com a metrópole.

De acordo com os estudos pioneiros de Laerte Ramos de Carvalho (1978) as

reformas pombalinas foram iniciadas em 1757 com a Lei do Diretório, na imposição do

idioma nacional. A partir daí, o Estado passa a ser o responsável pela educação – e não

mais os jesuítas. Esse Estado centralizador, ao impor uma língua oficial impõe também aos

índios a civilidade e a dominação. Assim, as discussões talvez tenham sido provocadas pelo

“Verdadeiro Método de Estudar”, obra publicada em 1747 por Luis António Verney, que

aponta a Gramática Latina como requisito fundamental para se estudar as demais línguas –

inclusive a portuguesa.

Segundo DIAS (2005, p. 48) o papel da política de Estado nesse movimento de

estudiosos, dedicados em sua maioria às ciências naturais, merece realce particular por suas

múltiplas implicações, tanto na orientação dos estudos como na mentalidade dos principais

políticos da Independência. O que corrobora com a afirmação de que em Coimbra há muito

já se firmavam entre seus acadêmicos, propósitos claros de retornar ao Brasil com a missão

de tentar contribuir nos movimentos em prol da Independência.

É ponto pacífico que o nacionalismo, no caso do Brasil, é oriundo da

Independência. Assim, a nossa nacionalidade nasceu em 1822. Antes disso, o nacionalismo

era apenas uma ideologia, um objetivo a ser alcançado, que foi possível pela ruptura da

submissão a Portugal.

Não existia a constituição de um Estado-Nação no Brasil. Havia um território

dominado por Portugal. Por isso mesmo não poderia haver uma espécie de “consciência

nacional” até porque o vínculo com Portugal foi se desfazendo gradualmente, sem maiores

traumas, sem grandes movimentos de guerra de libertação. A maioria da população aceitou

uma independência negociada (OLIVEIRA, 2010) uma vez que Portugal acatou a

independência do Brasil mediante o pagamento de uma indenização de 2 milhões de libras

esterlinas.

Chegou-se ao fim do período colonial com a grande maioria da população excluída dos direitos civis e políticos e sem a existência de um sentido de nacionalidade. No máximo, havia alguns centros urbanos dotados de uma

Page 10: A política educacional pombalina

população politicamente mais aguerrida e algum sentimento de identidade regional (CARVALHO, 2010, p. 25).

A construção do Estado nacional nasceu em Coimbra, centro formador da elite

colonial brasileira, pelo grupo que seria mais tarde egressos, e que se consolidariam como a

elite intectual da colônia, visto que a nacionalidade foi herança dos intelectuais e dos

acadêmicos, em um contexto que não existia a noção de igualdade entre todos.

Com as reformas pombalinas inicia-se o processo de colocar o Estado como

fomentador de apurada mão-de-obra que emanava dos cursos de Coimbra. A Universidade

não escondia sua condição de formadora de recursos humanos qualificados para o aparelho

estatal, isto é, de que ela era peça importante no projeto de ação política governamental. Em

seu interior, o que se pretendia, era a preparação e o treinamento de uma única elite

lusobrasileira, modernizadora e ilustrada, em favor de uma política previamente estipulada

pelo Estado, cujo fim era tirar Portugal do lugar secundário em que se encontrava no

cenário das nações européias.

A socialização do papel político da escola esteve presente nos ideais

pombalinos. Por isso que é fundamental compreender o sentido da difusão das luzes da

razão, presente nas reformas e na concepção desse ideal de progresso coletivo e de

perfeição individual. A função da Universidade era essa, por isso que o ensino superior foi

fundamental na consolidação de uma identidade nacional, fomentada nos bancos

portugueses de ensino.

Ao reformar a Universidade de Coimbra, e, portanto, estabelecer um cânone do

ensino superior, Pombal vislumbrou modernizar as faculdades de teologia e de lei canônica,

incorporar o estudo de fontes portuguesas no currículo da faculdade de direito e atualizar a

faculdade de medicina, pouco procurada por alunos, fazendo voltar o estudo de anatomia

por intermédio da dissecação de cadáveres, antes proibida por questões religiosas. Também

foi implantado o estudo da higiene, adotar as descobertas de Harvey relacionadas com a

circulação do sangue; as teorias de Albinus em anatomia, as de Boerhaave em patologia e

as de Van Swieten em farmacologia. Os cursos jurídicos tiveram redução de oito para cinco

anos de duração. Além disso foram criadas duas novas faculdades, a de filosofia e a de

matemática (MAXWELL, 1996, p. 110).

Page 11: A política educacional pombalina

Segundo DIAS (2005, p. 79), a mentalidade pragmática dos iluministas foi-se

enraizando entre os brasileiros. Esses ilustrados dos fins do século XVIII foram geradores

de profissionais fruto de uma elite letrada e assim a representação e a importância das

instituições de ensino, notadamente de ensino superior, configura-se como o berço que

abrigou a nacionalidade brasileira, embalada pelos intelectuais e cientistas que buscaram na

formação européia ilustrada a inspiração para serem úteis à sua terra de origem,

contribuindo na constituição de um Estado-Nação.

A reforma da Universidade de Coimbra, em 1772, modificou a formação do

corpo técnico brasileiro, composto por um grande número de egressos da Universidade de

Coimbra Reformada, que foram sustentáculo para a construção da legislação do Estado-

Nação, seja através do acúmulo de cargos e funções, seja pela organização dos grandes

códigos do Império e das Academias Científicas, dos primeiros cursos superiores, das

primeiras sociedades culturais. O legado desse grupo de cientistas possibilitou a formação

da identidade nacional brasileira.

Referências Bibliográficas

ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas. Reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

ANDRADE, Antonio Alberto Banha de. A reforma pombalina dos estudos secundários no Brasil. São Paulo: Saraiva/EDUSP, 1978.

ARAÚJO, Ana Cristina. O Marquês de Pombal e a Universidade. Coimbra: Imprensa daUniversidade de Coimbra, 2000.

AZEVEDO, Fernando de. “As origens das instituições escolares”. In: A Cultura Brasileira. Parte III – A transmissão da cultura. 6ª Ed. Brasília: EdUnB, 1996.

CARVALHO, Laerte Ramos de. As Reformas Pombalinas da Instrução Pública. SãoPaulo: Editora Saraiva, Ed. USP, 1978.

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 13ª Ed. Rio deJaneiro: Civilização Brasileira, 2010.

CUNHA, Luiz Antônio. A universidade temporã: o ensino superior, da Colônia à EraVargas. São Paulo: Editora UNESP, 2007.

Page 12: A política educacional pombalina

DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A interiorização da metrópole e outros estudos. SãoPaulo: Alameda, 2005.

ESTATUTO da Universidade de Coimbra 1772. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1972, v. I, II e III.

FALCON, Francisco J. C. A época pombalina. São Paulo: Ática, 1982.

FÉRRER, Francisco Adegildo. O obscurantismo iluminado: Pombal e a instrução emPortugal e no Brasil. Tese de Doutorado. Faculdade de Educação da Universidade de SãoPaulo, 1998.

GAUER, Ruth Maria Chittó. A modernidade portuguesa e a reforma pombalina de 1772. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.

_______. A contribuição dos egressos de Coimbra para a construção do Estado-nação no Brasil. Curitiba: Juruá, 2007.

GEARY, Patrick J. O Mito das Nações: a invenção do nacionalismo. São Paulo: ConradEditora do Brasil, 2005.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu daSilva, Guaracira Lopes Louro. 10. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

HILSDORF, Maria Lúcia Spedo. História da educação brasileira: leituras. São Paulo:Pioneira/Thomson Learning, 2003.

OLIVEIRA, Luiz Eduardo (org.). A legislação pombalina sobre o ensino de línguas: suasimplicações na educação brasileira (1757-1827). Maceió: EDUFAL, 2010.

TEIXEIRA, Ivan. Mecenato Pombalino e poesia neoclássica. São Paulo: Editora daUniversidade de São Paulo, 1999.

POMBAL, Marques de. Compêndio Histórico da Universidade de Coimbra. Porto: Campo das Letras, 2008.