A política monetária do BCE desde 2007 e …...BCE ao longo dos últimos 10 anos, focando-se, em...

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Mestrado em Economia Faculdade de Economia, Universidade do Porto A política monetária do BCE desde 2007 e perspetivas para o futuro: a evolução das taxas de juro diretoras Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Economia pela Faculdade de Economia do Porto por Juliano António de Lima Ventura Orientado por: Prof. João Loureiro Junho, 2018

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Mestrado em Economia – Faculdade de Economia, Universidade do Porto

A política monetária do BCE desde 2007 e perspetivas

para o futuro: a evolução das taxas de juro diretoras

Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Economia pela Faculdade de

Economia do Porto

por

Juliano António de Lima Ventura

Orientado por: Prof. João Loureiro

Junho, 2018

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Nota biográfica

Juliano António de Lima Ventura nasceu a 4 de junho de 1994 no concelho de

Felgueiras, distrito do Porto. É licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da

Universidade do Porto desde 2015 e frequenta o Mestrado em Economia na mesma

instituição de ensino.

Em 2016 fez um estágio curricular relacionado com a avaliação de projetos de

investimento, nomeadamente no âmbito do Portugal 2020 e do IAPMEI-Comércio

Investe, na empresa Margem – Formação e Consultoria, Lda.

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Agradecimentos

Em primeiro lugar, agradeço aos meus pais, à minha avó, a toda a minha família e

amigos pelo apoio, compreensão, dedicação e paciência que demonstraram ao longo desta

caminhada.

Agradeço ao Professor João Loureiro pela orientação, disponibilidade e dedicação

que sempre me proporcionou durante a realização desta dissertação.

Por último, agradeço a todos os que fizeram parte do meu percurso académico,

principalmente aos meus amigos que sempre me ajudaram em tudo que lhes era possível

e contribuíram para que a minha passagem pela FEP tenha sido ainda mais frutífera.

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Resumo

Nos últimos anos, a Área do Euro passou, em várias ocasiões, por relevantes

ameaças, com reflexo em vários segmentos do sistema financeiro. Tudo começou com a

crise financeira global de 2008, a que se seguiu uma crise económica e, finalmente, a crise

das dívidas soberanas. Em alguns momentos chegou mesmo a temer-se a desintegração

da União Monetária Europeia e o fim do euro.

Para fazer face às situações de emergência que foram surgindo, o Banco Central

Europeu (BCE) viu-se obrigado a adotar medidas de política monetária bem diversas

daquelas que vinha adotando desde que entrou em funções em 1999. A partir da segunda

metade da presente década, as ameaças à estabilidade da Área do Euro começaram

gradualmente a dissipar-se e a nova preocupação passou a ser a abordagem à reversão das

medidas não convencionais de política monetária adotadas pelo BCE.

Esta dissertação apresenta e discute, de forma sintética, a política monetária do

BCE ao longo dos últimos 10 anos, focando-se, em particular, na evolução das taxas de

juro diretoras. Adicionalmente, discute o que poderá ser a política monetária na Área do

Euro nos próximos anos, nomeadamente o processo de convergência para a normalidade.

Para o efeito, o trabalho apoia-se numa revisão alargada da literatura.

Tendo o BCE começado já a reduzir a compra de ativos ao abrigo do Asset

Purchases Programme (APP), é provável que o início da subida das taxas de juro

diretoras ocorra no futuro próximo. Neste aspeto, são várias as questões que se colocam,

nomeadamente em relação aos timings adequados para a reversão e sobre o que será o

“novo normal” A discussão destes tópicos encerra este trabalho.

Códigos JEL: E44, E52, E58, E63, F45, G21, H62, H63.

Palavras-chave: Políticas monetárias não convencionais; taxas de juro negativas;

quantitative easing; crise do subprime; crise das dívidas soberanas.

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Abstract

In the last years, the Euro Area has experienced significant threats on several

occasions, with reflection in several segments of the financial system. It all started with

the global financial crisis of 2008, followed by an economic crisis and finally the

sovereign debt crisis. At times, the disintegration of the European Monetary Union and

the end of the euro came to be feared.

To deal with emergency situations, the European Central Bank (ECB) was forced

to adopt monetary policy measures quite different from those it had adopted since taking

office in 1999. From the second half of this decade, the threats to the stability of the Euro

Area began to gradually dissipate, and the new concern became the approach to the

reversal of the unconventional monetary policy measures adopted by the ECB.

This dissertation presents and discusses, in a synthetic way, the monetary policy of

the ECB over the last 10 years, focusing, in particular, on the evolution of the euro interest

rates. In addition, it discusses what could be the monetary policy in the Euro Area in the

coming years, namely the process of convergence towards normality. For this purpose,

the work is based on a broad literature review.

As the ECB has already begun to reduce the purchase of assets under the Asset

Purchases Program (APP), it is likely that the beginning of the rise of the euro interest

rates will occur in the near future. In this aspect, there are several questions that are posed,

namely regarding timings suitable for reversion and what will be the "new normal". The

discussion of these topics concludes this work.

JEL Codes: E44, E52, E58, E63, F45, G21, H62, H63.

Keywords: Unconventional monetary policies; negative interest rates; quantitative

easing; subprime crisis; sovereign debt crisis.

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Índice

Nota biográfica ................................................................................................................. i

Agradecimentos ............................................................................................................... ii

Resumo ............................................................................................................................ iii

Abstract ........................................................................................................................... iv

Índice de quadros .......................................................................................................... vii

Índice de figuras ............................................................................................................ vii

1. Introdução ................................................................................................................ 1

2. A política monetária convencional do BCE .......................................................... 4

2.1. O funcionamento da União Económica e Monetária ................................................. 4

2.2. Os instrumentos convencionais de política monetária ............................................... 6

2.2.1. Facilidades permanentes ......................................................................................... 6

2.2.2. Operações de mercado aberto ................................................................................. 7

2.2.3. Sistema de reservas legais ....................................................................................... 8

2.3. Mecanismos de transmissão da política monetária .................................................... 9

3. A política monetária do BCE no pós-2007.............................................................. 13

3.1. O eclodir da crise do subprime nos EUA ................................................................ 13

3.2. A propagação da crise do subprime e o impacto na Área do Euro .......................... 15

3.3. A resposta do BCE à crise do subprime .................................................................. 19

3.4. O eclodir da crise das dívidas soberanas e a resposta do BCE ................................ 25

3.5. O início da recuperação económica e o combate à deflação na Área do Euro ........ 30

4. A redução das taxas de juro levada ao limite ......................................................... 35

4.1. Fatores impulsionadores e consequências positivas ................................................ 36

4.1.1. Garantir a estabilidade de preços .......................................................................... 36

4.1.2. Incrementar o crescimento económico ................................................................. 38

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4.1.3. Garantir a estabilidade no setor bancário e nos restantes mercados financeiros .. 40

4.1.4. Redução do crédito malparado ............................................................................. 43

4.1.5. Redução das taxas de juro bancárias e aumento do crédito à economia real ........ 44

4.1.6. Garantir a eficácia dos mecanismos de transmissão da política monetária .......... 47

4.1.7. Alívio orçamental dos Estados da Área do Euro .................................................. 48

4.1.8. Incrementar o investimento privado ..................................................................... 52

4.1.9. Descida das taxas de juro reais ............................................................................. 54

4.2. Principais críticas à redução das taxas de juro diretoras .......................................... 56

4.2.1. Aumento da poupança e redução do consumo ...................................................... 56

4.2.2. Criação de bolhas especulativas ........................................................................... 57

4.2.3. Saída de capitais .................................................................................................... 59

4.2.4. Reduzido impacto no investimento ....................................................................... 59

4.2.5. Alocação ineficiente de recursos .......................................................................... 60

4.2.6. Incentivo ao endividamento .................................................................................. 60

4.2.7. Limitação das políticas monetárias no futuro ....................................................... 61

4.2.8. Redução das margens de lucro dos bancos ........................................................... 62

4.2.9. Limites para as taxas de juro diretoras .................................................................. 64

5. Perspetivas para a política monetária na AE ......................................................... 65

5.1. Pré-condições para a subida das taxas de juro diretoras .......................................... 65

5.1.1. Condições económicas e inflação ......................................................................... 66

5.1.2. Solidez do setor bancário e estabilidade nos mercados financeiros ..................... 67

5.1.3. Impacto sustentável sobre os encargos de financiamento do setor privado.......... 71

5.1.4. Solidez das finanças públicas ............................................................................... 74

5.1.5. Prejuízos para o BCE ............................................................................................ 77

5.1.6. Impacto em países que não adotaram medidas de PMNC .................................... 78

5.2. Princípios fundamentais para a reversão das medidas de PMNC ............................ 78

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5.2.1. Os timings certos para a reversão das medidas de PMNC .................................... 80

5.2.2. A velocidade a que se devem reverter as medidas de PMNC .............................. 81

5.2.3. Os instrumentos prioritários na reversão das medidas de PMNC ........................ 82

5.2.4. O “novo normal” das taxas de juro diretoras ........................................................ 84

5.2.5. A importância da coordenação entre bancos centrais ........................................... 85

6. Conclusão ............................................................................................................... 87

Referências bibliográficas ............................................................................................ 90

Webgrafia ...................................................................................................................... 97

Índice de quadros

Quadro 3.1: Medidas de PMNC do BCE entre setembro de 2008 e abril de 2010…… 32

Quadro 3.2: Medidas de PMNC do BCE entre maio de 2010 e agosto de

2012…………………………………………………………………………………… 37

Quadro 3.3: Medidas de PMNC do BCE desde junho de 2014……………….……..... 42

Quadro 4.1: Taxas de juro médias mensais das obrigações de dívida pública a dois anos,

1:2007-12:2017 (%)………………………….…………………………..………….… 61

Índice de figuras

Figura 3.1: Preço das habitações nos EUA, 1:1996-12:2010 (janeiro 2000=100)…..... 23

Figura 3.2: Taxa de crescimento anual do PIB per capita, 2000-2009 (%)….............. 26

Figura 3.3: Taxas de desemprego, 2000-2013 (%)……………………………….….... 26

Figura 3.4: Saldos orçamentais, 2005-2010 (% do PIB)………………………………. 27

Figura 3.5: Taxa de inflação homóloga da AE, 4:2007-12:2009 (%)……………….… 30

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Figura 3.6: Taxas de juro diretoras do BCE e EONIA, 1:2007-4:2018 (%)…………... 31

Figura 3.7: Taxa de juro médias de novos contratos de crédito a sociedades não

financeiras na AE, 1:2007-3:2018 (%)…………..…………………………………..… 34

Figura 3.8: Crédito bancário ao setor privado não-financeiro da AE, 3:2005-9:2017

(109€)………………………………………………………………………………….. 35

Figura 3.9: Taxas de juro das obrigações de dívida pública a 10 anos, 1:2005-3:2018

(%)…………………………………………………………………………………….. 36

Figura 3.10: Taxa de crescimento do PIB real na AE (variações homólogas), 1ºT:2007-

1ºT:2018 (%)………………………………………………………………………..…. 39

Figura 3.11: Taxa de crescimento do PIB nominal e dos seus agregados na AE (variações

homólogas), 1ºT:2007-4ºT:2017 (%)………………………………..………………… 39

Figura 3.12: Taxa de inflação homóloga na AE, 1:2011-3:2018 (%)…………………. 40

Figura 3.13: Aquisições feitas pelo BCE ao abrigo do APP, 3:2015-3:2018 (109€)… 44

Figura 4.1: Desemprego na AE, 2006-2019 (%)…………………………………….... 50

Figura 4.2: Indicador Compósito de Stress Sistémico (ICSS) na AE, 10:2007-

1:2018…………………………………………………………………………………. 51

Figura 4.3: Crédito malparado, em função do montante total de empréstimos bancários,

2008-2016 (%)……………………………………………...…………………………. 54

Figura 4.4: Taxas de juro médias em novos contratos de crédito à habitação, 1:2007-

3:2018 (%)…………………..…………………………………………………………. 56

Figura 4.5: Saldos orçamentais na AE, 2007-2019 (% do PIB)……………...…...…... 62

Figura 4.6: Dívidas públicas na AE, 2007-2019 (% do PIB)…………….……………. 62

Figura 4.7: Taxa de crescimento anual da formação bruta de capital fixo na AE, 2006-

2017 (%)……………………………………………………………………………….. 64

Figura 4.8: Taxas de juro reais nas principais economias mundiais, 1990-2016 (%)…. 65

Figura 5.1: Rácios de capital nos bancos da AE, 2008-2016 (%)….……………….…. 79

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Figura 5.2: Endividamento privado nalguns países da AE, 2007-2016 (% do PIB)…... 83

Figura 5.3: Dimensão do ativo da Reserva Federal, 1:2008-12:2017 (109€)……......... 94

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1. Introdução

A partir de 2007, tendo em conta as crises económico-financeiras enfrentadas, o

Banco Central Europeu (BCE) foi forçado a implementar uma vasta gama de medidas de

política monetária não convencionais (PMNC), nomeadamente a redução das taxas de

juro diretoras para valores historicamente baixos (valores próximos de zero ou até

negativos). As medidas de PMNC destacam-se das medidas convencionais pelo seu

carácter excecional, não se enquadram na estratégia de atuação do BCE em “tempos

normais”, apenas foram adotadas devido às circunstâncias extremamente excecionais que

a Área do Euro (AE) enfrentou (FMI, 2013). Entre as medidas adotadas, para além da

redução das taxas de juro para valores historicamente baixos, destacam-se: a oferta

ilimitada de liquidez a taxas fixas nas operações principais de refinanciamento (MRO -

Main Refinancing Operations) e operações de refinanciamento de prazo alargado (LTRO

– Longer-Term Refinancing Operations) (e a extensão da lista de colaterais), a extensão

de maturidades nas LTRO´s, a criação de LTRO´s direcionadas, compra de ativos

(incluindo títulos de dívida pública através do Public Sector Purchase Programme

(PSPP)), entre outras (Falagiarda e Reitz, 2015).

Tendo em conta que o início da subida das taxas de juro diretoras, assim como a

reversão de outras medidas de PMNC, pode estar para breve torna-se relevante tentar

perceber de que forma este processo se vai desenrolar. Será que a AE já está preparada

para uma subida das taxas de juro diretoras? Quais serão as consequências? Qual a melhor

estratégia, a implementar pelo BCE, para a reversão deste “ambiente não convencional”?

Estas são algumas questões para as quais não existem respostas concretas, mas sobre as

quais é importante refletir.

Um dos principais objetivos desta dissertação é sintetizar informação atualizada,

ainda que de forma efémera, sobre a reversão das medidas de PMNC na AE, sendo que é

também essa atualidade e a organização da informação de forma crítica que tornam esta

dissertação relevante. Embora exista bastante literatura sobre a reversão das medidas de

PMNC, a verdade é que as condições económicas, financeiras e monetárias da AE estão

em constante mudança. Por exemplo, a literatura que existe sobre esta temática, anterior

a 2015, passou a estar um pouco obsoleta após a implementação do Asset Purchase

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Programmes (APP). O contexto atual (iminência da reversão das medidas não

convencionais) torna esta temática ainda mais relevante para discutir numa dissertação.

Apesar de a dissertação se focar muito no futuro da política monetária da AE, é

importante perceber o que levou o BCE a implementar medidas de PMNC e quais foram

as suas consequências. Também as principais críticas que foram e são apontadas à atuação

do BCE serão analisadas ao pormenor, de forma a conferir ao trabalho vários pontos de

vista (não apenas a visão do BCE). O passado será analisado com atenção ao longo da

dissertação, também pelo facto de nos dar indicações de como deve ser conduzida a

política monetária no presente.

De forma a atingir os objetivos propostos será utilizada a revisão de literatura. Essa

revisão de literatura será exaustiva, de forma a tentar alcançar e aprofundar todos os

pontos de vista existentes acerca da aplicação de medidas de PMNC na AE e a sua

previsível reversão. De facto, vários economistas, banqueiros e policymakers discordam

das medidas que foram implementadas ao longo dos últimos anos pelo BCE, sendo que a

revisão de literatura deve apresentar, de forma crítica e integrada, essas diferentes

posturas. Diferentes posturas que se estendem também ao caminho a percorrer

relativamente à reversão desse “ambiente não convencional”. O objetivo final é

apresentar, de forma estruturada, todos os aspetos relevantes acerca da atuação do BCE

na última década (período de graves problemas económicos e financeiros na AE) e acerca

do processo de reversão das medidas de PMNC.

O presente trabalho encontra-se organizado em seis capítulos. No segundo capítulo,

sendo o primeiro capítulo a introdução, será descrita a atuação convencional do BCE, ou

seja, os instrumentos de política monetária utilizados em tempos de normalidade.

Também serão descritos os principais mecanismos de transmissão da política monetária,

os objetivos do BCE, os seus órgãos de decisão, entre outros.

O terceiro capítulo irá descrever a atuação do BCE desde 2007, ou seja, a resposta

dada aos problemas inerentes às crises do subprime e das dívidas soberanas. Ao longo

desse capítulo, que será subdividido em três partes (resposta à crise financeira mundial,

resposta à crise das dívidas soberanas e resposta ao período de deflação que ocorreu entre

o final de 2014 e o final de 2016) serão descritas e justificadas as principais medidas de

política monetária implementadas pelo BCE, principalmente as medidas não

convencionais.

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O quarto capítulo tratará exclusivamente da questão das taxas de juro diretoras

terem sido fixadas em níveis muito baixos (taxa da facilidade permanente de depósito

atingiu valores negativos). Será discutido o que levou o BCE a fixar as taxas de juro

diretoras nesses valores, as críticas que vão sendo apresentadas a essa estratégia de

política monetária e as consequências que se têm vindo a verificar.

O quinto capítulo abordará o futuro da política monetária na AE. Serão analisadas

as principais pré-condições apresentadas pela literatura para uma saída limpa do

“ambiente não convencional”, tentando perceber se a AE já está preparada para tal

processo (também serão analisadas as principais consequências de uma saída do

“ambiente convencional” sem cumprir essas pré-condições). Serão também discutidas

algumas das principais questões inerentes a este processo, nomeadamente os timings e a

velocidade a que se devem reverter as medidas, as medidas que devem ser revertidas em

primeiro lugar (sequência), as condições económicas que serão consideradas normais no

futuro, entre outros. Por último serão apresentadas as principais conclusões da

dissertação.

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2. A política monetária convencional do BCE

2.1. O funcionamento da União Económica e Monetária

No dia 1 de junho de 1998 foi criado o BCE, instituição que passou a desempenhar

um papel determinante, em termos de política monetária, nas economias dos países

aderentes à União Económica e Monetária. Esse novo espaço económico é comumente

designado de Área do Euro. Os países que aderiram inicialmente à UEM foram os

seguintes: Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Finlândia, França, Irlanda, Itália,

Luxemburgo, Países Baixos e Portugal. Posteriormente, outros países foram

progressivamente aderindo a este novo projeto europeu, a Grécia em 2001, a Eslovénia

em 2007, o Chipre e Malta em 2008, a Eslováquia em 2009, a Estónia em 2011, a Letónia

em 2014 e a Lituânia em 2015. Atualmente, dos 28 países da União Europeia (UE), 19

pertencem à AE.

A moeda “euro” foi lançada a 1 de janeiro de 1999, mas só a partir de 1 de janeiro

de 2002 começaram a circular as novas notas e moedas, substituindo as notas e moedas

nacionais a taxas de conversão fixadas, sendo que durante este período de três anos o euro

foi exclusivamente uma moeda com propósitos contabilísticos (BCE, 2017a). Alguns

Estados que não pertencem à AE também utilizam o euro como moeda oficial, como é o

caso de Andorra, do Mónaco, de São Marino e do Vaticano.

Aquando da criação da criação da UEM surgiu também uma nova rede de

autoridades, o Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC). O SEBC engloba o BCE e

os Bancos Centrais (BC) dos países da União Europeia, tendo como objetivo primordial

a manutenção da estabilidade de preços na UE, algo que está bem explicito no artigo 127º

do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE):

“1. O objetivo primordial do Sistema Europeu de Bancos Centrais (…) é a

manutenção da estabilidade dos preços. Sem prejuízo do objetivo da estabilidade dos

preços, o SEBC apoiará as políticas económicas gerais na União tendo em vista

contribuir para a realização dos objetivos da União tal como se encontram definidos no

artigo 3.º do Tratado da União Europeia. (…)”.

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No entanto, uma vez que nem todos os países pertencentes à UE aderiram à

moeda única, foi necessário criar uma nova rede de autoridades, o Eurosistema. O

Eurosistema tem a mesma missão do SEBC, sendo uma rede composta pelo BCE e pelos

Bancos Centrais dos países pertencentes à AE (BCE, 2011a). Na prática o Eurosistema

tornou-se muito mais importante que o SEBC, sendo crucial para a condução da política

monetária na AE (SEBC apenas reúne esporadicamente). A distinção entre o SEBC e o

Eurosistema apenas existirá enquanto houverem países na União Europeia que ainda não

tenham adotado o euro.

O Eurosistema é governado pelos órgãos de decisão do BCE, nomeadamente o

Conselho de Governadores do BCE, responsável pela formulação da política monetária,

e a Comissão Executiva, responsável pela posterior execução da política monetária

aprovada pelo Conselho de Governadores. Existe também o Conselho Geral, um órgão

transitório que contribui para as funções consultivas do BCE, para a recolha de

informação estatística, elaboração do relatório anual do BCE, entre outros.

O objetivo primordial do BCE confunde-se com o objetivo primordial do SEBC e

do Eurosistema, ou seja, manter a estabilidade de preços. Mais especificamente, aquando

da elaboração do TFUE, ficou definido que a estabilidade de preços seria avaliada através

do crescimento anual do Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC), que deve

estar abaixo, mas próximo de 2%. No entanto, estando este objetivo primordial

assegurado, o BCE tem margem para apoiar outro tipo de políticas prosseguidas na União

Europeia, sendo exemplo disso o combate a efeitos nefastos de crises económicas e/ou

financeiras. Ficou estabelecida a estabilidade de preços como o objetivo primordial pelo

facto de, no longo prazo, os bancos centrais não poderem influenciar o crescimento

económico através da oferta de moeda e de a inflação ser um fenómeno monetário. Se a

inflação não for devidamente controlada pode causar efeitos nefastos para as economias.

A estabilidade de preços permite uma redução dos prémios de risco em taxas de juro,

previne a arbitrariedade na redistribuição de riqueza e rendimentos e contribui para a

estabilidade financeira, entre outros (BCE, 2011b).

A condução da política monetária na AE é descentralizada, não só pelo facto de o

Eurosistema ter a participação de todos os Bancos Centrais nacionais, mas sobretudo pela

delegação de responsabilidades por parte do BCE a esses BC nacionais. Os BC nacionais

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funcionam quase como “sucursais” do BCE, podendo receber depósitos das IC, conceder

crédito ao abrigo dos diversos instrumentos de política monetária, entre outros.

2.2. Os instrumentos convencionais de política monetária

Na condução da política monetária da AE, o BCE tem vários instrumentos à sua

disposição, sendo que neste capítulo apenas serão apresentados os principais instrumentos

convencionais, instrumentos que são utilizados pelo BCE desde a sua criação.

2.2.1. Facilidades permanentes

Este instrumento de política monetária permite às Instituições de Crédito (IC) ter

sempre uma alternativa viável para obter liquidez ou depositar excessos de liquidez, em

prazos overnight (até um dia), especialmente quando o mercado monetário atravessa

alguma turbulência. A facilidade permanente de cedência de liquidez permite que as IC

obtenham toda a liquidez de que necessitam (desde que apresentem ativos elegíveis como

garantia) a uma determinada taxa de juro fixada pelo BCE, enquanto que a facilidade

permanente de depósito permite que as IC depositem junto do BCE a quantidade de

reservas que entenderem, também a uma taxa de juro fixada (BCE, 2011a). No entanto,

em períodos de normalidade as IC preferem recorrer ao mercado monetário do que a este

instrumento, pelo facto de as taxas de juro praticadas nesse mercado lhes serem mais

favoráveis. Se a Euro Overnight Index Average (EONIA), taxa de juro de referência do

mercado monetário do euro para o prazo overnight, se colocasse no mesmo valor da taxa

da facilidade permanente de depósito, as IC iriam preferir depositar junto do BCE

(depósitos no BCE estão livres de risco), e se a EONIA alcançasse o mesmo valor da taxa

de cedência de liquidez, tornava-se indiferente obter liquidez junto do BCE ou no

mercado monetário. É neste corredor, com limite inferior na taxa da facilidade

permanente de depósito e com limite superior na taxa da facilidade permanente de

cedência de liquidez, que se situa a EONIA, apesar de em condições normais essa taxa se

fixar num valor equidistante das duas facilidades permanentes (normalmente muito

próximo da taxa das operações principais de refinanciamento (Refi)) (Collignon, 2014).

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Os decisores do BCE podem influenciar a EONIA através do controle que têm sobre as

taxas das facilidades permanentes (BCE, 2011b).

2.2.2. Operações de mercado aberto

As operações de mercado aberto têm como principais objetivos a gestão da

liquidez no mercado monetário (operações com maturidade inferior a um ano), direcionar

as taxas de juro de mercado e sinalizar a posição da política monetária do BCE (BCE,

2011a). Ao contrário das facilidades permanentes, estas operações são despoletadas por

iniciativa do BCE e não por iniciativa das IC. Existem quatro tipos de operações de

mercado aberto, cada uma delas com as suas especificidades no que concerne ao seu

acesso e aos seus objetivos.

Dos quatro tipos de operações, aquelas que são consideradas as mais importantes

são as Operações Principais de Refinanciamento (MRO - Main Refinancing Operations)

(BCE, 2011b). São operações regulares (semanais), com maturidade de habitualmente

uma semana e têm como principal finalidade fornecer liquidez às IC, sendo que o

montante total da operação e a taxa de juro aplicável (caso não seja decidida através de

leilão) são anunciados previamente (BCE, 2011a). No entanto, as IC têm que ser

consideradas elegíveis para poderem recorrer a estas operações, e, para tal, devem

cumprir o requisito das reservas mínimas legais1, serem consideradas sólidas pelas

autoridades nacionais de supervisão e cumprirem os requisitos operacionais (Banco de

Portugal, 2017). Para além disso, são operações reversíveis e as IC têm que apresentar

garantias adequadas, ou seja, ativos que pertençam à Single List2, definida pelo BCE

(BCE, 2011b).

As Operações de Refinanciamento de Prazo Alargado (LTRO – Longer-Term

Refinancing Operations) são bastante semelhantes às MRO, apresentando também como

finalidade fornecer liquidez às IC, sendo que estas conhecem à partida as condições para

que possam aceder a essas operações. As principais diferenças em relação às operações

1 O cumprimento do requisito das reservas mínimas legais é um tema que será descrito no próximo

instrumento de política monetária (subsecção 2.2.3). 2 Lista com todos os ativos, aceites como garantia pelo BCE, para participação nas operações do

Eurosistema.

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anteriores estão relacionadas com a sua maturidade (três meses ao invés de um mês) e

regularidade (são operações mensais ao invés de semanais) (BCE, 2011a).

As Operações de Fine-Tuning são operações ocasionais que têm como objetivo

responder a flutuações de liquidez inesperadas (ao contrário das operações anteriores

também podem absorver liquidez), como é o caso do último dia do período de manutenção

de reservas, em que muitas IC procuram reservas adicionais para cumprir o rácio exigido.

Consequentemente não têm regularidade estabelecida e a maturidade pode variar

consoante os casos (BCE, 2011b).

Por último, existem as Operações Estruturais. São operações bastante

diversificadas, principalmente em termos de regularidade e maturidade e que têm como

objetivo alterar a posição de liquidez estrutural do setor financeiro. Tal como as

Operações de Fine-Tuning podem ceder ou absorver liquidez e podem ser operações

reversíveis ou definitivas (BCE, 2011a).

2.2.3. Sistema de reservas legais

Todas as IC que atuem na AE estão obrigadas a manter reservas (remuneradas)

junto do BCE, ou mais concretamente junto dos Bancos Centrais nacionais, que

funcionam como “sucursais” do BCE. O montante mínimo de reservas de cada IC

depende da sua reserve base, ou seja, do montante de responsabilidades que estão sujeitas

à manutenção de reservas. De facto, nem todas as responsabilidades de um banco estão

sujeitas à manutenção de reservas. Só estão sujeitos à manutenção de reservas os

depósitos e os títulos de dívida com maturidade de até dois anos. No que concerne aos

depósitos, também são incluídos aqueles que podem ser reembolsáveis com pré-aviso de

até dois anos. Depois de calculada a reserve base é aplicado o rácio de reservas em vigor,

que é de 1% desde janeiro de 2012 (anteriormente era de 2%), ficando as IC a conhecer

o montante exato de reservas mínimas que devem possuir junto dos Bancos Centrais

nacionais (BCE, 2011b).

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As IC não necessitam de possuir permanentemente o montante de reservas

mínimas exigidas. Apenas necessitam de finalizar o período de manutenção de reservas3

com uma média de reservas diária superior ou igual ao montante mínimo de reservas

exigido, pelo que durante este período pode haver períodos em que o montante de reservas

se encontre abaixo do requisitado (BCE, 2011b). O período de manutenção de reservas

inicia-se, salvo raras exceções, no dia da primeira MRO depois da reunião do Conselho

de Governadores do BCE e termina no dia anterior ao início do próximo período de

manutenção de reservas (BCE, 2011b).

Os principais objetivos deste sistema de reservas legais são a estabilização das

taxas de juro do mercado monetário, sendo um incentivo para a suavização dos efeitos

das flutuações temporárias de liquidez, e a criação ou alargamento de uma escassez de

liquidez estrutural, tornando o Eurosistema mais eficiente no fornecimento dessa liquidez

(BCE, 2011a).

2.3. Mecanismos de transmissão da política monetária

Os três tipos de instrumentos anteriormente referidos são, ou pelo menos foram,

as principais formas convencionais de o BCE intervir. No entanto, importa perceber de

que forma a ação destes instrumentos, que influenciam essencialmente as IC, se vai

repercutir na economia real, nomeadamente em relação à variação dos preços

(formalmente o principal objetivo da política monetária do BCE). Os impactos dos

instrumentos de política monetária propagam-se através dos designados mecanismos de

transmissão da política monetária, mecanismos que têm sempre inerentes consequências

(não só no que toca ao sentido esperado de certas variáveis, mas também em relação à

dimensão dos efeitos) e lags temporais de elevado grau de incerteza, dependendo do

estado e evolução da economia (crescimento económico, solidez bancária, inflação, entre

outros). Numa União Económica e Monetária, como é o caso da AE, onde existem

diferenças consideráveis entre os países membros, os efeitos de uma política monetária

3 O período de manutenção de reservas é um espaço de tempo (duas semanas) em que as IC da AE estão

obrigadas a manter um determinado nível de fundos.

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podem ser distintos entre esses países. Alguns dos principais mecanismos, ou canais de

transmissão, serão expostos de seguida, sendo que alguns desses canais podem ser

despoletados em simultâneo, ter efeitos divergentes e ser afetados por choques exógenos,

dependendo do tipo de política monetária implementada e das condições económicas,

financeiras e sociais envolventes (BCE, 2011b).

O longo e imprevisível processo de transmissão de uma política monetária

convencional à economia real inicia-se, grande parte das vezes, com uma alteração das

taxas de juro oficiais por parte do BCE, as taxas de juro que o BCE impõe nas suas

operações de mercado aberto e facilidades permanentes (BCE, 2011b). A partir daí são

despoletados os canais de transmissão da política monetária, sendo de destacar o canal da

taxa de juro, o canal da taxa de câmbio, o canal do preço dos ativos, o canal do crédito e

o canal das expectativas.

O canal da taxa de juro transmite, por exemplo, uma descida das taxas de juro

diretoras por parte do BCE a uma descida nas taxas de juro do mercado monetário

(percebemos nos instrumentos de política monetária a influência que o BCE tem sobre o

mercado monetário), levando a uma descida, em certo grau, das taxas de juro praticadas

pelas IC junto dos seus clientes. Há, portanto, no curto prazo, uma descida da taxa de juro

real (a inflação demora a ajustar-se) e do custo do capital, impondo, consequentemente,

uma aceleração do investimento e uma redução na poupança. O consumo também irá

aumentar, incrementando a procura agregada na AE. Esse excesso de procura

relativamente à oferta leva a uma pressão sobre os preços e salários, que irão começar a

subir até que se encontre um novo equilíbrio. Caso estivéssemos perante uma subida das

taxas de juro oficiais, os efeitos seriam inversos.

Através do canal da taxa de câmbio entende-se que - continuando com o exemplo

da descida das taxas de juro oficiais por parte do BCE - se torna menos vantajoso investir

em euros do que em moeda estrangeira. Cria-se, desta forma, um incentivo à troca de

euros por moedas estrangeiras, levando a que o euro deprecie relativamente a essas

moedas. Consequentemente, na AE, as exportações ficarão mais baratas e as importações

mais caras, aumentando dessa forma a procura por produtos e serviços produzidos

internamente. O crescimento económico, por consequência, será também superior, tal

como os preços, uma vez que os produtos importados ficarão mais caros. No entanto,

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importa referir que o impacto deste canal de transmissão depende do grau de abertura das

economias: quanto maior for a abertura das economias, maior o impacto.

O canal do preço dos ativos transmite diretamente uma variação no preço dos

ativos numa variação da riqueza das empresas e famílias. Neste caso, uma redução das

taxas de juro diretoras por parte do BCE leva a que o valor de mercado dos ativos suba

(preços de ações, por exemplo). Isto acontece porque a política de reduzidas taxas de juro

conduz a um excesso de liquidez nos mercados, incluindo o mercado de capitais, e

funciona também como um incentivo a investimentos mais arriscados, como é exemplo

o investimento em ações em detrimento de depósitos a prazo. Na perspetiva das empresas,

recorrendo à Teoria do q de Tobin (Tobin, 1969), o valor de mercado das mesmas

aumenta com o incremento do preço das ações, elevando dessa forma o q de Tobin. Desta

forma, o nível de investimento da empresa vai aumentar, uma vez que esta teoria nos

transmite a ideia de que quanto maior o q de Tobin maior o nível de investimento da

empresa. As famílias também enriquecem com uma redução das taxas de juro oficiais,

uma vez que vêm os seus encargos com o endividamento reduzidos e também beneficiam

da valorização dos ativos que detenham, incrementando, consequentemente, o seu

consumo (Horatiu, 2013). Resumindo, através deste canal, uma descida das taxas de juro

diretoras por parte do BCE eleva os níveis de consumo e investimento de uma economia

e incrementa, consequentemente, o crescimento económico e a inflação (através do

aumento da procura).

O canal do crédito transmite a política monetária à economia real através da

alteração que é provocada em termos de facilidade de acesso ao crédito, para famílias e

empresas. Tanto famílias como empresas, no caso de uma descida das taxas de juro

oficiais por parte do BCE, vão ter mais facilidade de acesso ao crédito, devido ao aumento

do valor dos ativos que detêm e devido à redução de encargos com dívidas anteriores.

Nesse caso, se existirem dívidas já contraídas, o seu risco de incumprimento será menor

e, para efeitos de novos financiamentos, as suas garantias serão superiores.

Consequentemente, o acesso ao crédito torna-se mais fácil, os riscos apercebidos pelos

bancos são menores, e o consumo e investimento aumentam. Também o crescimento

económico e a inflação são afetados positivamente, principalmente devido ao aumento da

procura.

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Por último, o canal das expectativas funciona através da influência que a política

monetária do BCE tem sobre as expectativas dos agentes económicos. O BCE está

comprometido com a manutenção da estabilidade de preços e os agentes económicos,

assumindo que tal objetivo será respeitado ao longo do tempo, vão formar as suas

expetativas (em termos salariais por exemplo) sem receio de uma possível evolução

desfavorável da inflação no futuro. Não é só no longo prazo que o canal das expectativas

se fará sentir, também no curto prazo as expectativas dos agentes económicos serão

afetadas. Os agentes económicos, se atuarem racionalmente, podem até ajustar as suas

expectativas antes de um determinado banco central intervir (estando os objetivos desse

banco central bem definidos). Por exemplo, no caso da AE, se a taxa de inflação começar

a descer de forma preocupante, o BCE terá de implementar políticas monetárias

expansionistas, algo que os agentes económicos podem prever com antecedência. No

entanto, para que este canal funcione com eficiência é necessário que o banco central,

neste caso o BCE, tenha credibilidade junto dos agentes económicos e que a sua

comunicação seja clara e simples (BCE, 2011b).

É também importante referir que a política monetária e estes mecanismos de

transmissão apenas afetam de forma duradoura as variáveis macroeconómicas de uma

economia no curto prazo, como é o caso do PIB, apesar de haver teorias contraditórias. O

Princípio da Neutralidade da Moeda e a Teoria Quantitativa da Moeda dizem-nos que, no

longo prazo, a política monetária é neutral, não consegue afetar as variáveis reais (PIB

real, por exemplo), e que a inflação é um fenómeno monetário, relacionada com a oferta

de moeda fornecida pelos Bancos Centrais. Esta realidade explica, em grande parte, o

facto de o objetivo primordial do BCE ser a manutenção da estabilidade de preços (BCE,

2017b).

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3. A política monetária do BCE no pós-2007

3.1. O eclodir da crise do subprime nos EUA

A crise financeira, comumente designada por crise do subprime e que ainda nos

dias de hoje tem repercussões, apenas começou a ser notada no segundo semestre de 2007,

período marcado pelo início da turbulência e o aumento da volatilidade nos mercados

financeiros (BCE, 2008), mas os fatores que a despoletaram já “minavam” a economia

dos EUA há alguns anos.

A bolha imobiliária, que se ampliava de dia para dia nos EUA, foi o ponto central

desta gigantesca crise. De facto, analisando a figura 3.1, o aumento do preço das

habitações foi enorme (entre 1998 e 2006 o seu crescimento anual foi sempre superior a

5%), apesar de, a partir de 2005, esse crescimento ter começado a abrandar. A partir de

meados de 2006, o preço das habitações nos EUA começou a decrescer, tendência que se

iria intensificar a partir de 2007.

Figura 3.1: Preço das habitações nos EUA, 1:1996-12:2010 (janeiro 2000=100)

Nota: O indicador da figura é o S&P/ Case-Shielder U.S. National Home Price Index, ajustado

sazonalmente.

Fonte: Standard & Poors (2017).

60,00

80,00

100,00

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A expansão da bolha imobiliária nos EUA ganhou dimensão devido a vários

fatores. Verificou-se, durante a década que antecedeu a crise do subprime, uma enorme

expansão do crédito à habitação e do endividamento das famílias, impulsionados, em

grande parte, pelas historicamente baixas taxas de juro que se praticavam e pela

contribuição da inovação financeira (Claessens et al., 2010). Existem economistas que

apontam a inércia da Reserva Federal como fator preponderante neste processo,

defendendo que o Banco Central dos EUA devia ter adotado taxas de juro mais elevadas

e reduzido os incentivos ao endividamento. Mas há também quem discorde, apontando

os desequilíbrios globais, especialmente o excesso de poupança mundial e a constituição

de reservas por parte de alguns países (essencialmente asiáticos) nos EUA, como fatores

determinantes das taxas de juro vigentes nesse período. Por outro lado, a inovação

financeira permitiu a utilização de novos instrumentos financeiros, insuficientemente

regulados, como é o caso dos Mortgage-Backed Securities (MBS). Estes ativos eram

constituídos por hipotecas imobiliárias e transacionados como ativos de baixo risco, uma

vez que as agências de rating lhes davam excelentes notações. No entanto, eram ativos

de elevado risco, uma vez que os bancos e outras instituições forneciam crédito à

habitação sem grande preocupação com as condições de reembolso por parte dos clientes.

Esta realidade verificava-se também pelo facto de grande parte dos gestores receberem

prémios em função do número de hipotecas aprovadas (Allen e Carletti, 2010).

Tendo em conta estas fragilidades, as taxas de incumprimento dos créditos à

habitação começaram a aumentar a um ritmo elevado, principalmente a partir de 2007,

criando-se um pânico financeiro. Consequentemente, o preço das habitações começou a

cair abruptamente, contribuindo também para o aumento das taxas de incumprimento, e

as instituições que estavam diretamente expostas, nomeadamente detentoras de MBS,

sofreram grandes perdas. Gerou-se também uma enorme corrida à liquidez (problemas de

funcionamento do mercado monetário) para fazer face a essas perdas, o crédito bancário

contraiu rapidamente (falta de liquidez e receio de incumprimentos) e outros ativos

financeiros, para além dos MBS, enfrentaram fortes desvalorizações devido ao contágio

financeiro. Mais tarde, em setembro de 2008, a falência do Lehman Brothers, um dos

maiores bancos de investimento dos EUA, amplificou ainda mais a crise. Esta falência

foi resultado das enormes perdas que o banco sofreu devido à sua elevada exposição aos

MBS. Como é óbvio a crise financeira não se limitou aos EUA, rapidamente se propagou

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por todo o mundo, até porque muitos MBS eram detidos por entidades estrangeiras.

Indiretamente, em resultado das interligações entre os mercados financeiros mundiais,

geraram-se flutuações importantes nas taxas de câmbio, os bancos estrangeiros

(principalmente na Europa) também enfrentaram problemas de liquidez nos mercados

monetários, bolhas imobiliárias rebentaram noutros países (processo acelerado pelos

problemas iniciados nos EUA), entre outros (Claessens et al., 2010). O investimento

direto estrangeiro (IDE) e o comércio mundial também tiveram fortes quebras. O IDE

mundial em 2009 caiu para menos de metade do que se verificava em 2007 e o comércio

mundial de mercadorias caiu cerca de 20% entre 2008 e 2009 (Banco Mundial, 2017a;

2017b).

3.2. A propagação da crise do subprime e o impacto na Área do Euro

Rapidamente a crise financeira, iniciada nos EUA, se propagou a todo o mundo,

tornando-se uma crise económico-financeira mundial. O PIB per capita mundial

enfrentou uma forte quebra, tendo o seu crescimento começado a desacelerar em 2008 e

quebrado quase 3% em 2009. A evolução deste indicador é ainda mais desfavorável nos

EUA e na AE (figura 3.2). A taxa média de desemprego mundial enfrentou uma subida,

passando de cerca de 5,5% em 2007 para aproximadamente 6,2% em 2009, embora essa

escalada seja mais notória nos países desenvolvidos, visto que a taxa média de

desemprego entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

Económico (OCDE) era de aproximadamente 5,5% em 2007 e subiu para cerca de 8,1%

em 2009. Na AE, o crescimento do desemprego foi ainda mais acentuado e duradouro (de

7,5% em 2007 para 12,0% em 2013), tendo para isso contribuído a eclosão da crise das

dívidas soberanas em alguns países membros (figura 3.3). Para fazer face a esta crise

económico-financeira, grande parte dos países recorreram a políticas orçamentais

expansionistas, elevando fortemente os seus défices orçamentais (figura 3.4) e dívidas

públicas. A deterioração das condições orçamentais também se deveu à ação dos

estabilizadores automáticos (a crise por si só reduziu as receitas orçamentais e aumentou

as despesas orçamentais). O défice orçamental dos EUA, que rondava os 2% do PIB antes

da crise, chegou a atingir quase 10% do PIB em 2009, ao passo que no Reino Unido

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atingiu os dois dígitos. Na AE, em média, os défices orçamentais não subiram tanto

(verificou-se um valor médio de aproximadamente 6% do PIB em 2009), apesar de,

individualmente, a evolução deste indicador ter sido bastante diferenciada entre os países

membros. Alguns países, como são exemplo a Grécia e Portugal, atingiram valores de

défices orçamentais muito elevados (em 2009, Portugal apresentou um défice orçamental

de 9,8% do PIB, ao passo que a Grécia apresentou um défice orçamental de 15,1% do

PIB).

Figura 3.2: Taxa de crescimento anual do PIB per capita, 2000-2009 (%)

Fonte: Banco Mundial (2017c).

Figura 3.3: Taxas de desemprego, 2000-2013 (%)

Fonte: Banco Mundial (2017d).

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Mundo EUA Área do Euro OCDE

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Figura 3.4: Saldos orçamentais, 2005-2010 (% do PIB)

Fonte: Trading Economics (2017a).

Tal como se pode verificar pelas figuras anteriores a AE não ficou imune aos

efeitos nefastos da crise económico-financeira. No entanto, não se podem atribuir todos

os problemas que ocorreram na AE desde 2008 à propagação da crise do subprime. A

verdade é que existiam muitos fatores de risco que, mais cedo ou mais tarde, iriam

conduzir a graves problemas. A crise do subprime, para além dos efeitos diretos que teve

sobre a AE, terá contribuído para a aceleração desse processo. Lane (2012) apresenta

alguns desses fatores de risco que, embora não afetassem todos os países por igual (a crise

veio adensar a heterogeneidade na AE, mas ela já existia em grande dimensão antes de

2007), contribuíram para os problemas que se viriam a verificar a partir de 2007. São eles:

os elevados rácios de dívida pública, a expansão excessiva do crédito ao setor privado e

os desequilíbrios nas balanças correntes.

Relativamente aos rácios de dívida pública, o Pacto de Estabilidade e Crescimento

(PEC) estabelece que as dívidas públicas dos países pertencentes à UE devem convergir

para valores inferiores a 60% do PIB. No entanto, muitos países estavam bem acima deste

valor nos primeiros anos deste século. Por exemplo a Itália (99,8% do PIB em 2007) e a

Grécia (103,1% do PIB em 2007) apresentavam dívidas públicas próximas de 100% do

PIB nos anos que antecederam a crise do subprime. Apesar desta realidade, os spreads

inerentes aos títulos de dívida pública eram relativamente baixos para estes países (por

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2005 2006 2007 2008 2009 2010

Área do Euro EUA Reino Unido

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exemplo, as obrigações de dívida pública a dez anos da Itália e da Grécia pagavam taxas

de juro inferiores a 5% até 2007, valores que apenas se diferenciavam das taxas aplicadas

às obrigações alemãs em poucos pontos base). Os governos nacionais deveriam ter

aproveitado as circunstâncias do período anterior à crise (elevado dinamismo do setor

privado, por exemplo) para aplicarem políticas orçamentais mais conservadoras, algo que

não se sucedeu em muitos casos.

Houve também uma expansão excessiva do crédito ao setor privado em alguns

países (principalmente os que viriam a ser mais afetados pela crise), em parte, motivada

pela possibilidade de os bancos acederem com facilidade a financiamento externo na sua

moeda, o euro. Antes da criação do euro, os bancos de países com moedas fracas

financiavam-se principalmente em dólares dos EUA, libras do Reino Unido, entre outras,

enfrentando o risco cambial. A transição destes países para o euro contribuiu para a

redução das taxas de juro praticadas pelos bancos nesses países da AE e para o,

consequente, aumento do crédito ao setor privado. Em 2007, em vários países da AE o

setor privado tinha dívida superior a 100% do PIB, nomeadamente a Irlanda (184,3% do

PIB), a Espanha (168,5% do PIB) e Portugal (159,8% do PIB). Esta realidade contribuiu

para a criação de bolhas especulativas em vários tipos de ativos, nomeadamente no

mercado imobiliário. De facto, não foi apenas nos EUA que houve subprime, vários

países da AE também enfrentaram esse problema.

O último fator são os desequilíbrios nas balanças correntes4 que alguns países da

AE apresentavam. No período entre 2003 e 2007, os saldos médios das balanças correntes

de alguns países eram preocupantes, nomeadamente na Grécia (-9,1% do PIB), em

Portugal (-9,2% do PIB) e na Espanha (-7,0% do PIB). Estes défices nas balanças

correntes contribuíram para o desenvolvimento de várias fragilidades: dependência de

financiamento externo para cobrir tais défices (grande vulnerabilidade a sudden stops),

dificuldades cada vez maiores para os setores exportadores (subida de salários e drenagem

de recursos para outros setores), entre outros.

4 O saldo da balança corrente de um país reflete a diferença entre o que se recebe e paga ao estrangeiro, seja

através do comércio de bens e serviços, através de rendimentos de ativos ou através de transferências

unilaterais.

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3.3. A resposta do BCE à crise do subprime

De forma a suavizar alguns dos efeitos da crise do subprime, e para além das

políticas orçamentais expansionistas levadas a cabo pelos governos nacionais, também

foi necessário o apoio de políticas monetárias expansionistas, por parte do BCE. Os

instrumentos de política monetária utilizados durante esta crise económico-financeira e

durante a crise das dívidas soberanas que lhe sucedeu foram, em grande parte, não

convencionais, uma vez que os instrumentos de política monetária convencionais

rapidamente deixaram de apresentar o impacto necessário sobre o mercado monetário,

sobre a economia real, entre outros.

É importante referir que, antes da crise do subprime afetar a AE, vivia-se um

período de confiança e de aparente solidez económica. Durante o ano de 2006 e o primeiro

semestre de 2007, o crescimento económico era sólido (PIB per capita na AE crescia, em

média, a uma taxa superior a 2,5%, como se pode verificar na figura 3.4), o desemprego

tinha atingido, em média, o seu valor mais baixo desde a adoção da moeda única (figura

3.3), verificavam-se fortes lucros empresariais, o consumo privado seguia em constante

crescimento, os preços subiam moderadamente, entre outros. Nessas circunstâncias, o

BCE até subiu as taxas de juro diretoras em março e junho de 2007, num total de 50

pontos base, estabelecendo a taxa mínima das operações principais de refinanciamento

do Eurosistema (Refi) em 4.00%, a taxa da facilidade permanente de cedência de liquidez

em 5.00% e a taxa da facilidade permanente de depósito em 3.00%. Foi com estas taxas

de juro diretoras e neste contexto económico que a crise financeira, iniciada nos EUA, foi

recebida na AE (BCE, 2008).

Em agosto de 2007 iniciou-se a turbulência nos mercados financeiros, despoletada

pelos problemas que iam afetando, numa primeira fase, os EUA. Invertia-se, na AE, o

forte sentimento de confiança económica e as perspetivas para a atividade económica

tornavam-se mais incertas. Neste contexto de incerteza, e com as expectativas para o

crescimento dos preços a continuarem a ser revistas em alta (taxa de inflação fixava-se

em valores acima dos 2%, como está ilustrado na figura 3.5) devido à evolução do preço

das matérias primas, o BCE optou por não alterar as taxas de juro diretoras no imediato.

Os decisores de política monetária do BCE foram cautelosos, esperando por mais

Page 30: A política monetária do BCE desde 2007 e …...BCE ao longo dos últimos 10 anos, focando-se, em particular, na evolução das taxas de juro diretoras. Adicionalmente, discute o

20

informação para a definição da sua política monetária (BCE, 2008). Esta passividade do

BCE manteve-se até julho de 2008, momento em que decidiu subir as taxas de juro de

referência em 25 pontos base.

Figura 3.5: Taxa de inflação homóloga da AE, 4:2007-12:2009 (%)

Fonte: Eurostat (2017a).

A partir de setembro de 2008, mês em que o Lehman Brothers colapsou, a crise

financeira intensificou-se na AE, a turbulência financeira aumentou em grande escala,

levando a problemas de funcionamento e escassez de liquidez em vários segmentos dos

mercados financeiros. Foi neste contexto, e em coordenação com outros Bancos Centrais

relevantes no contexto mundial, que o BCE decidiu voltar a alterar as taxas de juro

diretoras, e por diversas vezes. Nesta fase, as reduções das taxas de juro diretoras, por

parte do BCE, ainda não constituíam medidas de PMNC, uma vez que estas chegaram a

2010 ainda em valores relativamente normais (não se atingiu a zero lower bound5 nesta

fase). Entre outubro de 2008 e maio de 2009, as taxas de juro diretoras foram reduzidas

cinco vezes, tendo a taxa das operações principais de refinanciamento sido fixada em 1%,

a taxa da facilidade permanente de depósito em 0,25% e a taxa da facilidade permanente

de cedência de liquidez em 1,75% (figura 3.6). O BCE adotou esta estratégia tendo em

vista o apoio ao setor financeiro (alguns mercados financeiros, nomeadamente os

5 Zero lower bound ocorre quando as taxas de juro nominais de curto prazo se fixam em 0% ou em valores

próximos desse nível.

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21

mercados interbancários quase paralisaram (Falagiarda e Reitz, 2015)) e à economia real,

auxiliando dessa forma os sobrecarregados Estados, que estavam a aumentar em grande

escala os défices orçamentais para tentar reduzir os efeitos da crise (BCE, 2008; 2009).

Figura 3.6: Taxas de juro diretoras do BCE e EONIA, 1:2007-4:2018 (%)

Fonte: BCE (2018e; 2018f).

Para além da redução das taxas de juro diretoras, o Conselho do BCE aprovou,

com carácter temporário, as primeiras medidas de PMNC. O BCE percebeu que a atuação

monetária convencional não seria suficiente para fazer face aos desafios da nova

realidade. Foi o início do “ambiente não convencional” na AE, em que foram tomadas

pelo BCE um conjunto de decisões que estão sintetizadas no quadro 3.1, para o período

compreendido entre setembro de 2008 e abril de 2010.

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Taxa de juro da facilidade permanente de depósito

Taxa de juro da facilidade permanente de cedência de liquidez

Taxa Refi

Taxa de juro overnight (EONIA)

Page 32: A política monetária do BCE desde 2007 e …...BCE ao longo dos últimos 10 anos, focando-se, em particular, na evolução das taxas de juro diretoras. Adicionalmente, discute o

22

Quadro 3.1: Medidas de PMNC do BCE entre setembro de 2008 e abril de 2010

Medida de PMNC Descrição

Financiamento

ilimitado de

liquidez a taxa fixa

nas operações de

leilão do BCE

A partir do final de 2008, o BCE comprometeu-se a ceder aos

bancos da AE toda a liquidez por estes desejada nas operações

de refinanciamento, desde que apresentassem garantias

adequadas. As taxas de juro implícitas passaram a ser fixas (taxa

Refi), sendo que o objetivo desta medida foi facilitar o acesso à

liquidez por parte dos bancos (BCE, 2009). Atualmente esta

medida ainda se encontra em vigor.

Redução do

corredor formado

pelas facilidades

permanentes

Em outubro de 2008 este corredor foi reduzido de 200 pontos

base para 100 pontos base, tendo-se mantido próximo deste valor

até maio de 2009 (apesar de terem existido algumas alterações

durante este período). A partir de maio de 2009 seria alargado

para 150 pontos base (BCE, 2009). Este corredor é essencial para

influenciar a evolução da EONIA, a taxa à qual os bancos se

financiam no mercado monetário (BCE, 2011b).

Alargamento dos

colaterais

Através desta medida o BCE permitia que cada vez mais ativos

fossem aceites nas suas operações de refinanciamento,

facilitando o acesso à liquidez por parte dos bancos da AE (BCE,

2010). A lista começou a ser alargada em 2008 e desde então foi

alvo de muitos outros alargamentos.

Alargamento da

maturidade nas

LTRO´s

As LTRO´s habitualmente tinham um prazo de três meses, mas

foram realizadas diversas operações com maturidade de seis e

doze meses. Esta medida visava facilitar o refinanciamento dos

bancos da AE a mais longo prazo, garantindo uma maior

estabilidade e tempo para que muitos desses bancos gerissem e

reestruturassem os seus balanços (fortemente afetados pela crise

financeira) (BCE, 2010).

Cedência de

liquidez em moeda

estrangeira

O BCE disponibilizou enormes quantidades de liquidez em

moeda estrangeira, principalmente em dólares dos EUA,

Page 33: A política monetária do BCE desde 2007 e …...BCE ao longo dos últimos 10 anos, focando-se, em particular, na evolução das taxas de juro diretoras. Adicionalmente, discute o

23

contrariando a instabilidade que se vivia no mercado cambial

(BCE, 2010).

Aquisição a título

definitivo de

covered bonds

As covered bonds são obrigações hipotecárias e obrigações sobre

o setor público, sendo que a atuação em mercados de covered

bonds é uma fonte essencial de financiamento para os bancos da

AE. A atuação do BCE visava garantir a solidez bancária (BCE,

2010).

Estas medidas tinham como principais objetivos a tranquilização dos mercados

financeiros (principalmente os mercados monetários) em relação aos riscos de liquidez e

reforçar a função de intermediação do BCE. O reforço da liquidez cedida pelo BCE aos

bancos foi tão abundante que a EONIA baixou para valores muito próximos da taxa da

facilidade permanente de depósito (figura 3.6), sendo que habitualmente se fixa próximo

da taxa das operações principais de refinanciamento (BCE, 2009). Para além disso, estas

medidas visavam também impedir que o crédito a famílias e sociedades não financeiras

da AE fosse fortemente afetado pelos efeitos adversos da grave crise económico-

financeira que se vivia. Uma vez que a economia real da AE é essencialmente financiada

pelo setor bancário, grande parte das medidas que são referidas anteriormente são

destinadas, em primeira instância, aos bancos (BCE, 2010). Pelo facto de os preços na

AE começarem a crescer a um ritmo cada vez mais lento desde meados de 2008 (figura

3.5), o BCE teve a margem suficiente para implementar estas medidas de PMNC (assim

como reduzir as taxas de juro diretoras) sem pôr em causa o objetivo da inflação. Aliás,

a partir do início de 2009, a redução da inflação começou a ser preocupante e tornou-se

necessário implementar medidas de política monetária expansionistas (em junho de 2009

a AE entrou em deflação, tendo-se esta realidade mantido até novembro do mesmo ano).

No final de 2009, em resultado da descida das taxas de juro diretoras e da

implementação de várias medidas de PMNC, houve uma redução da instabilidade nos

mercados financeiros (especialmente no mercado monetário) e as condições económicas

davam sinais de recuperação. No segundo semestre de 2009, em virtude dos progressos

verificados, o BCE já discutia a remoção de parte das medidas não convencionais (que

veio a acontecer, ainda que temporariamente), de forma a evitar distorções desnecessárias

Page 34: A política monetária do BCE desde 2007 e …...BCE ao longo dos últimos 10 anos, focando-se, em particular, na evolução das taxas de juro diretoras. Adicionalmente, discute o

24

(risco moral e desincentivo a ajustamentos estruturais nos balanços dos bancos, por

exemplo) (BCE, 2010). Na opinião de muitos economistas a crise económico-financeira

estava ultrapassada.

As taxas de juro dos empréstimos bancários registaram uma descida (figura 3.7)

significativa durante 2009, facilitando o acesso ao financiamento de sociedades não

financeiras e famílias (a figura 3.8 ilustra que a redução no montante total de empréstimos

não foi muito significativa). Esta realidade foi essencial para que o investimento e o

consumo privado não tivessem sido mais afetados durante este período. Ainda assim as

diferenças entre países eram cada vez mais significativas, relativamente ao que se

verificava antes de 2008.

Figura 3.7: Taxas de juro médias de novos contratos de crédito a sociedades não

financeiras na AE, 1:2007-3:2018 (%)

Fonte: BCE (2018b).

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Figura 3.8: Crédito bancário ao setor privado não-financeiro da AE, 3:2005-9:2017

(109€)

Fonte: BIS (2018).

3.4. O eclodir da crise das dívidas soberanas e a resposta do BCE

Em meados de 2010, quando se pensava que a crise económico-financeira já tinha

acabado, surgiram novas tensões em alguns segmentos dos mercados financeiros,

nomeadamente em alguns mercados de dívida pública. As medidas de política orçamental

expansionistas que grande parte dos países implementaram, em conjunto com os efeitos

adversos dos estabilizadores automáticos, deram origem a elevados défices orçamentais

e ao rápido crescimento das dívidas públicas, indicadores que começaram a alarmar os

mercados e fizeram incrementar as taxas de juro exigidas pela aquisição de títulos de

dívida pública (BCE, 2011c).

No entanto, nem todos os países da AE foram atingidos da mesma forma por esta

crise das dívidas soberanas. Os investidores passaram a considerar que, por exemplo,

possuir uma obrigação de dívida pública alemã (país da AE com solidez orçamental) não

é o mesmo que possuir uma obrigação de dívida pública grega ou portuguesa. Se os

défices orçamentais e as dívidas acumuladas são mais elevadas nos últimos e se variáveis

económicas como o crescimento económico e o desemprego são bem mais positivas no

primeiro, os prémios de risco dos títulos de dívida pública passaram a incorporar essa

realidade. De facto, a Alemanha atravessou a crise económico-financeira de forma mais

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26

suave que a maioria dos países da AE (talvez porque não apresentasse, de forma tão

vincada, algumas das fragilidades que existiam noutros países da AE no período que

antecedeu a crise do subprime) e, apesar de também se ter agravado o seu défice

orçamental e a sua dívida pública, não atingiu os desequilíbrios apresentados por outros

países. Em 2010, a Alemanha apresentava um défice orçamental de 4,2% e uma dívida

pública de 81,0% do PIB, enquanto que, por exemplo, a Grécia apresentava um défice

orçamental de 11,2% e uma dívida pública de 146,2% do PIB.

Foi neste contexto que começaram a aumentar os diferenciais entre as taxas de juro

dos títulos de dívida pública alemã e dos títulos de dívida pública de outros países da AE,

principalmente Grécia, Portugal, Irlanda, Itália e Espanha (figura 3.9). Em alguns desses

países, o custo do financiamento público incrementou de tal forma (havia cada vez menos

interessados em adquirir os títulos) que os governos sentiram a necessidade de pedir

auxílio externo, não só às autoridades competentes da UE, como também ao Fundo

Monetário Internacional (FMI). A Grécia foi o primeiro país a pedir auxílio, em abril de

2010, seguindo-se a Irlanda, em novembro de 2010, e Portugal em abril de 2011.

Figura 3.9: Taxas de juro das obrigações de dívida pública a 10 anos, 1:2005-3:2018

(%)

Fonte: Federal Reserve Bank of St. Louis (2018).

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27

Deparado com este panorama (também os mercados monetários passavam por

novas dificuldades, temendo-se perturbações comparáveis com as que se verificaram na

sequência da falência do Lehman Brothers em 2008), em meados de 2010, o BCE foi

obrigado a intervir, não só através da reativação de algumas medidas de PMNC (por

exemplo, a colocação total das LTRO´s a taxa fixa, a realização de novas LTRO´s com

maturidades extraordinárias, novos alargamentos da lista de colaterais, novas aquisições

de covered bonds e a cedência de liquidez em moeda estrangeira) mas também através da

implementação de novas medidas não convencionais (quadro 3.2).

Quadro 3.2: Medidas de PMNC do BCE entre maio de 2010 e agosto de 2012

Medida de PMNC Descrição

Lançamento do

Securities Markets

Programme (SMP)

O BCE, a partir de maio de 2010, passou a intervir nos

mercados (secundários) de dívida dos setores privado e

público, tendo como objetivos garantir a profundidade e

liquidez destes mercados e, consequentemente, restabelecer o

funcionamento adequado da transmissão da política

monetária6 (BCE, 2011c). A liquidez criada pelo SMP foi

sendo esterilizada, sendo que este programa esteve ativo até

fevereiro de 2012.

Redução da taxa de

reserva legal

A partir de janeiro de 2012, o rácio de manutenção de reservas

legais foi reduzido de 2% para 1%. O objetivo desta medida

era reduzir a necessidade de liquidez do sistema bancário da

AE e aumentar a atividade nos mercados monetários (BCE,

2012c).

Anúncio das

Transações

Monetárias

Definitivas (Outright

Monetary

Transactions – OMT)

O objetivo das OMT, que foram anunciadas em agosto de

2012, passava pela redução significativa das taxas de juro

sobre as obrigações de dívida pública (e dos diferenciais entre

os países), melhorando a transmissão e a unicidade da política

monetária, garantindo, por último, a estabilidade de preços

(BCE, 2013).

6 A transmissão da política monetária do BCE será abordada com maior detalhe na subsecção 4.1.4.

Page 38: A política monetária do BCE desde 2007 e …...BCE ao longo dos últimos 10 anos, focando-se, em particular, na evolução das taxas de juro diretoras. Adicionalmente, discute o

28

As OMT consistiam na aquisição, de forma definitiva e nos mercados secundários,

de obrigações soberanas, principalmente com prazos entre um e três anos. Não foram

estabelecidos limites quantitativos e a liquidez criada era esterilizada. Apesar de não ter

sido definido, de imediato, o momento em que as OMT iriam ser ativadas, o seu anúncio

foi suficiente para aliviar as tensões nos mercados financeiros, nomeadamente nos

mercados de obrigações de dívida pública e alguma da incerteza sobre a evolução

económica (BCE, 2013). Houve uma grande descida nos spreads inerentes aos títulos de

dívida pública a partir do anúncio do OMT, sendo que os diferenciais entre países também

reduziram drasticamente, tal como se pode ver na figura 3.9.

Para além destas medidas, e apesar da instabilidade vivida nos mercados

financeiros, o BCE decidiu subir as taxas de juro diretoras em 2011. As pressões

inflacionistas que se faziam sentir na AE, relacionadas com a subida do preço das

matérias-primas, levaram o BCE a intervir, de forma a salvaguardar a estabilidade de

preços (BCE, 2012). Em abril e junho, o BCE subiu as taxas de juro de referência num

total de 50 pontos base. No entanto, as taxas de juro diretoras mantiveram-se pouco tempo

nesses novos valores, uma vez que no final de 2011 foram reduzidas em 50 pontos base.

Em julho de 2012 voltariam a ser reduzidas (em 25 pontos base), tendo-se fixado a taxa

das operações principais de refinanciamento em 0,75%, a taxa da facilidade permanente

de cedência de liquidez em 1,50% e a taxa da facilidade permanente de depósito em

0,00%. O objetivo do BCE, ao reduzir as taxas de juro diretoras, era o financiamento da

economia real (para além de contribuir para menores taxas de juro nos títulos de dívida

pública), uma vez que os bancos estavam pouco recetivos a conceder empréstimos

(mesmo com grande disponibilidade de liquidez) (BCE, 2012). Alguns bancos,

principalmente bancos dos países periféricos, não tinham acesso, em condições razoáveis,

a financiamento nos mercados interbancários, transmitindo-se esta restrição à concessão

de crédito às sociedades não financeiras e às famílias (quebra nos empréstimos bancários,

como se pode observar na figura 3.8), que também procuravam cada vez menos

financiamento (BCE, 2013). As diferenças no acesso ao crédito entre os países da AE, no

que toca a taxas de juro e outras condições de financiamento, iam-se também alastrando

(figura 3.7).

A economia da AE estava a desacelerar desde meados de 2011 (após uma ligeira

recuperação que ocorreu com o abrandar da crise do subprime) e viria a enfrentar uma

Page 39: A política monetária do BCE desde 2007 e …...BCE ao longo dos últimos 10 anos, focando-se, em particular, na evolução das taxas de juro diretoras. Adicionalmente, discute o

29

nova recessão entre o início de 2012 e meados de 2013 (figura 3.10). A nível individual,

as diferenças entre países eram enormes, como se pode verificar, por exemplo,

comparando a taxa de crescimento da Alemanha coma a taxa de crescimento da Grécia.

Esta redução no ritmo de crescimento económico refletia o abrandamento no crescimento

do consumo e do investimento. O bom desempenho da procura externa evitou resultados

ainda piores durante o período de recessão (figura 3.11).

Figura 3.10: Taxa de crescimento do PIB real na AE (variações homólogas), 1ºT:2007-

1ºT:2018 (%)

Fonte: OCDE (2018b).

Figura 3.11: Taxa de crescimento do PIB nominal e dos seus agregados na AE (variações

homólogas), 1ºT:2007-4ºT:2017 (%)

Fonte: Eurostat (2018d).

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Consumo Investimento Variação de existências

Exportações líquidas PIB nominal

Page 40: A política monetária do BCE desde 2007 e …...BCE ao longo dos últimos 10 anos, focando-se, em particular, na evolução das taxas de juro diretoras. Adicionalmente, discute o

30

3.5. O início da recuperação económica e o combate à deflação na Área

do Euro

A partir do segundo semestre de 2013 começaram a surgir ligeiras melhorias no

que toca ao desempenho económico da AE, sendo que a melhoria da procura interna foi

essencial para o início de recuperação. No entanto a dinâmica dos preços na AE, que

estavam a crescer a um ritmo cada vez mais lento, determinou (ou facilitou) novas

intervenções por parte do BCE. Na transição de 2014 para 2015, a AE viria a entrar em

deflação (figura 3.12). Apesar de as taxas de inflação terem rapidamente recuperado para

valores positivos, fixaram-se, por bastante tempo (até ao final de 2016), longe do nível

definido como objetivo primordial do BCE. Os produtos energéticos foram os principais

impulsionadores desta dinâmica de preços, sendo que o crescimento moderado dos

salários também contribuiu para esta situação (BCE, 2016). A figura 3.12 mostra-nos

também as diferenças entre países relativamente a este indicador. Por exemplo, a Grécia

atravessou um longo e profundo período de deflação entre março de 2013 e dezembro de

2015, enquanto que a Alemanha apenas em janeiro de 2015 apresentou uma taxa de

inflação homóloga negativa.

Figura 3.12: Taxas de inflação homóloga na Área do Euro, 1:2011-3:2018 (%)

Fonte: Eurostat (2018e).

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Área do Euro Alemanha Grécia Espanha Portugal

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As taxas de juro diretoras do euro voltaram a ser reduzidas por diversas vezes

(em novembro de 2013 o BCE fixou pela primeira vez na sua história uma taxa de juro

diretora em valor não positivo, a taxa da facilidade permanente de depósito (0,0%)), sendo

que em março de 2016 as taxas de juro diretoras foram fixadas nos seguintes níveis: taxa

das operações principais de refinanciamento em 0,0%; taxa da facilidade permanente de

depósito em -0,4%; taxa da facilidade permanente de cedência de liquidez em 0,25%.

Para além disso, o BCE foi anunciando que as taxas de juro diretoras se iam manter baixas

por bastante tempo. Esta comunicação visava reduzir a incerteza quanto às taxas de juro

nos mercados financeiros, ancorando desta forma as expectativas dos agentes económicos

(BCE, 2014). Apesar de as alterações nas taxas de juro diretoras do euro serem inerentes

à normal condução de política monetária, a sua fixação em valores tão reduzidos

(próximos de zero ou até negativos) tem de ser vista como uma medida de PMNC. Em

tempos considerados normais o BCE nunca aplicaria tais valores nas taxas de juro

diretoras, pelo que as taxas que atualmente se verificam são resultado das excecionais

condições económico-financeiras que se têm vivenciado na AE.

Em meados de 2014 a economia da AE abrandou ligeiramente (figura 3.10), em

grande parte, devido ao enfraquecimento do investimento, aumento das tensões

geopolíticas (crise diplomática pela posse da Crimeia) e a insuficiente implementação de

reformas estruturais em alguns países da AE. Estas circunstâncias levaram o BCE a

implementar novas medidas de PMNC (para além da redução das taxas de juro diretoras).

O objetivo foi, mais uma vez, melhorar a transmissão da política monetária à economia

real e aumentar a acomodação monetária. O BCE queria aumentar o crédito à economia

real (o financiamento às famílias e às sociedades não-financeiras continuava em queda) e

pretendia baixar ainda mais as taxas de juro bancárias (BCE, 2015). No final de 2014, as

rentabilidades das obrigações de dívida pública de grande parte dos países da AE, que já

se apresentavam relativamente estáveis em valores próximos ou inferiores aos que se

verificavam antes da crise das dívidas públicas, começaram a subir novamente,

principalmente na Grécia (figura 3.9). Este ressurgir de instabilidade nos mercados de

dívida pública da AE também obrigou o BCE a implementar mais medidas de PMNC

(BCE, 2016). O quadro 3.3 sintetiza as medidas que foram implementadas pelo BCE

desde junho de 2014.

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Quadro 3.3: Medidas de PMNC do BCE desde junho de 2014

Medida de PMNC Descrição

Lançamento de

uma série de

LTRO’s

direcionadas

As LTRO´s direcionadas, introduzidas em meados de 2014,

visavam melhorar o crédito bancário ao setor privado não

financeiro da AE, ao assegurar financiamento em condições

bastante atrativas e a longo prazo (até quatro anos) aos bancos

que satisfizessem determinados critérios relacionados com a

concessão de crédito à economia real (BCE, 2015).

Lançamento de

dois programas de

compra de ativos

do setor privado

Os programas de compra de ativos selecionados do setor

privado, lançados em meados de 2014 e que se incluíam no Asset

Purchase Programme (APP), contemplavam um programa de

compra de instrumentos de dívida titularizados (Asset-Backed

Securities Purchase - ABSPP), em que os ativos subjacentes

consistem em créditos sobre o setor privado não financeiro da

AE, e o terceiro programa de compra de covered bonds (Third

Covered Bond Purchase Programme - CBPP3).

Alargamento do

programa APP

através da

implementação do

PSPP

O BCE decidiu, em janeiro de 2015, alargar em grande escala o

APP. Passou, através do programa de compra de títulos de dívida

do setor público (Public Sector Purchase Programme – PSPP) a

adquirir títulos, com classificação investment-grade e

denominados em euros, de administrações centrais e de outros

organismos e instituições estabelecidas na AE (BCE, 2016).

Inclusão, no APP,

de um novo

programa de

compra de ativos

do setor

empresarial (CSPP)

Em março de 2016, em virtude de uma ligeira deterioração das

condições económicas e financeiras, o BCE decidiu alargar

novamente o APP e implementar um programa de compra de

ativos do setor empresarial (Corporate Sector Purchase

Programme – CSPP).

Relativamente às LTRO´s direcionadas, é importante referir que os bancos tinham

acesso a um montante de crédito equivalente a 7% do montante de empréstimos

concedidos ao setor privado não financeiro, excluindo crédito à habitação. A taxa aplicada

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às primeiras LTRO´s direcionadas foi a taxa das operações principais de refinanciamento

mais um spread de 10 pontos base, sendo que esse spread foi, posteriormente,

abandonado. Todas as LTRO´s direcionadas atingem maturidade em setembro de 2018,

sendo que, a título de exemplo, nas duas primeiras operações foram beneficiárias 1223

instituições de crédito, no montante de 212,4 mil milhões de euros (BCE, 2015).

O lançamento do APP, numa primeira fase através do ABSPP e do CBPP3, permitiu

uma intervenção seletiva nos mercados onde a transmissão às condições de financiamento

do setor privado não financeiro é elevada (incentivos para os bancos criarem instrumentos

de dívida titularizados e covered bonds, aumentando assim a oferta de empréstimos),

complementando, dessa forma, as LTRO´s direcionadas (BCE, 2015). O alargamento do

APP, através do PSPP, esteve diretamente relacionado com o ressurgir de instabilidade

nos mercados de dívida pública no final de 2014, a dinâmica da inflação e a falta de

margem para baixar as taxas de juro diretoras (já próximas do seu limite inferior). O valor

mensal de aquisições ao abrigo do programa APP, desde março de 2015 (mês em que foi

lançado o PSPP) até março de 2016, foi de 60 mil milhões de euros, sendo que a partir de

abril de 2016 essas aquisições passaram a ser de 80 mil milhões de euros por mês. Desde

abril de 2017 e até dezembro de 2017, o montante de aquisições mensais foi de 60 mil

milhões de euros, sendo que desde janeiro de 2018 é de 30 mil milhões de euros. O PSPP

foi o maior contribuinte para estes valores, sendo os montantes dos restantes programas

muito menos significativos. Em termos acumulados, desde março de 2015 (até março de

2018), o programa APP já permitiu ao BCE adquirir cerca de 2.369 mil milhões de euros

em ativos, sendo que 1.945 mil milhões são títulos de dívida do setor público (figura

3.13). Estes valores demonstram a dimensão deste programa. Por último, o lançamento

do CSPP visava fortalecer a transmissão dos programas de compra de ativos do BCE às

condições de financiamento da economia real da AE, de forma a acelerar o crescimento

económico e a subida da taxa de inflação (BCE, 2017a).

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Figura 3.13: Aquisições feitas pelo BCE ao abrigo do APP, 3:2015-3:2018 (109€)

Fonte: BCE (2018d).

Prosseguiu, entretanto (com o apoio das medidas de PMNC referidas

anteriormente), a recuperação económica na AE, embora ainda a taxas inferiores às

desejadas, tendo o PIB real anual crescido a valores abaixo de 2% em 2015 e 2016 (figura

3.10). O consumo e o investimento aumentaram o seu ritmo de crescimento, mas o

abrandamento no crescimento das exportações estava a travar o crescimento económico

(figura 3.11). A diminuição das exportações para outros países europeus e para a China

foi a causa principal desta quebra. A política monetária acomodatícia, levada a cabo pelo

BCE, tem permitido que as sociedades não financeiras e as famílias tenham acesso a

condições de financiamento cada vez mais favoráveis, algo que contribui para o

crescimento do consumo e do investimento. Melhorias salariais, a redução do

desemprego, o aumento do consumo público e o impacto de algumas reformas estruturais

também contribuem para este processo. No entanto, a necessidade de mais reformas

estruturais e a contínua desalavancagem dos setores privado e público impedem que o

consumo e o investimento cresçam a um ritmo ainda superior (BCE, 2016).

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ABSPP CBPP3 CSPP PSPP APP

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4. A redução das taxas de juro levada ao limite

Tal como foi referido no capítulo anterior, ao longo dos últimos anos, o BCE

implementou imensas políticas monetárias não convencionais. São exemplo disso as

LTRO´s direcionadas, as aquisições de uma enorme diversidade de títulos ao abrigo do

APP ou a descida das taxas de juro diretoras para níveis anormalmente baixos. Estas

medidas nunca puseram em causa o objetivo da manutenção da estabilidade de preços no

médio prazo (objetivo primordial do BCE), tendo auxiliado os Estados e outros agentes

económicos da AE na suavização dos efeitos e recuperação das graves crises económico-

financeiras que a Europa enfrentou na última década (crise do subprime e crise das dívidas

soberanas).

Neste capítulo será analisada com maior detalhe uma dessas medidas de PMNC, a

descida histórica das taxas de juro diretoras para valores negativos (taxa da facilidade

permanente de depósito) ou próximo disso. Taxas dessa dimensão, fixadas pelo BCE,

foram uma novidade na condução da política monetária na AE. Haviam muito poucos

exemplos de taxas de juro desta ordem, pelo que as suas consequências estavam longe de

ser certas e os economistas dividem-se entre o apoio e a crítica a esta medida (ou medidas,

visto que a redução foi progressiva). O Banco do Japão foi uma referência, uma vez que

fixou, por várias vezes desde os anos 90 do século passado, a taxa de referência em 0%,

num contexto de deflação. Para além do Japão, também na Europa haviam alguns

exemplos (de taxas diretoras negativas inclusive), nomeadamente na Suíça no início dos

anos 70 (banco central estabeleceu taxas de juro negativas para combater uma apreciação

monetária) e na Suécia em 2009 e 2010 (foram implementadas taxas de juro negativas

para limitar a entrada de capitais no país). Neste capítulo serão analisados, com maior

detalhe, os fatores que levaram o BCE a ir reduzindo progressivamente as taxas de juro

diretoras, as críticas a tal decisão e quais as consequências desta nova realidade.

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4.1. Fatores impulsionadores e consequências positivas

4.1.1. Garantir a estabilidade de preços

A manutenção da estabilidade de preços no médio prazo foi sempre apontada pelo

BCE como a principal justificação para implementar medidas de PMNC, como é o caso

da redução das taxas de juro diretoras para níveis anormalmente baixos. No entanto, as

reduções das taxas de juro diretoras, assim como outras medidas de PMNC, tiveram e

têm um impacto muito para além da estabilidade de preços. Será que a estabilidade de

preços foi sempre o objetivo final do BCE ou foi, por diversas vezes, apenas um

“pretexto” (a dinâmica dos preços permitiu que o BCE implementasse políticas

monetárias expansionistas) para auxiliar a suavizar as crises que a AE teve de ultrapassar

ao longo dos últimos anos? A verdade é que existe uma forte relação entre a inflação e os

ciclos económicos, sendo a relação entre a inflação e o desemprego um dos temas mais

debatidos pelos economistas ao longo das últimas décadas. De facto, apesar de grande

parte dos economistas concordar com a Teoria da Neutralidade da Moeda, que nos

transmite a ideia de que no longo prazo a oferta de moeda não consegue afetar as variáveis

económicas reais (apenas o crescimento dos preços), é também bastante consensual que

no curto prazo a política monetária pode alterar variáveis económicas como o crescimento

do PIB ou o desemprego, por exemplo.

A inflação está quase sempre em linha com o ciclo económico (apesar de existirem

lags temporais). Se repararmos na evolução da inflação, na AE ao longo da última década

(figuras 3.5 e 3.12), percebemos que houve dois períodos em que a mesma desacelerou

(em alguns meses estivemos perante deflação), períodos que coincidem com os piores

momentos das crises do subprime e das dívidas soberanas. Quando estamos perante uma

recessão económica, que pode eclodir por problemas nos mercados financeiros (como no

caso destas crises) o consumo é quase sempre uma das variáveis económicas afetadas (em

grande parte, devido à deterioração das condições de financiamento da economia real)

levando à diminuição da taxa de inflação, da produção e, consequentemente, do emprego.

Posteriormente, aumentando o desemprego, o consumo vai cair ainda mais (multiplicador

keynesiano), levando a nova diminuição da taxa de inflação. Desta forma, apesar de a

inflação ser afetada por muitos outros fatores, percebe-se que num período de recessão

económica haja grande probabilidade de existir uma pressão desinflacionista (em alguns

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casos deflação), pelo que uma política monetária que vise aumentar o ritmo de

crescimento dos preços, vai também incentivar a atividade económica (Labonte, 2011).

No caso da AE, excluindo um pequeno período temporal entre a crise do subprime

e a crise das dívidas soberanas, a taxa de inflação esteve quase sempre em valores abaixo

do objetivo do BCE. O primeiro período iniciou-se no verão de 2008 e culminou com a

entrada em deflação em junho de 2009, realidade que se viveu até novembro desse ano.

A taxa de inflação homóloga chegou a atingir o valor de -0,7%, em julho de 2009. O

segundo período de pressões deflacionistas iniciou-se no segundo semestre de 2012,

dando seguimento ao intensificar da crise das dívidas soberanas, e culminou com a

entrada em deflação em dezembro de 2014. Este segundo período foi mais longo, sendo

a descida da taxa de inflação homóloga progressiva ao longo de cerca de dois anos. Entre

o final de 2014 e início de 2017, a AE esteve sempre em deflação ou inflação muito

reduzida, tendo-se atingido uma taxa de inflação homóloga de -0,6% em janeiro de 2015

(figuras 3.5 e 3.12).

De forma a combater as pressões deflacionistas, o BCE tomou medidas de acordo

com o que é usual nestes casos, ou seja, começou a reduzir as taxas de juro diretoras

(figura 3.6). Como já foi referido, o BCE desceu as taxas de juro diretoras até valores

negativos ou próximo disso. Apesar dessa descida das taxas de juro diretoras, é importante

referir que houve outras medidas de política monetária que se revelaram fundamentais

neste processo, como é o caso do APP (Conti et al., 2017). Apesar de todos os esforços,

a taxa de inflação manteve-se baixa por um longo período de tempo, sendo que o facto

de, em alguns países, os mecanismos de transmissão de política monetária terem sido

bastante afetados e apresentarem-se disfuncionais (ver 3.1.6) contribuiu para a

dificuldade em fazer subir os preços (Ciccareli et al., 2013). No entanto, a AE não caiu

em deflação autossustentável e o nível das taxas de juro diretoras desempenhou um papel

fulcral nesse desenrolar (Praet, 2017).

Evitar a deflação foi de facto, durante bastante tempo, um dos principais objetivos

do BCE (compatível com outros possíveis objetivos que serão referidos posteriormente),

pelo que importa perceber quais os motivos que levam a que seja tão temida, ao ponto de

os bancos centrais fazerem de tudo para a evitar. A deflação incentiva os bancos centrais

a reduzirem as taxas de juro diretoras, com o intuito de assim contribuírem para a saída

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dessa situação. No entanto, se a deflação for profunda e os bancos centrais forem

obrigados a baixar muito as taxas de juro diretoras, corre-se o risco de atingir uma

situação de zero lower bound (taxas de juro próximas de zero). Nessa situação as taxas

de juro diretoras têm um impacto reduzido no crescimento dos preços. Isto acontece

porque as expectativas de deflação corroem os efeitos dessa descida da taxa de juro

nominal, aumentando a taxa de juro real, que por sua vez, vai aumentar ainda mais as

expectativas de deflação (desincentiva o consumo no presente, pelo facto de haver a

expectativa de que no futuro os preços serão mais baixos). É um ciclo vicioso, uma vez

que os bancos centrais perdem grande parte da capacidade de afetarem as expectativas de

inflação/deflação. Por outro lado, as empresas enfrentam graves problemas devido à

rigidez dos salários nominais. Num ambiente de deflação, os salários reais crescem

devido ao facto de os preços caírem, o mesmo não acontecendo com os salários nominais.

Desta forma, as empresas vêm os seus lucros baixarem, podendo mesmo por em causa a

sua sustentabilidade. A deflação cria também problemas a quem pede crédito sem

cobertura ou proteção do risco de deflação. Se a taxa de juro nominal for fixa e a deflação

for superior à esperada, a taxa de juro real de um empréstimo será superior à esperada. A

deflação contribui para uma redistribuição da riqueza, do devedor para o credor, algo que

também prejudica os Estados, podendo pôr em causa a sustentabilidade das dívidas

públicas (Baig, 2003).

4.1.2. Incrementar o crescimento económico

O crescimento económico a curto prazo foi, sem dúvida, um dos fatores

impulsionadores da política monetária acomodatícia do BCE, onde se pode incluir a

descida das taxas de juro diretoras (Coeuré, 2016). Um dos objetivos dos decisores de

política é a estabilização económica, reduzir a amplitude dos ciclos económicos, fazer

com que as economias cresçam o mais próximo possível do PIB potencial/natural. Nesse

sentido, o BCE terá tido em consideração que a AE estava a crescer abaixo do seu PIB

potencial aquando das suas decisões de política monetária. Uma redução nas taxas de juro

diretoras transmite, entre outros aspetos, um estímulo à economia real para consumir e

investir mais, promovendo o crescimento económico.

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A AE enfrentou dois períodos de recessão ao longo da última década, tendo o PIB

real per capita anual recuado 0,1% em 2008, 4,8% em 2009, 1,1% em 2012 e 0,5% em

2013. Desde 2014 que o PIB real per capita da AE tem crescido, fixando-se esse

crescimento em 2,5% no ano de 2017. A nível individual, existiram grandes diferenças

no ritmo de crescimento económico, sendo de destacar, pela positiva, a Alemanha (apenas

enfrentou recessão em 2009) e a Espanha desde 2012 (passou de uma taxa de crescimento

real do PIB per capita de -3% em 2012 para 3,1% em 2017). Ao invés, a Grécia (atingiu

uma impressionante quebra anual no PIB real per capita de 9% em 2011 e tem-se mantido

quase sempre em recessão ou com um fraco crescimento) e a Itália (crescimento sempre

inferior à média da AE) têm-se destacado pela negativa, ao longo da última década.

Portugal apresentou uma taxa de crescimento razoável e, excluindo o período entre 2011

e 2013, obteve uma taxa de crescimento anual quase sempre em linha com a média da AE

(figura 3.10).

Em termos de desemprego, houve um progressivo incremento na AE desde 2007

até 2013. Em 2007 a taxa de desemprego anual média na AE era de 7,4%, enquanto que

em 2013 já era de 11,9%. Posteriormente, houve um recuo progressivo dessa taxa para

9,1% em 2017, prevendo-se que continue a baixar nos próximos anos. Em termos

individuais, destacaram-se pela negativa a Grécia (taxa de desemprego anual de 27,5%

em 2013) e a Espanha (taxa de desemprego anual de 26,1% em 2013), embora também

tenham apresentado melhorias neste indicador ao longo dos últimos anos. Pela positiva

destaca-se, claramente, a Alemanha, que apresentou em 2017 uma taxa de desemprego

inferior a metade da taxa que se verificava antes das crises do subprime e das dívidas

soberanas, de apenas 3,8% (figura 4.1). Como se percebe, as diferenças entre os vários

países da AE também foram e são evidentes neste indicador.

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Figura 4.1: Desemprego na AE, 2006-2019 (%)

Nota: Dados para 2018 e 2019 são previsionais.

Fonte: BCE (2018c) e Eurostat (2018).

Obviamente que o comportamento do crescimento económico e do desemprego

na AE não foi positivo, no entanto estivemos perante um período económico excecional.

Estes resultados podiam ser bem piores caso o BCE não tivesse intervido, nomeadamente

através da redução e manutenção das taxas de juro diretoras em valores próximos de zero

(Van Riet, 2017).

4.1.3. Garantir a estabilidade no setor bancário e nos restantes mercados financeiros

A instabilidade vivida nos mercados financeiros foi outro fator impulsionador

desta dinâmica das taxas de juro diretoras, principalmente depois da falência do Lehman

Brothers e no pico da crise das dívidas soberanas (Fratzscher et al., 2016). Alguns dos

mercados mais afetados durante este período foram os mercados monetários e os

mercados de dívida pública7, embora o stress se tenha alastrado a praticamente todos os

mercados financeiros.

Na figura 4.2 é apresentado o comportamento do Indicador Compósito de Stress

Sistémico (ICSS). Este indicador agrega o stress financeiro em relação aos cinco

7 A instabilidade nos mercados de dívida soberana será analisada posteriormente com maior detalhe na

subsecção 4.1.6.

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Espanha França Itália Portugal

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subíndices considerados mais relevantes: mercado monetário, mercado obrigacionista,

mercado acionista, mercado interbancário e mercado cambial. Em cada segmento são

abrangidos três indicadores que captam diferentes componentes de stress. O objetivo do

ICSS é ilustrar de uma forma simplificada o nível de stress agregado nos mercados

financeiros da AE (Braga et al., 2014). Os picos das tensões verificadas nos mercados

financeiros da AE ocorreram no final de 2008 e entre o final de 2011 e meados de 2012.

Individualmente, o período da crise das dívidas soberanas foi aquele que se traduziu em

indicadores de stress mais diferenciados entre os países da AE, sendo que se destacou

pela negativa a Grécia e pela positiva a Alemanha (enormes diferenças). A partir de

meados de 2012, a tensão nos mercados financeiros reduziu drasticamente, sendo que no

decorrer de 2013 os indicadores de tensão já estavam próximo dos valores habituais. É

de referir que foi em julho de 2012 que o BCE reiniciou o processo de redução das taxas

de juro diretoras, sendo que a redução das tensões nos mercados financeiros foi um dos

principais objetivos dessa redução (BCE, 2013). É verdade que outros fatores terão

contribuído para tal evolução deste indicador, mas é factual que as tensões nos mercados

financeiros começaram a diluir-se aquando da redução das taxas de juro diretoras. Desde

final de 2013 até ao presente, a estabilidade tem imperado nos mercados financeiros da

AE, apesar de em alguns países a instabilidade ter persistido por muito mais tempo

(principalmente na Grécia).

Figura 4.2: Indicador Compósito de Stress Sistémico (ICSS) na AE, 10:2007-1:2018

Nota: Este indicador tem uma escala que vai de 0 a 1.

Fonte: Eurostat (2018b).

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Alemanha Espanha França Grécia Itália Portugal Área do Euro

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42

Houve períodos em que o mercado interbancário esteve praticamente paralisado,

tornando a tarefa de obtenção de liquidez muito complicada para alguns bancos

(principalmente para os bancos dos países periféricos) (Falagiarda e Reitz, 2015). De

facto, assistiu-se a períodos de enorme desconfiança entre instituições bancárias; estas

evitavam emprestar entre si pelo facto de temerem incumprimentos. Para além de

problemas de liquidez, muitos bancos na AE acumularam enormes prejuízos resultantes

das crises económico-financeiras, ficando com problemas de capital e obrigando à

intervenção dos governos nacionais, nacionalizando ou capitalizando esses bancos

(assistimos a alguns desses casos em Portugal). Em sentido inverso, o risco soberano de

alguns países também contribuiu, em alguns casos (durante a crise das dívidas soberanas),

para o incrementar dos riscos no setor bancário (há uma forte correlação entre o risco

soberano e o risco bancário) (Reichlin, 2014). Muitos bancos possuíam títulos de dívida

soberana de países como a Grécia ou Portugal, logo o aumento do risco destes ativos

contribuiu também para o aumento dos riscos dessas instituições bancárias. A cedência

de liquidez a taxas de juro muito baixas, por parte do BCE, foi uma forma de fornecer a

liquidez necessária, a custos reduzidos, para o bom funcionamento dos bancos e

contribuir para a redução das incertezas no mercado interbancário e noutros mercados

financeiros (BCE, 2016b; Garcia-de-Andoain et al., 2016).

Os bancos assumem um papel muito importante na condução de política

monetária por parte de qualquer Banco Central. São os principais financiadores das

famílias e sociedades não financeiras, sendo que alguns dos mais importantes

mecanismos de transmissão da política monetária dependem da sua atuação (Von Borstel

et al., 2016). De forma simplificada, as taxas de juro diretoras têm influência nas taxas

praticadas pelos bancos pelo facto de balizarem a evolução da EONIA e da Euribor (Euro

Interbank Offered Rate), taxas a que os bancos se financiam nos mercados interbancários.

As taxas de juro diretoras, principalmente em períodos de stress nos mercados

interbancários, são ainda mais importantes na evolução das taxas de juro bancárias, uma

vez que os bancos se financiam em maiores quantidades junto do BCE (em detrimento

do financiamento nos mercados interbancários) (BCE, 2017b).

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43

4.1.4. Redução do crédito malparado

O risco de incumprimento e o nível de crédito malparado incrementaram em

grande escala na AE, na sequência da crise do subprime, e mantiveram-se em trajetória

ascendente até 2012 (em alguns países manteve-se em trajetória ascendente durante mais

tempo), tendo sido impulsionados pela crise das dívidas soberanas nalguns países. A

partir de 2012, e em média na AE, tem-se assistido a uma constante redução do crédito

malparado, tal como podemos observar na figura 3.3. É verdade que as medidas

implementadas pelo BCE, principalmente a descida das taxas de juro diretoras, não

impediram que, em média, a percentagem de crédito malparado no total dos empréstimos

bancários tenha mais que duplicado entre 2008 e 2012; no entanto é importante refletir

sobre o que teria acontecido caso as taxas de juro diretoras não tivessem sido reduzidas.

As taxas diretoras são transmitidas pelos bancos às famílias e sociedades não

financeiras (muitos dos empréstimos pagam juros consoante a evolução da Euribor), pelo

que esses agentes económicos passaram a ter menos encargos com dívidas bancárias e,

consequentemente, reduziu-se o risco de incumprimento. É evidente que as taxas de juro

mais baixas aliviaram o serviço da dívida de imensas famílias e sociedades não

financeiras, tornando mais sustentáveis os seus compromissos perante os bancos. Por essa

via, e também pelo impacto das baixas taxas de juro no dinamismo económico, é factual

que as taxas de juro em níveis muito baixos impediram que o risco de incumprimento e o

crédito malparado fossem ainda superiores (Coeuré, 2016).

Apesar da evolução média positiva a que se tem assistido nos últimos anos na AE,

é importante referir que as diferenças entre os países são enormes. Em 2016, a

percentagem de crédito malparado na Grécia era de cerca de 36% e de cerca de 12% em

Portugal, valores muito acima da média da AE (cerca de 4%) e de outros países (a

Alemanha apresentou em 2016 uma taxa de crédito malparado abaixo de 2%).

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44

Figura 4.3: Crédito malparado, em função do montante total de empréstimos bancários,

2008-2016 (%)

Fonte: Banco Mundial (2018).

4.1.5. Redução das taxas de juro bancárias e aumento do crédito à economia real

O aumento do crédito a famílias e sociedades não financeiras foi um dos principais

objetivos do BCE com a redução das taxas de juro diretoras para valores historicamente

baixos, tendo, obviamente, um impacto positivo na concessão de crédito à economia real.

Esse impacto não se deveu apenas ao facto de os bancos obterem liquidez em muito

melhores condições junto do BCE (transmissão, em certo grau, dessas condições aos

empréstimos a famílias e empresas), mas também devido a efeitos indiretos das medidas

implementadas pelo BCE na atividade bancária, como é o caso da redução do crédito

malparado ou do aumento, ao longo dos últimos anos, da procura de crédito por parte das

sociedades não financeiras (BCE, 2017c). Na AE, os bancos, ao contrário de outros países

como os EUA, são os principais financiadores das sociedades não financeiras. Dessa

forma se percebe o foco nas instituições bancárias das medidas implementadas pelo BCE

(BCE, 2016c). Apesar da transmissão da política monetária se ter apresentado ineficiente

e heterogénea (entre os vários países da AE) em alguns momentos, algo que também foi

sendo progressivamente resolvido pela ação de diversas medidas tomadas pelo BCE (ver

subsecção 4.1.6), houve uma significativa melhoria das condições de financiamento para

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2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Alemanha Área do Euro Espanha França

Grécia Itália Portugal

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famílias e sociedades não financeiras e o um consequente aumento no volume de

empréstimos, ao longo dos últimos anos.

Vários são os fatores que determinam o valor da taxa de juro aplicável a uma

empresa ou a um particular na concessão de um empréstimo bancário, nomeadamente um

prémio do risco de crédito, a compensação dos custos de capital da entidade bancária,

uma margem de intermediação e, como é óbvio, a taxa a que os bancos obtêm liquidez

(BCE, 2017b). As taxas de juro praticadas nos mercados interbancários servem de base

inicial para a determinação das taxas ativas bancárias, sendo adicionadas várias outras

margens. Os bancos dos países periféricos da AE sofreram bastante com esta

particularidade. Num período de crise económico-financeira, como vivenciamos ao longo

dos últimos anos na AE, algumas destas margens incrementam (por exemplo, o risco de

crédito é superior num período de crise), pelo que, mesmo que as taxas a que os bancos

se financiam se mantenham inalteradas, há um aumento das taxas praticadas para

concessão de crédito à economia real. Nesse sentido, uma redução de determinado grau

nas taxas de juro diretoras não implica uma redução semelhante nas taxas de juro

praticadas pelos bancos (BCE, 2017b).

No caso da AE, tendo como referência as taxas ativas bancárias aplicadas a sociedades

não financeiras e famílias, verificamos pelas figuras 3.7 e 4.4 que os valores mais

elevados foram atingidos no final de 2008 (valores próximos de 6% no custo de

financiamento médio para sociedades não financeiras e próximos de 5% para crédito à

habitação), tendo decrescido rapidamente até 2010 (foi alcançado um valor próximo dos

3% para empréstimos a sociedades não financeiras e um valor próximo de 4% para crédito

à habitação) por ação da redução dos custos de financiamento dos bancos nos mercados

interbancários, como consequência das medidas de política monetária implementadas

pelo BCE (Szczerbowicz, 2015). Em média, os bancos financiavam-se nos mercados

interbancários a taxas8 de aproximadamente 5,5% em finais de 2008, ao passo que em

2010 já se financiavam a taxas próximas de 1% (BCE, 2017b).

Durante o final de 2010 e até aos últimos meses de 2011 a taxa média de

financiamento da economia real da AE voltou a subir, em resultado da subida dos custos

de financiamento dos bancos para valores próximos de 2% (BCE, 2017b). Houve um

8 Taxas nos mercados interbancários refletem as taxas swap overnight a dois anos.

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46

incremento no custo de financiamento das sociedades não financeiras (para quase 4%),

embora o custo para empréstimos à habitação se tenha mantido relativamente estável.

Esta evolução refletiu, em primeiro lugar, uma ligeira subida da taxa das operações

principais de refinanciamento, e posteriormente também um novo período de forte

turbulência nos mercados, em grande parte relacionada com o eclodir da crise das dívidas

soberanas na AE (BCE, 2017b). Os investidores duvidavam cada vez mais da

sustentabilidade das dívidas públicas de alguns países, nomeadamente da Grécia,

Portugal, Irlanda, Espanha e Itália. Em resposta, o BCE foi progressivamente

implementando novas medidas de política monetária e reduziu ainda mais as taxas de juro

diretoras. Durante o ano de 2012, as taxas a que os bancos se financiavam nos mercados

interbancários já estavam muito próximas de zero, tendo passado para valores negativos

em 2015 (BCE, 2017b). As taxas aplicadas à concessão de empréstimos a sociedades não

financeiras e famílias baixaram a um ritmo inferior, mas no final de 2017 já se fixavam,

em média, em valores próximos de 1,7% e próximos de 2,5%, respetivamente.

Figura 4.4: Taxas de juro médias em novos contratos de crédito à habitação, 1:2007-

3:2018 (%)

Fonte: BCE (2018).

As taxas às quais os bancos concederam crédito à economia real variam de país

para país, dentro da AE. No entanto, foi a partir do eclodir da crise das dívidas soberanas

que a dispersão aumentou para valores históricos desde a criação da UEM, sendo que se

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Alemanha Espanha França Portugal Área do Euro

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47

verificou o período mais crítico entre 2010 e 2014. A título de exemplo, em grande parte

deste período crítico, a diferença entre as taxas de juro ativas para sociedades não

financeiras da França e Grécia chegou a atingir valores próximos de 3%. A partir de 2014,

esta heterogeneidade começou a diminuir progressivamente, essencialmente em resultado

do pacote de medidas que o BCE implementou em 2014, sendo que atualmente ainda se

verifica uma dispersão superior à do período anterior a 2007. Essas medidas foram

essenciais, entre outros, para reduzir o “risco país” na obtenção de liquidez por parte dos

bancos nos mercados. Um banco que atue ou tenha fortes interesses num país com elevado

risco terá um spread relativo ao “risco país” mais elevado (Szczerbowicz, 2015). As

diferenças remanescentes entre os diversos países da AE refletem diferenças ao nível do

risco de crédito, ao nível da solidez dos balanços e rentabilidade dos bancos, entre outros.

São sobretudo problemas estruturais que estão na base destes diferenciais (BCE, 2016b).

No que toca ao volume de crédito concedido durante a última década à economia

real da AE, verifica-se que só nos últimos meses houve uma recuperação para valores

semelhantes aos existentes antes da crise do subprime (figura 3.8). Durante a última

década, muitos foram os períodos onde se registaram taxas de crescimento homólogas

negativas, nomeadamente entre finais de 2008 e início de 2009 e entre meados de 2012 e

meados de 2014. No início de 2014, a taxa de variação homóloga do crédito ao setor

privado era inferior a -2% (BCE, 2017c). Ainda assim, é de realçar o crescimento

constante do crédito ao setor privado desde a segunda metade de 2014 e o facto de a

evolução deste indicador poder ter sido muito pior caso o BCE não tivesse intervido da

forma e na escala em que o fez.

4.1.6. Garantir a eficácia dos mecanismos de transmissão da política monetária

A forma como os bancos transmitiram a dinâmica das taxas de juro diretoras à

economia real não foi propriamente eficiente durante a última década (basta observar

como as taxas de juro na concessão de crédito à economia real desceram a um ritmo bem

mais baixo do que as taxas de juro diretoras (figuras 3.6 e 3.7)). O mecanismo de

transmissão da política monetária foi bastante afetado pela volatilidade que se viveu nos

mercados financeiros. A atuação do BCE, reduzindo as taxas de juro diretoras e

implementando outro tipo de medidas não convencionais, pode também ser vista como

Page 58: A política monetária do BCE desde 2007 e …...BCE ao longo dos últimos 10 anos, focando-se, em particular, na evolução das taxas de juro diretoras. Adicionalmente, discute o

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uma tentativa de melhorar a transmissão da política monetária, algo que foi claramente

assumido pelos decisores de política monetária. Por outro lado, a transmissão da política

monetária foi bastante heterogénea entre os diversos países da AE, principalmente a partir

do eclodir da crise das dívidas soberanas. A heterogeneidade entre os países reflete vários

aspetos, nomeadamente a diversidade do “risco país”, a necessidade ou não de

reestruturação dos balanços dos bancos, diferenças regulatórias nos sistemas bancários

(antes de a supervisão e a regulação terem sido homogeneizadas na AE), diferentes níveis

de desenvolvimento dos mercados financeiros, a performance económica, a concorrência

bancária existente, entre outros (Leroy e Lucotte, 2016; Sander e Kleimeier, 2004; Van

Leuvensteijn et al., 2011).

A redução das taxas de juro diretoras permitiu a melhoria da eficácia nos

mecanismos de transmissão da política monetária através do reforço da eficácia das mais

diversas medidas de PMNC. Grande parte dessas medidas, como é caso das condições

excecionais nas operações de mercado aberto, inundavam os bancos com reservas; no

entanto existia a possibilidade desses bancos, de seguida, as depositarem ao abrigo da

facilidade permanente de depósito. Esta situação foi uma realidade na AE, uma vez que

muitos bancos recorreram em larga escala a essas operações de refinanciamento, mais por

uma questão de prudência contra eventual turbulência nos mercados financeiros, não

tendo intenção de aumentar o crédito à economia real (período de grande incerteza

económica). Reduzindo as taxas de juro diretoras, nomeadamente a taxa da facilidade

permanente de depósito para valores negativos, houve um reforço da eficácia na

transmissão desse excesso de liquidez à economia real (Sibert, 2014).

4.1.7. Alívio orçamental dos Estados da Área do Euro

Os governos dos Estados membros da AE também saíram beneficiados com a

contínua descida das taxas de juro diretoras. A crise do subprime veio aumentar ainda

mais os desequilíbrios nas contas públicas que já se verificavam desde o início do século

em vários países (principalmente Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália). As políticas

orçamentais expansionistas que foram implementadas em conjunto com a ação dos

estabilizadores automáticos (diminuição das receitas fiscais e aumentos dos encargos com

a segurança social) e o apoio ao fragilizado setor bancário, incrementaram ainda mais os

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défices orçamentais e o crescimento acelerado das dívidas públicas. Foi nessa sequência

que surgiu a crise das dívidas soberanas, período marcado pelo crescimento insustentável,

em alguns casos, das taxas de juro a pagar pelo financiamento dos Estados. A incerteza

dos investidores e empresas de rating quanto à capacidade de os governos satisfazerem

os seus compromissos futuros com os encargos de dívida refletiu-se num crescimento

sem precedentes dos prémios de risco (Falagiarda e Reitz, 2015). A ação do BCE,

reduzindo as taxas de juro diretoras e implementando outras medidas não convencionais,

não pode ser dissociada desta realidade, uma vez que um dos seus objetivos passava pela

estabilização dos mercados de dívida pública. A redução dos diferenciais de rentabilidade

dos títulos de dívida pública, entre os países membros da AE, foi também uma das

preocupações dos decisores de política monetária, apesar desses diferenciais dependerem

também de fatores estruturais. Para além das questões orçamentais, diferenças ao nível

do crescimento económico, desequilíbrios nas balanças comerciais, diferentes níveis de

formação bruta de capital fixo, diferenças nos spreads aplicados às empresas de cada país,

entre outros, afetam de forma substancial os spreads nos títulos de dívida pública de cada

país (Maltritz, 2012).

Os spreads associados às obrigações de dívida pública da maioria dos países da

AE mantiveram-se estáveis até ao início de 2010, apesar dos diferenciais entre os países

terem começado a crescer desde o segundo semestre de 2008. Em dezembro de 2009, as

obrigações de dívida pública a dez anos da Grécia tinham uma taxa de aproximadamente

5,5%, enquanto que as obrigações alemãs equivalentes tinham uma taxa de cerca de 3,3%,

ou seja, uma diferença não muito elevada. Em fevereiro de 2012, as mesmas obrigações

gregas já eram transacionadas (no mercado secundário) a taxas de quase 30% enquanto

que as obrigações alemãs equivalentes eram transacionadas a menos de 2%. No mesmo

período, as obrigações soberanas portuguesas a dez anos eram transacionadas a quase

14% (figura 3.9).

Como vimos anteriormente, várias foram as medidas tomadas pelo BCE para

conter a crise das dívidas soberanas, desde a compra de dívida pública em mercado

secundário, a insistência do BCE numa comunicação clara de que tudo seria feito para

salvar o euro, a redução e manutenção das taxas de juro diretoras em valores

historicamente baixos, entre outros. De facto, a redução das taxas de juro diretoras para

valores próximos de zero, e a garantia de que tais taxas se mantêm por um longo período

Page 60: A política monetária do BCE desde 2007 e …...BCE ao longo dos últimos 10 anos, focando-se, em particular, na evolução das taxas de juro diretoras. Adicionalmente, discute o

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de tempo, contribui para a redução das taxas de juro praticadas em praticamente todos os

mercados financeiros, à qual não é exceção o mercado de títulos de dívida pública

(Swanson e Williams, 2014). Por outro lado, o facto da redução das taxas de juro diretoras

contribuir para um maior dinamismo económico também traz efeitos positivos para as

contas públicas, nomeadamente através da ação dos estabilizadores automáticos (Kokert

et al., 2014).

A equação abaixo apresentada ilustra a dinâmica da dívida pública, ou seja,

apresenta-nos os fatores que contribuem para o crescimento do rácio de dívida pública

(∆(B/Y)). Para além do saldo orçamental primário (G (despesa pública primária) – T

(receitas públicas)), é importante a relação entre a taxa de juro associada à dívida

acumulada (i) e a taxa de crescimento do PIB (g). Caso a taxa de crescimento económico

seja superior à taxa de juro, pode haver uma diminuição do rácio de dívida pública mesmo

com um défice orçamental primário. Indiretamente a taxa de inflação também tem efeitos

sobre a dinâmica de crescimento da dívida pública, uma vez que i e g são taxas nominais.

∆ (𝐵

𝑌) =

(𝐺 − 𝑇)

𝑌+ (𝑖 − 𝑔) (

𝐵

𝑌)

Em dezembro de 2017, a Grécia tinha uma taxa de juro associada às suas

obrigações de dívida pública a dez anos próxima de 4,1%, enquanto que no caso alemão,

essa taxa era de cerca de 0,4%. A mais curto prazo, as obrigações gregas a dois anos

pagavam uma taxa de juro de cerca de 1,4% em dezembro de 2017, enquanto que as

obrigações alemãs para o mesmo prazo apresentavam taxas de juro de aproximadamente

-0,6% (quadro 4.1). Como ilustra a figura 3.9, a evolução foi bastante positiva ao longo

dos últimos anos. No entanto, os diferenciais entre os vários países continuam bastante

mais elevados face aos diferenciais observados no período pré-crise das dívidas

soberanas. Estas circunstâncias devem ser aproveitadas pelos governos nacionais, não

para manter o nível de endividamento que levou à crise das dívidas soberanas, mas sim

para implementar reformas estruturais que permitam aos Estados manterem as suas

obrigações em termos de segurança social ou sistema de saúde e, ao mesmo tempo,

reduzir os défices orçamentais e as dívidas públicas (Van Riet, 2017).

Page 61: A política monetária do BCE desde 2007 e …...BCE ao longo dos últimos 10 anos, focando-se, em particular, na evolução das taxas de juro diretoras. Adicionalmente, discute o

51

Quadro 4.1: Taxas de juro médias mensais das obrigações de dívida pública a dois anos,

1:2007-12:2017 (%)

País Taxa mais elevada Taxa mais baixa Média do período

Grécia 349,152 1,353 40,617

Alemanha 4,609 -0,898 0,821

Portugal 20,018 -0,419 3,629

Fonte: Investing (2017).

A evolução dos défices orçamentais da maioria dos países da AE foi positiva, algo

que se pode comprovar pela redução progressiva do défice orçamental médio na AE de

6,3% do PIB em 2009 para 0,9% do PIB em 2017. A título de exemplo, a Grécia passou

de um défice orçamental de 15,1% do PIB em 2009 para um excedente orçamental de

0,8% do PIB em 2017. No entanto, ainda existem países que apresentam défices

orçamentais preocupantes e que, inclusivamente, se encontram sob o Procedimento por

Défices Excessivos, aplicado a Estados que não estejam a cumprir o Pacto de Estabilidade

e Crescimento (PEC), nomeadamente infringindo o limite máximo de 3% do PIB para

défices orçamentais. Em 2017 era o caso da Espanha (3,1% do PIB), mas muitos outros

países apresentaram défices elevados ao longo dos últimos anos (figura 4.5). Em relação

à evolução da dívida pública, os valores previsionais para 2017 são bem mais

preocupantes, mantendo-se a média da dívida dos países da AE (88,8% do PIB) em

valores bastante superiores aos que existiam antes das crises do subprime e das dívidas

públicas (65,1% do PIB em 2007), apesar de a partir de 2014 essa média ter começado a

diminuir ligeiramente. A nível individual os valores são bastante distintos entre os países,

apesar de a tendência ter sido de subida generalizada do endividamento. Ainda assim, em

2017 destacava-se, pela positiva, a Alemanha (64,1% do PIB), enquanto que pela negativa

se destacavam a Grécia (178,6% do PIB), Itália (131,8% do PIB) e Portugal (125,7% do

PIB) (figura 4.6).

Page 62: A política monetária do BCE desde 2007 e …...BCE ao longo dos últimos 10 anos, focando-se, em particular, na evolução das taxas de juro diretoras. Adicionalmente, discute o

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Figura 4.5: Saldos orçamentais na AE, 2007-2019 (% do PIB)

Nota: O saldo orçamental português para 2017 reflete a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e os dados para

2018 e 2019 são previsionais.

Fonte: BCE (2018c) e Eurostat (2017b).

Figura 4.6: Dívidas públicas na AE, 2007-2019 (% do PIB)

Nota: Dados para 2018 e 2019 são previsionais.

Fonte: BCE (2018c) e Eurostat (2017c).

4.1.8. Incrementar o investimento privado

A escassez de financiamento funciona como um entrave ao investimento. Assim

sendo, a redução a que se assistiu ao longo dos últimos anos nas taxas de juro ativas

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Área do Euro Alemanha Grécia Espanha França Itália Portugal

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53

praticadas pelos bancos favoreceu o investimento na AE. De forma mais indireta, a

melhoria das condições económicas na AE, como por exemplo a recuperação do consumo

privado, permitiu também uma melhoria no desempenho do investimento privado.

Tal como se pode verificar na figura 4.7, em 2007 a taxa média de crescimento

anual da formação bruta de capital fixo, por parte das sociedades não financeiras na AE,

era de 4,8%, tendo passado para valores negativos no ano seguinte, panorama que, com a

exceção de 2011, se manteve até 2013. O pior ano foi 2009, período em que o

investimento recuou 11,2% em relação ao ano anterior. A partir de 2014 o investimento

das sociedades não financeiras tem vindo a recuperar a um ritmo cada vez mais elevado,

embora se tenha verificado uma ligeira redução da taxa de crescimento em 2017 (2,9%).

No entanto, o montante total investido anualmente em formação bruta de capital fixo na

AE está ainda bastante abaixo dos investimentos nos anos anteriores à crise do subprime.

A nível individual, há uma grande heterogeneidade entre os países, sendo que alguns

tiveram desempenhos impressionantes pela positiva (na Alemanha as sociedades não

financeiras mantiveram quase sempre taxas de crescimento positivas) e outros pela

negativa (Portugal pode ser incluído neste lote, tendo as suas sociedades não financeiras

baixado progressivamente o investimento desde 2009 até 2013, sendo de destacar a

quebra de 16,6% em 2012 face ao ano anterior). Apesar de ter existido uma importante

quebra no investimento e dos valores variarem de país para país (devido a diferenças na

facilidade de acesso ao crédito, condições macroeconómicas diferentes, entre outros),

percebe-se que as taxas de juro diretoras em níveis reduzidos favoreceram o investimento

privado na AE. Sem essa intervenção o investimento privado teria sofrido uma quebra

ainda superior. No entanto, não é só o custo do financiamento que determina o nível de

investimento privado, uma vez que o nível de endividamento das empresas, a incerteza

política, económica e financeira, entre outros, são fatores a ter também em conta, e

contribuíram de forma negativa, ao longo da última década, para a evolução do

investimento (Barkbu et al., 2015).

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Figura 4.7: Taxa de crescimento anual da formação bruta de capital fixo na AE, 2006-

2017 (%)

Fonte: OCDE (2018).

4.1.9. Descida das taxas de juro reais

A tendência de descida das taxas de juro reais ao longo das últimas décadas é

talvez o fator mais controverso a poder ter influenciado o BCE na redução das taxas de

juro diretoras para níveis muito baixos. De facto, as taxas de juro reais começaram a

diminuir, nas principais economias mundiais (figura 4.8), bem antes da crise do subprime

e terão sido o primeiro fator a influenciar a descida das taxas de juro nominais, antes do

impacto da redução das expetativas de inflação. O economista sueco Knut Wicksell criou,

em 1898, o conceito de taxa de juro real natural, taxa que representa a soma da taxa de

juro real com o objetivo de inflação dos bancos centrais. Esta taxa é representativa de

uma economia sem rigidezes nominais e sem choques nos preços ou salários (Barsky et

al., 2014). Tendo em conta que os bancos centrais, incluindo o BCE, têm mantido as

expectativas de inflação estáveis ao longo das últimas décadas, a taxa de juro real natural

está a baixar devido à queda das taxas de juro reais, e não devido às expectativas sobre a

inflação. Nesse sentido, segundo Bean et al. (2015), há três possíveis explicações para

esta tendência: o aumento da poupança mundial, a redução da propensão ao investimento

e o aumento da preferência por ativos mais seguros acompanhada pela redução da oferta.

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2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

Área do Euro França Alemanha Portugal Espanha Grécia

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O aumento da poupança mundial eleva a procura por ativos capazes de absorver

esse excesso de liquidez, reduzindo dessa forma a sua remuneração. O excesso de

poupança na China e em outros países em desenvolvimento e o envelhecimento

populacional nos países desenvolvidos (elevadas poupanças relacionadas com planos de

reforma) são algumas das explicações para esta dinâmica. A redução da propensão ao

investimento promove uma menor procura por fundos e, possivelmente, também um

crescimento da poupança, contribuindo para a redução das taxas de juro. O declínio no

ritmo de inovação e as mudanças na natureza do crescimento (mais assente na

qualificação dos trabalhadores do que propriamente em capital físico) são alguns fatores

explicadores da redução na propensão ao investimento. O aumento da preferência por

ativos mais seguros acompanhada pela redução da oferta contribui para a redução da

rentabilidade dos ativos seguros. Este aspeto tem uma ligação maior à crise financeira

mundial e contribuiu também para que os prémios de risco dos ativos mais arriscados

incrementassem.

Figura 4.8: Taxas de juro reais nas principais economias mundiais, 1990-2016 (%)

Nota: Os termos e condições associados às taxas de juro reais diferem de país para país, limitando a sua

comparabilidade. Esta figura serve apenas como ilustração da quebra que se verificou nas taxas de juro reais das

principais economias mundiais, desde o início do século.

Fonte: Banco Mundial (2018b).

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Alemanha Reino Unido Japão Estados Unidos da América

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4.2. Principais críticas à redução das taxas de juro diretoras

Entre economistas, banqueiros e policymakers, não é consensual a condução da

política monetária por parte dos Bancos Centrais e, especificamente do BCE, reduzindo

as taxas de juro diretoras para níveis tão baixos, uma vez que esta nova realidade não

trouxe apenas aspetos benéficos para os Estados, bancos, famílias e sociedades não

financeiras da AE. Também despoletou alguns efeitos adversos. Estamos perante uma

estratégia de política monetária de recurso, pelo que obviamente tem alguns efeitos menos

desejáveis. É nesses efeitos adversos, e consequentes críticas, que a seguinte subsecção

se focará.

4.2.1. Aumento da poupança e redução do consumo

A primeira crítica que tem sido apresentada é o impacto negativo das taxas de juro

muito baixas sobre os aforradores. O argumento é principalmente apontado aos agentes

económicos que têm grande parte dos seus rendimentos alicerçados nas suas poupanças,

como por exemplo os reformados, e vai contra a tese apresentada pelo BCE, que nos

transmite a ideia de que uma redução nas taxas de juro diretoras se reflete num aumento

da procura agregada. Na verdade, os defensores desta linha de raciocínio não desmentem

o efeito substituição, que nos diz que a redução das taxas de juro promove o consumo

(Deutsche Bundesbank, 2015). Apenas defendem que esse efeito pode ser absorvido pelo

efeito de redução da rentabilidade das poupanças (Palley, 2016). Segundo estes críticos,

a redução da procura agregada nas economias, que ocorre nestas situações, é resultado da

redução dos cash-flows esperados pelos aforradores ao longo da sua vida, algo que

promove também nesses agentes económicos a ideia de que é necessário aumentar as

poupanças. Consequentemente, para alguns economistas e banqueiros, a estratégia do

BCE é ineficaz na redução dos riscos deflacionários e na melhoria das condições

económicas (Bindseil et al., 2015).

No entanto, o que é realmente importante para os aforradores é a taxa de juro real a

médio/longo prazo e essa taxa não pode ser manipulada pelos bancos centrais. A

produtividade ou a disponibilidade de fatores de produção são alguns dos fatores que

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afetam as taxas de juro reais, sendo que os bancos centrais não conseguem fazê-lo

sistematicamente. As baixas taxas de juro diretoras combatem as pressões deflacionistas

que, no caso de se transformarem em profunda deflação, podem perturbar a economia

real, pelo que é pouco credível que as baixas taxas de juro diretoras contribuam para a

redução das rentabilidades reais dos aforradores e, consequentemente, para a redução da

procura agregada e aumento da poupança. Na perspetiva dos aforradores é preferível boas

perspetivas de crescimento económico e da taxa de juro real no médio/longo prazo do que

medidas de política monetária com efeitos imediatos nas taxas de juro, mas que põem em

causa o crescimento económico e a estabilidade monetária no futuro (Bindseil et al.,

2015).

4.2.2. Criação de bolhas especulativas

A criação de bolhas especulativas e, consequentes, crises financeiras é outra

crítica que vai sendo apresentada a este ambiente de baixas taxas de juro. Segundo

Bindseil et al. (2015), existem, pelo menos, três “canais” que podem conduzir reduzidas

taxas de juro diretoras a bolhas especulativas: o facto de os preços dos ativos financeiros

tenderem para infinito à medida que as taxas de juro se aproximam de zero, a procura

desmedida por maiores rentabilidades e a ilusão monetária.

Canal do preço dos ativos

O “canal” do preço dos ativos transmite a ideia de que à medida que as taxas de

juro descem (aproximando-se de zero), o preço dos ativos tende para infinito. Bindseil et

al. (2015) defende que esse comportamento se refere essencialmente a ativos financeiros,

em que não existe depreciações e há cash-flows significativos num futuro distante. As

obrigações perpétuas refletem esta dinâmica (NPV = valor presente atual, C = cash-flow

anual e i = taxa de desconto aplicada aos cash-flows):

𝑁𝑃𝑉 =𝐶

𝑖

Se a taxa de desconto for zero, o valor presente dos cash-flows e,

consequentemente, o preço da obrigação é infinito. Desta forma, percebe-se que, por esta

via, as baixas taxas de juro diretoras podem contribuir para aumentos desmensurados no

preço dos ativos (bolhas especulativas). No entanto, também para Bindseil et al. (2015),

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a equação das obrigações perpétuas não é indicada para perceber o valor presente de

ativos reais, não capta depreciações dos ativos (redução dos cash-flows ao longo do

tempo) nem variações na taxa de juro, algo que tem sido esquecido pelos críticos da

redução das taxas de juro diretoras para valores tão baixos. A seguinte equação é mais

indicada para tal efeito (t = período temporal):

𝑁𝑃𝑉 = ∑𝐶𝑡

(1 + 𝑖𝑡)𝑡

𝑡=1

Esta forma de medir o valor presente de um ativo não reflete uma pressão tão forte

de uma redução temporária nas taxas de juro sobre o seu preço. É demonstrativa de que

para investimentos normais não há um crescimento explosivo do preço dos ativos

motivado pelas reduzidas taxas de juro que se praticam atualmente.

Maior tomada de risco por parte dos investidores

Por outro lado, um ambiente de baixas taxas de juro pode induzir investidores a

arriscarem mais. Em primeiro lugar, a subida no preço dos ativos contribui para a redução

da perceção do risco. Por exemplo, os bancos têm uma valorização na sua carteira de

ativos financeiros (sensação de redução da alavancagem) e, consequentemente, podem

investir mais e em ativos mais arriscados. Em segundo lugar, as seguradoras têm

responsabilidades fixas para com os seus clientes (fundos de pensões, por exemplo), mas

assistem à redução da rentabilidade dos seus investimentos devido às baixas taxas de juro.

As seguradoras são, dessa forma, incentivadas a maiores tomadas de risco. Se não

arriscam correm o risco de falência; se arriscarem têm a possibilidade de os investimentos

terem sucesso e ultrapassarem a situação. Esta busca por altas rentabilidades é

comumente designada por search-for-yield ou gamble for ressurection. Em terceiro lugar,

as baixas taxas de juro podem por em causa as margens de lucro dos bancos (este tema

será aprofundado posteriormente na subsecção 4.2.8), algo que promove também maiores

tomadas de risco por parte destas instituições (German Council of Economic Experts,

2016).

A ilusão monetária

Por último, a ilusão monetária pode também contribuir para a criação de bolhas

especulativas. Este argumento reflete o facto de muitos agentes económicos ignorarem o

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facto de, por vezes, as taxas de juro nominais baixarem para compensar uma descida da

inflação (Altunbas et al., 2010). Alguns agentes económicos tomam as suas decisões com

base nas taxas de juro nominais, quando deveriam fazê-lo com base nas taxas de juro

reais. Esta ilusão pode levar os investidores a tomarem riscos desnecessários e, talvez,

pouco compensadores. O facto de, atualmente, as taxas de juro nominais estarem muito

baixas na AE pode fomentar este fenómeno, contribuindo para saídas de capital.

4.2.3. Saída de capitais

A saída de capitais da AE, essencialmente para países em desenvolvimento, pode

ter origem ou ser impulsionado pela descida das taxas de juro para valores muito baixos

(Belke, 2014). De facto, os investidores ao verem as taxas de juro cada vez mais baixas

podem tomar a iniciativa de transferir os seus investimentos para países onde a sua

rentabilidade é superior (pelo menos em termos nominais). No Japão, as baixas taxas de

juro, que se têm verificado ao longo das últimas décadas, têm contribuído para estratégias

de carry-trade, ou seja, obtenção de empréstimos em yens, conversão e investimento em

dólares dos EUA e, posteriormente, a reconversão em yens (Hattori e Song Shin, 2009).

Este tipo de estratégia é bastante arriscado e muito vezes pouco compensador (a ilusão

monetária pode contribuir para a implementação desta estratégia). No entanto, nem todos

os indivíduos são economicamente racionais e descidas nas taxas de juro nominais podem

contribuir para saídas de capitais.

4.2.4. Reduzido impacto no investimento

O escasso impacto na promoção do investimento é outra critica apontada à descida

das taxas de juro para valores muito baixos. Palley (2016) socorre-se da teoria keynesiana

para defender que as taxas de juro negativas não aumentam a procura agregada numa

economia. Se a rentabilidade das poupanças é cada vez mais baixa, existem ativos não

produtivos onde é possível “colocar” as poupanças (terrenos, ouro, entre outros), não

havendo necessariamente um aumento do consumo ou investimento. Consequentemente,

se a procura agregada na economia é fraca, o investimento não vai crescer, uma vez que

a sua rentabilidade é inferior à rentabilidade de ativos não produtivos. Assim sendo, é

mais rentável investir nesses ativos do que em ativos produtivos. Outro fator que pode

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limitar o investimento é a possibilidade de existir excesso de capital, em situações de

quebra na procura, fazendo com que seja mais reduzida a sensibilidade do investimento

à redução das taxas de juro. Por outro lado, os empréstimos bancários são normalmente

de longa duração, pelo que uma redução das taxas de juro não garante que no futuro essas

taxas não possam voltar a subir. Este é outro fator a limitar o crescimento do investimento

(Palley, 2016).

4.2.5. Alocação ineficiente de recursos

O facto da redução das taxas de juro contribuir para uma alocação ineficiente de

recursos e, consequentemente, para um menor crescimento da produtividade é outra

crítica que é apontada à manutenção das baixas taxas de juro, por parte do BCE e de

outros bancos centrais. As baixas taxas de juro são um alívio para muitas empresas sobre-

endividadas ou não rentáveis, sendo um fator determinante para que estas se mantenham

em atividade. No entanto, estas taxas de juro em vigor impedem a “destruição criativa”,

que é vista por muitos economistas como um mecanismo de seleção natural entre as

empresas que devem manter-se em atividade e aquelas que devem falir. Ao impedir que

este mecanismo funcione apropriadamente, o BCE pode estar a comprometer a

produtividade na AE (Bindseil et al., 2015). De facto, a produtividade média de uma

economia pode ser posta em causa pela existência de empresas pouco produtivas, mas

também pela barreira que essas empresas “zombies” colocam à entrada de novas

empresas (Forbes, 2015). No entanto, para Bindseil et al. (2015), a falência ou não de

empresas vai muito para além da existência de baixas taxas de juro nominais; se uma

empresa não for rentável acabará por falir. Por outro lado, as baixas taxas de juro também

podem contribuir para uma análise menos rigorosa, por parte das empresas, sobre os

projetos de investimento que implementam (Forbes, 2015). Bindseil et al. (2015) refuta

esta ideia, defendendo que, na sequência da crise do subprime, os agentes económicos se

tornaram mais prudentes e regrados nos seus investimentos.

4.2.6. Incentivo ao endividamento

O incentivo ao endividamento ou a menor predisposição à redução do

endividamento por parte de Estados, famílias e empresas, é outra critica usualmente

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apontada às baixas taxas de juro. Como já foi referido anteriormente, alguns países da AE

passaram por grandes dificuldades durante a crise das dívidas soberanas, devido aos

elevados défices orçamentais e elevadas dívidas públicas, algo que deveria servir como

incentivo à disciplina orçamental no futuro. Contudo, as baixas taxas de juro podem

funcionar como um desincentivo para que haja disciplina orçamental e para que sejam

feitas as reformas necessárias (Hannoun, 2015). Por um lado, as baixas taxas de juro

reduzem as despesas com a dívida já existente (serviço da dívida), tornando a dívida

pública aparentemente mais sustentável. Por outro lado, reduzem os encargos na obtenção

de novo financiamento. Estes fatores contribuem para uma maior despreocupação com

reformas orçamentais e funcionam como um incentivo ao aumento do endividamento. No

entanto, as baixas taxas de juro diretoras são uma política monetária temporária e não

permanente. No que toca a famílias e sociedades não financeiras, o mesmo se pode

aplicar. As baixas taxas de juro funcionam como um incentivo ao endividamento e não à

redução das dívidas, algo que será problemático aquando da subida das taxas de juro para

os seus valores normais.

4.2.7. Limitação das políticas monetárias no futuro

A limitação das políticas monetárias no futuro é outra crítica que é apresentada à

redução das taxas de juro para níveis muito baixos, e principalmente a sua manutenção

por um longo período de tempo nesses níveis (especialmente depois de já não ser

necessária tal estratégia). Manter taxas de juro em níveis próximos de zero, mesmo

quando a inflação já voltou aos seus níveis habituais, pode trazer graves problemas na

condução de política monetária no futuro. Basta imaginar que as pressões deflacionistas

podem voltar e o Banco Central em questão já não pode utilizar o instrumento das taxas

de juro para o seu combate, uma vez que as taxas de juro já não podem baixar muito mais

(Forbes, 2015). Por outro lado, o facto de a tendência das taxas de juro (nominais e reais)

em grande parte dos países, ao longo das últimas décadas, ser de descida, tem vindo a

reduzir cada vez mais a margem de atuação dos bancos centrais através deste instrumento.

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4.2.8. Redução das margens de lucro dos bancos

Uma das críticas mais referidas por alguns economistas, banqueiros e políticos da

AE, relativamente às baixas taxas de juro diretoras, está relacionada com as margens de

lucro dos bancos. A margem das taxas de juro reflete a diferença entre as taxas de juro

ativas e passivas. O problema que tem surgido com a redução das taxas de juro diretoras

para valores próximos de zero prende-se, essencialmente, com o facto das taxas de juro

pagas aos aforradores descerem a um ritmo mais baixo do que as taxas de juro aplicadas

a empréstimos bancários (Claessens et al., 2017). A maior rigidez na transmissão da

evolução das taxas de juro diretoras às taxas pagas pelos bancos aos aforradores deve-se,

entre outros, à concorrência existente no sistema bancário (luta pela angariação de

depósitos, que como se sabe estão na base de qualquer negócio bancário) e a possível

existência de um limite inferior para as taxas de juro aplicadas a aforradores superior ao

limite que existe para taxas aplicadas ao financiamento dos bancos junto do BCE ou no

mercado interbancário9 (Saunders e Schumacher, 2000). Isso acontece porque os

depositantes têm alternativas aos depósitos bancários, nomeadamente possuir maiores

quantidades de circulação monetária e realizar investimentos em ativos mais arriscados

(obrigações, ações, entre outros) (Claessens et al., 2017).

Desta forma percebe-se que, ao longo dos últimos anos, as margens financeiras

dos bancos têm vindo a reduzir-se, podendo pôr em causa a sustentabilidade do sistema

bancário. Claessens et al. (2017) analisaram o impacto de descidas de taxa de juro

diretoras nas margens de lucro dos bancos, utilizando uma amostra com 3385 bancos de

47 países entre 2005 e 2013, e chegaram à conclusão de que a descida de um ponto

percentual nas taxas de juro diretoras origina uma queda de 8 pontos base (em períodos

de taxas de juro normais) ou 20 pontos base (em períodos de taxas de juro muito

reduzidas) na margem de lucro dos bancos. Este resultado reflete também que quanto

menores forem as taxas de juro, maior o impacto de uma nova redução dessas taxas.

É verdade que à medida que as taxas de juro vão baixando, maiores são os desafios

que os bancos vão enfrentando. No entanto, convém refletir sobre o que teria acontecido

se o BCE não tivesse levado a cabo a descida das taxas de juro diretoras para níveis tão

baixos. Como vimos anteriormente, a redução das taxas de juro, por parte do BCE e que

9 Este segundo limite será abordado com maior profundidade na subsecção 4.2.9.

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se transmitiram em certo grau à economia real, permitiram que o crédito malparado e as

taxas de incumprimento não tivessem sido tão elevados. Para além disso, o clima

macroeconómico beneficiou também das baixas taxas de juro praticadas, tendo efeitos

positivos na atividade económica e posteriormente na rentabilidade e estabilidade dos

bancos (Coeuré, 2016).

Os bancos sofreram de forma diferente os efeitos das baixas taxas de juro,

principalmente devido às diferenças entre os balanços das instituições. Bancos que

possuíam ativos com taxas de juro fixas em maior escala do que tinham responsabilidades

em taxas de juro fixas beneficiaram de reduções de taxas de juro, pelo menos

temporariamente. As receitas mantinham-se inalteradas, enquanto que se financiavam a

taxas muito mais baixas. Caso a situação seja inversa, o impacto negativo nas margens de

lucro dos bancos é elevado (Brunnermeier e Koby, 2016). Outra oportunidade que pode

ser aproveitada pelos bancos nestas situações é o facto de as taxas de juro baixarem mais,

ou pelo menos mais rapidamente, a curto prazo do que a longo prazo. Desta forma os

bancos podem financiar-se a curto prazo e emprestar a longo prazo. No entanto, é uma

estratégia arriscada e, pelo que se tem verificado, cada vez menos frutífera, uma vez que

yield curve se foi tornando cada vez mais horizontal. Convém também referir que existem

outros canais a funcionar, no que toca à transmissão de baixas taxas de juro diretoras à

rentabilidade dos bancos, nomeadamente os custos relacionados com o excesso de

liquidez em períodos de incerteza e taxas de juro negativas (encargos com reservas

depositadas junto do BCE) (Coeuré, 2016).

Se tivermos em conta que a rentabilidade dos bancos é afetada pela diminuição das

taxas de juro diretoras, podemos afirmar que a última década foi um período de novos

desafios para o sistema bancário, um período que levou muitos bancos a repensar as suas

fontes de receita. Se a margem das taxas de juro é negativamente afetada pelas baixas

taxas de juro, e isso é factual, os bancos podem e devem diversificar as suas fontes de

receita (non-interest income), nomeadamente através do aumento das comissões

bancárias (por exemplo comissões de manutenção de conta, da gestão de carteiras, de

fornecimento de informações de mercado, entre outros) e do reforço das atividades nos

mercados financeiros (Borio et al., 2015).

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4.2.9. Limites para as taxas de juro diretoras

O primeiro limite é económico, por vezes referido como a reversal rate, taxa a partir

da qual as políticas monetárias deixam de ter efeitos expansionistas na economia e passam

a ter efeitos contracionistas. Os bancos são, mais uma vez, cruciais neste processo, sendo

que a partir de certo ponto se mostram menos favoráveis à concessão de empréstimos (à

medida que as taxas de juro diretoras baixam, menor a sua rentabilidade). Outros fatores

que influenciam este limite são a regulação bancária10 (demasiado restritiva em períodos

de maior dificuldade pode “minar” a eficiência das políticas monetárias), as fontes de

financiamento dos bancos, a sua exposição à taxa de juro, as suas políticas de dividendos

ou a estrutura de mercado do setor bancário (Brunnermeier e Koby, 2016).

O segundo limite inferior reflete as taxas de juro diretoras a partir das quais é

preferível para os bancos manter as suas reservas em cofres seguros do que depositar

junto dos bancos centrais. Na AE a taxa das facilidades permanentes de depósito é

negativa, mas ainda acima do limite inferior, limite a partir do qual o sistema bancário

entra em desintermediação (Coeuré, 2016). De facto, a partir de um certo valor para as

taxas de juro diretoras, é preferível para os bancos deter as suas reservas em cofres

seguros do que pagar a taxa de juro em vigor ao BCE. Esse limite negativo deverá refletir

todos os custos associados à manutenção das reservas em cofres, nomeadamente seguros,

vigilância e também os inconvenientes ligados à movimentação das reservas (Coeuré,

2016).

10 A regulação bancária na AE será analisada com maior detalhe na subsecção 5.1.2.

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5. Perspetivas para a política monetária na AE

Depois de se terem analisado as medidas de política monetária implementadas pelo

BCE ao longo da última década, nomeadamente a redução e manutenção das taxas de juro

diretoras em valores próximos de zero, e alguns dos seus principais impactos na economia

da AE (não só positivos, também negativos), torna-se relevante discutir o que será o

futuro da política monetária. Uma das motivações deste capítulo é tentar chegar às

respostas mais plausíveis para as seguintes questões:

• Quais os timings certos para reverter as diversas medidas de PMNC,

nomeadamente os momentos adequados para subir as taxas de juro

diretoras?

• A que velocidade devem ser revertidas as medidas de PMNC?

• Quais os instrumentos que devem ter prioridade na reversão (por exemplo,

dá-se prioridade à descontinuação do programa APP ou à subida das taxas

de juro diretoras), se é que deve haver priorização?

• Haverá condições para que, num futuro próximo, as taxas de juro diretoras

voltem aos valores observados antes das crises do subprime e das dívidas

soberanas?

• Qual a importância da coordenação de políticas monetárias entre bancos

centrais?

5.1. Pré-condições para a subida das taxas de juro diretoras

Os timings ideais para a reversão das políticas monetárias não convencionais na AE

nunca se saberão com exatidão. No entanto, existe uma série de pré-condições, com um

certo grau de concordância entre os economistas, para que tal reversão se possa fazer com

o mínimo de impactos negativos para os agentes económicos, nomeadamente Estados,

instituições bancárias, famílias e sociedades não financeiras. São algumas dessas pré-

condições e impactos associados à sua possível violação que serão analisados de seguida.

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5.1.1. Condições económicas e inflação

A primeira dessas pré-condições prende-se com a evolução das condições

económicas e da inflação na AE. Tal como foi referido anteriormente, na sequência das

crises do subprime e das dívidas soberanas, grande parte das medidas de PMNC visavam,

entre outros, aliviar e/ou melhorar as condições económicas nos vários países da AE e

elevar a taxa de inflação para valores condizentes com o objetivo primordial do BCE. Tal

estratégia passava, sobretudo, pela dinamização do crédito à economia real, através da

melhoria das condições de financiamento do setor bancário. Uma reversão prematura de

tal intervenção do BCE pode por em causa a recuperação económica de grande parte dos

países da AE e a inflação, aumentando ainda mais os custos da crise económico-financeira

(Matthes, 2014). Se, por exemplo, o crédito à economia real voltar a cair, o investimento

e consumo privados vão sofrer consequências, pondo em causa a recuperação das

economias. No entanto, tal como se observou no capítulo anterior, nos últimos anos

(principalmente desde 2014), as condições económicas têm vindo a recuperar

gradualmente em praticamente todos os países da AE, impulsionando, consequentemente,

a subida da taxa de inflação. Em 2017, na AE, o PIB real cresceu 2,4% (prevendo o BCE

que cresça 2,3% e 2,0% em 2018 e 2019, respetivamente), o desemprego desceu para

9,1% (a previsão é de que se fixe em 7,9% em 2019, tal como ilustra a figura 4.1) e o

crédito à economia real, o investimento privado e o consumo também cresceram a um

ritmo mais elevado. No que toca à inflação na AE, a sua taxa anual em 2017 foi de 1,5%,

sendo que as expectativas são que se fixe em 1,5% em 2018 e 1,6% em 2019. Percebe-

se que o crescimento dos preços se vai aproximar do objetivo primordial do BCE. Os

dados são positivos relativamente a esta pré-condição, mostrando que, em relação às

condições económicas e inflação, o BCE está cada vez mais próximo de obter a segurança

necessária, no caso de optar por reverter as medidas de PMNC.

O BCE tem a responsabilidade de fazer tudo ao seu alcance para garantir uma taxa

de inflação abaixo, mas próxima, de 2%. Se as expectativas para a taxa de inflação

ultrapassarem, de forma significativa, este limite, o BCE sentir-se-á pressionado a

diminuir o nível de acomodação monetária. Esse panorama chegará, mais cedo ou mais

tarde, devido ao potencial inflacionário da maioria das medidas implementadas pelo BCE.

Esse potencial advém da sobre-estimulação da atividade económica, devido ao excesso

de liquidez no sistema bancário e devido ao ancorar das expetativas de inflação (Belke,

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2016). Numa perspetiva teórica e simplificada, muitos economistas defendem que o

momento exato para o BCE começar a reverter as medidas de PMNC coincide com o

momento em que surjam riscos crescentes e significativos para a estabilidade de preços

no médio prazo (González-Páramo, 2009). Na realidade, o BCE dificilmente tomará a

decisão de começar a reverter as medidas de PMNC de forma tão simplificada. Outras

pré-condições (referidas mais adiante) serão, muito provavelmente, tidas em conta. Esta

temática é bastante controversa, uma vez que há certas “vozes” (economistas, banqueiros,

policymakers, entre outros) que argumentam a favor da defesa rigorosa e a todo o custo

da estabilidade de preços, enquanto outros defendem uma maior flexibilidade, capaz de

garantir uma saída deste ambiente não convencional “mais limpa”, ou seja, uma saída que

imponha o mínimo de custos para Estados, instituições bancárias, famílias e sociedades

não financeiras.

As reformas estruturais também desempenham um papel crucial na melhoria das

condições económicas, sendo que, por exemplo, reformas no mercado de trabalho e na

regulação nos mercados de bens e serviços são fundamentais para aumentar a

produtividade e, consequentemente, a competitividade e o crescimento económico

(Gomes, 2014). Segundo o BCE (2017d), as reformas estruturais nestes setores têm sido

implementadas a um ritmo lento, sendo que o fraco progresso da maior parte dos países

da AE neste processo tem impedido que o crescimento económico esteja a crescer a um

ritmo mais elevado.

5.1.2. Solidez do setor bancário e estabilidade nos mercados financeiros

A solidez do setor bancário é outra pré-condição essencial para uma reversão

“limpa” das medidas de PMNC. Caso o BCE opte por uma reversão (por exemplo, através

de uma subida das taxas de juro diretoras), sem que se verifique um nível satisfatório de

solidez no setor bancário, assistiremos a uma nova escalada de turbulência nos mercados

financeiros e a uma nova deterioração do mecanismo de transmissão da política monetária

(Matthes, 2014), pondo em causa a recuperação económica, uma vez que o crédito à

economia real fica comprometido. Mas qual será o nível de solidez no setor bancário, que

pode ser considerado satisfatório, para avançar com este processo? Não existe uma

resposta exata, até porque vários indicadores têm que ser considerados, nomeadamente

Page 78: A política monetária do BCE desde 2007 e …...BCE ao longo dos últimos 10 anos, focando-se, em particular, na evolução das taxas de juro diretoras. Adicionalmente, discute o

68

indicadores de risco sistémico (o setor bancário é bastante dependente de tudo o que se

passa noutros segmentos do setor financeiro), indicadores sobre o crédito malparado,

indicadores sobre a margem de lucro dos bancos, entre outros.

Em relação aos riscos mais relevantes para a estabilidade do sistema financeiro,

em 2016, o Comité Europeu do Risco Sistémico (2017, p.4) destacou, entre outros:

• “Uma reavaliação dos prémios de risco nos mercados financeiros mundiais”;

• “As fragilidades nos balanços das instituições de crédito, das seguradoras e dos

fundos de pensões”;

• “Os desafios em termos de sustentabilidade da dívida dos setores público,

empresarial e das famílias”.

A reavaliação dos prémios de risco, nomeadamente uma desvalorização dos índices

acionistas europeus, abalou significativamente os mercados financeiros no ano de 2016,

em resultado da incerteza relativamente à recuperação económica mundial e da

persistência de fragilidades nos balanços de bancos e seguradoras da UE e dos elevados

níveis de dívida pública e privada. Os balanços de muitos bancos e seguradoras da AE

continuam bastante frágeis (principalmente em resultados do “ambiente” de baixas taxas

de juro) e as dívidas públicas e privadas mantêm-se em níveis bastante elevados.

No entanto, apesar ainda se verificarem vários problemas nos mercados

financeiros da AE, o nível de stress nesses mercados tem vindo a decrescer ao longo dos

últimos anos, conforme refletido no Indicador Compósito de Stress Sistémico (ICSS).

Segundo este indicador (figura 4.2), depois de anos de forte turbulência, em 2017,

praticamente todos os países da AE apresentavam um valor inferior a 0,2, ou seja, o stress

financeiro estava abaixo do que se verificava em finais de 2007 (dispersão entre cerca de

0,2 e 0,5), numa escala compreendida entre 0 e 1. Se analisarmos a média para a AE, em

outubro de 2007 o ICSS era de 0,2578, ao passo que em janeiro de 2018 esse indicador

era de apenas 0,0621. Obviamente que este indicador pode mudar drasticamente caso o

BCE não tome as melhores opções no momento em que decidir reverter as medidas de

PMNC. Por exemplo, uma subida brusca e indevidamente comunicada das taxas de juro

diretoras pode causar incerteza e turbulência (investidores tentam acertar o mais rápido

possível as suas expectativas em relação a algumas variáveis) nos mercados financeiros

(Belke, 2014).

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69

Mais especificamente, em relação aos bancos da AE, o stock de crédito malparado

tem vindo a decrescer significativamente ao longo dos últimos anos, representando, em

2016, cerca de 4,4% do total dos empréstimos, quase metade do que se verificava em

2012. Por país, os dados são preocupantes nalguns casos, sendo que o crédito malparado

na Grécia representava cerca de 36,3% do total de empréstimos em 2016, ao passo que

na Alemanha representava apenas menos de 2% em 2016 (figura 4.3). As diferenças entre

países são enormes, colocando ainda mais desafios ao BCE, uma vez que o momento

ideal para reverter as medidas de PMNC num país será diferente do momento ideal para

outros países. Aliás, este problema coloca-se em outras pré-condições.

Em relação ao capital próprio dos bancos da AE, a evolução tem sido positiva ao

longo dos últimos anos. Em média, os bancos da AE apresentavam em 2016 capitais

próprios de cerca de 8,1% dos ativos que possuíam, valor acima do que se verificava em

2008 (5,8%). No entanto, os valores que se praticavam antes da crise do subprime não

são uma referência adequada, uma vez que os capitais próprios se revelaram em muitos

casos escassos para enfrentar os efeitos nefastos da crise. Em termos individuais, os rácios

de capital aumentaram em quase todos os países da AE, apesar de continuar a existir uma

grande heterogeneidade. Por exemplo, em 2016, os bancos gregos apresentavam um rácio

superior a 10%, enquanto que os bancos italianos apresentavam um rácio de cerca de

5,5%. Em Portugal, esse rácio foi de cerca de 8,4% no ano de 2016 (figura 5.1). As

reformas que veremos de seguida desempenharam um papel relevante na melhoria deste

indicador.

Figura 5.1: Rácios de capital nos bancos da AE, 2008-2016 (%)

Fonte: Banco Mundial (2018c).

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Alemanha Espanha França Grécia Itália Portugal Área do Euro

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70

O BCE, ao longo dos últimos anos, implementou também uma série de reformas

no setor financeiro da AE, promovendo alterações no comportamento dos agentes

económicos, principalmente nas instituições bancárias (Matthes, 2014). Destaca-se a

centralização, por parte do BCE (desde novembro de 2014), da supervisão financeira,

através do Mecanismo Único de Supervisão (MUS), que visa uniformizar a supervisão

financeira na AE, evitando alguns erros, cometidos ao longo dos últimos anos, por

algumas autoridades de supervisão nacionais. Também foi criado um Mecanismo Único

de Resolução (MUR), que entrou em vigor em janeiro de 2016, e que tem como missão

auxiliar na resolução de bancos insolventes. Estes dois mecanismos fazem parte da União

Bancária, que poderá ainda ter um terceiro mecanismo, o Sistema Europeu de Garantia

de Depósito (Parlamento Europeu, 2017). Outras reformas foram implementadas em

alguns países da AE através da intervenção externa (Troika), nomeadamente em Portugal,

Espanha e Grécia (Matthes, 2014). Todas estas reformas do setor bancário europeu visam

promover a homogeneização do mesmo, colocando todas as instituições bancárias da AE

em igualdade de circunstâncias.

Um problema específico que se pode colocar aos bancos, a partir do momento em

que o BCE decida reverter as medidas de PMNC (nomeadamente uma subida nas taxas

de juro diretoras), está relacionado com a composição dos seus balanços. Se os bancos

tiverem boa parte dos ativos com taxas de juro fixas e boa parte das responsabilidades

com taxas de juro variáveis, pode-se criar um grave problema, uma vez que uma subida

das taxas de juro diretoras, por parte do BCE, pode comprimir, de forma preocupante, as

margens de lucro desses bancos (Belke, 2014). Desequilíbrios nos balanços dos bancos,

em termos de maturidade, também podem ser importantes neste processo. A yield curve,

que tem estado bastante horizontal ao longo dos últimos anos em grande parte dos países

desenvolvidos, devido à ação dos bancos centrais (principalmente pelo impacto de

programas de compra de títulos e da forward guidance) (Wu, 2014), começará certamente

a inclinar à medida que os bancos centrais, nomeadamente o BCE, decidam inverter o

panorama e comecem a reverter algumas medidas de PMNC, ou seja, as taxas de juro de

longo prazo vão subir mais do que as taxas de juro de curto prazo (Turner, 2015). Bancos

que apresentem balanços com muitas responsabilidades a longo prazo e grande parte dos

ativos a curto prazo podem ter problemas. Desequilíbrios nos balanços dos bancos

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relativamente à moeda em que são denominados os ativos também podem ser um

problema. Uma subida nas taxas de juro diretoras pode implicar uma apreciação cambial

do euro, podendo por em causa a rentabilidade de bancos da AE que tenham muitos ativos

denominados em moeda estrangeira (Belke, 2014). Esta problemática da taxa de câmbio

afeta, obviamente, outros agentes económicos, para além das instituições bancárias, sendo

exemplo disso as empresas exportadoras de bens e serviços.

No entanto, a reversão das medidas de PMNC também traz benefícios para as

instituições bancárias. As suas margens financeiras (a margem entre as taxas de juro

cobradas pelos empréstimos concedidos e as taxas de juro aplicadas aos depositantes),

irão aumentar à medida que as taxas de juro diretoras subam (Belke, 2014). Tal como foi

referido no capítulo anterior, ao longo dos últimos anos, os bancos sofreram bastantes

quebras na sua rentabilidade, em função da redução das margens de lucro relacionadas

com as taxas de juro. As taxas de juro diretoras baixaram para valores próximos de zero,

transmitindo-se posteriormente aos mercados financeiros e à atividade bancária. Uma

mudança de paradigma, que proporcione a subida das taxas de juro nos mercados

financeiros incrementará, certamente, a rentabilidade dos bancos e a sua solidez.

De uma forma geral, principalmente a partir de 2014, a solidez do setor bancário

tem vindo a melhorar (menor stress financeiro, maiores capitais próprios, reformas do

setor financeiro, entre outros). No entanto, ainda há muitos indicadores e fatores de risco

(elevado nível de crédito malparado, fragilidades nos balanços dos bancos, entre outros),

algo que pode pôr em causa uma reversão das medidas de PMNC. A incerteza

relativamente às consequências da reversão das medidas de PMNC e ao seu impacto no

setor bancário e nos restantes setores financeiros será sempre uma realidade. Grande parte

das consequências dependerão das expetativas e ações dos agentes económicos.

5.1.3. Impacto sustentável sobre os encargos de financiamento do setor privado

A redução das taxas de juro diretoras do euro repercutiu-se numa redução, em

certo grau, das taxas de juro ativas bancárias, algo que já foi abordado anteriormente.

Esse ambiente de baixas taxas de juro tem beneficiado, entre outros, famílias e sociedades

não financeiras, que viram os seus encargos com o endividamento (juros a pagar) reduzir

bastante. Entre 2008 e 2016, o setor privado da AE pagou menos cerca de 1.550 mil

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milhões de euros em juros do que seria espectável caso as taxas de juro se mantivessem

em valores normais (Boata et al., 2017). No entanto, assim que o BCE decida subir as

taxas de juro diretoras, este contexto vai mudar. Os juros a pagar por famílias e sociedades

não financeiras irão, consequentemente, subir. Boata et al. (2017) tentaram aferir de que

forma as famílias e sociedades não financeiras da AE serão afetadas quando o BCE subir

as taxas de juro diretoras. O relatório, que apresenta três cenários alternativos para a

condução do processo de normalização das taxas de juro (normalização suave,

normalização moderada e normalização acelerada), mostra que a subida das taxas de juro

na AE poderá determinar um aumento do montante de juros a pagar que se poderá cifrar

entre 0,7% e 1,6% do PIB (comparando 2022 com 2016). As diferenças entre países são

assinaláveis, sendo de esperar que alguns países sintam mais o impacto dessa

normalização do que outros. Portugal seria um dos países mais afetados, sendo de esperar

que os encargos com juros subissem entre 1,4% e 3,3% do PIB (em 2022, relativamente

a 2016). A Alemanha seria o país menos afetado, esperando-se um aumento no pagamento

de juros entre 0,4% e 1,1% do PIB (em 2022, relativamente a 2016).

Esta heterogeneidade entre países reflete, entre outros, diferentes níveis de risco

de incumprimento, que por sua vez dependem da evolução económica dos países, do nível

de endividamento de famílias e sociedades não financeiras e dos Estados (“risco país”),

entre outros (Paries et al., 2014). Portugal, como consequência da subida das taxas de

juro diretoras, sofrerá um aumento do risco de incumprimento em maior escala do que a

maior parte dos países da AE, pelo que os encargos com juros irão subir mais em Portugal

do que noutros países. Se, em 2016, em Portugal o endividamento do setor privado era

cerca de 171,4% PIB e na Alemanha o endividamento privado representava 99,3% do

PIB (figura 5.2), as famílias e sociedades não financeiras alemãs irão sofrer, em média,

menos com uma subida das taxas de juro do que as famílias e sociedades não financeiras

portuguesas.

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73

Figura 5.2: Endividamento privado nalguns países da AE, 2007-2016 (% do PIB)

Fonte: Eurostat (2018c).

Ainda segundo o relatório de Boata et al. (2017), de uma forma geral, o setor

privado da AE tem capacidade para aguentar a normalização das taxas de juro. Apesar do

impacto da subida das taxas de juro diretoras ser diferenciado entre os países da AE, é

provável que as taxas ativas bancárias não atinjam valores tão elevados como as que

existiam no período anterior às crises do subprime e das dívidas soberanas. A explicação,

segundo o mesmo relatório, deve-se ao facto de muitos devedores estarem a financiar-se

a longo prazo com taxas fixas e ao facto de o endividamento no setor privado ser inferior

ao que existia no período pré-crise.

As famílias e as sociedades não financeiras que não aproveitaram este período de

baixas taxas de juro para procederem a consolidações orçamentais (baixas taxas de juro

podem até ter promovido um incentivo ao endividamento), poderão ter problemas durante

este processo de normalização. A subida das taxas de juro para valores considerados mais

normais permitirá também reanimar o mecanismo de seleção natural entre as empresas

viáveis e aquelas que são ineficientes e que devem ser liquidadas (Matthes, 2014).

Tal como foi referido anteriormente, um dos principais objetivos do BCE, ao adotar

as mais diversas medidas de PMNC, foi minimizar a quebra na concessão de crédito à

economia real, de forma a promover a procura de bens e serviços e o investimento na AE.

A redução das taxas de juro diretoras foi de extrema importância para a redução das taxas

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Alemanha Grécia Espanha França Itália Portugal

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de juro bancárias, tendo funcionado como um estímulo para que famílias e sociedades

não financeiras continuassem a financiar-se junto dos bancos. No entanto, apesar da oferta

de crédito ter sido incrementada pelo BCE, a procura por crédito é mais difícil de

impulsionar. A procura por crédito depende de fatores como a perceção do risco acerca

de rentabilidades e rendimentos futuros, a saúde dos balanços (em caso de fragilidade, há

uma pressão para reduzir o endividamento), a viabilidade e condições de financiamento

alternativo (por exemplo, no mercado de capitais), entre outros (European Investment

Bank, 2014). Ainda assim, a procura por crédito na AE começou a incrementar,

principalmente a partir de 2014, promovendo dessa forma a recuperação na concessão de

crédito. No entanto, uma subida das taxas de juro diretoras pode pôr em causa essa

recuperação, havendo o risco de a concessão de crédito na AE regredir. Num ambiente

de maior custo do crédito, o consumo e investimento privados irão ser afetados,

condicionando o crescimento económico (Kannan, 2010). A recuperação económica que

se tem vivenciado ao longo dos últimos anos pode ser interrompida por uma subida das

taxas de juro diretoras.

5.1.4. Solidez das finanças públicas

Os problemas, em termos de finanças públicas, que vários países enfrentaram,

principalmente entre 2011 e 2015, foram determinantes para a adoção de certas medidas

não convencionais por parte do BCE, nomeadamente a redução e manutenção das taxas

de juro diretoras em níveis muito baixos. Esse ambiente de baixas taxas de juro teve,

obviamente, consequências positivas ao nível das taxas de juro implícitas em obrigações

de dívida pública, tanto a curto prazo como a longo prazo, algo que já foi abordado

anteriormente. Mas, será que os governos nacionais, principalmente os governos dos

países que mais foram afetados pela crise das dívidas soberanas, aproveitaram este

período para proceder a uma rigorosa consolidação orçamental? Será que os países da AE

estão preparados para uma subida das taxas de juro a pagar pela emissão de obrigações?

Em relação aos défices orçamentais, grande parte dos países da AE já cumpre com

o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), ou seja, apresentam défices orçamentais

abaixo dos 3% do PIB. O ajustamento foi lento, sendo que alguns países apresentaram

défices excessivos ao longo de vários anos consecutivos. Apesar de haver uma grande

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75

heterogeneidade entre países, em relação ao comportamento das finanças públicas, é

notório que grande parte dos países não aproveitou da melhor forma o ambiente de baixas

taxas de juro para proceder a uma redução do endividamento público (subsecção 4.1.7).

O crescimento económico também desempenha um papel importante neste processo, uma

vez que o rácio de dívida pública em termos do PIB diminui mais rapidamente quanto

maior for o crescimento económico (Wyplosz, 2014). Neste caso, o PIB da AE até ao

final de 2017 não atingiu um ritmo de crescimento de tal forma elevado que facilite a

redução das dívidas públicas sem que os saldos orçamentais primários necessitem de ser

tão elevados.

É verdade que a evolução dos saldos orçamentais tem vindo a melhorar ao longo

dos últimos anos na AE, prevendo-se que continuem a evoluir positivamente (figura 4.5),

embora seja importante perceber se essa melhoria está relacionada com cortes

temporários na despesa pública ou se está relacionada com reformas estruturais.

Obviamente a segunda hipótese é mais sustentável, dá garantias que os saldos

orçamentais se manterão controlados. Algumas das reformas que devem ser tidas em

consideração estão relacionadas com os sistemas nacionais de Segurança Social,

principalmente pelo facto de as despesas com este sistema (por exemplo pensões e

encargos com saúde) tenderem, em caso de inércia, a aumentar. Esta evolução deve-se ao

envelhecimento populacional, fator que incrementa as despesas da Segurança Social

(mais gastos com pensões e com os sistemas nacionais de saúde) e reduz as suas receitas

(menos contribuições). O aumento da idade mínima para a reforma é apenas um exemplo

de uma medida que pode ser tomada. Outras reformas que promovam a redução das

despesas públicas devem ser tidas em consideração, nomeadamente a redução ou

eliminação de subsídios em áreas não prioritárias. Para além disso, os governos nacionais

podem implementar reformas que promovam as receitas públicas, nomeadamente

políticas de combate à evasão fiscal, eliminação de isenções fiscais ou implementação de

taxas ambientais (FMI, 2010). De acordo com a OCDE (2016), os países da AE têm

implementado de forma relativamente lenta as reformas estruturais entendidas como

necessárias pelas instituições europeias para garantir a sustentabilidade das finanças

públicas.

Tendo em conta que as dívidas públicas de grande parte dos países da AE

continuam bastante elevadas e as reformas estruturais vão sendo implementadas a um

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ritmo lento, coloca-se a questão de como esses países, principalmente aqueles que

apresentam dívidas públicas muito elevadas, seriam afetados caso o BCE começasse a

reverter as medidas de PMNC, nomeadamente subindo as taxas de juro diretoras.

Aquando dessa decisão, as taxas de juro das obrigações de dívida pública irão começar a

subir, aumentando os encargos com juros e tornando a redução da dívida pública, em

percentagem do PIB, ainda mais custosa (se não provocar mesmo uma subida nos rácios).

A sustentabilidade das finanças públicas de alguns países da AE (principalmente daqueles

que hoje apresentam as maiores dívidas públicas) pode ser posta em causa com essa

subida das taxas de juro (Matthes, 2014). Investidores privados ao aperceberem-se de tal

situação podem começar a exigir taxas superiores pela compra de obrigações de dívida

pública, impulsionando ainda mais a subida inicial nas taxas de juro desse tipo de títulos.

A coordenação da subida das taxas de juro diretoras com o programa APP será da máxima

importância para o sucesso deste processo. Se o BCE continuar a adquirir títulos de dívida

pública que estejam sob stress, pode contrariar, em certo grau, a subida nas taxas de juro

nos mercados de dívida pública (Turner, 2014).

O elevado e persistente endividamento de alguns países da AE (figura 4.6) pode

atrasar a reversão das medidas de PMNC por parte do BCE, algo que põe em causa a sua

independência. De facto, caso se verifique tal situação, o BCE fica dependente da

evolução das finanças públicas dos países membros, algo que é comumente designado

por fiscal dominance (Matthes, 2014). Caso se verifique tal situação haverá um certo

“braço de ferro” entre o BCE e os países da AE. O BCE pretende que os governos façam

rápidos progressos em termos de consolidação orçamental, de forma a poder perseguir o

seu objetivo primordial (manutenção da estabilidade de preços no médio prazo). Caso

haja a expectativa de que as taxas de inflação irão subir de forma preocupante, subir as

taxas de juro diretoras é essencial para controlar essa dinâmica. Por outro lado, os

governos nacionais sabem que o BCE se mostrará reticente em subir as taxas de juro

diretoras, caso não sinta que a consolidação orçamental dos países membros está

avançada, e aproveitam para ir atrasando esse processo (as pressões internas em alguns

países agravam a situação) (Belke, 2016). Apesar de todos os países terem acesso, em

condições razoáveis, aos mercados de dívida pública e de as taxas de juro praticadas

serem relativamente baixas (tanto a curto como a longo prazo), uma subida das taxas de

juro diretoras, em conjugação com altas dívidas públicas e o início da venda de títulos de

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dívida (adquiridos através do APP) pode desencadear um aumento descontrolado dos

spreads nos mercados de dívida pública (Wyplosz, 2014). Uma situação de turbulência

nos mercados de dívida pública rapidamente pode contagiar outros mercados financeiros

e economia real. Para evitar tais problemas é importante que haja uma verdadeira

coordenação entre o BCE e os países da AE, de forma a que os governos nacionais não

tentem prolongar em demasia o ambiente de baixas taxas de juro ou que o BCE, num caso

hipotético, tente forçar cedo demais a subida das taxas de juro diretoras. O BCE tem

também algumas formas de minimizar as possibilidades de existência de uma fiscal

dominance, nomeadamente através de uma comunicação clara e objetiva. Caso o BCE

comunique com antecedência o momento em que vai parar a compra de títulos de dívida

pública, e se vai manter os títulos que detém até à maturidade ou se os vai vender, está a

comprometer-se com uma ação futura, pelo que será menos provável não tomar essa

decisão na data estabelecida (Turner, 2014). Caso o BCE esteja comprometido com

prazos, menor a suscetibilidade a pressões dos governos nacionais.

5.1.5. Prejuízos para o BCE

O BCE sofreu, em consequência dos programas de compra de ativos, uma grande

alteração na composição do seu balanço. Num ambiente de normalidade, o BCE possui

maioritariamente ativos de alta qualidade e de curto prazo (maior facilidade no controlo

da taxa das operações principais de refinanciamento, que é uma taxa de curto prazo). No

entanto, por ação da abundante compra de ativos a que se assistiu ao longo dos últimos

anos, o balanço do BCE está repleto de ativos de qualidade duvidosa e das mais diversas

maturidades. Para além disso, a dimensão do balanço do BCE aumentou em grande

escala. Assim que as taxas de juro comecem a subir, os ativos de longo prazo vão perder

valor e os ativos de baixa qualidade vão impor perdas através do aumento dos

incumprimentos (Wyplosz, 2014). Obviamente que os prejuízos que o BCE possa ter

nunca levarão a problemas de financiamento nem colocarão em causa a sustentabilidade

da instituição, uma vez que tem sempre a hipótese de criar moeda. O problema é que esses

prejuízos podem ter impactos políticos e colocar em causa a independência do BCE

(Turner, 2014). Por exemplo, pode-se criar um dilema para o BCE, caso este tenha que

criar moeda para compensar os seus prejuízos (criando pressões inflacionistas) mas ao

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mesmo tempo tenha que combater pressões inflacionistas (devido ao seu objetivo de

manutenção da estabilidade de preço no médio prazo).

5.1.6. Impacto em países que não adotaram medidas de PMNC

As medidas de PMNC adotadas pelo BCE também produziram impactos em

países que não as adotaram. Com a descida das taxas de juro em grande parte dos países

desenvolvidos, houve uma transferência de capitais para outros países que garantiam

taxas de juro mais elevadas, principalmente países em desenvolvimento. Atualmente, o

possível retorno desses capitais aos países desenvolvidos, por via da previsível subida das

taxas de juro num futuro próximo, leva a grandes preocupações nos países que

beneficiaram da entrada de capitais. A redução do investimento ou criação de

instabilidade nos mercados financeiros desses países são alguns dos problemas que terão

de ser enfrentados. Por outro lado, alguns efeitos positivos são esperados para os países

que receberam capitais, nomeadamente a depreciação das moedas nacionais (essencial

para países exportadores) ou a redução de algumas bolhas especulativas que foram criadas

pelo excesso de liquidez nos mercados financeiros (Belke, 2014). Obviamente, efeitos

contrários serão sentido nos países que adotaram medidas de política monetárias não

convencionais ao longo dos últimos anos, nomeadamente na AE, embora em escalas

diferentes. A cooperação entre governos nacionais e bancos centrais pode suavizar alguns

destes impactos.

5.2. Princípios fundamentais para a reversão das medidas de PMNC

No início deste capítulo foram apresentadas algumas questões fundamentais sobre

o processo de reversão das medidas de política monetária implementadas pelo BCE ao

longo dos últimos anos. De seguida serão apresentadas algumas possíveis respostas,

assim como serão debatidos outros aspetos essenciais sobre o processo de reversão.

Segundo o FMI (2010) o processo de reversão deve obedecer a três critérios

fundamentais:

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79

▪ Integração: as decisões devem ter em conta os pontos de vista das mais

diversificadas entidades da AE, sejam elas públicas ou privadas (por exemplo,

governos, banqueiros, reguladores, entre outros).

▪ Flexibilidade: o processo de reversão das medidas de PMNC envolve a tomada

de várias decisões complexas, nomeadamente decidir quais medidas reverter

primeiro, em que momentos, a que velocidade, entre outros. No entanto, todas

essas decisões devem respeitar o princípio da flexibilidade, ou seja, devem

permitir margem de manobra (colocar algumas medidas de reversão em pausa por

exemplo) para que os decisores de política possam responder a imprevistos,

nomeadamente períodos de maior instabilidade nos mercados financeiros.

▪ Comunicação: a comunicação, apesar de não ser considerada um instrumento de

política monetária, tem uma importância igual ou superior a alguns desses

instrumentos. Por exemplo, Georgiadis e Gräb (2016) e Falagiarda e Reitz (2015)

comprovam que a política de comunicação do BCE ao longo dos últimos anos

contribuiu para a redução dos spreads implícitos nas obrigações de dívida pública

dos países da AE. Uma comunicação clara e concisa sobre o futuro da política

monetária na AE, neste caso sobre a estratégia de reversão do “ambiente não

convencional”, permite reduzir incertezas e ancorar expetativas. Por exemplo,

caso o BCE decida subir as taxas de juro diretoras, pode-se criar o pânico em

alguns mercados fortemente intervencionados pelo BCE (como é o caso dos

mercados de dívida pública), pelo facto de se criar a expetativa que esses apoios

serão retirados num futuro próximo. Se o BCE não tencionar abandonar esses

apoios num futuro próximo, pode e deve comunicar que a situação nesses

mercados não se vai alterar, evitando problemas de maior. No entanto, para que a

comunicação dos bancos centrais seja relevante é necessária credibilidade, os

agentes económicos têm que ter a constante confiança de que os bancos centrais

vão sempre cumprir aquilo que declaram ou aquilo que assumem como objetivos

(González-Páramo, 2007). Em relação ao exemplo anterior (subida nas taxas de

juro diretoras), o BCE ao vincular-se em manter os apoios aos mercados de dívida

pública tem que o fazer efetivamente, de forma a manter a confiança dos agentes

económicos. Caso não o faça, nas próximas comunicações, os agentes económicos

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80

podem desconfiar da veracidade das declarações do BCE, sendo menos eficazes

tais comunicações.

5.2.1. Os timings certos para a reversão das medidas de PMNC

A primeira questão está relacionada com a seleção dos timings ideais para reverter

as várias medidas de PMNC, nomeadamente a subida das taxas de juro diretoras por parte

do BCE. Essas decisões terão sempre um elevado grau de incerteza, sendo que o BCE

será pressionado, tanto no sentido de apressar o processo como no sentido de o atrasar.

Falhar os timings certos trará sempre custos adicionais. Se a reversão das medidas não

convencionais se iniciar muito cedo a recuperação económica pode ser posta em causa;

se a reversão se iniciar muito tarde, está-se a desincentivar a iniciativa privada, colocam-

se riscos para a estabilidade de preços, entre outros (FMI, 2010). O momento ideal é

aquele a partir do qual grande parte das pré-condições que vimos anteriormente

(recuperação económica, estabilidade financeira e bancária, consolidação orçamental,

etc…) se cumpram e, portanto, o momento a partir do qual se torna relativamente seguro

reverter as medidas de PMNC (Matthes, 2014). O problema é que nem todos esses fatores

evoluem da mesma forma, algumas pré-condições demoram mais tempo e são mais

difíceis de atingir. Para além disso, as diferenças entre países são enormes na AE, pelo

que o timing ideal para iniciar uma reversão das medidas não convencionais num país é

diferente do timing ideal para outro país (FMI, 2010). Por exemplo, garantir a estabilidade

e solidez bancária (com tudo o que isso implica em termos de reestruturação de balanços,

cumprimento de rácios de capitais, reformas estruturais, entre outros) demora muitos anos

a atingir, muito mais do que a recuperação de um bom crescimento económico ou a

estabilização dos mercados financeiros. Há também economistas que defendem que o

timing ideal para a reversão das medidas não convencionais apenas deve estar relacionado

com a evolução da inflação, ignorando outros fatores. Assim que a estabilidade de preços

comece a ser posta em causa, o BCE deve começar o processo (Belke, 2014). A

estabilidade de preços é o principal objetivo do BCE, embora pareça claro que a última

década veio trazer mudanças na condução da política monetária da AE. Devem ser tidos

em conta outros aspetos (para além da estabilidade de preços) no momento de tomar

decisões de política monetária (Wyplosz, 2014).

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5.2.2. A velocidade a que se devem reverter as medidas de PMNC

A resposta a esta pergunta é relativamente simples, uma vez que a reversão das

medidas de PMNC deve ser feita de forma progressiva e a uma velocidade que não ponha

em causa os progressos feitos, ao longo dos últimos anos, em vários aspetos. Mais

especificamente, a subida das taxas de juro diretoras deve ser feita de forma suave,

devendo cada alteração nessas taxas ser comunicada com antecedência e clareza. Desta

forma, os agentes económicos têm tempo para se adaptar às mudanças que vão ocorrendo

(Matthes, 2014).

Excesso de velocidade na subida das taxas de juro pode levar a momentos de

instabilidade nos mercados financeiros, motivados, em grande parte, pelo facto de os

investidores tentarem ajustar o mais rápido possível os seus portfólios. Essa instabilidade

pode levar a aumentos excessivos e desregrados das taxas de juro nos mercados

financeiros, sendo que a possível venda de ativos por parte do BCE também pode

incrementar as taxas de juro. Caso haja uma reação excessiva dos agentes económicos,

todos os ajustamentos e progressos feitos nos anos anteriores podem ser postos em causa,

amplificando-se ainda mais alguns dos problemas debatidos anteriormente,

nomeadamente a solidez financeira e bancária, a consolidação das finanças públicas, entre

outros (FMI, 2013). As subidas nas taxas de juro devem ser reduzidas, mas muito

frequentes, sendo devidamente comunicadas, para que os agentes económicos tenham a

noção da evolução futura das taxas de juro diretoras e não sejam surpreendidos (Matthes,

2014). Não havendo surpresas nem incertezas para os investidores, não há motivos para

ajustamentos apressados nos seus portfólios, esses ajustamentos são feitos

moderadamente ao longo do tempo. Mais uma vez coloca-se o problema da

heterogeneidade entre os países da AE, o ritmo a que a reversão das medidas de PMNC,

nomeadamente a subida das taxas de juro diretoras, deve ser feita difere de país para país,

dependendo das especificidades de cada Estado (FMI, 2010).

Em relação à redução do balanço do BCE, esse processo pode fazer-se

naturalmente de forma progressiva, desde que o BCE opte por manter os ativos que

adquiriu até à maturidade. O problema que aí se coloca está relacionado com o facto de o

processo de redução do balanço estar dependente das características dos ativos detidos e

não da evolução das condições económicas e outros fatores relevantes (Turner, 2014).

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5.2.3. Os instrumentos prioritários na reversão das medidas de PMNC

Apesar de o BCE ter implementado uma grande diversidade de medidas de PMNC

ao longo dos últimos anos, grande parte da literatura sobre a saída do “ambiente não

convencional” foca-se em duas delas, o nível das taxas de juro diretoras e as aquisições

de títulos ao abrigo do programa APP. Recorrendo a essa simplificação, para sair desse

“ambiente não convencional” o BCE terá que subir as taxas de juro diretoras e reduzir a

dimensão do seu balanço. Ambas as ações terão efeitos contracionistas na economia da

AE, na medida em que irão promover a subida das taxas de juro nos mercados financeiros

e nas taxas ativas e passivas bancárias (incluindo as taxas de juro de longo prazo), a

apreciação do euro e a redução do preço dos ativos (Wyplosz, 2014). Todos estes aspetos

estão interligados e podem pôr em causa a recuperação económica que ocorreu ao longo

dos últimos anos na AE. Por outro lado, são instrumentos com especificidades totalmente

diferentes, daí a necessidade de perceber em que ordem devem ser revertidos, ou se

devem ser revertidos simultaneamente.

O FMI (2013b) recomenda uma sequência lógica para a reversão das medidas de

PMNC:

1. Comunicar com bastante antecedência a evolução futura das taxas de juro

diretoras, assim como o ritmo de aquisição de títulos;

2. Redução do montante de aquisição de ativos (tapering);

3. Início da subida das taxas de juro diretoras;

4. Redução da dimensão do balanço.

O primeiro passo está relacionado com a comunicação, uma vez que o BCE deve

comunicar com bastante antecedência a evolução futura das taxas de juro diretoras, assim

como o ritmo de aquisição de títulos. Obviamente que iniciar tal comunicação implica

que o BCE esteja relativamente seguro em relação à contenção dos riscos inerentes à

reversão das medidas não convencionais.

Posteriormente, possivelmente vários meses depois de o comunicar, o BCE deve

começar a reduzir o montante de aquisição de ativos. Apesar da mudança de paradigma

na política monetária ser previamente anunciada, reduzir a compra de ativos torna-se um

passo menos arriscado do que uma subida das taxas de juro diretoras ou venda de títulos,

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algo que poderia alarmar os agentes económicos e pôr em risco o processo. Os primeiros

passos têm que ser o menos arriscado possível.

De seguida o BCE deve começar a subir as taxas de juro diretoras, de forma

moderada. Esta subida pode ocorrer ao mesmo tempo ou antes de uma redução do

montante de reservas (venda de ativos adquiridos ao abrigo do APP).

Por último, já em consequência da redução de reservas, o balanço do BCE será

reduzido. Este processo pode ser acelerado ou retardado, dependendo da vontade do BCE

manter grande parte ou a totalidade dos títulos adquiridos até à maturidade. A explicação

para que a redução do balanço tenha menos prioridade do que a subida nas taxas de juro

pode estar relacionada com o facto de a gestão de títulos ser mais cirúrgica e flexível. Se,

por exemplo, houver um aumento da volatilidade em certo tipo de títulos, nomeadamente

títulos de dívida pública, o BCE pode optar por vendas mais moderadas desse tipo de

títulos, ou até adquirir novos títulos, acalmando a turbulência nesses mercados (Belke,

2014). Este tipo de tática pode também ajudar a suavizar a heterogeneidade entre os vários

países da AE, principalmente em termos de spreads inerentes a títulos de dívida pública.

No caso das taxas de juro diretoras não há essa possibilidade de intervir cirurgicamente

em certos mercados.

Esta sequência foi assumida por alguns bancos centrais ao longo dos últimos anos,

nomeadamente a Reserva Federal e o Banco de Inglaterra. Estes dois bancos centrais,

aquando do momento em que deixaram de adquirir novos ativos (cumprindo o segundo

passo), indicaram que o próximo passo na normalização seria a subida nas taxas de juro

diretoras e que só depois de se iniciar tal subida começariam a vender ativos (Turner,

2015). No caso da Reserva Federal, a Federal Funds Rate já começou a subir

gradualmente desde 2015, embora o volume do seu balanço se mantenha praticamente

inalterado (figura 5.3). Na AE, o BCE também começou, a partir de janeiro de 2018, a

reduzir o montante de aquisição de títulos ao abrigo do APP para metade (de 60 mil

milhões de euros mensais para 30 mil milhões de euros), algo que alerta ainda mais para

o início da subida das taxas de juro diretoras num futuro próximo.

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Figura 5.3: Dimensão do ativo da Reserva Federal, 1:2008-12:2017 (109$)

Fonte: Federal Reserve of St. Louis (2017b).

5.2.4. O “novo normal” das taxas de juro diretoras

Tendo em conta a realidade económico-financeira vivida desde 2007 na AE,

coloca-se a questão de quais serão os valores considerados normais para os mais diversos

indicadores. Depois de tanto que se alterou ao longo dos últimos anos, serão esses valores

normais os mesmos que existiam antes de 2008? Provavelmente não, uma vez que as

crises do subprime e das dívidas soberanas provocaram enormes perdas na economia da

AE, nomeadamente em termos de capital financeiro, físico e humano. Consequentemente,

o potencial de crescimento económico da AE terá sido bastante afetado. Voltar às

condições que existiam antes de 2008 poderá ser uma questão de longo-prazo (González-

Páramo, 2009).

Existem alguns economistas que são mais pessimistas em relação ao futuro das

condições económicas mundiais, incluindo a AE. Esses economistas são defensores da

hipótese da secular stagnation11, hipótese que sofreu muitas alterações desde o seu

aparecimento. Na atualidade, economistas como Blanchard et al. (2014) e Eichengreen

(2014) defendem que as taxas de juro reais se irão manter baixas por um elevado período

11 O termo secular stagnation foi introduzido por Alvin Halsen em 1938. Este economista utilizou o termo

para descrever o processo no qual os EUA iriam entrar nos anos seguintes, um longo período de elevado

desemprego e estagnação económica. A justificação para esta teoria estava relacionada com fatores

estruturais, nomeadamente o declínio no crescimento populacional e a falta de inovação (Bindseil et al.

(2015)).

0

500

1 000

1 500

2 000

2 500

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de tempo, provavelmente em níveis inferiores aos que se verificavam antes do despoletar

da crise do subprime. Apesar do ambiente depressivo que se viveu nos últimos anos, a

descida das taxas de juro reais mundiais já se tinha iniciado muito antes, estando associada

a fatores estruturais, algo que já foi referido no capítulo anterior. Alguns desses fatores

são a redução no ritmo de aparecimento de novas invenções, a redução na propensão ao

investimento (aumento da poupança mundial) e o abrandamento no crescimento da

produtividade. Estando as baixas taxas de juro reais associadas a muitos outros fatores,

para além das crises económico-financeiras, percebe-se que, muito provavelmente, se

manterão baixas por um longo período de tempo (enquanto não houverem alterações

significativas no comportamento desses fatores). Segundo esta teoria, enquanto se

mantiver este ambiente, as condições económicas irão melhorar apenas de forma residual,

e o crescimento económico permanecerá estagnado, ou perto disso. Esta teoria é muito

criticada, uma vez que vários economistas defendem que é pouco provável que, neste

caso, a AE se mantenha estagnada durante décadas. Aliás, as perspetivas para o

crescimento económico dos próximos anos na AE parecem demonstrar que a teoria da

secular stagnation estará errada.

5.2.5. A importância da coordenação entre bancos centrais

É inquestionável o elevado grau de integração entre economias e mercados

financeiros de todo mundo, algo que ficou bem patente na forma como a crise do

subprime, iniciada nos EUA, se alastrou a praticamente todo o mundo (apesar dessa

propagação ter beneficiado da existência de fatores de risco em muitos países). Assim

sendo, a aplicação de medidas de PMNC, que ocorreu ao longo da última década em

algumas áreas económicas, e, no futuro, a sua reversão têm impactos um pouco por todo

o mundo (Belke, 2014).

Os países que não adotaram grande parte das medidas de política monetária que

têm vindo a ser analisadas também foram afetados, nomeadamente alguns países em

desenvolvimento, que receberam elevados fluxos de capital ao longo dos últimos anos.

Uma subida das taxas de juro diretoras nos países desenvolvidos irá promover a saída de

capitais desses países (Belke, 2014).

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Num momento em que os bancos centrais que adotaram tais medidas estão a

planear ou já iniciaram subtilmente o seu processo de reversão, percebe-se que é

necessária uma coordenação eficaz, de forma a facilitar o processo e evitar retrocessos

económicos (FMI, 2010). A coordenação deve existir entre a maioria dos bancos centrais

mundiais, uma vez que todos serão afetados, tenham implementado medidas de PMNC

ou não. Na ausência de coordenação, os bancos centrais podem escolher timings que não

são desejáveis para reverter medidas de PMNC, colocando em causa a estabilidade

financeira mundial. Quanto maior a dimensão dos bancos centrais maior o impacto. Por

exemplo, caso o BCE e a Reserva Federal decidissem vender títulos de dívida pública no

mesmo momento, os mercados de dívida pública seriam inundados com um elevado

número de títulos, promovendo uma pressão para a subida dos spreads (algo que não é

desejável). No caso das taxas de juro diretoras, a não coordenação entre bancos centrais

que adotaram medidas de PMNC também traz problemas. Por exemplo, imagine-se dois

países com bancos centrais próprios que implementaram medidas de PMNC, sendo que

um país já está económica e financeiramente recuperado e o outro país ainda está em

recuperação. Uma subida nas taxas de juro diretoras do país que já está recuperado pode

pôr em causa a recuperação no outro país, uma vez que há uma transferência de capitais

do país em recuperação para o recuperado (caso haja uma importante interligação

financeira entre os países) (Belke, 2016). Por outro lado, também há uma alteração na

taxa de câmbio (desvalorização cambial no país onde se verificou a saída de capitais),

algo que beneficiará os setores exportadores do país em recuperação económica.

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6. Conclusão

Os objetivos desta dissertação consistem na sintetização de informação acerca da

evolução económica e financeira da AE e da atuação do BCE ao longo da última década,

assim como na reflexão acerca do futuro da política monetária nesse espaço económico.

Para tal recorreu-se a uma exaustiva, rigorosa e crítica revisão de literatura sobre o

assunto.

Relativamente à atuação do BCE ao longo dos últimos anos, várias medidas de

PMNC foram implementadas, de forma a fazer face aos efeitos adversos das crises do

subprime e das dívidas soberanas. A redução das taxas de juro diretoras para níveis muito

baixos foi apenas uma dessas medidas. A taxa das operações principais de

refinanciamento atingiu o valor de 0,0%, enquanto que a taxa da facilidade permanente

de depósito e a taxa da facilidade de cedência de liquidez atingiram os valores de -0,4%

e 0,25%, respetivamente. Para além disso, o BCE implementou várias medidas com o

objetivo de fornecer liquidez em larga escala ao setor bancário (por exemplo, as LTRO´s

direcionadas), fomentando o crédito à economia real, e criou programas de aquisição de

vários tipos de títulos, nomeadamente títulos de dívida soberana. A compra de ativos

ganhou relevância a partir de meados de 2014, altura em que o BCE lançou o APP,

embora nessa fase apenas com dois programas de compra de ativos do setor privado

(ABSPP e CBPP3). A partir de 2015 o PSPP foi incluído no APP, sendo um programa de

compra de dívida soberana que chegou a atingir os 60 mil milhões de euros de aquisições

mensais (muito mais do que o conjunto dos restantes programas do APP). Mais tarde,

em 2016, viria ainda a ser incluído um programa de compra de ativos do setor empresarial

(CSPP).

Tratando-se de uma estratégia de condução de política monetária de recurso,

obviamente que a atuação do BCE esteve longe da perfeição, uma vez que não despoletou

apenas efeitos positivos, também despoletou efeitos adversos. Apesar das críticas que

foram apresentadas por vários economistas, banqueiros ou policymakers, nomeadamente

a criação de bolhas especulativas, a alocação ineficiente de recursos ou a redução da

margem de lucro dos bancos, a verdade é que essa atuação foi essencial para reduzir a

instabilidade nos mercados financeiros (principalmente nos mercados interbancários e

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88

nos mercados de dívida soberana), para apoiar o fragilizado setor bancário, para garantir

o acesso ao crédito em melhores condições para a economia real, garantir a estabilidade

de preços, entre outros. Foi um período excecional em termos económico-financeiros,

algo que exigiu também medidas excecionais por parte do BCE. Convém refletir sobre o

que teria acontecido em caso de inércia do BCE. Há dúvidas sobre o que seria a AE e a

moeda “euro” hoje em dia, se é que ainda existiam.

A estabilidade de preços é o objetivo principal do BCE e todas as medidas

implementadas foram comunicadas tendo por objetivo último a manutenção da

estabilidade de preços no médio prazo. No entanto, a estabilidade preços pode ter sido,

em vários casos, apenas um “pretexto” para que o BCE pudesse atingir outros objetivos,

nomeadamente a recuperação económica ou a redução no custo de financiamento dos

Estados. A taxa de inflação deu quase sempre margem, ao longo da última década, para

o BCE implementar medidas de política monetária expansionistas, já que as expectativas

para a taxa de inflação (e posteriores taxas verificadas) terem estado quase sempre abaixo

do objetivo de 2%.

Relativamente ao futuro da política monetária na AE continuam a existir várias

dúvidas, principalmente no que toca à saída do “ambiente não convencional”. Apesar da

sequência a implementar neste processo (comunicar com antecedência, iniciar o tapering,

começar a subir as taxas de juro diretoras e, por último, começar a reduzir a dimensão do

balanço) ser praticamente consensual, de se ter a noção que as taxas de juro devem subir

de forma progressiva e a uma velocidade moderada e de ser essencial a cooperação entre

os vários bancos centrais mundiais e entre vários outros organismos e instituições

públicos e privados, ainda existem muitas incertezas. Essas incertezas estão

essencialmente relacionadas com a seleção dos timings corretos para o despoletar das

várias etapas deste processo, algo que é especialmente complicado pelo facto de existirem

inúmeros fatores a considerar e de esses fatores evoluírem de forma bastante diferenciada

entre os vários países da AE. Alguns desses fatores são as expectativas em relação à

evolução futura da taxa de inflação, a solidez no setor bancário, a estabilidade financeira,

a solidez nos balanços dos setores público e privado, entre outros. A seleção errada desses

timings pode pôr em causa os progressos feitos ao longo dos últimos anos, pelo que este

processo deve ser realizado com o máximo de prudência. No entanto, esses fatores a

considerar ou pré-condições parecem dar cada vez mais segurança para a reversão do

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“ambiente não convencional”. Por exemplo, as perspetivas para a taxa de inflação na AE

apontam para que esta se situe próximo dos 2% em 2018 e 2019, ou seja, próximo do

objetivo do BCE e acima das taxas que se verificaram sobretudo em 2015 e 2016 (período

em que se temeu a deflação). A incerteza estende-se também ao que será o “novo normal”

em termos de condições económicas ou na atuação do BCE no futuro, após finalizado o

processo de reversão das medidas de PMNC.

Sejam quais forem as estratégias adotadas para a saída do “ambiente não

convencional”, há três princípios fundamentais a observar: integração, flexibilidade e

comunicação. Em relação à integração, é importante referir que decisões sobre um

processo tão importante, como é caso da reversão das medidas de política monetária não

convencionais, devem ter em conta os pontos de vista das mais diversificadas entidades

da AE, sejam elas públicas ou privadas. A flexibilidade é essencial para permitir margem

de manobra (colocar algumas medidas de reversão em pausa por exemplo), de forma a

que os decisores de política possam responder a imprevistos. A comunicação, apesar de

não ser considerada um instrumento de política monetária, tem uma importância igual ou

superior a alguns desses instrumentos. Uma comunicação clara e concisa sobre o futuro

da política monetária na AE, neste caso sobre a estratégia de reversão do “ambiente não

convencional”, permite reduzir incertezas e ancorar expetativas.

Tendo em conta que, a partir de janeiro de 2018, o BCE reduziu a compra de ativos

ao abrigo do APP para metade, o processo já estará em curso na AE, sendo previsível que

as taxas de juro diretoras comecem a subir num futuro não muito distante.

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