A Prática da Psicologia Escolar em Creches Comunitárias: Em Busca da Autossustentabilidade...

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A PRÁTICA DA PSICOLOGIA ESCOLAR EM CRECHES COMUNITÁRIAS: EM BUSCA DA AUTOSSUSTENTABILIDADE ATRAVÉS DO ACOLHIMENTO

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A partir da mudança de Paradigmas da Psicologia Escolar, a autora propõe uma nova forma de atuação a partir da Abordagem Centrada na Pessoa.

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  • A PRTICA DA PSICOLOGIA ESCOLAR EM CRECHES COMUNITRIAS:

    EM BUSCA DA AUTOSSUSTENTABILIDADE ATRAVS DO ACOLHIMENTO

  • EDITORA MULTIFOCO

    Rio de Janeiro, 2014

    A PRTICA DA PSICOLOGIA ESCOLAR EM CRECHES COMUNITRIAS:

    EM BUSCA DA AUTOSSUSTENTABILIDADE ATRAVS DO ACOLHIMENTO

    C A R O L I N A C A R V O

  • EDITORA MULTIFOCO

    Simmer & Amorim Edio e Comunicao Ltda.Av. Mem de S, 126, Lapa

    Rio de Janeiro - RJ

    CEP 20230-152

    TEXTO DE ORELHA

    Cynthia Dorneles

    REVISO

    Marcio Paschoal

    CAPA & DIAGRAMAO

    Anna Julia Clementino

    A prtica da psicologia escolar em creches comunitrias:

    Em busca da autossustentabilidade atravs do acolhimento

    CARVO, Carolina

    1 Edio

    Setembro de 2014

    ISBN: 978-85-8473-064-3

    Todos os direitos reservados.

    proibida a reproduo deste livro com fins comerciais sem

    prvia autorizao do autor e da Editora Multifoco.

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    UNIVERSIDADE SANTA RSULA

    IPP Instituto de Psicologia e PsicanliseDepartamento de Graduao em Psicologia

    Carolina Carvo Ribeiro Matrcula: 042002966

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    Rio de Janeiro 2008.2Carolina Carvo Ribeiro

    042002966

    A PRTICA DA PSICOLOGIA ESCOLAR EM CRECHES COMUNITRIAS: EM BUSCA DA AUTOSSUSTENTABILIDADE ATRAVS DO

    ACOLHIMENTO

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    Monografia apresentada Coordenao do Curso

    de Graduao em Psicologia do IPP Instituto de

    Psicologia e Psicanlise da Universidade Santa

    rsula como requisito parcial para a concluso do

    curso de Psicologia.

    Orientadora: Fernanda Fochi Nogueira Insfrn.

    Rio de Janeiro2008.2

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    Ribeiro, Carolina Carvo

    A prtica da psicologia escolar em creches comunitrias: em busca da autossustentabilidade atravs do acolhimento. Carolina Carvo Ribeiro - Rio de Janeiro, 2008.

    58f.

    Orientador acadmico: Fernanda Fochi Nogueira Insfrn. Monografia (Graduao em Psicologia). USU Universidade Santa rsula. IPP Instituto de Psicologia e Psicanlise. Departamento de Graduao em Psicologia.

    Ttulo em ingls: The pratical one of pertaining to school psychology in communitarian day-care centers: in search of the autoone through the shelter. Rio de Janeiro, Brasil.

    1. Abordagem Centrada na Pessoa. 2. Atuao da psicologia escolar. 3. Autossustentabilidade. 4. Comunicao

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    Monografia apresentada Coordenao do Curso de Graduao em Psicologia do IPP Instituto de Psicologia e Psicanlise da Universidade Santa rsula como requisito parcial para a concluso do curso de Psicologia.

    Avaliada em ______/ ______/ ______

    Conceito: Banca Examinadora:Presidente da Mesa Fernanda Fochi

    Nogueira Insfrn, Professora IPP/USU1. Avaliador Patrick Sampaio, Professor

    IPP/USU2. Avaliador Lindomara Gomes da

    Silva, Professora, IPP/USU

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    Ao meu sonho,

    que se torna real

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    AGRADECIMENTOS

    Aos clientes do SPA, que me proporcionaram relaes de amor, confiana e aprendizado, pelas quais serei eternamente grata.

    s crianas, funcionrios e familiares das creches comunitrias com os quais me envolvi, por me darem espao para viver essas relaes e realizar um trabalho to gratificante.

    minha relao teraputica com Ana Lydia Soares, por sua transparncia, que faz de mim uma pessoa cada vez mais capaz de perceber o que h de interessante nas diferenas humanas e de sentir e dar conta de minha vida, assim como ela .

    Ao meu filho Gabriel Ribeiro Veras pela nossa relao prxima, sincera e calorosa, que me faz sempre sentir que tudo vale a pena.

    minha orientadora Fernanda Insfrn, pessoa estimulante e acolhedora, que ajudou a dar asas

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    aos meus pensamentos e vivncias de uma forma muito especial.

    s minhas amigas Tathianna Pereira Zogahib e Fabiana de Castro Machado Borba que compartilharam comigo todo esse trajeto, incentivando e me ouvindo nos momentos difceis.

    Ao meu pai Rodolfo Gomes Ribeiro por seu acolhimento incondicional e o seu jeito peculiar de me fazer confiar em meu potencial.

    Universidade Santa rsula, por seu conhecimento acadmico, pelo estgio clnico que proporcionou encontros entre mim e seus clientes e pelo calor humano de seus estudantes e colaboradores.

    minha me Dina Helena Beniflah Carvo e Fernando talo que colaboraram de forma prtica para a concluso desse curso.

    minha inesquecvel turma de primeiro perodo que traz em todos esses anos momentos de verdadeira amizade, alegria, diverso, companheirismo e aconchego.

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    s instituies 10 e 12 Delegacia Legal, Agir Recursos Humanos, Valorizar Recursos Humanos, cone Recursos Humanos, Hospital Dia Ricardo Montalban e organizaes no governamentais e suas respectivas supervisoras por me proporcionarem prtica em Psicologia.

    Aos professores: Alessandra Daflon, Adriana Gesualdi, Marcos Portella, Marcio Pereira, Mariana Fiore e Patrick Sampaio por colaborarem para uma universidade onde a experincia de seus alunos ouvida e tem valor.

    Ao professor Jos Luiz Belas, pela sua pacincia e disponibilidade em colaborar com minhas reflexes.

    Muito obrigada, de corao.

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    PRIMEIRO CAPITULO INTRODUO

    A presente monografia busca discutir uma nova

    atuao da Psicologia Escolar, que visa no s o atendimento da clientela das instituies educativas, mas tambm a mediao de conflitos nas relaes entre todos os envolvidos neste ambiente: profissionais, clientela e famlias.

    A justificativa para escolha deste tema vem da atuao da autora como estagiria, h aproximadamente um ano, em Organizaes No Governamentais (ONGs), que atuam atravs de projetos sociais em creches de comunidades e instituies de ensino, para fins de atendimento psicolgico e outras especialidades a crianas surdas e alunos de classes especiais da rede municipal de ensino.

    Foi percebido que, nos dois projetos acima citados,os integrantes das equipes de psiclogos atuam em diferentes abordagens tericas. As diferentes aes dos profissionais evidenciam dificuldades na compreenso clara da intencionalidade de cada trabalho na equipe, e isto sentido como uma barreira de comunicao entre todos os grupos de relacionamento nestes espaos (tanto funcionrios quanto clientela atendida).

    Assim, a questo apresentada no presente trabalho seria: a diferena entre teorias inseridas em um mesmo

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    projeto e suas diferentes intenesdificultam a compreenso do objetivo geral do trabalho, interferindo na comunicao e na aproximao das pessoas, comprometendo as possveis transformaes nas relaes entre todos envolvidos no projeto?

    Tem-se como hiptese que o distanciamento nas relaes e as diferentes abordagens tericas provocam um atendimento superficial que inviabiliza o projeto numa possvel busca na transformao e na sustentabilidade das creches/instituio e da comunidade envolvida.

    Portanto, esta monografia tem a inteno de contribuir com uma nova possibilidade de atuao a partir de uma prtica psicolgica que facilite a comunicao de forma clara e autntica, buscando, assim, ultrapassar esta barreira de entendimento entre os profissionais de diferentes abordagens tericas.

    Para isso, se utilizou como referencial terico pressupostos da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) (ROGERS, 1982), que propem facilitar as relaes para o desenvolvimento de projetos sociais.

    Acredita-se que a ACP possa contribuir para o melhor entendimento/ comunicao entre todos os envolvidos, atravs de experincias em grupos de reflexo (ROCHA, 1999; INSFRN, 2007). Estas sero expostas nesta monografia, pois serviram de estmulo experincia que comeou a ser realizada nestas ONGs pela autora da presente monografia.

    Tal experincia busca realizar sistematicamente

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    grupos de reflexo com os profissionais das ONGs, para que estes possam, em um espao protegido, expor e refletir sobre as prticas cotidianas no trabalho, clarificando os sentimentos e vivncias envolvidas nas relaes que se estabelecem neste ambiente.

    Assim, entende-se que a contribuio desta ao meio acadmico se dar atravs da comparao entre as experincias relatadas pelos autores pesquisados e a experincia que vem sendo realizada pela autora nas ONGs, possibilitando a compreenso, no apenas terica, deste trabalho.

    Dessa forma, o objetivo geral desta monografia discutir uma nova forma de atuao do psiclogo escolar, onde este possa se inserir na mediao dos conflitos decorrentes das dificuldades de comunicao entre os envolvidos.

    Como objetivos especficos busca-se averiguar o nvel de qualidade no atendimento psicolgico prestado comunidade, possibilitando aos participantes a contribuio efetiva de expressar sua opinio sobre o trabalho proposto, a fim de avaliarmos o ndice de assertividade das reais necessidades da comunidade e da equipe profissional. Alm disso, aps este diagnstico averiguado junto a estes participantes, ser lanada a proposta de grupos de reflexo com todos os envolvidos. Estes j vm acontecendo em uma das ONGs onde a autora da monografia realiza estgio, sob a mediao da mesma, porm com o material coletado junto aos grupos atendidos, ser possvel propor a extenso do trabalho de grupos com todos os participantes.

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    Como metodologia para alcanar esses objetivos, utilizou-se a pesquisa bibliogrfica e o trabalho de campo, este dividido em duas partes, da qual foi privilegiado apenas uma das ONGs em que a autora atua: a primeira de coleta de dados atravs de questionrios, e a segunda com a interveno dos grupos de reflexo. Foram dez pessoas respondentes dos questionrios, sendo seis funcionrios, uma gestora, dois pais e uma psicloga do ncleo de psicologia do projeto ONG. J nos grupos de reflexo, participaram sete pessoas, sendo todas educadoras. .

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    SEGUNDO CAPITULO A HISTRIA DA PSICOLOGIA ESCOLAR E SUA

    RELAO COM A ATUAO CONTEMPORNEA

    Este captulo tem a inteno de compreender, atravs da histria da psicologia escolar, como se posiciona o psiclogo diante do contexto escolar atual e como se relaciona com ele.

    Analisar, tambm, sua necessidade de mudana para a contribuio de uma organizao transformadora e humana.

    2.1 - Psicologia Escolar: histrico e atuao

    Afirma-se que o pobre pobre, porque pobre. (PATTO, 1997, pg.460)

    A psicologia escolar consiste em uma interveno psicolgica que pretende facilitar as relaes no contexto escolar que possibilite um ambiente saudvel e propcio ao trabalho de seus funcionrios e ao aprendizado de seus alunos.

    Houve um marco na dcada de 1960 em que as diferenas apresentadas pela desigualdade social tornavam-se visveis e surgiam, junto com ela, nos Estados Unidos movimentos reivindicatrios(PATTO, 1997).

    Os estudos da desigualdade social e dos preconceitos raciais da poca traziam tona a teoria da carncia cultural, que se refere ao estigma de incompetncia das classes pobres,

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    vistas como pessoas incapazes de aprender e a pertencer aos grupos intelectuais. No se concorda mais com essa teoria, mas podemos perceber que ainda h essncia de teoria da carncia cultural disseminada nas escolas.

    Essa teoria mostra que a fora do preconceito constri subjetividades que acreditam em uma viso calcada no senso comum, que divide a sociedade em dois tipos: uma capaz de desenvolver-se cognitivamente e outra no. Essa forma de vivenciar a diferena entre as pessoas torna possvel que profissionais ainda trabalhem nessa perspectiva, estigmatizando alunos e definindo histrias de vida.

    Esse Tal pensamento nos traz a perpetuao de um estado aceitvel de pobreza. Vivenciamos assim uma sociedade de classes dominantes e dominadas. Podemos perceber que ainda hoje o quadro no muda: no h meno gnese estrutural da pobreza e sua dimenso social fica reduzida competio por recursos escassos, falta de recursos extensveis a todos. (PATTO, 1997)

    Essa perspectiva de pensamento, e consequentemente de trabalho, tambm influencia a atuao de psiclogos nas instituies escolares. Ainda podemos identificar uma psicologia preconceituosa, que no acredita no poder de transformao dos alunos e confirma o seu sistema de educao ineficaz.

    Ainda no h conscincia poltica do psiclogo inserido em ambiente escolar. A atual crise das escolas entra em conflito com a neutralidade existente na psicologia clnica

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    que atua nas instituies e nos faz repensar a postura da psicologia como contribuinte a um sistema eficaz que possa pensar a pobreza e os seus reais interesses de funcionamento em uma sociedade. (ANDRADA, 2005).

    A contribuio da Psicologia destinada a oferecer aos necessitados um auxlio pronto, diante de um diagnstico meramente explicativo e taxativo.

    Assim, o que presenciamos uma Psicologia centrada no aluno e na sua dinmica familiar, confirmando todo o contexto social de desigualdade e descrdito na pessoa, atravs da prtica de um nico saber absoluto, o clnico, em um contexto social e poltico, no qual as relaes e seus conflitos se manifestam visivelmente no ambiente escolar, mas no so exploradas.

    2.2 - Histrico da Psicologia Escolar no Brasil: A histria da psicologia no Brasil diferente da histria

    da psicologia nos Estados Unidos e na Europa. preciso se voltar para a primeira repblica Brasileira, momento em que a Escola Nova e a psicologia chegam com fora nos laboratrios de Psicologia e de Pedagogia Experimental, e verificar a maneira como os brasileiros se apropriaram delas no registro das condies econmicas, sociais e polticas daquele momento. Ento, para entender como se constitui a Psicologia que est vigorando hoje importante ver o momento da sua constituio no Brasil.

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    necessrio deter-se na realidade da primeira repblica no Brasil, um momento extremamente truculento no qual afloram conflitos de classe no contexto urbano. Isso tem repercusses sobre a constituio da psicologia, porque a palavra de ordem tanto dos psiclogos quanto dos pedagogos brasileiros daquele momento foram duas: como levar este povo a ser disciplinado, a obedecer, e como levar este povo a hbitos de trabalho de acordo com as caractersticas do trabalhador requeridas naquele momento de industrializao.

    Autores como Fernando de Azevedo e Loureno Filho empenham-se numa campanha educacional de moralizao e de disciplinamento para o trabalho, porque tm o fantasma do caos urbano trazido pelos movimentos sociais: a grande greve de 1917, as ideologias da esquerda revolucionria que chegaram junto com os imigrantes conduziam para uma psicologia que tenta informar ao mximo os pedagogos sobre a natureza dos aprendizes para que sejam bem sucedidos no objetivo de produzir esse homem necessrio ao sistema e aos interesses de uma classe. (PATTO, 2000).

    Esta uma viso da psicologia do desenvolvimento que surpreende, porque normalmente se diz que ela vem para entender e respeitar a criana em seus estgios de desenvolvimento, mas compactua junto aos interesses industriais.(PATTO, 1997).

    A histria da psicologia escolar no Brasil nos conta uma prtica de controle da existncia humana. A cultura de normatizao dos comportamentos ainda est nas

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    dinmicas escolares sem uma condio crtica que clarifique a forma como estamos considerando as diferenas entre as pessoas como algo inadequado, desajustado e como fonte da massificao de personalidade para suprir as necessidades do capitalismo.

    H, portanto, uma necessidade de mudana da atuao da psicologia em prol dos alunos, familiares e funcionrios e da reflexo da escola em sua intencionalidade de trabalho junto aos alunos.

    Mas ainda atuamos atravs de mtodos psicolgicos de observao, orientao e testes como instrumentos para medir o desempenho dos alunos, o que nos faz pensar que a teoria da carncia cultural e a conivncia com o capitalismo ainda esto emplacadas na psicologia da educao brasileira.

    Cria-se, portanto, um crculo de pobreza que ainda no interessa investigao e mudana devido cegueira de seus profissionais e governo, que atrasam a educao no pas atuando apenas atravs do julgamento.(PATTO, 1997).

    Talvez possamos perceber que no mudou muito a forma de atuao da psicologia de l para c, mas houve uma intensificao da interveno clnica e diagnosticadora que se tornou cmplice da aceitao da poltica de controle.

    Podemos concluir ento como se justifica a forma de classificar o psiclogo escolar da Associao Brasileira de Psicologia Escolar (ABRAPEE), que diz o seguinte sobre a atuao do psiclogo escolar no Brasil:

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    As concepes terico-

    metodolgicas que norteiam a prtica

    profissional no campo da psicologia

    escolar so diversas, conforme as

    perspectivas da Psicologia enquanto

    rea de conhecimento, visando

    compreender as dimenses subjetivas

    do ser humano. Algumas das temticas

    de estudo, pesquisas e atuao

    profissional no campo da psicologia

    escolar so: processos de ensino e

    aprendizagem, desenvolvimento

    humano, escolarizao em todos os

    seus nveis, incluso de pessoas com

    deficincias, polticas pblicas em

    educao, gesto psico - educacional

    em instituies, avaliao psicolgica,

    histria da psicologia escolar, formao

    continuada de professores, dentre

    outros (ABRAPEE, 2007).Mediante tais perspectivas de atuao, podemos

    perceber que a psicologia escolar no Brasil, pouco est inserida em um contexto poltico, mas num sistema apenas de aprendizado adequado que nos faz pensar em uma psicologia que no se envolve nas relaes escolares.

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    2.3 - A Atuao do psiclogo escolar e a necessidade de mudana:

    Segundo ANDRADA (2005), o lugar do psiclogo escolar foi garantido por uma sala de atendimento, que nada mudaria o cotidiano escolar se tal atendimento fosse realizado na clnica, fora da escola. A ento prtica do profissional de psicologia, impregnada do paradigma linear, segundo o qual o aluno um portador de deficincias, portador de falhas, faltas, no adaptado, enfim, dono de sua dificuldade, pouco pode fazer em relao a isso a no ser retir-lo de sala de aula e trabalhar nas suas deficincias fora desse contexto.

    Mas apesar da contribuio de Vygotsky para uma nova viso da escola, que tira de foco a teoria da carncia cultural e mostra capacidade de qualquer ser humano em aprender e de sua elaborao social dos processos psquicos, a escola ainda continua em crise, e a psicologia sem sucesso atua de forma pouco ou nada contextualizada em um convvio que social e poltico. (ANDRADA, 2005).

    A partir das evidncias de que a forma de atuao da psicologia no Brasil em sua causa e efeito no se justifica mais como poltica de psicologia educacional pela continuidade de sua crise, se possibilita um novo modelo da atuao da psicologia atravs do conceito de totalidade da escola nas suas manifestaes e suas relaes. (ANDRADA, 2005).

    Dessa forma, se manifesta a necessidade de maior responsabilidade dos atores escolares por sua atuao. Nesse

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    processo, o Educador contribui de forma atuante no processo de dificuldade dos alunos. Esse colaborador passa a atuar no somente com suas capacidades cognitivas, mas tambm na maneira como se relaciona com esse aluno.

    Pode-se entender que h ento a necessidade de atualizar a formao do professor, disponibilizando ferramentas que o faam se integrar scio-afetivamente nas turmas, a fim de considerar sua prpria existncia e suas prprias dificuldades. Trabalhando dessa forma, ser possvel a aceitao das diferenas existentes entre professores e alunos. (GATTI, 2003).

    Nesse formato, o professor no colabora com a repetio de um contexto histrico, mas com uma facilitao do processo de transformao de si e do aluno em sua autenticidade, responsabilidade e liberdade, diminuindo o distanciamento e conflitos entre alunos/famlia e escola.

    Compreender as formas de relacionamento que existem na escola significa olhar para as pessoas que nela atuam. Atravs desse estreitamento das relaes ser possvel perceber as dinmicas existentes nesse espao e entender a forma como os fenmenos acontecem.

    Assim, h a possibilidade de manifestao das dificuldades e a pessoa que comunica tal sentimento tem a chance de refletir seu conflito.

    Esse novo formato de atuao seria o trabalho com grupos de reflexo semanais e no mais atendimentos individuais. Esses encontros trariam escola uma forma de

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    repensar suas posturas, valores e atitudes rgidas de modo a perceber novas formas de insero no ambiente escolar e mundo. (INSFRN, 2007).

    Esse novo modelo de trabalho em psicologia facilita as relaes interdisciplinares. Assim, a mudana e postura da escola da qual nos referimos trata-se da aceitao do diferente, seja ele na realidade de vida ou/e de personalidade.

    Evidencia-se uma necessidade em mudar o trabalho do psiclogo com a escola e seu contexto geral, de forma que ocorra a manifestao do respeito s diferenas e s necessidades dos subgrupos existentes para o envolvimento das pessoas inseridas nesse contexto em seu trabalho dirio.

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    TERCEIRO CAPITULORELAO ESCOLA-FAMLIA: ALGUNS ENTRAVES

    NA COMUNICAO.

    Assim como vimos, a escola espera um comportamento adequado dos alunos, e igualmente espera de seus familiares a colaborao de acordo com aquilo que entende como adequado. A escola acredita que o pai facilitador aquele que participa das reunies, ajuda os filhos nas tarefas escolares e orienta na disciplina. (RIBEIRO e ANDRADE, 2006).

    Porm, podemos constatar que tais exigncias se inserem dentro de um contexto histrico que no considera a realidade atual das famlias em suas necessidades econmicas, sociais e culturais e a laicidade das instituies. Pode-se constatar isso na viso dos autores abaixo.

    Aquino (1996 apud RIBEIRO e ANDRADE, 2006) questiona a laicidade do ensino, apontando que a educao atitudinal ocupa grande espao no territrio escolar; vale dizer que a escola, tal como conhecida hoje, foi se construindo historicamente, estando sempre ligada aos interesses e valores hegemnicos de cada poca.

    J Aris (1978 apud RIBEIRO e ANDRADE, 2006) diz que a partir da Idade Mdia, a escola assumiu funo moralizadora, devendo criar bons hbitos nos alunos. No se pode negar que a atual escola herdou essa caracterstica.

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    Perez (2000 apud RIBEIRO e ANDRADE, 2006) observou que os encontros de pais e professores ocorrem primordialmente em funo de problemas comportamentais. Ribeiro e Andrade (2006) obtiveram resultados parecidos. Em seus estudos, as famlias dos alunos eram vistas pelos professores como ineficientes para transmitir as concepes de mundo adequadas criana, e na prtica docente as aes disciplinadoras eram privilegiadas, s vezes at em detrimento das pedaggicas.

    Segundo pesquisa de Ribeiro e Andrade (2006) torna-se visvel que os pais de baixa escolaridade e baixa renda, em sua maioria, aceitam e introjetam da escola tal postura crtica de suas faltas e no a questionam, embora desejem uma escola organizada para seus filhos. Essa atitude faz imperar nessas relaes o exerccio do poder dos dominantes aos dominados.

    Esse pedido de adequao, condicionada aos pais, possui como resposta a aprovao ou desaprovao por parte da equipe pedaggica de seus comportamentos. Essa postura provoca desunio entre pais e escola, que entendido como algo normal por todos. Os pais que so aprovados pela escola, no querem contato com os desaprovados, para no perder seu lugar de bons pais, perante a escola e os maus pais tendem a desistir da relao com a escola, se tornam agressivos e/ou se afastam da escola. (RIBEIRO e ANDRADE, 2006).

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    Essa expectativa da escola trata-se de um iderio cultural dominante, executadas em nome da normatizao da populao.

    Novamente percebe-se a necessidade de pensarmos novas formas de relaes entre pais e escola a fim de rompermos com um crculo vicioso entre dominantes e dominados.

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    QUARTO CAPTULO OS PRESSUPOSTOS DA ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA, COMO POSSVEL ATITUDE PARA A

    PSICOLOGIA ESCOLAR:

    O presente captulo visa colaborar de forma terica apresentando uma perspectiva psicolgica relativamente recente e inovadora, fundada por Carl Rogers (1902-1987).

    A Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), como conhecida, tem a inteno de facilitar a aproximao entre as pessoas atravs de uma relao pessoa a pessoa, humanizando uma convivncia sem representao de papis sociais.

    Essa forma de vivenciar o encontro teraputico tem a finalidade de facilitar transformaes nas relaes em uma comunidade, em uma equipe profissional, em uma escola e em uma organizao num processo que valoriza as diferentes realidades e a comunicao (ROGERS, 1982).

    Acompanharemos o desenvolvimento dessa proposta, os conceitos e as prticas que constituem uma relao de ajuda na comunidade:

    A capacidade de rir em

    comum a essncia do amor

    (SAGAN, Franoise)

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    4.1 - Viso de homem: Para apsicologia humanista, tambm conhecida como

    terceira fora em psicologia, o acolhimento trata-se de uma abordagem teraputica com foco na relao e tem como pressuposto uma viso dapessoacomo provedora de sade, confivel de seus prprios direcionamentos.

    Essa abordagem trabalhar com nfase na sade, na subjetividade, na conscincia e na relao. Ela ter a confiana na pessoa como condio, para a busca de sua liberdade, responsabilidade e criatividade para uma maior capacidade de lidar com sua vida.

    Essa relao favorecida atravs de atitudes do psiclogo que facilitam esse encontro e busca vivenci-las (ROGERS, 1982).

    4.2 - Atitudes do psiclogo na Abordagem Centrada na Pessoa:

    Para Rogers (1982), algumas caractersticas so

    necessrias nessa relao, que ter como objetivo facilitar o potencial da pessoa, que foram desenvolvidas atravs de estudos, pesquisas e prticas ao longo de sua vida, constatando serem elas mais importantes que a orientao terica. Rogers acredita que essa relao possa acontecer em qualquer esfera social.

    - Congruncia ou autenticidade:

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    muito provvel que uma

    terapia eficiente possa realizar-se

    quando, na relao com meu cliente,

    eu sou quem eu sou, sem artifcios,

    sem estar na defensiva. Isto significa

    que aquilo que estou sentindo no

    momento, em nvel vivencial ou

    visceral, est claramente presente na

    minha conscincia e est disponvel

    para comunicao direta com meu

    cliente, quando for conveniente.

    No somente tenho acesso aos meus

    sentimentos e experincias, mas sou

    capaz de viver e ser esses sentimentos

    no relacionamento. Estou empenhado

    num confronto pessoal direto com meu

    cliente, encontrando-me com ele numa

    base pessoa a - pessoa. Eu estou

    sendo eu mesmo, no estou negando

    a mim mesmo. Obviamente no

    fcil, nem sempre possvel, ser to

    transparentemente real. (ROGERS, WOOD, 1994, pg.205)

    Para Rogers (1982), a congruncia trata-se de uma

    atitude, de uma vivncia, para se alcanar evoluo no processo teraputico.

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    3 4

    Para que esse processo de desenvolvimento acontea, Rogers acredita que a forma mais eficaz, dentre tantas j vivenciadas e observadas nas relaes teraputicas, seja a relao entre pessoas como elas realmente so.

    Ser o que realmente se se refere ao entendimento de seus prprios sentimentos na relao.

    O terapeuta congruente aquele que est consciente do que sente, se apropria desses sentimentos como vivncia, consegue perceber-se em sua experincia e transmite esses sentimentos ao cliente/escola, colocando-se na relao assim como ele, uma pessoa.

    Essa experincia desmascarada facilita ao cliente/escola vivenciar a possibilidade de ser autntico na relao. Ao sentir verdade na autenticidade da relao e na sinceridade do interesse do psiclogo em ouvir e aceitar o seu jeito de compreender as relaes, o cliente/escola sente um impulso a ser como realmente rompendo-se com sua rigidez. (ROGERS, 1982)

    A partir de ento o psiclogo est em contato com o cliente/escola.

    Faz-se presente a busca pela compreenso dos sentidos e significados das vivncias do cliente/escola.

    No contexto da psicologia social e escolar, a funo do psiclogo nessa perspectiva est na busca e no desafio de encontrar-se autntico em seus sentimentos e atitudes, nas diversas situaes que acontecem em suas relaes na escola e na comunidade, tais como; no amor que sente pelas pessoas

  • C A R O L I N A C A R V O

    3 5

    com quem trabalha, na raiva ao se frustrar com a falta de comunicao e colaborao da equipe, no medo quando h conflito ou violncia nas comunidades.

    O estado de congruncia do terapeuta aproxima as relaes, transmitindo verdade no interesse pelas pessoas e as abraam de forma confiante possibilitando abertura para as mudanas. .

    - Compreenso emptica:

    A experincia de ser

    compreendido no aqui e - agora

    no momento imediato em si

    mesma uma poderosa experincia de

    crescimento

    (ROGERS, WOOD, 1994,

    p.210)

    Aps uma busca por um estado congruente do terapeuta, Rogers prope que a segunda atitude para a efetivao da relao teraputica seja a busca por uma compreenso do cliente/escola em sua experincia.

    Trata-se de apreender a vivncia da pessoa/escola na complexidade de seus significados, manifestados atravs de sua totalidade.

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    3 6

    A singularidade respeitada, como construo nica de subjetividade no processo de crescimento natural do organismo, desmistificando o conceito de normalidade. Nessa abordagem a pessoa a medida de sua prpria condio de normal. (AMATUZZI, 1990)

    A aproximao na relao com o cliente/escola gera a oportunidade de senti-lo atravs de sua fala verbal e corporal e a aceitao dessa experincia faz o cliente/escola perceb-la como algo possvel e adequada.

    Atravs da sensibilidade e da disponibilidade que a congruncia do terapeuta proporciona, possvel apreender o significado da vivncia, que comunicado pessoa a fim de que esta o reconhea ou no, provocando uma aproximao cada vez mais consciente da experincia.

    Essa capacidade de apreender tal conscincia gradualmente construda pelo prprio cliente/escola que conseguir perceber-se congruente e compreensivamente emptico em sua prpria experincia, tornando o processo teraputico cada vez menos necessrio, medida que consegue vivenci-lo sozinho, possibilitando sustentabilidade.

    A capacidade de compreender empaticamente uma pessoa nos faz crer em uma relao sincera e profunda entre pessoas que possibilita a reedio de vivncias e construo de novos caminhos.

    A partir da compreenso desse conceito, aceita-se, a existncia nica e complexa de uma comunidade. Ela tem

  • C A R O L I N A C A R V O

    3 7

    uma histria, um perfil, uma experincia e valores. Nessa abordagem torna-se necessrio estar com a comunidade em suas carncias mostrando-lhe a forma como elas so compreendidas a fim de torn-las conscientes, possibilitando mais responsabilidade e autonomia (ROGERS e WOOD, 1994).

    - Incondicionalidade positiva:

    O processo teraputico

    acelerado quando o terapeuta

    experimenta e comunica a seu

    cliente uma aprofunda e genuna

    ateno com ele, em quem v uma

    pessoa de muitas potencialidades

    construtivas. Quando essa ateno

    no contaminada por avaliaes

    ou julgamentos dos pensamentos,

    sentimentos ou comportamentos

    do cliente, quando o terapeuta no

    aceito alguns sentimentos e desaprova

    outros, merece o nome de ateno

    incondicional positiva (ROGERS e

    WOOD, 1994 p.208).

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    3 8

    Esse conceito intitulado por Rogers (1997) complementa os demais mencionados, por estar a eles intimamente ligado.

    O processo de congruncia como uma condio de aceitao de si e seus sentimentos est diretamente ligado capacidade de aceitar o outro de forma incondicional em uma relao.

    Estar congruente e aceitar o outro facilita a compreenso do universo do cliente/escola e ele nos parece mais acessvel.

    Para Rogers (1982) aceitar o outro calorosamente nos mais diversos sentimentos traz ao cliente a confiana de vivenciar e explorar seus sentimentos mais escondidos como possibilidade, sem medo da inadequao.

    Essa vivncia refere-se a sentir interesse na pessoa do cliente/escola.

    Aceitar a si e ao outro no uma tarefa fcil.Rogers (1982) nos diz que quando isso no possvel,

    a melhor forma de vivenciarmos essa indisponibilidade comunicando ao cliente/escola o que acontece na relao.

    Um outro aspecto dessa

    atitude de ateno e aceitao para

    com seu cliente parece envolver uma

    disposio, por parte do terapeuta, de

    mergulhar nas profundezas do medo

    com seu cliente e confiar em que ambos

  • C A R O L I N A C A R V O

    3 9

    retornaro. Eu vejo o desconhecido em

    meu cliente e em mim mesmo, sem

    ter certeza de que o resultado ser

    positivo, mas confiando nesse resultado

    (ROGERS e WOOD, 1994, p.209).

    Nesse contexto de confiana possvel trabalhar vrios conflitos existentes nas relaes, na escola e na comunidade de forma geral.

    Ao partir do pressuposto de que todos possuem capacidade de desenvolver a autonomia e suas potencialidades, procuramos ver a pessoa, a fim de, junto a ela, retirar a capa das expectativas, dos preconceitos e das condies que se desenvolvem na sociedade e afastam as relaes.

    A partir desse processo, podemos compreender o outro no como algum inadequado, mas algum que pode ser aceito na sua forma de ser. (ROGERS, 1982)

    4.3 A atuao do psiclogo humanista em grupos de encontro

    O que um grupo de encontro? Como atua o psiclogo humanista?

    uma oportunidade de um

    grupo de pessoas se conhecerem em um

    nvel mais profundo. Oportunidade

    de se comunicarem mais aberta, real

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    4 0

    e profundamente. um espao onde

    as pessoas podem descartar mscaras

    e papis, e expressar seu verdadeiro

    interior. tambm uma oportunidade

    de explorar novas maneiras de ser

    e de se comunicar. aproximao

    de pessoas e no de papis, como

    psiquiatras ou professores. uma

    chance de se conhecerem simplesmente

    como uma pessoa encontrando outra

    pessoa. H uma quebra das barreiras

    de comunicao, permitindo que as

    pessoas se aproximem com o elemento

    humano que existe dentro de cada um.

    A se experimentam novas maneiras

    de ser. Quem o facilitador? A prpria

    palavra j o expressa. No um grupo

    que o indivduo conduz para um

    objetivo. O facilitador torna possvel

    s pessoas se expressarem tal como

    so, e as pessoas do grupo determinam

    a direo. E cada um, com isso, vai

    se tornando mais pessoa. So elas

    que esto tentando tornar-se um ser

    humano mais completo. O facilitador

    no tem idia da direo das pessoas

    e do grupo. Este s cria o clima para

  • C A R O L I N A C A R V O

    4 1

    a pessoa emergir, encoraja os outros a

    se expressarem e, emergindo, a pessoa

    encontra sua direo. O facilitador

    no um elemento eqidistante. Ele

    envolve-se com todos os membros.

    Ele desempenha tal funo no incio

    para que o grupo tome impulso, mas

    depois vai se tornando um membro

    do grupo e isto incentivo aos outros.

    Sendo ele mesmo para os demais, faz

    com que os outros vo se conhecendo

    mutuamente e se tornando

    um membro igual aos demais

    (ROGERS, 1977).

    Pensando nas atitudes que Rogers (1982) prope como facilitadores para a compreenso da pessoa, possvel percebermos que em instituies, como a escola, tais atitudes no seriam diferentes. No contexto escolar, caberia uma compreenso em conjunto.

    O que h nessas relaes? O que acontece com elas? Como se manifestam seus conflitos e o que os provocam?

    Pensar uma proposta inovadora que facilite as relaes escolares de forma significativa e eficaz, desmistificando o psiclogo clnico na escola, nos faz crer na reflexo dos grupos.

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    4 2

    Seu objetivo proporcionar liberdade de existncia, dando espao aos sentimentos dos envolvidos da instituio.

    Para que a reflexo dos participantes ocorra, necessrio que o facilitador do grupo consiga propiciar um ambiente em que um clima psicolgico de segurana se estabelea tornando possvel a confiana entre as pessoas. (ROGERS, 2002).

    O ambiente de acolhimento proporcionar um espao facilitador perda do medo de ser o que se , assim, podendo evidenciar a forma real como cada pessoa compreende e vive sua experincia na escola, evidenciando as diferenas entre as pessoas e tornando-as mais possveis de aceitao.

    medida que os encontros acontecem, h a percepo de que os sentimentos reais das pessoas se manifestam. O desespero e o medo de no aceitao vo se distanciando, o que gera proximidade nas relaes.

    Essa possibilidade de ser o que se traz conforto e alvio aos participantes, que comeam a se aprofundar em seu processo teraputico no grupo e assim percebendo os significados de seus conflitos.

    Como ponto especfico do surgimento dos grupos, Rogers (2002) nos lembra da aceitao quase que imediata pelos colaboradores de instituies contemporneas por esse tipo de terapia. Num contexto onde a desvalorizao da pessoa algo comum, o grupo aparece como um caminho necessrio ao equilbrio emocional que deseja tanto viver atravs das relaes sinceras e verdadeiras.

  • C A R O L I N A C A R V O

    4 3

    4.3.1 - Fases do processo do grupo:Esse processo evidencia a compreenso do lugar da

    liberdade como protagonista em um ambiente escolar a fim de repensar a postura da psicologia nesse contexto:

    - Fase de hesitao: Numa proposta livre de encontro, h num primeiro

    momento uma busca do grupo em reconhecer sentido para esse encontro. O que fazemos aqui juntos? Qual a inteno desse encontro? Ser que posso confiar nessas pessoas?

    - Resistncia expresso:Nesse momento alguns se manifestam de forma

    espontnea confiando no grupo e outros questionam essa forma de exposio pessoal, como se questionasse a possibilidade de confiar no outro de forma to intensa.

    - Descrio de sentimentos passados:Nesse momento ainda no se fala do momento

    presente e aparecem muitos sentimentos do passado como possibilidade de checar se o ambiente confivel.

    Esses sentimentos so, portanto, exteriores ao grupo no tempo e no espao.

    So sentimentos de ento e ali (ROGERS, 2002).- Expresso de sentimentos negativos:Quando se comea a falar de sentimentos atuais

    percebe-se que esse sentimento acontece de forma negativaMas por qu? Rogers tem uma colocao interessante:

    Por que sero as expresses

    negativas os primeiros sentimentos

  • A PRTICA DA PSICOLOGIA ESCOLAR EM CRECHES COMUNITRIAS: EM BUSCA DA AUTOSSUSTENTABILIDADE ATRAVS DO ACOLHIMENTO

    4 4

    atuais a manifestar-se? Poder se iam

    dar algumas respostas especulativas.

    um das melhores maneiras de

    avaliar a liberdade e a confiana do

    grupo. Ser o grupo realmente um

    lugar em que posso ser eu mesmo

    que posso ser eu prprio e exprimir-

    me positiva e negativamente? Ser

    um lugar realmente seguro, ou me

    arrependerei? Outra razo diferente,

    que os sentimentos profundos positivos

    so muito mais difceis e perigosos de

    exprimir do que os negativos. Diz-se

    que te amo fico vulnervel e exposto a

    mais terrvel rejeio. Mas, se digo que

    te detesto, fico quando muito sujeito

    a um ataque de que posso defender-

    me. Sejam quais forem s razes, estes

    sentimentos negativos tendem a ser

    o primeiro material aqui e agora a

    aparecer. (ROGERS, 2002, pg.23)

    - Expresso e explorao de material com significado pessoal:

    Nesse momento comea se construir de um depoimento pessoal de forma mais autntica, mais atual, h um incio do despertar da confiana no grupo que se manifesta pelo ambiente que est se consolidando.

  • C A R O L I N A C A R V O

    4 5

    E aqui os sentimentos mais necessitados de exposio vm tona.

    - Expresso de sentimentos interpessoais imediatos no grupo:

    Faz parte do processo, que, em algum momento, surja uma declarao de alguma pessoa do grupo, sobre o manifesto de outro participante. Como por exemplo, um sentimento de solidariedade aos sentimentos ou uma discordncia e espanto sobre algum depoimento.

    - O desenvolvimento de uma capacidade teraputica no grupo:

    Nota-se,que quando o grupo se encontra em um momento que h o sentimento de liberdade, pessoas mais sensveis tendem a facilitar a compreenso no depoimento de outros participantes. Torna-se visvel uma ao intuitiva humana que se prope a colaborar para a humanizao dos companheiros.

    - Aceitao do eu e comeo da mudana:O grupo em ambiente de liberdade traz a possibilidade

    de iniciar mudana na vida daqueles que nele esto inseridos atravs da autoaceitao. Que reconhecer em si uma forma de ser, que no era percebida, e medida que ela explorada, torna-se mais consciente e mais viva.

    - O estalar das fachadas:Nesse momento o ambiente de liberdade j est

    construdo e o grupo parece no mais suportar fachadas.

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    4 6

    Tudo o que aparenta ser uma forma artificial de ser logo derrubado pela fora do grupo.

    Essa no aceitao da fachada pode ser evidenciada por vezes de forma sensvel, por vezes de forma violenta.

    - O indivduo objeto de reao (feedback) por parte dos outros:

    Nessa fase do processo, os participantes comeam a notar como foram vistos pelos demais no decorrer dos encontros.

    H nesse instante a liberdade para uma comunicao sincera, que permite realmente sentir e dizer o que cada um sentiu da fachada do outro.

    E quando a pessoa recebe esse feedback passa a perceber como ou foi visto pelos demais.

    - Confrontao:Por vezes h a necessidade de uma pessoa contestar

    as atitudes de outra pessoa de forma mais intensa. Quando

    h uma no aceitao do outro e um estarrecimento por uma

    atitude, pode acontecer um momento de confrontao ao que

    no se admite, gerando um clima pesado.

    - Relaes de ajuda fora das sesses de grupo:

    Por vezes a relao de ajuda entre as pessoas se excede

    aos limites do grupo de encontro.

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    4 7

    - Encontro bsico:

    Acontece quando h por parte de uma pessoa, uma

    aceitao intensa dos seus sentimentos e ela os expressa de

    forma excessivamente verdadeira e sincera, em qualquer

    forma, de dor, de alegria etc. Esse encontro costuma causar

    nos demais emoo, e quando acontece uma compreenso

    genuna da experincia do outro, h um encontro que

    estabelece uma relao verdadeira entre as pessoas, sem

    mscaras.

    - Mudanas de comportamento do grupo:

    Ao trmino de um grupo possvel identificar que h

    em sua maioria uma compreenso pessoal do sentido que

    gradativamente foi construindo nesses encontros.

    Com frequncia mudanas se iniciam nas vidas das

    pessoas fazendo com que elas comecem a enxerg-la de uma

    forma nova, mas s vezes, por uma m conduo do grupo,

    experincias ruins podem se consolidar em algumas pessoas que as congelam para uma aproximao maior com o outro.

    Por isso extremamente importante que a conduo do grupo seja feita de forma respeitosa e verdadeira.

    Conclumos que a confiana no grupo torna-se imprescindvel para esse tipo de abordagem.

    Propiciar um ambiente livre, no tentar controlar

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    caminhos, ter conscincia da importncia da experincia de todos os envolvidos, respeitar as diferentes representaes sociais, faz construir uma experincia que proporcione realmente um encontro das vivncias humanas.

    4.4 - Superviso de Apoio Psicossocial: as representaes sociais das pessoas envolvidas no processo escolar:

    Assim como podemos compreender o surgimento dos grupos atravs da necessidade de relaes sinceras e verdadeiras, decorrentes da cultura de desumanizao (ROGERS, 2002), que do espao para as relaes lquidas (BAUMAN, 2004), pode-se entender como necessria a atuao da compreenso das representaes sociais das pessoas inseridas no contexto escolar, como ferramenta de apreenso de um universo particular em seus sentidos e significados.

    De acordo com a teoria das representaes sociais (MOSCOVICI 1978 apud INSFRN 2007), o grupo seria um grande captador da exposio das formas como as pessoas atuam em suas vidas atravs de suas subjetividades.

    Esses autores confirmam que essas RS no so levadas em considerao na resoluo de conflitos na escola, h uma tendncia de culpabilizao do outro, livrando-se da possibilidade de compreender que h uma grande diferena na interseo psicolgica e social de cada pessoa e, assim,

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    4 9

    entre as relaes acontecem expectativas e preconceitos grandes e ferozes.

    A forma como ocorre uma significao de uma RS acontece atravs dos mecanismos de ancoragem e objetivao que elas constroem atravs do nosso sistema de referncias consensuais, ligando um conhecimento novo (estranho) a algo j conhecido (familiar), concretizando assim um conceito percebido como abstrato pelo grupo.

    Com isso h quase sempre a possibilidade de, nas relaes, julgarmos o outro de forma automtica encaixando-o no significado que demos s nossas vivncias anteriores e assim criarmos a possibilidade de no aceitar esse outro. (MOSCOVICI 1978 apud INSFRN 2007).

    Esse processo perfeitamente acessvel e pode ser repensado a partir das reflexes que so propostas no grupo. E com isso criar uma nova forma de RS que possibilita entrarmos em contato com a viabilidade do encontro entre as diferentes representaes sociais que existem na escola, humanizando-as.

    A Superviso de Apoio Psicossocial teria o papel de acompanhar a forma de atuao dos profissionais e auxili-los na conduo conscincia de suas experincias a fim de viabilizar a possibilidade de se sentirem aceitos em seus sentimentos (ROCHA, 1999 apud INSFRN, 2007).

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    QUINTO CAPTULO METODOLOGIA

    5.1- Participantes:Participaram da pesquisa de campo: seis educadoras,

    uma gestora, dois familiares de uma das creches que so assistidas pelo projeto meninos da creche (nome fictcio) e uma psicloga do ncleo de psicologia da ONG que coordena o projeto.

    Participaram dos grupos de reflexo e posteriormente foram entrevistadas atravs de roteiro de pesquisa: cinco educadoras e duas auxiliares.

    O perfil das educadoras das duas creches so os mesmos:

    As educadoras so mulheres com idades entre 20 e 35 anos, moradoras da comunidade que a creche estabelecida (ambas esto situadas na zona sul da cidade do Rio de Janeiro). Convivem com trfico ativo, que faz uso de armamento pesado e onde ocorrem com frequncia invases da polcia e grupos criminosos rivais. Todas possuem nvel de escolaridade mdio, tm filhos, famlia e trabalham em mdia oito horas por dia.

    As auxiliares possuem o mesmo perfil das educadoras, mas tem o 2 grau incompleto.

    Dentre as entrevistadas apenas duas funcionrias no tm filhos, so solteiras e moram com a famlia.

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    A gesto pesquisada ocupada por uma mulher, 56 anos de idade, que gerencia a creche h mais de 20 anos, nvel de escolaridade mdio, quatro filhos, trs netos, solteira, evanglica, trabalha em mdia 8 horas por dia e tem como critrio de seleo para contratao das educadoras a necessidade econmica da pessoa: pessoas que precisem trabalhar e possui uma relao poltica intensa com a comunidade e seus interessados.

    As duas psiclogas responsveis pelo ncleo de psicologia do projeto meninos da creche foram convidadas, mas apenas uma colaborou com a pesquisa: 27 anos, moradora da zona norte da cidade, solteira, sem filhos, est no projeto aproximadamente h dois anos, recm-formada e trabalha 30 horas semanais.

    Familiares, foram entrevistadas:Uma av, 60 anos, moradora da comunidade, viva,

    no trabalha e cuida do neto, pois sua filha (me da criana) sofre de depresso.

    Uma me, 43 anos, moradora da comunidade, casada, no trabalha.

    5.2 - Instrumentos:Utilizamos um roteiro para a entrevista (em anexo),

    que objetivou inferir, junto aos participantes da pesquisa, como estes avaliam o funcionamento do projeto atravs de suas vivncias e seus conhecimentos a fim de checarmos a forma como o trabalho da equipe da psicologia se manifesta e o seu grau de eficcia para a clientela do projeto.

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    Alm disso, foi desenvolvido um grupo de reflexo com educadoras e auxiliares que visava possibilitar uma viso inovadora de psicologia escolar e comunicar a percepo da equipe diante de tal novidade.

    5.3 - ProcedimentosA pesquisa de campo, entrevistas e grupos de

    reflexo, teve incio em 22/10/2008 e para a coleta de dados desta pesquisa, teve trmino em 14/11/2008. Pretendemos continuar a realizar os grupos de reflexo, aps a concluso deste trabalho.

    O roteiro da entrevista foi aplicado oralmente aos participantes, enquanto a estagiria os preenchia na ntegra para avaliao mais precisa. Os grupos foram realizados em dias previamente marcados com os participantes, pela estagiria e autora deste trabalho.

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    SEXTO CAPTULO CONTEXTO DA PESQUISA

    6.1 - ONGS: Histria e atuao no BrasilA presena do Estado algo indispensvel para

    a economia no Brasil e no mundo. Denominado como primeiro setor, devido a sua potncia e poder, sua atuao ainda insuficiente para desencadear a igualdade social entre a populao brasileira.

    O segundo setor trata-se da economia gerada pelas empresas privadas, onde h massas de pessoas empenhadas em contribuir para o lucro empresarial em troca de salrios. Hoje o segundo setor possui a inteno ainda pouco praticada de contribuir com a responsabilidade social do pas atravs da conscientizao de seus funcionrios para o trabalho voluntrio e colaborador em trabalhos sociais desenvolvidos pelas prprias empresas e por ONGs conveniadas. Assim favorecendo sua imagem no mercado como uma empresa cidad e diminuindo o pagamento de seus impostos.

    O terceiro setor foi criado por entidades da sociedade civil, em sua maioria ONGs, que desejam desenvolver trabalhos sociais a fim de diminuir a desigualdade social no pas, atravs da gerao de oportunidades que facilite o desenvolvimento da pessoa e proporcione um futuro mais digno e justo a pessoas carentes de recursos. O terceiro setor se sustenta atravs do primeiro e segundo setores se beneficiando da lei

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    de responsabilidade social que atrai muitos colaboradores empresariais e parcerias com o governo. (ZARPELON, ano apud KRATZER, 2006).

    A instituio pesquisada nesta monografia tem esse objetivo para o seu projeto social.

    6.2 - Perfil da organizao pesquisada:As informaes da ONG foram colhidas a partir de

    entrevista com uma das psiclogas que colaborou com a pesquisa.

    A ONG pesquisada possui sede no municpio do Rio de Janeiro, tem como presidente-executiva uma professora universitria, foi criada em 1997 a partir de fundos de bancos privados e possui como foco de trabalho a disseminao da cultura do voluntariado em suas esferas fsicas e empresarias e tenta alcan-lo atravs de seus quatro programas:

    - Equipe de captao e capacitao de voluntrios, encaminhando-os ao projeto social ou instituies conveniadas.

    - Equipe de captao e capacitao de voluntrios empresariais.

    - Equipe de captao de parceria com outras ONGs para unir foras sociais.

    - Equipe do programa social meninos da creche.

    E agora conta com nova parceria com uma fundao empresarial, em que o programa meninos da creche atuar

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    com seu projeto em uma creche-modelo.A ONG conta hoje com 600 empresas colaboradoras

    que fazem suas doaes de forma pontual com as necessidades do programa e da instituio. E organiza eventos que mostram sua potncia social.

    6.3 - Principal projeto executado:Como mencionado, a ONG pesquisada possui apenas

    um programa social desde 2004: meninos da creche, que tem como objetivo desenvolver o voluntariado e que ser o foco de nossa pesquisa.

    Sua viso:Ser um centro de referncia no campo de voluntariado,

    reconhecido nacional e internacionalmente, que contribua para a promoo do desenvolvimento social sustentvel de nosso pas.

    Sua clientela:O projeto atende aproximadamente 11 creches de

    diferentes comunidades no municpio do Rio de Janeiro. Cada creche tem a capacidade para atender de 70 a 150 crianas de 0 a 4 anos, por ano.

    Seus focos de atuao: partir de pesquisa realizada no ano 2000, pela ONG,

    em comunidades carentes e com alto ndice de violncia na cidade do Rio de Janeiro, identificou-se baixa qualidade no cuidar e educar as crianas de 0 a 4 anos. O estado precrio das creches comunitrias era de verdadeiro depsito de

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    crianas e o despreparo das educadoras tornara-se visvel. Assim, foram criados os focos de atendimento para

    essa demanda:- Foco temtico: educao infantil.- Foco institucional: creches comunitrias.

    Sua atuao e objetivo:O trabalho se inicia atravs de uma triagem realizada

    pela coordenao do projeto social, onde so escolhidas

    creches candidatas ao programa, que tero primeiramente a

    reforma do espao fsico, que, concluda, contar com o apoio

    do trabalho da equipe de psicologia e pedagogia que orienta

    e capacita os funcionrios da creche a fim de promover

    maior qualidade no atendimento prestado clientela com a

    finalidade de autossustentabilidade.

    Sua equipe:

    A equipe do programa social atualmente se constitui

    por uma coordenao geral, uma secretria, um engenheiro

    responsvel pelas reformas das creches que conta com o

    auxlio de voluntrios para a realizao das mesmas, duas

    psiclogas da mesma hierarquia e uma estagiria no ncleo

    de psicologia, um ncleo de pedagogia formado por uma

    coordenao e uma pedagoga. Os objetivos de trabalho so

    divididos de acordo com as equipes da creche e cada ncleo

    responsvel pela sua orientao.

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    Objetivo da equipe de pedagogia:

    - Atravs de visitas semanais, tem o objetivo de

    disseminar ao pedaggica com os pressupostos tericos de

    Piaget, com a contribuio do olhar de Vygostky.

    - Capacitar os educadores.

    - Acompanhar, monitorar e avaliar o desenvolvimento

    do processo.

    Objetivo da equipe da psicologia:

    - Aes psicossociais: Parte-se do pressuposto

    que a comunidade e suas famlias, enquanto atores sociais

    responsveis pela educao e formao cidad de seus

    filhos, necessitam estar engajados, conscientizados e

    instrumentalizados. Como participantes diretos atuam no

    processo educacional de suas crianas e necessitam cuidar

    melhor de si mesmos. Numa construo conjunta, contando

    com uma rede de parcerias, possvel contribuir para essa

    transformao, a partir da conscincia individual despertar-se

    para a compreenso de si, do outro e de suas relaes, resgata-

    se o cuidado e a autoestima da prpria famlia (programa do

    projeto social).- Conversas com os pais: promover espaos de debates

    e trocas entre as famlias visando melhoria da qualidade da prpria vida das crianas e famlias. Objetivos especficos: contribuir para as oportunidades de gerao de renda e outros:

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    - Orientar as famlias quanto ao valor e importncia de suas aes no cotidiano infantil, buscando despertar sua autonomia e a valorizao da pessoa humana e do ncleo familiar;

    - Estimular a autossustentabilidade das famlias oferecendo oficinas para qualificao profissional que gerem renda;

    - Resgatar as bases essenciais das famlias para edificao de carter de seus filhos/dependentes;

    - Sensibilizar as famlias atravs da leitura, escuta e debate sobre temas fundamentais visando formao do cidado e de familiares conscientes.

    - Promover encontros de integrao sistemticos com familiares das crianas objetivando reforar os laos afetivos, dar amor e ser atencioso, construindo uma relao mais saudvel que as ajudar a serem pessoas produtivas nas sociedades.

    - Orientao psicolgica: Oferecer aos familiares das crianas espao para

    orientao psicolgica para administrarem questes pessoais e que agreguem novos instrumentos para educar seus filhos de forma mais saudvel.

    Seu objetivo maior visitar as creches, orientar pais e gestores com estratgias de atendimento s famlias e gestores e fazer encaminhamentos quando necessrio.

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    - Pais e filhos brincam juntos: Facilitar integrao.- Aes com gestores:A partir de uma viso sistemtica, que envolve

    conhecimentos interdisciplinares, essa gesto envolve estratgias e aes ligadas s reas humanas (nas suas interdependncias com o gerenciamento da equipe de trabalho, o relacionamento com os familiares, com as crianas e com a comunidade em torno), a financeira contbil, a jurdica e as administrativas.

    Assim criando a capacitao para os gestores, realizada uma vez por ms, em que um voluntrio especialista sempre convidado a colaborar com a reunio.

    6.4 - O projeto de interesse desta pesquisaO projeto que teremos interesse nessa pesquisa ser

    meninos da creche por sua incongruncia entre teoria e prtica. Dentro do contexto de 11 creches, teremos foco em apenas uma para mostrar uma possvel nova e antiga forma de atuao em psicologia escolar.

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    STIMO CAPTULORESULTADOS ENCONTRADOS

    7.1 Coleta de dados com roteiro de entrevista:Foi criado roteiro de entrevista (vide anexo) para

    coletar informaes sobre a satisfao dos funcionrios da creche, pais, gestor e psiclogas da equipe com relao ao trabalho do programa social.

    7.1.1 - Resultado das respostas das educadoras: Consultamos nessa pesquisa uma creche que

    recebe o trabalho de orientao psicolgica, aos moldes do programa do projeto social, e uma creche que recebe o trabalho de grupo de reflexo baseado em Rogers (2002), apresentada como proposta de atendimento psicolgico pela autora da monografia e que foi aceita como um bnus do servio prestado comunidade. Abaixo, alguns resultados encontrados:

    - Educadoras que recebem o grupo de reflexo: Valorizaram o grupo que est sendo realizado porque

    melhorou o dilogo entre a equipe, a compreenso de seus sentimentos em relao creche, a relao com alunos, funcionrios e psiclogo, aumentou a conscincia de seu trabalho, de sua existncia no contexto atual da creche, se veem confiantes e permitidas a relatar suas vivncias e se sentem menos sobrecarregadas de julgamentos, suas insatisfaes so

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    ouvidas. Encaram o grupo como processo teraputico e um meio de se expressarem, o que traz bastante alvio.

    - Educadoras que no recebem o grupo de reflexo:Valorizam o atendimento psicolgico com os pais, pois

    percebem que a presena do psiclogo na creche faz com que os pais respeitem mais o seu trabalho e o relacionamento entre eles melhoram. Ficam mais seguras quando um especialista avalia o seu trabalho, o que gera alvio e conforto, se sentem orientadas em momentos que j no sabem mais o que fazer e relatam se sentirem perdidas quando a equipe no comparece creche. Valorizam a equipe, pois acreditam que se os pais no tivessem esse atendimento na creche no iriam procur-los em outro lugar (os pais precisam de atendimento). Se sentem orientadas quando a equipe informa quando h crianas com desenvolvimento adequado e inadequado para o desenvolvimento normal. Valorizam o atendimento aos pais, pois assim sabem o que acontece na vida das crianas fora da creche e isso ajudam-nas a entender seu comportamento. Sentem que a equipe d um empurro no trabalho delas.

    7.1.2 Anlise de contedo: Podemos concluir que as duas respostas apresentam

    pontos de vista opostos com relao ao atendimento prestado s funcionrias. No trabalho de orientao, as educadoras se sentem apoiadas e no trabalho de reflexo, como pudemos perceber tambm atravs dos grupos, elas se sentem iniciando um trabalho autnomo.

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    7.1.3 Resultado da resposta da psicloga:Foram convidadas as duas psiclogas do projeto social

    para colaborar com a pesquisa, mas apenas uma colocou-se disponvel:

    A psicloga em questo no se encontra satisfeita com a eficcia do projeto social e tambm no acredita que a atual forma de atuao escolar seja uma forma sustentvel. Em sua viso, o projeto no atuaria atravs da orientao, mas de forma reflexiva. Sua nova forma de trabalho seria com uma poltica de educao que fosse privilegiado o acolhimento, a produo e o coletivo. E no entende como saudvel os encaminhamentos de crianas problemas ou s Jesus! como denomina, aos plos de sade.

    Sua receptividade quanto ao trabalho positiva em relao a sua construo como pessoa que se torna mais amadurecida ao conviver com pessoas de experincias to diferentes. O lado negativo que percebe do projeto a falta de interesse das pessoas em realizar trabalhos inovadores.

    7.1.4 Resultado da resposta da gesto:A gesto entende que o trabalho do ncleo de

    psicologia do projeto colabora para complementar o trabalho que feito pelos funcionrios da creche de forma que faa um vnculo mais respeitoso entre famlia e creche, favorecendo tambm as crianas. Assim como as educadoras, sente alvio por poder contar com algum que sabe mais que ela.

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    7.1.5 Resultado das respostas dos familiares:Ambas as respostas foram curtas e relatavam o

    atendimento como um apoio aos problemas dos filhos, que assim, assumidos, consideram importante e til esse tipo de auxlio.

    7.2 Relato do grupo de reflexo desenvolvido na ONG:

    Depreende-se que o encontro de pessoas num grupo, em relaes pessoais e em instituies, nasce como uma necessidade, por nos ser incomum o desejo de vivenciar um ambiente em que as diferenas sejam compreendidas como algo positivo, por vivermos tempos de capitalismo desenfreado, que torna a forma das pessoas e os objetos, alvos de desejo e valor, onde as mortes por violncia j se tornaram banais.

    O grupo de encontro em questo nasce em meio aos tiroteios corriqueiros, mas nem por isso menos aterrorizantes s mes que aguardam seus filhos chegarem da escola. Aos pais que, desesperanados, j no sabem se recorrem s drogas ou igreja evanglica mais perto, para conseguir estar no caminho da sobrevivncia, da subservincia, da falta de apoio e falta de f em seu potencial.

    As educadoras que ali esto so frutos dessa realidade, filhas e mes de crianas desassistidas pela necessidade de sobrevivncia que garantem a repetio dessa histria de descaso.

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    Triste, no? Sim. Mas ser que s isso?Ser que apenas possvel reproduzir pobreza e

    desassistncia nessas comunidades?O grupo de encontro vem propor que no.Vem com a finalidade de plantar uma pequena

    semente, que desperte nessas pessoas marcadas pela violncia, pela misria e principalmente pela violao de seus direitos humanos, uma nova oportunidade, que ainda no se sabe qual .

    Esse encontro entre aspirante a psicloga que tenta trazer comunidade, de forma ainda inexperiente, mas interessada, com as pessoas que recebem essa proposta de braos abertos, tem a inteno de construir relaes de confiana, diante de tantos conflitos.

    Relaes em que as pessoas possam se ouvir, na alegria e na dor, se aceitar nas diferenas e, atravs das intervenes do grupo, facilitar a compreenso das vivncias.

    Vejamos ento como percebemos os cinco encontros que foram realizadas at o momento. Que pode ser acompanhada mais de perto atravs de relatrios (vide anexo) e atravs da sntese abaixo:

    O grupo de reflexo nasceu em uma das creches atendidas pelo projeto, em que houve necessidade de conversar com educadoras sobre seus sentimentos que tornavam-se bastante evidenciados. O desespero de no compreender e conseguir controlar algumas crianas as irritavam profundamente. Com o ocorrido, a autora da

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    monografia props um encontro semanal com a equipe que foi bem recebido pelas educadoras e aceito pela coordenao. Assim, passamos a nos reunir com dia e hora marcados.

    As educadoras que fazem parte do grupo devolvem a proposta de maneira muito positiva, com intenso interesse e desejo de compreender o que se passa com elas, com os outros e com a creche. Comeam a se encontrar dentro do processo relacional da instituio, evidenciando seus conflitos e seus tipos de atuao. Cada uma delas o incio de sua autenticidade.

    As educadoras discordam e concordam entre si em seus diferentes jeitos de sentir e significar as vivncias escolares. Entre ns, essas diferenas tm se apresentado de maneira tranquila e passamos a nos conhecer, realmente, e a nos sentir cada vez mais prximas.

    Elas relatam que esse espao importante para elas, por vivenciarem um momento de vrios conflitos relacionais na instituio.

    Elas compreendem esse espao como uma espcie de permisso para falar o que sentem e o que pensam. No grupo elas se sentem ativas, participantes, atuantes. Falam de si e de seus mundos.

    O processo do grupo tem ocorrido de forma que todas as pessoas envolvidas tm conseguido se expor cada vez mais, em suas vivncias escolares autnticas.

    Houve tambm interesse por parte das auxiliares em realizar um grupo a qual demos incio e tivemos apenas uma

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    sesso at o momento com duas pessoas.

    OITAVO CAPTULO DISCUSSO DE RESULTADOS

    Notamos que os resultados obtidos em nossa pesquisa quanto ao atendimento vigente da psicologia nos mostram que receber a visita do psiclogo para a escola/creche como receber um parecer diagnstico de que existem relacionamentos desencontrados. (ANDRADA, 2005),

    A falta de participao dos pais, que esto margem da escola/creche e que ainda assim acreditam que essa escola tem algo de importante a oferecer ao seu filho, nos confirma o poder exercido pela escola/creche de que h um saber, que no se questiona, principalmente, quando a clientela no possui subsdios intelectuais para tal. (RIBEIRO e ANDRADE, 2006).

    A pesquisa mostra que as educadoras que recebem atendimentos sem reflexo no se sentem includas no atual projeto, de forma autnoma, como prope o grupo de reflexo. Assim, se evidencia que o foco de trabalho permanece apenas na orientao de criana/famlia. (GATTI, 2003).

    A gesto da creche possui a mesma viso de psicologia escolar que as educadoras, e a orientao que recebem no modifica sua relao com a creche, sendo apenas complementada pela facilitao da relao com os pais.

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    (GATTI, 2003).O que podemos perceber que a proposta de trabalho

    aplicado nesse projeto, para a sustentabilidade da creche, incongruente. Confirma uma quebra de paradigma: o psiclogo escolar expert no nos cabe mais. (ANDRADA, 2005).

    Ao desejar que se plante uma semente na comunidade para que ela possa se autorregar, crescer e se desenvolver nos parece evidente que necessrio confiar nesse terreno. (ROGERS, 2002).

    No colabora um trabalho em que as educadoras e os demais funcionrios da creche se sentem apoiados, em que eles no esto de p, mas prontos para cair quando a equipe de psicologia se retira. Essa manifestao trata-se de uma poltica psicolgica educacional que confirma a teoria de carncia cultural, por no acreditar na capacidade do potencial escolar para um trabalho autnomo. (PATTO, 1997).

    Entendemos que o grupo de reflexo que vem sendo desenvolvido d espao s manifestaes existenciais das educadoras nessa creche. Elas se sentem compreendidas em suas demandas, e identificam esse ambiente como um lugar de confiana. (ROGERS, 2002).

    Podemos aceitar que as atitudes facilitadoras: compreenso emptica, congruncia e incondicionalidade

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    positiva fazem diferena em um ambiente, de forma que as educadoras se sentem mais participativas nesse processo, podendo atuar sem suas mscaras. (INSFRN, 2007).

    visvel que as experincias vividas por essas educadoras esto sendo acolhidas pelo prprio grupo, que colabora com suas intervenes e possibilita um encontro entre todos os participantes. (ROGERS, 2002).

    Essas posturas inovadoras contribuem para uma nova poltica educacional que valoriza a pessoa e possibilita mudanas construtivas de personalidade, desprendendo-se do paradigma diagnosticador atual que limita a atuao do psiclogo. (INSFRN, 2007).

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    NONO CAPTULO CONSIDERAES FINAIS

    O presente trabalho nos evidenciou atravs de teoria e prtica um antigo paradigma do psiclogo escolar que no facilita a reflexo necessria que a escola requer em tempos atuais, conservando atitudes clnicas que demonstram precisar de tal reflexo (ANDRADA, 2005).

    Compreendemos ento, que a teoria da carncia cultural, por mais desatualizada que nos parea, na prtica ainda se encontra viva, no permitindo voz a um povo que est margem da sociedade (PATTO, 1997).

    Esse desequilbrio, que se estabelece em nossas rotinas de trabalho, confirmado por uma formao psicolgica e pedaggica pouco relevante de aspectos psicossociais, que ainda no compreende o cognitivo e os sentimentos de seus alunos como uma totalidade. Valorizando estes como pessoas que possuem suas prprias significaes, seria possvel discutir autenticamente os temas escolares nas universidades (ROGERS, 1971).

    Visto isso, percebemos que a excluso da famlia do contexto escolar (RIBEIRO e ANDRADE, 2006) e a falta de acolhimento s vivncias e percepes de funcionrios e

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    alunos (INSFRN, 2007), contribuem para uma dinmica escolar que no privilegia a comunicao (ROGERS, 1971).

    Percebemos, portanto, que essa forma antiga de atuao do psiclogo na escola no possibilita a autossustentabilidade de relaes autnticas nas instituies, por no dar voz s demandas nem contemplar as experincias vividas neste cotidiano. (INSFRN, 2007).

    O que nos faz concluir que necessitamos de espaos que facilite encontros autnticos que possibilitem a reflexo e a comunicao nas instituies. (ROGERS, 2002).

    Essa nova perspectiva no uma forma clssica de atuao na escola, ela inova uma conduta que est paralisada e inoperante, solicitando colaborao.

    Observamos que ao incluirmos os atores escolares em seus devidos papis de participantes, no caso, em um grupo de reflexo, eles se sentem mais responsveis por suas vidas e colaboram para uma comunicao mais eficaz. (INSFRN, 2007).

    A presente pesquisa mostrou que o educador ao se inserir em um contexto onde pode explorar sua vivncia, seus sentimentos, pode tambm se tornar responsvel por eles e encontrar-se em um processo que busca uma forma autnoma de trabalho que o possibilitar futuramente intervir sozinho em seus conflitos e ser considerado autossustentvel.

    Evidenciou-se, atravs dos relatos coletados, que uma conduta mais diretiva do psiclogo no traz incmodo ao

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    educador, porm o deixa em um lugar passivo, sem ao, ao aguardo de que algum diga o que fazer e como fazer.

    Conforme o desenvolvimento desse trabalho, podemos concluir que psiclogos escolares que trabalham juntos, com vises diferentes de abordagens (antigas e novas), enfrentam barreiras de comunicao que impossibilitam o acolhimento entre a prpria equipe de trabalho e a clientela. Isso acarreta no afastamento entre todas as pessoas envolvidas, comprometendo as possveis mudanas que a Psicologia prope, pois no h objetivo em comum para ser alcanado.

    Assim, a forma que possumos como caminho para a realizao de um trabalho eficaz seria atravs de atitudes facilitadoras: compreenso emptica, incondicionalidade positiva e congruncia, que contribuem para o acolhimento. (ROGERS, 1982).

    Como ferramenta de trabalho, o psiclogo estaria apoiado pelos grupos de reflexo (ROGERS, 2002). Assim, como pudemos observar no parecer de resultados finais, a atividade realizada pde contribuir para tornar os participantes da pesquisa mais conscientes, fazendo grande sentido em um ambiente onde as diferenas so pouco valorizadas.

    Acreditamos que o desenvolvimento de grupos como este trar, como resposta, vivncias que possibilitam mudanas e que, internalizadas em cada participante, podem fazer total diferena para a autossustentabilidade da pessoa como ser autnomo e responsvel de si, e menos refm de um sistema que no d voz aos menos favorecidos.

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    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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    BAUMAN,Z. Amor Lquido, Sobre a Fragilidade dos Laos Humanos, Jorge Zahar Editora. 2004

    ANDRADA, E.G.C. Novos Paradigmas na Prtica do Psiclogo Escolar. Psicologia: Reflexo e Crtica [online], (pp. 196-199). Porto Alegre, v.18, n. 2, 2005. Disponvel em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-79722005000200007&lng=en&nrm=iso Acesso em: 25/10/2008

    ASSOCIAO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA ESCOLAR (ABRAPEE). Definio da funo do Psiclogo Escolar. ANO 2007. Disponvel em . Acesso em: 23/10/2008.

    CABRAL, E. S. Sandra Maria. Concepes e atuao profissional diante das queixas escolares: os psiclogos

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    FARIA FILHO, L. M. Para entender a relao escola-famlia: uma contribuio da histria da educao. So Paulo Perspec. , So Paulo, v. 14, n. 2, 2000. Disponvel em: . Acesso em: 15/10/2008.

    GATTI, B. A. Formao continuada de professores: a questo psicossocial. Cad. Pesquisa. (pp. 191-204). So Paulo, n. 119, 2003. Disponvel em: Acesso em: 25/10/2008.

    INSFRN, F.F.N. Grupo de reflexo na escola: aproximando o novo aluno da velha escola. Artigo publicado nos anais do VII Frum Brasileiro da ACP, Nova Friburgo, outubro de 2007.

    KRATZER, D.S. Petrobrs e a Responsabilidade Social Empresarial no Brasil:

    Uma Reflexo sobre os Projetos referentes aos

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    ____________. Entrevista com psicloga Maria Helena Souza Patto. Jornal

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    RIBEIRO, D.F.; ANDRADE, A.S. A assimetria na relao entre famlia e escola pblica. Paidia (Ribeiro Preto), Ribeiro Preto, v. 16, n. 35, 2006. Disponvel em: . Acesso em: 15/10/2008

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    ROGERS, C.R. Tornar-se Pessoa, 6. ed.So Paulo: Martins Fontes. 1982

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    ____________. Grupos de Encontro, 8. ed.So Paulo. Martins Fontes. 2002

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    ____________. Em entrevista para TV cultura, 1977, Brasil. Disponvel em < http://www.institutodelphos.com.br/clinico/grupos.htm>. Acesso em 20/10/2008.

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    ANEXOS

    CONVITE PESQUISA DE CAMPO:

    Visando promover o desenvolvimento na qualidade do atendimento prestado clientela atendida pela equipe de psicologia, a presente pesquisa tem a proposta de convidar TODOS OS ENVOLVIDOS no projeto a colaborarem com a melhora do atendimento.

    Para isto, ser realizada uma entrevista com a estagiria de psicologia Carolina, com dia e hora marcados de acordo com a disponibilidade dos participantes voluntrios.

    Sua opinio espontnea ser de extrema validade para o resultado positivo deste trabalho. Portanto, procure responder da maneira mais sincera, independentemente do que outras pessoas possam considerar certo ou errado, adequado ou inadequado. No necessrio colocar nome ou qualquer identificao, e suas respostas tero sigilo garantido.

    - Questionrio sobre avaliao da qualidade do atendimento psicolgico

    Considerando apenas as visitas semanais da equipe de psicologia s creches, responda:

    1) Voc acredita que o trabalho de orientao

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    psicolgica que a equipe de psicologia faz na creche contribui para o desenvolvimento das relaes estabelecidas neste espao? Como contribui (contribuiria)? Qual (seria) a utilidade para voc ou seria til?

    2) Voc est satisfeito com o trabalho realizado pela equipe de psicologia? Por qu?

    3)O trabalho da equipe da psicologia trouxe (ou traz) algum impacto positivo ou negativo para voc? (como voc sente este trabalho?)

    Esse subitem tem a finalidade de acompanhar o processo de desenvolvimento dos grupos de reflexo atravs de seus relatos, realizados no perodo de 09/10/2008 19/12/2008, e ter continuidade aps a formatura da estagiria

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    como ao voluntria.

    RELATOS DE GRUPOS DE REFLEXO:

    1 Encontro (09/10/2008):Pessoas presentes: Carolina (estagiria de psicologia),

    Joana (educadora), Priscila (educadora), Juliana (educadora) e Jlia (educadora).

    O grupo de reflexo originou-se a partir de uma necessidade que se manifestou por um encontro entre estagiria e educadora Jlia em sala de aula em uma das trs creches visitadas, na zona sul da cidade.

    Ao perceber que a Jlia estava muito agitada em relao a algumas crianas de sua turma, as apontando e dizendo que no sabia mais o que fazer e que outras educadoras se encontravam em situaes semelhantes, fez-se necessrio uma reunio para que essas pessoas pudessem expressar o que sentiam com relao aos seus alunos.

    Essa necessidade foi conversada com a coordenao, que concordou.

    Num primeiro momento nos sentamos no refeitrio e lhe fiz a proposta de terem um espao para conversarmos sobre como se sentem em suas relaes na creche.

    As educadoras concordaram com a proposta e iniciamos uma conversa de pessoa para pessoa.

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    2 Encontro (16/10/2008): Pessoas presentes:Carolina (estagiria de psicologia), Joana (educadora),

    Priscila (educadora), Juliana (educadora) e Carla (educadora):Iniciei o grupo com a necessidade de conversar sobre

    a entrada de Ana Paula (pedagoga) para o grupo, todas me acolheram e concordaram.

    Ficou evidente no encontro de hoje que o grupo est tentando entender qual a inteno de nos encontrarmos, parece que dizer para elas que o espao para que elas possam falar sobre suas relaes na creche trouxe tambm o entendimento de que estariam sendo ajudadas a lutar por justia em suas relaes, que eu me posicionaria a favor delas, Joana diz voc precisa falar com a turma da tarde, voc precisa falar com elas. Algo me remetia ao unir foras para combater algum. Conversamos sobre isso.

    Priscila e Juliana se colocam enfaticamente como se sentem julgadas e ameaadas pela postura de Camila (pedagoga da creche). Como sua fala agressiva as atinge de forma que chegam a se sentir impotentes diante daquilo do que lhes dito. Relatam que seus anos de experincia no a deixam se sentir incapazes de realizar o trabalho, mas que ao se depararem com os gritos de Camila, que para elas

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    significam como SUAS INCOMPETENTES se sentem em conflito, coagidas.

    Priscila relata como se sente desrespeitada pelos seus dez anos de creche.

    O fato de terem recebido seus salrios com trs meses de atraso no era o marco principal pelo desgosto das relaes, mas a forma como NO foram notificadas a respeito.

    Nesse momento, Carla que tem se manifestado de forma bastante reservada, concorda com as colegas.

    Surge um clima de solidariedade entre as educadoras, e rimos um pouco.

    Joana aparenta estar muito envolvida com Camila, que parece manifestar o mesmo por ela. Joana parece no estar no grupo, mas querer me observar. Manifestei-me compreendendo suas colocaes, que se deparam sempre em concordar com o que falo, como algo importante, tento me aproximar mais dela. Mas parece haver um ar est tudo bem comigo, com a creche no, mas comigo, sim.

    Encerramos o encontro, houve um alvio por parte de Juliana.

    Conversei um pouco com Camila e penso como seria interessante fazer o grupo com ela e Jssica (gestora da creche) tambm.

    Mas ainda no propus. Conversamos como se sente em relao s educadoras

    e a mesma relata ser muito difcil trabalhar com pessoas to desinteressadas, eu sou uma pessoa que fao tudo pelo

  • C A R O L I N A C A R V O

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    que quero, tenho muito interesse e quero que elas estejam abertas ao trabalho pedaggico.

    Coloquei para Camila,se percebe que h um grande conflito de se estabelecer uma relao com realidades to diferentes das dela e perguntei se isso fazia sentido para ela. Que se ps a pensar.

    3 Encontro (23/10/2008):

    Pessoas presentes:Carolina (estagiria de psicologia), Joana (educadora),

    Priscila (educadora), Juliana (educadora) e Jlia (educadora):Quando cheguei creche sentia tranquilidade no

    ambiente, a creche apresentava-se silenciosa.s 10h, enquanto algumas auxiliares das educadoras

    chegavam, combinamos que desceramos para a biblioteca medida da ocorressem as substituies.

    Mas houve um equvoco no entendimento do contrato e as educadoras ao perceberem que nem todas as auxiliares estavam presentes se reuniram na sala de TV, por deciso do grupo de educadoras deixaram todas as crianas juntas em uma mesma sala, com trs auxiliares para que comparecessem ao grupo.

    Percebendo que algo diferente acontecia nos corredores me aproximei para ver o que acontecia, Camila me acompanhou. Quando nos encontramos um silncio se instaurou e elas no conseguiam se comunicar. As crianas

  • A PRTICA DA PSICOLOGIA ESCOLAR EM CRECHES COMUNITRIAS: EM BUSCA DA AUTOSSUSTENTABILIDADE ATRAVS DO ACOLHIMENTO

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    se aglomeravam na sala da televiso. Camila perguntava para mim, por que elas no disseram a ela o que estavam fazendo.

    Senti que Camila me colocava como intermediadora das relaes.

    Um clima de tenso e de ira tomou conta nesse momento.

    Ento, explicitei o nosso contrato.Aguardei que Camila e educadoras se posicionassem.Isso no ocorreu.ELAS NO SE FALAVAM e quando Camila se

    direcionou para falar com Jlia, a educadora parecia desaparecer em seu medo, ficando pequena e sua voz ficava gralha.

    As educadoras no comunicavam sua deciso de terem se programado daquela forma.

    Ficou claro que NO H RELAO DE CONFIANA entre educadoras e gesto.

    Parecia estar num ringue silencioso e cheio de raiva.Portanto ao presenciar essa cena, coloquei-me

    relembrando nosso contrato de que s desceriam para o grupo as educadoras que as auxiliares j estivessem na creche.

    E ento as medidas tomadas foram refeitas pelas educadoras.

    Com as crianas em sala, descemos para a biblioteca, de acordo com o nosso contrato, apenas as educadoras substitudas: Eu, Joana, Priscila, Juliana e Jli