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Page 1: A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL COMO BRECHA: · PDF fileA partir das reflexões de Hartog acerca do tempo, ... nas estruturas de um regime de historicidade ... presentismo e experiências

Departamento de História

A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL COMO BRECHA: DECLÍNIO DAS

CRENÇAS NO PROGRESSO E ASCENSÃO DO PRESENTISMO

Aluno: Patrícia Bastos

Orientador: Maurício Parada

Introdução

A onda comemorativa do ano de 2014, pautada nos cem anos passados do início da

Grande Guerra, trouxe abordagens e interpretações diferenciadas quanto a esta: a Guerra

enquanto revolução global e fenômeno transnacional; como uma fissura nas mentalidades e

sensibilidades do início do século XX ou como a ruptura com um projeto civilizatório

anterior.

O ideal de progresso, estabelecido no seio das sociedades europeias por aquilo que se

pode denominar como um projeto civilizatório iluminista, e que encontra seu apogeu na belle

époque, caiu por terra quando essas mesmas sociedades se depararam com o desfecho e as

consequências da Guerra. Como aceitar os milhões de mortos (inclusive civis, o que levou

Ernst Jünger a se referir a uma “democratização da morte”), os mutilados, a desintegração de

impérios, a mobilização total das populações numa espécie de predisposição para a guerra?

Como conceber que a barbárie tenha emergido justamente das nações que se julgavam as

grandes representantes da cultura, da erudição, dos avanços tecnológicos, da civilização?

Como manter, ainda, um horizonte de progresso que norteia as ações humanas?

Essa onda de angústia e a percepção do desaparecimento de paradigmas que antes

orientavam a ação do homem no mundo colaboraram fortemente para um processo de declínio

das crenças no progresso e uma gradativa ascensão de um regime de historicidade presentista.

Objetivos

Relacionar a desilusão provocada pela Primeira Guerra Mundial com a ascensão de uma

nova configuração entre tempos (passado, presente e futuro), segundo a qual o presente torna-

se o horizonte e o ponto de vista predominante – presentismo, de acordo com a nomenclatura

de Hartog. Além dessa vertente teórica, a pesquisa propõe-se a lidar com a historiografia da

época, uma vez que se mostra necessário abordar a recepção da Guerra pelos meios

intelectuais, em especial dentre aqueles que se dedicaram a escrever sobre o próprio conflito.

Metodologia

Com base na perspectiva trabalhada por Arendt acerca da ideia de “lacuna”, busca-se

inserir a Grande Guerra nessa noção de intervalo temporal entre o passado e o futuro no qual

o homem vive sempre – e que, apesar de permanecer preso ao presente, não se confunde com

este na sua acepção usual de simples “tempo atual”. Essa lacuna deriva justamente da tensão,

da luta constante entre passado e futuro e da tomada de posição (do sujeito) em relação a

estes; não podendo ser entendida, portanto, como um espaço vazio, mas como verdadeiro

campo de combate entre as forças do passado e do futuro. De acordo com Arendt, esse

“estranho período intermediário” caracteriza-se, também como “um intervalo de tempo

totalmente determinado por coisas que não são mais e por coisas que não são ainda”

(ARENDT, Entre o Passado e o Futuro, 2014). A lacuna não se constitui somente como

encontro dessas forças em disputa, mas composta por elementos dessas próprias forças –

curiosa união de passado versus futuro e passado e futuro.

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Departamento de História

A partir das reflexões de Hartog acerca do tempo, ou melhor, acerca das relações

estabelecidas por nós, homens, com o tempo e ao longo do tempo, procura-se pensar a

Primeira Guerra Mundial como um elemento transformador desses vínculos. Para Hartog, a

relação estabelecida com o tempo a partir de uma organização entre passado, presente e

futuro; e de uma conformidade, tanto da vivência da experiência do tempo quanto do discurso

sobre essa experiência, a essa sistematização, é o que pode ser entendido como regime de

historicidade. O autor também nos informa que essa relação com o tempo não permanece a

mesma ao longo das épocas, e é nesse sentido que se procura considerar o desfecho da

Primeira Guerra como um (dos) abalo(s) nas estruturas de um regime de historicidade

moderno e a abertura de mais uma brecha para o avanço de um regime presentista.

Conclusões

A desilusão em relação ao progresso prometido pelo projeto civilizatório iluminista e a

crítica em relação a esses ideais se manifestou de forma bastante evidente ao final da Primeira

Guerra Mundial, e inaugurou um questionamento profundo quanto ao caráter inabalável da

caminhada para um futuro promissor; o que foi, de certa forma, resolvido com uma

progressiva valorização do presente como cenário de orientação da ação humana.

Referências

[1] ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. Trad. Mauro W. Barbosa. 2. reimpr. da

7. ed. São Paulo: Perspectiva, 2014. (Coleção Debates; 64).

[2] ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos

filosóficos. Trad. Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. [3] FREUD, Sigmund [1915]. “Considerações atuais sobre a guerra e a morte”. In:

Introdução ao narcisismo: estudos de metapsicologia e outros textos (1914-1916). Obras

Completas, vol. 12. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010,

pp.209-246.

[4] ______ [1930]. O mal estar na civilização. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo:

Penguin Classics; Companhia das Letras, 2011. (Coleção Grandes Ideias).

[5] HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo.

Belo Horizonte: Autêntica, 2014. (Coleção História e Historiografia).

[6] PROST, Antoine; WINTER, Jay. The Great War in History: debates and controversies,

1914 to the present. New York: Cambridge University Press, 2005.