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INTRODUÇÃO N a busca de sentido para as alterações recentes nas formas de in- serção na vida econômica, podemos registrar uma polaridade de interpretações majoritariamente absorvidas pela opinião pública (tal como ela se expressa nos órgãos de comunicação). Do lado que chamaremos de “otimista”, surge a idéia da chamada “sociedade em rede”, termo popularizado por Manuel Castells (1999), que dirige a nossa atenção para novas formas de sociabilidade, mais diversifica- das e enriquecedoras quando comparadas a períodos anteriores, que estão se desenvolvendo na esteira das dramáticas alterações tecnoló- gicas, personificadas pela extensão da internet nos anos 90. Do lado que designaremos de “pessimista”, as alterações são decifradas a par- 5 * Agradeço a providencial ajuda da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESPe do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico –CNPQ, agências financiadoras das pesquisas que originaram o presente artigo. Agra- deço também os comentários dos pareceristas anônimos de Dados, bem como aqueles feitos à primeira versão do texto durante a sua apresentação no XXVI Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais – ANPOCS, tanto pelo debatedor Eduardo Noronha, quanto pelos demais colegas presentes à ses- são. DADOS – Revista de Ciências Sociais , Rio de Janeiro, Vol. 46, nº 1, 2003, pp. 5 a 37. A Promessa da “Inserção Profissional Instigante” da Sociedade em Rede: A Imposição de Sentido e a sua Sociologia* Roberto Grün

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INTRODUÇÃO

N a busca de sentido para as alterações recentes nas formas de in-serção na vida econômica, podemos registrar uma polaridade

de interpretações majoritariamente absorvidas pela opinião pública(tal como ela se expressa nos órgãos de comunicação). Do lado quechamaremos de “otimista”, surge a idéia da chamada “sociedade emrede”, termo popularizado por Manuel Castells (1999), que dirige anossa atenção para novas formas de sociabilidade, mais diversifica-das e enriquecedoras quando comparadas a períodos anteriores, queestão se desenvolvendo na esteira das dramáticas alterações tecnoló-gicas, personificadas pela extensão da internet nos anos 90. Do ladoque designaremos de “pessimista”, as alterações são decifradas a par-

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* Agradeço a providencial ajuda da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de SãoPaulo – FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico– CNPQ, agências financiadoras das pesquisas que originaram o presente artigo. Agra-deço também os comentários dos pareceristas anônimos de Dados, bem como aquelesfeitos à primeira versão do texto durante a sua apresentação no XXVI Encontro Anualda Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais – ANPOCS,tanto pelo debatedor Eduardo Noronha, quanto pelos demais colegas presentes à ses-são.

DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 46, nº 1, 2003, pp. 5 a 37.

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tir da lente da economia política e é ressaltado um novo, e cada vezmais importante, papel da coordenação financeira na direção das or-ganizações e das empresas em particular. Novo por causa da prepon-derância das considerações exaradas do mercado financeiro, em de-trimento daquelas comprometidas com o desenvolvimento das em-presas manufatureiras e demais não-financeiras, e pessimista porqueregistra a diminuição dos graus de liberdade para políticas sociais ede desenvolvimento dos governos e para estratégias de longo prazodas empresas, além de registrar negativamente as drásticas mudan-ças de expectativas profissionais para os indivíduos.

Diante desse fato marcante da realidade atual, a literatura sociológicatem registrado as evoluções de diversas maneiras, algumas das maisimportantes de forma indireta. A partir do grupo de autores influen-ciados diretamente por Bourdieu, podemos encontrar uma grandevariedade de tematizações suscitadas por esse aspecto dos temposmodernos. Nesse quadrante da produção recente, poderíamos desta-car os textos reunidos em torno de La Misère du Monde (Bourdieu,1995), que registra diversos tipos de exclusão social produzidos nostempos atuais, lembrando que alguns deles, por representarem maisperdas de ligação social e de auto-estima do que privações econômi-cas absolutas, passam despercebidos, ainda que produzam enormesofrimento.

No seio da corrente “bourdieusiana”, Gollac e Volkoff (1996) anali-sam os agregados macrossociais para detectar as dificuldades que apopulação trabalhadora francesa encontra para “estar à altura” dasexigências dos novos tempos, enquanto Balasz e Faguer (1996) eBeaud e Pialoux (1999) examinam detalhes no plano monográfico. Aúltima dupla estuda os operários do tradicional setor automobilísti-co, os quais, antes considerados a vanguarda das estratégias de re-denção social, sofreram nos últimos vinte anos uma dramática perdade importância na sociedade. Os reflexos desse processo implicam oquase aniquilamento da auto-estima dos militantes sindicais e a con-seqüente perda de capacidade de mobilização da categoria. Paragrande parte dos operários autóctones, a nova conjuntura leva ao re-fúgio mágico do passadismo racista e de extrema-direita. Quanto aosoperários de origem imigrante, estes se tornam um verdadeiro vivei-ro para o radicalismo islâmico. E para todo o grupo operário, abre-seuma enorme crise de reprodução social, ligada também às transfor-mações do sistema escolar e à dificuldade de filhos de operários en-

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contrarem um lugar nessa nova paisagem, refletindo o processo nosatuais operários sob a forma de diminuição ainda maior do sentido defuturo (Beaud, 2002).

A segunda dupla, por sua vez, analisa os novos espaços do mundo dotrabalho associados à informática, que prometia o final das fronteirasentre o proletariado e as classes médias, levando o primeiro a loca-ções cada vez mais próximas do trabalho intelectual, redimindo, as-sim, o que já foi considerado a principal chaga social das sociedadesdesenvolvidas. Os resultados encontrados mostram a enorme difi-culdade de os empregados de origem social modesta ou com creden-ciais escolares pouco expressivas se sentirem à altura das exigênciasque lhes são colocadas e o sentimento de desespero que vai tomandoconta dos agentes em uma situação do mercado de trabalho que tem odesemprego massivo como pano de fundo permanente (Balasz eFaguer, 1996).

Finalmente, Dezalay e Garth (2002) desenvolvem uma pesquisaigualmente de fôlego sobre a recomposição das elites nacionais, maisrecentemente as latino-americanas, principalmente aquelas ligadasaos espaços legais, diante dos processos de internacionalização, exa-minando a produção do direito que, ao mesmo tempo, conduz e refe-renda as transformações sociais recentes. Aqui, a análise talvez secomplete. Nela aparecem em carne e osso os agentes produtores doprocesso, além de também serem historiadas a formação do novo léxi-co e da nova legalidade que afirmam e confirmam o processo que es-tamos assistindo. E assim ganhamos reflexividade diante da “globali-zação”, fenômeno que aparentemente não tem sujeito, que, assimcomo a chuva e o vento, viria da natureza sem que o homem pudessefazer muita coisa para evitar ou suscitar.

Na produção do grupo de autores acima, os temas correlatos da “glo-balização”, ou da “sociedade em rede”, quase nunca são denomina-dos, expressando desconfianças mais do que evidentes com o proces-so de rotulagem de que as ciências sociais recentes se fizeram produ-toras ou, no mínimo, cúmplices. Antes de participar do processo denomeação, considerado nesse quadrante da sociologia como uma aju-da na produção da “violência simbólica” opressora, esses autorespreferem examinar as dinâmicas de atores que estão em curso e as con-seqüências delas sobre a percepção dos dilemas sociais recentes e aspossibilidades de sua superação. Metodologicamente, eles traba-

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lham com a idéia de “violência simbólica”: a capacidade diferencial esocialmente induzida de enunciar um sentido verossímil para o mun-do e de sustentar esse ponto de vista, tanto na esfera pública quantonos espaços privados, atribuindo a maior parte das diferenças às dis-posições pessoais adquiridas na socialização típica dos grupos.

Cabe ainda assinalar que, além dos estudos de Dezalay e Garth acimareferidos, diferentes autores inspirados em Bourdieu se debruçam so-bre outros segmentos das elites atuais, como a grande burguesia tra-dicional e a nobreza. Vendo a questão a partir desses diversos ângu-los, a produção da corrente “bourdieusiana” acaba compondo ummosaico bastante rico e, creio eu, ainda não totalmente percebido econsolidado em uma visão geral, mas que, se lido em conjunto, nospermite assinalar que os atributos necessários para os indivíduosdesfrutarem do advento de uma globalização e de uma sociedade“em rede” virtuosas seriam aqueles equivalentes à socialização típicadas diversas elites transnacionais, implicitamente inalcançáveis paraa enorme maioria da população francesa1.

A corrente acima é confrontada e, ouso dizer, complementada, pelogrupo construído em volta de Luc Boltanski e Laurent Thévenot, ini-cialmente saído da primeira (ver Boltanski e Thévenot, 1991)2. Nessaabordagem, a ênfase é na dinâmica das idéias e das possibilidades ló-gicas de construção de “ordens de justiça” ou, mais recentemente, de“mundos possíveis”. A tensão intelectual entre as correntes se con-substancia justamente na recusa militante desta última em aceitar oconceito de habitus, categoria central na primeira abordagem para ca-racterizar o papel das disposições sociais, e dessa maneira, em recu-sar quaisquer limitações cognitivas nos agentes examinados, excetoaquelas advindas das lógicas argumentativas que são deflagradasnos processos dialógicos.

Para o grupo, as possibilidades de diálogo na sociedade capitalistatradicional combinariam recursos argumentativos oriundos de seisfamílias de justificativas ou mundos possíveis (doméstico, cívico, re-nome, inspirado, comercial e industrial), e os tempos atuais estariamgerando um novo tipo de mundo, aquele chamado de “conexionista”– o equivalente do grupo para a “sociedade em rede” proclamada porCastells. O bebê anunciado ainda não está maduro, mas poderíamosadivinhar suas características – os contornos do novo mundo legíti-mo que pode e deve se firmar. O conexionismo seria um princípio de

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sociabilidade dotado de regras de legitimação que lhe são próprias edistintas das anteriores, refletindo uma nova fase da sociedade capi-talista. Nele, a virtude dos atores residiria na sua capacidade de criarou manter a fluidez dos arranjos de indivíduos e dispositivos e de in-corporar o maior número possível de antigos parceiros nos novosprojetos. A virtude, não necessariamente já existente, mas construídaprincipalmente a partir de uma derivação lógica dos argumentos co-ligidos pelos autores nos manuais de organização empresarial recen-tes, funcionaria também como um ponto de equilíbrio que tornaria anova situação justa e, por causa disso, tolerável. Nesse diapasão, umavez determinado o ponto de chegada, o esforço analítico da sociolo-gia consistiria em examinar situações em que as velhas ordens de jus-tificação estariam se desmontando e a nova emergindo. E socialmen-te, a sociologia se justificaria pelo esforço de esclarecimento relativoàs novas potencialidades que estão surgindo, sinalizando à popula-ção os caminhos e comportamentos ao mesmo tempo desejáveis e exigí-veis (Boltanski e Chiapello, 1999).

O esforço dos autores franceses registrado acima encontra paralelo,entret alii, nas digressões de W. Powell a partir da observação da cenanorte-americana3. Estudando as articulações organizacionais quesurgiram em torno do boom de empresas de alta tecnologia nos EUA ea aparente desarticulação das formas características das empresas“tradicionais”, Powell constata a existência e robustez das redes, mastambém um conjunto expressivo de promessas de felicidade não rea-lizadas, como o aumento da desigualdade de renda e da insegurançano emprego, atribuindo estas últimas a uma possível “primeira fase”do conexionismo, ainda caracterizada mais pela destruição das for-mas anteriores do que pela clareza do alcance das novas. E, de manei-ra análoga até mesmo mais incisiva do que seus colegas otimistasfranceses, esse festejado autor neo-institucionalista irá predicar umamarcha muito provável rumo a uma situação mais virtuosa, caracteri-zada por um mundo povoado por pessoas mais abertas, porque me-nos constrangidas pela famosa “gaiola de ferro” da burocracia de-nunciada por Weber.

A produção sociológica norte-americana aproxima-se metodologica-mente do grupo francês de Bourdieu e tematicamente da economiapolítica nos trabalhos de Neil Fligstein (1993; 2001). Olhando, pelomenos nos últimos dez anos, para as transformações que o enfoque fi-nanceiro tem produzido no universo organizacional nor-

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te-americano, Fligstein desenvolve um aparato analítico explicita-mente calcado na noção de “campo” tomada de Bourdieu e, a partirdaí, demonstra um ceticismo bem fundamentado relativamente aoconceito de rede, bem como algumas reticências ao alcance do chama-do shareholder power, para ele não muito mais do que uma nova estra-tégia retórica necessária para a legitimidade das direções das grandesempresas, mas sem grande impacto real no sentido de alterar o rumodas suas decisões estratégicas4. Para Fligstein, historiador das formasorganizacionais, a chamada “organização em rede” representariaapenas um momento de transição, um átimo a ser superado pela recu-peração das formas burocráticas tradicionais5. Em uma provável atu-alização dos ciclos de inovação descritos por Schumpeter, uma vezselecionados pelo meio ambiente os novos produtos que irão vingarna atual vaga de novidades tecnológicas, as empresas que contribu-em para a sua produção irão abandonar as formas organizacionaiscontingentes, próprias de situações indeterminadas, para reconfor-marem-se à previsível e controlável organização hierárquica – a úni-ca que garante a segurança das aplicações financeiras a longo prazo euma vida mais tranqüila para as altas direções das empresas e os ali-nhamentos internos dos ramos industriais que custam tanto a se esta-bilizar (Fligstein, 2001:230).

Esquematizando, as análises que marcam o pessimismo ressaltamtudo que impede (dificulta) os indivíduos de conformarem-se aos pa-drões exigidos pelos novos tempos, enquanto os otimistas destacamos benefícios da promessa (se) cumprida. Implicitamente, os pessi-mistas acusam os otimistas de ajudarem a construir a imagem de quea “sociedade em rede” é uma realidade inelutável em relação à qualsó se podem discutir as melhores formas de adaptação; enquanto osotimistas acusam os pessimistas de decretar a derrota antecipada dosleftovers na competição social e, assim, contribuir para impedir qual-quer avanço social de membros das classes desfavorecidas. Dessemodo, creio eu, uma vez que dificilmente as razões de um lado pode-riam anular as do outro, o ponto essencial da análise passa a ser o es-tudo dos mecanismos e circunstâncias que tornam os diversos gruposde indivíduos e a sociedade como um todo mais sensíveis a cada umadas pregações.

Inicialmente, o lado otimista começa a disputa na frente, já que saltaaos olhos a constatação da existência e o aumento cada vez mais ex-pressivo da importância do que podemos chamar de “indústria do oti-

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mismo”: a difusão de uma enorme e variada panóplia de instrumentosde auto-ajuda, a partir dos mais diversos suportes físicos, destinadosaos mais diversos grupos sociais, geracionais, de gênero, raciais e re-gionais. É difícil imaginar que o segmento “otimista” da produção so-ciológica não acabe entrelaçado com esse importante ramo da indús-tria cultural contemporânea, independentemente da vontade de seusautores, já que, na busca de respeitabilidade para seus produtos, osprodutores de otimismo tendem a capturar e absorver qualquer obje-to cultural que possa lhes servir, inclusive e principalmente os maislegítimos6. Já a vertente “pessimista”, quando abordada na esfera pú-blica, tende a ser recebida como jeremiada, exceto talvez em manifes-tações diretamente políticas que dificilmente adquirem visibilidadepública, salvo em épocas eleitorais.

Acrer na digressão acima, uma conseqüência importante é que a idéiaconexionista, ao adquirir veracidade e positividade, acaba virandoefetivamente um modelo dominante para o enquadramento e a buscade sentido das vivências pessoais e organizacionais observadas. O co-nexionismo, assim, vira uma espécie de profecia auto-realizante, pro-duzindo a sua própria veracidade7.

Finalmente, um aspecto que pode parecer idiossincrático, mas talvezlance mais luz sobre a impossibilidade que virou necessidade imperi-osa dos tempos atuais, é que os nossos dois autores de referência parao conexionismo lembram que a chamada “vida de artista” serve depadrão de comportamento esperado dos agentes. Em ambos os casos,assinalam-se a constante “reinvenção de si mesmo”, o imperativo daconstrução de novos projetos, a incerteza em relação ao futuro sendo“positivada” como abertura de possibilidades e a liberdade em pers-pectiva. Essas características sempre estiveram presentes nas carrei-ras artísticas, nas quais os agentes têm de se recriar constantemente,na medida em que assumem novos papéis e passam a fazer parte denovas trupes. E, desde a invenção da “vida de artista”, no decorrer doséculo XIX, o sistema de justificações que acompanha a profissão assi-nala o caráter positivo do processo, contrapondo a vida aventurosa,generosa e interessante do artista à vida previsível, mesquinha e de-sestimulante do burguês8. Talvez esse aspecto explique o sucesso es-trondoso e mesmo a funcionalidade das publicações sobre a vida dos“colunáveis” que povoam a paisagem editorial recente. Mais do quesimples curiosos, estaríamos perscrutando a vida daqueles artistas

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que a sociedade considera bem-sucedidos para tentar imitá-los, e issonão por capricho, mas por necessidade.

OS ESPAÇOS EMPÍRICOS

Utilizo alguns trabalhos de meus orientandos e meus como uma espé-cie de “teste” empírico para ilustrar alguns pontos do debate e das po-sições que descrevi acima. Os estudos foram realizados a partir dodesenvolvimento de projetos centrados na observação de diversasconstruções organizacionais e transformações profissionais recentes,abaixo discriminados:

(i) da adoção do sistema de “minifábricas” em empresas metalúrgicassituadas no oeste paulista (Rotta, 2002);

(ii) da criação e manutenção de redes de vendedores autônomos liga-dos a empresas “carismáticas”9; e

(iii) das dificuldades de conjugar carreira com vida pessoal, revela-das por jovens engenheiras e informáticas (Dieguez, 2000).

A análise das entrevistas nos três espaços mostra a força prescritivado modelo de rede como ideal a ser perseguido e a incapacidade de“estar a altura dele” – principalmente no que diz respeito ao imperati-vo da fluidez – torna-se escusa suficiente para justificar o descarte deindivíduos, inclusive, e principalmente, dos próprios depoentes. Ini-cialmente, pensávamos que o script funcionava apenas para portado-res de diplomas de nível superior – afinal, mais diretamente atingidospela pregação desse novo evangelho. Deparamo-nos com a sua forteinfluência mesmo sobre os trabalhadores manuais da indústria, querecebem os ecos do novo catecismo organizacional por caminhos ain-da a serem elucidados. Imaginávamos que as conquistas feministasacumuladas a partir da década de 70 – não só as legais, mas principal-mente as simbólicas – tornassem as mulheres menos sujeitas a desle-gitimações provenientes do credo. Também nesse subespaço social,observamos a solidificação de um discurso que se sobrepõe aos direi-tos que pareciam garantidos, relativizando-os sensivelmente (princi-palmente nas questões referentes ao respeito das diferenças e dos di-reitos reprodutivos). E, por fim, a mesma coisa ocorre com os chama-dos direitos de stakeholding – os trunfos acumulados pelos trabalha-dores por causa da sua dedicação passada às empresas. Areverência aquem suou a camisa pela empresa e que representa a sua história viva, per-

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sonificada no respeito aos trabalhadores mais velhos, também estáesmaecendo, mesmo depois de ter voltado a florescer no movimentoda Qualidade Total.

Os três grupos de atores têm de fazer frente às interpretações legíti-mas do sentido das suas inserções na vida econômica e lidam commuita dificuldade com essas contingências, já que elas não se adap-tam facilmente aos habitus construídos nas origens e trajetórias dosindivíduos. Mas os condicionantes sociológicos não os demovem.Eles ensaiam formas de recuperar suas inadequações, particularmen-te através do imenso trabalho sobre-si-mesmo que representam as ex-periências que estudamos10. Dessa maneira, nossos dois desafios ana-líticos (colocados na linguagem bourdieusiana, mas não limitadospor ela) são de: (i) dar conta de como se processa essa imposição desentido; e (ii) como os agentes manejam para resistir e/ou comporcom a violência simbólica a que são submetidos e que, por sua vez,eles mesmos acabam submetendo seus colegas-concorrentes.

No plano das formas organizacionais, o período mais recente foi re-volvido por um debate teórico intenso, em que os propugnadores daexistência da novidade foram confrontados com dois tipos de críticas,que colocam em dúvida diversos pontos das suas proposições. Basi-camente, existe a idéia do nosso “pessimismo”, expressa principal-mente pelos autores mais próximos da escola regulacionista e da eco-nomia política em geral, de que o assim chamado conexionismo nãopassaria da volta a uma ordem mercantil anterior ao advento doWelfare State e, portanto, da simples negação e revogação das regrasde convivência social impostas a partir do pós-guerra nos países cen-trais do capitalismo (Tilly, 2001) (e que se difundiram parcialmenteentre nós). As diversas nuanças dessa abordagem chamam os temposatuais de “mundo das finanças”, de “regulação patrimonial” ou de“capitalismo de dividendos”, divergindo marginalmente sobre seusignificado e estabilidade, mas sempre concedendo centralidade àsarticulações financeiras em detrimento de todas as outras formaspossíveis de estruturação da sociabilidade econômica (Orléan, 1999;Boyer, 2000; Froud et alii, 2000). Assim, para esse grupo de tendênciasanalíticas, estaríamos simplesmente diante da hegemonia do quealhures chamei de modelo 2 – o modelo de empresa predicado pelomercado financeiro –, o feixe de contratos da nova teoria da firma(Grün, 1999).

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Uma outra ordem de críticas mais próxima dos estudos organizacio-nais vem da sociologia econômica. E é justamente a partir da análiseda evolução das formas empresariais mais recentes que vem a impug-nação mais contundente (Fligstein, 2001:229). Para essa vertente, es-taríamos simplesmente diante de uma renovação das formas organi-zacionais hierárquicas, que não podem mais se manter no seu forma-to e denominação tradicionais. Assim, a conceituação da sociedadeem rede seria apenas a hipóstase de um ponto de inflexão, cronologi-camente determinado e contingente, entre os pólos tradicionais deoscilação que são o mercado e a hierarquia.

De fato, no plano dos indivíduos, uma análise aprofundada de (i) e(ii) revelou a dificuldade dos profissionais em lidar com a “flexibili-dade” exigida pelo maravilhoso mundo das redes, e também mostroua profunda desconfiança que a network organization provocava nosaderentes ao comércio em rede, bem menos desconfiados quandomontavam suas operações em uma lógica puramente mercantil, afas-tando-se da rede (estabelecendo-se efetivamente por conta própria,i.e, fazendo literalidade da metáfora que dizia serem os vendedoresda rede empresários independentes) ou utilizando-a de maneira pre-datória. Na amostra de operários e gerentes levantada e trabalhadamais recentemente, tivemos o auge do encanto com a “nova fábrica”,seguido de uma volta paulatina aos pressupostos da cadência hierár-quica “tradicional”. Nessa última amostra (Grün, 2000), ficou bemclaro que a experiência de flexibilidade introduzida na gestão fabrilfoi interpretada pela maior parte dos agentes que dela participaramcomo uma espécie de fase heróica inicial, formadora de uma cadeiade reciprocidades, na qual eles “deram o sangue pela empresa” e,portanto, esta lhes deve alguma coisa. No contexto de retração econô-mica que se seguiu, justamente, ao auge da experiência examinada,anotamos um importante aumento inicial de produtividade dos fato-res. Este foi imputado justa ou injustamente ao novo arranjo socioin-dustrial. E, por uma fina ironia do destino, essa mudança, ao não en-volver um grande investimento em máquinas e equipamentos, foiconsiderada uma obra dos próprios trabalhadores. Estamos, assim,diante de um ricochete. Afinal, depois de décadas de propagação domito do determinismo tecnológico, o fato de a maior produção tersido alcançada por um re-layout deflagrador, possibilitando umaenorme intensificação do trabalho, foi lido como uma obra dos ho-mens, dos próprios trabalhadores – um ato de heroísmo industrial

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por excelência. Assim, a cronologia que constatamos conforma-sebastante à crítica sugerida por autores como Fligstein, que anotamosacima11.

Mas abordar exclusivamente a interpretação majoritária entre osagentes trai a lógica sociológica da situação. A implantação das mini-fábricas e a interpretação dos tempos atuais como o advento da socie-dade em rede é a obra coletiva que agrega o subconjunto de agenteslocais inovadores aos propugnadores dos nossos novos evangelhos.Os primeiros operam no âmbito local em sintonia com os ventos ideo-lógicos mais gerais da sociedade e, em uma lógica muito próxima à dopregador e do prosélito, constroem uma força social específica noprocesso interativo que estabelecem com os segundos, responsáveispela propaganda dos novos comportamentos, ao mesmo tempo exis-tenciais, econômicos e organizacionais12.

Concretamente, no caso da nossa minifábrica, eis que no seio da fábri-ca tradicional, localizada em São Carlos, cidade dos engenheiros porexcelência13, um grupo de agentes dotado de formações escolares etrajetórias consideradas, na linguagem local, como soft, ou light – ad-ministradores de empresas, psicólogas, pedagogas – encontra naidéia das “minifábricas” uma alavanca excepcional para desestabili-zar o equilíbrio de forças tradicional, tanto no que diz respeito à ques-tão do gênero, quanto entre as profissões da região, e assim viabilizarou acelerar suas carreiras. Desse modo, a exemplo de outras altera-ções substanciais no equilíbrio em organizações, assistimos à defla-gração de uma dinâmica social interna ao mundo organizacional,mas largamente sobredeterminada pela estrutura social, que é dota-da de forte poder explicativo para desvendar a realidade empresarialque elegemos como tema14. Nesse caso, a idéia de rede e de inserçãosempre provisória mas contínua na População Economicamente Ati-va, que funciona como prescrição inalcançável para a maior parte dosmembros das amostras que estamos trabalhando, adquire realidadejustamente para esse pequeno grupo de “jovens turcos”. Sartrianossem o saber, ao pretenderem mudar o mundo, mudam os seus pró-prios lugares no mundo. E assim, ainda que a fábrica que eles prescre-veram como a única que pode sobreviver no mundo globalizado não tenhadurado muito tempo e esteja progressivamente voltando a uma estru-turação mais próxima da tradição e dos equilíbrios profissionais15

que a ela correspondem, a sua fama como promotores das mudançasos alçou a vôos inimagináveis em tempos anteriores, viabilizando, no

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mínimo, a elevação de seu status na empresa ou em outras fábricas, e,no máximo, o tão sonhado estabelecimento por conta própria comoconsultores.

Assim, para explorar as ambigüidades entre as experiências do grupomajoritário, mas largamente passivo, e o grupo minoritário, mas ati-vo, creio que um bom enquadramento para os insights levantados po-deria ser o dos critérios de justificação. Para o grupo estatisticamentemajoritário, verificamos a tentativa de recuperação do sentido doseventos em torno da adoção e evolução das minifábricas como umaseqüência cronológica de dom e reciprocidade, inserindo assim o his-tórico dos eventos na chave cognitiva do modelo tradicional de em-presa paternalista, o nosso modelo 1. Para o grupo dos “jovens turcos”,nada poderia ser mais distante do seu entendimento da situação.Numa boa ilustração da “sociodicéia” (teodicéia social) proposta porBourdieu (1989:377), eles olham para suas próprias atuações e trajetó-rias, interpretadas como exemplos de ousadia e de persistência, aomesmo tempo como justificativas para seus sucessos profissionais ecomo exemplos a serem seguidos pelos colegas ou ex-colegas deixa-dos para trás. Uma vez que eles conseguiram “chegar lá”, eles tantomerecem as recompensas que estão recebendo, quanto o caminhoestá aberto para todos os que demonstrarem a fibra moral da qual elessão exemplo. E o corolário dessa montagem simbólica é sempre“darwinista”: quem não consegue seguir esses passos “evidentemen-te possíveis” é culpado da sua própria desgraça.

É interessante notar que o enquadramento acima, que normalmente éproveniente da lógica financeira, aparece aqui em um envelope retó-rico conexionista, provavelmente porque esse é o único legítimo notempo e local pesquisados. Na verdade, em termos de arena pública,o único espaço recentemente pesquisado onde o nosso modelo 2 apare-ceu de “cara limpa” foi no que chamei de versão 2 do significado domercado de capitais, a idéia de um mundo financeiro como espaço ar-riscado onde os ganhos são altos, mas os riscos são elevados e os agen-tes têm clara noção dos trade-offs e não podem ser estigmatizados pe-los seus possíveis lucros extraordinários, e tampouco reclamar dosseus eventuais prejuízos (Grün, no prelo). Estaríamos realmente di-ante da constatação da impossibilidade de sustentação do modelo 2 naarena pública, com exceção do mercado financeiro, afinal seu estritoespaço de vigência? Os filósofos da linguagem ensinam-nos que asmetáforas são produzidas pela extensão dos significados originais,

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que se transformam em bons esquemas para enquadrar fatos obser-vados (Putnam, 1992). O que então dizer sobre a aparente impossibi-lidade de extensão do nosso modelo 2? Seria um fato permanente outransitório? Creio que uma boa apropriação sociológica do conceitosó pode aceitar a possibilidade da transitoriedade das possíveis ex-tensões de significado. Estando certa esta digressão, segue-se queprovavelmente uma das razões para a rápida difusão atual da idéiade rede deva-se justamente à sua capacidade de eufemizar práticas in-justificáveis quando expressas no linguajar oriundo da família deidéias que conota nosso modelo 2.

Voltando aos nossos dois autores de referência para o conceito derede, verifica-se que ambos colocam requisitos bastante altos para afi-ançar a virtude dos agentes no mundo conexionista. Na lógica dessepossível arquétipo de sociabilidade, os pontos postos em destaquesão justamente aqueles que fazem as redes funcionarem de maneiradesimpedida e que reiteram a excelência desse padrão de agrupa-mento: tudo que favorece diretamente a fluidez é valorizado, assimcomo tudo que nelas inclua os indivíduos. Seguindo a apreciação de-talhada de Boltanski e Chiapello (1999), os indivíduos que seriam os“bons empreendedores” das redes seriam os mailleurs (construtoresde redes e implicitamente produtores também de inclusão) e os“maus empreendedores” seriam os faiseurs (aproveitadores das redesdesenvolvidas por outrem e exploradores da boa-fé dos outros agen-tes que a eles se associam).

Nossos entrevistados “empreendedores de rede” não parecem amol-dar-se a tão exigente padrão de conduta. Os relatos de suas epopéiasfazem-se na primeira pessoa do singular, a preocupação com os cole-gas que tiveram de se conformar e de se adaptar às novidades é voca-lizada principal, e quase exclusivamente, através da idéia de que a ne-cessidade e a lógica dos novos esquemas de funcionamento organiza-cional lhes foram explicadas, e correspondentemente lhes foram ofe-recidas diversas oportunidades de treinamento formal para a novaconfiguração. Esses atos seriam suficientes para encaminhar os cole-gas nos novos rumos. Dessa maneira, a incapacidade constatada detrabalhadores e gerentes no acompanhamento das novidades foi di-agnosticada e justificada pelos “agentes de mudança” como falta decapacidade ou de vontade de aprender dos operários e como falta de“jogo de cintura” por parte dos seus supervisores. E, principalmente,ao indicar e disponibilizar os recursos, aos seus olhos necessários e

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suficientes para a “reconversão” dos colegas, nossos mudancistasconsideraram-se desonerados no que diz respeito às suas obrigaçõesmorais e profissionais.

O registro desse comportamento dificilmente poderia ser associado àidéia da militância conexionista que os teóricos colocam como neces-sária ao aparecimento e funcionamento do novo modo de sociabilida-de. A sua lógica remete-nos muito mais ao modo de justificação maispadronizado que pode ser extraído do espaço do mercado – o princí-pio da igualdade de chances – do que aos princípios de fluidez e de in-clusão que deveriam alicerçar a nova ordem moral16.

INTRODUZINDO A HISTÓRIA

Evidentemente que a constatação de que nossos entrevistados nãooperam integralmente na lógica conexionista não implica que ela nãoexista, muito menos que ela seja impossível. De um lado, devemosnos acautelar quanto ao sentido de pregação desse princípio de agre-gação e de justiça, que se reveste de características quase de catequesereligiosa; mas, de outro, é importante deixar a porta aberta para per-cebermos as suas conseqüências sociais, sejam elas quais forem.

Tivemos exemplos análogos de fenômenos organizacionais anterio-res, como o da “Qualidade Total” – QT. Transformada em evangelho,ela acabou tornando-se uma espécie de discurso básico, em torno doqual se ensejaram as mais diversas estratégias de reconversão social,ampliando a sua influência para espaços muitos mais amplos do queaquele da manufatura industrial seqüenciada, para o qual foi conce-bida. Nesses espaços distanciados da inspiração original, como nochamado “terceiro setor”, na educação etc., os princípios da QT eram“aplicados” de maneira cada vez mais metafórica quanto ao seu con-teúdo. Mas, aos meus olhos, seria um erro analítico nos atermos so-mente à “essência” organizacional daquele movimento. Mais corretoseria lembrar a sua característica de discurso de mudança legitimado,mantendo e realçando a virtude de agrupar em sua volta a maioriados agentes e dos impulsos mudancistas nas diversas esferas, nasquais a QT era chamada a servir de parâmetro (e uma espécie de “pa-lavra de ordem”) para atualizações e tentativas de alteração de statusdas atividades e de seus agentes. Assim, entret alii campos, o terceirosetor e a educação elementar, os nossos dois exemplos, ao associa-rem-se à idéia de QT tornaram-se modernos e legítimos e, principal-

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mente, também se tornaram legítimos os agentes que iniciaram ou seagregaram ao movimento pela QT naqueles espaços, até então forte-mente deslegitimados17.

Da mesma maneira, a partir do exemplo acima, podemos dizer que arelação entre discurso de mudança e comprometimento real com ela ébastante mais complexa do que poderia parecer a um observador de-savisado. Assim, creio que é necessária alguma cautela antes de des-cartar o caráter “genuinamente mudancista” dos nossos agentes, bemcomo julgar apressadamente o movimento conexionista em termosde cumpre, ou não, o que promete18. Dessa maneira, parece-me que o me-lhor posicionamento analítico é procurar saber justamente se o nosso“conexionismo” possui, ou não, essa capacidade agregadora que ob-servamos para a QT e, em seguida, tentar seguir os desdobramentoslógicos produzidos pela sua mnemônica.

E, mesmo se o tempo ainda não nos instruiu suficientemente sobre otema, podemos pelo menos constatar que a retórica do conexionismoopera uma dessensibilização importante, quando comparada às obri-gações típicas que eram “óbvias” para os profetas da qualidade19.Estes, envolvidos em um critério de reciprocidade, eram obrigadosmoralmente a incluir e preservar todos os stakeholders das organiza-ções que “vestiam a camisa” da qualidade. Já o novo credo, ignoran-do as exigências de seus teólogos mais rigorosos, parece tornar aconsciência menos pesada para seus aderentes. As lealdades com asempresas, com os diversos espaços sociais de atuação e, inclusive,com os indivíduos parecem desvanecer-se em favor do imperativo dafluidez, o qual, no nosso caso, ao que os dados indicam, matiza e en-fraquece a necessidade de inclusão. E, sempre é bom lembrar, fluidezsem inclusão é uma das características do nosso modelo 2, corroboran-do a percepção de que a idéia de rede tem servido para eufemizar prá-ticas indizíveis oriundas daquela família argumentativa.

Mas, voltando ao âmago do argumento dos nossos teóricos do conexi-onismo, o fulcro da questão não são as práticas empiricamente obser-vadas, mas antes o fato de que fluidez + inclusão é uma espécie deponto de equilíbrio possível, em torno do qual a ordem conexionistafar-se-ia justa, e por isso estável. Resta-nos saber se dizer que o pontode equilíbrio torna a situação justa e estável significa também dizerque atingi-lo é, implicitamente, uma situação provável, interpretaçãoque daria uma tonalidade fortemente funcionalista à nova teoria.

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Essa associação fica muito fortemente sugerida, para o caso de Po-well, co-autor do texto “fundador” do neo-institucionalismo, em so-ciologia das organizações (Powell e DiMaggio, 1991) e praticante dadisciplina contígua do organizational behavior, bem mais comprometi-da com as práticas diretas de intervenção do desenvolvimento orga-nizacional. Já para caracterizar seus colegas franceses, localizados nonúcleo duro da sociologia, talvez seja necessário um pouco mais derecuo. De qualquer maneira, como nos lembra seguidamente MaryDouglas (1987), dificilmente poderíamos passar sem alguma dose defuncionalismo.

Outra analogia sugerida com o movimento da QT é aquela referente àrelação entre retórica e aplicação efetiva dos princípios. Como já te-mos algum recuo histórico para avaliar a QT, fica claro que aquelemovimento teve seu início com uma intensa mobilização retórica, quepropagou primeiro a sua linguagem e bem depois a aplicação mais di-reta das suas ferramentas e “filosofia”. Essa seqüência temporal tal-vez tenha enganado os analistas que se debruçaram sobre o fenômenono seu início. Investigando a QT apenas ao longo da década de 80,constatamos a existência de um movimento que parecia restringir-seao estabelecimento de uma nova linguagem para exprimir as circuns-tâncias da vida organizacional, com muito pouco impacto direto so-bre a substantividade desta última. Mas o passar do tempo mos-trou-nos que aquela primeira fase correspondia a uma espécie de acu-mulação primitiva de legitimidade para a QT, que na década de 90 sedifundiu por boa parte do tecido organizacional brasileiro com umarapidez que surpreendeu a todos... que não perceberam a relaçãocomplexa entre retórica e aplicação direta das chamadas “ferramen-tas organizacionais”. Da mesma maneira, podemos pensar que os da-dos empíricos que alinhavamos até o momento correspondam a umatambém primeira fase do conexionismo, que equivaleria a uma acu-mulação inicial de reconhecimento dos seus princípios, os quais sómais tarde poderiam redundar na sua efetiva aplicação.

Mas talvez seja também importante anotar uma diferença: o alcanceproposto pelos teóricos conexionistas é muito mais amplo do queaquele ensaiado pela QT, mesmo nas suas derivações mais distantesdo projeto original. A idéia do “mundo em rede” pretende abarcar asmais diversas formas de sociabilidade dos tempos atuais, sendo que oespaço de convivência econômica se constitui apenas em uma das es-feras que estariam sendo transformadas pelo avanço da nova prega-

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ção, onde a difusão da internet parece dar suporte físico para as imen-sas transformações anunciadas (DiMaggio et alii, 2001). E possivel-mente o encanto com a internet considerada como “a” maravilha tec-nológica da atualidade a tenha constituído em fonte para a produçãodas metáforas que estamos usando para organizar o pensamento e ex-primir a complexidade da vida social20. As conseqüências dessa utili-zação em termos das zonas da sociabilidade que se tornam obscurasquando empregamos esse artefato cognitivo provavelmente só serãoconhecidas no futuro, mas a história das idéias serve-nos, de novo,pelo menos como uma lembrança para a necessidade de adotarmosuma postura de cautela diante das interpretações pendulares que fa-lam seja do total ineditismo da situação que estamos vivendo, seja dasua completa redução a algum momento do passado.

Um exame por outro ângulo das “sociodicéias” anotadas acima le-va-nos de volta para a nutrida discussão sobre o âmago das teorias so-ciológicas. De maneira telegráfica, talvez injusta, mas rápida, pode-mos dizer que os autores que propugnam pelo conceito de “sociedadeem rede” entendem que essa novidade está ao alcance da mão de to-dos os indivíduos que buscarem conformar-se ao novo padrão de so-ciabilidade. Mas, se estivermos mais atentos às limitações impostaspelos condicionantes sociais ao comportamento dos indivíduos, lem-braremos que o comportamento esperado pelos conexionistas corres-ponde a vários aspectos das descrições das redes de sociabilidade daselites dos diversos (mas em grande parte interconectados) beaux mon-des (Pinçon e Pinçon-Charlot, 1997).

As observações empíricas que realizamos mostram mesmo indiví-duos dilacerados entre a necessidade de produzir e alimentar as redesde relacionamento que são consideradas condição sine qua non para osucesso organizacional e a dificuldade real de encontrarem e se fami-liarizarem com as “boas relações” necessárias para deslanchar social-mente. Seria bastante interessante avaliar mais de perto as implica-ções cognitivas de os textos de divulgação chamarem o espaço da so-ciabilidade de “capital social”, entendendo as amizades e demais re-lacionamentos, literalmente, como trunfos a serem conquistados epreservados. Até que ponto esse espaço que até agora foi mais ou me-nos protegido do poder do mercado se transformaria? Até que pontoa capacidade da sociedade em resistir a essa “objetivação” acabaria seimpondo? Essa questão aparece claramente na amostra da Amway,na qual, ainda que sob o manto onipresente da metáfora da organiza-

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ção como uma grande família, os indivíduos são instados diretamen-te a “capitalizar” as suas relações sociais e familiares e delas extrairduplamente os lucros esperados, seja na forma de compradores paraos produtos, seja na forma de novos aderentes-vendedores da pirâ-mide, mas acabam batendo no muro do esgotamento das reciprocida-des – e, provavelmente, também do esgotamento do valor analógicoda idéia de “capital” para exprimir as circunstâncias do momento. Éinteressante notar que os indivíduos raramente permanecem na rededurante muito tempo, mas esta se refaz constantemente, indicandoque a “utopia das relações precificadas” seja um mundo tentativoconsiderado factível por largas parcelas da população, em especialdas nossas classes médias.

Na amostra feminina, o fenômeno aparece indiretamente quando asentrevistadas relatam as dificuldades para travar relações de traba-lho reciprocamente proveitosas com os colegas masculinos e o des-conforto diante da dificuldade de realizar matchings. Aqui, a idéia domundo como uma selva onde não se pode confiar em ninguém apare-ce bem delineada, tornando a realização do mundo conexionista umautopia muito distante. Nos relatos, o duro e fechado mundo do traba-lho profissional, onde o lugar da mulher está longe de estar garanti-do, é confrontado com o prazeroso e aberto período anterior da vidauniversitária. Na comparação, a etapa atual vivida pelas depoentesaparece negativamente, e os colegas são vistos como sexistas e inte-resseiros. A análise dessa amostra nos sugere fortemente a necessida-de de avançar a análise do “maravilhoso mundo das redes”, introdu-zindo um matiz de gênero. As mulheres têm lugar nele? Seria este umespaço onde as nossas antigas e velhas conhecidas “panelinhas” po-deriam se refazer, reescrevendo os seus princípios em uma lingua-gem mais adequada aos novos tempos e assim ganhando uma novalegitimidade e conseqüentemente uma sobrevida inesperada?

Voltamos a um problema de legitimação que não me parece muitobem contemplado pela teoria. Desde o início da sociologia das organi-zações, seguimos a discussão de como encarar as formas de sociabili-dade que se criam nas empresas ou que são importadas do mundo ex-terior. Apesar do dístico do “No acceptance except for business” já desta-cado por Marx nos idos de 1860, as interferências continuaram exis-tindo e foram tratadas seja como inimigo a destruir, como no caso dotaylorismo inicial, seja como uma espécie de fatalidade com quemnão há outro remédio, exceto o de aprender a conviver e, se possível,

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extrair algum proveito da sua existência, como é o caso da teoria dasrelações humanas, desenvolvida em grande parte como reação aotaylorismo precedente. Talvez como resposta a esse padrão de divideet impera, a teoria social crítica tenha enfatizado mais o caráter positi-vo dos agrupamentos e o negativo das individualidades. Nossos teó-ricos falam bastante do oportunismo individual do faiseur, que seapropria do que poderia ser chamado de “capital social coletivo”,mas muito menos da qualidade das relações das redes entre elas ecom a sociedade que as abriga.

Para dar cores às minhas ressalvas, lanço mão da observação de umgrupo de calçadistas de origem armênia em São Paulo, que realizei noinício dos anos 90, portanto antes da imposição do enquadramentocognitivo que reza serem as redes uma evolução virtuosa. A denomi-nação de cluster, que o grupo começava a ganhar dos analistas ligadosà socioeconomia da época, dava-lhe cores positivas e, a partir dessanova pintura, ele podia contrapor-se às críticas dos calçadistas e defornecedores de outras origens, de que eles não passavam de uma“máfia armênia”, agrupamento implicitamente ilegítimo que condu-zia práticas de negócios que prejudicavam a concorrência porque pri-vilegiavam os “patrícios” como parceiros em detrimento det alii pos-síveis empresários; e também prejudicava a comunidade, por talvezevitarem coletivamente a fiscalização e o pagamento de impostos.

Naquele momento, o agrupamento étnico parecia deslegitimado e,por isso, fadado à decadência. A cultura de cooperação étnica que ha-via se desenvolvido pari passu ao cluster enfraquecia-se no choquecom a cultura legítima dos negócios que era aprendida nas escolas deadministração pelos membros das novas gerações. As necessidadesde cidadania patrícia tornavam a freqüência às escolas uma necessi-dade incontornável. Naquele ambiente, os ensinamentos, inspiradospela época do milagre econômico, apontavam para a necessidade deas Pequenas e Médias Empresas – PMEs espelharem as suas estrutu-ras nas das grandes empresas. Naquele quadro de referências, asPMEs não passavam de grandes empresas ainda não crescidas e só seviabilizariam se alcançassem dito patamar (Grün, 1999). Assim, nadade surpreendente na desqualificação da cultura econômica ancestral,vista naquele momento como o império dos pequenos expedientesimprovisados – o contrário do conjunto de regras claras e universaisque regeria a grande empresa idealizada. Posteriormente, em sinto-nia com uma nova inflexão internacional da cultura econômica legíti-

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ma, surgiu ou robusteceu-se uma vasta constelação de agentes, capi-taneada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empre-sas – SEBRAE, interessada profissionalmente na promoção da Pequenae Média Empresa como uma virtuosidade a ser estimulada. Ressurgeo small is beautiful naquele contexto favorável que louva as redes e ou-tras articulações de agentes e contorna ou ultrapassa as mazelas dasorganizações burocráticas. Coordenação sim, mas hierarquia perma-nente, não. O exemplo da III Itália transforma-se em uma espécie demoderno paradigma organizacional, e os novos agentes da difusãode princípios organizacionais irão fazer espraiar rapidamente a “boanova”. De repente, nossos armênios voltaram ao “lado bom” da cercae é uma importante questão de campo identificar as continuidades erupturas no comportamento do grupo posteriores à mudança do qua-dro de referência. Estávamos nós diante de uma “máfia” que se trans-formou em um cluster? Grandes, pequenas ou inexistentes, essastransformações apontam para a necessidade de adotarmos uma pos-tura analítica equivalente ao chamado “nominalismo dinâmico” deIan Hacking (2002)21 – a pesquisa das interações entre os fenômenosde nomeação e o comportamento dos agentes, sob pena de rebaixar ateoria social a um mero instrumento de retórica para uso daquelesagentes suficientemente providos de capital cultural para utilizá-la.

Na amostra das minifábricas aparece outra circunstância que merece-ria maior atenção. Creio que no enunciado da idéia de “capital social”está incluída uma tentativa de neutralização, mesmo de racionaliza-ção das paixões nos relacionamentos. Assim, a engenharia social quemontou o esquema de cooperação intensa no seio da mesma equipede trabalho ao lado da competição com outras equipes imaginava quea disputa entre os contendores se faria como em um “jogo de compa-dres”, produzindo apenas parâmetros e benchmarkings e não jogos desoma negativa. Mas não é isso que assistimos: ao contrário, a metáfo-ra ganha vida e as disputas entre as equipes de trabalho ficam cadavez mais ásperas, fugindo do controle da alta direção, tornando-se al-tamente disfuncionais. Entretanto, o recuo em direção à hierarquiatradicional não é fácil quando esta idéia está deslegitimada tanto in-terna quanto externamente. Feitiço poderoso não combina bem comfeiticeiro inexperiente: a tecnologia do uso das renomeações comoinstrumento de controle social está longe de estar dominada e segura.Ou talvez estejamos esbarrando, mais uma vez, nos limites de umaanalogia – chamar os processos que estamos analisando de “tecnolo-gias sociais” ou de “ferramentas organizacionais” nos induz a pen-

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sá-las como instrumentos colocados à disposição de qualquer um queos encontre em um balcão e passe a utilizá-los. Mas essa visão, cadavez mais difundida, talvez oblitere os requisitos sociais mínimos paraque os praticantes da nossa “engenharia social” consigam realizarsua magia.

A análise dos nossos casos aponta ressalvas importantes para a idéiade “mundo em rede”. Os automatismos de nossa disciplina nos leva-riam a impugnar as novidades e a apontar os problemas produzidospelas tentativas de implementá-las. Mas seguir nossos “instintos” tal-vez nos distancie do sentido da invenção social. As ciências sociaistalvez não estejam suficientemente atentas às tentativas que despon-tam nos mais diversos quadrantes da estrutura social, propondo,vendendo e, principalmente, buscando as transformações pessoaisque possibilitariam aos indivíduos irem mais acima na estrutura soci-al do que poderia prever a estrutura de chances objetivas. Penso, pri-meiramente, no enorme e diversificado espaço da auto-ajuda nas so-ciedades contemporâneas, explorado parcialmente no estudo sobre aAmway. Do meu ponto de vista, o assunto vem sendo trabalhado demaneira excessivamente crítica pelas abordagens sociológicas, que,ao focarem suas lentes sobre os aspectos evidentemente manipulati-vos das diversas técnicas de desenvolvimento pessoal e na ganânciade seus vendedores, deixam escapar os efeitos sociais importantesque elas produzem sobre os indivíduos que delas se servem. A vastaconstelação que vai da neurolingüística do cirurgião Lair Ribeiro à te-ologia da prosperidade, construída e difundida recentemente por vá-rias vertentes pentecostais, e à “cabala para negócios”, passando pe-las diversas versões do tradicional “método Silva” de se obter sucessona vida e pela “cientologia” apreciada pelos astros de Hollywood, re-presenta um enorme espaço que pede e merece uma fina exploraçãosociológica. Certamente, a enorme maioria dos métodos de traba-lho-sobre-si-mesmo não chega nem perto de entregar o produto queprometem, mas alguma coisa eles entregam. Talvez, a ilusão escolás-tica de Bourdieu mais uma vez nos engane e nos leve a exagerarmosna receita de pesquisa “cumpre, ou não, o que promete”, quando omais proveitoso seria um design de pesquisa “antes-e-depois” da uti-lização da técnica.

A análise do caso Amway dá nuanças ao problema: em um primeiromomento, o decisivo da lógica social estudada parecia ser simples-mente a decepção com a promessa não cumprida de enriquecimento

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rápido e as técnicas refinadas de obliterar esses fracassos para os no-vos aderentes. Posteriormente, a análise mostrou que a passagem poraquela organização, que reconhecidamente emprega de maneira in-tensiva e sistemática os métodos de auto-ajuda no treinamento dosseus aderentes, tornou os agentes mais “autoconfiantes” e mais“abertos para as oportunidades da vida”, vislumbrando novas alter-nativas de inserção econômica que anteriormente escapavam dassuas percepções.

Nossos aderentes, em grande parte, portavam um estigma de fracas-so econômico ou profissional. Um bom exemplo seriam alguns estu-dantes de pós-graduação que não chegaram a terminar a sua tese. Nomundo acadêmico em que eles estavam inseridos, tal situação signifi-cava claramente o fracasso. Ao denominar o mundo acadêmico como“burocrático” e suas provas de grandeza como simples rituais “esco-lares” sem maiores relações com a “verdadeira vida”, o espaço de so-ciabilidade e de inserção econômica da Amway representava paraeles um fascínio facilmente explicável. Na reversão simbólica, elesdeixam de ser estudantes fracassados, e passam a se considerar em-preendedores tolhidos pela estreiteza dos professores-funcionários eda universidade-repartição. E a operação, que à primeira vista podeparecer o enunciado de um eufemismo banal, ganha robustez ao in-troduzir o aderente em um novo círculo da magia, o grupo dos ade-rentes anteriores, que já passaram pelos rituais de reconversão e apartir dessa fé neófita irão acolher e reforçar a idéia de que uma vidanova e melhor se abre aos empreendedores em perspectiva.

A comparação da experiência comercial armênia no Brasil com ospontos levantados no estudo da organização carismática mostra ou-tro aspecto da trama sociológica. Morfologicamente, muito poucodistingue a rede da Amway da rede de “patrícios” comerciantes. Enão é difícil perceber que o chamado “marketing de rede” constrói asua especificidade e faz-se atraente para diversas camadas das clas-ses médias, em geral distantes da pequena burguesia tradicional, me-diante um processo cultural de ressignificação de antigas práticas so-ciais e econômicas típicas deste último grupo, em especial os mem-bros das chamadas “etnias comerciantes” (Grün, 1992).

Assim como o especialista em marketing se considera a antítese mes-ma do vendedor tradicional, já que para ele as vendas são o resultadode um posicionamento no mercado cientificamente estudado, nadamais distante dos nossos aderentes ao marketing de rede, e também

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dos franqueados, do que o comerciante tradicional de origem étnicabem marcada, como o português da padaria, o turco do armarinho ouo italiano da cantina. Estas últimas figuras estão ainda bem presentesna paisagem comercial das cidades e representam um fantasma aexorcizar. Afinal, a epopéia mítica dos imigrantes que povoaram a re-gião que estudamos fala do começo difícil na roça, da passagem even-tual pelo trabalho manual urbano ou pelo pequeno comércio e, final-mente, de um ponto de chegada muito desejado, que é a instalaçãoprofissional a partir do diploma de nível superior, que assegura aoseu detentor status social e renda. Nesse quadro de referências, a ade-são a uma “simples” experiência comercial poderia representar o ar-quivamento do sonho e, principalmente para o detentor de um títulouniversitário, o retrocesso social. Daí a importância do “envelope or-ganizacional” fornecido pelas empresas de marketing de rede e pelosfranqueadores: um exame “substantivo” de seus conteúdos talvez re-velasse um pequeno valor agregado em termos de facilitar a instala-ção e a continuidade do novo empreendimento, mas esse tipo de aná-lise perde de vista o significado do “envelope retórico” que vem juntono pacote e que opera no nível identitário da auto-estima e da repre-sentação social. A retórica desse tipo de arranjo organizacional tentaunir a idéia de um mundo empresarial organizado, no qual os agentesoperam na realidade através de instrumentos que se querem científi-cos – as chamadas “ferramentas” de pesquisa de mercado, de distri-buição de produtos, de gestão do ciclo financeiro, entre outras, queestariam sendo postas à disposição dos franqueados ou dos aderen-tes ao marketing de rede –, com a idéia da liberdade de iniciativa e demovimentos que é atribuída aos empresários. E, dessa forma, o enten-dimento prevalecente é que nosso integrante do marketing de rede fazparte de uma organização moderna, ou mesmo pós-moderna (já quecultiva o discurso antiburocrático), que deve parecer a antítese mes-ma do comércio ou da prestação de serviços tradicionais. Ao olhar omundo desse ponto do espaço simbólico, ele enxerga-se na dianteira,à frente do empregado de uma grande empresa e justamente o opostoda posição que atribui ao pequeno comerciante tradicional.

CONCLUSÃO

Ao procurar conhecer o significado das promessas da “sociedade emrede”, deparamo-nos com uma mecânica simbólica que opera medi-ante diversas formas de enxertos e ressignificações lingüísticas22 quecontribuem para descrever, e ao mesmo tempo criar, as experiências

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de vida que buscamos compreender. Ao trilhar esse caminho analíti-co para avaliar o que aos meus olhos, erroneamente, parece ser umdesenvolvimento que ocorre da mesma maneira nos mais diversospaíses, tínhamos o objetivo justamente de ressaltar as especificidadesda cena brasileira e, indiretamente, chamar a atenção para configura-ções análogas que provavelmente possam ter surgido em outras lati-tudes e longitudes. Há certamente uma fôrma cultural de vigência in-ternacional, expressa na adoção de léxicos verbais aparentementeidênticos, que parece tornar iguais os processos de adoção da “novaeconomia” que vêm acontecendo nas mais diversas regiões do globo.Entretanto, creio ter registrado, essa nomenclatura se impõe opondo,enxertando e ressignificando experiências bem específicas da nossahistória que não são idênticas a outras configurações sociais. Logo, aterminologia que é usada internacionalmente para descrever a “novaeconomia”, seus agentes e suas sociabilidades, que parece apontarpara a homogeneização das práticas econômicas e dos seus significa-dos culturais, está muito provavelmente encobrindo importantes di-ferenças, que podem ser postas em evidência através da busca dasoposições de sentido locais. E nesse tópico é bom lembrar que os cog-nitivistas estão sempre nos alertando para o fato de que acertamos“evitando o erro” ou “sabemos muito mais o que queremos evitar doque o que queremos conseguir”. Assim, sem a consideração dos opos-tos, a análise da nova nomenclatura, no seu sentido estrito de taxono-mia, tem pequeno poder descritivo.

A avaliação da importância dos fenômenos de nomeação pode nos le-var a entender a reação dos “bourdieusianos” às práticas de rotula-gem de seus colegas/concorrentes do mundo acadêmico, que sejamtalvez irrefletidas, mas certamente são prenhes de conseqüências.Uma sociologia dos intelectuais mais ligeira apontaria aí a necessida-de de diferenciação do grupo em relação às outras tendências socioló-gicas e encerraria a questão. Estou convicto de que estamos diante deuma configuração bem mais complexa. Por um lado, Bourdieu preve-niu-nos diversas vezes contra a chamada “tentação da regalia” – ausurpação do direito, antigamente concedido aos reis, de definir assemelhanças e as diferenças entre os seres e objetos, enunciandoassim, com a sua autoridade, como o mundo deve ser entendido e,finalmente, como o mundo é. Seus discípulos, não só para preservar acientificidade, mas também provavelmente por dever de modéstia,mantiveram a vigilância contra essa tentação de o sociólogo tor-

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nar-se um árbitro poderoso das tensões sociais. Mas, para o próprioBourdieu (1980), o corolário da prevenção é a necessidade de tomar oprocesso de rotulagem como um importante ato produtor de realida-des, não só subjetivas, mas também objetivas. Estamos, assim, maisdo que diante da necessidade de manter a cautela de tentar fazer polí-tica através da sociologia, diante da necessidade de uma verdadeirasociologia da rotulagem, que generalizaria e faria sociológico o estu-do da idéia de “assinalamento” proposta por Foucault e de quemHacking, p. ex., é um dos fiéis seguidores.

As outras abordagens sociológicas que tentamos avaliar trabalham oproblema diferentemente. Tentam entrar na disputa social pela defi-nição correta do fenômeno e extrair as possíveis conseqüências posi-tivas da nova configuração, se definida de acordo com suas visões.Nesse caminho, aparece justamente a construção do imperativo éticoda inclusão como característica necessária do “conexionismo”, umimpulso ao mesmo tempo funcional e normativo no qual um dos au-tores retoma suas preocupações com o ato desinteressado caracteri-zado na figura grega e cristã da ágape e com a amizade em geral, aomesmo tempo em que oferece uma sustentação “sócio-lógica” para aconcretização não utópica de relações que seriam insustentáveis emoutras ordens de justificação (Boltanski, 1990).

Na abordagem de Powell, autor influente nos estudos organiza-cionais, temos a retomada de uma preocupação basilar da sociologiacrítica das organizações com o cerceamento da criatividade e com adesumanização em geral que é induzida pelo convívio nas burocra-cias. Nessa linha, o autor é herdeiro de uma tradição crítica que re-monta a Weber e que passa fundamentalmente pela produção em solonorte-americano dos “frankfurtianos”, Herbert Marcuse (1967) emespecial. Trata-se aqui de procurar no horizonte alternativas funcio-nais à organização burocrática que permitam melhores quadros vi-venciais sem prejuízo das virtudes produtivas da organização “racio-nal”. Para essa busca, a networking organization parece ser uma daspoucas, senão a única, boas respostas disponíveis. Afinal, ela parecedissolver as barras da gaiola de ferro burocrática, ao mesmo tempopelo lado das empresas que são instadas a se tornarem mais leves eflexíveis, e pelo lado dos trabalhadores, que no início são obrigados ase “reinventarem” constantemente, para depois, em uma evoluçãopositiva, tomarem gosto por uma vida mais movimentada e variada,menos constrangida pelas viseiras produzidas pelas instituições.

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Já os membros de nossas amostras, estes, parafraseando ao mesmotempo o dito popular e a analogia erudita, são os verdadeiros artistasdo cotidiano. Eles estão vivendo compulsoriamente em um mundodiferente da promessa fundamental em que se engajaram quando ini-ciaram seus investimentos escolares e profissionais – momento tam-bém em que começaram a fazer seus cálculos subjetivos sobre o futu-ro. Fazem muito para se adaptarem, são fregueses compulsórios daindústria do otimismo e sempre acham que não fizeram o suficiente, eassim aprofundam a tendência a crer na naturalidade do espaço emque vivem e que o único caminho é seguir as receitas.

Para os cientistas sociais, fica o alerta de que essa visão do mundo so-cial como uma natureza inelutável se sustenta em grande parte porconta da nossa cumplicidade ativa ou passiva. Em lugar de conside-rar a sociologia espontânea produzida nos manuais de auto-ajuda enos demais interstícios do mundo econômico como uma espécie de“arte menor” que diminui quem dela se ocupa, é imperioso enfren-tá-la, tanto na sua variante que puxa para o fatalismo do provável, de-finindo esse mundo “globalizado” sem sujeito, pré-construído e irre-sistível, quanto sua irmã siamesa que apela para a ilusão da indeter-minação completa dos destinos individuais e que se apressa em ven-der sua receita de salvação.

(Recebido para publicação em novembro de 2002)(Versão definitiva em fevereiro de 2003)

NOTAS

1. As características mais gerais da sociabilidade da “grande burguesia” são registra-das nos estudos de Pinçon e Pinçon-Charlot (1997), também pertencentes à mou-vance. Especificamente sobre as transformações da nobreza francesa e suas formasde adaptação a esse nosso novo mundo maravilhoso, ver Saint-Martin (1993), par-cialmente inspirada na mesma mouvance.

2. O texto de Boltanski et alii (1984), ainda publicado no seio do grupo original, podeser lido como um programa de trabalho para os desenvolvimentos independentesposteriores.

3. A sua última versão em Powell (2001).

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4. Na sua versão da história empresarial norte-americana, Fligstein (1993) assinalaque o predomínio dos executivos financeiros e de seus enfoques já é dominante na-quele espaço desde os anos 60. A diferença com os tempos mais recentes estaria naforma de exercício desse predomínio. Antes, ele se expressava fundamentalmenteatravés da busca de soluções “buy” para a maior parte dos dilemas empresariais,em detrimento das soluções “make”, que configuram o ideário empresarial dos in-dustrialistas. Assim, diante da implementação de uma decisão de aumentar a capa-cidade instalada para a produção de alguma mercadoria, o enfoque financeiro con-duziria para soluções do tipo aquisição de plantas industriais já funcionando, en-quanto o enfoque industrial conduziria a soluções internas que buscariam a ampli-ação das plantas preexistentes ou na instalação de plantas novas. Desse ponto devista, o atual enfoque, que, na condução da estratégia das empresas, privilegia oaumento de riqueza do acionista em detrimento de quaisquer outras considera-ções, seria a simples evolução daquele ponto de vista, levando à acentuação aindamais ampla do predomínio dos executivos dotados de background financeiro sobreseus concorrentes no campo empresarial.

5. E corroborando a idéia de maneira quase grotesca, eis que o caso Enron e os diver-sos escândalos empresariais que o seguiram nos ensinam que diversos conglome-rados norte-americanos diziam respeitar o shareholder power simplesmente fazendoregistrar os resultados contábeis esperados pelos acionistas militantes, mas à custade malabarismos contábeis impróprios, que escapavam completamente à decanta-da capacidade de monitoramento dos mercados financeiros, pondo seriamente emdúvida a lógica do controle externo das grandes empresas – pilar central das visõesque assinalam o predomínio do mercado financeiro sobre as grandes empresas. VerNew York Times, 28/6/2002, “Inquiry Appears to Bolster Fraud Case”, em especial afrase que parece dar razão aos mais ferozes críticos do capitalismo, que parece estarvoltando (ou simplesmente, mostrando nunca ter saído) à fase dos “robber barons”:“From all appearances, this started with the desired profit margin and then backedinto the expense number […]”. Aqui, é importante assinalar o ceticismo de diver-sos autores, não só Fligstein, quanto à real capacidade da maior parte das empresaslistadas na Bolsa de Valores de Nova Iorque em alcançar as taxas de retorno por vol-ta dos 15% ao ano que o mercado financeiro “exigia” na década de 90, tornando osmalabarismos financeiros mais do que prováveis (ver, p. ex., Froud et alii, 2000).

6. Essa relação é, evidentemente, bastante complexa. Creio que um bom esquemapara analisá-la é aquele que Bourdieu desenvolveu para a produção artística, a par-tir da inspiração da lógica da produção capitalista proposta por Marx no volume 3de O Capital – a idéia de que existiria um segmento de produtores de bens para ar-tistas (equivalente ao setor de produção de máquinas e equipamentos no esquemaproposto por Marx) no qual poderíamos encaixar a produção sociológica “otimis-ta”; e um setor de produção para o mercado mais ampliado (equivalente ao setor deprodução de bens de consumo de Marx) no qual se encaixariam os produtores deobras de auto-ajuda, que utilizam a produção sociológica como galardão de serie-dade e possível inspiração (ver Bourdieu 1992:201-245).

7. Uma boa digressão sobre esse aspecto em DiMaggio (2001:241).

8. Powell (2001:42-44) recorre ao exemplo expressivo de um ex-pianista, citado noNew York Times (4/6/1996), que preferiu abandonar a carreira artística pela segu-

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rança de um emprego bancário, para depois descobrir as semelhanças das duas si-tuações no que diz respeito ao ponto desejado. Boltanski e Chiapello (1999:398 ess.) referenciam-se nos trabalhos detalhados de P-A. Menger sobre a vida e o mer-cado de trabalho dos artistas franceses contemporâneos para desenvolverem oscript do chamado trabalhador criativo, que pela mitologia atual é o único padrãode agente viável vigente nos nossos dias. Uma boa análise das transformações queessas novas exigências produzem na “economia pulsional” dos agentes, das cons-truções ideológicas produzidas nesse halo, de algumas de suas conseqüências pa-tológicas e dos mecanismos de fuga construídos para contornar o peso das exigên-cias contemporâneas pode ser encontrada nos trabalhos de Ehrenberg (1991; 1999).Para refinar as analogias, talvez valha também o esforço de tentar generalizar aanálise que Bourdieu empreende em Les Règles de l’Art (1992:89) sobre a transfor-mação da “boemia” em “vida de artista” ocorrida no século XIX francês, que tornouquase-respeitável um padrão de comportamento negativo em períodos anteriores,fornecendo um refúgio identitário essencial para os indivíduos que estavam setransformando no que hoje os franceses se acostumaram a chamar de vanguarda ar-tística.

9. Dados iniciais tratados, ainda lateralmente, em Grün (2000). Os dados estão apre-sentados com mais detalhe em Pedroso Netto (2000).

10. Se entendo direito, o “trabalhar-sobre-si-mesmo”, representando uma característi-ca humana fundamental, não é um problema sociológico para os adeptos da socio-logia do diálogo como Boltanski e Chiapello (1999). Para aqueles que proble-matizam a questão, tratando-a como tecnologia social a ser aprendida e transmiti-da, ver um apanhado geral em Burkitt (2002). A última versão sistematizada de P.Bourdieu, carregando a herança de Mauss e alertando para as possibilidades desi-gualmente distribuídas na estrutura social para se realizar as transformações, emBourdieu (1997).

11. De qualquer maneira, é bom insistir que os autores favoráveis à capacidade expli-cativa do conceito de rede que anotamos acima não dizem simplesmente que anova forma de articulação social e econômica existe e é perene. Cautelosos, em am-bos os casos – e com as variações correspondentes ao estado dos respectivos deba-tes nacionais sobre o assunto –, eles apontam para o robustecimento do “mundo emrede”, ou “conexionista”, como um ponto de chegada virtuoso que representariauma possibilidade de desenvolvimento das tendências que eles apontam.

12. E no caso da Amway, a nossa empresa carismática, a venda de material deauto-ajuda para os filiados corresponde justamente a uma das principais receitasdos agentes colocados nos estágios mais altos da pirâmide organizacional. Esseseventos se organizam como pequenas e grandes reuniões de agentes vendedores,para as quais são vendidos convites e, mais cotidianamente, vídeos e livros produ-zidos internamente, tendo por protagonista principal Rick DeVos e também apa-recendo o grande nome da cientologia, Ron Hubbard, (ver o site http://www.lron-hubbard.org/, em português http://portuguese.volunteerministers .org/L-Ron-Hubbard/). Para o primeiro, http://www.restoringamericandre-am.com/. Para a apresentação da empresa no Bras i l em 2002 , verhttp://wwws.a-biz.com.br/abiz/templateGeral.asp?pagina=GrupoAlticor.

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13. Trata-se de uma cidade de 200 mil habitantes, de base industrial, localizada na re-gião oeste do Estado de São Paulo, a 230 km da capital estadual São Paulo e ondefuncionam duas escolas públicas de engenharia, a primeira delas fundada na déca-da de 50 e a segunda no início dos anos 70.

14. Descrevi um caso análogo, mutatis mutandis, em Grün (1986).

15. Pelo que pudemos verificar até agora, a “volta ao passado”, que constatamos comclareza para a questão profissional, é bem menos nítida quando nos debruçamossobre a questão do gênero, indicando a forte probabilidade de, nesse tópico, o pro-cesso de modificação organizacional ter propiciado um reequilíbrio perene. O mes-mo podemos dizer para os aspectos mais pronunciados do autoritarismo industri-al: aqui, o reequilíbrio também parece estar se produzindo em torno de um pontoque resguarda mais a fresta de autonomia operária adquirida no período preceden-te. Eppur se muove...

16. Boltanski e Chiapello (1999) distinguem o novo mundo conexionista (observando aevolução dos pesquisadores daquele grupo, podemos constatar que eles utilizamcada vez mais a nomenclatura dos Ways of Wordlmaking, de N. Goodman (1977),aproximando-se assim da corrente da filosofia analítica e da epistemologia queaquele filósofo animou) do mundo doméstico (que para as finalidades da digressãoatual pode ser equiparado à ordem hierárquica) pelo fato de que justamente o im-perativo de inclusão deve ser efetivado independentemente de considerações so-bre tempo e espaço, ao contrário do imperativo da inclusividade tradicional, restri-ta ao espaço do domínio do suserano. E, quanto à distinção entre o mundo conexio-nista e o mundo mercantil (ou financeiro, nesse caso sinônimos), é aí justamenteque entra a questão da inclusão: no mundo do mercado, as relações sociais são ins-tantâneas e fazem-se justas (se ajustam) instantaneamente, através do pagamentodo preço justo, de comum acordo entre vendedor e comprador, pelo bem ou serviçoprestado; no mundo conexionista, nosso mailleur deve zelar constantemente pelareinclusão nos empreendimentos futuros de seus associados em empreendimentosanteriores ou atuais. A zona cinzenta do processo de justificação aparece, justa-mente, na não-disponibilidade dos parceiros anteriores para se engajarem nos pro-cessos oferecidos, que podem ser-lhes inconvenientes seja no tempo, seja no espa-ço.

17. E não é menos importante lembrar que, concomitantemente, os nossos dois exem-plos de atividades tornam-se atividades capitalistas “plenas”, passíveis de seremorganizadas fora do manto protetor e regulador do Estado e mesmo em oposição aele. E de um golpe, os mudancistas que ali aplicam seus talentos adquirem o direitode se intitularem consultores e conseqüentemente redouram seus brasões e prova-velmente também suas perspectivas econômicas.

18. Bourdieu (1997), aqui, en bon marxiste, lembra-nos a diferença entre a teoria da prá-tica e a prática da teoria, insistindo sobre o que ele chamou de “ilusão escolástica” –um produto típico da chamada prática teórica, que consistiria na falsa idéia segun-do a qual os agentes inseridos na “vida prática” refletem sobre seus instrumentosde análise e de intervenção da mesma maneira que o fazem os analistas acadêmicose, principalmente, lembrando que os critérios de validação da vida prática são bas-tante diferentes daqueles que nos acostumamos na vida acadêmica e que pensa-mos, irrefletidamente, poder estender às outras esferas da vida.

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19. Sobre o papel dessensibilizador dos usos correntes da economia política clássica naInglaterra do século XIX, ver o interessantíssimo E. P. Thompson (1998:218). Essaanálise poderia facilmente ser transposta para a ação de diversas teorizações maisrecentes sobre o mundo organizacional e social em geral.

20. Uma digressão sobre a influência cultural das maravilhas tecnológicas de diversasépocas, que se realizam através da generalização do uso metafórico dos seus prin-cípios de funcionamento percebidos para organizar o pensamento no período his-tórico correspondente (o relógio mecânico no século XVII, o “cérebro eletrônico”nos anos 60, entret alii), pode ser encontrada em Gigerenzer e Goldstein (1996).

21. É curioso notar o crescente interesse desse filósofo pela vertente sociológica quepassa por Goffman e chega a Bourdieu, bem como a sua crescente aproximação como grupo animado pelo último sociólogo, o que pode ser avaliado pelas contribui-ções do filósofo editadas em Actes de la Recherche em Sciences Sociales, bem como doconteúdo de seus cursos mais recentes no Collège de France, disponíveis na inter-net: http://www.college-de-france.fr/media/phiãhis/UPL21765ãLIãHac-king.pdf.

22. Aqui, uma boa inspiração é o fascinante Victor Klemperer (1999).

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Roberto Grün

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Revista Dados1ª Revisão: 25.03.2003 – 2ª Revisão: 5.06.20033ª Revisão: 11.06.2003Cliente: Iuperj – Produção: Textos & Formas

Page 33: A Promessa da “Inserção Profissional Instigante” da ... · contingentes, próprias de situações indeterminadas, para reconfor-marem-se à previsível e controlável organização

ABSTRACTThe Promise of “Instigating Professional Insertion” in the NetworkSociety: The Imposition of Meaning and its Sociology

The article examines some of the consequences of the ways by which thecontemporary Social Sciences deal with the notion of “network society”.Based on the differences in perspective between French and Anglo-Saxonauthors, we first discuss the problem of naming the situations encounteredand their reflections, both in the Social Sciences and in society as a whole.Second, some aspects of the discussion are used to deal with social processesfound in field research with the Brazilian middle classes as their object,especially in relation to difficulties encountered in situating the middleclasses in social space.

Key words: network society; middle classes; self-help; self-fulfillingprophecy; economic sociology

RÉSUMÉLa Promesse de l“Insertion Professionnelle Motivante” de la Société enRéseaux: La Contrainte du Sens et sa Sociologie

Dans cet article, on cherche à examiner certaines conséquences des façonsdont les Sciences Sociales contemporaines traitent l’idée de “société enréseaux”. En partant des différents points de vue exprimés par des auteursfrançais et anglo-saxons, on discute d’abord le problème assez complexe de ladénomination des situations rencontrées et de leurs répercussions, soit dansles Sciences Sociales soit dans la société en général. Ensuite, on se sert dequelques aspects de cette discussion pour rendre compte de processussociaux rencontrés dans des recherches sur le terrain dont l’objet est lesclasses moyennes au Brésil, surtout en ce qui concerne leurs difficultés de sesituer dans l’espace social.

Mots-clé: société en réseaux; classes moyennes; aide par soi-même;prophétie auto-réalisante; sociologie économique

A Promessa da “Inserção Profissional Instigante” da Sociedade em Rede...

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