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A propósito de um corte geológico do Farol das Lagostas (Luanda, Angola)

Autor(es): Andrade, Miguel Montenegro de; Andrade, Joaquina Montenegro de

Publicado por: Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico; Centro de EstudosGeológicos

URLpersistente: http://hdl.handle.net/10316.2/38038

Accessed : 2-Feb-2019 21:02:03

digitalis.uc.ptimpactum.uc.pt

P U B L I C A Ç Õ E S D O M U S E U E L A B O R A T Ó R I O M I N E R A L Ó G I C O E G E O L Ó G I C O E D O C E N T R O D E E S T U D O S G E O L Ó G I C O S D A U N I V E R S I D A D E D E C O I M B R A

S U M Á R I OJ. M. Cotelo Neiva — Granito e pórfiro granítico da Fonte dos Asnos (Duas Igrejas — Miranda do Douro). G. Soares de Carvalho — Nouvelles observa­tions sur la sedimentologie des dépôts plio-quaternaires de Vembouchure du Mondego (Portugal). G. Soares de Carvalho e F. Gonçalves Pureza — Pri­meiros elementos sobre a sedimentologia do Lusitaniano superior da Serra da Boa Viagem (Portugal). Miguel Montenegro de Andrade e Joaquina Monte­negro de Andrade — A propósito de um corte geológico do Farol das Lagostas (Luanda, Angola). J. M. Cotelo Neiva — Lampróíiro sienítico do Alto-do-Cas- telo (Alfàndega-da-Fé). J. M. Cotelo Neiva — Algumas rochas hiper alcalinas e alcalinas da região de Vila-Viçosa. Marília Xavier de Morais e J. M. Correia Neves — Observações de campo sobre radioactividade na Serra da Estrela. C. N. — Prof. Dr. Anselmo Ferraz de Carvalho.

1955

N.° 39

Memóriase Notícias

A propósito de um corte geológico do Farol das Lagostas (Luanda, Angola)

porMiguel Montenegro de Andrade

(Assist. da Universidade de Coimbra)

eJoaquina Montenegro de Andrade

(Lic.ª era Ciências Biológicas)

Quando ambos estivemos em Luanda, como funcionários dos Ser­viços de Geologia e Minas de Angola, cbamou-nos a atenção impor­tante colheita de fósseis que, nessa altura, realizou o pessoal dos Serviços na arriba do Farol das Lagostas, graças à doscoberta de uma passagem que permitia descer até à base da mesma.

Com o propósito de esclarecer a estratigrafia do novo jazigo fossilífero, levantar o respectivo corte geológico e proceder a colheita ordenada de fósseis, um dos autores da presente nota (M. M. A.) propôs ao Eng.° Henrique Vieira, chefe dos Serviços, a sua ida ao referido local, acompanhado de pessoal auxiliar (1), no que foi pron­tamente atendido.

Dos resultados dos reconhecimentos efectuados e do estudo par­cial dos fósseis das duas colheitas demos conta em pequeno relató­rio, redigido em princípios de 1949, arquivado nos Serviços.

(1) Tivemos a ajudar-nos os funcionários srs. Joaquim Fernandes, Ama­deu Morais e Olímpio Neves, a cuja competência e dedicação presto homena­gem calorosa.

3 7Por estarmos convencidos da modéstia do nosso trabalho, não

mais pensámos nele desde qae regressámos à Metrópole, uma vez que um dos seus autores, por razões alheias à sua vontade, inter­rompia a sua actividade profissional e o outro seguia rumo diferente daquele que poderia levá-lo a interessar-se directamente em pro­blemas de Estratigrafia e de Paleontologia.

O recente patrocínio concedido, nos últimos anos, pela Junta das Missões Geográficas e de Investigações do Ultramar aos estudos de geologia sobre as províncias portuguesas de além-mar, permi­tiu-nos, embora indirectamente, voltar ao assunto do relatório de Luanda, tanto mais que, depois que deixámos Angola, tivemos ocasião de corrigir algumas conclusões respeitantes à natureza dos foraminíferos e à idade do respectivo calcário que, com uma possança de cerca de 40 m, constitui a camada inferior, e a mais espessa, do corte do Farol das Lagostas.

Aliás, a conveniência da publicação da presente nota impunha-se, ainda, por duas outras razões. A primeira, por tornar conhe­cida a presença do Cretácico nas proximidades de Luanda, facto até agora insuspeitado; a segunda, por em trabalho, recentemente dado a lume, sobre Angola, da autoria do Dr. E. Dartevelle (1)» haver referências ao corte do Farol das Lagostas, com que não con­cordamos.

Antes do mais, comparemos a descrição do corte do Farol das Lagostas que consta do trabalho do ilustre investigador do Museu de Turveren com a que, da mesma formação, tivemos ocasião de dar, antes do mesmo ter visitado o local.

Corte do Farol das Lagostas

Segundo E. Dartevelle Segundo os Autores

(1) E. Dartevelle (1952) — Echinides fossiles du Congo et de l’Angola, Ann. Mus. Roy. Congo Belge, Tervuren (Belgique), sér. in 8.°, vol. 12. Pre­mière partie, Introduction historique et stratigraphique. Tervuren, 1952.

3 8

Do ponto de vista das camadas do corte do Farol das Lagos­tas, nâo há, pràticamente, divergências entre nós e o Dr. E. Darte- velle, que consultou o nosso relatório em Luanda, conforme o seu próprio testemunho (1 2).

O mesmo investigador reconheceu, também, como nós, que as formações do forte de S. Pedro da Barra são a continuação, para sul, das do Farol das Lagostas.

4) Cailloutis, petits galets de quartz, galets de silex noirâtres, débris de roches calcaires, paquets d’ar­giles, fragments de limonite 1 m

3) Argile plus ou moins schistoide, gris brunâtre, sans fossiles 3 m.

2) Couche sableuse grisâtre brunâ­tre, constitué de petits grains de quartz, de grains noirâtres de ma­gnétite, de glauconie, de petits galets, couche légèrement calca- rifère, très riche en fossiles, os de vertébrés de grande taille (Cétacés Mystacocètes), dents de Poissons, moules de gastéropo­des, lamellibranches, échinoder- mes, polypiers... passant à la partie supérieur à une brèche ossifère, à gros ossements (vertè­bres et autres) de Cétacés 7 m

1) Tuffeau calcaire à Operculina of complanata Defr., avec d'abon­dantes fissiles, vertébrés et au­tres, disséminés dans la roche* Certains niveaux sont légèrement plus cohérents ou saiblement sili­cifiés et sont mis en relief par l’érosion marine 40 m.

Argilas acinzentadas e amarela­das, sem fosseis 3-4 m.

Grés calcário, amarelo-acasta­nhado, fossilífero, contendo a fauna estudada por Piveteau, Douvillé e Keller (1). Na parte superior, assume as características dum nível de bre­cha eonchífera, com cerca de 1 m de possança, aglutinado abundantes conchas de lamelibrânquios e moldes de gastropodes, bem como enormes vértebras e outros ossos de animais marinhos 7 m.

Calcário fossilífero, de aspecto poroso, farelento, do tons claros, ama­relado, branco ou rosado, com lame­librânquios, equinídeos e abundan­tíssimos foraminíferos, com cerca de 5 mm de diâmetro médio, cujas carapaças constituem quase toda a massa da rocha 40 m.

(1) H. Douvillé, M. Piveteau e A. Keller (1933-34) — Le Tertiaire de Loanda, Bol. Mus. Lab. Mm. Geol, Univ. Lisboa, n.° 2 (1933) e n.° 4 (1934).

(2) «M. Vieira a bien volu me communiquer une petite note sur Faroldes Lagostas, due à M.me Joaquina Borges de Pinho et à M. le Dr. Miguel Monténégro de Andrade, note que j'ai consultée utilement » (Dartevelle, E ? op. cit, p. 41 ).

3 9Há, porém, grandes divergências entre nós e o Dr. Dartevelle

no tocante a certas interpretações estratigráficas, como passamos a ver.Assim, o Dr. Dartevelle escreveu que a camada 2 «provient

sans doute de la décalcification progressive du tuffeau 1», opinião com que não concordamos visto que, em primeiro lugar, nunca a descalcificação dum calcário, como o da camada 1, poderia originar o grés calcário, ou melhor, a formação arenosa que se lhe sobrepõe, pelo simples facto do calcário não ser gresoso mas quase só consti­tuído por Orbitulinas. Em segundo lugar, a separação entre uma e outra camada é nítida e brusca, como se pode ver pelas fotografias que ilustram esta notícia.

Escreveu, ainda, o Dr. Dartevelle: «Quoique la faune ne soit pas encore étudiée, certains arguments que j’ai notés lors des récoltes et que je me réserve de développer ultérieurement me font penser que le tuffeau à Operculines de la falaise de Farol des lagostas et les couches d’altération qui en dérivent, appartiennent à un niveau plus élevé que les couches de Luanda et de Malembe. Ce niveau est probablement le Burdigalien supérieur».

Por nossa parte, sempre admitimos tratar-se de duas camadas, tendo-se, logo de início, reconhecido na camada gresosa a fauna descrita por Piveteau, Douvillé e Keller. Assim, transcrevemos, do nosso primeiro relatório, as espécies por nós identificadas do grés calcário.

GastropodesConus (Conospira) puschi Michelotti, Natica sp., Dolium pau-

cicostatum Douvillé, Genotia ramosa Basterot, Gibbula sp., PiruJa condita (?) Brongn., e 40 exemplares duma espécie que, então, não nos foi possível identificar (Stenorhytis trochiformis Brocchi (1) ).

LamelibrânquiosClamys scrabellus Lamark, Pecten expansus Sowerby, Meretrix

cf. italica Défrance, Arca turoniensis Dujardin, Cardium sp. 1

(1) J. Roger e E. Dartevelle (1951) — Sur un Scalidae du Miocène de Luanda (Angola). Bull, Mus. Nat. llist. Nat., t. xxru, n.° 4, pp. 456-468, Paris.

EquinídeosClypeaster sp.

PeixesVértebras: Anacor ax sp. Dentes: Anacorax pristodontus L.

Agassiz, Lamna biauriculata J. Wanner, Hemipristis serra L. Agas­siz, Carchorodon megalodon L Agassiz, Carchorodon cf. rondeleti Muller e Henhe.

Quanto à camada 1, trata-se, como em tempos escrevemos, dum calcário formado quase só por carapaças de foraminíferos, não Operculina cf. complanata, mas Orbitulinas, possivelmente do Albiano-Cenomaniano, de difícil determinação específica, segundo fomos informados pelo Dr. Colon, a quem agradecemos o auxílio a nós prestado quanto a estes fósseis.

RÉSUMÉA propos d’une coupe géologique du Paroi das Lagostas

(Luanda, Angola)Les AA font connaître la présence du Crétacé aux environs de

Luanda.Ils comparent la description de la coupe qu’ils ont effectuée

avec celle faite par Dartevelle. Il n’y a pas de désaccord du point de vue pétrographique mais il y en a du point de vue de la stra- trigraphie.

Les AA montrent que dans la coupe il y a deux conches biens datées : Crétacée, probablement de l’Albien-Cénomanien, et la Mio­cène, du Burdigalien supérieur.

SUMMARYOn a geological section of the Paroi das Lagostas

(Luanda, Angola)The A. A. have made known the presence of the Cretaceous in

the neighborhood of Luanda.They compared the description of the section they studied with

4 0

EST. I

EST. II

4 1that done by Dartevelle. There is no discordance between both under the petrographic point of view; there differ, however, in regard to stratigraphy.

The A. A. demonstrated that there are well dated two layers in the section: the lower, Cretaceous, probably of the Albian-Cenoma- nian, and the upper, Miocene, of the Upper Burdigalian, besides more recent clays and sands.

4