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A D IVERSIDADE DA G EOGRAFIA B RASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 5955 A PROPOSTA DE INSTITUIÇÃO DA REGIÃO METROPOLITANA DE VITÓRIA DA CONQUISTA E A PROBLEMÁTICA METROPOLITANA BRASILEIRA ELBA DA SILVA 1 Resumo: O objetivo deste trabalho é trazer algumas reflexões sobre a contradição entre a metropolização do espaço na atualidade, enquanto nova fase do processo de urbanização contemporâneo, e a institucionalização de uma miríade de regiões metropolitanas no Brasil que não denotam processo de metropolização em curso, apenas apresentam uma cidade média considerada metrópole e várias outras cidades sob sua centralidade regional. No curso desse processo emergem conflitos políticos, evidencia-se a incoerência da legislação, que dá margem à regionalização metropolitana como estratégia de captação de recursos e de ampliação do poder político regional, mas não promove, de fato, a gestão e o planejamento em conjunto. Palavras-chave: Região metropolitana; metropolização do espaço; regionalização metropolitana. Abstract: The main goal of this paper is to reflect about the contradictions between the metropolization of space today, considering it as a new phase of the contemporaneous urbanization process, and the institutionalization of a myriad of metropolitan regions in Brazil, that can not be considered in a metropolization process, because they just present a medium city and several other cities under its regional influence. In the course of this process, lots of political conflicts have emerged. Therefore, highlighting the inconsistency of the legislation that considers the metropolitan regionalization as fundraising strategy and as an way of expansion of regional political power, which does not promote, effectively, the management and planning together that a metropolitan region requires. Key-words: Metropolitan Region; metropolization space; metropolitan regionalization. 1 Introdução O processo de metropolização no território brasileiro começou na década de 1950, acentuando-se nas décadas seguintes, tornando-se, então, a tendência dominante inerente ao processo de urbanização. A partir de 1950, este se intensificou e passou a ocorrer mais aceleradamente. Trata-se não somente da urbanização do território, como também da sociedade (SANTOS, 1994). Iniciou-se entre os pesquisadores e estudiosos da questão urbana o debate sobre o processo de urbanização e a metropolização do espaço. Discutia-se, entre 1 Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail de contato: [email protected]

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A PROPOSTA DE INSTITUIÇÃO DA REGIÃO METROPOLITANA DE

VITÓRIA DA CONQUISTA E A PROBLEMÁTICA METROPOLITANA

BRASILEIRA

ELBA DA SILVA1

Resumo: O objetivo deste trabalho é trazer algumas reflexões sobre a contradição entre a

metropolização do espaço na atualidade, enquanto nova fase do processo de urbanização

contemporâneo, e a institucionalização de uma miríade de regiões metropolitanas no Brasil que não

denotam processo de metropolização em curso, apenas apresentam uma cidade média considerada

metrópole e várias outras cidades sob sua centralidade regional. No curso desse processo emergem

conflitos políticos, evidencia-se a incoerência da legislação, que dá margem à regionalização

metropolitana como estratégia de captação de recursos e de ampliação do poder político regional,

mas não promove, de fato, a gestão e o planejamento em conjunto.

Palavras-chave: Região metropolitana; metropolização do espaço; regionalização metropolitana.

Abstract: The main goal of this paper is to reflect about the contradictions between the

metropolization of space today, considering it as a new phase of the contemporaneous urbanization

process, and the institutionalization of a myriad of metropolitan regions in Brazil, that can not be

considered in a metropolization process, because they just present a medium city and several other

cities under its regional influence. In the course of this process, lots of political conflicts have emerged.

Therefore, highlighting the inconsistency of the legislation that considers the metropolitan

regionalization as fundraising strategy and as an way of expansion of regional political power, which

does not promote, effectively, the management and planning together that a metropolitan region

requires.

Key-words: Metropolitan Region; metropolization space; metropolitan regionalization.

1 – Introdução

O processo de metropolização no território brasileiro começou na década de

1950, acentuando-se nas décadas seguintes, tornando-se, então, a tendência

dominante inerente ao processo de urbanização. A partir de 1950, este se

intensificou e passou a ocorrer mais aceleradamente. Trata-se não somente da

urbanização do território, como também da sociedade (SANTOS, 1994).

Iniciou-se entre os pesquisadores e estudiosos da questão urbana o debate

sobre o processo de urbanização e a metropolização do espaço. Discutia-se, entre

1 Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Bahia

(UFBA). E-mail de contato: [email protected]

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outras questões, a necessidade de implementação de novas formas de gestão

coerentes com a realidade urbana no território. Até a década de 1960, não existia

legislação específica para as regiões metropolitanas, embora já acontecessem

iniciativas isoladas e não formalizadas de gestão metropolitana na tentativa de

resolver problemas em comum de municípios de uma mesma região (LOPES, 2006).

Durante a Ditadura Militar, com início em 1964, o Estado estabeleceu o

centralismo, imposição de uma estrutura política e administrativa, por meio da

Constituição de 1967. Era preciso manter a política dos estados e municípios sob o

controle do poder central. O presidente indicava os governadores e estes indicavam

os prefeitos dos municípios. As eleições foram suspensas e os municípios ficaram

completamente dependentes dos repasses financeiros e das ordens do governo

federal, além de perderem poder e autonomia (LOPES, 2006).

Na década de 1960, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE

realizou um estudo, no contexto da produção intelectual e política fundamentada na

Geografia Teorética-Quantitativa, a fim de identificar as regiões metropolitanas do

território brasileiro (GALVÃO et al, 1969). A pesquisa teve como base o método

estatístico e variáveis referentes à integração, ao número de habitantes, à estrutura,

entre outras.

A Constituição Brasileira de 1967 estabelece que a União, mediante lei

complementar, poderá criar regiões metropolitanas constituídas por municípios que

“independentemente de sua vinculação administrativa, façam parte da mesma

comunidade sócio-econômica” (Art. 164). Em 1973 e 1974, foram instituídas as

primeiras regiões metropolitanas brasileiras.

O estudo das aglomerações urbanas foi conveniente à ação estatal por

viabilizar a análise das vantagens locacionais das diferentes regiões e cidades para

as distintas atividades econômicas, de acordo com a lógica da organização espacial.

Ademais, as aglomerações urbanas eram consideradas propensas a revoltas sociais

e eram instrumentos de política territorial. (SCARLATO, 2001).

Não obstante, a regionalização metropolitana aconteceu à margem de todas

as reflexões e debates sobre o processo de urbanização (SOUZA, 2006). O Estado

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não intenciona acompanhar o processo de metropolização em curso, mas somente

controlar as ações da oposição da Ditadura Militar nas grandes aglomerações.

Com o fim do Regime Militar e a descentralização administrativa por meio da

Constituição de 1988, a atribuição de instituir regiões metropolitanas, mediante lei

complementar, passou a ser das unidades federativas. Desde então, a

regionalização metropolitana tem sido regulamentada pelas constituições estaduais.

O único critério mencionado na Constituição de 1988 (Art. 25, § 3º) é que as regiões

metropolitanas devem ser constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes

(BRASIL, 1988).

O Estatuto da Metrópole, promulgado recentemente e que está na pauta atual

das políticas metropolitanas, possui alterações significativas sobre a regulamentação

das unidades territoriais urbanas – regiões metropolitanas, aglomerações urbanas,

dentre outras – no que tange à institucionalização, à gestão e à política de

desenvolvimento urbano integrado. Assim sendo, certamente ocorrerão mudanças

importantes na problemática metropolitana brasileira.

O objetivo deste trabalho é trazer algumas reflexões sobre a instituição de

novas regiões metropolitanas no Brasil e sua relação com conceitos de região

metropolitana, metropolização do espaço e metrópole, isso com base no estudo da

proposta de institucionalização da Região Metropolitana de Vitória da Conquista.

2 – Processo de urbanização, metropolização do espaço e região

metropolitana: algumas considerações teóricas

O processo de urbanização se desenvolve de forma contraditória. Ao longo

dos séculos, assumiu caracteres e ritmos diversos de acordo com as diferentes

formações socioespaciais em que se manifestava (SPOSITO, 2011). Sua dimensão

espacial é a cidade. O espaço urbano expressa as características da urbanização

que o produziu (SPOSITO, 1989), isto é, manifesta o modo de produção, bem como

conjuntura histórica, política, econômica e socioespacial que fomentou a propensão

da realidade urbana.

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A partir do final do século XX, vem ocorrendo transformações no processo de

urbanização mundial decorrentes das mudanças no processo produtivo. A contração

espaço-tempo em consonância com o desenvolvimento tecnológico-informacional,

com a circulação e trocas de informações em alta velocidade, bem como com a

materialidade técnica no território contribuiu para a reorganização e reestruturação

produtiva. A concentração espacial das relações industriais, da força de trabalho e

dos meios de produção já não é condição imprescindível para a realização do

capital. Ocorre uma dispersão espacial e a constituição de uma nova divisão

territorial do trabalho (LIMONAD, 2007).

Tudo isso atribui outra dimensão ao processo de urbanização que passa a

avançar por meio da fragmentação territorial. O urbano passa por transformações e

já não se restringe ao marco do construído, à cidade materializada, ele transcende a

cidade. A produção do espaço urbano e a dimensão do urbano extrapola a escala

local, passa a ocorrer em escala regional e territorial, tendo como concreção a

“cidade-região” (LIMONAD, 2007).

Segundo Lencioni (2013) a metropolização do espaço é “[...] um processo

socioespacial que metamorfoseia o território”, ou seja, transforma o espaço em

“estrutura e natureza” (p. 18). Ocorre de forma descontínua, difusa, fragmentada em

várias escalas. Ademais, promove a formação de novas morfologias urbanas.

A metropolização do espaço se constitui num processo socioespacial que transforma profundamente o território. A bem da verdade, não se trata de uma simples transformação, mas de uma verdadeira metamorfose, pois implica em profundas alterações, quer de formas, bem como de estrutura e natureza (LENCIONI, 2013, p. 17)

A metropolização do espaço não encerra o processo de urbanização, pois faz

parte dele ao mesmo tempo em que o transcende. Trata-se de uma nova dinâmica

do urbano que se expressa quando, em um determinado território, o processo de

urbanização se encontra muito avançado (LENCIONI, 2005), ou seja, “[...] o

processo de metropolização do espaço corresponde a um momento mais avançado

do processo de urbanização” (LENCIONI, 2006a, p. 72). É um movimento que marca

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o novo direcionamento da urbanização atual sob a égide do capitalismo

informacional.

O estudo da metropolização do espaço consiste em um recurso teórico-

metodológico com intuito de melhor compreender o processo de urbanização

hodierno e as questões socioespaciais contemporâneas, como a reprodução do

espaço:

O que temos pela frente é o desafio de entender a dinâmica socioespacial contemporânea. Podemos até dizer que o que temos a fazer é produzir uma geografia contemporânea que busque tornar mais inteligível o mundo atual. Uma geografia que trate de aspectos desse novo mundo e que traga instrumentos analíticos que permitam melhor evidenciar essa nova realidade. Dentro desses instrumentos, por assim dizer, dentre as novas referencias de análise para se entender a dinâmica socioespacial contemporânea, se situa a metropolização do espaço (LENCIONI, 2013, p. 17)

A metrópole pode ser definida como uma espacialidade do urbano que se

destaca pela variedade de atividades econômicas, sobretudo a concentração de

serviços de ordem superior. A metrópole é locus privilegiado da inovação, bem como

um espaço de grande densidade de fluxos de informação e comunicação. Trata-se,

portanto, de um nó significativo de redes: informação, comunicação, transporte,

inovação, consumo e poder. A concentração de serviços de ordem superior está

vinculada principalmente a gestão da reprodução do capital que envolve, também, o

âmbito público e político (LENCIONI, 2006b). Sobre os serviços de ordem superior:

Quanto à concentração de serviços de ordem superior, estes se referem, na sua quase totalidade, aos serviços voltados para a administração e gestão do capital das grandes empresas, bem como aos serviços relativos diretamente ao setor financeiro como bancos, carteiras de crédito ou seguradoras. A esses serviços às empresas cabe adicionar aqueles relativos à esfera pública, como os relacionados ao controle político. De forma resumida, podemos dizer, sem dúvida nenhuma, é esse segundo ponto que expressa a função de comando, de direção, ou seja, de gestão da reprodução do capital que envolve, também, a esfera pública e politica que caracteriza a metrópole (LENCIONI, 2006b, p. 45-46)

O processo de metropolização metamorfoseia a estrutura preexistente e

transforma o espaço de acordo com a lógica do capital informacional. Isso ocorre

através da reestruturação produtiva, ou seja, com a organização promovida para a

acumulação flexível pós-fordista que tem por respaldo a globalização, a constituição

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do meio técnico-científico-informacional e das redes materiais e imateriais que

possibilitou a contração espaço-tempo.

A região metropolitana é produzida como sua expressão socioespacial.

Entende-se por região metropolitana como um tipo de espacialização do processo

urbano, da metropolização do espaço (SCARLATO, 2001). Entretanto, a

metropolização do espaço não ocorre restritamente nos limites da região

metropolitana, pois produz espaços metropolizados que surgem, também, para além

das metrópoles e áreas metropolitanas2, embora tendam a surgir próximos das

metrópoles:

[...] os espaços metropolizados são espaços que assumem aspectos e características similares, mesmo que em menor escala, aos da metrópole, quer dizendo respeito aos investimentos de capital, ao desenvolvimento de atividades de serviços com sua correlata concentração de trabalho imaterial; ou ainda, relacionados ao desenvolvimento das atividades de gestão e administração. Podem, também, apresentar outros aspectos, como tendência ao desenvolvimento de vários centros comerciais e de serviços, a forma de consumir e viver semelhante a da metrópole, bem como uma densidade significativa de redes imateriais e a presença bastante visível dos socialmente excluídos (LENCIONI, 2013, p. 19).

A metropolização do espaço pode ser considerada como “pós-urbanização”

(LENCIONI, 2006b). Faz parte de um “novo ciclo do urbano” (LENCIONI, 2013).

Todavia, trata-se de uma nova fase do processo de urbanização. Embora esteja em

continuidade com o desenvolvimento urbano mais antigo, tem uma natureza

diferente. O processo de metropolização avança em consonância com a atual fase

do modo de produção capitalista ao mesmo tempo em que transforma a urbanização

e a cidade em heranças do passado. O processo de metropolização condiciona e

produz a história urbana dos dias atuais:

Não se trata mais de criar cidade, de desenvolver a rede urbana ou a urbanização em sentido restrito; trata-se de desenvolver condições metropolitanas que são imprescindíveis para a reprodução do capital, subvertendo toda a lógica urbana herdada e negando a cidade (LENCIONI, 2006b, p.48, grifo da autora).

2 Para Scarlato (2001) a região metropolitana é formada pela metrópole mais a “área metropolitana”

que corresponde às demais cidades que fazem parte.

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Atualmente, no espaço brasileiro, é possível distinguir dois tipos de regiões

metropolitanas existentes: as que são concretude da metropolização do espaço e as

que são instituídas e legitimadas mediante lei complementar estadual. No Brasil,

existem regiões metropolitanas reconhecidas legalmente e que, em alguns casos,

são produto do processo de metropolização e que, em outros casos, nada tem de

metropolitano e não passam de agrupamento de municípios limítrofes.

Existem regiões metropolitanas que são a concreção socioespacial do

processo de metropolização. Contudo, a institucionalização de regiões

metropolitanas não significa necessariamente uma metropolização em curso, de

fato. Ou seja, nem todas as regiões metropolitanas legitimadas oficialmente

correspondem à metropolização do espaço; algumas consistem apenas em uma

“regionalização política metropolitana” (SILVA, C. 2006) resultante de certas

intencionalidades.

O reconhecimento e delimitação de uma região metropolitana no espaço

consistem em uma representação abstrata da realidade. Trata-se, portanto, de uma

construção intelectual que tem por base o que certo pesquisador, de acordo com

sua fundamentação teórica, reconhece como realidade metropolitana. Com relação

às regiões metropolitanas brasileiras, desde as primeiras definições, percebe-se

uma “fetichização da metropolização”, ou seja, o real que se objetiva em paradigmas

neopositivistas, que coisificou-se (LENCIONI, 2006b).

Portanto, a região metropolitana institucionalizada é apenas um recorte

espacial, agrupamento de municípios, oriundo da regionalização metropolitana a fim

de implementar a cooperação metropolitana e gestão comum. Esse objetivo se

restringe ao plano teórico, pois na prática não passa de mais uma estratégia de

agadanhar recursos financeiros e acentuar e estender (ou alcançar) a hegemonia de

grupos políticos. Nem sempre corresponde ao processo de metropolização.

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3 – A proposta de institucionalização da Região Metropolitana de Vitória da

Conquista

Atualmente está em tramitação na Assembleia Legislativa da Bahia o Projeto

de Lei Complementar Nº 101/2011, que propõe a criação da Região Metropolitana

de Vitória da Conquista (RMVC), inclusive com vários municípios que fazem parte de

diferentes propostas simultaneamente.

A regionalização adotada oficialmente pelo estado da Bahia atualmente é a

de territórios de identidade. O recorte territorial delimitado no referido projeto de lei

complementar corresponde à antiga região administrativa do Sudoeste da Bahia,

que abrange municípios de quatro diferentes territórios de identidade: Vitória da

Conquista, Médio Rio de Contas, Médio Sudoeste da Bahia e Vale do Jiquiriçá.

Estes foram considerados no trabalho de campo, porque, teoricamente, têm por

base as diferentes identidades regionais, políticas e socioculturais da Bahia.

Até presente momento3, realizou-se entrevistas com representantes políticos

de três municípios do Território de Identidade de Vitória da Conquista e um

município de cada território de identidade restante. Daremos destaque a Jequié e

Barra do Choça, pois apresentaram resultados com especificidades relevantes.

Segundo os entrevistados dos municípios visitados, em nenhum momento os

representantes políticos locais foram informados ou consultados sobre a proposta de

instituição da RMVC. Não houve contato, nem articulação, isto é, não ocorreu uma

discussão entre os membros do cenário político dos municípios que fundamentasse

a definição do recorte da regionalização metropolitana. O projeto não foi produzido

em conjunto.

Esse desconhecimento foi ainda mais acentuado em Barra do Choça, haja

vista que, durante a entrevista, os representantes políticos se mostraram

apreensivos até em manifestar opinião sobre o assunto (contra ou a favor) inclusive

3 Este artigo apresenta resultados preliminares de um estudo de mestrado. Outros municípios serão

visitados.

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quando foi dada a explicação do que se trata a proposta. Questionaram o tempo

todo como que o município per si seria beneficiado, como participaria do processo.

Jequié foi o município que mais evidenciou os conflitos relacionados à

instituição da RMVC. Sua inclusão no recorte proposto intensificou a rivalidade e

disputa perdurantes entre os representantes políticos do município supracitado e

Vitória da Conquista, bem como a existência de um “bairrismo”. Trata-se do que

Fonseca (2013) denomina como “localismos”.

Entre Jequié e Vitória da Conquista, no que tange à regionalização

metropolitana, emerge um “localismo competitivo” (FONSECA, 2013) que tem

fomentado ações políticas e institucionais como tentativa de obter recursos

financeiros, infraestrutura urbana, serviços vinculados à saúde, educação,

transporte, atividades econômicas e da administração pública através da criação de

regiões metropolitanas. Logo, a inserção de Jequié na RMVC não foi aceita porque

as vantagens, de acordo com os políticos jequieenses, seriam apropriadas pela

“cidade polo” Vitória da Conquista.

Esse processo denota a forma como o Estado – articulado aos interesses da

iniciativa privada e das classes dominantes – viabiliza a realização do capital por

meio de artifícios que interferem na reprodução do espaço (CARLOS, 2008). No

caso analisado, os ganhos adquiridos via legislação metropolitana serão

direcionados de acordo com interesses específicos através da gestão e políticas

estatais.

Quando os vereadores souberam que Jequié faz parte da proposta, por sites

de notícias locais, realizaram uma sessão na câmara municipal a fim de debater a

questão, o que resultou em uma moção de repúdio ao projeto de criação da RMVC.

Quase todos os entrevistados se manifestaram contrários à proposta, exceto um que

apresenta relação de pertencimento com Vitória da Conquista. A partir daí, deu-se

início a uma série de estratégias no intuito de alcançar vantagens proporcionadas

pela legislação metropolitana. Assim sendo, produziram, juntamente com deputados

estaduais ligados ao município, um projeto a fim de institucionalizar a Região

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Metropolitana de Rio de Contas como tentativa de barrar o da RMVC e se apropriar

dos recursos federais diretamente.

Até a regionalização foi usada como justificativa para legitimar. Os vereadores

argumentam que Jequié não faz parte da região Sudoeste e, sim, da região Sudeste

da Bahia (não existente na antiga regionalização administrativa). Foi dito que é a

“condição geográfica”.

A ideia de “desenvolvimento” aparece respaldada na noção de que, quando

transpassada por muitas rodovias, a cidade cresce e apresenta expansão

econômica. Assim, os entrevistados destacaram o fato de Jequié ter em seu

território a BR 116, a BR 330 e estar a 100km da BR 101 é o motivo de

“desenvolvimento” da cidade. É preciso sempre lembrar que não são as rodovias per

si que promovem o processo; elas são concreção de um processo mais abrangente,

que ocorreu num contexto histórico específico e são apenas materialidades

apropriadas pela dinâmica econômica. Ganharão sentido e função através das redes

de intencionalidades e da divisão territorial do trabalho.

A noção de “desenvolvimento” também é respaldada na distância territorial

das cidades baianas em relação a Salvador. Um dos entrevistados cita Barreiras e

Luís Eduardo Magalhães como exemplos de cidades “desenvolvidas” por estarem

próximas territorialmente da capital. Isso é um equívoco, pois a dinâmica das

cidades da região Oeste da Bahia são produtos de processos específicos. E hoje as

relações políticas e econômicas são viabilizadas pelas redes materiais e sociais.

Tamanho da cidade e populacional como sinônimo de importância.

Alguns entrevistados de Jequié declararam que são favoráveis à

institucionalização das duas regiões metropolitanas (a de Jequié e a de Vitória da

Conquista) para ocorrer uma “descentralização do governo e das ações”. Esse

argumento demonstra que, embora a descentralização por meio da Constituição de

1998 tenha conferido ao município, enquanto ente federado, maior autonomia e

prerrogativas, não houve aumento de repasses (FONSECA, 2013).

Os vereadores fundamentam seus argumentos nas premissas da teoria das

localidades centrais de Christaller (bens e serviços fornecidos pela “cidade polo”),

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ainda que não se deem conta, e não consideram as contradições da reprodução do

espaço, as desigualdades econômicas e sociais, os conflitos de classes, disputas de

poder e o processo de realização do capital. O espaço é tido como inerte no qual a

organização e inserção de equipamentos urbanos e infraestrutura é resolução dos

problemas.

4 – Considerações finais

Embora o processo de metropolização brasileiro tenha sido regulamentado

legalmente desde que começou a se difundir e se intensificar, por volta da década

de 1960, as discussões sobre a natureza do processo de urbanização e da

metropolização do espaço, naquele momento e ainda hoje, não foram consideradas

na elaboração de políticas urbanas e metropolitanas. O urbano não é analisado

como processo socioespacial, mas apenas a sua dimensão pragmática/imediata – o

urbanismo, o planejamento urbano, o ato de dotar o espaço de equipamentos e

infraestrutura urbana etc. Destarte, a regionalização metropolitana tornou-se mero

mecanismo de obtenção de recursos e manipulação política, ou seja, não promove,

de fato, a gestão e planejamento específicos para a realidade metropolitana.

A região sob a centralidade de Vitória da Conquista não expressa indicativos

de um processo de metropolização em curso que justifique a RMVC. Ademais, os

representantes políticos da região – a exceção dos de Jequié por conflitos de

interesses – então completamente alheios à possibilidade. Se aprovada, somente

servirá para reforçar, estender, legitimar o domínio e influência regionais dos sujeitos

empoderados do cenário político.

5 – Referências bibliográficas

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