A PROPOSTA DE VYGOTSKY: A PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA

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    Profesorado. Revista de currculum y form acin del profesorado, 10, 2 (2006) 1

    A PROPOSTA DE VYGOTSKY: A PSI COLOGI A SCI O-HI STRI CA 1

    The proposal of Vygotsky: the social-historical psychology

    Marcos Antonio Lucci

    Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    Professor da Faculdade Interlagos FINTEC BrasilE-mail: [email protected]

    Abs t rac t :

    With the intention of contributing for to base of the educational work, the present studyhas for objective to present the principal points of the social-historical psychologyproposed by Vygotsky, one of the authors that at the present time is one of the referencesin the basement of the educational work. For the attendance of the proposed objective,this study is divided in three great parts. In the first, we will approach the historicalcontext in that is born the project of Vygotsky; on second, we will discourse on the to base

    of the theory and in the last part we will treat of the social-historical psychology.

    K ey w o r d s: Teachers' training; Educational psychology; Social-historical psychology.

    Resum o

    Com a inteno de contribuir para a fundamentao do trabalho docente, o presenteestudo tem por objetivo apresentar os principais pontos da psicologia scio-histricaproposta por Vygotsky, um dos autores que na atualidade uma das referncias noembasamento do trabalho educacional. Para o atendimento do objetivo proposto, esteestudo est dividido em trs grandes partes. Na primeira, abordaremos o contextohistrico em que nasce o projeto de Vygotsky; na segunda, discorreremos sobre a

    fundamentao da teoria e na ltima parte trataremos da psicologia scio-histrica.Palav ras chaves/ f i nque : Formao de professores; Psicologia Educacional; PsicologiaScio-histrica.

    * * * * *

    1Texto elaborado a partir da tese de doutorado do autor em Psicologia da Educao, sob a

    orientao da Prof Dr Maria Laura Puglisi Barbosa Franco.

    Recibido: 28 de Agosto de 2006 Aceptado: 12 de Diciembre de 2006

    mailto:[email protected]:[email protected]
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    1. I NTRODUO

    Falar da proposta de Vygotsky implica considerar que seu trabalho extremamente complexo, visto que sua elaborao tem por meta constituiode um projeto de psicologia que pudesse analisar os problemas de aplicaoprtica do homem, em atendimento s necessidades emergentes da nao russaque acabava de nascer aps a revoluo socialista de 1917.

    Sua vasta produo acadmica, aproximadamente 180 trabalhos,realizada num curto espao de tempo, dez anos apenas, segundo Bonin (1996),envolve um importante esquema terico complexo e integrado que, ao mesmotempo, aberto. Vygotsky, ao lado de seus colaboradores diretos, Luria eLeontiev, prope um estudo scio-gentico do ser humano, assim comoestabelece relaes com as condies biolgicas, principalmente nos aspectosneurolgicos, na tentativa de evitar reducionismos e simplificaes de qualquerespcie.

    Essa caracterstica dos trabalhos de Vygotsky tem gerado, segundoBlanck (1996), diversas interpretaes e aplicaes, pois alm de toda essacomplexidade e diversidade de aspectos tratados, o autor, ao longo de seustrabalhos, foi modificando seus objetivos. Blanck destaca, ainda, que essashesitaes so fruto da ambio de seus projetos e da batalha que travavacontra o tempo, devido a seu estado de sade terminal. De qualquer forma, osseus seguidores entendem que sua teoria permeou um desenvolvimentocoerente; j alguns autores, tais como o prprio Blanck, Veer, Kozulin, Valsinere Wertch, descobrem na sua obra antagonismos irreconciliveis. Davis (1993),por outro lado, no considera que os seus postulados constituam uma escola depsicologia, mas apenas um delineamento, ainda que geral, de uma psicologia deinspirao materialista-dialtica.

    Ressalvadas tais caractersticas da obra do autor em questo, cumpre-nos esclarecer que trataremos neste espao dos aspectos gerais de suaproduo. Nesse sentido, antes de incursionarmos por suas idias, faz-senecessrio retomar o contexto histrico no qual essas idias nasceram.

    2 . CONTEXTO EM QUE NA SCE O PROJETO DE VYGOTSKY

    A revoluo socialista de outubro de 1917 enfrentou nos primeiros anosum perodo tumultuado, marcado por uma guerra civil, pela intervenoestrangeira e por uma situao econmica sufocante que levou a nao russa escassez de alimentos, penalizando sua populao com um longo perodo defome, vitimando muitas pessoas, inclusive Vygotsky, com tuberculose. Estasituao levou o novo regime a implantar um comunismo de guerra, o queculminou em 1921, sob a liderana de Lenin, com a consolidao do regimecomunista no pas.

    Vitoriosa a Revoluo, a Rssia encontrava-se em estado lastimvel.Tudo estava por construir. Um dos mais srios problemas a enfrentar era o daeducao. Consta que por aquela poca o ndice de analfabetismo girava em

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    torno de 70%. Mesmo sob essas circunstncias, porm os dirigentes queconduziam o novo estado desejavam promover uma renovao que no selimitava somente a reconstruir o pas. O objetivo maior era construir, sob atutela da teoria marxista, uma nova sociedade, o que implicaria, tambm, aconstruo de uma nova cincia. Nos dizeres de Rosa & Montero (1996),

    o conhecimento deveria ter sido um dos pilares dessa nova sociedade,considerando que, de acordo com a teoria marxista, ele evita a alienao no

    trabalho e liberta o homem. Mas, (...), a filosofia marxista contm umaepistemologia materialista e uma lgica dialtica que requer o desenvolvimentode uma nova concepo de cincia. (p.70)

    Um dos grandes problemas enfrentados pelos pesquisadores quedeveriam levar avante a construo da nova cincia foi justamente o fato dos

    limites impostos pelos dirigentes da nao, isto , tomar por base, to-somente,a filosofia marxista. O desafio era grande, principalmente, porque no haviaunicidade, entre os marxistas russos, sobre a interpretao do materialismo. Acontrovrsia entre eles os dividia em duas correntes: uma mecanicista e outradialtica. Segundo os mecanicistas, a cincia auto-suficiente e descobre suasprprias leis por meio da pesquisa; j os dialticos defendiam um princpioexploratrio aberto e no determinista, acreditando que os eventos sodependentes da ao humana, ou seja, a conscincia uma caractersticahumana, e ela que favorece a disposio para a construo dos eventos. Outrofator importante a subida de Stalin ao poder, aps a morte de Lenin em 1924.Stalin, por meio de sua interpretao pessoal das idias de Lenin e do

    marxismo, promove um dos maiores expurgos da esquerda comunista, mas, aomesmo tempo, implementou as polticas que esta linha defendia e,posteriormente, eliminou a faco direitista, passando a exercer um governoabsolutista. O prximo passo foi a interferncia na rea educacional. Sob aalegao de que o desempenho das crianas na escola era deficiente, foiimposto um currculo fechado, e o sistema de projetos, adotados logo aps arevoluo, foi suprimido.

    O ponto culminante da interferncia poltica ocorre na psicologia com aedio do decreto intitulado Sobre as Perverses Pedolgicas no Sistema deComissariado do Povo para a Educao. Este decreto baniu os testes

    psicolgicos, assim como a psicologia, das reas da educao e da indstria.Como conseqncias vrios peridicos sobre psicologia deixaram de sereditados; cursos e institutos foram fechados; o ensino de psicologia ficourelegado ao plano de treinamento de professores nas faculdades, e muitospesquisadores da rea, inclusive Vygotsky, que j havia falecido, passaram afazer parte de uma lista negra do poder que proibia, em todo o territrionacional, as suas obras. Foi somente aps a morte de Stalin, em 1953, deacordo com Rosa & Montero (1996), que os trabalhos de Vygotsky voltam a serpublicados, a partir de 1956.

    Esse foi o cenrio no qual Vygotsky idealizou, desenvolveu e aplicou seu

    trabalho, mas no o viu ser banido e reintegrado.

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    3 . A FUN DAM ENTAO D E SUA PROPOSTA

    Vygotsky surge na psicologia num momento significativo para a naorussa. Logo aps ter-se consolidado a revoluo, emerge uma nova sociedade,que, conseqentemente, exige a constituio de um novo homem. Nessesentido, a primeira misso que a Revoluo imprimiu para a psicologia foi aanlise dos problemas de aplicao prtica. Por sua formao humanista e suabagagem cultural, Vygotsky reunia as condies necessrias para idealizar umanova concepo de Educao, Pedologia (cincia da criana) e Psicologia.

    Segundo aponta Molon (1995), os interesses de Vygotsky pela psicologiaoriginam-se na preocupao com a gnese da cultura. Por entender que ohomem o construtor da cultura, ele se contrape psicologia clssica que,segundo sua viso, no respondia adequadamente sobre os processos deindividuao e os mecanismos psicolgicos dos indivduos. Em contrapartida,elabora sua teoria da gnese e natureza social dos processos psicolgicossuperiores.

    Vygotsky, de acordo com Bonin (1996), empenhou-se em criar umanova teoria que abarcasse uma concepo de desenvolvimento cultural do serhumano por meio do uso de instrumentos2, em especial a linguagem, tida comoinstrumento do pensamento.

    A teoria por ele proposta surge como meio de superar o quadroapresentado pela psicologia, que se encontrava dividida em duas orientaes: anaturalista e a mentalista. Na sua percepo, tal diviso acentuava a questo dodualismo mente-corpo, natureza-cultura e conscincia-atividade.

    Segundo Vygotsky, um dos reflexos do dualismo a diversidade deobjetos de estudo eleitos pelas abordagens em psicologia o inconsciente(psicanlise); o comportamento (behaviorismo) e o psiquismo e suaspropriedades (gestalt) e a incapacidade delas em darem as respostas para osfenmenos psicolgicos, por trabalharem com fatos diferentes. Ou seja, paraele, as abordagens no davam conta de explicitar claramente a gnese dasfunes psicolgicas tipicamente humana.

    Diante de tal quadro, ele props, ento, uma nova psicologia que,baseada no mtodo e nos princpios do materialismo dialtico, compreendesse oaspecto cognitivo a partir da descrio e explicao das funes psicolgicassuperiores, as quais, na sua viso, eram determinadas histrica e culturalmente.Ou seja, prope uma teoria marxista do funcionamento intelectual humano queinclui tanto a identificao dos mecanismos cerebrais subjacentes formao edesenvolvimento das funes psicolgicas, como a especificao do contextosocial em que ocorreu tal desenvolvimento.

    2

    Os instrumentos so meios externos utilizados pelos indivduos para interferir nanatureza, mudando-a e, conseqentemente, provocando mudanas nos mesmos indivduos.(Lucci, 2002:140)

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    Os objetivos de sua teoria so:

    caracterizar os aspectos tipicamente humanos do comportamento e elaborar

    hipteses de como essas caractersticas se formam ao longo da histria humana ede como se desenvolvem durante a vida do indivduo. (Vygotsky, 1996:25)

    Deste modo, as assertivas de sua teoria so:

    a) o homem um ser histrico-social ou, mais abrangentemente, um serhistrico-cultural; o homem moldado pela cultura que ele prprio cria;

    b) o indivduo determinado nas interaes sociais, ou seja, por meio darelao com o outro e por ela prpria que o indivduo determinado; na linguagem e por ela prpria que o indivduo determinado e determinante de outros indivduos3;

    c) a atividade mental exclusivamente humana e resultante daaprendizagem social, da interiorizao da cultura e das relaes sociais;

    d) o desenvolvimento um longo processo marcado por saltos qualitativosque ocorrem em trs momentos: da filognese (origem da espcie) paraa sociognese (origem da sociedade); da sociognese para a ontognese(origem do homem) e da ontognese para a micrognese (origem doindivduo nico);

    e) o desenvolvimento mental , em sua essncia, um processosociogentico;

    f) a atividade cerebral superior no simplesmente uma atividade nervosaou neuronal superior, mas uma atividade que interiorizou significados

    sociais derivados das atividades culturais e mediada por signos4;g) a atividade cerebral sempre mediada por instrumentos e signos;h) a linguagem o principal mediador na formao e no desenvolvimento

    das funes psicolgicas superiores;i) a linguagem compreende vrias formas de expresso: oral, gestual,

    escrita, artstica, musical e matemtica;j) o processo de interiorizao das funes psicolgicas superiores

    histrico, e as estruturas de percepo, a ateno voluntria, amemria, as emoes, o pensamento, a linguagem, a resoluo deproblemas e o comportamento assumem diferentes formas, de acordocom o contexto histrico da cultura;

    k) a cultura interiorizada sob a forma de sistemas neurofsicos queconstituem parte das atividades fisiolgicas do crebro, as quais

    3Ressalta-se, como apontado em Molon (1995), que h diferentes leituras da obra de

    Vygotsky e, portanto, so identificados, pelo menos, dois tipos de determinao do sujeito:a interao com outros sujeitos e a linguagem. Dessas determinaes resulta o sujeito

    interativo, isto , aquele que no nem ativo e nem passivo, e que constitudo na e pela

    relao interpessoal, e o sujeito semitico, sujeito constitudo na e pela linguagem, sendoque apareceu como sujeito resultante da relao (...), e como sujeito constitudo na relao

    constitutiva EU-OUTRO, numa relao dialtica. (p.106).4 Signos so mediadores internos, os instrumentos psicolgicos que dirigem e controlam asaes psicolgicas do prprio indivduo ou de outros indivduos.

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    permitem a formao e o desenvolvimento dos processos mentaissuperiores.

    Vygotsky formula sua teoria por entender que os mentalistas e osnaturalistas no explicavam cientificamente os processos mentais superiores. Noseu entender, os naturalistas, ao aderirem aos mtodos das cincias naturais,limitavam-se ao estudo de processos psicolgicos relativamente simples, taiscomo as sensaes ou comportamentos observveis, mas ao se depararem comfunes complexas, fracionavam-nas em elementos simples ou adotavam umdualismo que abria espao para a especulao arbitrria. J com relao aosmentalistas, ele ponderava que estes, por sua vez, levavam em considerao osfenmenos do esprito e, a partir de um apriorismo fenomenolgico ou doidealismo, descreviam os processos mentais superiores, mas alegavam que eraimpossvel explic-los ou explicavam-nos de uma forma arbitrria eespeculativa.

    Compartilhando da concepo marxista de que o essencialmentehumano constitudo por relaes sociais, negou-se a buscar explicaes paraas funes mentais superiores nas profundezas do crebro ou nas caractersticasetreas de uma alma separada do corpo.

    O trabalho de Vygotsky, segundo Molon (1995), fortementeinfluenciado pelas idias de Marx e Engels, pela dialtica de Hegel, peloevolucionismo de Darwin, pela filosofia de Espinosa e pelas idias de PierreJanet, entre outros pensadores.

    a partir das idias desses autores que Vygotsky formou sua base deentendimento de que: a) a psicologia uma cincia do homem histrico e nodo homem abstrato e universal; b) a origem e o desenvolvimento dos processospsicolgicos superiores social; c) h trs classes de mediadores: signos einstrumentos; atividades individuais e relaes interpessoais; d) odesenvolvimento de habilidades e funes especficas, bem como a origem dasociedade, so resultantes do surgimento do trabalho - este entendido comoao/movimento de transformao - e que pelo trabalho que o homem, aomesmo tempo em que transforma a natureza para satisfazer as suasnecessidades, se transforma tambm; e) existe uma unidade entre corpo ealma, ou seja, o homem um ser total.

    Especialmente os postulados darwinianos de mutao, recombinao eseleo natural, que pressupem instabilidade e movimento no decorrer dotempo, assim como, tambm, a noo de ordem e a direo da evoluo,serviram de base para formulaes de Vygotsky, como, por exemplo, sobre: a)as mudanas nos prprios conhecimentos e significados sociais; b) que odesenvolvimento no pressupe uma sucesso de estgios lineares, fixos ealeatrios, mas que cada estgio supe o seguinte, isto , o fato de o processode desenvolvimento ocorrer por estgios no significa que estes sigam umpercurso contnuo, eles so marcados por avanos e retrocessos, mas seguemuma ordem de aparecimento, o que no implica que tenham que ser vivenciadosem sua plenitude, e um estgio constitui um pr-requisito para o prximo; c)

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    que o desenvolvimento cultural segue as mesmas leis da seleo natural; d) queo indivduo adulto produto de comportamentos herdados, que so modificadospelas relaes sociais; e) que para explicar o comportamento humano precisoconsiderar as condies biolgicas e como estas so modificadas nas relaessociais-culturais.

    Outra fonte de influncia foi a lingstica, por suas discusses sobreorigem da linguagem e sua possvel influncia sobre o desenvolvimento dopensamento. Essa temtica influenciou sobremaneira o pensamento deVygotsky, pois a encontramos permeando toda sua obra.

    Por ltimo, outro ponto de influncia o cenrio sociopoltico quevalorizava a cincia, enquanto instrumento a servio dos ideais revolucionrios,na busca de respostas rpidas para a construo de uma nova sociedade.

    4. A PSI COLOGI A SCI O-HI STRI CA

    A teoria histrico-cultural ou sociocultural do psiquismo humano deVygotsky, tambm conhecida como abordagem sociointeracionista, toma comoponto de partida as funes psicolgicas dos indivduos, as quais classificou deelementares e superiores, para explicar o objeto de estudo da sua psicologia: aconscincia.

    A teoria do desenvolvimento vygotskyana parte da concepo de quetodo organismo ativo e estabelece contnua interao entre as condiessociais, que so mutveis, e a base biolgica do comportamento humano. Eleobservou que o ponto de partida so as estruturas orgnicas elementares,determinadas pela maturao. A partir delas formam-se novas e cada vez maiscomplexas funes mentais, dependendo da natureza das experincias sociaisda criana. Nesta perspectiva, o processo de desenvolvimento segue duas linhasdiferentes em sua origem: um processo elementar, de base biolgica, e umprocesso superior de origem sociocultural.

    Nesse sentido, lcito dizer que as funes psicolgicas elementares sode origem biolgica; esto presentes nas crianas e nos animais; caracterizam-se pelas aes involuntrias (ou reflexas); pelas reaes imediatas (ouautomticas) e sofrem controle do ambiente externo.

    Em contrapartida, as funes psicolgicas superiores so de origemsocial; esto presentes somente no homem; caracterizam-se pelaintencionalidade das aes, que so mediadas. Elas resultam da interao entreos fatores biolgicos (funes psicolgicas elementares) e os culturais, queevoluram no decorrer da histria humana. Dessa forma, Vygotsky considera queas funes psquicas so de origem sociocultural, pois resultaram da interaodo indivduo com seu contexto cultural e social.

    As funes psicolgicas superiores, apesar de terem sua origem na vidasociocultural do homem, s so possveis porque existem atividades cerebrais.Ou seja, essas funes no tm sua origem no crebro, mas no existem sem

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    Vale lembrar que: a) o crebro no um mero suporte das funespsicolgicas superiores, mas parte de sua constituio; b) o surgimento dasfunes superiores no elimina as elementares; o que ocorre a superao daselementares, sobressaindo as superiores, mas nunca deixando de existir aselementares; c) Vygotsky considera que o modo de funcionamento do crebro moldado ao longo da histria da espcie (base filognica) e do desenvolvimentoindividual (base ontognica), como produto da interao com o meio fsico esocial (base sociognica).

    Segundo Vygotsky, o desenvolvimento mental marcado pelainteriorizao das funes psicolgicas. Essa interiorizao no simplesmente atransferncia de uma atividade externa para um plano interno, mas o processono qual esse interno formado. Ela constitui um processo que no segue umcurso nico, universal e independente do desenvolvimento cultural. O que nsinteriorizamos so os modos histricos e culturalmente organizados de operarcom as informaes do meio.

    Segundo afirma Blanck (1996), as funes psicolgicas superiores estona base do desenvolvimento ontogentico que, na sua avaliao, no ocorre deforma retilnea, demarcando uma acumulao quantitativa, mas como uma sriede transformaes qualitativas e dialticas. Elas so formadas em estgios,sendo cada um deles constitudo por um processo complexo de desintegrao eintegrao. Eles se distinguem por apresentar uma organizao especfica daatividade psicolgica e por permitir o aparecimento de um dado comportamento.Vygotsky considerava que a aquisio da linguagem constitui o momento maissignificativo no desenvolvimento cognitivo. Ela, a linguagem, representa umsalto de qualidade nas funes superiores; quando ela comea a servir deinstrumento psicolgico para a regulao do comportamento, a percepo mudade forma radical, novas memrias so formadas e novos processos depensamento so criados.

    Um dos conceitos fundamentais da psicologia scio-histrica o demediao, ou seja, do processo de interveno de um elemento intermedirionuma relao (Oliveira, 1993:26). O que segundo Molon (1995) umpressuposto norteador de toda a construo terica de Vygotsky.

    Na viso de Rego (1998), pela mediao que o indivduo se relacionacom o ambiente, pois, enquanto sujeito do conhecimento, ele no tem acessodireto aos objetos, mas, apenas, a sistemas simblicos que representam arealidade. por meio dos signos, da palavra, dos instrumentos, que ocorre ocontato com a cultura.

    Nesse sentido, a linguagem o principal mediador na formao e nodesenvolvimento das funes psicolgicas superiores. Ela constitui um sistemasimblico, elaborado no curso da histria social do homem, que organiza os

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