A proposta é uma coisa

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    ESTUDOS AVANADOS 18 (50), 2004 337

    Reforma Agrria

    A proposta uma coisa,o plano do governo outra

    ENTREVISTA

    E

    STUDOS AVANADOS reproduz a seguir entrevista do economista Jos Julianode Carvalho Filho, professor da Faculdade de Economia e Administraoda USP, publicada no nmero 22 (ano VI, jan/fev, 2004) da revista Sem

    Terra, do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).

    EM PRIMEIRO LUGAR devo esclarecer que colaborei na elaborao da Pro-posta de Plano Nacional de Reforma Agrria no grupo de tcnicos formadopelo Dr. Plnio de Arruda Sampaio. Este fato possibilita responder com segu-rana por essa proposta e no pelo PNRA oficial do governo Lula. Comparara nossa proposta e o PNRA do governo torna-se difcil porque, at onde eusaiba, ainda no existe um documento oficial. O que existe, at o momento, o que foi exposto no Frum Nacional pela Reforma Agrria e Justia no Cam-po em Braslia e alguns documentos que recebi pela Internet. Desses, apenasdois so oficiais. Refiro-me ao boletim do governo em questo Pas ga-nha novo Plano de Reforma Agrria (uma pgina e meia) e ao documentodo MDA Plano Nacional de Reforma Agrria (resumo de seis pginas, sen-do trs de texto). Desconheo o quanto da proposta ser adotada no plano.Com esta ressalva, responderei s suas perguntas tentando comparar as duasposies, na medida do possvel.

    Em que consiste este plano? Quais suas metas e objetivos? Quais seusaspectos mais importantes?

    Jos Juliano Para facilitar, utilizarei a palavra Proposta quando me re-ferir ao trabalho desenvolvido pelo Plnio e equipe, e a sigla PNRA para iden-tificar a posio oficial. A Proposta de PNRA tem as seguintes caractersticas: foiconcebida com a finalidade de fornecer ao governo elementos para a deciso deimplantar a Reforma Agrria. Dessa forma, constitui-se na primeira fase de umprocesso de planejamento, com o objetivo de estimar o pblico da Reforma, oestoque de terras disponvel, a renda esperada para os assentados, os custos parao governo e as metas. A Proposta tambm discute a forma de organizao dos

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    futuros assentamentos, impactos esperados da reforma e algumas medidas fun-damentais para que o PNRA se torne realidade. O objetivo principal da Propostaera iniciar um processo que, de fato, levasse o governo Lula a uma poltica compotencial de impacto significativo na desconcentrao fundiria do Pas e, assim,confrontasse as foras do latifndio que sempre impediram polticas desse tipo.As metas apresentadas no documento so as seguintes:

    Meta 1 Dotar um milho de famlias de trabalhadores pobres do campo com umarea de terra suficiente para obter, com seu trabalho, uma renda compat-vel com uma existncia digna. Essa meta seria cumprida em quatro anos(2004 a 2007), com duzentas mil famlias assentadas anualmente, nos trsprimeiros anos, e quatrocentas mil no ltimo ano do Plano Plurianual deInvestimentos (PPA).

    Meta 2 Assegurar s famlias beneficirias das aes de reforma agrria e dos agri-cultores familiares uma renda bruta mensal equivalente a trs salrios mni-mos e meio, composta de renda monetria e valor de autoconsumo.

    Meta 3 Criar 2,5 milhes de postos de trabalho permanentes no setor reformado.Meta 4 Consolidar os assentamentos de reforma agrria j constitudos, mas que

    ainda no atingiram a meta de renda fixada para os novos assentamentos.Meta 5 Regularizar os quilombos.Meta 6 Regularizar a situao dos agricultores ribeirinhos desalojados para a constru-

    o de barragens.Meta 7 Reassentar, fora do permetro das reas indgenas, posseiros com posses de

    at 50 ha, atualmente estabelecidos naquelas reas.Meta 8 Efetuar o levantamento georeferenciado do territrio nacional, a fim de

    sanear definitivamente os ttulos de propriedade de terras do pas.Meta 9 Atender aos assentados e aos agricultores familiares das reas de reordena-

    mento fundirio e desenvolvimento territorial com assistncia tcnica, ex-tenso rural e capacitao.

    Meta 10 Levar, por meio do Plano de Safra, o crdito agrcola e a garantia de preosmnimos aos assentados e agricultores familiares. Esta meta fundamentalpara viabilizar o nvel de renda prevista. A eficcia da poltica dependetambm de outra sugesto da proposta, qual seja, assentar e atuar adensandoos agricultores assentados e atuais agricultores familiares em territrios,constituindo reas reformadas.

    Alm dos pontos j mencionados, a Proposta previa: a mudana do critriode pagamento da terra desapropriada, indexando o TDA a um ndice de preo daterra local e no taxa referencial do mercado financeiro mais 6%, como feitodesde o governo Collor, premiando o latifndio improdutivo; atualizao noCadastro de Imveis com a aplicao de novos ndices de produtividade usadospelo Incra para definir se a propriedade produtiva ou improdutiva. Os ndicesutilizados no presente so da dcada de 1970 e existem pesquisas concludas,

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    contratadas pelo Incra, atualizando esses ndices. A sua aplicao implicaria averificao da existncia de mais terras improdutivas. Esses dois pontos, somadosa um nmero expressivo de assentados por desapropriao de terras improduti-vas na proposta a desapropriao constitui o instrumento principal da ReformaAgrria e a poltica agrcola dirigida especificamente para o pblico da polticaagrria (assentados e agricultores familiares) so fundamentais para uma Refor-ma Agrria massiva e eficiente. Eles se constituem em bandeiras de luta porqueimplicam disputa de recursos dentro do governo e confronto com os interessesdo latifndio.

    A Proposta tambm apresenta uma estimativa de custos, para quatro anos, deR$ 24 bilhes e estimativas de necessidade de terras entre 35 e 46 milhes de hec-tares, depende do tamanho do lote utilizado. importante ressaltar que R$ 11bilhes desse custo referem-se ao pagamento das terras e devem ser pagos emTDA e resgatados a longo prazo.

    E o que disso tudo foi includo no Plano do Governo Lula?Jos Juliano O PNRA anunciado pelo governo documento Plano Na-

    cional de Reforma Agrria apresenta as seguintes metas: a) quatrocentas milfamlias assentadas; b) meio milho de famlias com posses regularizadas; c) 130mil famlias beneficiadas pelo crdito fundirio; d) recuperar a capacidade produ-tiva e a viabilidade econmica dos atuais assentamentos; e) criar 2.075 novospostos permanentes de trabalho no setor reformado; f) cadastramento georeferen-ciado do territrio nacional e regularizao de 2,2 milhes de imveis rurais; g)reconhecer, demarcar e titular reas de comunidades quilombolas; h) garantir oreassentamento dos ocupantes no ndios de reas indgenas; i) promover igual-dade de gnero na Reforma agrria; j) garantir assistncia tcnica e extensorural, capacidade, crdito e polticas de comercializao a todas as famlias dasreas reformadas; k) universalizar o direito educao, cultura e seguridadesocial nas reas reformadas.

    Os assentamentos planejados esto assim distribudos: trinta mil famlias em2003; 115 mil famlias por ano em 2004 e 2005; 140 mil famlias em 2006. Odocumento tambm prev o assentamento de 150 mil famlias para 2007.

    Trata-se, portanto, de um plano muito menos generoso que a Proposta noque diz respeito ao nmero de famlias assentadas. Essa timidez implica impactomuito menor na concentrao fundiria. O documento fonte destas informaesno apresenta previso de custos e estimativas de tamanho de lote. Tambm noesclarece sobre a preferncia que deve ser dada aos trabalhadores acampados,que no caso da Proposta deveriam ser assentados no primeiro ano de vigncia doPlano.

    O documento governamental d nfase s aes de regularizao e crditofundirio. Na Proposta, essas aes so consideradas apenas como complementa-res. A regularizao no instrumento bsico de reforma agrria, embora possa

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    ser utilizada para regularizar pequenas posses em reas reformadas. Esse cartercomplementar tambm ocorre com o instrumento crdito fundirio ou com-pra de terras. interessante lembrar que no passado ltimo governo militar egoverno FHC esses instrumentos foram utilizados para justificar polticas cha-madas de reforma agrria e nada resolveram, mantendo a estrutura agrria.

    Desconhece-se tambm o quanto de recursos sero destinados reforma,mas tudo indica que houve restrio da rea econmica. Outra questo relevante que ainda no se sabe se o governo adotar as mudanas quanto ao TDA e aosndices que medem a produtividade.

    Qual a importncia de o plano ser discutido com a populao brasilei-ra? De que maneira a sociedade pode contribuir para a sua aprovao?

    Jos Juliano A importncia do debate fundamental. Discutir o PNRAcom a sociedade organizada e com as superintendncias do Incra nas regiesestava previsto na Proposta como o passo seguinte do planejamento ou da exe-cuo do PNRA. Esse debate teria a funo de construir os planos regionais eestaduais. No sei como o governo agir a respeito.

    Se o PNRA for realmente um plano de reforma agrria evidente que con-frontar os interesses do latifndio. Mesmo com meta muito mais tmida, se ogoverno alterar a indexao do TDA e aplicar os novos ndices de produtividadeao cadastro, entendo que haver confronto de interesses. A presso da sociedadeser fundamental para que o executivo adote essas medidas. Depende apenas dele.

    Quais so as medidas que o plano contm que assegurem no s aconquista da terra, mas tambm a permanncia nela?

    Jos Juliano Para responder a essa pergunta, vou destacar parte do sum-rio que fizemos sobre a Proposta. O Plano estima os investimentos especficosna Reforma Agrria para a obteno de terras, construo da moradia e implan-tao do assentamento. Essas so as aes que demandam recursos orament-rios, seja para novos assentamentos, a base de R$ 24 mil por famlia assentada,seja para antigos assentamentos, onde se investir para sua recuperao. Nesse l-timo caso, no haver gastos nas categorias de obteno e construo de mora-dia, mas to-somente para completar adequadamente sua implantao. Esse inves-timento ter uma parcela que ser paga em vinte anos pelo assentado terra emoradia , e outra no ressarcvel os gastos de implantao , que so de responsa-bilidade do Estado e se caracterizam como investimentos de usufruto coletivo.

    Para pagar esses investimentos a longo prazo, bem como realizar novosque consolidem o assentamento, o assentado precisa gerar um excedente (rendabruta, deduzidos gastos de consumo bsico e produo), que lhe permita cons-truir um horizonte de desenvolvimento para si e para as novas geraes.

    Nesse sentido, o Plano contempla um conjunto de aes conexas Refor-ma Agrria no mbito do Plano de Safra e das polticas sociais, cujo objetivo

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    central garantir aos novos assentados, assim como aos antigos beneficiados pelanova estratgia, a obteno de uma renda bruta familiar de 3,5 salrios mnimosequivalente ao ano. Para garantir essa meta combinam-se arranjos de polticaagrcola (compra garantida), produo de autoconsumo, venda em mercadoslocais, por um lado; e outras estratgias no-agrcolas de percepo de renda, emque se recorrer a todos os mecanismos de garantia de renda mnima j assegura-dos na poltica social.

    O documento governamental apresenta como meta garantir essas polticaspara as famlias das reas reformadas. Espero que o que foi sugerido na propostaseja adotado pelo MDA. Novamente, cabe a ressalva que desconheo as previ-ses de gastos e renda que faro parte do PNRA oficial.

    A populao brasileira mostra que a favor da reforma agrria, po-rm, at agora o governo discute, pauta e coloca em primeiro plano outrasreformas, como a da previdncia. Voc acha que com o lanamento e discus-so desse plano o cenrio ir mudar?

    Jos Juliano Para que isto ocorra, preciso que o governo esclarearealmente qual ser o Plano. preciso que ele mostre sociedade que no setrata de uma mera continuidade do que vinha sendo feito. preciso que o PNRAconfronte os estrangulamentos oriundos dos interesses latifundirios, como ocaso das regras de desapropriao e pagamento da terra. preciso que o governoindique as alteraes legais necessrias. Afinal, imprescindvel que o governoinforme sociedade que tem um Plano bem estruturado, quais sero os prximospassos e que alocar os recursos necessrios.

    O que me parece relevante que, apesar da timidez das metas de assenta-mentos, o governo comprometeu-se com metas quantitativas e qualitativas quesero alvo de cobrana por parte dos movimentos sociais.

    Por ora, no existe o debate na sociedade. H um silncio na mdia. preciso que o governo defina claramente o que vai fazer.

    Quais as circunstncias histricas e conjunturais que diferem os doisplanos nacionais de reforma agrria elaborados? Quais os fatores que impe-diram que o primeiro fosse aprovado e implantado?

    Jos Juliano O primeiro PNRA foi proposto, discutido, modificado mui-tas vezes, reduzido em suas pretenses e, finalmente, aprovado. Todavia, sua im-plantao foi pfia. O Plano foi conseqncia do acordo poltico que levou o pas redemocratizao, depois de tantos anos de ditadura militar. A proposta e adiscusso do Plano provocaram uma forte reao da direita latifundiria, organi-zao da UDR etc. No podemos esquecer que essa direita tambm fazia partedo governo, fato evidente, dada a composio poltica de ento. Essa participa-o de foras polticas retrgradas foi uma constante durante todo o perodops-ditadura. Por outro lado, os movimentos sociais no apresentavam fora eorganizao necessrias para o confronto que ocorreu.

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    Quanto ao atual Plano, vejo que existem trs diferenas significativas. Aprimeira refere-se existncia de movimentos sociais muito mais fortes e organi-zados. O sucesso de uma interveno de profundidade na estrutura agrria de-pende da capacidade de presso dos movimentos. Apesar de toda campanha decriminalizao dos movimentos com destaque para o MST eles esto muitomais fortes e organizados e vo cobrar o governo Lula. A unio dos movimentoscamponeses vista no Frum de Braslia fundamental para a implantao dapoltica de Reforma Agrria. A segunda diferena diz respeito s significativasmudanas ocorridas na sociedade brasileira desde meados dos anos 1980. Faloaqui do processo de mundializao financeira da economia em geral e das trans-formaes ocorridas no campo com o crescimento, desnacionalizao e concen-trao de capitais no chamado agronegcio. Esse processo serve acumulao decapital e implica destruio de postos de trabalho, excluso e maior concentraode renda. Entendo que para ter a sociedade a favor da reforma agrria precisoconscientiz-la sobre essa situao e sobre os efeitos positivos da Reforma nagerao de empregos e desconcentrao da propriedade e da renda.

    A terceira diferena positiva, assim o espero, apesar das contradies dopoder executivo, refere-se a uma conjuntura poltica caracterizada pela eleio deum governo de origem popular e que, durante a campanha, comprometeu-se afazer uma reforma agrria de fato. No documento de campanha Vida Digna noCampo, o candidato Lula comprometeu-se com a reforma. Espero que o seu

    Manifestao de trabalhadores rurais sem-terra no Rio Grande do Sul, em 1962.

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    governo no renegue suas origens e compromissos. Um bom comeo seria alte-rar a postura submissa em relao poltica econmica.

    Qual a necessidade de se encaminhar ao governo um Plano Nacionalde Reforma Agrria?

    Jos Juliano O encaminhamento do PNRA presidncia da Repblica ea sua aceitao significa o compromisso do governo com uma poltica agrria delongo prazo. Ele ter que destinar recursos para a Reforma Agrria no PlanoPlurianual de Investimentos (PPA) e liberar os recursos necessrios anualmente.Se no o fizer, a existncia do PNRA possibilitar a cobrana da sociedade emgeral e dos movimentos sociais em particular.

    De que forma o Plano discute questes como educao, agroecologiae transgnicos?

    Jos Juliano Tanto na Proposta como no documento do governo existeo compromisso com o acesso educao, sade e seguridade social. Na Propostaconsidera-se que deve haver uma ao integrada entre os ministrios respons-veis para que esses direitos cheguem aos beneficirios da reforma agrria.

    A Proposta e o PNRA no discutem as questes da agroecologia e dostransgnicos. Falando pela Proposta, cabe-me esclarecer que a deciso sobre a or-ganizao do assentamento (coletivo, lotes individuais ou misto) caberia aos assen-tados, que teriam at trs anos para decidir. O mesmo ocorre com o que plantar ecom a adoo de sistemas de plantio, eles seriam fruto da deciso dos assentados.

    O governo afirma que no possui recursos para a realizao da Refor-ma Agrria no pas. Voc acha que esse argumento pode inviabilizar o planoou fazer com que ele acabe na gaveta?

    Jos Juliano Essa possibilidade existe. O argumento da falta de recursosdeve ter sido decisivo para a no adoo da meta de um milho de famlias assenta-das, como previa a nossa Proposta. Essa deciso, em minha opinio, lamentvelporque tira muito do carter massivo do Plano e mostra a postura submissa do go-verno frente s exigncias dos organismos internacionais (supervit primrio etc.).Contudo, o governo comprometeu-se com metas quantitativas e ter que alocarrecursos para cumpri-las. Alm disso, ter que fortalecer o Incra como rgo execu-tor da Reforma. Se no o fizer, o PNRA ser inviabilizado. Se isso acontecer, mos-trar que a prioridade para a reforma no passa de retrica e se igualar aos governospassados. Se isso vier a ocorrer, o governo ter que enfrentar a cobrana da sociedade.

    Qual deve ser o papel dos movimentos sociais de luta pela terra naatual conjuntura? E a relao entre governo e movimento social?

    Jos Juliano Tenho dvidas quanto existncia de conjuntura favorvel auma reforma agrria que merea essa denominao. Ou seja, que desconcentre aterra e a renda e que enfrente os interesses do latifndio. Esse um assunto noqual o governo Lula ser testado.

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    Se as verbas necessrias forem alocadas, se o Incra for reestruturado, se asmetas forem cumpridas, se o governo enfrentar o latifndio, acredito que osmovimentos devem sustentar as aes governamentais nos embates que viro.Todavia, mesmo essa sustentao dever ser caracterizada pela independnciados movimentos em relao ao governo e nunca pela cooptao.

    Mesmo no contexto que voc destaca, no podemos esquecer que a pressodos movimentos que empurra o governo para assumir responsabilidades na ques-to agrria. O motor da reforma no o governo, so os movimentos. O processoocorrido para se chegar ao PNRA do governo Lula um exemplo desse fato. Vejo aindependncia e, por conseqncia, a presso dos movimentos como fundamentais.

    Como o Plano pode garantir o aumento de emprego e de renda nasreas rurais?

    Jos Juliano muito importante que o PNRA no repita os assentamen-tos dispersos dos governos passados, ou seja, que procure estabelecer reas refor-madas. Esse adensamento propiciar eficincia e eficcia para as polticas de apoio produo e para as aes de educao, sade e seguridade. fundamental quea experincia do Plano Safra deste ano seja permanente.

    Repetindo o que j foi dito sobre a Proposta: para garantir essa meta(renda) combinam-se arranjos de poltica agrcola (compra garantida), produode autoconsumo, venda em mercados locais, por um lado; e outras estratgiasno-agrcolas de percepo de renda, em que se recorrer a todos os mecanismosde garantia de renda mnima j assegurados na poltica social. A execuo dessapoltica de enorme importncia para no repetir o que ocorreu no governopassado: assentamentos com misria e destruio da produo familiar conse-qente do avano e transformaes do agronegcio e insuficin-cia da polticaagrcola destinada aos assentados e agricultores familiares.

    Quais as medidas administrativas previstas no Plano para assentar to-das as famlias sem terra?

    Jos Juliano O PNRA do governo e mesmo a nossa proposta no tm acapacidade de assentar todas as famlias sem terra. O governo reduziu a meta daproposta, mas mesmo a nossa, propondo um milho de famlias assentadas, noassentaria todas as famlias sem terra. Em nosso clculo sobre o pblico potencialda reforma, chegamos a um mnimo de 3,2 milhes de famlias (pobreza extre-ma) e um teto de cerca de seis milhes de famlias compostas de trabalhadoresagrcolas sem-terra ou cujos estabelecimentos agropecurios no contam comterra suficiente para a sua manuteno.

    Para o atual Plano, creio que as medidas devem ser as seguintes: alocaodos recursos; elaborao dos planos regionais e locais; alterao das regras deremunerao dos TDAs; atualizao do cadastro de imveis e aplicao dos no-vos ndices de produtividade; priorizao do georeferenciamento das futuras reasreformadas; fortalecimento do Incra.

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    O Plano tinha como meta o assentamento de um milho de famlias,mas a reformulao feita por Miguel Rosseto aponta o assentamento de355 mil famlias at 2006. Na sua opinio, o governo est sendo prudente(ao assentar famlias de acordo com as verbas), ou tmido (no sentido de sepreservar) e no comprar briga com a elite latifundiria?

    Jos Juliano Primeiramente preciso esclarecer que a meta governamen-tal de quatrocentas mil famlias para o perodo do mandato (2003/2006), mais150 mil famlias previstas para 2007.

    Quanto resposta sua pergunta se foi prudncia ou timidez , creio quefoi timidez. A prioridade e a necessidade da reforma justificam os custos. Relembroque na Proposta chegamos a um custo total de 24 bilhes para os quatro anos,incluindo onze bilhes destinados compra de terra que pode ser pago em TDA. evidente que quanto menor for o nmero de famlias assentadas, menor ser anecessidade de terra e menos incmodo se causa aos interesses do latifndio.Todavia, poderemos verificar se o governo est disposto a enfrentar esses interes-ses quando definir a sua postura frente necessidade de alterao das regras doTDA, atualizao do cadastro (inclusive utilizao de novos ndices de produtivi-dade) e enfrentamento da grande grilagem de terras.

    As terras griladas, usadas para trabalho escravo e aquelas que prejudi-cam o meio ambiente, caso fossem desapropriadas, seriam suficientes para areforma?

    Jos Juliano Durante as discusses para a elaborao da Proposta procu-ramos estimar o estoque de terras para a reforma agrria e verificamos que no hfalta delas.

    Em resumo, as nossas estimativas chegaram aos seguintes nmeros: 120milhes de hectares de terras improdutivas, considerando as propriedades maio-res que quinze mdulos fiscais cadastradas no Incra; 170,9 milhes de hectaresde terras devolutas incluindo posses legalizveis por estarem dentro do limite de100 ha; 110, 9 milhes de ha de terras devolutas, excluindo as terras legalizveispor aes de regularizao; 4,4 milhes de terras pblicas. Quando se analisamesses dados, nota-se que metade do pas est cadastrado e que a outra metade,excluindo-se as reas do Ibama, Funai e pblicas, ainda apresenta um enormevazio que certamente objeto de grilagem.

    Especificamente quanto ao aspecto ambiental, uma idia que foi discutidavisava a criar mecanismos que atinjam o valor dos ndices de produtividade parapior quando esse aspecto da funo social no for cumprido.

    No que se refere ao trabalho escravo, a nossa posio que esse caso deveser tratado da mesma forma que se trata o plantio de droga, a terra deve serconfiscada para fins de reforma agrria.