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2089 A PRÁTICA DE ESCRITA NO ENSINO MÉDIO: UMA ANÁLISE DAS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO Maria Anunciada Nery Rodrigues - UFPB Introdução O tema produção textual é bastante frequentado pelos pesquisadores, caracterizando-se como uma área de ensino que revela inquietações, discussões e ansiedades dos profissionais da língua materna. Vários artigos, dissertações, teses e outros trabalhos acadêmicos já trataram do desempenho de alunos, discutindo problemas de produção de textos. Cada um desses estudos, partindo da análise de aspectos diversos das redações dos estudantes, e dos vestibulandos em particular, forneceu e continua fornecendo subsídios para que outros trabalhos aprofundem a pesquisa nessa área. Sabemos que o professor exerce um papel muito significativo no processo de produção da escrita, por isso levantamos a hipótese de que o desempenho escrito do aluno retrata, de modo significativo, a realidade do processo escolar a que ele foi submetido, inserindo-se, aí, a metodologia empregada no ensino da produção de textos. Assim, faz-se necessário conhecer o desempenho profissional do professor, bem como a existência ou não de condições favoráveis para atividades dialógicas no espaço de sala de aula, inclusive de orientações adequadas, em relação ao exercício de elaboração da escrita. Diante disso, o foco do nosso trabalho é a reflexão nas ações de uma professora a partir do encaminhamento metodológico para a prática de escrita no contexto escolar, numa 1ª série do ensino médio de uma escola particular da cidade de Campina Grande-PB. Nesse contexto, delimitamos como objetivos: analisar o trabalho da professora no encaminhamento das atividades de produção textual; identificar e analisar, nos textos dos alunos, indícios da relação entre as condições de produção e a materialidade textual. Para desenvolver o trabalho, adotamos como procedimentos a observação das aulas com o objetivo de analisar a prática pedagógica das professoras, as condições de produção dos textos escritos e a interação professor/aluno; a coleta das produções escritas com o intuito de interpretar como as condições de produção interferem na escrita dos alunos. Entendemos que o modo de olhar o objeto, nesse caso, a produção textual, decorre da concepção de linguagem que se assume. Assim, este trabalho se apóia em concepções lingüísticas que focalizam a língua como instrumento de interação e como prática social significativa, principalmente na teoria sociointeracionista de Vygotsky (1987[1934], 1988[1930]) e na teoria enunciativo-discursiva de Bakhtin/Volochínov (1988 [1929]). Todos esses aportes teóricos encontram-se resumidos na seção seguinte deste artigo. 1. Pressupostos Teóricos Para Vygotsky, todo conhecimento é uma construção social em que a relação do sujeito com o objeto do conhecimento se faz mediada por um outro, via linguagem. Inicialmente entre pessoas (interpessoal), através da linguagem, como interação social, para depois se tornar intrapessoal. É esse movimento do social para o individual que marca, na teoria de Vygotsky, a gênese tanto da própria linguagem como das práticas intelectuais para as quais a linguagem serve de mediadora. Por considerar a construção do conhecimento um processo dialógico, Vygotsky ao falar das interações formais, isto é, do processo de ensino-aprendizagem, declara que esse deve antecipar o desenvolvimento do aprendiz e não incidir no estado de desenvolvimento que já existe. Para Vygotsky, a sala de aula deve ser o lugar, por excelência, de desafio, de estímulo, apresentando ao aluno novas possibilidades de atingir estágios mais elevados de desenvolvimento. Resumindo, o professor é o mediador da aprendizagem do aluno, facilitando-lhe o domínio e a apropriação dos diferentes instrumentos culturais. Isto é, o professor constitui-se na pessoa mais competente que precisa ajudar o aluno na resolução de problemas que estão fora do seu alcance, desenvolvendo estratégias para que pouco a pouco possa resolvê-las de modo independente.

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A PRÁTICA DE ESCRITA NO ENSINO MÉDIO: UMA ANÁLISE DAS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO

Maria Anunciada Nery Rodrigues - UFPB

Introdução

O tema produção textual é bastante frequentado pelos pesquisadores, caracterizando-se como uma área de ensino que revela inquietações, discussões e ansiedades dos profissionais da língua materna.

Vários artigos, dissertações, teses e outros trabalhos acadêmicos já trataram do desempenho de alunos, discutindo problemas de produção de textos. Cada um desses estudos, partindo da análise de aspectos diversos das redações dos estudantes, e dos vestibulandos em particular, forneceu e continua fornecendo subsídios para que outros trabalhos aprofundem a pesquisa nessa área.

Sabemos que o professor exerce um papel muito significativo no processo de produção da escrita, por isso levantamos a hipótese de que o desempenho escrito do aluno retrata, de modo significativo, a realidade do processo escolar a que ele foi submetido, inserindo-se, aí, a metodologia empregada no ensino da produção de textos. Assim, faz-se necessário conhecer o desempenho profissional do professor, bem como a existência ou não de condições favoráveis para atividades dialógicas no espaço de sala de aula, inclusive de orientações adequadas, em relação ao exercício de elaboração da escrita.

Diante disso, o foco do nosso trabalho é a reflexão nas ações de uma professora a partir do encaminhamento metodológico para a prática de escrita no contexto escolar, numa 1ª série do ensino médio de uma escola particular da cidade de Campina Grande-PB. Nesse contexto, delimitamos como objetivos: analisar o trabalho da professora no encaminhamento das atividades de produção textual; identificar e analisar, nos textos dos alunos, indícios da relação entre as condições de produção e a materialidade textual.

Para desenvolver o trabalho, adotamos como procedimentos a observação das aulas com o objetivo de analisar a prática pedagógica das professoras, as condições de produção dos textos escritos e a interação professor/aluno; a coleta das produções escritas com o intuito de interpretar como as condições de produção interferem na escrita dos alunos.

Entendemos que o modo de olhar o objeto, nesse caso, a produção textual, decorre da concepção de linguagem que se assume. Assim, este trabalho se apóia em concepções lingüísticas que focalizam a língua como instrumento de interação e como prática social significativa, principalmente na teoria sociointeracionista de Vygotsky (1987[1934], 1988[1930]) e na teoria enunciativo-discursiva de Bakhtin/Volochínov (1988 [1929]). Todos esses aportes teóricos encontram-se resumidos na seção seguinte deste artigo.

1. Pressupostos Teóricos

Para Vygotsky, todo conhecimento é uma construção social em que a relação do sujeito com o objeto do conhecimento se faz mediada por um outro, via linguagem. Inicialmente entre pessoas (interpessoal), através da linguagem, como interação social, para depois se tornar intrapessoal. É esse movimento do social para o individual que marca, na teoria de Vygotsky, a gênese tanto da própria linguagem como das práticas intelectuais para as quais a linguagem serve de mediadora.

Por considerar a construção do conhecimento um processo dialógico, Vygotsky ao falar das interações formais, isto é, do processo de ensino-aprendizagem, declara que esse deve antecipar o desenvolvimento do aprendiz e não incidir no estado de desenvolvimento que já existe.

Para Vygotsky, a sala de aula deve ser o lugar, por excelência, de desafio, de estímulo, apresentando ao aluno novas possibilidades de atingir estágios mais elevados de desenvolvimento.

Resumindo, o professor é o mediador da aprendizagem do aluno, facilitando-lhe o domínio e a apropriação dos diferentes instrumentos culturais. Isto é, o professor constitui-se na pessoa mais competente que precisa ajudar o aluno na resolução de problemas que estão fora do seu alcance, desenvolvendo estratégias para que pouco a pouco possa resolvê-las de modo independente.

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Na perspectiva da psicologia sócio-histórica de Vygotsky, compreender a relação de crianças e adolescentes com a leitura e a escrita representa a compreensão do contexto sócio-histórico no qual essas crianças e adolescentes estão inseridos. Compreender como se dão leitura e escrita na sala de aula significa compreender as relações sociais que caracterizam esse contexto e como elas contribuem (ou não) para a formação de leitores e escritores.

Visto que o processo de ensino-aprendizagem é essencialmente social, temos que considerar também a relação professor-aluno, pois a maneira como se dá essa relação manifesta-se na aprendizagem. A maneira como o professor se relaciona com seus alunos reflete-se positivo ou negativamente no aprendizado deles. É papel do professor não só mediar a construção de conhecimento, possibilitar o letramento e o desenvolvimento de competências, mas também tornar-se o interlocutor de seus alunos, o que implica criar relações interpessoais de qualidade.

Em síntese, as contribuições teóricas de Vygotsky são várias, principalmente por terem possibilitado uma melhor compreensão do desenvolvimento humano e de como se efetiva a aprendizagem.

O segundo conjunto de nossos pressupostos teóricos tem sua origem na teoria enunciativo-discursiva de Bakhtin (1988[1929]) que assinala a natureza social da linguagem.

Bakhtin apresenta o modelo enunciativo-discursivo de linguagem baseado na interação verbal e no enunciado. O autor propõe então que se pense a interação verbal como a realidade da linguagem. O caráter interativo da linguagem é a base de todas as suas formulações, e não há possibilidade de compreender a linguagem senão a partir de sua natureza sócio-histórica porque todos os campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem.

No interacionismo não existe linguagem separada do Sujeito que a produz e do Outro a quem se destina, isto é, a interação inicia-se quando a palavra é dirigida a um interlocutor num determinado contexto de produção. Para Bakhtin (1988), a enunciação é o “produto de interação entre dois indivíduos socialmente organizados”, é uma espécie de “ponte lançada entre mim e os outros”. A enunciação implica, portanto, um processo de compreensão da palavra sua e do outro; é um ato de fala determinado pela situação imediata e pelo contexto social, é um produto social.

Reconhecemos que os alunos quando escrevem seus textos, em qualquer momento de sua vida escolar, esperam uma resposta ao que escreveram. Para Bakhtin (1992, p.294), “o locutor termina seu enunciado para passar a palavra ao outro ou para dar lugar à compreensão responsiva ativa do outro”.

Dessa forma, segundo Leal (2003, p.54 e 55), o aluno, na escola, ao dar lugar à compreensão responsiva ativa do professor, espera algum retorno, não um retorno qualquer, mas algo capaz de permitir uma dialogia, entendendo-a como um momento de produção de sentido, de dizeres e de trocas significativas. No entanto, se o aluno obtém como resposta o silêncio ou a marca de um visto ou, ainda, uma nota ou um conceito, pode-se deduzir que esse aluno encontra-se destituído das reais possibilidades de interação.

No processo de ensino, torna-se indispensável pôr o aluno diante de situações interativas de linguagens, de modo que possa envolver-se em um esforço de compreensão e de atuação, desafiando a argumentar e questionar sobre a atividade apresentada, oferecendo indicadores a respeito. Sobre isso, os PCN (BRASIL,1998, p.24) revelam que

uma rica interação dialogal na sala de aula, dos alunos entre si e entre o professor e os alunos, é uma excelente estratégia de construção do conhecimento, pois permite a troca de informações, o confronto de opiniões, a negociação dos sentidos, a avaliação dos processos pedagógicos em que estão envolvidos.

A sala de aula deixa de ser apenas um lugar de transmissão/recepção de um conhecimento arbitrário e passa a ser um “evento social no qual, através de procedimentos interacionais, professor e alunos tentam construir significado e conhecimento” (MOITA LOPES, 1995, p. 349). A sala de aula é o local de encontro de diferentes vozes, as quais mantêm relações de controle, negociação, compreensão, concordância, discordância, discussão.

Nessa perspectiva, os papéis tradicionais de professor e aluno – em que o primeiro detém todo o saber e o segundo deve apenas assimilar este saber e devolvê-lo ao professor por meio das avaliações

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periódicas – são substituídos pelo papel de interlocutores que juntos constroem e (re)significam o objeto de estudo

2. Resultados e Discussão

Inicialmente, queremos deixar claro, aqui, que o foco de nossa pesquisa sobre produção textual se situa no processo e não apenas no produto. Consideramos que essa articulação é bem vinda, visto que integra o processo global de ensino-aprendizagem nesta área, ajudando a perceber os processos subjacentes à construção do discurso escrito, relacionando-os ao seu produto final.

As condições de produção presentes em cada situação de escrita foram resgatadas por intermédio das observações feitas em sala de aula, quando procuramos identificar seus elementos constituintes. Na análise, priorizamos os encaminhamentos que orientaram as produções de textos, os quais são interpretados considerando os elementos constitutivos do contexto físico e da interação comunicativa (tema, atividades didáticas, instruções, gênero, destinatário e objetivo). No quadro abaixo, expomos as instruções e os elementos das três situações de produção observadas. Aula Tema Atividades

didáticas Instruções Gêneros Destinatár

io Objetivo

1 Violência urbana

Não houve atividade prévia .

Produza um texto descritivo subjetivo com o seguinte tema Violência urbana.

Não indicou

Sem destinatário

2 Leitura Leitura do texto“Vaga-lume literário”. Comentários da professora sobre o texto, sem a participação dos alunos.

Produza um texto persuasivo, trabalhando com o gênero textual editorial, com o tema: Brasil de pouca leitura.

Editorial Sem destinatário

Expressar opinião procurando convencer o leitor a partir de argumentos.

3 Produção de texto

Não houve atividade prévia.

A prática de produção de texto tem sido martírio para os alunos e para os professores. Os temas têm se repetido de ano para ano. Assim, fica evidente que a escola tem uma grande contribuição na produção intelectual dos nossos alunos. E você o que acha disso?”

Texto de opinião

Sem destinatário

Dar opinião a respeito da prática de produção de texto na escola.

Ao analisarmos as instruções e elementos destinados a cada situação de escrita, percebemos que alguns elementos indispensáveis em uma situação comunicativa real estão ausentes nas instruções. Dentre eles, O destinatário que não é explícito em nenhuma situação de escrita. O problema torna-se mais grave, não só porque cria uma situação de produção de texto desprovida de qualquer função social da linguagem escrita, mas também porque faz com que o aluno veja o professor como único leitor de seus textos.

Considerando o objetivo, no sentido dado por Bronckart (1999), isto é, a representação do efeito que se quer produzir no destinatário, percebemos que esse elemento básico foi voltado, principalmente, para o cumprimento de uma atividade escolar.

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Os temas das produções, de certa forma, estão relacionados ao contexto social dos alunos, como o tema “Violência urbana” e ao contexto escolar “Leitura” e “Produção de texto”.

Quanto às atividades didáticas realizadas antes da produção de cada texto, notamos que ora, a professora inicia a aula apresentando ao aluno um texto-apoio para subsidiar uma posterior produção textual, ora lançam uma proposta sem nenhuma atividade prévia à escrita, considerando, dessa forma, o aluno como um sujeito que está pronto para produzir qualquer texto, seja qual for o assunto. Pelo que observamos em sala de aula, a leitura do texto-apoio fica apenas no nível superficial. É uma atividade de linguagem que não contempla uma situação real de comunicação, não é oportunizado ao aluno ativar seus conhecimentos prévios. Trata-se, simplesmente, de uma mera leitura para escrever uma redação escolar.

O gênero não está explícito em todas as instruções, mas, pelos enunciados das propostas, podemos deduzir, como no caso da situação de escrita 3, que se trata de texto de opinião. Não foi possível precisar qual gênero foi solicitado na situação de escrita 1, em que a docente solicita a produção de um texto descritivo subjetivo sobre “Violência urbana”, somente a análise dos textos poderá mostrar o gênero produzido pelos alunos. Observamos, também, que a professora não fez uma abordagem teórica sobre os gêneros solicitados que contextualizasse sua função sócio-comunicativa, o que pode ter comprometido a eficiência dos alunos nas produções escritas.

2.1 Análise dos Textos Textos da 1ª situação de escrita Texto 1

Texto 2

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Relação entre as condições de produção e a escrita dos alunos

Observando o comando da atividade (“produzir um texto descritivo subjetivo com o tema violência urbana”), notamos que a professora solicitou a construção de um texto que não ficou muito claro para os alunos, mas mesmo assim os alunos escreveram seus textos.

Ao lermos as produções dessa situação de escrita, constatamos que os alunos produziram textos dissertativos, tipologia tradicional muito trabalhada em sala de aula.

No que se refere à textualidade, o que podemos afirmar é que há certa homogeneidade discursiva nos textos, isto é, as redações se compõem de argumentos recorrentes, os alunos falam praticamente as mesmas coisas. Vejamos alguns trechos:

Texto 1: “A violência envolve cada vez mais o cotidiano das pessoas, sair de casa é uma questão de saber se portar diante de uma sociedade cada dia mais violenta”.

Texto 2:” A violência urbana está cada vez mais presente nos grandes e médios centros urbanos...” “Andamos pela rua com medo de sofrer algum tipo de assalto ou seqüestro ou até mesmo sermos atingidos por alguma bala perdida.”

Texto 1: “Baixar taxas de analfabetismo, ocupar os jovens... são propostas que na minha opinião reduziriam parcialmente a violência urbana”.

Texto 2 “A solução pra esses problemas seria a diminuição da pobreza, com acesso a educação e mais emprego para os mais pobres.”

O que podemos depreender é que os alunos como não sabem, de forma mais objetiva, desenvolver o assunto, buscam caminhos para chegar a algum lugar, empreendem esforços para preencher as linhas em branco retirando do seu conhecimento de mundo, algo que possa ajudá-los a concluir a tarefa escolar.

É importante destacar o quanto a indefinição dos propósitos ou a não explicitação dos objetivos com os quais se escreve pode influenciar a produção dos aprendizes.

Acreditamos que a mediação do professor no processo de produção textual seja um fator determinante para o aluno produzir um texto que tenha qualidade tanto no plano da forma quanto no plano do conteúdo. Porém, não foi isso que aconteceu nessa situação de escrita, pois em nenhum momento, a professora agiu como mediadora no trabalho de construção de textos dos seus alunos.

Textos da 2ª situação de escrita Texto 1

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Texto 2

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Relação entre as condições de produção e a escrita dos alunos

Em relação ao gênero solicitado na atividade de escrita, o editorial, o que percebemos é que a

professora procura incluí-lo no enunciado da atividade, apenas para deixar claro que trabalha com diferentes gêneros, pois no encaminhamento da atividade, ela não trabalhou as especificidades desse gênero. A escrita não é vista a partir de uma dimensão do uso da linguagem que seria o gênero, mas a partir de uma dimensão comportamental de atendimento a uma tarefa solicitada.

Quanto ao conteúdo, notamos que em todos os textos, os alunos atribuem o pouco hábito de leitura dos brasileiros a fatores como: falta de investimento pelos governantes, falta de incentivo dos pais e da escola e ausência de projetos de incentivo à leitura. Observemos os seguintes fragmentos:

Texto 1: No Brasil, a pouca leitura ainda é um problema muito grave. Tal problema é ocasionado devido à vários fatores. Primeiramente, porque o governo não investe na educação e nem incentiva a leitura. Outro fator é que os pais não incentivam os filhos a leitura. Por último, vem o fator da tecnologia, que tem como protagonistas a televisão, o vídeo e o computador.

Texto 2: A situação do Brasil nesse aspecto é considerada vergonhosa, tendo um reduzido número de pessoas que realmente possuem o interesse em cultivar a leitura. Isso deve-se a falta de estímulo por parte dos pais em relação aos seus filhos. Porque caso os jovens vissem desde a infância que sua mãe ou seu pai têm o hábito de ler livros nas horas vagas, por exemplo, facilitaria os mesmos também adquiri-lo posteriormente.

Essa homogeneidade de idéias ocorreu porque os alunos se apropriaram das informações do texto estudado e dos comentários que a professora fez sobre o assunto. Não temos dúvida de que o conteúdo dito é uma reprodução, se não, como explicar as visíveis semelhanças de informações? A falta de um contexto significativo, de uma razão para a produção dos textos, interferiu nos seus “conteúdos”, que comungam as mesmas idéias do texto que lhes serviu de apoio.

Outro aspecto que observamos é que os alunos procuraram seguir a recomendação de que o texto deveria ter entre 20 a 25 linhas, como podemos notar, na numeração das linhas do texto 2, a preocupação da aluna em seguir à risca a orientação da professora.

No espaço escolar, o objetivo maior do aluno, ao produzir um texto, parece ser o de seguir as regras do jogo da escola, tendo em vista obter uma avaliação favorável. Segundo Cavalcante e E. Marcuschi (2005), o aluno sabe que seu leitor imediato, e talvez único, é o professor, a quem compete controlar e julgar a qualidade da produção. O autor-sujeito, nesse contexto, desaparece, emergindo o aluno, que está preocupado apenas em cumprir com eficiência uma tarefa escolar. Textos da 3ª situação de escrita

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Texto 1

Texto 2

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Relação entre as condições de produção e a escrita dos alunos

Embora o encaminhamento da atividade não tenha sido satisfatório, os alunos produziram textos muito significativos, com informações bastante reveladoras sobre a prática de escrita na escola. No texto 1, por exemplo, o aluno faz um verdadeiro depoimento de suas impressões sobre as aulas de redação, observemos alguns trechos:

“Acho que a escola deveria variar mais com as propostas textuais, pois nós alunos as vezes

não temos o interesse de escrever e aprender sobre determinado assunto.” “O aluno aprende mais com as aulas mais criativas do que com aquela velha aula que se

repete todos os anos.” “Cabe ao professor estimular o interesse do aluno, pois os alunos que no caso são

adolescentes tem um interesse em comum e esse interesse geralmente varia de tempos em tempos...”

No texto 2 fica evidente que o aluno não compreendeu a proposta de produção, pois ele se ateve apenas aos últimos períodos do enunciado da atividade. Usando as palavras de Charolles (1997, p. 59), esse texto apresenta uma “flagrante circularidade do discurso”, devido ao fato de o aluno-produtor repetir excessivamente as mesmas informações e, com isso, não faz o texto progredir semanticamente. Vejamos alguns fragmentos desse texto:

“A escola tem sim uma grande contribuição na produção do aluno, mas quem tem uma outra parte dessa contribuição é o proprio aluno”.

“O aluno é o principal contribuidor para si proprio no seu desenvolvimento intelectual”... “A parte da escola na contribuição do intelecto do aluno é realmente oferecer o saber ao

aluno”... “Finalizando, posso dizer que eu acho o aluno o maior contribuidor para sua propria vida

intelectual na escola”... Através do diagnóstico das revelações dos alunos nos textos, a professora poderia dialogar com

os mesmos, refletir sobre seu trabalho e transformar esse momento de interação em subsídios para o seu planejamento. Pois de acordo com Leal (2003), “os textos dos alunos se transformam em fontes muito ricas e apropriadas para o professor monitorar o seu trabalho e o desenvolvimento do diálogo ativo com os sujeitos aprendizes”.

Outra questão que observamos, é que a professora nem ao menos se colocou como interlocutora dos textos dos alunos; foi apenas uma avaliadora que “leu” os textos em busca de erros. Isso revela que, na escola, o aluno não escreve para ser lido, mas para ser corrigido. A escola elimina, desse modo, a atitude responsiva ativa, pois o aluno sabe de antemão que nada ou muito pouco pode esperar como resposta efetiva ao que produz.

Conclusão

Sobre o encaminhamento das atividades de escrita, notamos que não houve o “antes” nem o “durante” e nem o “depois” da produção, primeiro, porque não houve atividade prévia às produções, só em uma situação de escrita os alunos leram um texto que serviu de base para a produção de outro, segundo, porque em nenhum momento as professoras agiram como mediadoras no trabalho de produção dos alunos e, terceiro, porque não houve atividade de reescrita. A produção de texto não é vista como um trabalho que exige releituras e reescrituras, procedimentos de uma concepção interacionista de linguagem. O texto, da forma como foi trabalhado, configura-se como produto pronto e acabado, que tem como única finalidade a avaliação do professor.

Os resultados obtidos levaram-nos a constatar que o problema de o aluno não conseguir um bom desempenho comunicativo escrito é, em parte, decorrente do conjunto de elementos que orientam a sua produção. O quadro revelado sobre a atividade de produção escrita deixou transparecer que o ensino ainda se baseia na concepção tradicional da linguagem. Com isso anula-

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se o caráter interativo da escrita, descaracterizando-a como lugar de interação e de diálogo entre sujeitos.

A pesquisa aponta, portanto, para a necessidade de se investir, seriamente, na melhoria da formação lingüística e pedagógica dos professores, para que eles possam alargar sua compreensão dos fatos da linguagem e das competências requeridas para o ato de escrever.

Referências BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo, Hucitec, 1988 [1929]. _____. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa: 5ª a 8ª séries. Brasília, DF: SEF, 1998. BRONCKART, Jean-Paul. Atividades de linguagem, textos e discursos: Por um interacionismo sociodiscursivo. Trad. De A. R. Machado e P. Cunha. São Paulo: Educ, 1999. CAVALCANTE, M. C. B.; MARCUSCHI, E. Formas de observação da oralidade e da escrita em gêneros diversos. In: MARCUSCHI, L. A. e DIONÍSIO, A. P. Fala e Escrita. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. CHAROLLES, M. Introdução aos problemas da coerência dos textos. In: GALVES, C. (Org.) O texto: leitura e escrita. 2.ed. revis. Campinas: Pontes, 1997. LEAL, Leiva de F. V. A formação do produtor de texto escrito na escola: uma análise das relações entre os processos interlocutivos e os processos de ensino. In; VAL, M. G. C.; ROCHA, G. (orgs.). Reflexões sobre práticas escolares de produção de texto: o sujeito-autor. Belo Horizonte: Autentica/CEALE/FAE/UFMG, 2003. MOITA LOPES, Luiz Paulo da. What is this class about? Topic formulation in a L1 reading comprehension classroom. In: COOK, G., SEIDLHOFER, B. (Eds.). Principle and Practice in Applied Linguistics. Oxford: Oxford University Press, 1995. p. 349-362. SOARES, Magda. (2001) Aprender a escrever, ensinar a escrever. In: ZACCUR, E. (org). A magia da linguagem. 2. ed. Rio de Janeiro: DP & A: SEPE, 2001, p. 49-73. VIGOTSKY, Lev Semionovitch. (1934). Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987. _____. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1988 [1930].