A Psicologia Intercultural e o Problema Da Validade

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I PSICOLOGIA DA CULTURA I A psicologia intercultural e o problema da validade externa de hipóteses e teorias psicológicas* Helmuth Krüger ** I. Introdução; 2. Pressupostos e objetivos teóri- cos de psicólogos interculturais; 3. Alguns pro- blemas metodológicos e teóricos na psicologia intercultural; 4. A validade externa e o etnocen- trismo de teorias psicológicas; 5. Conclusões. A psicologia intercultural é definida como metodologia que pode ser usada para testar teoria e hipó- teses psicológicas em diferentes sistemas sócio-culturais. Dentre seus problemas técnicos a questão da validade externa é de alta importância. SupOe-se que a psicologia intercultural contribui para osesfor- ços feitos para avaliar a validade externa da produção psicológica teórica. O autor admite que possí- veis soluções para este problema repousam não na metodologia de pesquisa em si mesma mas na me- lhoria de técnicas estatísticas.Especulativamente, é lícito admitir que os psicólogos dedicados a estu- dos históricos e interculturai,s podem juntar seus esforços nâ procura de uma solução para o proble- ma em debate. 1. IntrodUÇIo o interesse pelo comportamento humano em culturas diferentes é muito antigo. Contudo, o seu estudo sistemático, teórica e metodologicamente organizado, é recente. Paiva (1978), entre nós, apresentou um breve resumo do desenvolvimento histórico da psicologia intercultural. No. seu sumário nlio ficaram esquecidos diversos autores, antropólogos e psicólogos, cujas contribuições· 'visaram descrever e explicar semelhanças e diferenças psicológicas entre humanos submeti- dos a distintos condicionamentos sócio-culturais. A antropologia psicológica e a psicologia inter- cultural, atualmente, são as herdeiras de uma história que, a rigor, encetou os seus primeiros passos no século XIX com Klemm, Waitz, Bastian, Rivera e Wundt. A psicologia intercultural, em particular, a despeito de haver possibilitado novos temas e abordagens de pesquisa e, provavelmente, o elevado grau de confiança de psicólogos no simtido da procura de uma saída para o impasse produzido pelo etnocentrismo da psicologia contemporâ- nea, é uma área onde avultam questões teóricas e metodológicas. Uma delas é a de validade externa de hipóteses e teorias psicológicas: O propósito deste artigo é examinar este problema. Neste sentido, serão discutidos, ini- cialmente, os pressupostos e objetivos de psicólogos interculturais, bem como alguns dos proble- mas teóricos e metodológicos dessa área da psicologia. A conclusão, por sua vez, conterá obser- vações críticas, as quais poderão contribuir em outras análises da psicologia intercultural. 2. Pressupostos e objetivos teóricos de psicólogos interculturais Whiting (1954) foi, provavelmente, o primeiro autor a tentar uma descrição mais objetiva do * Artigo apresentado à Redaç40 em 9.11.81. ** Endereço do autor: Rua Ingelheim. 493- Petrópolis, RI. Arq. hras. Psic., Rio de Janeiro, 35(1): 48-55, jan./mar. 198j ------------------------ -

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psicologia intercultural; validade

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  • I PSICOLOGIA DA CULTURA I A psicologia intercultural e o problema da validade externa de hipteses e teorias psicolgicas*

    Helmuth Krger ** I. Introduo; 2. Pressupostos e objetivos teri-cos de psiclogos interculturais; 3. Alguns pro-blemas metodolgicos e tericos na psicologia intercultural; 4. A validade externa e o etnocen-trismo de teorias psicolgicas; 5. Concluses.

    A psicologia intercultural definida como metodologia que pode ser usada para testar teoria e hip-teses psicolgicas em diferentes sistemas scio-culturais. Dentre seus problemas tcnicos a questo da validade externa de alta importncia. SupOe-se que a psicologia intercultural contribui para osesfor-os feitos para avaliar a validade externa da produo psicolgica terica. O autor admite que poss-veis solues para este problema repousam no na metodologia de pesquisa em si mesma mas na me-lhoria de tcnicas estatsticas.Especulativamente, lcito admitir que os psiclogos dedicados a estu-dos histricos e interculturai,s podem juntar seus esforos n procura de uma soluo para o proble-ma em debate.

    1. IntrodUIo

    o interesse pelo comportamento humano em culturas diferentes muito antigo. Contudo, o seu estudo sistemtico, terica e metodologicamente organizado, recente. Paiva (1978), entre ns, apresentou um breve resumo do desenvolvimento histrico da psicologia intercultural. No. seu sumrio nlio ficaram esquecidos diversos autores, antroplogos e psiclogos, cujas contribuies

    'visaram descrever e explicar semelhanas e diferenas psicolgicas entre ser~s humanos submeti-dos a distintos condicionamentos scio-culturais. A antropologia psicolgica e a psicologia inter-cultural, atualmente, so as herdeiras de uma histria que, a rigor, encetou os seus primeiros passos no sculo XIX com Klemm, Waitz, Bastian, Rivera e Wundt.

    A psicologia intercultural, em particular, a despeito de haver possibilitado novos temas e abordagens de pesquisa e, provavelmente, o elevado grau de confiana de psiclogos no simtido da procura de uma sada para o impasse produzido pelo etnocentrismo da psicologia contempor-nea, uma rea onde avultam questes tericas e metodolgicas. Uma delas a de validade externa de hipteses e teorias psicolgicas:

    O propsito deste artigo examinar este problema. Neste sentido, sero discutidos, ini-cialmente, os pressupostos e objetivos de psiclogos interculturais, bem como alguns dos proble-mas tericos e metodolgicos dessa rea da psicologia. A concluso, por sua vez, conter obser-vaes crticas, as quais podero contribuir em outras anlises da psicologia intercultural.

    2. Pressupostos e objetivos tericos de psiclogos interculturais

    Whiting (1954) foi, provavelmente, o primeiro autor a tentar uma descrio mais objetiva do * Artigo apresentado Reda40 em 9.11.81. ** Endereo do autor: Rua Ingelheim. 493- Petrpolis, RI.

    Arq. hras. Psic., Rio de Janeiro, 35(1): 48-55, jan./mar. 198j ------------------------

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    mtodo intercultural, defmindo-o como ~stratgia de (IC$4f'II!. lJur:ada em dados antropol6-gicos, ~bordinados a preocupaes de testagem empillia de hip6Iaes reJatifts ao comporta-mento humano. De fato, na sua definio encontram-R pRaIlks os dois elementos que fmne-cem psicologia intercultural a sua feio peculiar: a: """"""Mo da cultwa como fate. contri-buinte no desenvolvimento de processos psicolgicos e. em RI,IIDdo Iupr. a carac1erizaio des-sa disciplina psicolgica como metodologia de pesquisL Cada UID desta dois apectos sugere problemas especficos. A sua discusso foge intenOl d'csk kx1o. DaS caberia lembrar. pOI" ser conveniente, que o conceito de "cultura" est longe' * RaIJes uma intaptetaio univoca. o que nos permite considerar como sendo atual, ainda, OldiMiil:ocslDdodeKroebere Klucthohn' (1963) relativo s defmies, correntes poca da peSCJllllii'5a" .... o 1enDO "'I:ultwa"_ A cultu-ra subjetiva, por outro lado, associada aos sistemas D1laptdatims social e psicologicamente fundamentados, enquanto objeto de pesquisa, encontll_ JC!III!IlIdnc:i na aatropologia cultutal, pelo menos desde 8enedict (1934). Na psicologia comkimlpoliDta de arieD1aocognitiYa. este conceito aflora sob a forma de sistemas de crenas ma. COIIIIlO o prope Diu-Guerrero (1972), em termos de uma estrutura lgica, cuja sede cogJllliilliA e iIlcIiricIIal e cujos elementos bsi-cos seriam premissas scio-culturais. A caracterizaao e ~ dos aspectos psicolgicos da cultura facilita a pesquisa intercultural, na medida! em cpc: R toma YiiR1 submeter a cultura condio de varivel independente.

    O segundo aspecto situa a psicologia intercultUDII alIIIIlOJDdocIoIo&ia de pesquisa. quer di-zer, sem objeto de pesquisa prprio. Eckensberger (119710)., na sua diaatao. mas. tambm. mais recentemente (Eckensberger, 1979), define-a nestes ta-.. Dizatdo..o de outra maneira e mais incisivamente: o objeto de estudo na psicologjat iImttacuIbuaI ~ o das ctisc:iptinas psicoI6-gicas de um modo geral. Da psicofisiologia psili:olcJp sociII; da psicologia do desenvolvi-. mento psicologia geral. O que se deseja, como j troi1lmnlndo.~ a 1cstapn empmca de hip6-teses e teorias psicolgicas em sistemas scio-cul1Wtais cilUtidcs.. Cclmpuando.a. ainda. com as demais disciplinas do mesmo tempo, poder-se- diiIa' cpe SE trata de uma cincia Iu'brida, vinculando-se antropologia atravs de conceitos bsiials" aJIDOi"oCMlO do de "cultwa"'_

    Mantendo os laos que os prendem s discipfiimlS~s.llda.uefundamentando.os psiclogos inter culturais preservam os pressupostms ~ epislemnl6p:os e mcnis que foram absorvidos e se integraram ao processo de ~tcJc:a c.. ..... mde ~ s atividades profissionais e estilos de interpretao cliJllWlliiw.ll dos ~ de uma maneira geral. No plano ontolgico, verifica-se a presena de dU35 iimtllaplda&s psicoI6p:as Wsic:as para o homem, amplamente discutidas por Chain (l97Z). ls1ro cpe!r dizer que os psic:logos inten:ul-turais admitem a imagem do homem ativo e inde}pCl[llllroidae .. a do CIIpIlismo pmsiYo e deter-minado por fatores tanto endgenos quanto ex6gemos.. All&D dmo. embon Do tenha sido devi-damente tratado por Chein, subsiste a imagem dO> lInllllllml ~ ainda que pucialmente. por foras inconscientes. Mesmo entre psiclogos,~EpisteDdop:ameIte. defende-se a possibilidade de se alcanar explicaes, ainda p ~i1isfir:as".-a processos psicol6-gicos que ocorrem em e entre seres humanos. Os mittClilllias de pcsop- _ a sua utilizao jus-tificada enquanto cpntriburem para a ampliao! cioJ JIIlIIIldr: oIIjclhidade e. por1anto. do de cer-teza, de hipteses e teorias aplicveis, no caso, 3i DIIIIIdIlilate;:acs ~ Do ponto de vista pragmtico, os investimentos, humanos e materiais,. ~ em pescpisas inten:ulturais, ten-dem a ser avaliados, basicamente, tal como OCOIillC em qlll3lllqmr:l"Caltra ~ de pescpisa cientfi-ca, sob um duplo critrio: grau de contribuio J!IlIIIlIl li nptmio do quadro tellrico avaliado como epistemologicamente confivel e, em segundml". do pmdo de fts.ta do aproveitamento social dos produtos tericos de empreitadas ciemttjj&3!tiIilCURat: ccwdpzidas... Um ten:eiro critrio ganha corpo entre os psiclogos contemporneo~ ~WII[Ift .. e t:IlIqM:US.. Trata-se da releWJn.

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    cia emancipatria (Busch, 1979). Este conceito, que pertneia todo o,movimento dadenQmina-.da psicologia crtica, ,foi. posto,em circulao por lI()lzkamp, professor da Universidade Livre de Berlim. E ssencialqlente , quer-se dizer que .a validade de qualquer teoria psicolgica situa-se numa raz!io direta com o grau de autoconscincia, inclusive poltico-social, por ela proporcio-nado.

    Teoricamente, o~ psiclogos interculturais tambm procuram determinar as variveis cultu-rais supostamenteresponsveisporparte da varincia total pocomportamento. Explicitamente , ten-ta-se, neste caso, verificar 1_ influnci1 de processos de socializa''l, sistemas religiosos e inter-pretaOes do mundo, por exemplo, no desen.volvimento de processos cognitivos, da expresso emocional, de estilos de relacionamento interpessoale estrutura da personalidade, entre outros. Sendo as variveis culturais tomadas c~o variveis independentes e as psicolgicas, por sua vez, como dependentes. Tal forma do relacionamento entre as variveis corresponde aos objetivos tradicionais d()s psiclogos. Assim, a perspectiva segundo a qual a cultura seria vista a partir de sua origem humana e social, psicolgica em qualquer caso, situando-a como objeto de pesquisa, ainda que venha a ser admitida comq possvel ponto de partida para programas defmidos de pes-quisa, algo estranho aos interesses tericos mais freqentemente defendidos pelos psiclogos intercul turais da a tualidalie.

    Gergen (197.3) e Proshansky (1976) manifestaram o seu profundo ceticismo em relao existncia de princpios psicolgicos de valor universal. Nestas posies, representantes de uma tendncia te6rica em expanso, observa-se a radicalizao de um ambientalismo que se confunde, na sua origem, com o nascimento das pesquisas psicolgicas nosEUA. No sentido da argumenta-(o aqui em elaborao, toma-se til, neste momento, lembrar e, mais do que isso, observar, as seguintes distinDes: a que foi proposta por Brentano (1946), entre a psicologia do ato e apsico-logia do contedo, e a que se verificaentre competincia e desempenho, corretamente emprega-das' na psicologia contempornea. De qualquer maneira, entre psiclogos interculturais mais freqente a insistncia na busca de. dados e informaes que permitam aferir, empiricamente, hi-pteses e teorias .baseadas na suposilJo da existncia de processos invariantes de tipo psicol-gico. De certo modo, preserva-se, ao menos comohip6tese de trabalho, o postulado da unidade psquica da humanidade, um dos fundamentos da antropologia do sculo XIX. Em outras pala-vras, supe-se a. existncia daquilo que Kluckhohn (1951) designou como regularidades pan-humanas. Teoricamente, tais invarialtes podem ser lerarquizadas a partir do critrio de maior ou menor suscetibilidades influncias scio-culturais. Segundo esse possvel critrio, poder-se-ia admitir que os condicionamentos respondente e operante,. enquanto processos, ocorressem num ponto dessa escala terica, no qual n![o sedam vistos como decisivos os determinantes epo-cais e situacionais, c~>ntrapondo~se, por exemplo; s expressC?s emocionais (Klineberg, 1963), extremamente sensveis modelagem scio-cultural.:e oportuno lembrar que uma das primeiras pesquisas interculturais, realizada por Rivers (1901), demonstrou a influncia de fatores cultu-rais na ocorrnciada -iluso visual baseada no material de Mller -Lyer, ao passo que as pesquisas de Rosch (1977) depem a favor de uma regularidade intercultural na categorizao baseada em cores.

    3. Alguns problemas metodolgicos e tericos na psicologia intercultural

    e generalizadamente aceita, entre pesquisadores interculturais, a diferenciao entre as aborda-gens -miai e -tica, morfemas associados fonmica e fontica. Na psicologia intercultural estas designaes envolvem interesses tericos distintos: pesquisas caracterizadas pela preocupa-50 A.B.P. 1/83

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    ~_!Colhe;rJdadoJ:.e;possaI1I cdnulbuir,!id 'estbdoftiaapost~ pa~l'l1niversais"de~. ~tamento so de tipo -tico, enquanto que as orientadas para a peJC:lYisaraos aspectose~.

    f~ ~~~;P~Cfe~ il~ffi~~()~ E9J'>~""H * p~~~ de,~asl:el~~9,es.eIl) ,s.istemas s6-# . Po\I.' . ~~.,;~.!~Fm~r~ .. '" ~~1~~~Q%:6j:~.Q.e.~!.,~ffi~r~.ledr~~r~.~.~'~i.::!~n~~~j'~ .~~W~~~.; ~~ ~~,.;:ryu,~ c.ir:"'f,i~QV, p .Jl ". ", r. 6) .~~ \,j~~#~~, ~~~.f:9d,ef~ ;spr>~~pp :RofllPre.endida$ ~.;s, cq",si(iejar ~di~

    ~Jn~~.~J~(~~ #p;qrcglq ~e~/l,~dq1'P~, ~.,;ll~r~d9 ill'rjIlle.i1:a. debls~~ ~~,W+;t~~.,~~ .. ~~~ ~,;~!M'J~.,~.~~!.e,~~pUcaOc:s'gera~.~pII)a .. ~las~ dele-

    ~~~~( W ;p~ 91.1e! .~:~~~ ~1~i~.c

  • o ceticismo em relao s possibilidades de elaborallo de testes independentes- de quaisquel vieses culturais ( culture-free) .

    Finalmente, de se observar que as tendncias ora manifestdas na pSicologia intercultural, 'ainda que nllo sejam oompletamente baseadas em postulados positiviatas, dada aparticipalo de cognitivistas, que partem de compromissos te6ricos e metodol6gicos mais flexveis, opemse, no obstante, s interpretaes fundamentadas na admisso do carter simb6lico do comporta mento em estudo. Tais perspectivas, hermenlutica e etoghdco (Harr, 1980), exigem tratamen tos conceituais, te6ricos e metodol6gicos apropriados. Tudo indica, porm, que a influncia de tais perspectivas no mbito da psicologia intercu1tural s venha a progredir com o desenvolvi mento da capacidade explicativa e preditiva de teorias sustentadas por tais bases. Ca&e frisar que, nessas condies, os interesses relacionados com a validade externa de produtos te6ricos s6 seriam justificveis se fosse admitida a possibilidade da existncia de estruturas ou processos in variantes, alojados sob os fenmenos observados e interpretados.

    4. A validade externa e o etnocentrismo de teorias psicolgicas.

    Allport (1954) referiu-se ao carter etnocntrico da psicologia social contempornea. A rigor, esta caracterstica tambm pode ser identificada nas disciplinas psicolgicas de uma maneira ge. ralo No sentido estrito, o conceito do etnocentrismo terico na psicologia referese a aplica~s localizadas, no tempo e no espao, de hipteses, leis e teorias cientficas, limitando o seu grau de generalizallo. Essa restrillo decorre do fato de que usualmente as pesquisas psicolgicas silo desenvolvidas em universidades e centros de pesquisa, sobretudo em sociedades desenvolvidas, com uma elevada freqncia de participao de membros de comunidades acadmicas. Supese que tal estado de coisas nllo favorea o esforo de falsificao de proposiDes hipotticas. A soluo residiria no desdobramento das pesquisas iniciais, com o apoio de instrumentos de me dida e tcnicas estatsticas apropriadas, em sistemas s6cio-culturais diferentes dos de origem. As relaes, correlaDeS e interrelacionamentos entre variveis independentes e dependentes, tal como silo expressadas atravs de hipteses, silo, no entanto, admitidas como possivelmente apli. cveis a pessoas cuja hist6ria pessoal se desenrola em qualquer contexto social e cultural. A questo pode ficar assim formulada: como se poder verificar o nvel de generalizao intercul- . tural de contribuies tericas de natureza psicol6gica, partindo.se do pressuposto de que as re-laes por' elas afirmadas, referentes a processos psicolgicos bsicos, possam subsistir indepen. dentemente da influncia de fatores externos sobre os indivduos? Especulativamente, pode.se admitir que da psicologia intercultural e da psicologia histrica possam surgir contribuies para a soluo do problema aqui focalizado. Berry (1979) argumenta justamente neste sentido, ad mitindo que a psicologia intercultural se constitua numa alternativa vivel para a promollo de

    inl.:~ativas que visem a soluo do problema do etnocentrismo te6rico na psicologia contempo-rnea. Dos especialistas no campo da psicologia histrica, contudo, dever-se aguardar uma melhor soluo para as graves dificuldadesmetodol6gicas, com as quais se debatem, antes de admitir a possibilidade de obter contribuies mais consistentes e empiricamente coerentes.

    interessante lembrar Que o conceito de validade ecolgica (BrunsWik,1947) precedeu o da validade externa. Em ambos os casos, tem-se em vista a questllo da representatividade, da genera-lizao das proposies de carter explicativo, ainda que, como sabidamente o caso das disci plinas psicolgicas, elas se exprimam probabilisticamente. Este tipo de validade, desejavelmente, deve completar a validade interna (Campboll, 1957), aplicando.se o ltimo conceito natureza do plano de pesquisa, focalizando-se, em especial, a possibilidade de controle de todas as vari 52 A.B.P.1/83

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    veis relevantes associadas ao processo que se deseja explicar. A esta altura, poder-se- concluir que a validade interna, pelo fato de residir na qualidade dos procedimentos aplicados quando do planejamento e conduao da pesquisa, mais tangvel do que a validade externa. Campbell e Stanley (1963) admitiram, explicitamente, que o problema da validade externa no fossesolu-cionvel. Talvez no possa s-lo em termos absolutos ou defmitivos, mas parece razovel supor que ela possa ser verificada progressivamente, dentro dos limites impostos pelo paradigma vigen-te em larga extenso da psicologia contempornea .. As replicaes sistemticas de pesquisas psi-colgicas, articuladas com instrumentos de mensurao objetivos, dotados de melhor qualidade do ponto de vista da fidedignidade e validade, a par de tcnicas estatsticas de carter mais so-fisticado, particularmente no que se refere aos testes de hiptese e amostragem, poderiam estar associadas a projetos de pesquisa mais amplos, cujo campo de desenvolvimento abrangesse parti-cipantes oriundos de diferentes classes sociais, estamentos e sociedades. Nesse plano, tendo em vista os objetivos tericos desejados, caberia uma efetiva participao de psiclogos inter-culturais.

    O julgamento de Campbell e Stanley, formulado no texto j referido, poderia ser interpre-do em termos negativos, init5idores de esforos encaminhados no sentido de verificar a existencia e a possibilidade de aplicao generalizada de explicaes psicolgicas. E essa seria, certamente, uma conseqncia prejudicial para o desenvolvimento da psicologia, na medida em que esta rea seja admitida como conjunto de atividades e processos sistematizados, cuja finalidade essencial a de fornecer elementos tericos que .nos habilitem, ainda que limitadamente, explicar e prever o comportamento. Poder ocorrer que os investimentos sociais e humanos assim aplicados no permitam preencher as expectativas tericas vinculadas ao paradigma vigente, mas poder-se'-, de qualquer maneira, justificando os atuais programas de pesquisa, considerar que eles poderiam, ainda que fracassassem, produzir resultados que permiti.ro avaliar os pressupostos e postulados que sustentam, teoricamente, as empreitadas cientficas ora em andamento. Comprovando-se as suas deficincias, inaplicabilidade ou erro, impor-se- a organizao de novos paradigmas. Enfim, possvel que Aristteles tenha tido razo, quando, na sua tica a Nicbmaco, admitiu que uma mente educada insistir na preciso enquanto a natureza do objeto o permitir.

    S. Concluses

    Tendo sido examinadas, por vezes de uma maneira bem sumria, questes relacionadas com os fundamentos, objetivos, teorizaO e metodologia de tipo intercultural, pode ter ocorrido que os argumentos bsicos no tenham ficado suficientemente esclarecidos. Neste sentido, as obser-vaes conclusivas que se seguem devem contribuir para uma apresentao mais ntida dos pon-tos de vista aqui defendidos. . Essencialmente, a psicologia intercultural submetida, enquanto programa geral de pesquisas, a duas orientaes bem destacadas: a que envolve um esforo de falsificao de. proposies te-ricas, partindo da suposio de Que processos psicolgicos bsicos podem ser considerados inva-riantes no plano sincrnico,e a da pesquisa das variveis culturais, admitidas como responsveis por uma parte da varincia relacionada com manifestaes comportamentais, particularmente no que se refere ao desempenho. A suposio da existncia de processos psicolgicos de carter universal , basicamente, um postulado ou, se se preferir, uma hiptese de trabalho. A adoo dessa hiptese no envolve, necessariamente, a obrigatoriedade de se admitir o postulado mais geral do determinismo. De uma maneira mais clara: a imagem de um organismo completamente regido por leis e princ-Psicologia intercultural S3

  • pios que o transcendem pode ter guarida em algumas tendncias
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