A Publicity e a Publicidade

12
179 A R T I G O C O M U N I C A Ç Ã O, M Í D I A E C O N S U M O S Ã O P A U L O V O L. 3 N. 6 P. 1 7 9 - 2 0 0 M A R. 2 0 0 6 A publicity e a publicidade (para além da propaganda) Cassiano Ferreira Simões 1 RESUMO Os termos publicidade e propaganda têm sofrido, em anos re- centes, de um agravamento na forma indistinta com que são utilizados. Tal fato pode ser analisado dos pontos de vista lin- güístico e histórico. Do ponto de vista lingüístico, é perceptível na língua inglesa a presença de três noções que precisam ser ajustadas às duas disponíveis nas línguas latinas em geral. Do ponto de vista histórico, é possível depreender, com base em uma aproximação com as idéias de Jürgen Habermas, que tanto a publicidade de “tornar públicas ações de esfera pública” quan- to a de “anunciar transações comerciais” são criações burguesas comprometidas com o racionalismo e com a modernidade, so- brevindas da noção de público e, portanto, características de seu desenvolvimento socioeconômico baseado nas liberdades indivi- duais e no mercado. Palavras-chave: Publicidade; esfera pública; mercado. ABSTRACT The terms publicidade and propaganda have increasingly been used indistinctively in Brazil in recent years. Such fact can be analyzed from linguistic and historical points of view. From the linguistic point of view, the presence of a third concept in the English language usually needs to be adjusted to the two avail- able ones in Latin languages. From the historical point of view, it is possible to infer over a Jürgen Habermas analysis, that both meanings of publicidade – “to make public the actions within the 1 Publicitário, professor da Universidade Católica de Salvador (UCSAL) e coordenador do curso de Publicidade e Propaganda da Faculdade Social da Bahia (FSBA). Membro fundador da União Latina de Economia Política, Informação, Comunicação e Cultura (ULEP- ICC Brasil).

description

publicidade

Transcript of A Publicity e a Publicidade

  • 179A R T I G O

    C O M U N I C A O, M D I A E C O N S U M O S O P A U L O V O L. 3 N. 6 P. 1 7 9 - 2 0 0 M A R. 2 0 0 6

    A publicity e a publicidade (para alm da propaganda)Cassiano Ferreira Simes1

    RESUMOOs termos publicidade e propaganda tm sofrido, em anos re-centes, de um agravamento na forma indistinta com que so utilizados. Tal fato pode ser analisado dos pontos de vista lin-gstico e histrico. Do ponto de vista lingstico, perceptvel na lngua inglesa a presena de trs noes que precisam ser ajustadas s duas disponveis nas lnguas latinas em geral. Do ponto de vista histrico, possvel depreender, com base em uma aproximao com as idias de Jrgen Habermas, que tanto a publicidade de tornar pblicas aes de esfera pblica quan-to a de anunciar transaes comerciais so criaes burguesas comprometidas com o racionalismo e com a modernidade, so-brevindas da noo de pblico e, portanto, caractersticas de seu desenvolvimento socioeconmico baseado nas liberdades indivi-duais e no mercado.Palavras-chave: Publicidade; esfera pblica; mercado.

    ABSTRACTThe terms publicidade and propaganda have increasingly been used indistinctively in Brazil in recent years. Such fact can be analyzed from linguistic and historical points of view. From the linguistic point of view, the presence of a third concept in the English language usually needs to be adjusted to the two avail- able ones in Latin languages. From the historical point of view, it is possible to infer over a Jrgen Habermas analysis, that both meanings of publicidade to make public the actions within the

    1 Publicitrio, professor da

    Universidade Catlica de

    Salvador (UCSAL) e coordenador

    do curso de Publicidade e

    Propaganda da Faculdade Social da Bahia (FSBA).

    Membro fundador da Unio Latina de Economia Poltica,

    Informao, Comunicao e Cultura (ULEP-

    ICC Brasil).

  • 180 A R T I G O

    E S C O L A S U P E R I O R D E P R O P A G A N D A E M A R K E T I N G

    A PUBLICITY E A PUBLICIDADE 181A R T I G O

    C O M U N I C A O, M D I A E C O N S U M O S O P A U L O V O L. 3 N. 6 P. 1 7 9 - 2 0 0 M A R. 2 0 0 6

    CASSIANO FERREIRA SIMES

    public sphere and to advertise commercial transactions are bourgeois creations implied to rationalism and modernity, in-herited from the notion of public. Therefore, it is characteristics of its social-economic development based on individual freedoms and market orientation.Keywords: Publicity; public sphere; market.

    1 Introduo

    Publicidade e propaganda no Brasil so dois termos freqen-temente usados como sinnimos e vm perdendo seus efeitos de distino. evidente que uma lngua no se presta a estabelecer diferentes palavras para expressar significados idnticos. Algum pormenor sempre difere os sinnimos, dando a eles efeitos sin-gulares e diversos. No seria diferente com a lngua portuguesa ou com os termos publicidade e propaganda, tratados indistin-tamente na maior parte dos casos e, algumas vezes, com uma inacreditvel contradio conceitual.

    Mas se o senso comum usa os termos de forma negligente, o mesmo no se pode esperar de acadmicos da rea de comuni-cao social, que atualmente encontram-se sem referncia para seus trabalhos dirios. O fato deve preocupar tambm muitos profissionais srios que se dedicam com honestidade a um setor econmico comumente observado por sua superficialidade.

    O problema conhecido. Autores brasileiros o tm localiza-do (Sampaio 2003: 27; Gomes 2003: 102-104) sem, contudo, de-senvolver uma investigao mais profunda de suas origens. Neste ensaio, empreendemos uma anlise dos termos inicialmente no nvel lxico para, em seguida, lanar luz aos significados poss-veis da noo de publicidade pois, ao que tudo indica, ligam-se ao surgimento da chamada esfera pblica e da prpria noo moderna de pblico.

    Senso comum, academia e ambiente jurdico

    No nvel do senso comum, percebe-se rapidamente que, para a lngua portuguesa, os termos publicidade e propaganda no oferecem preciso conceitual. Para o dicionrio Aurlio (s/d: 1146; 1156), propaganda quase sinnimo de publicidade, e o inverso tambm verdadeiro. Na lngua inglesa, dos pases de onde tem origem a maior parte das tcnicas de comunicao organizacional, as noes de publicidade e propaganda esto

  • 182 A R T I G O

    E S C O L A S U P E R I O R D E P R O P A G A N D A E M A R K E T I N G

    A PUBLICITY E A PUBLICIDADE 183A R T I G O

    C O M U N I C A O, M D I A E C O N S U M O S O P A U L O V O L. 3 N. 6 P. 1 7 9 - 2 0 0 M A R. 2 0 0 6

    CASSIANO FERREIRA SIMES

    abrigadas em trs termos diferentes. Com as expresses advertise, publicity e propaganda, os povos anglo-saxes so capazes de de-finir com preciso uma gama de significados maior do que nas lnguas latinas em geral. Segundo o dicionrio Michaelis, um dos mais usados no Brasil, a palavra advertise est ligada a uma proposta comercial, de compra e venda de produtos, enquanto propaganda refere-se a uma promoo pessoal e publicity est relacionada ao que ou no pblico (Michaelis Moderno di-cionrio da lngua portuguesa edio digital)2.

    Kotler & Armstrong (1993: 320), em Princpios de marketing, vo afirmar o seguinte:

    Propaganda Qualquer forma paga de apresentao e promoo no pessoal de idias, bens ou servios efetuada por um patroci-nador identificado.Publicidade Atividade para promover uma empresa, ou seus produtos, pela insero de notcias gratuitas na mdia.

    Com eles concordam Keegan & Green (2000: 403), Chur-chill & Peter (2000: 452-454), Dias (2003: 273-274), McCarthy (1982: 300), Kotler (1980: 398) e a maioria dos autores que se-guem a chamada business school norte-americana, com exceo digna de crdito: uma das mais importantes publicaes da rea, denominada Estratgia competitiva, tcnicas para anlise de indstria e da concorrncia (Porter 1986), traduz o termo adver-tising como publicidade.

    No Brasil (bem como em quase todo o mundo), as refern-cias aos termos da business school so baseadas nas definies da American Marketing Association (AMA). No Dictionary of mar-keting terms3, em seu stio na internet, encontram-se disponveis os seguintes termos:

    Advertising The placement of announcements and persuasive

    messages in time or space purchased in any of the mass media

    by business firms, nonprofit organizations, government agencies, and individuals who seek to inform and/ or persuade members

    2 Disponvel em: .3 Disponvel em: . Acesso em: 25/9/2004.

    of a particular target market or audience about their products,

    services, organizations, or ideas. Propaganda The ideas, information, or other material com-monly disseminated through the media in an effort to win people over to a given doctrine or point of view. Publicity The non-paid-for communication of information about the company or product, generally in some media form.

    A AMA no deixa dvidas do que vem a ser advertising, propa-ganda ou publicity. A questo deveria ser descobrir por que, em alguns casos, a traduo desses termos para a lngua portuguesa comeou pela palavra publicidade, que aparentemente recebeu o significado do termo publicity, e no pelo vocbulo propagan-da. Se a traduo comeasse pelo termo propaganda, os sentidos na lngua inglesa dedicados tanto a publicity como a advertising acabariam por ser ancorados na palavra publicidade. Mas se, ao contrrio, a traduo comea por qualquer motivo pelo termo publicidade, o vocbulo advertising passa a ser, por falta de um terceiro termo na lngua portuguesa, traduzido como propagan-da. Isso traz um grave problema: pela forma como os vocbulos so tratados pela business school, a propaganda poltica no se enquadra em qualquer definio.

    No Dicionrio de comunicao, importante publicao bra-sileira da rea, Carlos Alberto Rabaa e Gustavo Barbosa (2001: 598) afirmam que

    No Brasil e em alguns pases de lngua latina as palavras propa-ganda e publicidade so geralmente usadas com o mesmo senti-do, e esta tendncia parece ser definitiva. As origens e trajetrias das palavras podem ser bastante esclarecedoras.

    No ambiente jurdico os termos no so tratados de forma indiferenciada. Cabral (2003) observa a publicidade em toda a sua dimenso e afirma que possvel, dentro de uma aborda-gem jurdica, enfrentar o tema de duas formas: como princpio jurdico (muito semelhante noo de publicity) e como objeto jurdico (advertising). E explica:

  • 184 A R T I G O

    E S C O L A S U P E R I O R D E P R O P A G A N D A E M A R K E T I N G

    A PUBLICITY E A PUBLICIDADE 185A R T I G O

    C O M U N I C A O, M D I A E C O N S U M O S O P A U L O V O L. 3 N. 6 P. 1 7 9 - 2 0 0 M A R. 2 0 0 6

    CASSIANO FERREIRA SIMES

    Na primeira hiptese como norma balizadora do direito, como podemos enxergar no Direito Administrativo (princpio da publi-cidade dos atos administrativos) ou no Direito Processual (princ-pio da publicidade dos atos processuais). Por sua vez, na segunda hiptese, a publicidade abandona a essncia normativa, para ser por ela regida. Deixa de ser norma, passa a ser objeto da norma, foco de regulao, interesse a ser tutelado (p. 129). [...] Pode-mos conceituar publicidade como a forma de comunicao que visa difundir produto ou servio de um fornecedor, ou mesmo o prprio fornecedor atravs da disponibilizao de mensagem ao pblico consumidor. O intuito da publicidade est sempre atrelado ao fomento circulao de bens vinculados atividade econmica do fornecedor (p. 132).

    O Cdigo de Defesa do Consumidor, referncia legal para o as-sunto no que se refere s relaes com a face do consumo, no traz uma definio do termo publicidade. Porm, em todas as suas clu-sulas, a publicidade considerada em seus diversos aspectos, sendo citada 18 vezes; e nem uma nica vez a palavra propaganda.

    Lucchesi (2004) afirma que

    na raiz da publicidade, localiza-se o fundamento com o qual se d o fomento dos negcios e das mercadorias; na propaganda, en-contra-se o princpio da disseminao de conceitos ideologizados com que governos tentam firmar sua imagem.

    Malanga (1976: 11-12), um dos principais autores brasileiros da rea da publicidade, diz que

    Propaganda o conjunto de tcnicas de ao individual utilizadas no sentido de promover a adeso a um dado sistema ideolgico (poltico, social ou econmico). [...] a publicidade tem um fim essencialmente lucrativo e paga pelo produto. A propaganda paga pelo Estado, pelos organismos oficiais ou particulares, mas gratuita para o indivduo.

    Tambm para Santanna (1989: 75), a propaganda compreen-de a idia de implantar, de incutir uma idia, uma crena na mente alheia, e a publicidade se traduz como um meio de tornar conhecido um produto, um servio ou uma firma.

    A freqente indistino dos termos tambm tem outros moti-vos. So comuns os casos em que ficam empalidecidos os limites destes campos. Por exemplo, a propaganda de Estado em uma campanha como pea a nota fiscal e ganhe prmios contm elementos ao mesmo tempo de propaganda e de publicidade. O mesmo ocorre em campanha realizada por uma certa associa-o dos produtores de leite (de um lugar qualquer) com o tema beba mais leite, que, muito embora proponha o aumento do consumo, opera no nvel motivacional, prximo dos princpios pedaggicos, com a oferta de uma vida saudvel, de mudana de postura, de mentalidade.

    Mas o problema a um s tempo terminolgico e concei-tual, devido tnue linha demarcatria que organiza as defi-nies. Uma lngua como a portuguesa, que utiliza somente dois termos para designar trs, sempre estar muito mais su-jeita a tais embaraos. Muito se pode pensar sobre as diferen-as conceituais entre a publicidade habermasiana, aquela que torna pblicos os atos polticos, e a propaganda poltica. Outra freqente fonte de desacertos so os limites existentes entre a mesma publicidade habermasiana e a publicidade comercial. Isso tudo sem contar as milhares interfaces existentes entre as reas de relaes pblicas e jornalismo com a publicidade ha-bermasiana, a publicidade comercial e a propaganda.

    Os termos em Portugal

    possvel tambm o analista se perguntar se a questo termi-nolgica localiza-se particularmente no Brasil ou em toda a lngua portuguesa. Para tanto, vlido verificar como esses termos so tratados em Portugal. Segundo a professora doutora Rosa Ldia Coimbra4 (2004), qualquer portugus lhe diria que propaganda poltica e publicidade comercial. Este o uso que normalmente fazemos destas palavras e, por isso, no as consideramos sinni-mos5. O Dicionrio da Academia das Cincias de Lisboa (2001) diz que propaganda a ao de difundir ou divulgar uma idia

    4 Agradecemos professora Rosa Ldia Coimbra

    pelas informaes coletadas em

    Portugal.5 E-mail da professora

    doutora Rosa Ldia Coimbra,

    denominado , endereado

    ao autor desta dissertao.

    Envio datado de 13/7/2004, s 7h56.

  • 186 A R T I G O

    E S C O L A S U P E R I O R D E P R O P A G A N D A E M A R K E T I N G

    A PUBLICITY E A PUBLICIDADE 187A R T I G O

    C O M U N I C A O, M D I A E C O N S U M O S O P A U L O V O L. 3 N. 6 P. 1 7 9 - 2 0 0 M A R. 2 0 0 6

    CASSIANO FERREIRA SIMES

    ou doutrina, e que publicidade a qualidade ou estado do que pblico, apontando para fins essencialmente comerciais.

    Em Portugal se v que o uso mais sancionado dos termos liga a publicidade aos produtos e a propaganda s ideias, embora se possa admitir que a palavra propaganda tambm seja usada num sentido mais vago e inclua a publicidade. L, segundo a mesma professora, o que parece no existir a palavra publicidade apli-cada s idias (Coimbra: ibidem).

    Lampreia (1996: 43) diz que a publicidade pode ser defini-da como a tcnica que tem por objectivo dar a conhecer um produto ou um servio, estimulando o interesse por ele, com o fim de o vender (Idem, ibidem). Propaganda a tcnica de comunicao que visa promover a adeso do indivduo a um dado sistema ideolgico, de carcter poltico, religioso, social ou econmico (Ibidem: 66). Relaes pblicas podem ser defini-das como o conjunto de actividades destinadas a estabelecer e manter um clima favorvel entre uma entidade, pblica ou privada, e os seus diferentes pblicos (Ibidem: 85).

    Pereira (1996: 13) afirma que

    a abundncia da oferta, em relao desigual com as necessidades reais do pblico (em geral), faz com que a publicidade tenha em si tanto de informao como de sugesto e persuaso. A verdadei-ra funo dela ser, ento, aumentar a procura de bens e servios, considerando-os como consumo de primeira necessidade.

    Alexandra Pinto (1997: 12) fala em discurso comercialmen-te comprometido. Joannis (1998: 10) afirma que o postulado de base que no se faz publicidade por prazer, para realizar uma obra, para agradar aos amigos ou para se exprimir, mas para transmitir algo que conduzir compra de um produto.

    Publicidade e propaganda nas diversas lnguas

    Uma pesquisa feita no dicionrio HarperCollins6, conside-rado uma importante publicao multilngue, mostra que, no

    6 HarperCollins Publishers. The Collins French Dictionary Plus. HarperCollins Publishers, 2000. Disponvel em: . Acesso em: 10/7/2004.

    gabarito usado nas diversas lnguas mais faladas do Ocidente, a palavra propaganda traduzida com o sentido de propagao de idias, mais fortemente polticas, muito embora no demonstre, na maior parte dos casos, uma fora proibitiva no seu uso como publicidade comercial. Da mesma forma, a palavra publicidade traduzida, na maioria absoluta das vezes, como advertising (di-vulgao comercial, direcionada s vendas) ou publicity (publi-cao de notcias de interesse pblico).

    Abaixo encontra-se o resumo dessas relaes entre os trs conceitos nas lnguas francesa, espanhola, alem e italiana tra-duzidas para o ingls.

    Tabela 1. Os trs termos traduzidos.

    Do ingls para o francs Do francs para o ingls

    advertising publicit publicit advertising / publicity publicity publicit propagande sem traduopropaganda propagande

    Do ingls para o alemo Do alemo para o ingls

    advertising werbung / reklame propaganda propaganda / publicity

    publicity publicity / advertisements

    werbung advertising / publicity

    propaganda propaganda

    Do ingls para o espanhol Do espanhol para o ingls

    advertising publicidad propaganda propaganda / advertising

    publicity publicidad publicidad publicidad / advertising

    propaganda propaganda

    Do ingls para o italiano Do italiano para o ingls

    advertising pubblicit pubblicit publicity publicity pubblicit pubblicit sem traduopropaganda propaganda propaganda propaganda

  • 188 A R T I G O

    E S C O L A S U P E R I O R D E P R O P A G A N D A E M A R K E T I N G

    A PUBLICITY E A PUBLICIDADE 189A R T I G O

    C O M U N I C A O, M D I A E C O N S U M O S O P A U L O V O L. 3 N. 6 P. 1 7 9 - 2 0 0 M A R. 2 0 0 6

    CASSIANO FERREIRA SIMES

    2 Publicidade e publicity

    A palavra publicidade, como fcil de constatar, tem mais de um significado. O presente ensaio reconhece fundamentalmen-te dois: o primeiro, fundante da prpria noo de pblico, est relacionado sua origem na esfera pblica moderna, como celebrizada por Habermas (1984) em Mudana estrutural da es-fera pblica. Neste sentido, analisa a formao da esfera pblica histrica burguesa e de suas formas de tornar pblicos os assun-tos de seus interesses (publicity). O segundo, desdobramento do primeiro, diz respeito ao ento nascente sistema social de rela-es de troca, comumente chamado de mercado, pressupondo um novo contrato: entre uma nova classe de privados, composta pelos produtores burgueses a partir do sculo XVIII, e uma nova classe de consumidores dos produtos a partir de ento disponibi-lizados (advertising).

    Nosso intento final , pela anlise do texto seminal do filso-fo alemo, demonstrar como tanto o mercado como a chamada publicidade comercial so produtos da modernidade, precipita-dos pela separao do ambiente social moderno em esfera p-blica e esfera privada e, assim, fundantes das duas noes de publicidade: publicity e advertising.

    Da Idade Mdia esfera pblica

    A noo de pblico determinante para a compreenso do termo publicidade. Ao final do sculo XVIII, o termo ingls publicity emprestado do francs publicit (Habermas 1984: 41). Desde ento, o que submetido ao julgamento do pblico ganha publicidade.

    A esfera pblica burguesa, locus de origem da publicidade, foi parte da movimentao que se deu a partir da alta Idade Mdia, que alguns autores localizam no sculo XIII, em que os transportes e o desenvolvimento de uma classe de negociantes

    do comrcio comeam a criar condies para sua ampliao em direo a terras afastadas do centro ocidental europeu. Os mer-cadores fazem fortuna explorando e vendendo seus artigos para locais distantes, o que possibilitou, pela primeira vez na histria da humanidade, acumulao de capital nas mos de uma classe de privados, fato que vai caracterizar, alguns sculos depois, o que se convencionou chamar de modernidade.

    Mas o termo teria sido usado pela primeira vez por volta do sculo XVI para designar uma estreante configurao social car-regada de valores revolucionrios, como liberdade, autonomia e autoridade. Para Habermas, prtica do segredo de Estado ser mais tarde contraposto o princpio da publicidade. Ele combina as idias de pblico em contraste com secreto e privado, afirman-do que a esfera pblica burguesa desenvolveu-se contra a pol-tica do segredo de Estado praticada pela autoridade principesca no contexto do raciocnio pblico das pessoas privadas (Ibidem: 71). Em oposio ao segredo do Estado monrquico absolutista, surge a publicidade do ascendente estado liberal burgus.

    As transformaes daquele momento esto relacionadas com o surgimento da acumulao capitalista e com o germe das li-berdades individuais, processo iniciado ao fim da Idade Mdia e consolidado ilustrativamente na Revoluo Francesa, sob o slogan liberdade, igualdade e fraternidade. Assim, no um exagero afirmar que o Estado moderno se forma pelo ajuste das novas necessidades liberais de um pblico burgus.

    certo que s a partir da que se constitui o que, desde ento, chamado de nao o Estado moderno com suas instituies burocrticas e uma crescente necessidade de dinheiro, o que, por sua vez, retroage rapidamente sobre a poltica mercantilista. Nem contratos privados entre prncipe e financista, nem emprs-timos pblicos bastam para cobri-la; s um eficiente sistema de impostos que atende demanda de capital. O Estado moderno essencialmente um Estado de impostos, a administrao finan-ceira o cerne de sua administrao (Ibidem: 31).

  • 190 A R T I G O

    E S C O L A S U P E R I O R D E P R O P A G A N D A E M A R K E T I N G

    A PUBLICITY E A PUBLICIDADE 191A R T I G O

    C O M U N I C A O, M D I A E C O N S U M O S O P A U L O V O L. 3 N. 6 P. 1 7 9 - 2 0 0 M A R. 2 0 0 6

    CASSIANO FERREIRA SIMES

    O fenmeno aponta para uma efetiva imbricao do Estado

    moderno com o sistema capitalista e, em conseqncia, com

    as atividades comerciais inicialmente, a partir do sculo XIII

    e industriais posteriormente, a partir da chamada Revoluo

    Industrial dos sculos XVIII e XIX. Trata-se, portanto, de uma

    ao social formadora de todo o porvir da humanidade, defini-

    tivamente implicada com o modo de vida capitalista ocidental.

    Assim, o Estado moderno se d com base nas novas caracters-

    ticas que se apresentam, comprometido com as formas de vida

    reguladas pelo mercado e pautadas pelo que, mais tarde, vir a

    se transformar nas liberdades individuais.

    Separao Pblico X Privado

    Habermas vai afirmar que s na passagem do feudalismo para a idade moderna que, num sentido especificamente moderno, separam-se

    esfera pblica e esfera privada (Ibidem: 24).

    Esfera pblica/ estatal

    Estado-Igreja

    Classe privada/ excluda

    Burgueses-vassalos

    Figura 1. Separao pblico X privado.

    A noo de pblico, reconhecida como a base do conceito de esfera pblica, a introduzida para designar algo em insur-gncia, pouco visvel mas virtualmente potente. O autor no de-senvolve o tema de maneira efetiva, mas fica claro em Mudana estrutural da esfera pblica que a condio de pblico surge para substituir as posies sociais cabveis at ento, como vassalo ou sdito, que pressupem uma situao de submisso ao poder

    central monrquico. Essa insurgncia indica o deslocamento de parcela de poder poltico para o novo agente: o burgus. A atua-o das pessoas privadas reunidas em carter de esfera pblica assim descrita por Habermas (1984: 42):

    [...] a esfera; elas reivindicam esta esfera pblica regulamentada pela autoridade, mas diretamente contra a prpria autoridade, a fim de discutir com ela as leis gerais da troca na esfera fun-damentalmente privada, mas publicamente relevante, as leis de intercmbio de mercadorias e do trabalho social.

    Esse deslocamento importante porque vai inaugurar uma nova relao de foras. No momento em que surge a noo de pblico, acham-se presentes somente noes que reforam tan-to a autoridade como a submisso, em um modelo de Estado no qual, no extremo da vassalagem, encontra-se a dimenso do nti-mo, da intimidade do lar. A propriedade no se apresenta, ainda, como algo que tivesse valor, seno institucional, para os poderes real ou clerical. A palavra privado designa, portanto, uma forma de excluso do aparelho do Estado, pois pblico refere-se ao Es-tado absolutista e que se objetiva perante a pessoa do soberano. A dimenso do trabalho no est presente, uma vez que, ento, est em formao a esfera privada que tangencia a esfera ntima e a luta pela sobrevivncia.

    A primitiva acumulao de capital o ponto-chave desta an-lise. A esfera da sociedade burguesa vai se contrapor ao Estado como genuno setor da autonomia privada e exigir a repartio do poder poltico; uma nova relao de foras vai surgir para se estabelecerem as razes do capitalismo. Mas a nova fora do ca-pital que busca espao poltico vai demorar a se institucionalizar na estrutura do Estado. A bem da verdade, s o far no momento em que a tenso decorrente da transformao abrandada pelas conquistas burguesas inaugurando o Estado-nao, conforme se percebe nos dias de hoje. Ento, este movimento vai transformar a polaridade:

  • 192 A R T I G O

    E S C O L A S U P E R I O R D E P R O P A G A N D A E M A R K E T I N G

    A PUBLICITY E A PUBLICIDADE 193A R T I G O

    C O M U N I C A O, M D I A E C O N S U M O S O P A U L O V O L. 3 N. 6 P. 1 7 9 - 2 0 0 M A R. 2 0 0 6

    CASSIANO FERREIRA SIMES

    Esfera pblica, mercado e publicidade

    A esfera pblica, como atitude democrtica que se forma, significa demanda da classe burguesa por espao na conduo das aes do Estado e, na medida em que o consegue, inaugura uma condio em que a esfera privada participa da gesto da sua prpria vida em comunidade, que vai se dar com base no desen-volvimento de valores de liberdade (ausncia de submisso pelo nascimento) e igualdade (ao rei e aos pares), elaborados pela argu-mentao no dia-a-dia burgus, pelo desenvolvimento intelectual (notadamente nos chamados iluministas) e pela imprensa nascen-te, importante fonte de promoo de idias liberais/modernistas.

    Se, por um lado, a dimenso estatal inaugura uma nova di-menso privada, por outro, essa dimenso privada vai tambm se caracterizar como pblica, na medida em que passa a deci-

    Estado absolutista X

    Classe privada (excluda)

    Esfera pblica (Estado democrtico)

    X Esfera privada

    (poder econmico)

    ESFERA ESTATALEstado + Igreja

    EstadoMercado/sociedade

    civilDiviso Intimidade Incluso

    CLASSE EXCLUDABurgueses + vassalos

    Figura 2. Surgimento do mercado na sociedade moderna.

    Tabela 2. As transformaes socioeconmicas.

    dir efetivamente sobre as coisas pblicas. Entre os sculos XV e XVIII, essa esfera pblica veio a se configurar como espao de discusso margem do poder institudo, praticado nos cafs, nos sales, na imprensa nascente e onde quer que pudesse haver espao para um debate.

    A esfera pblica burguesa, como instncia deliberativa de um povo, pode ocorrer margem do poder institudo (no caso de um grupo de revolucionrios, como os burgueses anteriores ao sculo XVII) ou inserida nesse poder (no caso das cmaras legis-lativas atuais) (Simes 2004). Surge como um espao de luta e transforma-se, posteriormente, em um lugar de governo, capita-neado pela burguesia, eminente detentora de poder econmico. Desta forma, uma verdadeira disseminao dessas prticas mo-dernistas percorreu a Europa, conquistando espao institucional e se transformando, aos poucos, nas casas legislativas dos diversos pases e criando os modernos Estados democrticos.

    Obviamente, o fato de uma esfera pblica ter sido tomada por burgueses ainda no caracteriza a publicidade. O que a ca-racteriza a necessidade eminente desses grupos de burgueses de levar ao debate pblico os temas de seus interesses em sua aventura moderna.

    Segundo Habermas, sua dinmica de funcionamento se d por novas regras de convivncia colocadas em prtica entre poder e povo. Se antes o poder era representado pelo Estado absolutista e o povo pela vassalagem, comea a se desenvolver uma esfera pblica, na qual o poder, exercido pelos burgueses, presta contas de seus atos aos seus concernidos ou seja, ao pblico, que at me-ados do sculo XIX consistia somente dos burgueses e no qual aos poucos vai sendo introduzido o pblico em geral (os indivduos)7.

    A separao do ambiente social em esfera pblica e esfera pri-vada vai fazer com que o ambiente pblico da decorrente passe a ter regras de relacionamento. O carter pblico dos debates, tanto quanto a publicao de seus temas em esfera pblica, vai se cha-

    7 O autor alemo faz ainda uma

    interessante anlise deste momento em

    que a totalidade dos indivduos se

    insere no pblico, afirmando que,

    prximo chegada do sculo XX, o

    pblico se transforma em massa.

  • 194 A R T I G O

    E S C O L A S U P E R I O R D E P R O P A G A N D A E M A R K E T I N G

    A PUBLICITY E A PUBLICIDADE 195A R T I G O

    C O M U N I C A O, M D I A E C O N S U M O S O P A U L O V O L. 3 N. 6 P. 1 7 9 - 2 0 0 M A R. 2 0 0 6

    CASSIANO FERREIRA SIMES

    mar publicidade o empreendimento de publicar uma ao/deli-berao caracterstica de esfera pblica. por meio desta publici-dade que ser possvel identificar a natureza da opinio pblica. Esta ser caracterizada de acordo com as aes pblicas promo-vidas por privados em esfera pblica levadas ao conhecimento (tornadas pblicas, portanto) por meio do que aqui vai se chamar publicidade. Sobre o tema, Habermas (Ibidem: 14) diz que:

    De uma funo da opinio pblica tornou-se tambm um atribu-to de quem desperta a opinio pblica; public relations [relaes pblicas], nome com que recentemente foram batizados os re-lacionamentos com o pblico e que tm por objetivo produzir tal publicity.

    ConcernidosPblico

    Esfera pblicaArgumentao, racionalidade

    e discursividade

    OPINIO PBLICA

    PUBLICIDADE

    Figura 3. O sistema da publicidade.

    Chegamos, assim, a um ponto de convergncia em que: 1) as relaes comerciais so promovidas por burgueses desde a Idade Mdia os mesmos que insurgem em esfera pblica e conquis-tam poder poltico de reis e Igreja; 2) a esfera ntima se torna uma parte da vida do homem moderno espremida por uma nova atua-o privada (comrcio) e pblica (esfera pblica burguesa); e 3) a

    esfera ntima o espao da pessoalidade, da amizade e da famlia. Em esfera privada, surge o chamado mercado para organizar as relaes comerciais, agora impessoais, uma vez que a esfera das relaes pessoais se encontra no extremo da intimidade. Ento, quando as relaes comerciais em mercado livre so impessoais, elas tm de necessariamente ser pblicas, caractersticas do que no secreto ou que no se encontra na esfera ntima.

    Est em jogo um tipo de contrato entre os novos privados e uma nova categoria social, posteriormente denominada consu-midor; fora do mbito do poder poltico mas por este autorizado e, mesmo, regulamentado. Trata-se de uma relao impessoal em vias de se constituir. Guarda a dupla personalidade de ser uma relao contratual privada em sua natureza, mas pblica em sua essncia.

    Pblica porque impessoal. Ningum pode fazer a qualquer custo o que quer. Ningum pode se envolver em relaes impes-soais sem respeitar os provveis limites do outro. Conseqente-mente, a impessoalidade do contrato gera seu carter pblico, na medida em que estabelece uma relao entre privados que no se conhecem, que no participam de uma mesma esfera ntima. A impessoalidade faz com que uma relao deste tipo precise ser feita luz da sociedade e regulamentada pelo poder pblico. O mestre germnico analisa este contrato da seguinte forma:

    Em que medida esse processo j ocorre na fase mercantilista mostra-o a histria do Direito Privado da nova era. A concepo de negcio jurdico como um contrato base da livre declarao de vontades copiado do processo de troca entre donos de mer-cadorias na livre-concorrncia. Ao mesmo tempo, um sistema de Direito Privado que, por princpio, reduz as relaes das pessoas privadas entre si a contratos privados, pressupe como modelares as relaes de troca que se estabelecem segundo leis do mercado livre de trocas. certo que os contratantes nem sempre esto em uma relao de parceiros de troca; mas sendo esta a relao cen-tral para a sociedade burguesa, acaba sendo, em suma, o modelo para as relaes contratuais (Ibidem: 94).

  • 196 A R T I G O

    E S C O L A S U P E R I O R D E P R O P A G A N D A E M A R K E T I N G

    A PUBLICITY E A PUBLICIDADE 197A R T I G O

    C O M U N I C A O, M D I A E C O N S U M O S O P A U L O V O L. 3 N. 6 P. 1 7 9 - 2 0 0 M A R. 2 0 0 6

    CASSIANO FERREIRA SIMES

    Voltemos Figura 2: do ponto de vista da esfera pblica,

    pblico tudo o que est do lado de dentro, ou seja, o Estado

    e o mercado. Do mesmo ponto de vista, privado o mercado

    porque no-estatal. Porm, do ponto de vista da esfera privada,

    tem carter pblico o Estado, mas, neste sentido, logicamente, a

    esfera privada tambm pblica para o olhar da esfera ntima. E

    se pblico, h que se ter regras de convivncia.

    Se uma relao pessoal (ocorre no interior da esfera ntima),

    estar em jogo um conjunto de regras estabelecidas na histria

    comum dos implicados. Algumas destas relaes compreensivel-

    mente no estaro dentro do ambiente pblico. Assim, as rela-

    es de mercado so pblicas porque no esto dentro da esfera

    do ambiente ntimo. Uma relao pessoal guarda elementos de

    esfera ntima. O que est fora da esfera ntima deve estar den-

    tro do ambiente pblico (no necessariamente na esfera estatal),

    mesmo que estabelecido sob condies de esfera privada. Essa

    uma grande contradio apontada por Habermas: o que era p-

    blico se torna estatal e o que era privado agora passa a ser pblico,

    fazendo-se posicionar essa esfera privada em ambiente ntimo.

    Na esfera ntima, as relaes no so padronizadas. Pais e fi-

    lhos se relacionam de forma diferente de acordo com as caracte-

    rsticas familiares. Da mesma maneira, as relaes de amizade e

    de amor marital so relaes que, em perodos de normalidade,

    no esto sob a superviso de um Estado ou de interesses coleti-

    vos. Mas isso diferente do comrcio, que, sendo impessoal, ne-

    cessita de regras de convivncia, padres ticos compartilhados

    por vendedores e compradores, para que haja continuidade. Es-

    sas regras podem estar escritas institucionalmente pelos diversos

    Estados ou podem estar cristalizadas na cultura. Porm, diferen-

    temente da esfera ntima, no so regras que variam de acordo

    com caractersticas pontuais. Ao contrrio, so regras comparti-

    das com razovel grau de constncia. E, por isso, so pblicas,

    tanto quanto as leis do Estado, sobre as quais se pode afirmar:

    ambas no permitem excees ao cidado nem pessoa priva-da. Elas so objetivas, ou seja, no podem ser manipuladas por indivduos (o preo escapa influncia de cada proprietrio in-dividual de mercadorias); elas no so endereadas a determina-dos indivduos (o mercado livre probe convenes particulares) (Ibidem: 100).

    Essas regras comerciais precisam ser publicadas, mesmo que nem sempre encaminhadas pelo Estado. As particularidades des-sas transaes precisam ser claras para ambos os lados: as caracte-rsticas da mercadoria, seu preo, sua forma de pagamento, sua distribuio fsica so informaes que precisam ser comunicadas e que, invariavelmente, apontam para a ordem da economia. Essa forma de tornar pblicas particularidades das transaes comer-ciais recebeu inicialmente, na maior parte do mundo, o nome de reclame, dadas as suas caractersticas informacionais.

    Os reclames privados voltam-se toda vez para outras pessoas pri-vadas medida em que entram em considerao como consu-midores [...]. A manipulao dos consumidores empresta as suas conotaes figura clssica de um pblico culto de pessoas pri-vadas e se aproveita de sua legitimao: as funes tradicionais da esfera pblica so integradas concorrncia de interesses priva-dos organizados (Ibidem: 227).

    Somente em tempos recentes, com a chegada do sculo XX, os espaos destinados aos anncios vo deixar de ser vendidos por corretores, e os reclames vo adquirir as caractersticas atuais de publicidade (advertising), devido a um fenmeno econmico de inverso em que a oferta dos produtos de indstria passa a ser maior do que a sua demanda.

    3A ttulo de concluso

    Publicidade e propaganda so termos que passaram, nos l-timos anos, a abrigar uma enorme gama de significados ligados

  • 198 A R T I G O

    E S C O L A S U P E R I O R D E P R O P A G A N D A E M A R K E T I N G

    A PUBLICITY E A PUBLICIDADE 199A R T I G O

    C O M U N I C A O, M D I A E C O N S U M O S O P A U L O V O L. 3 N. 6 P. 1 7 9 - 2 0 0 M A R. 2 0 0 6

    CASSIANO FERREIRA SIMES

    comunicao social. No entanto, perceptvel uma sobreposi-o de significados na lngua portuguesa; aparentemente inevi-tvel, mas efetivamente passvel de ser compreendida do ponto de vista lingstico e histrico. Do ponto de vista lingstico, a lngua inglesa evidencia a presena das trs noes que precisam ser ajustadas s duas disponveis: publicity, advertising e propa-ganda, em que propaganda a propaganda (poltica), publicity a publicidade, que significa tornar algo pblico, e advertising a publicidade comercial, atividade de mercado levada a cabo pela chamada iniciativa privada, mas que tem em seus estatu-tos a compra e a venda, relaes impessoais que necessitam de mediao do Estado por serem levadas a efeito em pblico.

    Depreendemos que a desordem relacionada aos termos pu-blicidade e propaganda encontra-se estabelecida no Brasil e nas lnguas latinas, mas sua motivao vem da ausncia de um ter-ceiro termo, que este ensaio indica como sendo a publicidade comercial. Como se sabe, a atividade comunicacional orienta-da para a eficincia do marketing de produtos distribudos em grande escala tem sua origem nos pases anglo-saxes, onde a lngua inglesa rapidamente identificou uma palavra para deno-min-la. Os pases latinos somente incorporaram o modelo, fato que pode explicar o desinteresse pela concepo de um termo adequado ao novo fenmeno.

    Desta forma, tanto tornar pblico aes de esfera pblica como anunciar transaes comerciais so foras comprometi-das com o pblico e, portanto, so caractersticas da publicidade. Ambas so criaes burguesas comprometidas com o raciona-lismo e com a modernidade; diferentes da propaganda, que fez parte do complexo de prticas dos regimes totalitrios da primei-ra metade do sculo XX, exatamente contra os quais os regimes liberais de ento guerrearam.

    Com efeito, do ponto de vista histrico, a publicidade tem razes em publicity e, at o momento, no se tem apresentado argumento razovel que justifique a palavra propaganda como a

    herdeira direta do sentido de advertising da lngua inglesa. Mui-to embora se possa admitir o fato nas raias do inevitvel.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    AMERICAN MARKETING ASSOCIATION (AMA). Dictionary of Mar-keting Terms. Disponvel em: . Acesso em: 25/9/2004.

    BARBOSA, Gustavo & RABAA, Carlos A. Dicionrio de comunicao. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2001.

    BRASIL. Cdigo de Defesa do Consumidor. Lei no 8.078, de 11 de setem-bro de 1990. Dirio Oficial [da Repblica Federativa do Brasil]. Braslia, 11/9/1990.

    CABRAL, Andr Luiz Cavalcanti. Aspectos jurdicos da publicidade, in Prim@facie, Joo Pessoa, ano 2, no 2, p. 129-144, jan./jun. 2003. Dispon-vel em: . Acesso em: 11/9/2004.

    CASTELEIRO, Malaca (coord.). Dicionrio da Academia das Cincias de Lis-boa. Lisboa: Academia das Cincias de Lisboa/Ministrio da Educao, 2001.

    CHURCHILL JR., Gilbert A. & PETER, J. Paul. Marketing, criando valor para os clientes. Traduo de Ceclia C. Bartalotti e Cid Knipel Moreira. So Paulo: Saraiva, 2000.

    COIMBRA, Rosa Ldia. . Re: Termos Publicidade e Propaganda. E-mail para SIMES, Cassiano F. . Mensagem recebida em 13/7/2004.

    DIAS, Srgio R. (coord.) Gesto de marketing. So Paulo: Saraiva, 2003.FERREIRA, Aurlio B. de H. Novo Dicionrio da Lngua Portuguesa. 1. ed.

    Rio de Janeiro: Nova Fronteira, s/d.GOMES, Neusa D. Publicidade: comunicao persuasiva. Porto Alegre: Sulina,

    2003.HABERMAS, Jrgen. Mudana estrutural da esfera pblica. Rio de Janeiro:

    Tempo Brasileiro, 1984.JOANNIS, Henri. O processo de criao publicitria. Traduo do original

    francs por Isabel Maria St.Aubyn. Lisboa: Edies CETOP, Mem Mar-tins, 1998.

    KEEGAN, Warren & GREEN, Mark C. Princpios de marketing global. Tradu-o de Snia Schwartz e Ceclia C. Bartalotti. So Paulo: Saraiva, 2000.

  • 200 A R T I G O

    E S C O L A S U P E R I O R D E P R O P A G A N D A E M A R K E T I N G

    A PUBLICITY E A PUBLICIDADE A R T I G O

    C O M U N I C A O, M D I A E C O N S U M O S O P A U L O V O L. 3 N. 6 P. 2 0 1 - 2 1 9 M A R. 2 0 0 6

    201

    KOTLER, Philip. Marketing, edio compacta. Traduo de H. de Barros. So Paulo: Atlas, 1980.

    KOTLER, Philip & ARMSTRONG, Gary. Princpios de marketing. Traduo de Alexandre S. Martins. Rio de Janeiro: Prentice-Hall, 1993.

    LAMPREIA, J. Martins. Tcnicas de comunicao. Publicidade, propaganda e relaes pblicas. Lisboa: Publicaes Europa-Amrica / Mem Martins, 1996.

    LUCCHESI, Ivo. A publicidade sem limites, in Observatrio da Imprensa, 6/4/2004. Disponvel em: . Acesso em: 13/8/2004.

    MALANGA, Eugnio. Publicidade: uma introduo. So Paulo: Atlas, 1976. McCARTHY, E. Jerome. Marketing. Traduo de Jos Ricardo Brando Aze-

    vedo. Rio de Janeiro: Campus, 1982.MICHAELIS Moderno dicionrio da lngua portuguesa UOL digital (in-

    gls-portugus-espanhol), s/d. Disponvel em: .

    PEREIRA, Alexandra M. O nu e a publicidade audiovisual. Lisboa: Editora Pergaminho, 1996.

    PINTO, Alexandra. Publicidade: um discurso de seduo. Porto: Porto Editora, 1997.

    PORTER, Michael. Estratgia competitiva, tcnicas para anlise de indstria e da concorrncia. Traduo de Elizabeth Maria de Pinho Barbosa. Rio de Janeiro: Campus, 1986.

    SAMPAIO, Rafael. Propaganda de A a Z. 3. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2003.

    SANTANNA, Armando. Propaganda: teoria, tcnica e prtica. So Paulo: Pio-neira, 1989.

    SIMES, Cassiano F. Esfera pblica poltica: em busca da naturalizao de um operador conceitual, in Dilogos Possveis (Revista da Faculdade So-cial da Bahia), ano 4, no 2. Salvador: FSBA, 2004.

    THE COLLINS CONCISE SPANISH DICTIONARY. HarperCollins Publi-shers, 2000. Disponvel em: . Acesso em: 10/7/2004.

    THE COLLINS FRENCH DICTIONARY PLUS. HarperCollins Publishers, 2000. Disponvel em: . Acesso em: 10/7/2004.

    THE COLLINS ITALIAN DICTIONARY. HarperCollins Publishers, 2000. Disponvel em: . Acesso em: 10/7/2004.

    THE COLLINS LARGE GERMAN DICTIONARY. HarperCollins Publi-shers, 2000. Disponvel em: . Acesso em: 10/7/2004.

    A dimenso miditica da cano: a produo de sentido no heavy metalJorge Luiz Cunha Cardoso Filho1

    RESUMOPartindo da hiptese de que as redes miditicas contemporneas acionam estratgias e dispositivos especficos para a produo de sentido, este artigo busca identificar, com base na anlise da chamada cano popular massiva e sua articulao com o gnero musical, os princpios que norteiam a construo dessas estratgias e dispositivos mediante o emprego de trs operado-res analticos. Uma cano vinculada ao gnero musical heavy metal serve de estudo de caso para a investigao.Palavras-chave: Heavy metal; gnero musical; cano; sociosse-mitica.

    ABSTRACTBased on the hypothesis that contemporary media networks set specific strategies and devices for the production of meaning, this article aims to identify, from the analysis of popular song and its relationship with musical genres, the principles that guide the construction of such strategies and devices by means of the utili-zation of three analytical operators. A song from the heavy metal musical genre serves as a case study for this inquiry.Keywords: Heavy metal; musical genre; song; social-semiotics.

    1 Jornalista. Bolsista do CNPq,

    mestrando em Comunicao

    e Cultura Contemporneas

    pela Universidade Federal da

    Bahia (UFBA). Desenvolve

    metodologia para anlise da cano e integrante do

    Grupo de Pesquisa Media & Msica Popular Massiva.