A questão indígena no brasil nação indígena e a convenção 169 da oit

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1 A QUESTÃO INDÍGENA NO BRASIL (NAÇÃO INDÍGENA) E A CONVENÇÃO 169 DA OIT Fernando Alcoforado* (Texto da palestra promovida pela AEPET- Associação dos Engenheiros da Petrobras realizada no dia 14/08/2014 no Fiesta Convention Center) Na época do descobrimento do Brasil existiam no território Brasileiro, mais de mil povos, sendo cinco milhões de indígenas. No Brasil, os povos indígenas têm uma população que soma atualmente 750 mil pessoas. Segundo dados oficiais, compreendem 225 povos distintos, que falam aproximadamente 180 línguas, vivendo em 611 terras indígenas, sendo que destas apenas 398 estão regularizadas. Cerca de 60% dos indígenas vivem nas regiões centro-oeste e norte do país, onde está concentrada a maior extensão das terras indígenas. Os outros 40% da população indígena estão confinados em diminutas terras indígenas, localizadas nas regiões mais populosas do nordeste, leste e sul do país. A existência de conflitos nos territórios indígenas é uma das características da realidade indígena no Brasil. A análise da situação existente revela uma relação inversamente proporcional entre demarcação de terras e violência (Ver o artigo Comunicação ao Comitê de Especialistas na Aplicação das Convenções e Recomendações da OIT sobre o cumprimento da Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais publicado no website <http://www.cimi.org.br/pub/publicacoes/1220640410_indio.pdf >). Após forte reivindicação do movimento indígena brasileiro, o governo criou por meio de Decreto, em 22 de março de 2006, a Comissão Nacional de Política Indigenista - CNPI, órgão consultivo, cuja presidência cabe à Fundação Nacional do Índio - FUNAI e é integrada por representantes do governo federal, de organizações indígenas brasileiras e outras entidades da sociedade civil. A CNPI foi criada com o intuito de auxiliar na articulação intersetorial do governo e proporcionar uma maior participação e controle social indígena sobre as ações governamentais. Todavia, a CNPI não pode ser considerada a instância de consulta e participação indígena, conforme previsão expressa no artigo 6º da Convenção 169. Observa-se que a CNPI é um órgão cuja composição não é paritária com órgãos de governo, o que lhe dá um caráter parcial, já que sua presidência é ocupada pelo titular do órgão oficial de política indigenista, órgão de governo que, segundo o entendimento indígena, paradoxalmente, é o maior violador de seus direitos. Vários empreendimentos governamentais atentam contra os interesses das populações indígenas no momento no Brasil, destacando-se, entre eles, os seguintes: A) Hidrelétrica de Belo Monte: O empreendimento afetará, do modo como está projetado, os seguintes povos indígenas: Povo Indígena Juruna da Terra Indígena Paquiçamba, os Assurini do Xingu, os Araweté, os Parakanã, os Kararaô, os Xikrin do Bacajá, os Arara, os Xipaia, os Kuruaia e os Kayapó. Entre os principais efeitos negativos, destaca-se o desequilíbrio ambiental e cultural destes povos, com forte dano à segurança alimentar e consequentemente à sua própria existência. B) Transposição do Rio São Francisco: Empreendimento de aproveitamento hídrico, com potencial impacto em toda a bacia do Rio São Francisco, onde vivem os povos:

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Para que o Brasil exerça sua soberania é imperiosa a decisão do governo federal de denunciar a Convenção 169 da OIT e a Declaração Universal dos Direitos das Nações Indígenas rejeitando sua aplicação em nosso País, ao tempo em que deve adotar medidas eficazes para assegurar a aplicação do artigo 231 sobre o direito dos povos indígenas. Para exercer sua soberania na Amazônia, o governo brasileiro deve promover o desenvolvimento da região com a significativa presença do Estado brasileiro, através das Forças Armadas e de outros agentes e órgãos públicos. Neste sentido, o governo brasileiro deve ocupar a região e explorar racionalmente sua riqueza, com tecnologia adequada à preservação do meio ambiente. O sucesso na defesa territorial da Amazônia exige o imprescindível apoio da população amazônica e brasileira em geral o que requer a adoção de uma política de desenvolvimento que contribua para a utilização racional dos recursos naturais existentes na Amazônia em benefício da população nela residente e do País.

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A QUESTÃO INDÍGENA NO BRASIL (NAÇÃO INDÍGENA) E A CONVENÇÃO 169 DA OIT

Fernando Alcoforado*

(Texto da palestra promovida pela AEPET- Associação dos Engenheiros da Petrobras realizada no dia 14/08/2014 no Fiesta Convention Center)

Na época do descobrimento do Brasil existiam no território Brasileiro, mais de mil povos, sendo cinco milhões de indígenas. No Brasil, os povos indígenas têm uma população que soma atualmente 750 mil pessoas. Segundo dados oficiais, compreendem 225 povos distintos, que falam aproximadamente 180 línguas, vivendo em 611 terras indígenas, sendo que destas apenas 398 estão regularizadas. Cerca de 60% dos indígenas vivem nas regiões centro-oeste e norte do país, onde está concentrada a maior extensão das terras indígenas. Os outros 40% da população indígena estão confinados em diminutas terras indígenas, localizadas nas regiões mais populosas do nordeste, leste e sul do país. A existência de conflitos nos territórios indígenas é uma das características da realidade indígena no Brasil. A análise da situação existente revela uma relação inversamente proporcional entre demarcação de terras e violência (Ver o artigo Comunicação ao Comitê de Especialistas na Aplicação das Convenções e Recomendações da OIT sobre o cumprimento da Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais publicado no website <http://www.cimi.org.br/pub/publicacoes/1220640410_indio.pdf>). Após forte reivindicação do movimento indígena brasileiro, o governo criou por meio de Decreto, em 22 de março de 2006, a Comissão Nacional de Política Indigenista - CNPI, órgão consultivo, cuja presidência cabe à Fundação Nacional do Índio - FUNAI e é integrada por representantes do governo federal, de organizações indígenas brasileiras e outras entidades da sociedade civil. A CNPI foi criada com o intuito de auxiliar na articulação intersetorial do governo e proporcionar uma maior participação e controle social indígena sobre as ações governamentais. Todavia, a CNPI não pode ser considerada a instância de consulta e participação indígena, conforme previsão expressa no artigo 6º da Convenção 169. Observa-se que a CNPI é um órgão cuja composição não é paritária com órgãos de governo, o que lhe dá um caráter parcial, já que sua presidência é ocupada pelo titular do órgão oficial de política indigenista, órgão de governo que, segundo o entendimento indígena, paradoxalmente, é o maior violador de seus direitos. Vários empreendimentos governamentais atentam contra os interesses das populações indígenas no momento no Brasil, destacando-se, entre eles, os seguintes: A) Hidrelétrica de Belo Monte: O empreendimento afetará, do modo como está projetado, os seguintes povos indígenas: Povo Indígena Juruna da Terra Indígena Paquiçamba, os Assurini do Xingu, os Araweté, os Parakanã, os Kararaô, os Xikrin do Bacajá, os Arara, os Xipaia, os Kuruaia e os Kayapó. Entre os principais efeitos negativos, destaca-se o desequilíbrio ambiental e cultural destes povos, com forte dano à segurança alimentar e consequentemente à sua própria existência. B) Transposição do Rio São Francisco: Empreendimento de aproveitamento hídrico, com potencial impacto em toda a bacia do Rio São Francisco, onde vivem os povos:

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Kaxago, Kariri-Xocó, Tingui-Botó, Akonã, Karapotó, Xocó, Katokin, Koiupanká, Karuazu, Kalankó,Pankararu, Fulni-ô, Xucuru-Kariri, Pankaiuká, Tuxá, Pipipã, Kambiwá, Kapinawá, Xukuru, Pankará, Tupan, Truká, Pankararé, Kantaruré, Atikum,Tumbalalá, Pankaru, Kiriri, Xacriabá, Kaxixó e Pataxó, em 38 territórios. A perspectiva é de que mais de 8.000 indígenas sejam diretamente afetados. Não houve nenhuma consulta pública com os povos indígenas a respeito da transposição das águas do Rio São Francisco. C) Terra Indígena Raposa Serra do Sol: A terra indígena Raposa Serra do Sol situa-se ao nordeste do estado de Roraima, fazendo fronteira com a Guiana e a Venezuela. Tem uma superfície de 1.747. 465 hectares, e é “formada ao sul, por extensas planícies de savanas, ou campos naturais, e ao norte, por serras recobertas de florestas”. É habitada por 19.078 (dezenove mil e setenta e oito) indígenas que vivem conforme sua organização social, usos, costumes e tradições em 194 comunidades dos povos Macuxi, Taurepang, Patamona, Ingaricó e Wapichana, que, através do Decreto Presidencial de 15 de abril de 2005, tiveram o reconhecimento formal de seus direitos originários e imprescritíveis a posse permanente, e usufruto exclusivo sobre os recursos naturais ali existentes, conforme reza a Constituição Federal de 1988. Tramita no Congresso Nacional o projeto de lei 2540/2006 que propõe autorização para a construção de hidrelétrica na Cachoeira de Tamanduá no rio Cotingo, interior da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em tramite na Câmara dos Deputados. Tal proposição legislativa nega e exclui o direito de consulta. Até o momento, nenhuma das comissões que compõe a Câmara dos Deputados e do Senado Federal ouviu os povos indígenas interessados. D) Terra Indígena dos Guarani-Kaiwoá: Povo Indígena que vive na região das fronteiras entre Brasil, Argentina e Paraguai em acampamentos à beira das estradas ou confinado em reservas, como a de Dourados, onde 12 mil indígenas vivem em cerca de 3,4 mil hectares . A situação desumana em que se encontra o povo Indígena Guarani-Kaiwoá, onde são implementadas políticas sem a mínima consulta aos povos indígenas, talvez seja um dos exemplos de violação mais flagrante do direito a consulta, já que todas as ações referentes ao seu território, aquelas referentes à superação das condições de fome e miséria em que vivem. E) Mineração em Terra do Povo Indígena Cinta Larga: Cerca de 1.400 indígenas Cinta Larga habitam um território de 2,7 milhões de hectares de parte dos estados de Rondônia e Mato Grosso. A história de contato entre os Cinta Larga com os não índios ocorreu no início do século XIX e de forma violenta que quase culminou com a dizimação desse povo. A violação e agressão contra esse povo continuam em pleno século XXI de forma ininterrupta por parte da população vizinha e por agentes dos diversos poderes instituídos em suas esferas federal, estadual e municipal e ainda por garimpeiros, pistoleiros e outros. Dentre os fatores que levam a essa situação encontram-se, de forma preponderante, o interesse por explorar as riquezas florestais, recursos hídricos e principalmente recursos minerais (diamantes) na Terra Indígena Cinta Larga. Atualmente, tramitam no Congresso Nacional projetos de lei e propostas de emenda constitucional que afetam diretamente os povos indígenas, e seus direitos humanos fundamentais, sem que estes tenham sido consultados. Na Câmara dos Deputados tramitam sete (7) Propostas de Emendas Constitucionais que visam alterar o disposto no

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art. 231 da Constituição Federal, que dispõe sobre os direitos territoriais e quarenta e dois (42) Projetos de Lei que visam dispor sobre vários temas de inegável interesse dos povos indígenas, como: mineração em terras indígenas; educação escolar indígena; demarcação das terras indígenas; meio ambiente e recursos naturais; cultura; normas penais; atenção à saúde; recursos genéticos, dentre outros assuntos. Entre as iniciativas legislativas referentes aos povos indígenas existe há 14 anos o Projeto de Lei denominado o Estatuto dos Povos Indígenas – EPI, que por iniciativa dos próprios povos indígenas, abrange uma regulamentação integral de todos os direitos diferenciados que o Estado brasileiro lhes reconhece. É da responsabilidade do governo brasileiro adotar medidas que garantam a proteção dos povos indígenas e respeite seus interesses fundamentais independentemente da existência da Convenção 169 da OIT que deveria ser retificada ou denunciada como inaceitável até 24 de julho próximo. O direito dos povos indígenas a seus territórios está consagrado no artigo 231 da Constituição Federal, que os define como terras ocupadas tradicionalmente pelos índios, às quais eles têm direitos originários. A Constituição de 1988 exigiu a demarcação de todas as terras indígenas no prazo de 05 anos. Passados 15 anos, a meta constitucional não foi cumprida. Das 611 terras indígenas oficialmente reconhecidas no Brasil, apenas 398 tem situação regularizada. A Constituição Federal estabelece que as terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas fazem parte do patrimônio da União, garantindo aos indígenas que as ocupam sua posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. Como a propriedade das terras indígenas é da União, sua demarcação, feita pela mesma, é resultado de um procedimento administrativo que tem por objetivo estabelecer os limites da ocupação tradicional. Por esta razão, o Estatuto do Índio de 1973, em seu artigo 25, expressa que “o reconhecimento do direito dos índios e grupos tribais à posse permanente das terras por eles habitadas, nos termos [...] da Constituição Federal, independerá de sua demarcação […]”. A Constituição também determina que estas terras de posse permanente dos índios são bens inalienáveis, indisponíveis e que os direitos sobre elas são imprescritíveis, cabendo à União demarcá-las, protegê-las e fazer respeitar todos os seus bens. Na prática, historicamente, os conflitos vivenciados pelos povos indígenas têm relação direta com a demarcação de suas terras. Nos últimos anos, estes conflitos têm aumentado em proporção significativa, como se observa no crescimento de 64% de 2006 para 2007 no número de indígenas assassinados no país, com a concentração dos crimes em Mato Grosso do Sul. Pelo exposto, apesar de a Constituição Federal consagrar no artigo 231 o direito dos povos indígenas a seus territórios, o governo federal não vem cumprindo com suas responsabilidades. Para proteger os povos indígenas, o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) não precisaria aprovar e assinar a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Bastaria cumprir o que estabelece o artigo 231 da Constituição. Só há duas explicações para o governo FHC ter aprovado a Convenção 169 da OIT: a primeira, diz respeito à falta de visão estratégica ou incompetência do governo pelo fato de não perceber as consequências nefastas de sua decisão para o futuro da nação e, a segunda, concerne à postura submissa do governo às grandes potências e ao capital internacional. O mais provável seria a submissão do governo FHC às grandes potências e ao capital internacional.

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Ao assinar a Convenção 169 da OIT, o governo FHC aprovou o texto que obriga o Brasil a admitir a cessão de sua soberania sobre áreas indígenas, o que significa abdicar do controle sobre cerca de 20% do país (incluindo as áreas indígenas ainda em processo de demarcação). Esta situação colocou em xeque a soberania do Brasil porque o governo brasileiro abriu a possibilidade da aplicação de sanções pela ONU contra o Brasil no caso de violação dos direitos dos povos indígenas residentes no País. Cabe observar que, dos 185 países-membros da OIT, 168 não assinaram a Convenção 169 por não admitirem qualquer restrição sobre suas soberanias. Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Nova Zelândia e Austrália, entre outros, não aceitaram a Convenção 169 da OIT. A Convenção169 da OIT foi assinada só por 17 países, entre eles o Brasil (Ver Convenção nº 169 da OIT sobre povos indígenas e tribais publicado no website <http://www.cpisp.org.br/htm/leis/instrum01.htm>).

A Convenção 169 já foi ratificada pelo Congresso Nacional e outorgada pelo governo Lula, tem força de lei federal e está em pleno vigor. Para piorar a situação, no segundo mandato do governo Lula, o Brasil aprovou na ONU a Declaração Universal dos Direitos das Nações Indígenas, que ratifica e amplia os termos da Convenção 169 da OIT, dando independência e autonomia total aos territórios indígenas, que teoricamente agora têm o direito de se transformarem em países independentes. A Declaração da ONU até hoje não foi enviada ao Congresso Nacional pelo governo federal. Ou seja, ainda não tem força de lei.

Cabe observar que o governo do Brasil teve prazo até 24 de julho deste ano para anular um dos maiores crimes de lesa pátria já cometidos em nosso país – a assinatura da Convenção 169 da OIT. Pelo disposto no artigo 39, o Brasil teria o direito de denunciar a Convenção ao final de um período de dez anos, contados da data de entrada em vigor, o que ocorreu em 25 de julho de 2003. Ou seja, o prazo terminaria no dia 25 de julho de 2013, mas há um período adicional de mais 12 meses para o País tomar a decisão final.

Muito provavelmente, razões humanitárias teriam contribuído para a institucionalização da Convenção 169 da OIT haja vista existir em várias partes do mundo populações indígenas vivendo em condições sub-humanas e ameaçadas de desaparecer. Este é o caso do Brasil em que se constata o inconcebível descaso do governo brasileiro em relação à chamada questão indígena. As diversas tribos indígenas existentes no Brasil estão abandonadas à própria sorte pelo governo, o que facilita a atuação das ONGs estrangeiras que, além de buscarem a preservação do meio ambiente, assediam as tribos, interessadas não somente nas imensas reservas minerais da Amazônia, mas também nas múltiplas riquezas de sua biodiversidade. Se é inconcebível o governo brasileiro não ter tratado da questão indígena brasileira com o mais elevado espírito de humanidade ao longo da história e, particularmente, durante os governos FHC, Lula e Dilma Roussef, é inadmissível que o Brasil abra mão de sua soberania se submetendo a imposições de uma Convenção da OIT e da Declaração Universal dos Direitos das Nações Indígenas, Ao assinar a Convenção 169 da OIT e a Declaração Universal dos Direitos das Nações Indígenas, o governo brasileiro abriu a possibilidade da aplicação de sanções pela ONU contra o Brasil no caso de violação dos direitos dos povos indígenas residentes no País. É importante observar que sob o pretexto de razões humanitárias a intervenção militar da ONU ou de qualquer dos membros do Conselho de Segurança pode ocorrer para se apossar das

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riquezas minerais e da biodiversidade existente na Amazônia no Brasil como já aconteceu no Iraque e na Líbia para se apossarem dos campos de petróleo. As riquezas existentes na Amazônia em termos dos gigantescos recursos hídricos, recursos minerais e recursos da biodiversidade e na área do pré-sal onde o Brasil explora petróleo no mar em águas profundas podem se constituir em fontes de conflitos entre o Brasil e as grandes potências no futuro. Isto se deve à cobiça desses recursos por parte das grandes potências mundiais diante da perspectiva de sua escassez até a metade do século XXI. As ameaças que pairam sobre a Amazônia e sobre a área de produção de petróleo no pré-sal se baseiam na perspectiva de que as guerras do Século XXI terão como fulcro a batalha por recursos naturais os quais tendem a se esgotar. O modelo de desenvolvimento da economia mundial está atingindo seus limites. Com a falta de recursos naturais necessários à sobrevivência e a ausência de governança mundial que assegure a convivência pacífica entre as nações, a humanidade tende a uma regressão à barbárie e ao comportamento cruel.

É importante ressaltar que as guerras de invasão deverão se multiplicar tendo por objetivo a conquista de recursos naturais no mundo. É preciso não esquecer que o conflito entre os países beligerantes no Oriente Médio e a agressão da Alemanha nazista à União Soviética durante a Segunda Guerra Mundial aconteceram tendo como fulcro a luta pelo controle das reservas de petróleo lá existentes. O que as potências ocidentais fizeram recentemente no Iraque, no Afeganistão e na Líbia para se apossarem do petróleo e dos recursos minerais lá existentes não foi muito diferente daquilo que, no passado, os espanhóis fizeram com os astecas, maias e incas em busca de ouro nas Américas no Século XVI. No Iraque e na Líbia, o objetivo foi claro: apropriar-se do petróleo. A invasão e ocupação do Afeganistão pelas potências ocidentais tinham também como objetivo, além da perseguição a Bin Laden, a conquista das imensas reservas minerais lá existentes. Os antes desconhecidos depósitos de ferro, cobre, cobalto, ouro e metais críticos para a indústria, como o lítio e nióbio, são tão grandes que o Afeganistão poderá, no futuro, transformar-se num dos mais importantes centros de mineração do planeta.

A água está se convertendo também em uma fonte geradora de guerras devido à competição internacional pelos recursos hídricos. A guerra entre israelenses e palestinos é, também, uma guerra pelas águas do rio Jordão que são usadas por Israel, Jordânia, Síria, Líbano e Cisjordânia. No continente americano, há o conflito entre Estados Unidos e México pela água do Rio Colorado que se intensificou em anos recentes. O rio Brahmaputra já causou grande tensão entre Índia e China e pode gerar conflito de grandes proporções entre dois dos maiores exércitos do mundo. O Egito, o Sudão e a Etiópia estão em conflito pelo uso do rio Nilo. A escassez de água no mundo já está fazendo com que navios-tanques roubem água da Amazônia para levar para o Exterior (Ver o artigo sob o título Navios-tanques estão roubando água da Amazônia para levar para o Exterior publicado no site <http://www.animaisos.org/noticia.php?id=504>).

Todos estes fatos relatados apontam na direção de que a Amazônia pode ser objeto de cobiça das grandes potências mundiais para terem acesso aos recursos naturais nela existentes. O fato de a Amazônia Legal ser a maior província mineral do mundo, estimada em 7 trilhões de dólares contribui também para que ela possa vir a ser objeto de intervenção pelas grandes potências mundiais. A cobiça da Amazônia já foi manifestada por várias personalidades internacionais como o então presidente da

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França, François Miterrand, pelo presidente dos Estados Unidos, George Bush (pai), e pelo presidente Mikhail Gorbachev da ex- União Soviética nos idos de 1989 e, também, pelo general Patrick Hishes, chefe do Órgão Central de Informações das Forças Armadas Americanas que ameaçou que, caso o Brasil colocasse em risco o meio ambiente dos Estados Unidos com o uso indevido da Amazônia, estaria pronto para interromper esse processo imediatamente. Também Pascal Lamy, presidente da OMC, afirmou naquela época que a Amazônia deve ser considerada bem público mundial e submetida à gestão da Comunidade Internacional.

Diante da importância da preservação da Floresta Amazônica no combate às mudanças climáticas globais, a sua destruição caracterizaria a incompetência do governo brasileiro na sua manutenção, fato este que poderia justificar uma intervenção militar internacional no futuro com a ocupação da região amazônica pelas grandes potências. Outra justificativa de intervenção militar internacional, sob o pretexto de defesa dos direitos humanos, seria a ameaça à existência dos povos indígenas nela residentes. A intervenção militar internacional abriria caminho também para as grandes potências se apossarem dos recursos hídricos, minerais e da biodiversidade existentes na região amazônica.

Para que o Brasil exerça sua soberania é imperiosa a decisão do governo federal de denunciar a Convenção 169 da OIT e a Declaração Universal dos Direitos das Nações Indígenas rejeitando sua aplicação em nosso País, ao tempo em que deve adotar medidas eficazes para assegurar a aplicação do artigo 231 sobre o direito dos povos indígenas. Para exercer sua soberania na Amazônia, o governo brasileiro deve promover o desenvolvimento da região com a significativa presença do Estado brasileiro, através das Forças Armadas e de outros agentes e órgãos públicos. Neste sentido, o governo brasileiro deve ocupar a região e explorar racionalmente sua riqueza, com tecnologia adequada à preservação do meio ambiente. O sucesso na defesa territorial da Amazônia exige o imprescindível apoio da população amazônica e brasileira em geral o que requer a adoção de uma política de desenvolvimento que contribua para a utilização racional dos recursos naturais existentes na Amazônia em benefício da população nela residente e do País.

*Fernando Alcoforado, 74, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), entre outros.