M A N D A M E N T O S G A R F I E L D P A R A U M A V I D A F E L I Z S O M
A R E F L E X Ã O M E T O D O L Ó G I C A E M F L ... - CORE
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FF
F undamentos Empíricos da Explica-
ção Sociológica, publicado em 1959,
ainda está por merecer análise de sua
importância na sociologia não só bra-
sileira, mas latino-americana e inter-
nacional, e é parte de um conjunto de
obras, como Ensaios de Sociologia Geral e
Aplicada e Elementos de Sociologia Teóri-
ca, em que o autor apresenta os resultados de
suas investigações teóricas e metateóricas
empreendidas desde os anos 40 de forma
pioneira. Embora considerasse, mais tarde,
em A Condição de Sociólogo, longa entre-
vista em que faz o balanço de sua vida e obra,
tal esforço prematuro
– “porque a universi-
dade brasileira não ti-
nha base institucional
para abrigar e expandir esse tipo de trabalho
intelectual” –, Florestan Fernandes abre cami-
nhos que, longe de estarem esgotados, ainda
podem fertilizar as nossas ciências sociais.
Como todo autor denso, este clássico da nossa
sociologia, exemplo de rigor e seriedade inte-
lectual, é importante pelo que desenvolveu e
pelo que apenas esboçou ou sugeriu.
O esforço de reconstrução teórica e
metodológica empreendido pelo autor em
Fundamentos pertence a uma família de
textos raros em qualquer sociologia – ten-
tat ivas de ordenamento de sistemas
conceituais teóricos com importantes
explicitações, mesmo
parciais, de conceitos
metateóricos organi-
zados em esquemas-
A R E F L E X Ã O M E T O D O L Ó G I C AE M F L O R E S T A N F E R N A N D E S
J O S É J E R E M I A S D E O L I V E I R A F I L H O
JOSÉ JEREMIAS DE OLIVEIRA FILHO éprofessor de Metodologia das Ciências
Sociais do Departamento de Sociologia daFFLCH-USP e pesquisador do CNPq.
F L O R E S T A N F E R N A N D E S
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do termo ecletismo é que não permite umaabordagem estrutural e dinâmica da cons-trução de teorias, desconhecendo a impor-tância dos procedimentos lógicos e semân-ticos das definições para a análiseconceitual. Paradoxalmente seriamecléticos todos os autores que apresentas-sem densidade teórica ou, caso extremo,todos os que efetuassem qualquer forma dereelaboração conceitual.
Em uso mais rigoroso, o termo ecletismoassinalaria uma das dificuldades na cons-trução da linguagem científica em ciênciassociais, que analisei juntamente com oreducionismo e o dualismo em outro artigo(“Patologias e Regras Metodológicas”, inEstudos Avançados, 9(23), 1995). Ao criti-car o ecletismo de alguns de seus professo-res franceses dos cursos da antiga Faculda-de de Filosofia, Ciências e Letras da USP,Florestan Fernandes apreendeu as dificul-dades teóricas e empíricas da elaboraçãoda linguagem sociológica a partir de con-ceitos e tipologias retirados de seus con-textos de origem, sem reelaboração críticaadequada. Não encontramos em nosso au-tor a definição de um termo conceitual pelaconjunção, no definiens, de característicascatalogadas de um conjunto de contextosteóricos incompatíveis e, em sua expres-são, sem uma “perspectiva global,totalizadora e de integração”, como, porexemplo, na conhecida definição de classesocial de Gurvitch. O deslocamento “ins-trumental” por marcos interpretativos,igualmente, nunca representou em sua obrasíntese inadequada de uma teoria sistemá-tica universal, independente de contextossubstantivos de pesquisa empíricasincrônicos e diacrônicos, estruturais e his-tóricos. Através de sua unidade de análisemetodológica, modelo de explicação cien-tífica, foi imunizado das dificuldades as-sinaladas e apreendeu que é mais útil à so-ciologia trabalhar com enfoques teórico-metodológicos, contextos nos quais nasceo rigor possível das linguagens sociológi-cas aptas a abordar, com maior ou menoradequação, problemas teóricos, meta-teóricos e empíricos substantivos. Para umeclético, todos os problemas podem ser tra-
base – que estabelecem o cenário de fundodas estratégias de investigação de um autore de um conjunto de autores que cheguema formar “escola”, tradição de pesquisa,paradigma (em sentido mertoniano) ou de-terminado enfoque teórico-metodológico.As preocupações de Florestan Fernandesem fundamentar a sociologia crítica brasi-leira como ciência empírica e o esforço dediferenciar, selecionar e coordenar classi-ficações, esquemas conceituais, tipologiase teorias em sentido forte, descon-textualizando e redefinindo termos e pro-blemas de investigação, geraram certas di-ficuldades interpretativas na qualificaçãoglobal do projeto intelectual do autor, con-siderado por alguns como: a) eclético e b)empirista, positivista ou naturalista. Acarga semântica pejorativa, científica,epistemológica e mesmo política de taisrotulações foi motivo de preocupação doautor, revelada em encontro, dias antes deseu falecimento, ao professor José de Sou-za Martins.
Em sentido muito genérico de ecletismo,Florestan Fernandes estaria na companhiade grandes sociólogos contemporâneoscomo Talcott Parsons (The Structure ofSocial Action, 1937), Robert Nisbet (TheSociological Tradition, 1966), AnthonyGiddens (Capitalism and Modern SocialTheory, 1971; New Rules of SociologicalMethod, 1976; Central Problems in SocialTheory, 1979), Jürgen Habermas (Zur Logikder Sozialwissenschaften, 1967, 1982;Theorie des kommunikativen Handelns,1981), Jeffrey C. Alexander (TheoreticalLogic in Sociology, 4 vols., 1982-83), W.G. Runciman (A Treatise on Social Theory,1983, vol. 1 e 1989, vol. 2). Neste sentidovago, poderíamos considerar como eclético,por exemplo, o empenho de Marx em rea-lizar um amplo levantamento histórico esistemático das teorias do valor, incorpo-rando à sua teoria final, de modo seletivo ecrítico, características conceituais existen-tes na literatura especializada até sua épo-ca; elaborando ainda novas característicase reelaborando o conjunto em suasredefinições conceituais e introdução denovos conceitos. A dificuldade deste uso
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tados com uma teoria sintética e sistemáti-ca ou todas as teorias podem tratar do mes-mo problema. Florestan Fernandes nãoequacionou as relações entre teoria e expe-riência por nenhum desses dois caminhos.Na sua obra, por exemplo, a análise funcio-nal e o enfoque dialético holistas obedecema regras específicas no jogo da ciência soci-al: na sociologia descritiva ou comparada, oestudo das uniformidades de coexistência ena sociologia diferencial ou histórica, o es-tudo das uniformidades de seqüência.
Fundamentos Empíricos da ExplicaçãoSociológica, título estranho para alguns deseus muitos leitores, deve ser entendidocomo o estudo dos fundamentos da socio-logia empírica, o caminho da observação edescrição à explicação científica ou, parausar expressão do autor, da explanação aosmodelos de explicação. Os “problemas daindução em sociologia” são resolvidos, naprimeira etapa de nosso roteiro, através deprocedimentos operacionais e inter-pretativos de seleção e elaboração ativa quetransformam dados em “instânciasempíricas”, os fenômenos modificados peloinvestigador, como já recomendavamClaude Bernard e Pierre Duhem no séculoXIX. O texto “Reconstrução da Realidadenas Ciências Sociais”, em que o autor teria,em 1957, atingido maturidade intelectual,não apresenta parentesco com o empirismoclássico ou contemporâneo, entendido otermo em sentido epistemológico mais ri-goroso e, igualmente, supondo que não seconfunda insvestigação empírica comempirismo. Florestan Fernandes apresentauma alternativa ao ensaísmo literáriohistoricizante impressionista da nossa tra-dição de pensamento social, muitas vezesrica de hipóteses e apostas compreensivastestáveis e não-testáveis apresentadas comose tivessem o mesmo valor explicativo; e,de outro lado, igualmente bloqueia a so-ciologia “especulativa” ou estritamente re-flexiva, que podem ser exemplificadas pe-los estilos de trabalho de Gouldner e doúltimo Adorno. Em nenhum momento o quehoje conhecemos como o problema da baseempírica da ciência é solucionado confun-dindo-se o problema social com o proble-
ma sociológico – o “ponto de vista socioló-gico” – e a interpretação não deixa de se-guir um duplo critério de análise, o daseletividade dos dados e o da definição deproblemas operados através de conceitos.A reciprocidade entre observações do maisbaixo nível de abstração e as interpreta-ções terá paralelo na reciprocidade, no mo-mento explicativo, entre procedimentosindutivos e dedutivos.
Dos dados imediatos às instânciasempíricas que, interpretadas, permitem eli-minar paulatinamente o acidental na bus-ca de regularidades, possibilitando certaconstrução tipológica, fica caracterizadaa sociologia descritiva ou sociografiacomo etapa da constituição da sociologia.Estudando com mais profundidade o au-tor, é saliente a reciprocidade já mencio-nada, agora em termos mais amplos, entresociografia e sociologia. No estudo dosdiversos modelos de explicação causal oufuncional, compreensão interpretativa edialética, em nenhum momento FlorestanFernandes adere a qualquer forma dereducionismo naturalista, exigência deunidade metodológica entre ciências na-turais e sociais ou aceitação de linguagemempírica de tese teoricamente neutra – te-ses clássicas do empirismo lógico ou doneopositivismo. O termo indução, usadoexaustivamente em Fundamentos, tem osdois sentidos com que comparece na teo-ria clássica da ciência e até recentementena literatura sociológica: a geração deenunciados universais a partir de enunci-ados singulares ou teorias a partir de ob-servações e, o mais corrente, de investiga-ção empírica, seja através de teste indutivoou dedutivo de teorias científicas.
Usar os rótulos empirista e positivistade modo tão ampliado ou viola a defini-ção técnica destes termos ou as defini-ções incluem características que têm porobjetivo torná-las inúteis. A forte lingua-gem causalista presente nos escritosmetodológicos e teóricos de nosso autoré a mesma que impregna para o bem epara o mal as ciências sociais, indepen-dentemente de escolas, correntes ou ten-dências intelectuais dos autores.