A recepção serve para pensar: é um ‘lugar’ de embates
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7/24/2019 A recepo serve para pensar: um lugar de embates
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A RECEPO SERVE PARA PENSAR: UM LUGAR DE EMBATES
THE RECEPTION SERVES TO THINK: IS A ' PLACE ' OF CLASHES
Roseli Figaro 1/ Rafael Grohmann 2
Resumo: Os estudos de recepo tm, na Amrica Latina, um contexto prprio.
Assim, as pesquisas de recepo posicionam-se em contraposio s principais
correntes que estudam a comunicao, as quais relegam o sujeito ao papel de
objeto a ser atingido, protegido, alertado ou alienado. Retomar essa discusso tem
por objetivo: 1) demarcar uma compreenso sobre as relaes de fora sociais e
histricas presentes no processo de produo do conhecimento cientfico; 2)
salientar uma abordagem terica e metodolgica do conceito de sujeito social, ser
de comunicao; 3) discutir como o contexto das ltimas duas dcadas tem
confrontado e desafiado os pesquisadores dos estudos de recepo em sua
trajetria de diferenciarem-se de abordagens tericas que retornam ( moda dos
modismos) com sua concepo linear e de fluxo de comunicao ora o emissorora o canal ora receptor-pblico-alvo. Ao cumprir esses objetivos, espera-se
demarcar balizas de abordagens tericas pertinentes s pesquisas de recepo.
Palavra chave:estudos de recepo; sujeito; cultura; hegemonia; Amrica Latina
Abstract: The reception studies have, in Latin America, a context itself. In This
context, the research of reception position themselves as opposed to major chains
who study communication, and which conform upstaging the subject to object to be
reached, protected, alerted or alienated. Retake this discussion aims to: 1)
demarcate a understanding on relations of social and historical force present in
the process of production of scientific knowledge; 2) emphasize a theoretical and
methodological approach of the concept of social subject, being human
communicator; 3) discuss how the context of the last two decades have confronted
and challenged researchers reception studies in its trajectory to differentiate itself
from theoretical approaches that return (the sets of fads) with its linear design and
communication flow transmitter, channel, receiver/targeted audience. In
fulfilling these objectives, expected to demarcate beacons of relevant theoretical
approaches to research reception.
Keywords:reception studies; subject; culture; hegemony; Latin America
Introduo
Falar em produo terica no campo da comunicao na Amrica Latina tem vrias
implicaes. Entre elas est, sem dvida, a de provocar os leitores para as seguintes reflexes: de
que modo o espao geogrfico-humano importa para a pesquisa em comunicao? E qual a relao
geopoltica, portanto de poder, implicada na adoo da terminologia dos estudos latino-americanos
de recepo?
Neste artigo pretende-se sinalizar caminhos para respostas a essas duas questes, pois
esgot-las seria pretenso demasiada a que no nos propomos, bem como no o tema central
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deste trabalho. No entanto, cumprir os objetivos, em seguida elencados, demanda sinalizar nossos
pontos de vista a essas indagaes.
Dessa forma, contextualizar as duas perguntas anteriores rea de comunicao requer
destacar as diferenas e especificidades da Amrica Latina em relao s demais localidades do
globo tendo em vista dois eixos: a) o jogo de foras marcado pela diferena, pluralidade e
mestiagem cultural (FREYRE, [1933] 2005; BUARQUE DE HOLANDA, 2014; RIBEIRO,
1970,1987); e b), pela especificidade do desenvolvimento capitalista no marco das desigualdades
das relaes entre centro e periferia (PRADO JR., [1966] 1987; PINTO, 2008) no jogo da
globalizao do modelo financeiro-informacional que vem se implantando, desde meados do
sculo XX, como lgica de incorporao subalterna ordem internacional (IANNI, 1992;
SANTOS, 2000; FURTADO, 2003).
Tais eixos podem ser sistematizados como cultura e poder. Esses eixos so mais claramente
assumidos por pesquisadores que passam a contestar as orientaes tericas at ento nicas num
campo de estudos ainda incipiente e que iniciava sua produo. As teorias hegemnicas,
orientavam-se, via de regra, pela tradicional influncia de concepes deterministas e que
traduziam (e traduzem) a comunicao como transmisso linear e direta emissor/canal/receptor e
suas implicaes no sentido da assimilao, da manipulao ou da resistncia. Mais do que isso, a
perspectiva terica hegemnica emanava (e emana) de uma determinada concepo poltica cujo
princpio era o da produo cientfica dando-se do polo mais forte para a reproduo no polo mais
fraco da cadeia do desenvolvimento capitalista.
Essa afirmao tem como pano de fundo a compreenso de que a cincia faz parte do
processo poltico, econmico e cultural de uma sociedade, no est fora, apartada, nem acima,
superior, a este processo. O que exige tratar a produo cientfica na materialidade de seu contextoe acontecimento histrico.
Muniz Sodr (2014) ressalta que o funcionalismo e a mass communication research se
atualizaram e continuam pensamentos hegemnicos, contribuindo para a imbricao entre
financeirizao e comunicao. O par comunicao/informao, para Sodr (2014, p. 56),
representa um aspecto da luta de classes em que a modernizao neoliberal acarreta o
desmantelamento do Estado de bem-estar social e da tradicional organizao das foras produtivas
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em favor da precarizao do trabalho.
No caso da Amrica Latina e, especificamente, do Brasil, h que se considerar as
implicaes e os atravessamentos que o jogo de foras de sua posio geopoltica produz sobre o
campo da comunicao. O pensamento nacional, que se descortinava nos anos de 1960 em torno de
um projeto nacional-popular, estava inspirado na cultura e no protagonismo poltico de resistncia
de camadas da populao ordem hegemnica que nos identificava com o projeto norte-americano
na Guerra Fria. Assim tambm era o pensamento latino-americano que ousava nomear-se em
alteridade aos hegemnicos discursos da subservincia. Esses intrpretes do Brasil e da Amrica
Latina de diferentes reas das humanidades, sobretudo da comunicao em sintonia com o
movimento social concreto, afirmavam a necessidade de buscarmos alternativas sociais e polticas
fortemente embasadas na experincia e na sabedoria das camadas populares (FREIRE, 1983;
PASQUALI, [1978] 2007; BELTRN, 1981; BORDENAVE, 1983; KAPLN, 1985; entre outros).
As ditaduras na Amrica Latina apartaram esse pensamento nacional-popular de suas
respectivas populaes, criando um distanciamento entre eles, tornando os discursos sobre a
comunicao e a cultura tambm apartados de toda a experincia vital necessria para o
desenvolvimento das pesquisas. esse distanciamento, inclusive, que propicia, por parte das foras
hegemnicas, a consolidao de poltica de segurana nacional embasada na ampliao e
consolidao de um sistema nacional de comunicao no modelo de negcio privado de concesso
pblica.
Mas, a par do anacronismo das solues esquemticas, o movimento poltico e social pela
redemocratizao da Amrica Latina e, claro, do Brasil, foi tirando do subterrneo toda uma
camada de experincias com comunicao popular que jogava por terra a dicotomia dos meios de
comunicao como instrumentos de circulao dos smbolos eficazes (teorias funcionalistas)versus os meios de comunicao feitos para impedir a atividade mental do espectador (teoria
crtica). H que se ressaltar o protagonismo das militncias, praticando um outro tipo de
comunicao em todo o continente latino-americano (FESTA; SILVA, 1986; MOTTA, 1987;
PERUZZO, 1998). Os relatos de experincias j so bem conhecidos: as rdios mineiras no Chile,
na Bolvia, as rdios livres e comunitrias na Colmbia, no Peru, no Brasil, na Argentina. A
imprensa sindical e operria, sobretudo, no Brasil, Chile e na Argentina, os comits de mes por
creches e melhorias nos bairros e os comits da luta contra a carestia de vida e o desemprego, todos
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eles discutiam, produziam e circulavam os desafios e os resultados de suas lutas. No existiam para
os grandes jornais, nem para a televiso nem para as emissoras de rdio. Eles protagonizavam uma
outra lgica de produo e circulao das informaes, da cultura e das reivindicaes das camadas
populares.
Foi a emergncia desses movimentos, vindos cena para sustentar a redemocratizao
poltica de seus pases, que permitiu a reflexo sobre a necessidade de aparatos terico-
metodolgicos capazes de conhecer e explicar as relaes de comunicao que ali se davam. Dessa
forma, como afirma David Morley (2007), preciso considerar o contexto espacial-geogrfico
onde ocorre a comunicao.
Esse contexto influencia a universidade e os pesquisadores sensveis a essas lutas, os quais
produzem concepes inovadoras sobre as relaes de comunicao e o poder das mdias (ORTIZ,
1988; GARCA CANCLINI, 1995, MARTN-BARBERO, 1997). Desenvolve-se da toda uma
linhagem de trabalhos chamados fundadores, no Brasil, dos estudos de recepo (ESCOSTEGUY;
JACKS, 2005, FIGARO; GROHMANN, 2013 ).
A partir dessas consideraes introdutrias, retomar essa discusso tem por objetivo: 1)
demarcar uma compreenso sobre as relaes de fora sociais e histricas presentes no processo deproduo do conhecimento cientfico; 2) salientar uma abordagem terica e metodolgica do
conceito de sujeito social, ser de comunicao; 3) discutir como o contexto das ltimas duas
dcadas tem confrontado e desafiado os pesquisadores dos estudos de recepo em sua trajetria de
diferenciarem-se de abordagens tericas que retornam ( moda dos modismos) com sua concepo
linear e de fluxo de comunicao ora o emissor ora o canal ora receptor-pblico-alvo. Ao cumprir
os objetivos antecedentes, espera-se demarcar balizas de abordagens tericas pertinentes s
pesquisas de recepo.
Pertinncia e especificidade dos estudos latino-americanos de recepo
O lugar de produo cientfica, no caso a Amrica Latina, colabora na conformao das
linhas de interesse temtico e influencia a capacidade que temos de identificar objetos a serem
estudados. Cada cultura tem caractersticas que conformam qualquer estudo. Assim, tempo, lugar e
os sujeitos histricos compem a materialidade das linhas de relaes que adotam objetos e temas a
serem estudados e, com isso, demonstra-se o que faz a diferena, o que importante, o que tem
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sentido para ns. No existe uma cincia limpa e despida desses traos. Comp-los e organiz-los
a tarefa do pesquisador.
Desse modo, na Amrica Latina, a cultura popular, fortemente marcada pela oralidade e
pela excluso, fez toda a diferena para os estudos da comunicao, ou seja, os dois eixos acima
apresentados, cultura e poder, so permeados pelo atravessamento do popular e do subalterno. Esse
atravessamento exige dos estudos latino-americanos da comunicao a eleio de temas e de
problemticas de pesquisa cujo tratamento terico-metodolgico fazem retrabalhar as noes de
sujeito/subjetividade e de suas relaes com as coletividades das quais faz parte.
Ter em conta essa perspectiva de abordagem desloca e contrape-se a teorias deterministas
as quais compreendem a comunicao como transmisso linear e direta. A base desse
deslocamento dado pelo popular traz o contexto das relaes de comunicao como elementos
relevantes a interao e as intersubjetividades. O conceito de sujeito o que precisa ser
problematizado. O indivduo/social, sujeito, ao ser contextualizado na complexidade das relaes
sociais com a coletividade, no cotidiano, nas instituies, nas relaes de poder, nas relaes de
classe, nos conflitos, nos discursos e nas mdias passa a ser compreendido como ser particular e
histrico, paciente/agente da transformao social.
Assim sendo, as teorias funcionalistas, hegemnicas em nossa rea de estudos, embora
tenham como preocupao o receptor, nelas, este tomado como pblico-
alvo/consumidor/audincia parte de um sistema em funcionamento, uma parte, um rgo do
sistema ao qual responde; parte cabe reproduzir a ordem do todo. As premissas do funcionalismo
esto nas orientaes dos positivistas Comte, Spencer e Durkheim, cujo aspecto teleolgico
sobrepe o todo s partes. A palavra recepo/receptor nas teorias funcionalistas recobre um campo
semntico, portanto, no qual o sujeito se insere em chave conceitual completamente diferentedaquelas antes discutidas do cotidiano, do popular, da coletividade, da luta de classes
norteadoras dos estudos latino-americanos de recepo.
Para exemplificar o sentido de receptor para a linha de usos e gratificaes, de tradio
funcionalista, podemos recorrer sntese de McQuail (2013, p.380):
A abordagem de usos e gratificaes no estritamente comportamental, j que sua
nfase principal est na origem social da gratificao pela mdia e nas funes sociais mais amplas
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dela, por exemplo, ao facilitar contato e interao sociais ou reduzir tenso e ansiedade.
A partir desses elementos se pode argumentar que o ponto central de diferenciao entre as
abordagens tericas est no fundamento de cada qual para explicar as relaes sociais, ou seja, para
a sociologia funcionalista as tenses sociais no se do entre classes, opressor-oprimido, grupos
hegemnicos e subalternos, e sim entre indivduos e interesses sendo a funo principal das
instituies reduzir o atrito e buscar a estabilidade, e a comunicao instrumento dessa funo.
Nessa acepo funcional, podemos afirmar ao modo de Cabral (2004, p. 13) que a cincia
compreendida como um instrumento de regulao, explica o mundo social em termos de
estruturas e funes fsicas e biolgicas similares quelas do mundo natural. Com essa orientao,
as pesquisas, sobretudo, orientadas pela abordagem dos usos e gratificaes, contriburam,
segundo Escosteguy e Jacks (2005) para descrever a audincia e seu comportamento e tm sido
teis para os propsitos da mdia e insensvel s determinaes da estrutura social
(ESCOSTEGUY; JACKS, 2005, p.33)
Se o conceito de sujeito nos estudos latino-americanos de recepo tem abordagem
diferente dos estudos funcionalistas, o de cultura mais ainda. A cultura, para os funcionalistas, no
processo histrico, conjunto descritivo de bens, atributos e papis. Para esclarecer a relevnciada cultura nos estudos latino americanos de recepo cabe retomar a discusso sobre a importncia
e a influncia dos estudos culturais britnicos no nosso lado do globo. Reportamo-nos aos autores
da tradio do Centro de Estudos Culturais da Escola de Birmingham, Raymond Williams, Edward
Thompson, Richard Hoggart e de seu continuador Stuart Hall.
Desta tradio, destacam-se trs conceitos chaves: cultura, classes sociais e hegemonia.
Esses conceitos fazem repensar os processos de comunicao, buscando entender a recepo no
como finalidade, mas como parte de um processo cultural-comunicacional maior, no qual os meios
de comunicao so entendidos como meios de produo (WILLIAMS, [1980] 2011). A noo de
cultura amplia-se na perspectiva antropolgica, na medida em que a contribuio de Raymond
Williams traz para o debate a noo de cultura como vida cotidiana, aquela vivida e produzida por
todos os homens, cujo valor est na capacidade de traduzir os modos, os sentidos, os valores de
como as pessoas vivem em sociedade. Ele d cultura um sentido contextual e histrico, marcado
pelos embates da luta de classes, da a importncia das culturas populares, tendo sua produo to
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valorizada quanto qualquer outra produo cultural literria ou artstica. Thompson, por meio de
suas pesquisas com a classe operria inglesa, contribui com a noo de classe como experincia,
embate de interesses e modos de vida particulares, a classe se manifesta no percurso histrico da
luta entre as classes na mudana social. Nessa compreenso das relaes entre cultura, sociedade ehistria, Richard Hoggart deu sua contribuio, sobretudo como primeiro dirigente do Centro de
Estudos, e suas investigaes centravam-se nas prticas de resistncia de subculturas e de anlise
dos meios massivos, identificando seu papel central na direo da sociedade (ESCOSTEGUY,
2010, p. 29). A influncia do materialismo histrico dialtico marcante e fonte de polmicas neste
primeiro momento dos estudos culturais, bem como a influncia de Gramsci, sobretudo com
relao s anlises sobre ideologia, hegemonia e classes subalternas.
Stuart Hall, pode-se dizer, da segunda gerao de estudos culturais, substituiu Hoggart na
direo do Centro e foi o autor que polemizou diretamente com os tericos do estrutural-
funcionalismo ao apresentar sua proposta de codificao e decodificao(HALL, [1980]2003) dos
textos da cultura, tendo em vista trs perspectivas: leitura de posio hegemnica-dominante,
leitura de cdigo negociado, leitura de contra posio ao discurso dominante. Nessa fase de sua
produo (1972-1979), Hall est observando como os discursos no contexto de sua enunciao, ou
seja, do ponto de vista da recepo, travam o embate com as questes ideolgicas e trazem cena
os conceitos de classe social, cultura popular, hegemonia, elites. Mais adiante (1997) suas
pesquisas empricas com outros investigadores (Paul Du Gay, Linda Janes e outros) trabalha uma
proposta metodolgica que trata do circuito da cultura, no qual produo e consumo fazem parte
de um processo composto tambm por regulao, identidade e representao. Por essa proposta
metodolgica os discursos so processados nesse circuito onde adquirem sentido.
As primeiras reflexes dos estudos culturais chegam aos autores latino americanos,
estudiosos da cultura e da comunicao, no contexto dos anos de 1980, quando o modelo
maniquesta de abordagem da comunicao j estava sendo confrontado pela emergncia das lutas
populares pela redemocratizao do Continente.
Claro que a influncia dos estudos culturais britnicos ser lida e incorporada de formas
particulares pelas pesquisas na Amrica Latina, e caracterizar de maneiras diversas a produo
cientfica dos pesquisadores que, ora do maior relevncia recepo das camadas populares por
meio de pesquisas empricas, com entrevistas e observao, assistindo tev juntos, fotografando
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ambientes dos lares, etc.; ora privilegiam a anlise dos textos dos produtos culturais no confronto
com as falas de populares, buscando a produo de sentidos divergentes ou convergentes; ora ainda
recortam os setores de classe social, ou de mulheres, jovens, crianas e suas relaes cotidianas
com os meios de comunicao.
Ainda mais uma vez, preciso firmar as balizas que diferenciam os estudos latino
americanos de recepo daqueles que identificam as pesquisas de recepo com orientao
funcionalista. Para os funcionalistas, o sujeito social um indivduo que desempenha papis e
ocupa determinados lugares na sociedade e suas aes cumprem as finalidades do todo social. Luta
de classes, hegemonia, classes populares so conceitos inexistentes no constructo terico
funcionalista. Escamotear essas divergncias seria, no mnimo, falta de conhecimento sobre o tema.
O crescimento das pesquisas empricas e a renovao conceitual so fatos relevantes para
os quais os estudos latino-americanos de recepo contriburam com o campo da comunicao nas
ltimas dcadas. importante reforar, assim, que, na trajetria dos estudos aqui destacados, a
nomenclatura recepo nunca foi considerada como o momento ltimo de um processo de
comunicao linear e mecnico este pertencendo aos paradigmas hegemnicos. Pelo contrrio,
recepo um lugar de onde se compreendem os sujeitos comunicacionais.
Esse embate com os paradigmas hegemnicos tm feito os estudos latino americanos de
recepo se defrontar e retrabalhar o prprio conceito de recepo. Consumo, audincia,
prosumidor, circulao so alguns dos temas que voltam constantemente e merecem nossa ateno.
O deslocamento e o lugar da recepo
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Se na dcada de 1990, o termo recepo era muito utilizado, especialmente em
relao s mediaes de Martn-Barbero (1997), o cenrio se modificou nas primeiras dcadas do
sculo XXI. A recepo se tornou dmod. Entretanto, quando Escosteguy (2009) levanta a questo
de que a recepo j no alcana, o que a autora salienta uma perspectiva de cultura e poder
relacionada aos Estudos Culturais, enquanto circuito de cultura, onde perpassam os sentidos.
Trata-se de um processo muito mais amplo e complexo que diz respeito aos atores sociais e
configurao dos modos de ser (ESCOSTEGIY, 2009, p. 12). Ento, a recepo no alcana,
em nossa viso, s se for entendida luz das teorias hegemnicas (estrutural-funcionalistas) da
comunicao.
O nome recepo, ento, tido como dmod principalmente a partir das
reconfiguraes tecnolgicas das ltimas dcadas. O que esto em jogo so as mudanas na relao
dos sujeitos com os meios de comunicao, inclusive na internet. Em geral, pergunta-se: como
denominar um sujeito que, a um s tempo, acessa um portal de notcias, cria uma mensagem em
um frum de discusso, envia um e-mail para um amigo e l uma mensagem postada em um site de
relacionamentos? (COGO; BRIGNOL, 2010, p. 12).
Essa pergunta pertinente como estratgia metodolgica, mas est centrada nomeio, na tecnologia. Por que no se perguntar: como denominar um sujeito que, a um s tempo,
assiste TV, fala com os amigos ao telefone, tem s mos o boletim do sindicato e prepara o jantar
da famlia? O que nos interessa nas pesquisas dos estudos latino-americanos de recepo
compreender como os sujeitos se relacionam com os meios de comunicao, como se do as
relaes de comunicao e como se constroem os efeitos de sentidos.
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De fato, nos termos de uma renovao que se multiplicam as terminologias, como
uma forma de demarcar um terreno terico. Castells (2009) fala em prosumidor e produser;
Jenkins (2008) ajuda a alavancar os estudos sobre os fs, alm de ajudar a disseminar (ou
espalhar para ficar em seu prprio conceito de spreadable media JENKINS; GREEN; FORD,
2014) termos como convergncia, narrativas transmdia e mesmo spreadable media. Enquanto
isso, Shirky (2011) comenta acerca da cultura da participao. Mas o que eles entendem por
participao, e consequentemente, por sujeito? Nota-se que Jenkins, Green e Ford (2014) procuram
entender participao como um paradigma diferente daquele relacionado resistncia.
Esse foco na resistncia compatvel com a linguagem empregada pelos escritores nos
estudos culturais e crticos que so tradio desde os anos 1980. Atualmente, os acadmicos so
muito mais propensos a falar sobre poltica com base na participao, refletindo um mundo onde
mais poder da mdia fica nas mos dos cidados e dos membros do pblico, ainda que a mdia de
massa possua uma voz ativa privilegiada no fluxo das informaes. A sintaxe diz a ns todos algo
essencial sobre esses dois modelos. Somos resistentes a algo: ou seja, somos organizados em
oposio a um poder dominante. Participamosemalgo, ou seja, a participao organizada em e
atravs dascoletividades e conectividades sociais (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p. 206).
Entendemos que o conceito de participao deve ser tomado em seu sentido
democrtico e por isso necessria a inter-relao com resistncia. Se participar significa
somente estar integrado ao sistema a partir das interaes em rede hegemnicas, ento se
esvazia a noo de comunicao a partir das relaes de poder. Segundo Fuchs (2014), os autores
de Cultura da Conexo reduzem participao a uma dimenso cultural, ignorando a noo de
democracia participativa e suas implicaes para a Internet. Por exemplo, comunidades fascistas na
internet no podem ser consideradas como uma amostra da cultura participativa e da cultura def. Participao significa que os seres humanos tm o direito de fazer parte das decises,
governar e controlar as estruturas que os afetam. Direitos so universais e no particularistas
(FUCHS, 2014, p. 57)
O que podemos perceber, ento, que o conceito de recepo relegado a
segundo plano, assim como o conceito de resistncia, passando para a linha-de-frente terica
termos como criatividade e participao. Isto , h uma concepo de sujeito limitada s
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"diferenas interacionais e que no concebe relaes de poder, desigualdade e hegemonia.
Do mesmo modo que a nomenclatura do sujeito questionada, o prprio nome
tambm o . Afinal, do que estamos tratando quando falamos em recepo? Consumo? Circulao?
Usos? Scolari (2008) afirma que o termo usos se relaciona a certo taylorismo digital que
considera somente a mtrica dos cliques. Se Taylor se propunha a reduzir o nmero de
movimentos de um operrio para incrementar sua produtividade, o expert em usabilidade
quantifica e trata de reduzir o nmero de cliques (SCOLARI, 2008, p. 254-255). Contudo, isso
depende de como o pesquisador concebe (ou, de certa forma, usa) esses conceitos. o olhar (ou
o paradigma terico) do sujeito-pesquisador que guia os conceitos.
Dessa forma, em nossa viso, os estudos latino-americanos de recepo podem tratar de
consumo cultural, consumo miditico (TOALDO; JACKS, 2013), circulao (FAUSTO NETO,
2010), consumo midiatizado (TRINDADE; PEREZ, 2014) ou quaisquer outras terminologias desde
que haja uma concepo de sujeito social/comunicacional envolvida bem como considere as
relaes de poder. No so as terminologias em si que demarcam o pertencimento a uma corrente
de estudos, mas um ponto-de-vista em comum sobre os sujeitos/objetos de estudo. E como afirma
Lopes (2011, p. 414), as categorias-chave da pesquisa de recepo so mais, e no menos,
significantes no ambiente das novas mdias.
No mesmo contexto, os estudos latino-americanos de recepo trazem tona a ordem do
comunicacional, no do estritamente miditico (LOPES, 2014). So das correntes midiolgicas e
que consideram o meio como o centro de tudo que os estudos latino-americanos de recepo se
afastam. Na verdade, em contexto de spreadable media (JENKINS; GREEN; FORD, 2014) faz
ainda menos sentido centrar os estudos em um meio ou plataforma, pois o que interessa so as
produes de sentido em circulao nas relaes de comunicao. Porm, bom salientar queafastar-se de uma concepo determinista dos meios no significa esquecer os meios e como os
dispositivos comunicacionais (MAINGUENEAU, 2008) produzem sentido. O que as mltiplas
telas evidenciam so, na verdade, que o que se chamou de lado oculto do receptor (SOUSA,
1995) o que realmente interessa para a compreenso do circuito da cultura. So os sujeitos e o
que eles consomem, produzem e circulam com os seus sentidos no so assujeitados ou somente
efeitos de estruturas ou enunciaes, mas produtores de sentido e da prpria histria, embora no
detenham controle total do processo. Processo que deve ser considerado nas pesquisas e anlises da
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recepo, afinal o circuito da produo-consumo que chamamos de recepo.
Na jovem tradio latino-americana (se que assim se pode reivindicar), os estudos de
recepo servem, ento, para questionar hegemonias, no para refora-las ou somente para exaltar
a participao e a criatividade dos usurios. preciso, dessa forma, resgatar uma abordagem
crtica desse processo seja para aplicar a partir da circulao, dos prosumidores ou da questo do
consumo. Importa salientar essa abordagem crtica, de uma cincia que se propugna (ao modo das
epistemologias do Sul) compreender a comunicao como centro dos embates econmicos e
polticos que se do na contemporaneidade.
Do mesmo modo que Garca Canclini (1995) afirmou o consumo serve para pensar,
podemos parafrase-lo e dizer que a recepo serve para pensar: a especificidade do espao
geogrfico-humano para os estudos de recepo na Amrica Latina, a necessidade ainda maior de
se pensar as questes de cultura e poder em tempos de hegemonia da convergncia e
financeirizao da comunicao (SODR, 2014). Serve para pensar a recepo como um lugar
de lutas e embates, no de transmisses e apenas consensos. Serve, enfim, para evidenciar que aqui
tambm se produz conhecimento terico, epistemolgico e metodolgico da comunicao. Por
isso, a par das tergiversaes em nosso campo que auspiciam proximidades entre pesquisas
funcionalistas e de estudos culturais, de forma modesta, afirmamos: a recepo ainda serve.
1Doutor, USP, [email protected]
2Doutorando, USP, [email protected]
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